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UMA. GRANDE .~ :
TRANSFORMA· AO·
DE NOVO
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Karl Polanyi refletiu sobre a capaddade de autorregulacão
das economias-de mercado em liA Grande Transformação",
Editado pela' primeira vez em 1944, -o livro tem uma
. recente edição' portuguesa, Excelente ocasião' para confrontar
as suas teorias coma realidade de hoje e concluir
que a atuaüdade do seu pensamento é evidente
TextoPedro Adã~ e Silva
I
difícil encontrar entre os
clássicos do pensamento social outra obra tão adequada à compreensão dos nossos tempos como "A Gran- '
de Transformação",
publicada por Karl Polanyi em
1944 e que acaba de ser
oportunamente editada em
.
português
,(Edições
70,
trad. de Miguel Serras Pereira, 540 págs., .€24,21).
Com frequência lida como contraponto ao determí- ,
nismo económico de Marx e contrastando também
com o otimismo com que as visões liberais suas contemporâneas - nomeadamente as de' Von Mises e
Hayek - olhavam para a capacidade de autorregulação das economias de mercado, "A Grande-Transformação" apresenta uma tese inovadora sobre a natu.reza do capitalismo e o modo como a economia de
mercado se expandiu, contaminando com os seus
princípios toda a vida social e política,
.
A atualidade do pensamento de Polanyi é evidente. Há uma década, tenderiamos a afirmar que a História não havia sido generosa com a interpretação que
ele fez da evolução das economias de mercado (na
aparência, com o fim da era do 'liberalismo encastrado' de Bretton-Woods, assistíamos a uma estabilização do capitalismo globalizado, autorregulado e escassamente institucionalizado), Mas hoje, após o desencadear da crise em 2008, com os abalos sísmicos vindos
. do sistema financeiro norte-americano, o cenário é
bem distinto: há- uma recessão profunda que afeta
grande parte das economias industrializadas, desequi'l.J.briossistémicos que aparentam não ter resolução e
uma subordinação política dos Estados-nação aos interesses do sistema financeiro que,tem poucos pa~alelos
históricos. Aproximamo-nos, de novo, do tempo que
marcou Polanyi e influenciou o seu pensamento?
Polanyi fez parte da geração de intelectuais emigrados dá Mitteleuropa para os Estados Unidos da
América antes da guerra, e a sua integração, não
sendo um caso de notável sucesso, coloca-o ainda
assim entre a minoria que teve oportunidade de
prosseguir uma carreira- académica no Novo Mundo. A sua história de vida partilha' muitos dos traços ,
dos seus contemporâneos
oriundos das fronteiras
do que era o Império Austro-Húngaro.
Nascido em Viena em 1886, no seio da burguesia'
judaica, Polanyi emigrou para Budapeste, onde se
licenciou em Direito. Toda a sua formação acabaria
por ser marcada pelo período politicamente tumultuoso que caracterizou a Europa Central no primeiro quartel do século XX:,militante socialista na adolescência, enquanto estudante universitário fundou
uma importante tertúlia intelectual em Budapeste (o
, 'Círculo Galileu'), aproximou-se de grupos 'socialistas liberais', precursores do movimento social-democrata, e mais tarde foi editor no 'primeiro semanário
económico da Europa Central. Pelo caminho, combateu e foi ferido durante a I GUerra Mundial. Forjou a
sua visão política através de um. cruzamentosingular
entre socialismo de matriz ~ristã, marginalismo de
co no qual a economia se 'encontra incrustada.
inspiração schumpeteriana e a 'escola histórica' de
• O livro organiza-se em t~rno de uma questão
Schmoller e Duhring, que sublinhava o papel do Esque não é independente do espírito do seu tempo:
tado na institucionalização das variedades do capitaqual a razão para que, após UlP. período prolongado
lismo. No entanto, ésó com o exílio em...Londres, . de paz e prosperidade, quando a Europa parecia- asonde viveria até ao início da II Guerra Mundial, ansentar em fundações sólidas, se tenha assistido a um
tes de se fixar defuiitivamente entre o Canadá e os
conflito mundial, logo seguido de uma profunda depressão económica?
.EUA, que consolida o seu pensamento.
Obra de maturidade e de grande fôlego, redigida
Polanyi sugere qu,e os vários acontecimentos cacom o espetro da guerra a pairar, "A Grande Transtastróficos que assolaram a Europa na primeira meformação" é uma explicação analítica do desmorona, tade do século XX não podem ser vistos isoladamenmente civilizacional que então se vivia - daí o subtíte. Pelo contrário, são manifestações de uma mestulo "As Origens Políticas e Económicas do Nosso
ma tendência:a desagregação da unidade social cauTempo" - e uma tentativa de estabelecer as bases
sada pela emergência da 'sociedade de mercado'. A
para um modelo de capitalismo 'sujeito a formas de
originalidade do argumento passa pelo reconhecimento de que 'a era dos extremos' é produto unívoregulação políticas.
co de uma tendência dê desinstitucionalização
das
Estamos face a um livro complexo, no qual o diálogo teórico se combina Com digressões históricas e
économias. Para Polanyi, a emergência do fundaantropológicas sobrea evolução das economias primentalismo do mercado é unfa ameaça existencial
mitivas para as modernas economias de mercado.
às fundações políticas das sociedades abertas.
Partindo de uma visão marcadamente multidiscipliÉ neste sentido que 'identifica um novo mecanisnar, Polanyi sustenta que 'a grande transformação'
mo dialético - o 'duplo movimento' -I através do
consistiu na erosão das formas tradicionais de insti- . qual se vai procedendo a úma alternância histórica
tucionalização da economia e na emergência, no séentre controlo social da economia e controlo dos
mercados sobre-a sociedade. Os totalitarismos eram
culo XIX, dos mercados como forma de regulação
social hegemõnica, mas historicamente contingente
lidos como um impulso político que, sacrificando as
~ com um potencial revolucionário, capaz de desaliberdades, visava proteger a sociedade do mercado, gregar todos os mecanismos tradicionais de enraízado falhanço do padrão-ouro corno projeto de desins-.
mento social da economia.
titucionalização do capitalismo. Mas foi também esComo é dito no excelente texto de introdução à
te movimento dialético que criou as condições para
que o capitalismo se pudesse salvar de si próprio,
edição portuguesa, "a grande transformação teria
consistido na libertação dos-mercados do controlo . superando contradições-e promovendo uma reconciliação de classes -:...-como viria a acontecer no pósdas instituições sociais e, ao invés, na determinação
-guerra, através da politização da economia, com a
da economia; das próprias instituições sociais e, tenconsagração do Estado-Providência,
dencialmente, de todos os aspetos da vida social e
Como sustenta Joseph Stiglitz no prefácio a esta
humana pelos padrões de troca mercantil". A tese
edição, "acontece com frequência termos a impres.inovadora de Polanyi é.que a transição para uma
_são de que Polanyi está a: falardiretamente
dos proeconomia de mercado autorregulada é um produto
blemas de hoje". É verdade. A páginas tantas, Polande uma estratégia política que encontrou nos instruyi escreve que "o colapso do padrão-ouro internaciomentos do Estado moderno os meios adequados à
nal foi o elo de ligação invisível entre adesintegração
sua concretização, Por isso mesmo, é completamenda economia mundial iniciada na viragem do século'
te improdutivo analisar a vida económica apenas
e a transformação de toda uma civilização que teria
através de variáveis económicas e é fundamental
lugar nos anos 30". Substituamos padrão-ouro por
compreender o contexto ínstitucional, social e políti'crise das dívidas soberanas' e acrescentemos Lehman Brothers como equivalente ao crash bolsista e é ,
bem possível que tenharnos o retrato de uma sequência histórica catastrófica que pode estar a repetir-se.
Ainda assim, convém ter presente que, mesmo
tendo sido escrito durante o mais sombrio dos tempos, em plena II Guerra Mundial, "A Grande Transformação" preserva um assinalável otimismo histórico. Para Polanyi, a 'proteção da sociedade' acabaria
por imperar: institucionaliza~l(io social e politicamente a economia de mercado. Aprevísão revelou-se historicamente certeira, tendo em conta os 'anos gloriosos' de economias de mercado incrustadas em instituições políticas e sociais nas democracias liberais
do pós-guerra. Hoje, resta saber quais são os instrumentos que tornarão possível um novo momento dialético, corretor dos desequilíbrios sistémicos que ep.:
frentamos, e que coligação de classes se formará para os tornar exequíveis. Infelizmente, Polanyi nada
nos diz sobre esta nova fase dó capitalismo. A
Um livro no -qual o diálogo
teórico se combina,
com' digressões hístórícas
e antropológicas
sobre a 'evolução
_
das economias primitivas
para as modernas
economias de mercado
381 ATUAL 101 de dezembro
de 2012 1Expresso