Deixados Para Trás - Deixados Para Trás

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Deixados Para Trás - Deixados Para Trás
Série DEIXADOS PARA TRÁS
Sé rie de icçã o mais lida no mundo, Deixados Para Trá s vendeu mais de 70 milhõ es de
livros e foi traduzida para mais de 30 idiomas. A histó ria reú ne icçã o cristã , açã o e suspense
comlancesdealtatecnologianumtrillerdetirarofô lego.Otemaprincipalé nadamenosqueo
própriofinaldostempos.
O pensamento de Rayford Steele estava numa mulher que ele nunca havia tocado. Com
seu 747 totalmente lotado, ligado no piloto automá tico e voando sobre o Atlâ ntico em direçã o
aoaeroportodeHeathrow,emLondres.Rayforddeixouporalgunsmomentosdepensaremsua
família.
Naquele momento, ele acariciava a lembrança do sorriso de Hattie Durham, a chefe do
serviçodebordo,esonhavacomoencontroquetinhammarcado.Aodeixaracabineporalguns
momentos, Rayford teve seus pensamentos interrompidos. Hattie apareceu assustada e disselhe:
Algunspassageirossumiram!
TimLaHaye&JerryB.Jenkins
DEIXADOS
PARA TRÁS
UMAFICÇÃODOSÚLTIMOSDIAS
Traduzidopor
RubensCastilho
UNITEDPRESS
DEIXADOSPARATRÁS
OriginalmentepublicadoeminglêscomoLeftBehind
1995©TimLaHayeeJerryB.Jenkins.
Revisão:MariaEmíliadeOliveiraeJosemardeSouzaPinto
LaHaye,TimF.
Apoliom/TimLaHayeeJerryJenkins:traduçãoRubensCastilho.
Títulooriginal:LeftBehind
1.Ficçãonorte-americanaI.LaHaye,TimF.II.Título
ParaAliceMacDonaldeBonitaJenkins,
quegarantiramquenãofossemosdeixadosparatrás
CAPÍTULO1
OPENSAMENTOdeRayfordSteeleestavanumamulherqueelenuncahaviatocado.Com
seu 747 totalmente ocupado pelos passageiros, ligado no piloto automá tico, voando sobre o
Atlâ ntico para aterrissar à s seis da manhã no aeroporto de Heathrow, em Londres, Rayford
deixouporalgunsmomentosdepensaremsuafamília.
No começo da primavera, ele passaria um tempo com sua esposa e seu ilho de 12 anos.
Sua ilha també m estaria voltando da faculdade. Mas, por ora, com seu co-piloto tirando um
cochilo,RayfordacariciavaalembrançadosorrisodeHattieDurhamesonhavacomoencontro
quetinhammarcado.
Hattieeraachefedoserviçodebordo.Faziajámaisdeumahoraqueelenãoavia.
Rayford costumava aguardar com certa ansiedade o momento de estar com sua esposa.
Irene era atraente e bastante jovial e ativa, mesmo nos seus quarenta anos. Mas ultimamente
elesesentiacomoquerepelidopelaobsessã odelapelareligiã o.Eratudooqueainteressavae
doqueelafalava.
Deus era importante para Rayford Steele. Ele até se sentia bem na igreja sempre que
podia freqü entá -la. Mas, desde que Irene se apegou a uma congregaçã o menor e passou a
participar de estudos bı́blicos semanais e de cultos em todos os domingos, Rayford começou a
sentir-se deslocado e desconfortá vel. A igreja que ela freqü entava era daquelas que jamais
pensavam o melhor sobre uma pessoa e a deixavam em paz. Os membros da igreja
costumavamperguntaraRayford,caraacara,oqueDeusestavafazendoemsuavida.
"Abençoando meu desempenho", respondia ele com um sorriso, o que parecia satisfazerlhes,masRayfordpassouaencontrarcadavezmaisdesculpasparapreencherseusdomingos.
Rayford tentava convencer-se de que era a devoçã o de sua esposa a um pretendente
divino que fazia a mente dele divagar. Mas sabia que a verdadeira razã o disso era seu pró prio
instintosexual.
Alé mdisso,HattieDurhameraextremamentedeslumbrante.Ningué mpodianegar.Oque
mais o encantava era quando ela o tocava. Nada impró prio nada vulgar. Ela simplesmente
tocavaseubraçoaopassarnumlugarapertadooucolocavaamã osuavementeemseuombro
quandoficavaempéatrásdoassentodelenacabina.
Mas nã o era apenas o toque de Hattie que fazia Rayford gostar de sua companhia. Ele
podiaadivinharpelasexpressõ esdela,porsuapostura,pelatrocadeolhares,queelaaomenoso
admirava e respeitava. Se ela estivesse interessada em qualquer outra coisa, Rayford poderia
apenasconjeturar.Efoioquefez.
Eleshaviampassadoalgumtempojuntos,conversandoduranteumaperitivooujantar,à s
vezescomoscompanheirosdetrabalho,outras,nã o.Areaçã odeRayfordnã otinhaidoalé mde
um leve toque de mã os, mas seus olhos captaram um olhar mais demorado de Hattie, e ele
pôdeapenasadmitirqueseusorrisoparaelarepresentavaalgumprogresso.
Talvez hoje. Talvez esta manhã , se a batidinha-có digo na porta nã o despertasse seu copiloto, ele tentaria tocá -la quando ela viesse pousar a mã o em seu ombro — de uma forma
amigá vel,eleesperavaqueelareconhecesseumpasso,oprimeirodapartedele,visandoaum
relacionamento.
Essa seria a primeira vez que isso aconteceria. Ele nã o era nenhum puritano, mas nunca
tinhasidoin ielaIrene.Haviatidoinú m erasoportunidades.Certaocasiã o,sentiu-seculpadopor
ter-seenvolvidonumatrocadecarı́c iasnafestadeNataldacompanhia,masissotinhasido12
anosatrá s.Irenetinha icadoemcasa,passandodesconfortavelmenteseunonomê sacarregar
seufilhoRayJúniornoventre.
Emborapudesseavançarosinal,Rayfordteveocuidadodedeixarafestamaiscedo.Ficou
claro para Irene que ele estava ligeiramente alcoolizado, mas nã o suspeitou de qualquer outra
coisa,nã odeseuvirtuosocapitã o.Elefoiopilotoquetinhatomadodoismartı́nisduranteuma
paralisaçã oporcausadaneve,noaeroportodeO'Hare,emChicago,eentã o,voluntariamente,
desceudoaviã oquandootempoclareou.Ofereceu-separapagaraumpilotosubstituto,masa
Pan-Continental icou tã o bem impressionada que, em lugar de puni-lo, usou sua atitude como
exemplodeautodisciplinaesabedoria.
Em duas horas mais, Rayford seria o primeiro a ver sinais do sol, uma luz mortiça e
amarelo-cinzentaqueindicariaorelutantealvorecersobreocontinente.Até entã o,aescuridã o
atravé s da janela parecia ter quilô m etros de espessura. Seus passageiros sonolentos tinham os
quebra-luzes abaixados, travesseiros e cobertores nos assentos. Por enquanto, o aviã o era um
quarto de dormir escuro e zunindo para todos, exceto para algumas notı́vagas errantes, as
comissárias,eumaouduasdelasatendendoaalgumchamado.
Aquestã onaquelahoramaisescuraantesdaalvoradaeraseRayfordSteelesearriscariaa
um relacionamento diferente e excitante com Hattie Durham. Ele segurou um sorriso. Estava
brincando? Iria algué m de sua reputaçã o fazer qualquer coisa alé m de sonhar com uma bela
mulher15anosmaisnova?Elenã osesentiamaistã oseguro.SeaomenosIrenenã otivessese
metidonessenovoalçapão.
Será queissoesfriariaapreocupaçã odelacomo imdomundo,comoamordeJesus,com
asalvaçãodasalmas?
Depois,elaandoulendotudoquantolhevinhaàsmãossobreoArrebatamentodaigreja.
— Você pode imaginar, Rafe — disse ela, certa vez, exultante -, Jesus voltando para nos
levarantesdemorrermos?
—Sei,sei—respondeuele,espiandoporcimadojornal-,issomemataria.
Elanãogostoudabrincadeira.
—Seeunã osoubesseoqueaconteceriaamim—disseela-,nã ofalariatantosobreesse
assunto.
— Sei com certeza o que me aconteceria — insistiu ele. — Eu morreria, sumiria, e im.
Masvocê,naturalmente,voariadiretamenteparaocéu.
Ele nã o quis ofendê -la. Estava apenas gracejando. Quando Irene se afastou, Rayford a
seguiu, puxou-a, fazendo-a voltar seu rosto para ele, e tentou beijá -la, mas ela agiu passiva e
friamente.
—Vamos,Irene—disseele.—Milharesnã odesmaiariamsevissemJesusdescendopara
todasaspessoasboas?
Elaafastou-sechorando.
—Eujádisseavocêerepeti.Aspessoassalvasnãosãopessoasboas,elassão...
— Apenas perdoadas, sim, eu sei — disse ele, sentindo-se rejeitado e vulnerá vel em sua
pró pria sala de estar, e voltou para a sua poltrona e seu jornal. — Se isto faz você sentir-se
melhor,ficofelizemsaberquepodeestartãosegura.
—EuapenasacreditonoqueaBı́bliadiz—respondeuIrene.Rayfordencolheuosombros.
Ele queria dizer "Bom para você ", mas nã o quis piorar a situaçã o. Por um lado, invejava a
con iançadela,mas,narealidade,nã oaceitavaofatodeserumapessoamaisemocional,mais
orientadapelossentimentos.Elenã oquisdizer-lheisto,masofatoeraqueseconsideravamais
brilhante — sim, ele se considerava mais inteligente. Ele acreditava em regras, sistemas, leis,
padrões,coisasquepodemosver,sentir,ouviretocar.
Se Deus era parte de tudo isso, muito bem. Um poder mais alto, um ser amoroso, uma
força por trá s das leis da natureza, ó t imo. Vamos cantar por isso, orar por isso, sentir-nos bem
pornossacapacidadedeserbonsparaosoutros,ecuidardavida.OmaiorreceiodeRayfordera
queessafixaçãoreligiosapudesseevaporar,comocertas"ondas"emqueelaseenvolvera,como
as vendas que fazia de porta em porta oferecendo produtos de limpeza ou de beleza, da
academia de aeró bica, etc. Ela poderia sair por aı́ tocando a campainha das casas e pedindo
licença para ler para as pessoas um ou dois versı́c ulos bı́blicos. Em todo caso, ela sabia muito
bemoqueestavafazendo.
Irene havia se tornado uma genuı́na religiosa faná tica, e de certo modo isto liberava
RayfordparasonhardeolhosabertosesemculpacomHattieDurham.Talvezelediriaalguma
coisa, sugeriria alguma coisa, daria a entender alguma coisa enquanto ele e Hattie
caminhassem pelo aeroporto de Heathrow em direçã o à ila de tá xis. Ou talvez antes. Ousaria
declarar-seagoramesmo,horasantesdeaterrissar?
Junto a uma janela na primeira classe, um escritor estava curvado sobre umlaptop. Ele
fechou o aparelho, com o propó sito de voltar ao seu trabalho mais tarde. Aos trinta anos,
Cameron Williams era o mais jovem dos articulistas do prestigiosoSemanário Global. Era
invejado pelos veteranos da equipe de redatores, mas os superava em condiçõ es idê nticas, ou,
entã o, a che ia de redaçã o lhe atribuı́a a produçã o das melhores maté rias jornalı́sticas do
mundo.TantoosadmiradorescomoosseusdetratoresnarevistaochamavamdeBuck[potro],
porque diziam que ele estava sempre escoiceando a tradiçã o e a autoridade. Buck acreditava
que vivia uma vida maravilhosa, tendo sido testemunha ocular de alguns dos eventos mais
preponderantesdaHistória.
Um ano e dois meses antes, sua maté ria de capa de 1o de janeiro levou-o a Israel para
entrevistar Chaim Rosenzweig, o que resultou no mais estranho acontecimento que jamais
haviaexperimentado.
OidosoRosenzweigtinhasidoaescolhaunâ nimecomoo"FazedordaNotı́c iadoAno"na
históriadoSemanárioGlobal. A equipe da revista tinha costumeiramente de evitar que algué m
notasse que se tratava de uma clara cutucada no "Homem do Ano", da revistaTime. Mas
Rosenzweig era o homem certo. Cameron Williams tinha entrado na reuniã o da equipe
preparado para argumentar em favor de Rosenzweig e contra qualquer outra estrela da mı́dia
queseuscolegasindicassem.
Eleficousurpresoquandooeditor-executivoStevePlankiniciouaconversadestaforma:
—Alguémdesejaindicaralgumestúpidoouumapessoaqualqueremlugardoganhadordo
PrêmioNobeldeQuímica?
Osmembrosdaequipeprincipaltrocaramolharesentresi,menearamacabeçae ingiram
queestavamcomeçandoasair.
— Vamos cair fora, a reuniã o terminou — disse Buck. — Steve, nã o estou forçando a
barra,masvocêsabequeeuconheçoocara,eeletemconfiançaemmim.
—Vamosdevagar,caubó i—disseumrival,edepoissevoltouparaPlank.—Você agora
estádeixandoBuckescolherotrabalhoquequer?
—Talvez—disseSteve.—Eseeuquiser?
— Acho simplesmente que este é um caso té cnico, um artigo cientı́ ico — a irmou o
concorrentedeBuck.—Euporiaumredatordeassuntoscientíficosnisso.
—Ecolocariaoleitoradormir—retrucouStevePlank.
—Sejamosrazoá veis,você ssabemqueoredatordematé riaschamativassaidestegrupo.
Eestanã oé umamaté riamaiscientı́ icado que a primeira que Buck fez sobre ele. Esta deve
serescritadeummodoqueleveoleitoraconhecerohomemecompreenderosigni icadode
suafaçanha.
—Fareiaindicaçãohoje—disseoeditor-executivo.—Obrigadoporsuadisposição,Buck.
Pensoquetodososoutrosestãoigualmentedispostos.
Expressõ esdeansiedadeencheramasala,masBucktambé mouviupalpitesresmungados
dequeoloirinho[Buck]receberiaosinalverde,oquerealmenteaconteceu.
Tal con iança de seu chefe e a competiçã o com seus colegas izeram-no cada vez mais
determinadoasuperar-seemcadatarefa.EmIsrael,BuckficounumaáreamilitareencontrousecomRosenzweignomesmokibutz,nosarredoresdeHaifa,ondeoentrevistaraumanoantes.
Rosenzweig era fascinante, sem dú vida alguma, mas foi sua descoberta ou invençã o —
ningué m sabia bem em que categoria enquadrá -lo — que o tornou na realidade o "Fazedor da
NotíciadoAno".
Ohumildepersonagemintitulava-sebotâ nico,maseleeradefatoumengenheiroquı́m ico,
formulador de um fertilizante sinté tico que transformou as areias do deserto de Israel para
produziremcomosefossemumaestufa.
—Airrigaçã ofuncionouporvá riasdé cadas—disseohomem.—Maselasó umedeciaa
areia.Minhafórmula,acrescentadaàágua,fertilizaaareia.
Buck nã o era um cientista, mas sabia o su iciente para abanar a cabeça diante daquela
simples a irmaçã o. A fó rmula de Rosenzweig estava fazendo de Israel rapidamente a naçã o
mais rica do mundo, muito mais lucrativa do que o oneroso petró leo de seus vizinhos. Cada
centı́m etro de terra lorescia, dando grã os e lores, incluindo produtos jamais concebidos antes
em Israel. A Terra Santa tornou-se uma exportadora em potencial, a inveja do mundo, com
desempregopraticamentezero.Todososseuscidadãosprosperaram.
Aprosperidadeviabilizadapelafó rmulamiraculosamudouocursodahistó riaparaIsrael.
Suprido de capital e recursos té cnicos, Israel estabeleceu a paz com seus vizinhos. O livre
comé rcioeotrâ nsitoliberadoatodosospaı́sespermitiramquetodososqueamavamanaçã o
tivessemacessoaela.Sónãohouveacesso,porém,àfórmula.
Buck nã o havia sequer pedido a Rosenzweig que revelasse a fó rmula ou o complicado
processodesegurançaqueaprotegiadequalquerinimigopotencial.Opró priofatodeBuckter
sido hospedado pelos militares evidenciava a importâ ncia da segurança. A manutençã o desse
segredo assegurou o poder e independê ncia do Estado de Israel. Nunca esse paı́s desfrutara
tamanha tranqü ilidade. A cidade murada, Jerusalé m, era agora apenas um sı́m bolo, acolhendo
todos aqueles que abraçam a causa da paz. A velha guarda acreditava que Deus havia
recompensadoanaçãoapósséculosdeperseguição.
Chaim Rosenzweig foi homenageado em todo o mundo e reverenciado em seu pró prio
paı́s. Os lı́deres mundiais o procuravam, e ele era protegido por sistemas de segurança tã o
complexos como aqueles que protegiam os chefes de Estado. Por mais forte que Israel se
tornasse com a gló ria recé m-alcançada, os lı́deres da naçã o nã o eram tolos. Um Rosenzweig
raptado e torturado poderia ser forçado a revelar um segredo que revolucionaria de modo
semelhantequalquerpaísdomundo.
Imagineoqueafó rmulapoderiafazersefossealteradaparafuncionarnasvastasplanı́c ies
á rticas da Rú ssia! Poderiam tais regiõ es lorescer, embora fossem cobertas de neve na maior
partedoano?Eraestaachavepararessuscitaraquelaenormenaçã oapó somalogrodaUniã o
dasRepúblicasSocialistasSoviéticas?
A Rú ssia havia se tornado uma gigantesca naçã o deprimida, com uma economia
devastadaeumatecnologiaultrapassada.Tudooqueanaçã oaindapossuı́aeraopodermilitar,
ecadamarcopoupadodestinava-seaoarmamento.Eatrocadosrublosparamarcosnã ohavia
sido uma transiçã o pacı́ ica para a belicosa naçã o. A modernizaçã o do mundo inanceiro
limitada a trê s principais moedas levou anos para se concretizar, mas, uma vez feita à
mudança,amaioria icoufelizcomisso.TodaaEuropaeaRú ssianegociavamexclusivamente
em marcos. A Asia, a Africa e o Oriente Mé dio negociavam em ienes. A Amé rica do Norte, a
Amé rica do Sul e a Austrá lia transacionavam em dó lares. Um movimento visava a uni icar
mundialmenteamoeda,masasnaçõ esqueumdiatinhamaceitadocomrelutâ nciaamudança
consideraraminviávelfazê-lodenovo.
Frustrados por sua incapacidade de tirar proveito da fortuna de Israel e determinados a
dominareocuparaTerraSanta,osrussostinhamlançadoumataquecontraIsraelnomeioda
noite.Oassalto icouconhecidocomooPearlHarborrusso,e,porcausadesuaentrevistacom
Rosenzweig,BuckWilliamsestavaemHaifaquandoissoaconteceu.Osrussosenviarammı́sseis
intercontinentaisebombardeirosMIGequipadoscombombasnuclearesà regiã o.Onú m erode
aeronaveseogivastomouclaroquesuamissãoeraoaniquilamento.
Dizer que Israel tinha sido apanhado de surpresa, conforme Cameron Williams havia
escrito, foi como dizer que a grande muralha da China era comprida. Quando os radares de
Israel localizaram os aviõ es russos, eles já estavam quase sobre o paı́s. O apelo dramá tico de
Israel por ajuda de seus vizinhos imediatos e dos Estados Unidos foi simultâ neo com sua
interpelaçã oparasaberasintençõ esdosinvasoresemseuespaçoaé reo.EnquantoIsraeleseus
aliados tentassem montar qualquer coisa parecida com uma defesa, estava claro que os russos
levariamumavantagemdecemparaum.
Elesdispunhamapenasdealgunsmomentosantesqueadestruiçã ocomeçasse.Nã odava
mais para negociar qualquer coisa, nem apelos para uma divisã o de riqueza com as hordas do
Norte.Seosrussosquisessemapenasintimidareassustar,nã oteriamenchidoocé udemı́sseis.
Osaviõespoderiamretornar,masosmísseisestavamarmadoseapontadosparaalvos.
Portanto, isso nã o era um espetá culo para a arquibancada, visando a levar Israel a
humilhar-se.Nã ohouvenenhumamensagemparaasvı́t imas.Nã orecebendoexplicaçã oparaas
má quinas mortı́feras cruzarem suas fronteiras e descerem sobre o paı́s, Israel era forçado a
defender-se sozinho, sabendo muito bem que o primeiro ataque de bombas resultaria no seu
desaparecimentovirtualdafacedaterra.
Comsirenesestridentesdealertaeasestaçõ esderá dioetelevisã oenviandoà spossı́veis
vı́t imasavisoparaserefugiaremnosfrá geisabrigosquepudessemencontrar,Israeldefendeu-se
contraoqueseriaseguramenteseuú ltimomomentonaHistó ria.Aprimeirabateriademı́sseis
terra-e-ardeIsraelatingiuosalvos,eocé uiluminou-secombolasdefogolaranjaeamarelo,o
quecertamentefariapoucoparaaplacaraofensivarussa,contraaqualnãohaviadefesa.
Aqueles que conheciam as disparidades e o que as telas de radar prenunciavam
interpretaram as explosõ es ensurdecedoras no cé u como sendo o massacre perpetrado pela
Rú ssia contra Israel. Cada lı́der militar sabia o que estava sendo esperado — uma devastaçã o
totalquandoafuzilariaatingisseosoloecobrisseanação.
Daquilo que ouviu e viu na á rea militar, Buck Williams sabia que o im estava perto. Nã o
havia como escapar. Mas, enquanto a noite icava clara como o dia e as terrı́veis e
ensurdecedoras explosõ es continuavam, nada sobre a terra foi atingido. O edifı́c io tremia e
ressoava.Noentanto,continuavaincólume.
Láfora,àdistância,aviõesdeguerraespatifavam-senosolo,abrindocrateraseespalhando
fragmentosdeexplosõ es.Entretanto,aslinhasdecomunicaçã opermaneciamabertas.Nenhum
dospostosdecomandofoiatingido.Nãohaviarelatosdebaixas.Nadatinhaaindasidodestruído.
Eraaquiloumaespé ciedebrincadeiracruel?Seguramente,osprimeirosmı́sseisdeIsrael
alijaramosbombardeirosrussos,eosmı́sseisexplodiramnumaaltitudemaiorparaevitarqueo
fogo causasse danos em á reas do paı́s. Mas o que aconteceu com o restante da força aé rea
inimiga?OradarmostrouqueaRú ssiatinhacomcertezaenviadotodososseusaviõ es,deixando
talvez muito poucos para a eventualidade de algum ataque contra ela. Milhares de
bombardeirosdesceramsobreascidadesmaispopulosasdopequenopaís.
O ronco e os ruı́dos irritantes continuavam, as explosõ es eram tã o aterradoras que os
militares veteranos cobriam suas cabeças e davam berros de desespero. Buck sempre tivera o
desejo de icar perto das frentes de combate, mas seu instinto de sobrevivê ncia estava a todo
vapor. Ele sabia sem sombra de dú vida que morreria e começou a ter os pensamentos mais
estranhos.Porquenuncasecasou?Sobrariamrestosdeseucorpoparaqueseupaieseuirmãoo
identificassem?HaviaumDeus?Amorteseriaofim?
Elesaiudoabrigoemqueestava,surpreendidopeloı́m petodechorar.Nã oesperavaquea
guerrafossetudoisso.Imaginara-seespreitandoasaçõesbélicasdeumlocalseguro,registrando
odramanamente.
Apó s vá rios minutos no holocausto, Buck chegou à conclusã o de que morreria quer
estivesseforaoudentrodaqueleposto.Nã osetratavadedesa io,masdesingularidade.Eleseria
aú nicapessoadopostoqueveriaesaberiaoqueiriamatá -lo.Caminhouemdireçã oà portana
pontadospés.Ninguémonotouousepreocupouemadverti-lo.Eracomosetodostivessemsido
condenadosàmorte.
Buckforçouaportacontraumfornoemcombustã o,tendodeprotegerosolhosdaintensa
claridade das chamas. O cé u incendiara-se. Ele ainda ouvia aviõ es no meio dos estrondos e do
ruı́dodofogo,eaexplosã oocasionaldeummı́ssilprovocaraumanovachuvadechamasnoar.
Ele icavaaterrorizadoepasmoquandoasgrandesmá quinasdeguerramergulhavamnosolode
toda a cidade, estatelando-se e incendiando-se. Mas caı́am entre edifı́c ios, em ruas desertas e
nos campos. Uma coisa qualquer atô m ica e explosiva subia com ı́m peto em direçã o à
atmosfera,eBuck icoualinocalor,seurostoformandobolhaseocorpomolhadodesuor.Oque
estavaacontecendonomundo?
Emseguida,pedaçosdegeloegranizosdotamanhodeumaboladegolfeforçaramBucka
cobrir a cabeça com sua jaqueta. A terra tremeu e ressoou, atirando-o ao chã o. Com o rosto
contraosfragmentosgelados,elesentiuachuvacaindoaosborbotõ es.Derepente,oú nicoruı́do
era o fogo no cé u, que se enfraquecia à medida que era arrastado para baixo pela nevasca.
Passados dez minutos de ruı́dos trovejantes, o fogo se dissipou, e bolas de fogo espalhadas
bruxuleavamsobreosolo.Ofogodesapareceutã odepressacomoveio.Osilê nciopairousobrea
terra.
Amedidaquenuvensdefumaça lutuavamesedesfaziamsobumabrisasuave,océ uda
noite reaparecia com sua escuridã o azulada, e as estrelas cintilavam paci icamente, como se
nadadeerradotivesseacontecido.
Buckretornouaopostocarregandonobraçosuajaquetadecouroenlameada.Amaçaneta
da porta ainda estava quente. Dentro, os lı́deres militares choravam e tremiam. O rá dio
noticiavaosrelatosdospilotosisraelenses.Elesdiziamquenã oconseguiramchegaraoespaço
aé reo em tempo para fazer qualquer coisa, a nã o ser icar olhando toda a ofensiva aé rea russa
parecendoquererauto-aniquilar-setotalmente.
Milagrosamente, nenhuma morte foi noticiada em todo o Israel. Em outras condiçõ es,
Buck poderia ter acreditado que algum misterioso desacerto tivesse levado mı́ssil e aviã o a
destruir-semutuamente.Masastestemunhasdisseramquetinhasidoumatempestadedefogo,
acompanhadadechuva,granizoetremordeterra,queanularaoesforçoofensivo.
Teriasidoumachuvademeteorosdeterminadadivinamente?Talvez.Masoquedizerde
centenas e milhares de fragmentos de aço queimados, retorcidos, derretidos, arremessados
contra o solo em Haifa, Jerusalé m, Tel-Aviv, Jericó , e até em Belé m — demolindo os antigos
muros,masnã ochegandosequeraarranharumacriaturaviva?Aluzdodiarevelouomassacre
e denunciou a aliança secreta da Rú ssia com as naçõ es do Oriente Mé dio, principalmente a
EtiópiaeaLíbia.
No meio das ruı́nas, os israelenses encontraram material que poderia servir como
combustı́vel e preservar seus recursos naturais por mais de seis anos. Forças especiais
competiamcomfalcõ eseabutrespelacarnedosinimigosmortos,procurandoenterrá -losantes
queseusossosfossemdescarnadoseadoençaameaçasseanação.
Bucklembrava-sedissovividamente,comosetivesseocorridoontem.Seelenãoestivesse
lá evistotudoaquilo,nã oacreditaria.Eleconseguiumaisdoqueprecisavaparalevaroleitordo
SemanárioGlobalacomprararevista.Editoreseleitorestinhamsuaspró priasexplicaçõ espara
ofenô m eno,masBuckadmitiuquesetornouumcrenteemDeusnaqueledia.Estudiososjudeus
indicaram passagens da Bı́blia que falavam acerca de atos de Deus destruindo os inimigos de
Israel com tempestade de fogo, terremoto, granizo e chuva. Buck icou estupefato quando leu
Ezequiel38e39arespeitodeumgrandeinimigodonortequeinvadiriaIsraelcomaajudada
Pé rsia,Lı́biaeEtió pia.MaisimpressionanteaindaeraofatodeasEscriturasprofetizaremsobre
armas de guerra usadas como fogo e soldados inimigos devorados por pá ssaros ou enterrados
numavalacomum.
Amigos cristã os queriam que Buck tomasse a decisã o de crer em Cristo, agora que ele
estavatã oclaramenteema inidadeespiritualcomDeus.Elenã oestavapreparadoparairmais
adiante, poré m era certamente uma pessoa diferente e també m um jornalista diferente desde
então.Paraele,nadahaviaalémdacrença.
Comdúvidassobresedeveriadarseqüênciacomalgumacoisaexplícita,ocapitão-aviador
RayfordSteelesentiuumimpulsoirresistíveldeverHattieDurhamemseguida.Eleselivroudos
apetrechoseapertouoombrodeseuco-pilotoaosairdacabinadecomando.
—Estamosaindanoautomá tico,Christopher—disseRayford,enquantoojovempilotose
aprestavaeajustavaseusfonesdeouvido.—Voufazeromeupasseiodaalvorada.
— Para mim, nã o parece alvorada, capitã o — disse Christopher apó s ter piscado e
umedecidooslábios.
— Provavelmente faltam uma ou duas horas. De qualquer maneira, vou ver se algué m
estáacordando.
—Tudobem.Sealguémestiveracordado,apresente-lheminhassaudações.
Rayfordsuspiroueacenoucomacabeça.Quandoabriuaportadacabina,HattieDurham
quasecolidiucomele.
—Nãoprecisabater—disseele.—Estousaindo.
A chefe do serviço de bordo puxou-o para o compartimento da cozinha, mas nã o havia
paixã oemseugesto.SeusdedospareciamgarrasnafrontedeRayford,eseucorpoestremecia
noescuro.
—Hattie...
Ela o empurrou para trá s contra o compartimento da cozinha, seu rosto bem perto do
dele.Seelanã oestivessevisivelmenteaterrorizada,elepoderiadesfrutarestegestoeretribuirlhecomumabraço.OsjoelhosdeHattiesedobravamenquantotentavafalar,esuavoztornouseumgritoagudoechoroso.
— As pessoas sumiram — ela tentava dizer-lhe num sussurro, encostando a cabeça no
peitodeRayford.
Eleagarrouseusombrosetentouempurrá -la,maselainsistiaempermanecerencostada
nele.
—Oquevocêdiz...?
Elaagorasoluçava,seucorpoestavaforadecontrole.
—Muitaspessoassimplesmenteseforam!
—Hattie,esteéumaviãogrande.Elesdevemteridoaossanitáriosou...
Hattie puxou a cabeça de Rayford para baixo a im de poder falar-lhe diretamente ao
ouvido.Apesardochoro,elaclaramenteseesforçavaporfazer-seentender.
—Estiveemtodososlugares.Estoulhedizendo:dezenasdepessoassumiram.
—Hattie,aindaestáescuro.Vamosencontrar...
—Nãoestoulouca!Vejavocêmesmo!Emtodooavião,pessoasdesapareceram.
—Éumabrincadeira.Elesestãoseescondendo,tentando...
— Ray! Seus sapatos, meias, roupas, tudo foi deixado para trá s. Essas pessoas foram
embora!
Hattie soltou as mã os que mantinha sobre Rayford e ajoelhou-se choramingando a um
canto.Rayfordquisconfortá -la,ajudá -laaexaminarmelhor,oupedirqueChrisoacompanhasse
em todo o aviã o. Mais do que qualquer coisa, ele queria acreditar que Hattie estava com a
mente perturbada. Ela devia saber disto melhor do que ele. Era evidente que ela de fato
acreditavaquehaviamdesaparecidopessoasdoavião.
Rayford estivera sonhando de olhos abertos na cabina. Será que ainda estava meio
dormindoagora?Eleapertouolá biocontraosdentesefezumacaretadedor.Estava,portanto,
acordado. Ele foi à primeira classe, onde uma senhora idosa estava sentada com espanto no
olhar em direçã o ao nevoeiro da ante aurora, tendo em suas mã os o sué ter e as calças de seu
marido.
—Oqueaconteceu?—perguntouela.—Harold?Rayfordexaminoubemoambienteda
primeira classe. A maioria dos passageiros ainda estava meio dormindo, inclusive o jovem
senhor junto à janela com seulaptop sobre a mesinha porta-bandeja. Mas realmente alguns
assentos estavam vazios. Quando os olhos de Rayford se adaptaram à pouca luminosidade, ele
caminhourapidamenteparaaescada.Ecomeçouadescerquandoouviuamulherchamá-lo.
—Senhor,meumarido...
Rayfordpôsodedojuntoaoslábiosemsinaldesilêncioesussurrou:
—Jásei.Vouencontrá-lo.Voltareilogo.
Queabsurdo!Pensoueleenquantodescia,cientedequeHattieestavabematrá sdele.Vou
encontrá-lo!...Hattieapoiava-seemseuombro,eeledesceumaislentamente.
—Devoacenderasluzes?
—Não—sussurrouele.—Quantomenosaspessoasperceberemnestemomento,melhor.
Rayford queria ser forte, ter respostas, ser um exemplo para sua tripulaçã o, para Hattie.
Mas,quandochegouaocompartimentodebaixo,percebeuqueorestantedovô oseriacaó t ico.
Ele icou assustado como os demais a bordo. A medida que inspecionava os assentos, quase
entrouempânico.Voltouaocubículoquedividiaosdoisandaresedeuumfortetapanaface.
Aquilo nã o era brincadeira, nem má gica, nem sonho. Alguma coisa estava terrivelmente
errada, e nã o havia meio de sair correndo. Haveria bastante confusã o e terror sem que ele
perdesse o controle. Nada o havia preparado para uma situaçã o como aquela, e ele seria a
pessoaparaquemtodosolhariam.Masparaquê?Oqueelepoderiafazer?
Primeiro um, depois outro gritava ao perceber que seu companheiro de assento tinha
sumido e que suas roupas ainda estavam ali. Eles choravam, berravam, pulavam de seus
assentos.Hattieagarrou-seaRayfordportrá s,envolveu-ocomosbraçosecruzouasmã oscom
tantaforçaemseupeitoqueelemalconseguiarespirar.
—Rayford,oqueéisto?Eleafastouasmãosdela.
—Ouça,Hattie.Tantoquantovocê ,nã oseidecoisaalguma.Mastemosdeacalmaressas
pessoaseterospésnochão.
Vou fazer alguma espé cie de comunicaçã o, e você e seu pessoal mantenham todos em
seusassentos,entendido?
Ela assentiu com a cabeça, mas nã o via que as coisas estavam bem. Quando ele se
esgueiroulateralmenteportrásdelaparasubirdepressaàcabinadecomando,ouviuseugrito.É
demaisparaacalmarospassageiros,pensouele,enquantosevoltavarapidamenteparavê -lade
joelhos no corredor. Hattie pegou um paletó , uma camisa e uma gravata ainda intactas. As
calças estavam aos pé s dela. Apavorada, pô s o paletó pró ximo à fraca luz e leu o nome na
etiqueta.
— Tony! — exclamou ela, desesperada. — Tony se foi! Rayford arrebatou as roupas das
mã os de Hattie e as jogou atrá s da divisã o entre os andares. Ele a ergueu pelos cotovelos e a
levouforadavistadospassageiros.
— Hattie, estamos a horas da aterrissagem. Nã o temos um plano para atender pessoas
histéricas.Voufazerumpronunciamento,masvocêdevefazeroseutrabalho.Vocêpode?
Elaacenouafirmativamente,comumolharvago,distante.Eleforçou-aaencará-lo.
—Vocêpode?—perguntouRayford.Elaassentiudenovo.
—Rayford,vamosmorrer?
—Não—disseele.—Distoestoucerto.
Mas ele nã o estava certo de coisa alguma. Como poderia saber? Ele preferiria enfrentar
um incê ndio num motor e até um mergulho incontrolá vel. Uma queda no oceano certamente
seriamelhordoqueisso.Comopoderiaacalmaraspessoasnomeiodessepesadelo?
Aestaaltura,manterasluzesdaaeronaveapagadascausavamaismaldoquebem,eele
estavacontentedepoderdaraHattieumaatribuiçãoespecífica.
—Nã oseioquevoudizer—a irmou-,masacendaasluzesparaquepossamosfazerum
levantamento cuidadoso dos que estã o aqui e dos que sumiram. Em seguida, pegue mais
daquelesformuláriosparadeclaraçãodosvisitantesestrangeiros.
—Paraquê?
—Apenasfaçaisso.Avise-osparaseprepararem.
Rayford nã o sabia se tinha agido certo deixando Hattie a cargo dos passageiros e da
tripulaçã o. Enquanto subia em disparada os degraus, notou outra aeromoça voltando de um
compartimentoaosgritosesoluços.Porora,opobreChristophernacabinaeraoú niconoaviã o
alheio ao que se passava. Pior, Rayford disse a Hattie que, tanto quanto ela, nã o sabia nada a
respeitodaquelaocorrência.
A verdade aterradora era aquela que ele sabia muito bem. Irene estava certa. Ele e a
maioriadospassageirostinhamsidodeixadosparatrás.
CAPÍTULO2
CAMERON Williams havia se levantado quando a senhora idosa sentada à frente dele
chamava pelo piloto. Este já a tinha acalmado, o que a levou a olhar furtivamente para Buck.
Elepassouosdedosentreoslongoscabeloslourosdelaeforçouumsorrisotímido.
—Algumproblema,madame?
—CommeuHarold—disseela.
Buck tinha ajudado a senhora a guardar a jaqueta de lã com desenho em ziguezague e o
chapé u de feltro no porta-bagagem acima do assento quando embarcaram. Harold era um
senhordebaixaestatura,garboso,calçamarrom,eumsué terbegeabotoadosobreacamisae
gravata.Eracalvo,eBucksupôsqueelepedisseochapéudevoltaporcausadoarcondicionado.
—Eleestáprecisandodealgumacoisa?
—Eledesapareceu!
—Oqueasenhoradisse?
—Elesumiu!
— Bem, suponho que ele tenha dado uma escapada até o sanitá rio, enquanto a senhora
estavadormindo.
—Osenhorseimportariaemverificarparamim?Eleveumcobertor.
—Comoassim,madame?
— Receio de que ele tenha saı́do por aı́ nu. Meu marido é uma pessoa muito religiosa e
estariaterrivelmenteenvergonhado.
Buck conteve um sorriso quando notou a expressã o a lita da senhora. Para alcançar o
corredor, ele teve de passar por cima de um executivo em sono profundo, que devia ter
ultrapassadodelongeolimitedosdrinquesgrá tis,einclinou-separapegarocobertordasmã os
da senhora idosa. De fato, as roupas de Harold estavam empilhadas cuidadosamente em seu
assento,seusó c uloseoaparelhodesurdezporcima.Aspernasdacalçaestavampenduradasna
beiradadoassentoetocavamseussapatosemeias.Estranho,pensouBuck.Como alguém pode
sertãodistraído? Ele se lembrou de um amigo no curso secundá rio que tinha uma espé cie de
epilepsia que de vez em quando o fazia perder a consciê ncia quando parecia perfeitamente
consciente.Elepodiatirarossapatosemeiasempú blicoousairdeumbanheirocomasroupas
abertas.
—Seumaridosofredeepilepsia?
—Não.
—Ésonâmbulo?
-Não.
—Voltoemseguida.
Ossanitáriosdaprimeiraclasseestavamdesocupados,mas,quandoBuckchegouàescada,
encontrouváriosoutrospassageirosnocorredor.
—Perdão—disseele-,estouprocurandoumapessoa.
—Quemnãoestá?—afirmouumamulher.
Buckforçouapassagemporvá riaspessoaseviuas ilasparaossanitá rios,tantodaclasse
turı́sticaquantodaexecutiva.Opilotopassouraspandoporelesemdizerumapalavra,eBuck
foiinterpeladopelachefedoserviçodebordo.
—Senhor,devopedir-lhequeretorneaoseulugareaperteocinto.
—Estouprocurando...
— Todo mundo está procurando por algué m — disse ela. -Esperamos ter alguma
informaçã oparaosenhorempoucosminutos.Agora,porfavor,comlicença.Elaoconduziude
voltaàescada.Emseguida,esgueirou-se,passandoàsuafrente,esubiuaescadadedoisemdois
degraus.
Ameiocaminhodaescada,Buckvoltou-seeexaminouacena.Anoiteestavanametade
e,quandoasluzesseacenderamnoscompartimentosdospassageiros,eleestremeceu.Emtodo
oavião,aspessoasseguravamroupasegritavamqueestavafaltandoalguém.
De certo modo, ele sabia que nã o se tratava de um sonho, e sentiu o mesmo terror que
havia experimentado quando achou que iria morrer em Israel. O que diria ele à esposa de
Harold?Asenhoranãoéaúnica?Muitaspessoasdeixaramsuasroupasemseusassentos?
Enquanto se dirigia apressado ao seu lugar, sua mente vasculhava alguma lembrança de
qualquercoisaqueeletinhalido,vistoououvidoarespeitodeumatecnologiacompoderesde
tirar as roupas das pessoas e fazê -las desaparecer de um ambiente totalmente seguro. Quem
quer que tenha feito isso, estaria no aviã o? Pretendia fazer alguma exigê ncia? Haveria outra
ondadedesaparecimentosemseguida?Seriaeleumapróximavítima?Paraonde,então,iria?
O medo parecia impregnar o ambiente, enquanto ele subia para voltar a seu lugar
passandodenovoporcimadoseucompanheirodepoltrona,quedormiaà solta.Bucksepô sem
péecurvou-sesobreoencostodobancodafrente.
— Aparentemente, muitas pessoas estã o faltando — disse ele à idosa senhora, enquanto
elaoolhavatãoconfusaeassustadaquantoelemesmo.
Ele sentou-se quando a comunicaçã o interna começou e o comandante falou aos
passageiros.Apósdarinstruçõesparavoltaremaosseusrespectivoslugares,eleexplicou:
— Estou solicitando ao pessoal do serviço de bordo que veri ique os sanitá rios e se
certi iquem de que todos estã o acomodados em suas poltronas. Em seguida, pedirei que sejam
entregues aos passageiros estrangeiros os formulá rios de autorizaçã o de entrada no paı́s. Se
algumapessoadeseugrupoestiverausente,apreciariaquepreenchessemoformulá riononome
dela e relacionassem quaisquer detalhes de que pudessem lembrar, inclusive sua data de
nascimentoedescriçãofísica.Eprosseguiu:
— Estou certo de que todos constataram que estamos numa situaçã o difı́c il. Os
formulá rios nos indicarã o o nú m ero de pessoas que estã o faltando, e terei alguma coisa a
entregarà sautoridades.Meuco-piloto,Sr.Smith,fará agoraumacontagemdoslugaresvazios.
Tentarei contatar a Pan-Continental. Devo dizer-lhes, entretanto, que nossa localizaçã o no
momento torna extremamente difı́c il a comunicaçã o com a terra sem longas esperas. Mesmo
nesta era dos saté lites, estamos sobrevoando uma á rea consideravelmente remota. Assim que
tiveralgumainformação,transmitireiaossenhoresesenhoras.Enquantoisso,gostariadecontar
comsuacooperaçãoecalma.
Buckobservavaenquantooco-pilotosaı́aapressadodacabinadecomando,semoquepee
agitado. Ele descia rapidamente por um corredor e subia pelo outro, o olhar correndo de
poltronaempoltrona,enquantoasaeromoçaspassavamosformulários.
OcompanheirodepoltronadeBucklevantou-se,asalivaaescorrersobreoqueixo,quando
aaeromoçaperguntousealguémdeseugrupoestavafaltando.
—Faltando?Não.Nãoháninguémnestegruposenãoeumesmo.
Eleseprostrounovamenteecontinuoudormindo,alheioaosfatos.
O co-piloto retornou à cabina poucos minutos depois, quando Rayford ouviu o barulho da
chavenaporta.Christopherabriu-anervosamente,atirou-seemsuapoltronasematarocinto
de segurança e pô s a cabeça entre as mã os. — O que será que está acontecendo, Ray? —
perguntou.Maisdecempessoasdesapareceram,esuasroupasforamdeixadasintactas.
—Tantoassim?
— Sim, que diferença faria se fossem somente 50? Que droga de explicaçã o vamos dar
quandoaterrissarmoscommenospassageirosdoquerecebemos?
Rayford balançou a cabeça, tentando ainda contato pelo rá dio, procurando encontrar
alguém,qualquerum,emGreenlandouemoutrailhaqualquernomeiodotrajeto.Masestavam
muito longe para captar uma estaçã o de rá dio a im de obter notı́c ias. Finalmente, conseguiu
contatarumConcorde,daAirFrance,distantevá riosquilô m etrosquevoavaemoutradireçã o.
RayfordacenouaChristopherparaquecolocasseseusfonesdeouvido.
—Você temcombustı́velsu icienteparavoltaraosEstadosUnidos?—perguntouopiloto
doConcordeaRayford.
EleolhouparaChristopher,queacenoupositivamentecomacabeça,esussurrou:
—Temosmeiotanque.
—OsuficienteparachegaraoaeroportoKennedy—disseRayford.
— Esqueça — veio a resposta. — Ningué m está pousando em Nova York. Há duas pistas
aindaabertasemChicago.Éparaláqueestamosindo.
—SaímosdeChicago.NãopodemosdesceremHeathrow?
—Negativo.Fechado.
—Paris?
—Homem,seriamelhorvocê voltarparaolugardeondeveio.DeixamosParisumahora
atrás.Fomosinformadosdoqueaconteceu,edisseram-nosparaseguirdiretoparaChicago.
—Oqueestáacontecendo,Concorde?
— Se nã o sabe, por que você está assustado com o "primeiro de maio" [notı́c ia de
desgraça,nalinguagemaeronáuticaporrádio]?
—Temosaquiumasituaçãoquenãopossocomentar.
—Hei,amigo,anotíciajácorreuomundointeiro,vocênãosabe?
—Positivo,nãosei—disseRayford.Oquehouve?
—Estãofaltandopassageiros,certo?
—Positivo.Maisdecem.
—Opa!Perdemospertode50.
—Aqueconclusãovocêchegou,Concorde?
— A primeira coisa que pensei é que tivesse havido uma combustã o espontâ nea, mas, se
isso houvesse ocorrido, deixaria fumaça ou resı́duo. Essas pessoas desapareceram
materialmente. Nunca vi nada igual, a nã o ser na velha sé rie Jornada nas Estrelas, onde as
pessoassedesmaterializavamerematerializavam.
—Bemquegostariadedizerameuspassageirosqueseusentesqueridosvã oreaparecer
tãodepressaecompletamentecomodesapareceram—disseRayford.
— Isto nã o é o pior de tudo, Pan-Continental. As pessoas desapareceram em todos os
lugares. O aeroporto de Orly perdeu os controladores de trá fego aé reo e os controladores de
terra. Alguns aviõ es perderam as tripulaçõ es de bordo. Onde o dia já clareou, há carros
empilhados,numagrandecolisã ogeral,caosportodaparte.Aviõ escaı́ramemmuitoslugarese
nosprincipaisaeroportos.
—Entãoistofoiumafatalidade?
—Emtodaparte,aomesmotempo,umpoucomenosdeumahoraatrás.
— Cheguei até a pensar que fosse alguma coisa só neste aviã o. Algum gá s, alguma falha
técnicadoaparelho.
—Queteriasidoumfatoseletivo,vocêquerdizer?Rayfordpercebeuosarcasmo.
— Entendo o que você quer dizer, Concorde. Tenho de admitir que esta é uma situaçã o
quenuncaenfrentamos.
—Ejamaisdesejaremospassarporissonovamente.Continuodizendoamimmesmoque
foiumsonhomal.
—Umpesadelo.
—Positivo,masnãofoi,nãoémesmo?
—Oquevocêdiráaosseuspassageiros,Concorde?
—Nãotenhoidéia.Evocê?
—Averdade.
—Nãopossomagoá-losagora.Masqualéaverdade?Oquesabemos?
—Nãotenhoamenoridéia.
—Sábiaspalavras,Pan-Continental.Vocêsabeoquealgumaspessoasestãodizendo?
— Positivo — disse Rayford. — E melhor que as pessoas tenham ido para o cé u do que
receberamraiosdestruidoresdealgumpoderaquidaterra.
—Oquesedizé quetodosospaı́sesforamafetados.Esperoencontrá -loemChicago.Até
breve.
— Positivo. Rayford Steele olhou para Christopher, que começou a mudar os controles
paraviraroenormeaparelhoeretornaraosEstadosUnidos.
—Senhorasesenhores—disseRayfordpelointercomunicador-,nã otemoscondiçõ esde
descernaEuropa.RetornaremosaChicago.Estamosquasenametadedopercursoprogramado;
portanto, nã o teremos problema com o combustı́vel. Espero que isto possa acalmá -los de
algumamaneira.Informareiatodosquandoestivermossu icientementepertoparacomeçara
usarostelefones.Antesdisso,porfavor,nãotentemfazernenhumaligação.
Quandoocapitã oterminoudetransmitirainformaçã osobreoretornoaosEstadosUnidos,
Buck Williams icou surpreso ao ouvir aplausos dos passageiros. Todos estavam chocados e
aterrorizados. Muitos eram dos Estados Unidos e queriam ao menos voltar para a famı́lia e
amigos a im de procurar entender o que havia acontecido. Buck cutucou o executivo à sua
direita.
— Sinto muito, amigo, mas você precisa acordar para ouvir isto. O homem olhou para
Buckcomarenfastiadoebalbuciou:
—Senãovamoscair,nãomeaborreça.
Quando o Pan-Continental 747 entrou na faixa de comunicaçõ es via saté lite com os
EstadosUnidos,ocapitã oRayfordSteelesintonizouumará dioespecializadaemnotı́c iase icou
sabendo que houve desaparecimento de pessoas em todos os continentes. As linhas de
comunicaçã oestavamcongestionadas.Entreosdesaparecidos,haviapessoasdasá reasmé dica,
té cnicaedeserviços,detodoomundo.Todasasagê nciasdedefesacivilestavamtrabalhando
emritmodeemergê ncia,tentandoadministrarasincontá veistragé dias.Rayfordlembrou-sedo
desastredetrememChicagoanosantesedecomoasunidadesdehospitais,bombeirosepolícia
puseram todo o seu pessoal a trabalhar. Ele podia imaginar o que estava acontecendo agora
multiplicadomilharesdevezes.Atémesmoasvozesdosnoticiaristaseramcheiasdeterror,por
mais que quisessem ocultá -lo. Todos tentavam apresentar uma explicaçã o razoá vel, poré m,
dentrodoaspectoprá tico,seriamelhorevitardiscussõ esecomentá riossobreasperdas.Oque
aspessoasqueriamdasnotı́c iaseraminformaçõ essimplessobrecomochegaraoseudestinoe
entrar em contato com seus entes queridos para saber se algo aconteceu a eles. Rayford foi
instruı́do a entrar num sistema de trá fego aé reo multiestatal que lhe permitisse aterrissar em
O'Hare num momento preciso. Apenas duas pistas estavam liberadas, e cada aeronave grande
do paı́s parecia dirigir-se para lá . Milhares morreram em quedas de aviã o e colisõ es de carro.
Equipes de emergê ncia estavam procurando desimpedir as vias expressas e as pistas dos
aeroportos, ao mesmo tempo em que se a ligiam com a perda de pessoas queridas e
companheiros de trabalho que desapareceram. Uma nota informou que muitos motoristas de
tá xi sumiram do estacionamento de carros no aeroporto O'Hare e que voluntá rios estavam
sendo chamados para movimentar os carros em que foram encontradas apenas as roupas dos
motoristas sobre os bancos. Carros dirigidos por pessoas que desapareceram acabaram icando
sem controle e, evidentemente, colidiram. As incumbê ncias mais pesadas para o pessoal de
emergê nciaeramdeterminarquemhaviadesaparecido,estavamortoouferidoe,emseguida,
comunicar o caso aos sobreviventes. Quando Rayford estava su icientemente pró ximo para se
comunicarcomatorredoO'Hare,eleperguntousepoderiatentarumcontatoportelefonecom
suafamília,aoquefoidesestimuladoafazê-lo.
— Lamento, capitã o, mas as linhas telefô nicas estã o totalmente congestionadas, e o
pessoal da telefô nica tã o desarticulado que a ú nica esperança é conseguir um sinal de linha e
usarotelefonepressionandoatecladerepetiçãodediscagem.
Rayford manteve os passageiros informados sobre a extensã o do fenô m eno e apelou a
todosquesemantivessemcalmos.
—Nã ohá nadaquepossamosfazernesteaviã oparamudarasituaçã o.Meuplanoé deixá los em Chicago tã o rapidamente quanto possı́vel, e espero que possam ter acesso a algumas
respostasealgumaajuda.
Otelefoneaoalcancedasmã os,encaixadoatrá sdobancodafrentedeBuckWilliams,nã o
era programado para fazer conexõ es modulares externas da mesma forma que os telefones
domé sticos.Dessemodo,ningué mpodiasimplesmentelevantarofone,tirando-odesualinhade
conexã o e sair andando com ele. Mas Buck percebeu que dentro do aparelho a conexã o era
padronizadaeque,sepudessedealgummodofazeraligaçã osemdani icaroaparelho,poderia
conectar omodem de seulaptop diretamente à linha. Seu telefone celular nã o estava
funcionandonaquelaaltitude.
Nafrentedele,aesposadeHaroldchorava,cobrindoorostocomasmã os.Oexecutivoao
seuladoroncava.Depoisdebeberaté icaranestesiadologodepoisdadecolagem,eletinhadito
alguma coisa sobre um importante encontro na Escó c ia. Ficaria surpreso diante do que veria
quandoaterrissasse!
Em volta de Buck, pessoas choravam, oravam e conversavam. As comissá rias ofereciam
lanches e bebidas, mas poucos aceitavam. Tendo de inı́c io preferido uma poltrona junto ao
corredor para ter mais espaço para as pernas, Buck estava agora satisfeito por icar
parcialmenteescondidopróximoàjanela.Eletiroudoestojodoseulaptopumpequenoconjunto
deferramentasquenuncaesperouqueusariaepassouatrabalharnotelefone.
Desapontado por nã o encontrar nenhuma conexã o modular mesmo dentro da caixa, ele
resolveu brincar de eletricista amador. Essas linhas de telefone sempre tê m os ios da mesma
cor,concluiuele,eassimabriuseu laptopecortouo ioquelevaaoconector-fê meo.Dentrodo
telefone, ele cortou o io e descascou o revestimento plá stico protetor. Certamente, os quatro
ios internos, tanto do computador como do telefone, pareciam idê nticos. Em poucos minutos,
eleoshaviaemendado.
Buck digitou uma rá pida mensagem para seu editor-executivo, Steve Plank, em Nova
York,informandoseudestino."Vouescrevertudooqueseieestoucertodequeestaserá mais
uma entre muitas outras histó rias semelhantes. Mas pelo menos esta será fresquinha, feita na
hora,poisestá acontecendo.Seelaterá algumautilidade,nã osei.Ocorre-meaidé ia,Steve,de
quevocê podeestarentreosdesaparecidos.Comopoderiasaber?Você conhecemeuendereço
eletrônico.Avise-me,sevocêaindaestáentrenós."
Ele salvou a mensagem e preparou seumodem para enviá -la a Nova York, enquanto
trabalhava em seu pró prio artigo. No topo da tela, uma barra de posiçã o acendia a cada vinte
segundos, informando que a conexã o para o contato expresso estava ocupada. Buck continuou
trabalhando.
Achefedoserviçodebordosurpreendeu-omergulhadoemsuasreflexõeseemoções.
— O que o senhor está fazendo? — perguntou ela, inclinando-se para ver melhor a
confusãodefiosligadosdolaptopaotelefoneembutido.—Nã opossopermitirqueosenhorfaça
isso.Elelançouumolharnocracháondeconstavaonomedela.
—Ouça,belaHattie,estamosounãopresenciandoofimdomundocomoaprendemos?
—Nã ocontecomminhacondescendê ncia,senhor.Nã opossodeixarqueosenhorsesente
aquiedestruanossapropriedade.
— Nã o estou destruindo. Estou fazendo uma adaptaçã o de emergê ncia. Com isto, posso,
tendosorte,fazerumaconexãoqueninguémmaisconseguirá.
—Nãopossopermitirqueosenhorfaçaisso.
—Hattie,possodizer-lhealgumacoisa?
—Sóseosenhordisserqueirácolocaressetelefoneondeeleseencontrava.
—Fareiisso.
—Agora.
—Agoranão.
—Issoétudooquegostariadeouvir.
—Compreendo,mas,porfavor,ouça-me.
OhomempertodeBuck itou-oedepoisolhouparaHattie.Elepraguejoue,emseguida,
usou um travesseiro para tapar a orelha direita, pressionando a esquerda contra o encosto da
poltrona.
HattietiroudobolsoumimpressodecomputadorelocalizouonomedeBuck.
—Sr.Williams,esperoqueosenhorcoopere.Nãoqueroincomodaropilotocomisso.
Buckprocuroualcançaramãodela.Elamanteveapostura,masnãoretraiuamão.
—Podemosconversarapenasumminutinho?
— Nã o vou mudar minha opiniã o, senhor. Agora, por favor, tenho um aviã o cheio de
pessoasamedrontadasparacuidar.
—Vocênãoéumadelas?-eleperguntou,enquantoaindaseguravasuamão.
Elaapertouoslábioseconsentiu.
— Você nã o gostaria de manter contato com algué m? Se isto funcionar, serei capaz de
contatarpessoasquepodemfazerligaçõ esporvocê ,informarà suafamı́liaquevocê está bem,
até deixarumamensagemderetorno.Nã odestruı́ coisaalgumaeprometocolocartudonoseu
devidolugar.
—Osenhorpode?
—Posso.
—Eosenhormeajudaria?
— Em qualquer coisa. Dê -me os nomes e nú m eros de telefone. Vou incluı́- los na
mensagemqueestoutentandoenviaraNovaYorkeinsistirquealgué mligueparasuafamı́liae
medêoretorno.Nãopossogarantirquesereibem-sucedidoou,seconseguir,medarãoqualquer
retorno,masvoutentar.
—Ficareigrata.
—Evocêpodemeprotegerdeoutrasaeromoçasexcessivamentezelosas?
Hattieensaiouumsorriso.
—Todaselaspodemquerersuaajuda.
— E uma tentativa. Apenas mantenha todo mundo longe de mim e deixe-me continuar
tentando.
—Combinado—disseela,maspareciaaindapreocupada.
— Hattie, você está fazendo a coisa certa — disse ele. — E bom numa situaçã o como
estapensarumpoucoemvocêmesma.
Éoqueestoufazendo.
—Mastodosestamosnomesmobarco,senhor.Eeutenhoresponsabilidades.
— Você tem de admitir que, quando pessoas desaparecem, algumas regras saem pela
janela.
Rayford Steele estava sentado na cabina de comando, a face pá lida. Faltava uma hora e
meia para o pouso em Chicago, e ele tinha dito tudo o que sabia aos passageiros. O
desaparecimento simultâ neo de milhõ es em todo o planeta tinha resultado num caos muito
alé m da imaginaçã o. Ele cumprimentou todos os que icaram calmos e evitaram histerismos,
emboratenharecebidorelatossobremé dicosabordoqueestavamdistribuindocomprimidosde
sedativoscomosefossembombons.
Rayfordtinhasidosincero,aú nicacoisaqueelesabiaser.Considerouquetinhadadomais
explicaçõ esdoquedariasetivesseperdidoummotor,osfreioshidrá ulicosoumesmootremde
aterrissagem. Tinha sido franco com os passageiros ao dizer que aqueles que estivessem
viajandosemafamı́liapoderiamdescobrir,aovoltarparacasa,quepartedelapoderiatersido
vítimadasmuitastragédiasqueocorreram.
Rayford pensou, mas nã o disse, quã o grato se sentia por estar no espaço aé reo quando o
fenô m eno ocorreu. Que confusã o devia esperá -los em terra! Aqui, num sentido literal, eles
estavam acima de tudo. De alguma forma, foram afetados. Pessoas estavam faltando em toda
parte. Mas, com exceçã o da reduçã o da equipe de serviço causada pelo desaparecimento de
trê s componentes da tripulaçã o, os passageiros nã o sofreram da forma como poderiam, caso
estivessemnotrânsitoouseeleeChristopherestivessementreosquetinhamdesaparecido.
Aoatingiradistâ nciapadrã odoaeroportoO'Hare,todooimpactodatragé diacomeçoua
surgir diante de seus olhos. Vô os de todas as partes do paı́s estavam sendo desviados para
Chicago. Os pousos dos aviõ es estavam sendo reorganizados com base nos suprimentos de
combustível.Rayfordprecisavaestaremposiçãoprioritáriaapóstervoadosobreolitorallestee
depois sobre o Atlâ ntico antes de retornar. Nã o era a prá tica de Rayford comunicar-se com o
controle de terra, a nã o ser depois do pouso, mas agora a torre de controle do trá fego aé reo
estava recomendando isto. Ele foi informado de que a visibilidade era excelente, a despeito de
intermitentesfumaçasdedesastresemterra,masessepousoseriaarriscadoeprecá rioporque
asduaspistasabertasestavamabarrotadasdejatos.Elessealinhavamemambasaslateraisdas
pistaseemtodaasuaextensã o.Todososportõ esestavamcheios,eningué mconseguiasairdo
lugar. Todas as modalidades de transporte estavam em uso, e os passageiros eram levados de
ônibusdosextremosdaspistasatéoterminal.
Mas foi dito a Rayford que seus passageiros — pelo menos a maioria deles — teriam de
fazer o percurso a pé . Todos os funcioná rios remanescentes foram convocados para trabalhar,
masestavamocupadosorientandoosaviõ esparaseguiremparaá reasdesegurança.Ospoucos
ô nibuseperuasforamreservadosparaosde icientesfı́sicos,idososeastripulaçõ es.Rayforddeu
instruçãoparaquetodaatripulaçãofosseapé.
Os passageiros disseram que nã o conseguiram usar os telefones de bordo. Hattie Durham
contou a Rayford que um passageiro na primeira classe, nã o se sabe como, conseguiu ligar o
telefone ao seu computador. Enquanto ele preparava mensagens, seu computador discava e
rediscavaautomaticamenteparaNovaYork.Sehouveumsinaldelinha,foielequeoaproveitou
parafazersuasligações.
Quando o aviã o começou sua descida em Chicago, Buck conseguiu encontrar uma linha
livre, que possibilitou-lhe baixar as mensagens que estavam prontas para ser enviadas. Isso
aconteceuexatamentequandoHattieanunciouquetodososaparelhoseletrô nicosdeveriamser
desligados.
Comumasagacidadequenemelesabiaquepossuía,Bucknumrepentedigitouasteclas,o
que lhe permitiu recuperar e salvar todas as suas mensagens, livrando-se, assim, do corte da
comunicaçã o. No exato momento em que sua ligaçã o poderia interferir nas comunicaçõ es do
vô ocomoaeroporto,alinhafoiinterrompida,eagoraeleteriadeesperarparaabrirosarquivos
contendonotíciasdeamigos,companheirosdetrabalho,parentesequalqueroutrapessoa.
Antes de seus ú ltimos minutos de preparaçã o para o pouso, Hattie apressou-se a ir até
Buck.
—Algumacoisa?
Elebalançouacabeçanegativamente,desculpando-se.
—Obrigadaportentar—disseela.Ecomeçouachorar,Elesegurou-lheopulso.
— Hattie, todos nó s vamos para casa hoje e chorar. Mas tenha calma e perseverança.
Ajudeospassageirosadescer,epoderáaomenossentir-sebemfazendoisso.
—Sr.Williams—soluçouela-,saibaqueperdemosvá riaspessoasidosas,masnã otodas.
Perdemosváriaspessoasdemeia-idade,masnãotodas.Eperdemosváriaspessoasde
suaidadeedaminha,masnã otodas.Perdemosaté algunsadolescentes.Elea itavacom
osolhosarregalados.Oqueelaqueriadizer?;
—Senhor,perdemostodasascriançasebebêsnesteavião.
—Quantoshavia?
—Maisdedoze.Todoseles!Nãosobrounenhum.
OhomemaoladodeBuckdespertouedesviouoolhardosolfortequeentravapelajanela.
—Doquevocêsestãofalando?—perguntouele.
—EstamosprestesadesceremChicago—disseHattie.-Tenhodemeapressar.
—Chicago?
—Osenhornãoqueirasaber—disseBuck.
O homem quase sentou no colo de Buck para olhar pela janela, envolvendo-o com seu
hálitodeembriagado.
—Oquê?Estamosemguerra?Rebeliões?Oquê?
Tendo atravessado uma massa espessa de nuvens, o aviã o possibilitou aos passageiros a
visã odaá readeChicago.Fumaça.Fogo.Carrosforadaestradaecolididosunscontraosoutros
econtraostrilhosdesegurançaaolongodaestrada.Aviõ esdespedaçadossobreosolo.Veı́c ulos
deemergência,comluzespiscando,procurandocaminhoentreosdestroços.
Quando apareceu o aeroporto O'Hare, icou claro que ningué m conseguiria ir a lugar
algum. Havia aviõ es em quantidade até aonde a vista alcançava, alguns destruı́dos e em
chamas,outrosparadosem ila.Pessoascaminhavampenosamentepelagramaeentreveı́c ulos
em direçã o ao terminal. As vias expressas que levavam ao aeroporto se assemelhariam à s que
seviamduranteasgrandesnevascasdeChicago,sóquedestavezsemneve.
Guindastes e má quinas trituradoras de sucata tentavam abrir caminho para a entrada e
saı́da de carros, mas isso levaria horas, senã o dias. Uma ila de pessoas procurava seu caminho
vagarosamente para sair dos pré dios do terminal, entre carros imobilizados, em direçã o à s
rampas.Pessoasandando,andando,andandoà procuradeumtá xioumicroô nibus.Buckestava
planejando como enfrentar a situaçã o. De algum modo, ele teria de se movimentar e cair fora
daquelaáreacongestionada.Seuproblemaerachegaraumlugarpior:NovaYork.
— Senhoras e senhores — anunciou Rayford -, quero agradecer-lhes novamente sua
cooperaçã o hoje. Fomos autorizados a descer na ú nica pista que permite o pouso de um
aparelho deste porte e, em seguida, taxiar numa á rea aberta que ica a cerca de trê s
quilô m etrosdoterminal.Acreditoquevamosterdepedirqueusemnossasrampasdeslizadoras
de emergê ncia, porque nã o temos possibilidade de engatar a porta de saı́da ao portã o. Os que
nã o tiverem condiçõ es de caminhar até o terminal, por favor, iquem aguardando que
mandaremosalguémbuscá-los.
Nã ohouveagradecimentosporteremescolhidovoarpelaPan-Continental,nemoclichê :
"Esperamoscontarcomsuapreferê ncianapró ximavezqueprecisaremdeumserviçoaé reo."
Elerecomendouquetodos icassemsentadoscomoscintosatadosaté queseapagasseosinal,
porque intimamente sabia que aquele seria o pouso mais difı́c il em vá rios anos. Estava
consciente de que poderia fazê -lo, mas havia muito tempo que nã o aterrissava no meio de
outrasaeronaves.
Rayford invejava aqueles que, na primeira classe, tinham acesso à s faixas para
comunicaçã o pormodem. Ele estava desesperado para falar com Irene, Chloe e Ray Jr. Por
outrolado,temianãopoderfalarcomelesnovamente.
CAPÍTULO3
HATTIE Durham e os remanescentes da tripulaçã o incentivaram os passageiros a ler
atentamente os folhetos de instruçõ es de segurança que se encontravam nas bolsas das
poltronas. A maioria dos passageiros temia ser incapaz de pular e deslizar nas rampas,
principalmente se tivessem de carregar suas bagagens de mã o. Foram instruı́dos a tirar os
sapatos,pularedeslizarsentadosnarampa.Emseguida,oscomissáriosatirariamseussapatose
asbagagensdemã o.Ningué mdeveriaesperarnoterminalpararetirarasmalas.Foiprometido
queelasseriamentreguesnaresidênciadecadapassageiro.Nãosepodiagarantirquando.
Buck Williams deu a Hattie seu cartã o e anotou o nú m ero do telefone dela, "caso eu
consigacontatarseusfamiliaresantesdevocê".
—OsenhortrabalhanoSemanárioGlobal?—perguntouela.—Eunãopoderiaimaginar.
—Evocêestavaquerendoimpedirqueeumexessenotelefone.
Elapareceuensaiarumsorriso.
—Sintomuito—disseBuck-,nãofoifácil.Vocêestavadesempenhandoasuafunção.
Tendo sido sempre um viajante prá tico, Buck nunca despachara bagagens. Jamais izera
isso, mesmo nos vô os internacionais. Quando abriu o compartimento de bagagem para retirar
suamaletadecouro,encontrouemcimadelaochapé ué ajaquetadosenhoridoso.Aesposade
HaroldestavaolhandofixamenteparaBuck,olhosinchados,queixoapoiadonamão.
—Madame—disseelesuavemente-,asenhoradesejaestasroupas?
A triste senhora recebeu com gratidã o o chapé u e a jaqueta e apertou-os contra o peito
como se nunca mais fosse soltá -los. Ela disse alguma coisa que Buck nã o pô de ouvir. Ele pediu
queelarepetisse.
—Nãotenhocondiçõesdesaltardesteavião—disseela.
—Fiqueaqui—respondeuele.—Alguémviráajudá-la.
—Mastereidepularedeslizarnaquelacoisa?
— Nã o, madame. Estou certo de que eles providenciarã o outro meio para a senhora
descer.
Buckguardouseulaptopeoestojonomeiodesuasroupas.Fechouamaletacomozı́pere
se apressou para icar à frente da ila, ansioso por mostrar aos outros como era fá cil. Primeiro,
atirou seus sapatos, vendo-os saltar e escorregar até a pista. Em seguida, apertou sua maleta
contraopeito,deuumrápidopassoesaltoucomaspernasàfrente.
Um tanto entusiasmado, ele escorregou de costas apoiando-se nos ombros, e nã o nas
ná degas.Comisto,suaspernaslevantaram-se,fazendocomqueaspontasdospé stocassemsua
cabeça.Eleganhouvelocidadeebateucomasná degasnarampaporcausadopesodeslocado
para frente. Em razã o da força centrı́peta, seus pé s bateram com força no chã o e seu torso
levantou-se,provocandoumacambalhotaqueevitouqueelebatessecomorostonoconcreto.
Noú ltimolance,aindaagarradoà maletaequerendosalvaravida,eleen iouacabeçaentreas
pernas e esfolou a parte posterior do crâ nio em lugar do nariz. Apressou-se a dizer "Nã o foi
nada",mas,aopassaramã opelacabeça,elaestavacobertadesangue.Nã oeraumferimento
grave,apenasumaescoriaçã o.Elerapidamenterecuperouseussapatosecomeçouacaminhar
aos trotes em direçã o ao terminal, mais por vergonha do que por necessidade. Sabia que nã o
haviamaispressa,assimquechegasseaoterminal.
Rayford,ChristophereHattieforamostrê sú ltimosadeixaro747.Antesdodesembarque,
quiseram certi icar-se de que todas as pessoas aptas isicamente escorregaram pela rampa e
que os idosos e de icientes foram transportados de ô nibus. O motorista do ô nibus insistiu que a
tripulaçãopegasseumacaronacomosúltimospassageiros,masRayfordrecusou.
—Nã odevopassarà frentedemeuspassageirosenquantocaminhamparaoterminal—
disseele.—Comoistoseriavisto?
Christopherdisse:
—Façacomoquiser,capitão.Vocêseimportariaseeuaceitasseooferecimento?
Rayfordolhouparaelecomolhospenetrantes.
—Vocêestáfalandosério?
—Nãoganhoosuficienteparapassarporisto.
—Aempresanãoéculpadapeloquehouve.Chris,vocênãoestáfalandosério.
— Claro que nã o. Mas, quando você chegar ao terminal, há de se arrepender por nã o ter
idodeônibus.
—Vourelataristo.
— Milhõ es de pessoas desaparecem na atmosfera, e eu devo icar preocupado por você
relatarquepegueiumônibus,emvezdeandarapé?Atélogo,Steele.
Rayfordmeneouacabeçaevoltou-separaHattie:
—Vejovocêmaistarde.Sepudersairdoterminal,nãoesperepormim.
—Vocêestábrincando?Sevocêforapé,eutambémirei.
—Vocênãoprecisafazeristo.
—DepoisdaquelarepreensãoaoSmith?Éclaroqueireiapé.
— Ele é co-piloto. Devemos ser os ú ltimos a deixar o aviã o e os primeiros a nos
apresentarmoscomovoluntáriosnumaemergência.
—Bem,faça-meumfavoremeconsiderepartedesuatripulaçãotambém.Sóporquenão
possopilotaressacoisa,nã oquerdizerqueeunã osintaumacertaresponsabilidade.Enã ome
tratecomoumagarota.
—Jamaisfariaisto.Mexicomseusbrios?
Hattie puxava sua mala sobre rodinhas, e Rayford carregava sua maleta de couro. Era
uma longa caminhada, e vá rias vezes eles acenaram negativamente a ofertas de carona de
unidades que se apressavam a apanhar os que desembarcavam. Ao longo da caminhada,
passaram por outros passageiros de seu vô o. Muitos agradeceram a Rayford; ele nã o estava
certo do motivo. Talvez por ter evitado o pâ nico. Mas eles pareciam tã o aterrorizados e
traumatizadosquantoele.
Tapavam os ouvidos por causa do ruı́do estridente dos aviõ es que pousavam. Rayford
tentoucalcularquantotempolevariaparaaquelapistafechartambé m.Elenã opodiaimaginar
que a outra faixa aberta també m pudesse receber muitos aviõ es. Teriam alguns de tentar
desceremrodoviasouemcamposabertos?Eaquedistâ nciadasgrandescidadesencontrariam
pistas rodoviá rias desimpedidas, sem pontes e com extensã o su iciente em linha reta? Ele
estremeciasódepensar.
Por toda parte viam-se ambulâ ncias e outros veı́c ulos de emergê ncia tentando chegar a
locaisdedesastresfatais.
Finalmente, no terminal, Rayford encontrou multidõ es em ilas diante de cabinas de
telefone.Emmuitasdelas,pessoasirritadas,aguardandoasuavez,esbravejavamporcausada
lentidã o dos usuá rios que, sem se importarem, discavam novamente. As lanchonetes e
restaurantes do aeroporto estavam desabastecidas ou com pouca comida, e todos os jornais e
revistas se esgotaram. Das lojas cujos empregados desapareceram, saqueadores saı́am com
mercadorias.
Rayfordqueria,maisdoquequalquercoisa,sentar-seeconversarcomalgué msobreoque
fazer naquela circunstâ ncia. Mas todos que ele via — amigos, conhecidos ou estranhos —
estavam ocupados tentando resolver seus problemas. O'Hare assemelhava-se a uma enorme
prisã o com recursos cada vez mais escassos e o congestionamento aumentando. Ningué m
dormia. Todo mundo corria desatinado por todos os lados, procurando achar alguma ligaçã o
comomundoláfora,contatarseusfamiliaresesairdoaeroporto.
Nos balcõ es de passagens e em outras dependê ncias, Rayford encontrou a mesma
confusã o. Hattie disse que iria tentar dar seus telefonemas de uma sala de espera para
embarqueequeoencontrariamaistardeparaversepoderiamcompartilhardeumtransporte
paraosbairros.Elesabiaqueseriadifı́c ilacharalgumaconduçã oparaqualquerlugar,nã otinha
nenhuma disposiçã o de andar 32 quilô m etros. Todos os hoté is na regiã o já se encontravam
completamentelotados.Quefazer?
Finalmente, um supervisor solicitou a atençã o dos pilotos na central do subsolo. "Temos
algumas linhas telefô nicas funcionando, cerca de cinco", disse ele. “Nã o podemos garantir que
você sconseguirã ocompletarasligaçõ es,masestaé suamelhoroportunidade”.Essaslinhanã o
passam pelo tronco central daqui; portanto, você s nã o dependerã o dos telefones pú blicos
instaladosnoterminal.Reduzamaomı́nimonecessá rioseustelefonemas.Poroutrolado,há um
nú m erolimitadodevô osdehelicó pterosdisponı́veisparahospitaisepostospoliciaisnosbairros,
mas,naturalmente,asemergênciasmédicasterãoprioridade.Entremnaquelafila
para ligaçõ es telefô nicas e conduçõ es para os bairros. Até este momento, nã o temos
informaçõ es de cancelamento de vô os, exceto para os remanescentes de hoje. “E sua
responsabilidade retornar aqui para seu pró ximo vô o ou telefonar, a im de saber como está a
posição.”
Rayfordentrouna ila,começandoasentiratensã odetervoadotantotempoesabertã o
pouco.Piorainda:eletinhaumaidé iamelhordoqueamaioriasobreoquehaviaacontecido.Se
estavacerto,esefosseverdade,ningué matenderiaquandoeleligasseparasuacasa.Enquanto
estavaali,ummonitordetelevisã oà suafrentetransmitiaimagensdocaos.Detodasaspartes
domundo,viam-semã esangustiadas,famı́liasesté ricas,relatosdemorteedestruiçã o.Dezenas
de histó rias incluı́am testemunhas que tinham visto seus entes queridos e amigos
desapareceremdiantedeseusolhos.
Mais chocante para Rayford foi uma mulher em via de dar à luz, a caminho da sala de
parto,quesetornourepentinamenteesté ril.Osmé dicosretiraramaplacenta.Seumaridohavia
ilmado o desaparecimento do feto. Enquanto ilmava sua grande barriga e o rosto banhado de
suor, ele fazia perguntas. Como ela se sentia? "Como você acha que me sinto, Earl? Desligue
isso."Oqueelaestavaesperando?"Quevocê cheguebempertoparaqueeulhedê ummurro."
Elaestavaconscientedeque,nã odemorariamuito,elesseriampais?"Assimqueeusairdaqui,
voumedivorciar."
Entã o ouviu-se um grito e o ruı́do da queda da câ mera, vozes aterrorizadas, enfermeiras
correndo e o mé dico. A televisã o reproduziu as imagens, colocando-as em câ mara lenta,
mostrando a barriga da mulher murchando até quase voltar ao normal, como se tivesse
instantaneamente dado à luz. "Agora, observem novamente", dizia o locutor, num tom de voz
meiocantado,"emantenhamseuolharnoladoesquerdodatela,ondeapareceumaenfermeira
lendo um relató rio do coraçã o do feto emitido pelo monitor. Ali, estã o vendo?" A açã o parou
quandoabarrigadaparturientemurchoudevez."Ouniformedaenfermeirapareceestarainda
em posiçã o, como se uma pessoa invisı́vel o estivesse vestindo. Ela sumiu. Vejam agora meio
segundodepois."Afitarodoumaisumpoucoeparou."Ouniforme,asmeiaseoutraspeçasestão
empilhadosemcimadeseussapatos."
As emissoras de televisã o de todas as localidades do mundo informavam ocorrê ncias
estranhas,especialmenteemá reasdehorá riosdiferentes,ondeoacontecimentosedeudurante
o dia ou ao anoitecer. A televisã o mostrou via saté lite o vı́deo de um noivo desaparecendo
enquanto colocava a aliança no dedo de sua noiva. Numa cerimô nia fú nebre realizada em
determinadaresidê ncianaAustrá lia,quasetodosospresentesdesapareceramduranteoserviço
religioso, incluindo o cadá ver, enquanto em outro veló rio, no mesmo instante, somente uns
poucos desapareceram, permanecendo o cadá ver. Os necroté rios també m relataram o
desaparecimentodecorpos.Numenterro,trê sdosseisquecarregavamocaixã oolargaram,e
ele caiu no chã o. Os trê s desapareceram. Quando levantaram o caixã o, os circunstantes
perceberamqueeleestavavazio.
Rayforderaosegundona ilaparatelefonar,masoqueelepresenciouemseguidanatela
convenceu-odequenã overiamaissuaesposa.Numaescolasecundá riacristã ,duranteumjogo
de futebol nas instalaçõ es de uma missã o, na Indoné sia, a maioria dos espectadores e todos —
menosum—dosjogadoresdesapareceramnomeiodojogo,deixandoseussapatoseuniformes
no chã o. O repó rter da televisã o anunciou que o ú nico jogador que restou, com remorso,
suicidou-se.
MasRayfordsabiaqueeramaisdoqueremorso.Detodososdemais,aquelejogador,um
estudante de uma escola cristã , teria sabido a verdade imediatamente. O Arrebatamento teve
lugar. Jesus Cristo tinha retornado para os seus, e aquele jovem nã o era um deles. Quando
Rayford sentou-se para telefonar, lá grimas banhavam suas faces. Algué m disse: "Você tem
quatro minutos", e ele sabia que esse tempo era mais do que ele precisava. A secretá ria
eletrô nicadesuaresidê nciaatendeuimediatamente,eelesecomoveuaoouviravozanimada
desuaesposa."Sualigaçã oé importanteparanó s",diziaela."Porfavor,deixeseurecadoapó s
ouvirosinal."
Rayford apertou umas teclas para ouvir os recados porventura gravados. Havia trê s ou
quatrogravaçõessemimportância,eelesurpreendeu-sequandoouviuavozdeChloe."Mamãe?
Papai? Você s estã o aı́? Você s viram o que está acontecendo? Liguem para mim logo que
puderem.Perdemospelomenosdezestudantesedoisprofessores,etodosos ilhospequenosdos
estudantescasadosdesapareceram.Raymieestá bem?Liguemparamim!"Bem,aomenosele
sabiaqueChloeaindaestavaporaqui.Tudooqueelequeriaeraabraçá-la.
Rayford voltou a chamar e deixou um recado em sua secretá ria. "Irene? Ray? Se
estiveremaı́, atendam.Sereceberemesterecado,estounoO'Haretentandochegaraı́. Casoeu
nãoconsigaumhelicóptero,podedemorarumpouco.Esperoqueestejamemcasa."
—Vamoscomisso,capitão—dissealguém.—Todomundotemumtelefonemaafazer.
Rayford balançou a cabeça e rapidamente discou para o dormitó rio de sua ilha em
Stanford.Recebeuairritantemensagemdequesualigaçãonãopoderiasercompletada.
Rayfordpegouseuspertencesedeuumaespiadaemsuacaixadecorreio.Aoladodeuma
porçã o de bobagens, estava um pequeno pacote embrulhado num papel resistente almofadado
vindo de sua casa. Recentemente, Irene passara a enviar-lhe pequenas surpresas, inspirada por
umlivrosobrecasamentoqueelaoincentivavaaler.Eleen iouopacoteemsuamaletaefoià
procura de Hattie Durham. Engraçado, ele nã o sentia qualquer atraçã o emotiva em relaçã o a
Hattienaquelemomento.Mastinhaocompromissodefazê-lachegaraoseular.
Quando parou no meio de uma multidã o junto ao elevador, ouviu um aviso de que havia
umhelicó pterocomcapacidadeparaoitopilotosquefariaumvô oaMonteProspect,Arlington
HeightseDesPlaines.Rayfordcorreuparaoheliporto.
—TemlugarparaumcomdestinoaMonteProspect?
—Sim.
—EparaoutrapessoacomdestinoaDesPlaines?
—Talvez,seelechegaraquiemdoisminutos.
—Nãoéele.Trata-sedeumacomissáriadevôo.
—Somentepilotos.Lamento.
—Esetiverlugar?
—Bem,podeser,masondeelaestá?'
—Voucomunicar-mecomelapelopager.
—Nãoestãopermitindooenviodepageraninguém.
— Aguarde só um segundo. Nã o saiam sem mim. O piloto do helicó ptero olhou para o
relógio.
— Trê s minutos — disse ele. — Estarei saindo à 1 hora. Rayford deixou sua bagagem no
chã o, na esperança de retardar a decolagem do helicó ptero no caso de um pequeno atraso.
Arremeteuescadaacimaepelocorredor.AcharHattieseriaimpossı́vel.Elelançoumã odeum
telefonedecortesia.
— Sinto muito, estamos impossibilitados de enviarpagers a quem quer que seja neste
momento.
—Estaéumaemergência,esoucapitão-aviadordaPan-Continental.
—Qualéorecado?
—QueHattieDurhamencontreseuparceiroemK-l7.
—Voutentar.
—Porfavor.
Rayford icounapontadospé sparaverseHattieestavachegando,mas inalmentefoiela
queolocalizou.
— Eu era a quarta na ila do telefone na sala de espera — disse ela, aparecendo ao seu
lado.—Conseguiualgumacoisa?
—Conseguiparanósumvôodehelicóptero,secorrermos—respondeuele.
Enquantodesciamaescadarapidamentedisseela:
—NãofoihorríveloqueaconteceucomChris?
—Oquehouvecomele?
—Vocênãosabe?
Rayford queria parar e dizer a ela que fosse mais objetiva. Esse comportamento era
caracterı́sticodepessoasdaidadedela.Osjovensadoramenrolaraconversa.Elegostavadeir
diretoaoassunto.
—Digalogo!—exclamouele,comumtommaisexaltadodoquepretendia.
Quando irromperam pela porta afora e chegaram ao piso de macadame, as lâ minas do
helicó ptero chicoteavam e eriçavam seus cabelos e os ensurdeciam. A maleta de Rayford já
tinha sido colocada a bordo, e restava apenas um lugar vago. O piloto apontou para Hattie e
balançou a cabeça num gesto negativo. Rayford agarrou-a pelos cotovelos e puxou-a para
dentroenquantoentravanoaparelho.
—Elasónãoseguiránestevôoseoproblemaforexcessodepeso!
—Quantovocêpesa,boneca?—perguntouopiloto.
—52quilos.
—Comessepeso,podemosir!—disseeleaRayford.—Mas,seelanã ousarocinto,nã o
meresponsabilizo!
—Vamosembora!—gritouRayford.
Ele ajustou o cinto em si mesmo, e Hattie sentou-se em seu colo. Rayford pô s os braços
emtornodacinturadelaeagarrouseuspulsosjuntando-os.Elepensavaquã oirô nicoeraofato
de ter sonhado com isto durante semanas, e agora nã o havia nenhum prazer, nenhuma
excitaçã o,nadaabsolutamentesensual.Elesesentiamiserá vel.Contenteporsercapazdetirá ladelá,masmiserável.
Hattiepareciaembaraçadaedesconfortá vel,eRayfordnotouqueelaolhavadesoslaioe
envergonhadaparaosoutrossetepilotosnohelicó ptero.Nenhumdelespareciainteressadoem
olharparaela.Essatragé diaestavaaindamuitorecenteehaviamuitoscujosparadeiroseram
ignorados.Rayfordpensouterouvido,ouinterpretoupelomovimentodoslá bios,umdelesdizer
"Christopher Smith", mas nã o havia meio de poder ouvir dentro daquele aparelho barulhento.
ElepôsabocabempertodoouvidodeHattie.
—Agora,oquehouvecomChris?—perguntou.Elavoltou-seefalouaoseuouvido.
— Eles o levavam numa maca atrá s de nó s enquanto eu estava saindo da sala de
embarque.Sangueportodaparte!
—Oqueaconteceu?
—Nãosei,maseleparecianãoestarbem!
—Comoassim?
— Acho que estava morto! Quer dizer, eles estavam procurando reanimá -lo, mas creio
quenãoconseguiram.
Rayfordbalançouacabeça.OquemaisHattiecontaria?
—Elefoiatingidooualgumacoisa?Aqueleônibusbateu?Istoestáparecendoironia!
—Nã osei—disseela.—Osanguepareciaestarsaindodesuamã ooudeseupeitooude
ambos.
Rayfordtocouoombrodopiloto.
—Vocêsabequalquercoisasobreoco-pilotoChristopherSmith?
—AqueledaPan-Continental?—perguntouopiloto.
—Sim!
—Oquesesuicidou?Rayfordtremeu.
—Achoquenão!Houveumsuicídio?
— Muitos, suponho, mas a maioria entre passageiros. O ú nico membro de tripulaçã o de
quemouvifalareraumtaldeSmith,daPan.Cortouospulsos.
Rayfordespreitourapidamenteosoutrosnohelicópteroparaversereconheciaalgum.Não
reconheceu,masumdelesestavabalançandoacabeçatristemente,apó sterouvidoaresposta
emvozaltadopiloto.Eleinclinou-separaafrente.
—ChrisSmith!Vocêoconhece?
—Meuco-piloto!
—Sintomuito.
—Oquevocêouviu?
— Nã o posso saber até que ponto isto é con iá vel, mas ouvi comentá rios de que ele
descobriuqueseusfilhostinhamdesaparecidoequesuaesposahaviamorridonumacidente!
Pela primeira vez, a monstruosidade da situaçã o tocou Rayford pessoalmente. Ele nã o
conhecia bem Smith. Lembrava-se vagamente de que Chris tinha dois ilhos. Parece que
estavam no inı́c io da adolescê ncia, de idades muito pró ximas. Ele nã o chegou a conhecer a
esposadeChris.Massuicı́dio!Seriaaquelaumaopçã oparaRayford?Nã o,nã ocomChloeainda
aqui.Mas,eseeledescobrissequeIreneeojovemRayseforamequeChloetinhamorrido?Que
motivoeleteriaparaviver?
De qualquer maneira, Rayford nã o estava vivendo para eles, pelo menos nos ú ltimos
meses.Eleandou lertandomentalmentecomagarotaqueestavaemseucolo,emboranunca
tivesse chegado a ponto de tocá -la, mesmo quando ela muitas vezes o tocava. Desejaria ele
continuar a viver se Hattie Durham passasse a ser a ú nica pessoa com quem tivesse de
preocupar-se? E por que se preocupava com ela? Hattie era bonita, sensual e talentosa, mas
jovem demais. Eles tinham pouco em comum. Estaria ele agora amando Irene só por estar
convencidodequeeladesaparecera?
Nã ohaviaafeiçã oaoabraçarHattieDurhamexatamenteagora,nemelasentiaemoçã o.
Ambos estavam assustados mortalmente, e lerte era a ú ltima coisa em suas mentes. A ironia
nã o abandonara Rayford. Ele se lembrava de que a ú ltima coisa com que sonhara acordado —
antesdanotı́c iadadaporHattienoaviã o—eratentarumaintimidadecomela.Comopoderia
saberqueelaestariaemseucolohorasdepoisequeseuinteresseporelaseriaomesmoquepor
umaestranha?
A primeira parada era no Departamento de Polı́c ia de Des Plaines, onde Hattie
desembarcaria. Rayford aconselhou-a a pedir que um carro da polı́c ia a levasse para casa, se
houvesse algum disponı́vel. Muitos tinham sido solicitados para servir em á reas mais
congestionadas;portanto,issoeraimprovável.
—Estouaapenasumquilô m etroemeiodecasa—gritouHattieporcausadoroncodo
motordohelicóptero,enquantoRayfordaajudouadescer.—Possoandaratélá!
Emseguida,emocionada,HattieenvolveuopescoçodeRayfordcomosseusbraços,eele
sentiuqueelatiritavademedo.
— Espero que todos de sua famı́lia estejam bem! — disse ela. — Ligue para mim dandomenotícias,promete?
Elemeneouacabeçaafirmativamente.
—Promete—insistiuela.
—Sim,claro!
Quando o helicó ptero levantou vô o, ele a viu procurando o estacionamento. Nã o
localizandonenhumcarrodapolı́c ia,elasaiuapressadamentepuxandosuamalacomrodinhas.
Quando o helicó ptero começou a dar a volta em direçã o a Monte Prospect, Hattie andava a
passosrápidos,quasecorrendo,paraoseucondomínio.
BuckWilliamsfoioprimeiropassageirodovôoa
chegaraoterminalemO'Hare.Eleencontrouuma
grandeconfusão.Ninguémqueesperavanafilapara
telefonaririatolerarsuatentativadeconectarseu
modemaotelefone.Comoseucelularnãoestava
funcionando,eledirigiu-seaoclubeexclusivodaPanContinental. Ali també m havia congestionamento, mas, apesar da perda de funcioná rios,
incluindoodesaparecimentodeváriosdelesenquantotrabalhavam,olocalaparentavaestarem
ordem.Alitambé mhaviapessoasem ilaesperandotelefonar,mas,quandoumaparelho icava
disponı́vel, ele percebia que alguns tentavam passar umfax ou conectar diretamente pelo
modem.Enquantoesperava,Bucksepô satrabalhardenovoemseucomputador,re ixandoo io
d omodem interno ao conector-fê mea. Em seguida, localizou as mensagens que havia
rapidamentebaixadoantesdaaterrissagem.
A primeira era de Steve Plank, seu editor-executivo, endereçada a todo o pessoal de
campo:
Fiquem onde estã o. Nã o tentem vir a Nova York. E impossı́vel. Liguem para cá quando
puderem. Chequem seuvoice mail e seue-mail regularmente. Mantenham contato quando
possível.Temospessoalsuficienteparaficardeplantãoequeremosrelatospessoais,emcimado
fato, tanto quanto possam transmitir. Nã o estamos certos sobre transporte e linhas de
comunicaçã oentrenó senossasgrá icas,nemcomseusempregados.Sepossı́vel,imprimiremos
emtempo.
Apenas um lembrete: Comecem a pensar a respeito das causas. Militar? Có smica?
Científica?Espiritual?Mas,porenquanto,estamostratandoprincipalmentedoqueaconteceu.
Tenhamcuidadoemantenhamcontato.
AsegundamensagemeratambémdeSteveeexclusivaparaBuck.
Buck,ignoreomemorandoparaopessoalemgeral.VenhaaNovaYorklogoquepuderea
qualquercusto.Cuidedasquestõ esdefamı́lia,naturalmente,earquivequalquerexperiê nciaou
reflexãopessoal,comoosoutrosestãofazendo.Porém,vocêdevesairnafrenteparadescobriro
queestáportrásdofenômeno.Asidéiassãocomoegos-todomundotemum.
Se chegaremos a algumas conclusõ es nã o sei, mas pelo menos vamos catalogar as
possibilidadesrazoáveis.Vocêpodeadivinharporqueprecisodevocêaquiparafazerisso;tenho,
na verdade, um motivo superior. Penso, à s vezes, que, devido à posiçã o em que estou, sou o
ú nico que pode saber dessas coisas; mas trê s diferentes chefes do departamento editorial
apresentaramidé iasdereportagensacercadeumencontrodevá riosgruposinternacionaisem
NovaYorkestemê s.Oeditordepolı́t icaplanejacobrirumaconferê nciadenacionalistasjudeus
emManhattan,quetemalgumacoisaavercomumanovaordemdegovernonomundo.Oque
eles querem dizer com isto, nã o sei, e o pró prio editor també m nã o sabe. O editor de religiã o
deixou alguma coisa em minha caixa de entrada sobre uma conferê ncia de judeus ortodoxos
vindostambé mparaumencontro.Nã osã osomentedeIsrael,mas,aoqueparece,detodosos
lugares, e eles nã o querem mais saber de discutir a respeito dos Rolos do Mar Morto. Estã o
aindaaturdidoscomodesmantelamentodaRú ssiaeseusaliados—queimaginoquevocê ainda
pensa ter sido sobrenatural, mas acredite, gosto de você mesmo assim. O editor de religiã o
pensa que eles estã o atrá s de ajuda para reconstruir o templo. Isto talvez nã o seja um fato
muitoimportanteourelacionadoemoutrodepartamento—anã oserodereligiã o-,mas iquei
surpresoaosaberdeoutroencontrodeumgrupodejudeusnomesmolocalequasenamesma
dataparatratardeumassuntointeiramentepolı́t ico.Aoutraconferê nciareligiosanacidadeé
entrelíderesdetodasasprincipaisreligiões,incluindoaquelesdotipoNovaEra,falandotambém
sobreumaordemreligiosauniversal.Elesdevemtambémreunir-secomosjudeusnacionalistas,
nã o é verdade? Preciso de seu cé rebro neste caso. Nã o sei o que fazer, se é que alguma coisa
podeserfeita.
Seiquetodomundosepreocupacomosdesaparecimentos.Masprecisamos icardeolho
no resto do mundo. Você sabe que a Organizaçã o das Naçõ es Unidas pretende realizar uma
conferê ncia monetá ria internacional, tentando avaliar como vamos fazer com este negó c io de
trêsmoedas.Pessoalmente,soufavorável,masestouumtantodesconfiadodaidéiadeusaruma
moedaquenã osejaodó lar.Você podeseimaginarnegociandoemienesoumarcosaqui?Acho
queaindasouprovinciano.
Todo mundo está muito entusiasmado com esse tal de Carpathia, o romeno que
impressionoutantoseuamigoRosenzweig.Eledeixoutodomundoemapurosnosenadodeseu
paı́sportersidoconvidadoparafalarnaONUdentrodasduaspró ximassemanas.Ningué msabe
como ele conseguiu esse convite, mas sua popularidade internacional me lembra bastante
WalesaoumesmoGorbachev.Lembra-sedeles?Ah!
Hei,amigo,mandenotı́c ia,senã odesapareceu.Peloquesoubeaté estemomento,perdi
umasobrinhaedoissobrinhos,umacunhadadequemnãogostavae,possivelmente,umcasalde
parentesdistantes.Você achaqueelesvoltarã o?Bem,guardepravocê até quesaibamosoque
está por trá s disso. Se eu tivesse de adivinhar, diria que estou antevendo alguma terrı́vel
redençã o divina. Ou seja, nã o é que essas pessoas desaparecidas estejam mortas. O que vai
acontecer no mundo com a indú stria do seguro de vida? Nã o estou disposto a acreditar em
tabló ides. Saiba apenas que eles estã o dizendo que os alienı́genas do espaço inalmente nos
pegaram.
Venhapracá,Buck.
CAPÍTULO4
BUCKpressionouumlençoensopadodeá guafriasobreoladodetrá sdacabeça.Aferida
tinhaparadodesangrar,maslatejava.Eleencontrououtramensagememseu e-mail e estava
sepreparandopararesponderquandorecebeuumabatidinhanoombro.
—Soumédico.Deixe-mefazerumcurativoemseuferimento.
—Oh!estátudobem,eeu...
— Permita-me fazer isto, companheiro. Estou icando louco neste lugar, sem nada para
fazer, e tenho aqui minha maleta. Estou trabalhando de graça hoje. Chame isto de um
ArrebatamentoEspecial.
—Umoquê?
—Bem,comovocê chamariaoqueaconteceu?—perguntouomé dico,tirandoumfrasco
egazedesuamaleta.—Istoestá parecendobastanterudimentar,mas icaremosesterilizados.
Aids?
—Perdão,nãoentendi.
— Veja bem, você conhece a rotina — disse o mé dico enquanto colocava luvas de
borracha.—VocêcontraiuovírusHIVouqualquerdoençasemelhante?
—Nã o.E...eunã o,estougostandodeouvirisso.Naqueleinstante,omé dicoaspergiuuma
boadosededesinfetantesobreagazeeacolocousobreoferimentonacabeçadeBuck.
—Aiii!Calma!
— Seja homem, garotã o. Isto dó i menos do que a infecçã o que teria se o ferimento nã o
fossecurado.
O mé dico raspou asperamente a ferida, limpando-a e fazendo escorrer o sangue
novamente.
—Ouça,estoufazendoumapequenaraspagemnocabeloparaqueocurativonã osaiado
lugar.Tudobem?
OsolhosdeBuckmarejavam.
—Sim,estácerto,masoquefoiqueosenhordissearespeitodeArrebatamento?
— Há qualquer outra explicaçã o que faça sentido? — disse o mé dico, usando um bisturi
pararasparocabelodeBuck.Umafuncioná riadoclubeaproximou-seepediuquetransferissem
apequenacirurgiaparaumdossanitários.
—Prometolimpartudo,minhacara—disseomédico.—Estáquasepronto.
—Bem,istonãopodeserhigiênico,etemosdepensarnosoutros.
—Porquevocê nã oserveaelesunsdrinqueseunspetiscos,hein?Você verá queistovai
deixá-losmaisaliviadosnumdiacomoeste.
— Nã o aceito que o senhor me fale dessa maneira. O mé dico suspirou enquanto
trabalhava.
—Vocêestácerta.Qualéoseunome?
—Suzie.
— Ouça, Suzie, fui indelicado e peço desculpa, está bem? Agora deixe-me terminar isto.
Prometoquenãofareiqualqueroutracirurgiaaquiempúblico.
Suzieafastou-semeneandoacabeça.
— Doutor — disse Buck -, deixe seu cartã o comigo para que eu lhe agradeça
apropriadamente.
—Nãoprecisa—disseomédico,guardandosuascoisas.
—Agoramedêsuaidéiasobreisto.OquequerdizerArrebatamento?
—Outrahora.Ésuavezdetelefonar.
Buck estava sofrendo, mas nã o podia deixar passar a chance de se comunicar com Nova
York.Eletentoudiscardiretamente,masnãoconseguiuocontato.Entãoacoplouseumodemao
telefone e começou a rediscagem, enquanto dava uma olhada na mensagem da secretá ria de
StevePlank,abalzaquianaMargePotter.
Buck,seumaroto!Alé mdetermuitooquefazeremepreocuparcomodiadehoje,ainda
tenho de procurar as famı́lias de suas garotas? Onde você conheceu essa Hattie Durham? Pode
dizeraelaquelocalizeisuamã enooeste,masissofoiantesqueumaenchenteoutempestade
ou alguma outra coisa interrompesse as linhas telefô nicas outra vez. Ela está perfeitamente
saudá vel, mas confusa, e icou muito agradecida pela notı́c ia de que sua ilha nã o desapareceu.
AsduasirmãsdeHattieestãobem,conformedissesuamãe.
Você é bomdemaisporajudarpessoascomoestas,Buck.Stevedissequevocê vaitentar
chegar aqui. Será bom reencontrá -lo. Isto tudo é tã o terrı́vel. Até agora sabemos de vá rios
funcionáriosdesaparecidos.Deváriosoutros,nãotivemosnotícias,incluindoalgunsdeChicago.
Todo o pessoal da equipe principal foi localizado. Só estava faltando você . Esperei e orei
paraquevocê estivessebem.Observouqueissopareceteratingidoosinocentes?Todosaqueles
que conhecemos e que se foram eram crianças ou pessoas muito bondosas. Por outro lado,
algumas pessoas maravilhosas ainda estã o aqui. Steve e eu estamos contentes de você estar
entreelas.Entreemcontato.
Elanã omencionousepô decontataropaiviú vodeBuckouseuirmã ocasado.Buck icou
intrigado, sem saber se ela omitiu a informaçã o de propó sito ou simplesmente ainda nã o tinha
notı́c iadeles.Suasobrinhaesobrinhodeviamtersumido,sefosseverdadequenenhumacriança
sobreviveu. Buck desistiu de tentar contato direto com o escritó rio, mas novamente foi bemsucedidofazendoaconexã opelocomputador.Eleenviouseusarquivose,numpiscardeolhos,a
informaçã o de seu paradeiro. Desse modo, quando o sistema telefô nico voltasse a funcionar
normalmente,oSemanárioGlobaljápoderiacomeçaratrabalharemcimadomaterialenviado.
Elepô sofonenoganchoedesconectou,recebendooolhardeagradecimentodopró ximo
na ila, e em seguida foi procurar o mé dico. Nã o teve sorte. Marge tinha se referido aos
inocentes. O doutor admitia que tinha sido o Arrebatamento. Steve tinha ridicularizado os
alienı́genasdoespaço.Mascomosepoderiaexcluirqualquercoisaaestaaltura?Suamentejá
estava ruminando idé ias para a histó ria que haveria atrá s dos desaparecimentos. Seria o
trabalhopeloqualeleaguardaraavidainteira!
Buckentrouna ilaparatentarcomprarumapassagemparaNovaYork,sabendoquesuas
possibilidadespelosmeiosconvencionaiseramescassas.Enquantoesperava,procuravalembrar
o que Chaim Rosenzweig, o "Fazedor da Notı́c ia do Ano", havia falado com ele sobre o jovem
Nicolae Carpathia, da Romê nia. Buck tinha conversado sobre isso ligeiramente com Steve
Plank, cuja opiniã o era que nã o valia a pena enxertá -lo numa reportagem já condensada.
RosenzweigficouimpressionadocomCarpathia,istoeraverdade.Masporquê?
Bucksentou-senochã oesó semoviaquandoa ilaandava.Recorreuaosseusarquivosno
computador sobre a entrevista com Rosenzweig e chamou a palavra "Carpathia". Ele se
recordava de ter icado sem jeito ao admitir a Rosenzweig que nunca tinha ouvido falar do
homem.Amedidaqueastranscriçõ esdaentrevistasedesenrolavamnatela,eledigitouatecla
"pare"eleu.Quandonotouqueosinaldebateriaesgotadaacendeu,tirouum iodeextensã ode
sua maleta e ligou o computador numa das tomadas ao longo da parede do balcã o. "Cuidado
como io",gritavatodavezquealgué mpassava.Umamulheratrá sdobalcã oordenouqueele
desligasseofiodatomada.
Elesorriuparaela.
—Eseeunã odesligar,você vaimeexpulsardaqui?Vouserpreso?Sejatolerantecomigo,
pelomenoshoje!
Di icilmente as pessoas tinham sua atençã o atraı́da por um manı́aco sentado no chã o
gritandocomamulheratrá sdobalcã o.IssoraramenteacontecianoClubePan-Continental,•
masnaqueledianinguémsesurpreendiacomnada.
Rayford Steele desembarcou no heliporto do Hospital da Comunidade Noroeste, em
ArlingtonHeights,ondeospilotostiveramdedescerparadarlugaraumpacientequedeveria
ser levado para Milwaukee. Os outros pilotos se amontoaram junto à entrada do hospital, na
esperançadeconseguirumtáxi,masRayfordtinhaumaidéiamelhor.Resolveuirapé.
Ele estava cerca de oito quilô m etros distante de casa e apostava que poderia pegar uma
carona mais facilmente do que encontrar um tá xi. Esperava que seu uniforme de capitã oaviador e sua boa aparê ncia izessem com que algué m se importasse com ele oferecendo-lhe
umacarona.
Enquanto fazia a penosa caminhada, a capa impermeá vel num braço e carregando a
maleta na outra mã o, ele tinha uma sensaçã o vazia e desesperançada. Aquela altura, Hattie
devia ter chegado ao seu condomı́nio, checando suas mensagens, tentando contato com sua
famı́lia.SeeleestavacertodequeIreneeRayJr.tinhamdesaparecido,ondeestariamquando
issoaconteceu?Encontrariaalgumaevidê nciadequetinhamsumido,emvezdeencontrarema
morteemalgumacidenterelacionadocomosdesaparecimentos?
Rayfordcalculavaqueosdesaparecimentosteriamocorridoà noite,talvezporvoltade11
horas, no fuso horá rio da á rea central do paı́s. Será que qualquer coisa os tirou de casa à quela
horadanoite?Elenãopoderiaimaginaroqueteriaacontecidoetinhadúvidaquantoaisso.
Umamulherdeuns40anosparouparadarumacaronaaRayfordnaestradadeAlgonquin.
Quandoeleagradeceu-lheedisseondemorava,elaafirmouqueconheciaobairro.
— Uma amiga minha mora lá . Melhor, morava. Conhece Li Ng, a garota asiá tica do
noticiáriodoCanal71
—Conheçoambos,elaeomarido—disseRayford.—Elesmoramemnossarua.
—Nãomais.Onoticiáriodemeio-diadehojefoidedicadoaela.Afamíliainteirasumiu.
Rayforddeuumfortesuspirodedesabafo.
—Istoéinacreditável.Asenhoraperdeualguém?:
— Infelizmente, sim — respondeu ela com a voz embargada. -Cerca de uma dú z ia de
sobrinhasesobrinhos.
—Uau!
—Eosenhor?
—Aindanãosei.Acabodechegardeumvôoenãoconseguilocalizarninguém.
—Querqueeuoespere?
—Não.Tenhoumcarro.Seeuprecisariraalgumlugar,nãotenhoproblema.
—O'Hareestáfechado,osenhorsabe—disseela.
—Éverdade?Desdequando?
—Elesacabamdeavisarpelorá dio.Aspistasestã olotadasdeaviõ es,osterminaischeios
degente,asestradasabarrotadasdecarros.
Enquanto a mulher entrava em Monte Prospect, choramingando, Rayford sentiu um
esgotamento como nunca havia tido antes. As poucas casas da quadra tinham as entradas
repletasdecarros,epessoasseajuntavamemgrupos.Pareciaquetodomundo,emtodaparte,
tinhaperdidoalguém.Elesabiaquelogoseriamaisumentreeles.
— Posso servi-la em alguma coisa? — disse ele à mulher, enquanto ela entrava com o
carronarampadesuacasa.
Elameneouacabeça.
— Estou apenas contente de ter podido ajudar. Ore por mim, se lembrar. Nã o sei se vou
suportarestasituação.
—Nãosoumuitochegadoàoração—admitiuRayford.
—Osenhorvaiser—disseela.—Eutambémnuncafui,masagorasou.
—Entãoasenhorapodeorarpormim—disseele.
—Vouorar.Estejacertodisso.
Rayford icou em pé na entrada da casa e acenou para a mulher até perdê -la de vista. O
jardimeoscorredoresexternosestavamimpecá veis,comosempre,eaenormecasa,suacasatrofé u,estavasepulcral.Eleabriuaportadafrente.Ojornalnopatamar,ascortinascerradasna
janelapanorâmicaeocheirofortedecaféqueimadoqueelesentiuindicavamoqueeletemia.
Irene era uma dona-de-casa metó dica. Sua rotina matutina incluı́a a cafeteira
cronometradaparaasseishoras,coandosuamisturaespecialdecafédescafeinadocomumovo.
Orá dioestavaprogramadoparadespertá -laà sseisemeia,sintonizadonaestaçã ocristã local.
AprimeiracoisaqueIrenefaziaquandodesciaaescadaeraabrirascortinasdafrenteedetrás.
Com um nó na garganta, Rayford atirou o jornal na cozinha e tratou de acomodar suas
coisas.Pendurouacapaecolocouamaletanocubı́c ulo.Lembrou-sedepegaropacotinhoque
IrenehaviaenviadoaoO'Hareparaeleecolocou-onobolsolargodeseuuniforme,carregandoo consigo enquanto procurava por evidê ncia de que ela havia desaparecido. Se isso fosse
verdade, ele sinceramente esperava que estivesse certa. Ele queria, acima de qualquer coisa,
queelavisseseusonhorealizado,quetivessesidolevadaporJesusnumpiscardeolhos—uma
jornada empolgante e indolor para o seu cantinho no cé u, como ela sempre gostava de dizer.
Irenemereciaisto.
ERaymie.Ondeestaria?Comela?Certamente.Eleiacomamã eà igreja,mesmoquando
Rayfordnã oaacompanhava.Pareciagostardaquilo,depertencerà comunidade.LiasuaBı́blia
eaestudava.
Rayford puxou o io da tomada da cafeteira que tinha se desligado e ligado
automaticamentedurante7horas,queimandoocafé .Jogouforaaquelamassameioempedrada
e deixou a cafeteira na pia. Desligou o rá dio, que estava sintonizado na estaçã o cristã
transmitindonotı́c iasemcadeia,numtomenfadonho,sobreatragé diaeadestruiçã oresultante
dosdesaparecimentos.
Eledeuumaolhadanasaladeestar,nasaladejantarenacozinha,naexpectativadever
a costumeira limpeza do lar de Irene. Seus olhos encheram-se de lá grimas; abriu as cortinas,
comoelateriafeito.Seriapossı́velqueelativesseidoaalgumlugar?Visitadoalgué m?Deixado
umrecadoparaele?Mas,seelaestivesseemalgumlugareeleaencontrasse,oquedizerdafé
que ela professava? Seria uma prova de que este nã o era o Arrebatamento em que ela
acreditava? Ou signi icaria que ela estava perdida tanto quanto ele? Se houve realmente o
Arrebatamento,eleesperavaqueIrenetivessesidolevada,paraobemdela.Masadoreovazio
jáoestavamdominandocompletamente.
Rayford ligou a secretá ria eletrô nica e ouviu as mesmas mensagens que tinha ouvido do
O'Hare,maisamensagemqueelemesmotinhadeixado.Suapró priavozpareceu-lheestranha.
Eledetectounelaumtomfatalista,comosesoubessequesuaesposaefilhonãoareceberiam.
Eleestavacommedodesubiraescadaparaosdormitórios.Inspecionoutodoopavimento
inferiordacasaaté asaı́dadagaragem.Sepelomenosumdoscarrosestivessefaltando...Eum
estava! Quem sabe ela teria ido a algum lugar! Mas tã o logo pensou nisso, Rayford desceu o
degrauparaagaragemenotoudepertoqueeraoseuBMWqueestavafaltando.Aquelequeele
levouaoO'Harenodiaanterior.Ocarroestavaesperandoporelequandootrá fegovoltasseao
normal.
Osoutrosdoiscarrosseencontravamlá ,odeIreneeoqueChloeusavaquandoestavaem
casa.EtodasaslembrançasdeRaymietambé mestavamlá .Seucarrinhodequatrorodas,seu
trenó para deslizar na neve, sua bicicleta. Rayford teve ó dio de si mesmo por haver quebrado
sua promessa de passar mais tempo com Raymie. Ele teria muito tempo ainda para lamentar
isso.
Rayforddeuunspassoseouviuoruı́dodopequenopacoteemseubolso.Erahoradesubir
asescadas.
Estava quase chegando a vez de Buck Williams ser atendido no balcã o do Clube PanContinental quando ele encontrou a maté ria que estava procurando em seu gravador. A certa
altura, durante os vá rios dias de gravaçã o, Buck inquiriu o Dr. Rosenzweig acerca dos vá rios
paísesquetentavamassediá-lonaesperançadeteracessoàsuafórmulaetirarproveitodela.
—Estetemsidoumaspectointeressante—a irmouRosenzweigcomosolhosbrilhando.
—Fiqueimuitolisonjeadocomavisitadoprópriovice-presidentedosEstadosUnidos.
Ele quis homenagear-me, levar-me ao presidente, fazer-me alvo de um des ile, conferirmeumacomenda,tudoisso.Diplomaticamente,elenadafalousobrereceberemtrocaqualquer
coisa, mas eu teria uma dı́vida para com ele, nã o é verdade? Muito foi dito sobre o que, como
paı́s amigo de Israel, os Estados Unidos tê m feito durante dé cadas. E isso é verdade, nã o é ?
Comopoderiaeucontestar?Rosenzweigcontinuou:
—Maseuprocuravaverosprê mioseamabilidadescomosendotodosparameubenefı́c io
e,humildemente,osrecusava.Comovocêvê,jovem,soumuitohumilde,nãosou?
Rosenzweig riu ruidosamente de si mesmo e contou vá rias outras histó rias de dignitá rios
queprocuraramagradá-lo.
—Foramtodossinceros?—Buckperguntou.—Algumoimpressionou?
— Sim! — disse Rosenzweig sem hesitaçã o. — Vindo do mais desconcertante e
surpreendentecantodomundo—Romê nia.Nã oseiseelefoienviadoouveioporcontapró pria,
massuspeitoquefoiasegundahipó t ese,porqueeraoo icialdemenorgraduaçã oquemevisitou
apó s eu ter recebido o prê mio. Esta é uma das razõ es por que quis vê -lo. Ele mesmo pediu a
audiência.Nãoprocurouoscanaistipicamentepolíticosouprotocolares.
—Eeleera...?
—NicolaeCarpathia.
—Carpathiacomoos...?
— Sim, como os montes cá rpatos. Um nome melodioso, você deve admitir. Achei-o
fascinanteehumilde.Semelhanteamim!
Denovo,eledeuumagargalhada.
—Nãoouvifalardele.
—Vocêouvirá!Vocêouvirá.
—Porqueeleé...—disseBucktentandoconduziraconversa.
—Carismático,impressivo,étudooquepossodizer.
—Eeleéalgumtipodediplomataemfasedeascensãoaestaaltura?
—Eleéumdoscomponentesdaassembléiadogovernoromeno.
—Nosenado?
—Não,osenadoestáacimadaassembléia.
—Certamente.
— Nã o se sinta mal por nã o saber estas coisas, embora seja um jornalista internacional.
Istoé algoquesomenteosromenoseoscientistaspolı́t icosamadorescomoeusabem.Eoque
gostodeestudar.
—Emsuashorasdedescanso.
—Precisamente.Maseunã oconheciaessehomem.Querodizer,conheciumdaCâ mara
dos Deputados — é como eles chamam a assemblé ia na Romê nia — que era um paci icador e
lideravaummovimentoemproldodesarmamento.
Mas eu nã o sabia seu nome. Creio que sua meta é o desarmamento global, do qual nó s,
israelenses,suspeitamos.Masnaturalmenteeledeveprimeiroefetuarodesarmamentoemseu
pró priopaı́s,oquenemmesmovocê verá até o imdesuavida.Essehomem,poracaso,é mais
oumenosdasuaidade.Loiroedeolhosazuis,comoosromenosoriginais,quevieramdeRoma,
antesqueosmongóissemesclassemcomsuaraça.
—Oqueosenhormaisapreciounele?
—Voucontar-lhe—disseRosenzweig.—Eleconheceminhalı́nguatã obemcomoasua
pró pria.Efalauminglê s luente.Vá riosoutrosidiomastambé m,é oquedizem.Bem-instruı́do,
mastambé mamplamenteautodidata.Sinceramente,gostodelecomopessoa.Muitobrilhante.
Muitohonesto.Muitoaberto.
—Oqueelequeriadosenhor?
— Isto foi o que mais me agradou. Por tê -lo achado tã o aberto e honesto, iz-lhe esta
pergunta.EleinsistiuqueochamassedeNicolae,eentã oeudisse"Nicolae"(istodepoisdeuma
hora de amabilidades recı́procas), "o que você deseja de mim?" Você sabe o que ele me disse,
jovem? "Dr. Rosenzweig, busco apenas sua benevolê ncia." Que podia eu dizer? Respondi-lhe:
"Nicolae,você atem."Soupessoalmenteumpoucopaci ista,você sabe.Nã oirrealisticamente.
Eunã omencioneiistoaele.Disse-lhesimplesmentequepodiacontarcomminhabenevolê ncia,
algoqueestendotambémavocê.
—Suponhoquenãoéumacoisaqueosenhorconcedefacilmente.
— Porque o aprecio é que você tem minha benevolê ncia. Um dia você deverá conhecer
Carpathia. Você s se apreciarã o mutuamente. As metas e sonhos dele jamais poderã o ser
concretizados, mesmo em seu paı́s, mas ele é um homem de altos ideais. Se ele se destacar,
vocêouviráfalardele.
Ecomovocê está sedestacandoemsuapró priaesfera,eleprovavelmenteouvirá falarde
vocêouoouvirá,estoucerto?
—Esperoquesim.
Derepente,chegouavezdeBuckseratendidonobalcã o.Elerecolheuo iodeextensã oe
agradeceuàjovemsenhoraporagüentá-lo.
—Queiradesculpar-meporisso—disseele,esperandopeloperdã oquenã oaconteceu.—
Odiadehojefoiterrível,opiordetodos,asenhoradevecompreender.
Aparentemente, ela nã o compreendeu. Tinha tido també m um dia agitado. Ela o itou
tolerantementeeperguntou:
—Oquenãopossofazerporvocê?
—Oh!asenhoradizissoporquenãofizoquemepediu?
— Nã o — respondeu ela. — Estou fazendo à mesma pergunta a todos. E uma pequena
brincadeira,porque,narealidade,nã opossofazernadaporningué m.Nã ohá vô osprogramados
parahoje.Oaeroportofecharáaqualquermomento.Quemsabedizerquantotempolevarápara
acabar toda esta confusã o e conseguir algum jeito de fazer o trá fego se restabelecer? Posso
apenas anotar seu pedido, mas nã o posso receber sua bagagem, vender passagem, reservar
lugar, permitir uso de telefone, reservar apartamento em hotel, en im todas as coisas que
adoramosfazerparanossossócios.Vocêésócio,nãoé?
—Sousócio!
—Ouroouplatina?
—Senhora,sou...digamos...umsóciocriptônio[umgásnobredaatmosfera].
Eleexibiuseucartã o,indicandoqueestavaentreos3%deviajantesdomundoquemais
usavamaviã o.Sequalquervô otivesseumlugardesdeaclassemaiseconô m icaaté aprimeira
classe,tinhadeserdadoaele,semnenhumadespesa.
— Oh! Meu Deus — disse ela -, nã o me diga que você é o Cameron Williams daquela
revista.
—Sou.
—Time?Nãoéisso?
—Nãobrinque.Nãotrabalhoparaoconcorrente.
— Oh! Eu sabia. Sabia por que eu queria ingressar no jornalismo. Fiz faculdade de
jornalismo. Ouvi falar de você . O mais jovem vencedor do prê mio ou o que apresentou mais
reportagensdecapacommenosde12anosdeprofissão?
—Foidivertido.
—Oucoisaparecida.
—Nãopossoacreditarqueestamosbrincandonumdiacomoeste—disseBuck.
Derepente,afisionomiadelaassumiuumarsério.
— Nã o quero nem pensar nisso. Entã o, o que posso fazer por você , se é que posso fazer
algumacoisa?
—Onegó c ioé oseguinte—disseBuck.—TenhodechegaraNovaYork.Porfavor,nã o
me olhe desse jeito. Sei que é o pior lugar aonde se pode ir neste momento. Mas a senhora
conhece muitas pessoas. A senhora conhece pilotos que fazem vô os fretados. Sabe de que
aeroportos eles decolam. Digamos que eu tenha recursos ilimitados e condiçõ es de pagar
qualquerpreçoparaoqueeupreciso.Quemasenhorameindicaria?Elaolhou irmeepensativa
paraele.
—Nãopossoacreditarquevocêtenhamepedidoisso.
—Porquê?
—Porqueconheçoalgué m.Elevoacomessespequenosjatospartindodelugarescomoos
aeroportos Waukegan e Palwaukee. Ele é do tipo que cobra o dobro numa emergê ncia,
especialmentesesouberquemvocêéeotamanhodoseudesespero.
—Nãovouescondernadadele.Dê-meainformação.
Ouvirorá dioouveratelevisã oeraumacoisa.Encontrar-sediantedofatoeraoutrabem
diferente. Rayford Steele nã o tinha a menor idé ia de como se sentiria se encontrasse algo que
evidenciassequesuaesposaeseufilhotinhamdesaparecidodafacedaterra.
Noaltodaescada,nasaletaquedáacessoaosquartos,eleparoujuntoàsfotospenduradas.
Irene, sempre seguindo a ordem cronoló gica, tinha pendurado os quadros começando pelos
bisavó sdeleedela.Antigosretratosempretoebranco,já umtantodescoradosetrincadospelo
tempo, de homens ossudos e mulheres do meio-oeste. Vinham em seguida as fotos coloridas já
um pouco esmaecidas de seus avó s em suas bodas de ouro. Depois seus pais, irmã os e eles
mesmos.Quantotempopassaradesdequeeleolhoudetidamenteafotodeseucasamento:ela
usando um estilo de cabelo moderno na é poca, e ele com o cabelo cobrindo as orelhas e
costeletaslongas?
E aquelas fotogra ias de Chloe com oito anos segurando nos braços o irmã ozinho bebê !
Como era confortador saber que Chloe estava viva e que a qualquer momento ele teria um
contatocomela!Masoquedizerdosoutrosdois?Elesdesapareceram.Rayfordnã osabiaoque
esperarepeloqueorar.ImaginarqueIreneeRaymieaindaestivessemaquiequeaquiloqueele
vianãopassavadeumsonho?
Elenãopodiaesperarmais.AportadoquartodeRaymieestavaumpouquinhoaberta.Seu
despertador estava tocando. Rayford o desligou. Sobre a cama, estava um livro que Raymie
vinhalendo.Rayford,vagarosaenervosamente,levantouoscobertoreseencontrouopijamade
Raymiecomosı́m bolodoBullsnopeito—seutimefavoritodebasquete—acuecaeasmeias.
Elesentou-senacamaechorou,lembrandoqueIreneinsistiaemqueRaymiecalçassemeiasao
deitar.
Rayford colocou as roupas numa pilha bem-arrumada e observou uma fotogra ia dele
mesmonocriado-mudo.Nafoto,Rayfordapareciasorridentedentrodoterminaldoaeroporto,o
quepeembaixodobraço,eaofundoum747dooutroladodaparedeenvidraçada.Afotoestava
assinada: "Ao Raymie, com amor, papai." Embaixo desta dedicató ria, ele escreveu "Rayford
Steele, capitã o-aviador, Linhas Aé reas Pan-Continental, O'Hare." Ele meneou a cabeça. Que
tipodepaiautografaumafotoparaseufilho?
O corpo de Rayford parecia de chumbo. Ele teve de se esforçar para icar em pé . Em
seguida,teveumatontura,lembrando-sedequenã otinhacomidonadahaviamuitashoras.Ele
saiudevagardoquartodeRaymie,semolharparatrás,efechouaporta.
No im da saleta, ele parou diante da porta com painé is em relevo que dava acesso ao
quarto do casal. Que lugar bonito e bem-ornamentado Irene fez, com que gosto ela decorava
todos os cantos da casa! Tinha ele alguma vez dito a ela que apreciava isso? Tinha ele alguma
vezapreciadoisso?
Nã o havia nenhum despertador a desligar ali. O cheiro de café é que sempre acordava
Irene.Outrafotogra iadeambos,eleolhandocon iantementeparaacâ mera,elaolhandopara
ele.Elenã oamerecia.Elemereciaisto,reconheceu—serescarnecidoporseuegocentrismoe
despojadodapessoamaisimportantedesuavida.
Rayford aproximou-se da cama, sabendo o que ia encontrar. O travesseiro afundado no
lugardacabeça,oscobertoresenrugados.Elepodiasentirocheirodela,emborasoubessequea
cama devia estar fria. Puxou cuidadosamente os cobertores e lençó is e encontrou o medalhã o
deIrene,quetinhaumafotodele.Suacamisolade lanela,aquelaqueelecriticavabrincandoe
queelausavasomentequandoelenãoestavaemcasa,oqueevidenciavasuapartida.
Comumnónagarganta,osolhosabsortos,elenotousuaaliançapertodotravesseiro,onde
ela sempre apoiava a face com a mã o. Era demasiado para suportar, e ele sucumbiu. Pegou a
aliançaeacolocounapalmadamã o,sentando-senabeiradadacama,ocorpotorturadopela
fadiga e pela dor. Pô s a aliança no bolso de sua jaqueta e percebeu o pequeno pacote que ela
havia mandado pelo correio. Abrindo-o, encontrou dois de seus doces favoritos feitos em casa
encimadosporumcoraçãodechocolate.
Que encanto de mulher! Pensou ele.Nunca a mereci, nunca a amei o su iciente! Ele pô s os
doces em cima do criado-mudo; o cheiro familiar deles enchia o ar. Com os dedos enrijecidos,
tirousuasroupasedeixou-ascairaochã o.Deitou-sedebruçosnacama,apanhouacamisolade
Ireneentreosbraçosparapodercheirá-laeimaginá-laaseulado.
ERayfordchorouatéadormecer.
CAPÍTULO5
BUCK Williams entrou numa das cabinas do lavató rio dos homens no Clube PanContinentalparafazerumaverificaçãominuciosadeseuspertences.Dentrodeumbolsointerno
de sua calça rancheira, ele carregava milhares de dó lares em cheques de viagem resgatá veis
em dó lares, marcos ou ienes. Sua ú nica maleta de couro continha duas mudas de roupas, seu
laptop,telefonecelular,gravadorde itas,acessó rios,estojodetoalete,alé mdealgumaspeças
deroupaparaoinverno.
Ele estava equipado para passar dez dias na Grã -Bretanha quando deixou Nova York trê s
dias antes dos desaparecimentos apocalı́pticos. Era seu costume nessas viagens
intercontinentaiscuidardesuaroupa,lavando-anumapiadehotel,deixando-asecarodiatodo,
enquantousavaoutroconjuntodovestuá rio,tendoaindaumdereserva.Destemodo,elenunca
ficavasobrecarregadocommuitabagagem.
Buck havia desviado seu trajeto fazendo uma parada em Chicago especi icamente para
resolverumapendê nciacomachefedasucursaldoSemanárioGlobal de lá , uma mulher negra
deseus50anoschamadaLucindaWashington.
Ele teve um desentendimento com ela por ter passado por cima de sua equipe com um
furodereportagemsobreumamaté riaqueestavadebaixodonarizdetodos.Umá slegendá rio
da equipe dos Bears encontrara um nú m ero su iciente de só c ios para ajudá -lo a comprar um
time de futebol pro issional. Buck farejou o assunto, foi atrá s, localizou o homem, fez a
reportagemepublicou-a.
— Admiro você , Cameron — tinha dito Lucinda Washington, recusando-se
intencionalmenteausarseuapelido.—Masomı́nimoquevocê deviaterfeitoeramepô rapar
disso.
—Edeixarquevocêescalassealguémquedeveriatertomadoainiciativa?
— O esporte nem mesmo é da sua pauta de maté rias, Cameron. Depois de descobrir o
"FazedordaNotı́c iadoAno"efazeracoberturadaderrotadaRú ssiaporIsrael,comoopró prio
Deusdiria,comopodevocê terinteresseemninhariacomoesta?Você s,dotipoalmofadinha,só
costumamgostardehóqueierúgbi.
—Istoeramaisdoqueumareportagemsobreesporte,Lucy,e...
—EU...
—Desculpe-me,Lucinda.Eessenãoéumlinguajarpordemaissurrado?Rúgbiehóquei?
Elesgargalharamaomesmotempo.
— Nã o estou nem mesmo dizendo que você deveria avisar-me que está na cidade —
continuouela.—Tudooquepeçoé que ao menos me informe antes de publicar a maté ria no
Semanário. Meu pessoal e eu icamos muito constrangidos em ser passados para trá s desse
modo,especialmentepelofamosoCameronWilliams,masparaqueissoseja...
—Éporissoquevocêestázangadacomigo?Lucindasoltouumagargalhadaoutravez.
— Foi por isso que disse ao Plank que precisava de uma conversa frente a frente para
continuarmosamigos.
—Eoquefezvocêpensarqueeumepreocupariacomisso?
—Porquevocêmeama—disseLucinda.—Vocênãopodeesconderisto.
Bucksorriu,eLucindaacrescentou:
—Mas,Cameron,seeupegá -lonestacidadeoutravez,emmeusetor,sempreviamente
avisar-me,voulhedarumasboaspalmadas.
— Bem, ouça, Lucinda. Deixe-me dar-lhe uma pista que nã o vou ter tempo de
desenvolver. Fiquei sabendo que o direito de compra do time acabou indo por á gua abaixo. O
dinheiroestavacurto,ealigarejeitaráaoferta.Ogloriosotimedesuacidadevaisecomplicar.
Lucindacomeçouarabiscaralgofuriosamente.
—Vocênãoestáfalandosério—disse-lheela,tirandoofonedogancho.
— Nã o, nã o estou, mas será muito divertido ver você entrar em açã o correndo como
baratatonta.
—Seudesprezı́vel—berrouela.—Outroqualquerquemedissesseissoseriajogadodaqui
praforaaospontapés.
—Masvocêmeama.Vocênãofariaisso.
—Estanãoéumaatitudecristã—retrucouela.
—Nãomevenhacomessaconversadenovo.
— Vamos lá , Cameron. Você sabe que mudou de idé ia quando viu o que Deus fez em
Israel.
—Admito,masnãocomeceamechamardecristão.Deístaéomáximoquepossoser.
—Fiquenacidadeunsdiasmaisevenhacomigoàminhaigreja,eDeusvaiconvencê-lo.
—Elejá mein luenciou,Lucinda.MasJesusé outracoisa.OsisraelitasodeiamJesus,mas
reconhecemoqueDeusfezporeles.
—OSenhortrabalhade...
— ...forma misteriosa, sim, eu sei. A propó sito, viajo para Londres segunda-feira. Vou
trabalharnumadicaquentefornecidaporumamigodelá.
—Oqueé?
—Esqueça.Aindanã onosconhecemosmuitobem.Elariuruidosamente,esesepararam
comumabraçoamigável.Istotinhasepassadotrêsdiasantes.
Bucktinhaembarcadonoinfortunadovô oparaLondrespreparadoparaqualquercoisa.Ele
estavaatrá sdeumadicadeumex-colegadeclasseemPrinceton,umgalé squetinhapassado
umtempotrabalhandonocentro inanceirodeLondresdesdesuagraduaçã o.DirkBurtontinha
sidoumafontecon iá velnopassado,alertando-oarespeitodeencontrossecretosde inancistas
internacionais de alto nı́vel. Durante anos, Buck havia se deleitado um pouco com a tendê ncia
deDirkentreter-secomteoriasconspirativas.
— Deixe-me entender isso direito — Buck tinha perguntado a ele uma vez -, você acha
queessescarassãodefatooslíderesmundiais?
— Eu nã o iria tã o longe, Cameron — respondeu-lhe Dirk. -Tudo o que sei é que eles sã o
importantes,pertencemaosetorprivado,edepoisquesereúnemacontecemgrandesnegócios.
—Você achaqueeleselegemoslı́deresmundiais,escolhemadedoosditadores,essetipo
decoisa?
—Nãopertençoaoroldoclubedosconspiradores,seéissoquevocêquerdizer.
— Entã o de onde você tirou essa idé ia, Dirk? Vamos lá , você é um cara relativamente
experiente.Corretorespoderososestã oportrá sdascenas?Investidoreseagitadoressã oosque
controlamodinheiro?
— Tudo o que sei é que a Bolsa de Londres, a Bolsa de Tó quio, a Bolsa de Nova York —
todosnó sbasicamentenavegamosemá guascalmasaté queessescarassereú nam.Aı́ entã oas
coisasacontecem.
—Você querdizerque,quandoosı́ndicesdaBolsadeValoresdeNovaYorkoscilamforte
e repentinamente por causa de uma decisã o presidencial ou algum voto do Congresso, isso se
devenaverdadeaoseugruposecreto?
— Nã o, mas este é um exemplo perfeito. Se há uma oscilaçã o no mercado por causa da
saú dedopresidente,imagineoqueacontecenosmercadosmundiaisquandooverdadeirogrupo
dodinheirosereúne.
— Mas como o mercado sabe que eles vã o se reunir? Pensei que você era o ú nico que
sabia.
— Cameron, falemos sé rio. Muitas pessoas nã o concordam comigo, e por isso
simplesmente nã o digo nada a ningué m. Um dos nossos grandalhõ es faz parte desse grupo.
Quando eles tê m um encontro, nada acontece imediatamente. Mas alguns dias depois, uma
semana,asmudançasocorrem.
—Porexemplo?
— Você vai me chamar de louco, mas um amigo meu se relaciona com uma garota que
trabalhaparaasecretáriadocaradessegrupo,e...
—Epa!Pare!Aondevocêquerchegar?
—Bem,talvezaconexã osejaumpoucoremota,masvocê sabequeasecretá riadocara
nã ovaidizernada.Dequalquermodo,oboatoquecorreé queessecaraé ardorosodefensorda
moeda ú nica para o mundo inteiro. Você sabe que a metade do nosso tempo é gasto em
manipulartaxasdecâ mbioetudomais.Oscomputadoresestã oligadosininterruptamentepara
reajustarastaxas,diaenoite,oanointeiro,combasenoscaprichosdosmercados.
Bucknãoestavaconvencido.
—Umamoedaglobal?Nuncavaiacontecer—conjeturou.
—Comovocêpodedizerissocategoricamente?
— Muito estranho. Impraticá vel. Veja o que aconteceu nos Estados Unidos quando
tentaramintroduzirosistemamétrico.
—Deviateracontecido.Vocêsianquessãounsjecas.
— O sistema mé trico era necessá rio somente para o comé rcio internacional. Nã o para
medir a á rea externa do Yankee Stadium ou quantos quilô m etros há entre Indianá polis e
Atlanta.
—Eusei,Cameron.Seupovopensavaque,sevocêsfizessemmapasemarcosdedistância
fá ceisdeler,estariamabrindocaminhoparaoscomunistasdominarem.Eagoraondeestã oos
seuscomunistas?
Buck nã o levou a sé rio a maioria das idé ias de Dirk Burton, senã o poucos anos depois,
quandoDirkochamounomeiodanoite.
— Cameron — disse ele, nã o se lembrando do apelido dado por seus colegas e amigos -,
nã o posso falar muito. Você pode ir atrá s do que vou dizer-lhe ou esperar que aconteça e
arrepender-se mais tarde de nã o ter aproveitado a maté ria para fazer uma reportagem. Mas
vocêestálembradodaquelenegócioqueeuestavadizendosobreumamoedauniversal?
—Sim.Aindaestouemdúvida.
—Otimo,masestoulhedizendoqueanotı́c iaquecorreaquié queocarajogouaidé iana
mesanaúltimareuniãodessesfinancistassecretosealgumacoisaestáfermentando.
—Oqueestáfermentando?
—Bem,haverá umaimportanteConferê nciaMonetá riadasNaçõ esUnidas,eotemaserá
aadequaçãoeaprimoramentodamoeda.
—Grandenegociata.
— É grande, Cameron. O cara conseguiu bater o martelo. Ele, naturalmente, estava
tentandofazercomqueamoedafosseàlibraesterlina.
—Quesurpresahaveráquandoissonãoacontecer.Olheparaaeconomiadeseupaís.
— Mas ouça. A grande notı́c ia, vazada de uma reuniã o secreta, é que eles concordaram
comtrêsmoedasparaomundotodo,esperandochegaraumaúnicadentrodeumadécada.
—Demodoalgum.Nãovaiacontecer.
— Cameron, se minha informaçã o é correta, o está gio inicial é um acordo selado. A
conferênciadasNaçõesUnidasserviráapenascomoumafachada.
—Eadecisãojáfoitomadaporseusmanipuladoresdefantochessecretos.
—Éissomesmo.
—Nãosei,Dirk.Vocêéumamigo,masdeveriaestarfazendooqueeufaço.
—Quemnãofaria?
—Bem,éverdade.Certamenteeunãoqueriafazeroquevocêestáfazendo.
—Masnãoestouerrado,Cameron.Testeminhainformação.
—Como?
—Minhaprevisã oé queaONUvaisemanifestardentrodeduassemanas,e,seeuestiver
certo,comeceametratarcomumpoucodedeferência,umpoucoderespeito.
Bucklembrou-sedequeeleeDirk,comoosdemaiscolegas,andavamseesmurrandoem
Princetonduranteapizzaecervejanosfinsdesemananosdormitórios.
— Dirk, ouça. Isso parece interessante, e estou prestando atençã o. Mas você sabe muito
bem, nã o sabe? Brincadeira à parte, eu nã o desmereceria nem um tiquinho você , mesmo que
estivéssemoshámuitotempoafastados.
— Obrigado, Cameron. Realmente isto signi ica muito para mim. E, afora este pequeno
petisco,voulhedarumadicaextra.Nã ovouapenasdizerquearesoluçã odaONUvaiserpelo
dó lar, marco e iene dentro de cinco anos, mas també m vou dizer que o verdadeiro poder por
trásdissoéodoamericano.
—Oquevocêquerdizercomisso?
—Omaispoderosodosgruposinternacionaissecretosdehomensdodinheiro.
—Estecaradirigeogrupo,emoutraspalavras?
—Eelequemdescartoualibraesterlinacomoumadasmoedasetemodó laremmente
comomercadoriaúnicanofinal.
—Queméele?
—JonathanStonagal.
Buck estava esperando que Dirk citasse algué m ridı́c ulo, para que explodisse em
gargalhada.Mastevedeadmitir,ainda
quesomenteparasimesmo,que,sehaviaalgumacoisaarespeitodesteassunto,Stonagal
seriaumaescolhaló gica.Stonagal,umdoshomensmaisricosdomundoedelongadatamuito
conhecido como um poderoso corretor americano, tinha de estar envolvido, se um tema
inanceiroglobalsé rioestivesseemdiscussã o.Emborajá tivessemaisde80anoseaparentasse
fragilidade em suas ú ltimas fotos, ele nã o somente possuı́a os maiores bancos e instituiçõ es
inanceiras dos Estados Unidos, mas també m possuı́a ou tinha grande participaçã o em outras
instituiçõesfinanceirasespalhadaspelomundo.
EmboraDirkfosseumamigo,Bucksentiaanecessidadedemantercomeleumpoucode
jogodofaz-de-conta,paratorná-loávidodeproverinformações.
— Dirk, preciso voltar para a cama. Gostei de tudo isto e achei muito interessante. Vou
veroqueresultará desseacordodaONU.Tentareitambé macompanharospassosdeJonathan
Stonagal.Seacontecerdomodoquevocêimagina,vocêserámeumelhorinformante.Enquanto
isso,vejasedescobreparamimquantosfazempartedessegruposecretoeondesereúnem.
— Isto é fá cil — disse Dirk. — Há pelo menos dez, embora outros mais à s vezes
compareçamàsreuniões,inclusivealgunschefesdeEstado.
—PresidentesdosEstadosUnidos?
— Ocasionalmente, acredite ou nã o. E eles costumeiramente se reú nem na França. Nã o
seiporquê .Numaespé ciedechalé particularoucoisaparecidaquedá aelesumasensaçã ode
segurança.
— Seu amigo nã o perde nenhuma notı́c ia, seja ela procedente de um amigo, de um
parente,deumsubordinadodesecretáriaoudequalqueroutrapessoa.
— Ria quanto quiser, Cameron. Nosso cara no grupo, Joshua Todd-Cothran, pode nã o ser
precisamentetãoreservadocomoosdemais.
—Todd-Cothran?ElenãoéopresidentedaBolsadeLondres?
—Elemesmo.
— Nã o ser reservado? Como pode ele ter uma tamanha posiçã o e nã o ser reservado? E
mais,quemjáouviufalardeumbritânicoquenãofossereservado?
—Acontece.
—Boa-noite,Dirk.
Naturalmente, tudo acabou se con irmando. A ONU tomou sua resoluçã o. Buck descobriu
queJonathanStonagalestevehospedadonoHotelPlaza,emNovaYork,duranteosdezdiasda
conferê ncia. O Sr. Todd-Cothran, de Londres, tinha sido um dos oradores mais eloqü entes,
demonstrando tal ansiedade de ver a questã o resolvida que se dispô s a passar a tocha ao
primeiro-ministrocomvistasàmudançadalibraparaomarco.
Muitospaı́sesdoTerceiroMundolutaramcontraamudança,masempoucosanosastrê s
moedas espalharam-se pelo mundo. Buck tinha conversado somente com Steve Plank sobre
estadicadasreuniõ esdaONU,masnã odissequalfoiafontedainformaçã o.NemelenemPlank
sentiramquevalesseapenaumartigoespeculativosobreoassunto.
— Muito arriscado — dissera Steve. Logo ambos desejaram que tivessem tomado a
iniciativa de publicar a maté ria com antecedê ncia. — Você teria se tornado mais do que uma
lenda,Buck.
Dirk e Buck tinham icado mais amigos do que nunca, e agora era raro Buck visitar
Londressemavisá -locomantecedê ncia.SeDirktivesseumfatosé rio,Buckpegavasuamaleta
eviajava.Suasviagenstinhamgeralmentesetransformadoemexcursõ esapaı́seseclimasque
osurpreendiam,porissotinhadelevarroupasadequadasavá riasestaçõ es.Agora,parecia,isso
tudo era supé r luo. Ele se sentia preso em Chicago depois do mais desnorteante fenô m eno na
históriamundial,tentando
chegaraNovaYork.
Apesar da incrı́vel praticidade e potencialidade de seulaptop, nã o havia ainda substituto
paraasuaagendadebolso.Buckrabiscouumalistadecoisasafazerantesdeviajaroutravez:
ChamarKenRitos,pilotofreteiro
ChamarpapaieJeff
ChamarHattieDurhamparadarnotíciasdafamília
ChamarLucindaWashingtonsobrehotellocal
ChamarDirkBurton
Rayford Steele acordou com o som do telefone. Ele tinha icado imó vel vá rias horas. Era
umfimdetarde,eocéuestavacomeçandoaescurecer.
—Alô—disseele,nãoconseguindodisfarçarotomrouquenhoesonolentodavoz.
—CapitãoSteele?—EraavozansiosaenervosadeHattieDurham.
—Sim,Hattie.Vocêestábem?
—Estivetentandocontatá -lodurantehoras!Meutelefone icoumudopormuitotempoe,
depois, só deu sinal de ocupado. Consegui chamar seu telefone e ouvia o sinal dos toques, mas
vocênuncarespondia.Nadasoubedeminhamãeeminhasirmãs.Equantoavocê?
Rayfordsentou-senacama,atordoadoedesorientado.
—RecebiumrecadodeChloe—respondeuele.
—Eujá sabia—disseHattie.—Você mecontouemO'Hare.Suaesposaeseu ilhoestã o
bem?
—Não.
—Não?
Rayfordficouemsilêncio.Queoutracoisahaviaparadizer?
—Vocêtemcertezadealgumacoisa?—perguntouela.
—Achoquesim—respondeu.—Suasroupasdedormirestãoaqui.
—Oh!não!Rayford,sintomuito!Possofazeralgumacoisaporvocê?
—Não,obrigado.
—Vocêprecisadecompanhia?
—Não,obrigado.
—Estoucommuitomedo.
—Eutambém,Hattie.
—Oquevocêvaifazer?
— Continuar tentando localizar Chloe. Espero que ela possa vir para casa ou eu possa ir
atéela.
—Ondeelaestá?
—Stanford.PaioAlto.
— Minha gente está na Califó rnia també m — disse Hattie. -Eles tiveram todo tipo de
problemaslá,atépiordoqueaqui.
— Imagino que sim, por causa da diferença de horá rio -Rayford respondeu. — Mais
pessoasnasestradas,estetipodecoisa.
—\Estou morrendo de medo de que tenha acontecido alguma coisa ruim com minha
família.
—Dê-menotíciaquandodescobrir,Hattie,certo?
— Sim, mas espero que você me ligue. Meu telefone está mudo, por isso nã o poderei
contatá-lo.
—Querodizeravocê quetenteichamá -la,Hattie,masnã opude.Istoé muitodifı́c ilpara
mim.
—Seprecisardemim,avise-me,Rayford.Talvezvocê precisedealgué mcomquemfalar
ouqueestejaaseulado.
— Farei isso. E você me informe o que souber de sua famı́lia. Ele quase desejou nã o ter
acrescentadoisto.Aperdadesuaesposae ilhoofezperceberquã oinapropriadaeraarelaçã o
queeletinhaestadobuscandocomumamulherde27anos.Elemalaconheciae,naverdade,
nã oseimportavacomoqueaconteceraà famı́liadela.Asensaçã oeraamesmadeterlidono
jornal a notı́c ia de uma tragé dia em algum lugar remoto. Ele sabia que Hattie nã o era má
pessoa.Narealidade,elaeraencantadoraeamiga.Masnã oeraporissoqueestavainteressado
nela. Tinha sido meramente uma atraçã o fı́sica, alguma coisa em que ele foi su icientemente
esperto, feliz ou ingê nuo por nã o ter agido precipitadamente. Ele se sentia culpado por ter
considerado tal possibilidade. Agora, sua angú stia apagaria tudo, menos a cortesia de
simplesmenteseimportarcomumacolegadetrabalho.
—Háumtelefonemaparamim—disseela.—Podeesperar?
—Não,váatender.Chamovocêmaistarde.
—Vouligardevolta,Rayford.
—Ah!Sim,estábem.
BuckWilliamsvoltouparaafilaeteveacessoaumtelefonepúblico.Destavez,nãoestava
tentandoligarseucomputadoraele.Queriasimplesmentesaberquantasligaçõ espessoaispodia
fazer.ConseguiuprimeiroligarparaKenRitz.Asecretáriaeletrônicaatendeu:
"Serviço de Frete Ritz. Este é o esquema em razã o da crise: Tenho Learjets tanto em
PalwaukeecomoemWaukegan,masperdimeuoutropiloto.Possoiraqualqueraeroporto,mas
neste momento nã o estã o permitindo pousos em nenhuma das principais pistas. Nã o posso ir a
Milwaukee, 0'Hare, Kennedy, Logan, National, Dulles, Dallas, Atlanta. Posso descer em alguns
dosaeroportosmenoresmaisafastados,masistoprecisasernegociado.Desculpe-meporsertão
oportunista,masestoupedindoUS$1,25porquilô m etro,pagamentonoato.Sehouveralgué m
quequeiravoltarnomesmovô o,possodar-lheumpequenodesconto.Vouchecarestagravaçã o
à noiteeamanhã cedoacertaremosoembarque.Interessa-nosfazerviagensmaislongascom
garantiadepagamentonoato.Sesuaparadafornomeiodaviagem,tentareiencaixá -lonovô o.
Deixe-meumamensagem,eeuretornarei."
Aquilo era uma piada. Como Ken Ritz iria localizar Buck? Sem poder contar com seu
telefonecelular,aú nicacoisaemqueelepoderiapensareradeixarseunú m erodo voicemail de
Nova York. "Sr. Ritz, meu nome é Buck Williams. Estou necessitado de chegar o mais perto
possı́vel da cidade de Nova York. Pagarei o preço da passagem informado com cheque de
viagem, resgatá vel em qualquer moeda que deseje." As vezes, este era um atrativo para
contratantesparticulares,porqueelestinhamapossibilidadedebene iciar-sedeumadiferença
da moeda escolhida e poderiam, assim, conseguir um pequeno lucro no câ mbio. "Estou em
O'Hare e tentarei encontrar um lugar para icar num dos bairros. Para poupar seu tempo, vou
escolher algum lugar entre O'Hare e Waukegan. Se eu conseguir um novo nú m ero de telefone
neste intervalo, lhe informarei. Enquanto isto, queira deixar uma mensagem para mim no
seguintenúmeroemNovaYork."
Buckaindaestavaimpossibilitadodecontatarseuescritóriodiretamente,masseunúmero
dovoicemailfuncionou.Eletomouconhecimentodenovasmensagens,amaioriadelasdeseus
colegas de trabalho procurando obter informaçõ es sobre o ocorrido e informando a perda de
amigos comuns. Havia també m a mensagem de saudaçã o de Marge Potter, que foi genial ao
pensar em deixar uma para ele. "Buck, se você receber este recado, telefone para seu pai em
Tucson.Eleeseuirmã oestã ojuntos,eeudetestoterdedizeristoavocê ,maselesestã otendo
di iculdadedelocalizaraesposaeos ilhosdeJeff.Elesdevemternotı́c iaquandovocê telefonar
paralá.Seupaificoumuitocontenteeagradecidoquandoinformeiquevocêestavabem."
OvoicemaildeBuckindicavatambé mqueeletinhaumaoutramensagem.Eraaquelade
Dirk Burton que, em primeiro lugar, incentivava sua viagem. Ele precisaria ouvi-la novamente
quando tivesse tempo. Enquanto isso, deixou uma mensagem para Marge dizendo-lhe que, se
tivessetempoeumalinhadisponı́vel,eraprecisoinformaraDirkqueovô odelenuncachegoua
Heathrow. Naturalmente, a esta altura Dirk devia estar sabendo, mas era importante que ele
fosse informado de que Buck nã o estava entre os desaparecidos e que estaria lá no devido
tempo.
Buckdesligoue,emseguida,telefonouparaseupai.Alinhaestavaocupada,masnã oerao
mesmo tipo de ruı́do indicador de queda de linhas ou de defeito em todo o sistema. Nem se
tratava daquela enervante gravaçã o que ele estava acostumado a ouvir. Ele sabia que era
somenteumaquestãodetempoconseguircompletaraligação.Jeffdeviaestardesnorteadosem
notı́c iadesuaesposa,Sharon,edascrianças.Elestiveramsuasdiferençasechegaramaté ase
separar antes do nascimento dos ilhos, mas por vá rios anos o casamento vinha sendo
preservado. A esposa de Jeff tinha demonstrado espı́rito de perdã o e conciliaçã o. O pró prio Jeff
admitiu que icou perplexo quando ela o aceitou de volta. "Chame-me de indigno, mas
agradecido",disseeleumavezaBuck.O ilhoea ilhadocasal,ambosparecidoscomJeff,eram
preciosos.
Bucklocalizouonú m eroqueabelaaeromoçaloiralhetinhadadoearrependeu-sedenã o
terprocuradocontatá-laantes.Demorouumpoucoparaelaatender.
—HattieDurham,aquifalaBuckWilliams.
—Quem?
—CameronWilliams,doSemanário...
—Oh!Sim!Algumanotícia?
—Sim,senhorita,boasnotícias.
—Oh!GraçasaDeus!Conte-me.
— Algué m do meu escritó rio me disse que encontraram sua mã e e que ela e suas irmã s
estãoótimas.
— Oh! Obrigada, obrigada, muito obrigada! Nã o sei por que elas nã o me telefonaram.
Talveztenhamtentado.Meutelefoneenguiçaatodoomomento.
— Há outros problemas na Califó rnia, senhorita. As linhas caem freqü entemente. Talvez
levealgumtempoparapoderfalarcomelas.
— Eu sei. Ouvi dizer. Bem, ico muito grata por sua atençã o. E você ? Conseguiu contato
comsuafamília?
—Soubequemeupaiemeuirmã oestã obem.Aindanã otemosnotı́c iademinhacunhada
eseusfilhos.
—Oh!Qualéaidadedosfilhos?
—Nãoconsigomelembrar.Osdoistêmmenosdedez,masnãoseiexatamente.
—Oh!—AvozdeHattiepareciatriste,masreservada.
—Porquê?—perguntouBuck.
—Pornada.Éapenasque...
—Oquê?
—Vocênãopodesebasearnoqueeuvoudizer.
—Diga-me,Srta.Durham.
—Bem,você está lembradodoquelhedissenoaviã o.Deacordocomasnotı́c ias,parece
quetodasascriançasdesapareceram,inclusiveasqueestavamparanascer.
—Si...sim...sei.
—Nãoestoudizendoqueosfilhosdeseuirmãoestão...
—Eusei.
—Lamentoterfaladonisso.
—Nãosepreocupe.Istoémuitoestranho,nãolheparece?
— Sim. Eu acabo de falar por telefone com o capitã o que pilotou o aviã o em que você
estava.Eleperdeuaesposaeofilho,massuafilhaestábem.ElatambémestánaCalifórnia.
—Qualéaidadedela?
—Unsvinte,imagino.ElaestáemStanford.-Oh!
—Sr.Williams,porquenomeémaisconhecido?
—Buck.Éumapelido.
— Bem, Buck, posso estar errada quanto ao que eu disse a respeito de sua sobrinha e de
seusobrinho.Esperoquehajaexceçõesequeelesestejambem.
Hattiecomeçouachorar.
— Srta. Durham, nã o se preocupe. Devemos admitir que ningué m está pensando direito
nestemomento.
—PodemechamardeHattie.
Istolhesoouumtantoirô nicodiantedascircunstâ ncias.Elaestavasedesculpandoporter
sido inconveniente e, por outro lado, nã o queria ser muito formal. Se ele era Buck, ela era
Hattie.
—Achoquenã odevo icarocupandosualinha—disseele.—Apenasqueriapassar-lheas
notícias.Penseiquetalvez,aestaaltura,jásoubesse.
— Nã o, e obrigada mais uma vez. Você se importaria de me telefonar outra vez quando
puder ou se lembrar? Você parece ser uma pessoa gentil, e estou muito grata pelo que fez por
mim.Apreciariaouvi-lonovamente.Esteéummomentoassustadoresolitário.
Ele nã o podia tirar uma deduçã o dessa insinuaçã o. Foi estranho. Seu pedido parecia
qualquer coisa como "Venha me ver". Ela parecia absolutamente sincera, e ele estava
acreditando. Uma mulher bonita, assustada, solitá ria, cujo mundo tinha sido abalado, tanto
quantooseuedosqueeleconhecia.
Quandodesligouotelefone,Buckviuajovemnobalcãoacenandoparaele.
—Escute—disseelaemvozbaixa-,elesnãoqueremqueeufaçaumacomunicaçãopelo
alto-falante,paraevitarumcorre-corre,masacabamosdeouviralgointeressante.Asempresas
fretadoras de vô o se associaram e mudaram seu centro de comunicaçã o para uma meia pista
pertodocruzamentodaestradaMannheim.
—Ondeé?
— Nos arredores do aeroporto. Nã o há trá fego para acesso aos terminais, por causa do
congestionamento total. Mas, se você puder caminhar até o cruzamento, provavelmente
encontrará todos aqueles caras com receptores portá teis tentando conseguir limusine ou
microônibuschegandoesaindo.
—Possoimaginarospreços.
—Não,provavelmentenãopode.
—Possoimaginarotempodeespera.
—OmesmoqueficarnafilaparapegarumcarroalugadoemOrlando—disseela.
Buck nunca tinha feito isso, mas també m podia imaginar o que signi icava. E ela estava
certa. Depois de pegar uma carona, com um grupo, até o cruzamento da Mannheim, ele
encontrouumaporçã odegentecercandoosintermediadores.Avisosintermitenteschamavam
aatençãodetodos.
—Estamoslotandocadacarro.Cemdó laresporcabeçaparaqualquersubú rbio.Somente
avista.NenhumdelesestáindoparaChicago.
—Aceitacartões?—alguémgritou.
—Vourepetir—disseointermediador.—Só dinheirovivo.Sevocê stiveremdepegaro
dinheiro ou talã o de cheques ao chegar em casa, acertem isso com o motorista, na base da
confiança.
Ele anunciou uma lista de quais empresas estavam saindo e seus destinos. Os passageiros
correramparalotaroscarros,permanecendoemfilanoacostamentodaviaexpressa.
Buckentregouumchequedeviagemde100dólaresaointermediadorparaossubúrbiosda
regiã o norte. Uma hora e meia depois, ele se juntou a vá rios outros numa limusine. Depois de
tentarusarseutelefonecelularinutilmentedenovo,eleofereceuaomotorista50dó larespara
usarotelefonedele.
—Nãogarantonada—disseomotorista.—Algumasvezes,funciona,outrasvezes,não.
Ele procurou o nú m ero da casa de Lucinda Washington na agenda de endereços em seu
laptopediscou.Umjovemadolescenterespondeu:
—ResidênciadafamíliaWashington.
—CameronWilliams,doSemanárioGlobal,parafalarcomLucinda.
—Minhamãenãoestá—disseojovem.
—Elaestá noescritó rio?Precisodeumarecomendaçã osobreondemehospedarpertode
Waukegan.
—Elanã oestá emnenhumlugar—disseojovem.-Souoú nicoque icou.Mamã e,papai,
todosseforam.Desapareceram.
—Temcerteza?
—Suasroupasestã oaqui,bemnolugarondeelesestavamsentados.Aslentesdecontato
demeupaiaindaestãoemcimadeseuroupãodebanho.
—Oh!Rapaz!Sintomuito.
—Estátudobem.Euseiondeelesestão,nempossodizerqueestousurpreso.
—Vocêsabeondeelesestão?
—Sevocêconheceuminhamãe,tambémsabeondeelaestá.Elaestánocéu.
—Sim,hã,vocêestábem?Háalguémparacuidardevocê?
—Meutioestáaqui.Eummembrodenossaigreja.Provavelmente,oúnicoquesobrou.
—Entãovocêestábem?
—Estoubem.
Cameronfechouoaparelhoedevolveu-oaomotorista.
—Temalgumaidé iadeondedevo icar,umavezqueestoutentandoumvô opartindode
Waukegandemanhã?
— A cadeia de hoté is provavelmente está lotada, mas há uns dois hotelecos ou pensõ es
baratas onde você pode se en iar. Ficam perto do aeroporto. Você será o ú ltimo passageiro a
descer.
—Bem,quefazer?Elestêmtelefonenessasespeluncas?
—Émaisprovávelquetenhamtelefoneetelevisãodoqueáguacorrente.
CAPÍTULO6
FAZIAmuitotempoqueRayfordSteelenã oseembriagava.Irenenuncafoimuitochegada
abebidasetinhasetornadoabstê mianosú ltimosanos.Elainsistiacomeleparaqueescondesse
qualquerbebidafortequetivesseemcasa.Nã oqueriaqueRaymiesequersoubessequeseupai
aindabebia.
—Istoédesonesto—contra-atacavaRayford.
—Éprudente—diziaela.Eleaindanãosabedemuitacoisa,nemprecisasaber.
—Oquedizerdaquelasuasarcásticainsistênciaparaquesejamosinteiramentesinceros?
— Dizer toda a verdade nem sempre signi ica dizer tudo o que fazemos. Você diz à sua
tripulaçã oquevaifazerumapausaparairaobanheiro,masnã oentraemdetalhessobreoque
vaifazerlá,nãoémesmo?
—Irene!
— Estou apenas dizendo que você nã o deve tornar ó bvio para seu ilho pré -adolescente
quevocêusabebidaalcoólica.
Ele achou que nã o devia contrariá -la e resolveu guardar seubourbon num lugar alto,
escondido. Se alguma vez houve um momento propı́c io para um drinque forte, seria este. Ele
esticouobraço,passouamãoatrásdeumatampadebolo
na prateleira mais alta acima da pia e puxou uma garrafa contendo quase um litro de
uı́sque. Seu desejo era virar toda a bebida pura garganta abaixo e embriagar-se totalmente.
Poré m, mesmo num momento como aquele, havia tradiçõ es e bons costumes. Embriagar-se,
bebendodiretamentedagarrafa,nãoeraseuestilo.
Rayforddespejoucercadequatrodedosdeuı́squenumcoporetoedebocalargaebebeu
tudo num ú nico gole, como um alcoó latra. A necessidade de embriagar-se era grande demais,
poré m nã o condizia com seu cará ter. A bebida desceu pela garganta queimando tudo pelo
trajeto, causando-lhe um arrepio de frio que o fez tremer e gemer. Que tolo!, pensou ele.E
acimadetudocomoestômagovazio.
Elejá estavasentindotonturaquandorecolocouagarrafanamesa.Depoispensoumelhor
e a colocou na lata de lixo embaixo da pia. Seria isto uma homenagem a Irene, abandonando,
mesmo ocasionalmente, uma bebida forte? Nã o haveria nenhum benefı́c io para Raymie agora,
mas,dequalquermodo,elenã oachavacorretobebersozinho.Seriaelecapazdetornar-seum
embriagadosecreto?Quemnãoé?,perguntouasimesmo.Apesardetudo,elenã oiamorrerpor
causadoquetinhaacontecido.
OsonodeRayfordhaviasidoprofundo,masnãomuitolongo.Eletinhaumaspoucastarefas
imediatas. Primeiro, precisava ligar para Chloe. Segundo, precisava saber o que a PanContinental desejava dele na pró xima semana. Pelos regulamentos normais ele teria de
permanecer em terra apó s um vô o demasiado longo e por ter feito um pouso de emergê ncia
reordenado.Masquemsabiaoqueestavaacontecendoagora?
Quantospilotoselestinhamperdido?Quandoaspistasseriamdesobstruı́das?Equantoaos
vô os programados? Ele sabia muito bem que a preocupaçã o das empresas aé reas girava em
torno de resultados inanceiros. Assim que suas aeronaves pudessem voar novamente, elas
voltariamaserlucrativas.Bem,aPan-Continentaltinhasidoboaparaele.Elepermanecerialá
e faria a sua parte. Mas o que poderia fazer acerca desta angú stia, deste desespero, desta dor
corrosiva?
Finalmente,elepassouacompreenderporqueasfamı́liasenlutadassequeixavamquando
o corpo de um parente estava mutilado demais para ser reconhecido ou tinha sido
completamentedestruído.Elascostumavamdizerquenãofaziasentidoalguémlacrarocaixão,
sem permitir que o corpo fosse visto, e que o sofrimento se tornava maior porque era difı́c il
aceitaremaidéiadequeapessoatinhamorrido.
Istosemprepareceuestranhoparaele.Quemotivosteriaalgué mparadesejarverocorpo
daesposaoudo ilhoestendidonumcaixã oà esperadofuneral?Nã oseriamelhorrecordardeles
vivos e felizes como eram? Mas ele agora compreendia melhor. Nã o havia dú vida de que sua
esposae ilhodesapareceramcomosetivessemmorrido,conformeaconteceucomospaisdele
anos antes. Irene e Ray nã o voltariam, e Rayford nã o tinha certeza se os veria novamente um
dia,pornãosabersehaveriaumasegundaoportunidadeparachegaraesselugarchamadocéu.
Elequeriapelomenostertidoapossibilidadedeencontrarseuscorpos—nacama,num
caixã o, em qualquer lugar. Daria o que pudesse em troca de ver, num relance que fosse, seus
corpos,seusrostos.Eclaroqueistonã oostrariadevolta,mastalveznã osesentisseagoratã o
abandonado,tãovazio.
Rayfordsabiaqueascomunicaçõ estelefô nicasentreIllinoiseaCalifó rniasó voltariamao
normal depois de muitas horas, talvez dias. Apesar disso, precisaria tentar. Ele discou para
Stanford,chamandoonú m eroprincipaldaadministraçã o,enã oouviusequerosinaldeocupado
ouumamensagemgravada.LigouentãoparaodormitóriodeChloe.Tambémnãotevesucesso.
Acadameiahora,eleapertavaatecladerediscagem.Nã oalimentavaaesperançadequeela
atendesse;seofizesse,seriaumasurpresamaravilhosa.
Rayford estava faminto e reconhecia que teria sido melhor nã o ingerir aquela quantidade
de bebida com o estô m ago vazio. Subiu de novo as escadas, entrando no quarto de . Raymie
parapegarapequenapilhaderoupas,a imdeguardá -lascomorecordaçã odogaroto.Colocouas numa caixa de papelã o para presentes que encontrou no guarda-roupa de Irene. Depois
colocou em outra caixa a camisola de Irene; o medalhã o e a aliança foram guardados numa
caixamenor.
Ele levou as caixas para a sala, com os dois doces que ela havia despachado pelo correio
paraele.Orestodafornadadosdocesdeviaestaremalgumlugardacozinhaoudacopa.Eleos
encontrou numa tigela no guarda-louça. O aroma e o paladar dos doces o fariam com que se
lembrassedelaatéqueterminassem.
Rayfordpegoudoisdocesdatigela,colocou-osnumpratinhodepapelã oaoladodosquejá
havia recebido, e despejou leite num copo. Sentado à mesa da cozinha, perto do telefone, ele
sentiu que teria de fazer esforço para alimentar-se. Parecia paralisado. Precisando manter-se
ocupado, apagou da secretá ria eletrô nica as mensagens recebidas e regravou a sua. "Aqui fala
Rayford Steele. Por favor, deixe um recado curto. Estou tentando manter esta linha livre para
minha ilha. Chloe, se for você , estarei dormindo ou em algum outro cô m odo da casa, por isso
insista até eu atender. Se nã o for possı́vel conversarmos por algum motivo, faça o que puder e
venha para casa. Qualquer companhia de aviaçã o debitará a passagem em minha conta. Amo
você ." Em seguida, comeu os doces, cujo cheiro e gosto lhe traziam imagens de Irene na
cozinha, e o leite fazia-o sentir saudade do ilho. A situaçã o estava se tornando muito penosa,
insuportável.
Rayford estava exausto, e, alé m disso, nã o queria subir as escadas outra vez. Sabia que
teriadefazerforçaparadormiremsuacamanaquelanoite.Porora, icariaestendidonumdiva
dasaladeestaresperandoaligaçã odeChloe.Comoumautô m ato,apertounovamenteatecla
derediscagem.Destavez,ouviuosinaldeocupado,oquejá signi icavaalgumacoisa.Naquele
momento, as linhas estavam se restabelecendo. Era um bom sinal. Ele sabia que Chloe estava
pensandonele,enquantoelepensavanela.MasChloenã otinhanenhumaidé iadoquepodiater
acontecidoà suamã eeaoseuirmã o.Teria ele de dizer isto à ilha por telefone? Receava que
sim.Elacertamenteperguntaria.
Rayford foi se arrastando até o diva e deitou-se, com soluços na garganta, mas nã o
acompanhados de lá grimas. Elas pareciam ter secado. Se Chloe ouvisse apenas a mensagem e
resolvessevirparacasa,elepoderiapelomenosdizeristoaelafrenteafrente.
Continuou angustiado, sabendo que a televisã o estaria reproduzindo, incessantemente,
imagens que ele nã o queria ver de tragé dia e destruiçã o no mundo todo. De repente, sentiu-se
fortalecido.Sentou-se itandoestá ticoaescuridã oatravé sdavidraça.Eraseudevernã ofalhar
com Chloe. Ele a amava, e ela era tudo o que lhe restara. Os dois teriam de descobrir por que
desprezaramoqueIrenetentoudizer-lhes,porqueresistiramtantoaaceitarecrer.Acimade
tudo, ele unha de estudar, aprender, estar preparado para o que viesse a acontecer dali em
diante.
SeosdesaparecimentosforamumatodeDeus,seriaaquiloo imdetudo?Oscristã os,os
crentes verdadeiros, foram levados, e os restantes foram deixados para a ligir-se, lamentar e
reconhecerseuerro?Talvezsim.Talvezfosseesseopreço. Mas, então, o que acontece quando
morremos?,pensou.Seocéuéumarealidade,seoArrebatamentofoiumfato,oqueistoqueria
dizerquantoaoinfernoeaoJuízo?Éesteonossodestino?Viveremosesteinfernodetristezae
arrependimentoe,depois,iremostambémliteralmenteparaoinferno?
IrenesemprefalavadeumDeusamoroso,poré maté mesmooamoreamisericó rdiade
Deus haviam de ter limites. Todos os que nã o aceitaram a verdade izeram com que Deus
chegasse ao seu limite? Nã o havia mais misericó rdia, nenhuma nova oportunidade? Talvez nã o
houvesse,e,senãohouvesse,.queassimfosse.
Mas, se houvesse opçõ es, se houvesse ainda um meio de encontrar a verdade e crer ou
aceitar, ou tudo mais que Irene disse, Rayford estava disposto a descobrir. Estaria ele, entã o,
admitindo que nã o sabia essas coisas? Que tinha con iado em si mesmo e que agora se
considerava estú pido, fraco e imprestá vel? Talvez. Apó s toda uma vida de realizaçõ es, de
superaçõ es, de ser melhor do que a maioria e o má ximo em muitos cı́rculos, ele foi tã o
humilhadoquantoerapossívelporumúnicogolpe.
Havia tanta coisa que ele nã o conhecia, tanta coisa que nã o compreendia. Mas, se ainda
houvesserespostas,eleasencontraria.Nã osabiaaquemperguntarouporondecomeçar,mas
isto era algo que ele e Chloe poderiam fazer juntos. Eles sempre se entenderam bem. Ela se
tornara independente, um comportamento tı́pico da adolescê ncia, mas nunca izera qualquer
coisa estú pida ou irrepará vel, até onde ele sabia. Na verdade, sempre foram muito amigos; ela
separeciamuitocomele.
Foi tã o-somente a idade e a inocê ncia de Raymie que haviam permitido que sua mã e o
in luenciasse daquele modo. Ele nã o tinha aquela intrepidez, aquela determinaçã o que Rayford
consideravanecessá riaparavencernomundoreal.Raymienã oeraefeminado,masRayfordse
preocupava com a possibilidade de ele se tornar o ilhinho da mamã e — muito compassivo,
sensı́vel e ansioso. Raymie estava sempre querendo assemelhar-se a outrem, ao passo que
Rayfordachavaqueofilhodeviaseronúmeroum.
Quã oagradecidoestavaeleagorapelofatodeRaymieseparecermaiscomamã edoque
com o pai. E como desejou naquele momento que Chloe tivesse recebido um pouco dessa
in luê ncia materna. Chloe tinha o espı́rito competitivo, auto-su iciente, algué m que precisava
serconvencidaepersuadida.Podiaserbondosaegenerosaquandoacoisaeracondizentecom
seupropósito,masagiacomoopai,comindependência.
Belo trabalho, manda-chuva, disse Rayford a si mesmo.A garota de quem estava tão
orgulhosoporserparecidacomvocêestánamesmasituação.
Isto, ele decidiu, teria de mudar. Tã o logo conversassem, a situaçã o mudaria. Eles
estariamnumamissã o—abuscadaverdade.Seeleestavamuitoatrasado,teriadeaceitare
conviver com isso. Ele sempre fora uma pessoa que perseguia um alvo e aceitava as
conseqü ências. Só que desta vez as conseqü ências eram eternas. Acima de tudo, ele esperava
que houvesse outra chance para conhecer a verdade. O ú nico problema era que os que
conheciamaverdadeseforam.
OhotelnaRuaWashington,apoucosquilô m etrosdopequeninoaeroportoWaukegan,era
muitoordiná rioparaterumalistadeespera.BuckWilliams icouagradavelmentejsurpresopor
nã o terem aumentado a diá ria em razã o dos recentes acontecimentos. Quando viu o quarto,
entendeuoporquê e icouseperguntandocomopodiaumaespeluncadaquelasobreviver.Pelo
menos, tinha telefone, chuveiro, uma cama e televisã o. Exausto como estava, aquilo era
suportá vel. A primeira coisa que Buck fez foi chamar seuvoicemail em Nova York. Nã o havia
nada de novo, por isso chamou a mensagem arquivada de Dirk Burton, que lembrava a Buck
como considerava importante sua viagem a Londres. Buck a digitou em seulaptop enquanto
ouvia:
Cameron, você sempre me diz que esse centro de mensagem é con idencial. Espero que
estejacerto.Nã ovounemmeidenti icar,masvocê sabequemsou.Permita-medizer-lhealgo
importantequeofaçaviraquiomaisdepressapossível.Ofigurão,omaior,seucompatriota,que
eu chamo de poder supremo da corretagem internacional, encontrou-se outro dia com aquele
que chamo de grandalhã o. Você sabe de quem estou falando. Havia um terceiro no encontro.
Tudo o que sei é que ele é da Europa, provavelmente da Europa Oriental. Nã o sei quais sã o os
planosdosdoisparaele,masaparentementedeveseralgumacoisamuitoimportante.
Minhas fontes dizem que seu amigo se encontrou com cada um de seu pessoal-chave e
com esse tal europeu em lugares diferentes. Ele o apresentou ao pessoal da China, Vaticano,
Israel, França, Alemanha, daqui e dos Estados Unidos. Algo está sendo engendrado, que nã o
quero nem mesmo insinuar, a nã o ser pessoalmente. Venha ver-me o mais rá pido que puder.
Caso nã o seja possı́vel, deixe-me apenas mencionar isto: Dê uma olhada nas notı́c ias sobre a
ascensã o ao poder de um novo lı́der na Europa. Se você achar, como eu acho, que nã o há
eleiçõ es programadas nem mudanças iminentes de poder, vai ter uma surpresa. Venha logo,
amigo.
Buck telefonou para Ken Ritz e deixou um recado na secretá ria eletrô nica dizendo onde
estava. Depois tentou ligar para o oeste mais uma vez e inalmente conseguiu. Buck icou
surpreso e aliviado ao ouvir a voz de seu pai, embora ele aparentasse estar cansado,
desanimado,masnemumpoucoapavorado.
—Estãotodosbemaí,papai?
—Nemtodos.Jeffestavaaquicomigo,masresolveupegarocarroparaversepodechegar
aolugardoacidenteemqueSharonfoivistapelaúltimavez.
—Acidente?
— Ela estava levando os ilhos a um retiro ou coisa parecida, alguma coisa a ver com a
igreja que ela freqü entava. A verdade é que ela nunca chegou lá . O carro capotou. Nã o havia
sinaisdela,anãoserasroupas,evocêsabeoque,istosignifica.
—Elasumiu?
— E o que parece. Jeff nã o aceita isso. Ele está totalmente confuso. Quer ver com os
pró prios olhos. O problema é que as crianças també m sumiram, todas elas. Todos os seus
amigos,todososqueseencontravamnesseretironasmontanhas.Apolı́c iaencontroutodasas
roupasdascrianças,cercadecemmudas,ealgumaespé ciedelancheparaanoitequeimando
nofogão.
—Puxa!DigaaJeffqueestoupesaroso.Seelequiserconversarcomigo,estouaqui.
— Nã o creio que ele queira conversar, Cameron, a menos que você tenha respostas para
esteacontecimento.
— Isto é uma coisa que ainda nã o entendi, papai. Nã o conheço ningué m que tenha uma
explicação.Meupressentimentoéqueosqueteriamasrespostasseforam.
—Istoéterrível,Cam.Gostariaquevocêestivesseaquiconosco.
—Apostoquesim.
—Vocêestásendosarcástico?
—Apenasdizendoaverdade,papai.Eaprimeiravezqueosenhormeconvidaparairaté
aí.
—Esteéotipodemomentoemquetalveztenhamosdemudarnossomododepensar.
—Nomeucaso?Duvido.
— Cameron, nã o vamos entrar nesta questã o, certo? Pense só uma vez em outra pessoa
quenã oemvocê mesmo.Você perdeuumacunhada,umasobrinhaeumsobrinhoontem,eseu
irmãonuncaconseguirásuperarisso.
Buck arrependeu-se do que disse. Por que ele sempre falava o que nã o devia,
especialmenteagora?Seupaiestavacerto.SeBuckaomenospudesseadmitirisso,talvezeles
conseguissem se entender. Ele icou ressentido com a famı́lia desde que foi para a faculdade,
depois de sua façanha de conseguir estudar numa universidade famosa. No lugar de onde ele
veio, os ilhos deviam seguir o negó c io dos pais. O trabalho de seu pai era transportar petró leo
paraoEstadoondemorava,principalmentedeOklahomaeTexas.Eraumtrabalhoespinhoso,
porque os moradores dali achavam que os recursos tinham de vir do pró prio Estado. Jeff
começou a trabalhar com o pai, de inı́c io no escritó rio, depois dirigindo caminhã o, e agora
administrandoasoperaçõesdodia-a-dia.
Os â nimos acirraram, principalmente quando a mã e de Cameron adoeceu na é poca em
que ele estava estudando fora. Ela insistiu que o ilho permanecesse na faculdade, mas, quando
ele nã o visitou a famı́lia no Natal por motivos inanceiros, o pai e o irmã o nunca o perdoaram.
Suamãemorreuenquantoeleestavafora,eseupaieirmãootrataramcomfriezanofuneral.
Houve alguma melhora nos relacionamentos com o correr do tempo, principalmente
porque sua famı́lia gostava de exaltá -lo e sentir-se orgulhosa, uma vez que ele se tornou
conhecidocomoumfenô m enonoramojornalı́stico.Eleachavaqueopassadoestavaenterrado,
mas ressentia-se do fato de passar a ser bem-vindo só porque se tornara famoso. Por isso,
raramenteosvisitava.Haviamuitosressentimentosparasuperarechegaraumareconciliaçã o
completa, mas ele ainda sentia ó dio de si mesmo por abrir velhas feridas quando sua famı́lia
estavasofrendo.
— Se houver algum tipo de culto ou cerimô niain memoriam, vou tentar chegar até aı́,
papai.Estábemassim?
—Vocêvaitentar?
— Isto é tudo o que posso prometer. O senhor pode imaginar como estã o as coisas no
Semanárionestemomento.Édesnecessáriodizerqueestaéareportagemdoséculo.
—Vocêescreveráareportagemdacapa?
—Voutermuitacoisaparaescrever,sim.
—Maseacapa?
Bucksuspirou,repentinamentecansado.Nã oeraparamenos,umavezque icouacordado
quase24horas.
—Nã osei,papai.Reuniumgrandenú m erodefatos.Meupalpiteé quenapró ximaediçã o
haverá muitacoisaadizersobreoqueaconteceunomundointeiro.Eimprová velqueaminha
reportagem seja a ú nica a cobrir o assunto. Talvez eu seja designado para um trabalho muito
importantedaquiaduassemanas.
Eleesperavatersatisfeitoseupai.Queriadesligarotelefoneedormirumpouco,masnã o
desligou.
—Oquequerdizerisso?Qualéareportagem?
—Oh!Voureunirmaterialdeváriasfontessobreasteoriasacercadosdesaparecimentos.
—Será umgrandetrabalho.Todosaquelescomquemconversotê mumaidé iadiferente.
Você sabe que seu irmã o está receoso de que isto tenha sido o Juı́z o Final de Deus ou alguma
coisaparecida?
—Eleacha?
—Sim.Maseunãopensoassim.
— Por que nã o, papai? — realmente Buck nã o queria entrar numa longa discussã o, mas
istoosurpreendeu.
—Porquepergunteiaonossopastor.Eledisseque,seJesusCristolevouaspessoasparao
céu,ele,eu,vocêeJefftambémteríamosido.Fazsentido.
—Faz?Nuncafuichegadoareligião.
— Para o inferno você nã o vai. Você está sempre envolvido nessa bobagem liberal da
Costa Leste. Você sabe muito bem que o levamos à igreja e à Escola Dominical desde quando
eraumbebê.Vocêétãocristãocomoqualquerumdenós.
Cameron quis dizer: "E exatamente isso que me intriga." Mas nã o disse. Foi a falta de
sintoniaentreaparticipaçã odesuafamı́lianaigrejaeomododevidadecadaumqueolevoua
deixaraigrejadefinitivamentenodiaemquefezsuaescolha.
— Sim, bem, diga ao Jeff que estou pensando nele, ta? Caso consiga acomodar as coisas
aqui,ireiatéaíparaajudá-loadecidiroquefazersobreSharoneascrianças.
Buckestavasatisfeitoporqueaquelehotelecotinhapelomenosbastanteá guaquentepara
um demorado banho. Ele só se lembrou do incô m odo latejar atrá s da cabeça quando a á gua
quenteescorreusobreelaeremoveuaatadura.Elenã odispunhadenadaparareporocurativo,
por isso deixou escorrer um pouco de sangue e, em seguida, conseguiu um pouco de gelo. Pela
manhã,procurariaumaatadura,somenteparaesconderaferida.Porora,deixariacomoestava.
Doíam-lheosossosdecansaço.
Otelevisornã odispunhadecontroleremoto,eelenã oquerialevantar-sedepoisdeestar
acomodado.Ligouatelevisã onumsombaixo,demodoquenã ointerrompesseseusono,eteve
uma visã o geral dos fatos antes de adormecer. As imagens do mundo inteiro estavam alé m do
que ele podia suportar, mas notı́c ia era seu negó c io. Ele se lembrava dos muitos terremotos e
guerras da ú ltima dé cada e das coberturas noturnas que eram tã o comoventes. Agora
presenciava um acontecimento milhares de vezes maior, e tudo no mesmo dia. Nunca na
Histó ria tantas pessoas morreram num ú nico dia como aquelas que simplesmente
desapareceramderepente.Forammortas?Estavammortas?Voltariam?
Bucknã opodiaafastarosolhosdatela,pesadoscomoestavam,enquantoumaseqü ência
de imagens exibia os desaparecimentos ilmados em casa. De alguns paı́ses, vinham tomadas
pro issionais deshows de televisã o ao vivo; num deles, o microfone do apresentador caiu em
cimadesuasroupasvaziaseescorregousobreossapatos,produzindoumruı́doaorolarnochã o.
A platé ia gritava. Uma das câ meras tomou uma cena panorâ mica da multidã o, que estava
ocupandotodaacapacidadedoauditóriomomentosantes.Agoravárioslugaresestavamvazios,
asroupassoltasaoacasosobreoassentoenochão.
Ninguémpoderiaproduzirumacenacomoesta, Buck pensou, fechando vagarosamente os
olhos carregados de sono. Se algué m tentasse vender um roteiro sobre milhõ es de pessoas
desaparecendo,deixandotudoparatrás,menosseuscorpos,seriaridicularizado.
Buck só percebeu que estava dormindo quando um telefone barato tocou tã o
estrepitosamentecomoumchocalho,quasecaindodocriado-mudo.Eletateounoescuropara
erguerofone.
— Queira desculpar o incô m odo, Sr. Williams, mas enquanto o senhor estava usando o
telefone, ligou uma pessoa chamada Ritz. Ele disse que o senhor pode chamá -lo ou
simplesmenteesperarporeleláforaàsseisdamanhã.
—Estábem,obrigado.
—Oqueosenhorvaifazer?Telefonarparaeleouencontrá-loàentradadoprédio?
j—Porquevocêprecisasaber?
— Oh! Nã o estou querendo ser intrometido. E que o senhor vai sair daqui à s seis horas e
preciso do pagamento adiantado. O senhor fez uma ligaçã o interurbana. E eu nã o me levanto
antesdassete.
—Voulhedizeroque...Ah!Qualéoseunome?
—Mack.
—Voulhedizeroquefazer,Mack.Deixeicomvocê onú m erodemeucartã odecré dito,
porissovocêsabequenãovousairsorrateiramentedaqui.Amanhãcedo,deixareiumchequede
viagem no quarto para você , cobrindo o preço da diá ria e um tanto mais do que o necessá rio
paraaligaçãointerurbana.Vocêentendeu?
—Umagorjeta?
—Sim,senhor.
—Beleza.
—Precisoquevocêmefaçaoseguinte:ponhaporbaixodaportaumaatadura.
—Tenhouma.Precisadelaagora?Osenhorestábem?
— Estou bem. Nã o preciso dela agora. Quando você for dormir. Por favor, desligue meu
telefone, a tı́t ulo de precauçã o, ta? Se tenho de acordar tã o cedo, preciso de um bom sono a
partirdeagora.Vocêpodecuidardissoparamim,Mack?
— Claro que posso. Vou desligar o telefone agora. O senhor quer que algué m o chame de
manhã?
—Nã o,obrigado—disseBuck,sorrindoquandopercebeuqueotelefoneestavamudoem
sua mã o. Mack era tã o bom quanto sua palavra. Se encontrasse a atadura de manhã , poderia
deixarparaMackumaboagorjeta.Buckfezumesforçoparalevantar-se,desligouatelevisã oe
apagou a luz. Ele era do tipo que olhava para o reló gio antes de pô r a cabeça no travesseiro e
despertava na hora exata que havia programado. Era quase meia-noite. Ele estaria em pé à s
cincoemeia.
Foi só acomodar-se e desmaiar de sono. Até cinco horas e trinta minutos mais tarde, ele
nãohaviamovidoummúsculosequer.
Rayford sentia-se como um sonâ mbulo, enquanto se arrastava pesadamente sobre o piso
dacozinhaemdireçã oà escada.Elenã opodiaacreditarqueestivesseaindatã ocansadodepois
deseulongosonoedeseucochiloprovidencialnodiva.Ojornalaindaestavaenroladoeenvolto
por um elá stico no assento de uma cadeira, onde foi jogado. Se ele tivesse qualquer problema
paradormirnopavimentosuperior,talvezdesseumaolhadanojornal.Seriainteressanteleras
notı́c ias sem sentido de um mundo que nã o sabia que sofreria o pior trauma de sua histó ria
apenasumaspoucashorasdepoisdeojornaltersidoimpresso.
Rayford apertou o botã o da rediscagem e afastou-se lentamente em direçã o à escada,
escutandomaldaqueladistâ ncia.Oqueeraaquilo?Oruı́dodediscartinhasidointerrompido,eo
telefonedodormitóriodeChloeestavachamando.Elepegourapidamenteotelefone,eumavoz
demulheratendeu.
—Chloe?—perguntouRayford.
—Não.Sr.Steele?-Sim!
— Aqui fala Amy. Chloe está tentando encontrar um meio de ir para casa. Ela tentará
ligar para o senhor durante a viagem, a qualquer momento amanhã . Se nã o conseguir, ligará
quandochegaraíoutomaráumtáxiatésuacasa.
—Elajásaiudaí?
—Sim.Nãoquisesperar.Elatentouligarváriasvezes,mas...
—Sim,eusei.Obrigado,Amy.Vocêestábem?
—Morrendodemedo,comotodomundo.
—Possoimaginar.Vocêperdeualguém?
—Nã o,esintoumaespé ciedeculpaaesterespeito.Parecequecadapessoaqueconheço
perdeu algué m. Bem, perdi alguns poucos amigos, mas ningué m muito pró ximo, nenhum
familiar.
Rayfordnã osabiasedeviacongratular-secomelaoudemonstrartristeza.Seistofosseo
queeleagoraacreditava,estapobrecriaturamalconheciaalgué mquetivessesidolevadopara
océu.
—Bem—disseele-,estoucontenteemsaberquevocêestábem.
—Eosenhor?—perguntouela.—EamãeeoirmãodeChloe?
—Receioquetenhamido,Amy.
—Oh!Não!
— Mas gostaria que você nada dissesse a Chloe, se ela se encontrar com você antes de
chegaraquioumetelefonar.
—Nãosepreocupe.Achoquenãodirianada,mesmoqueosenhormepedisse.
Rayford icou deitado vá rios minutos, depois, lentamente, foi virando as pá ginas do
primeirocadernodojornal.Hum.UmasurpresanaRomênia.
Eleiçõ esdemocrá ticastornaram-seobsoletasquando, com o aparente consenso unâ nime
dopovo,daassemblé iaedosenado,umjovemhomemdenegó c iosepolı́t icopopularassumiuo
posto de presidente do paı́s. Nicolae Carpathia, de 33 anos, nascido em Cluj, provocou nos
ú ltimos meses uma reviravolta na naçã o com seu discurso popular e persuasivo, encantando a
populaçã o, os amigos e també m os inimigos. As reformas que ele propô s para o paı́s foram a
causadesuaproeminênciaepoder.
Rayford olhou a fotogra ia do jovem Carpathia, um loiro surpreendentemente charmoso
que se parecia com Robert Redford quando jovem.Será que ele teria desejado o posto, se
soubesseoqueestavaparaacontecer?PensouRayford.Seja o que for que ele tenha a oferecer,
nãovaleránadaagora.
CAPÍTULO7
KENRitzchegouaohotelprecisamenteàsseishoras,baixouovidrodaportaeperguntou:
—VocêéWilliams?
—Sim—respondeuBuck,entrandoemseguidanumavan com traçã o nas quatro rodas,
ú ltimo modelo, com sua ú nica bagagem. Ajeitando com os dedos a atadura em sua cabeça,
BucksorriuimaginandoMacksedeleitandocomseusvintedólaresextras.
Ritzeraaltoemagro,tinhaorostomarcadopelotempoeumtopetegrisalho.
—Vamosaotrabalho—disseele.—São1.190kmentreO'HareeKennedye1.200kmde
Milwaukee a Kennedy. Vou levá -lo o mais perto possı́vel do aeroporto Kennedy, e estamos no
meio do caminho entre O'Hare e Milwaukee, portanto vamos usar a mé dia de 1.195 km.
Multiplicamos isto por US$ 1,25 e chegamos a 1.494 dó lares. Arredondamos para 1.500 pelo
serviçodetáxi,enegóciofechado.
—Deacordo—disseBuck,puxandoseutalã odechequesecomeçandoaassinar.—Que
corridadetáxicara!
Ritzdeuumarisada.
—Especialmenteparaalguémquedormiunestelugar.
—Foiagradável.
Ritzparoudiantedeumbarracã ometá licopré -fabricadonoaeroportoWaukeganepuxou
conversaenquantotrabalhavanapreparaçãodovôo.
—Nuncahouvedesastrenesteaeroporto—disseele.-AconteceramdoisemPalwaukee.
Masperdemosaquiduaspessoasdaequipe.Maisdoquefatídico,nãoacha?
BuckeRitzrelataramcasosdeperdadeparentes,ondeestavamquandoofatoaconteceu,
eosnomedosdesaparecidos.
—Nuncatransporteiumjornalista—disseKen.—Emvô ofretado,querodizer.Devoter
levadomuitosdeseuscolegasquandoeupilotavavôoscomerciais.
—Ganhamaistrabalhandoporcontaprópria?
—Sim,masnãosabiaquandomudeidocomercialparaofretado.Nãofoiminhaescolha.
Começaramasubirabordodojatinho.Buckencarou-o.
—Foiafastadodaprofissão?
—Nãosepreocupe,sócio—disseKen.—Voulevá-loatélá.
—Osenhortemaobrigaçãodemedizersefoiafastado.
—Fuidespedido.Háumadiferença.
—Dependedomotivoporquefoidespedido,nãoacha?
—Temrazã o.Masomotivodevefazervocê sentir-sebem.Fuidespedidoporsermuito
cuidadoso.Eessaagora?
—Conte-mecomofoi—atalhouBuck.
—Lembra-sedeumbomtempoatrá squandohaviaaquelebate-bocasobreaviõ esmuito
velhosquecaíamquandofaziamuitofrio?
—Sim,atéquefizeramalgunsacertosoucoisaparecida.
—Certo.Lembra-sedeumpilotoqueserecusouavoar,mesmodepoisdetersidoforçado
afazê -lo,eopú blicofoitranqü ilizadocomaconversadequeaquelefatoeraexplicá velouum
meroacaso?
—Hã-hã.
— E lembra-se de que houve outro acidente logo depois, que provava que o piloto tinha
razão?
—Vagamente.
— Bem, lembro-me perfeitamente como se fosse hoje, porque você está olhando para o
próprio.
—Sinto-memelhor.
— Você sabe quantos daqueles modelos antigos de aviã o estã o operando hoje? Nenhum.
Quandoalgué mestá certo,está certo.Masfuireadmitido?Nã o.Umavezencrenqueiro,sempre
encrenqueiro.Muitosdemeuscolegas,poré m, icaramagradecidos.Ealgumasviú vasdepilotos
ficaramrevoltadasporeutersidorelegado.Foitardeparaseusmaridos.
—Quepena!
Enquanto o jatinho zumbia em direçã o ao leste, Ritz quis saber o que Buck pensava dos
desaparecimentos.
— E singular sua pergunta — disse Buck. — Vou começar a trabalhar seriamente no
assuntohoje.Oqueosenhorleusobreisso?Eseimportariaseeuligasseumgravador?
— Tudo bem — disse Ritz. — A coisa mais terrı́vel que vi. Certamente nã o sou o ú nico
quepensaassim.Devodizerquesempreacrediteiemdiscosvoadores.
—Osenhorestábrincando!Umpilotodotadodebomsenso,cônsciodasegurança?
Ritzmeneouacabeça.
—Nã oestoufalandodepequenoshomensverdesoudosalienı́genasdoespaçoqueraptam
pessoas. Estou falando de coisas mais documentadas, vistas por astronautas e també m por
algunspilotos.
—Chegouaveralgumacoisa?
—Nã o.Bem,umpardecoisasinexplicá veis.Algumasluzesoumiragens.Umavezachei
queestivessevoandomuitopertodeumaesquadrilhadehelicó pteros.Nã omuitodistantedaqui.
Posto Aeronaval Glenview. Mandei um aviso de alerta pelo rá dio, e em seguida sumiram de
vista.Suponhoqueistoé explicá vel.Talvezeuestivessevoandomaisrá pidodoquedeviaenã o
estivesse tã o perto deles como pensava. Mas nunca tive uma resposta, nenhuma con irmaçã o,
nem mesmo de que eles estivessem no espaço aé reo. Glenview nã o con irmou isso. Esqueci o
caso,masalgumassemanasdepois,pertodomesmolugar,meusinstrumentosficarammalucos.
Osponteirosdosmostradoresgirandodesordenadamente,osmedidoresparalisados,essetipode
coisa.
—Oqueachoudisso?
— Campo magné tico ou alguma força semelhante, o que també m seria explicá vel. Você
sabe que nã o faz sentido relatar ocorrê ncias estranhas ou visõ es perto de uma base militar,
porque eles rejeitam isso de imediato. Eles nem mesmo levam a sé rio qualquer coisa estranha
num raio de muitos quilô m etros de distâ ncia de um aeroporto comercial. E por isso que você
nuncaouverelatosdediscosvoadorespertodeO'Hare.Nemtomamconhecimento.
— E por isso que o senhor nã o engole esse negó c io de raptos feitos por alienı́genas do
espaço,porémrelacionaosdesaparecimentosaosdiscosvoadores?
— Nã o estou falando de ETs ou de outras criaturas. Penso que nossas idé ias sobre a
aparê ncia fı́sica dos seres do espaço sã o muito simples e rudimentares. Se é que existe vida
inteligenteforadaqui,eeuachoquedeveexistir,porcausadosfatosextraordináriosevidentes...
—Oqueosenhorquerdizer?
—Avastidãodoespaço.
— Ah! sim, tantas estrelas e tanto espaço sugerindo que . alguma coisa existe em algum
lugar.
— Exatamente. Concordo com as pessoas que pensam que aqueles seres sã o mais
inteligentes do que nó s. De outro modo, nã o teriam conseguido nada aqui, se é que de fato
estiveramaqui.E,seestiveramaqui, icoachandoqueelessã oso isticadoseavançadosdemais
parafazercoisascomasquaisnuncasonhamos.
—Comofazerpessoasdesaparecereminstantaneamentededentrodesuasroupas.
—Istopareciaserumaidéiaridículaatéaquelanoite,nãoémesmo?
Buckbalançouacabeçaemsinaldeconcordância.
— Eu sempre ridicularizei as pessoas que admitiam que esses seres podiam ler nossos
pensamentosoupenetraremnossasmentes,eoutrasbobagens—continuouRitz.—Masquem
está faltando?Todasaspessoasqueeuconhecioudequemouvifalartinhammenosde12anos
ouerammuitoespeciais.
— O senhor acha que todas as pessoas que desapareceram e esses seres, digamos assim,
tinhamalgumacoisaemcomum?
—Bem,elestêmalgumacoisaemcomumagora,vocênãodiria?
—Maselesforamdesintegradoscommaisfacilidade?—perguntouBuck.
—Éoquepenso.
— Por isso, estamos ainda aqui porque fomos bastante fortes para resistir, ou talvez
porquenãovalíamosotranstorno.
Ritzassentiu.
—Algoassim.Équaseigualaumaforçaoupodercapazdeconheceronívelderesistência
oufraqueza,e,umavezqueessaforçapenetrassenaspessoas,seriacapazderetirá-lasdaterra.
Elas desapareceram num instante, portanto tiveram de ser desmaterializadas. Pergunto se
foramdestruídasnoprocessooupoderiamserreconstituídas.
—Oqueacha,Sr.Ritz?
— A princı́pio diria nã o. Mas uma semana antes eu teria dito a você que milhõ es de
pessoasdomundointeirodesaparecendonoar,desfazendo-se,sumindo,seriacomoum ilmede
icçã o. Quando admito que o fato realmente aconteceu, tenho de admitir a ló gica que vem
depois. Talvez eles estejam em algum lugar especı́ ico, adquiriram um novo corpo e talvez
possamretornar.
— Esta idé ia é confortadora — disse Buck. — Mas isto é mais do que desejar que
aconteça?
—Demodonenhum.Essaidéiasomadaa50centséigual
a meio dó lar. Eu trabalho por dinheiro. Nã o tenho a chave do misté rio. Estou ainda tã o
chocadoquantoapró ximapessoaquevouencontrar,enã omeimportodelhedizerqueestou
morrendodemedo.
—Dequê?
—Dequepossaaconteceroutravez.Sefoialgumacoisacomopensoquefoi,talveztudo
o que essa força precisa fazer agora é procurar in iltrar o poder de algum modo nas pessoas e,
assim,levarosvelhos,osmaisexperientes,pessoascommaisresistênciaqueficaramporaqui.
Buck levantou os ombros em sinal de dú vida e permaneceu em silê ncio por alguns
minutos.Finalmente,disse:
— Há um pequeno furo em seu argumento. Sei de pessoas que estã o faltando e que
aparentementeerammuitofortes.
—Nãoestavafalandodeforçafísica.
—Nemeu—BuckpensouemLucindaWashington.—Perdiumaamigaecolegaqueera
brilhante,saudável,determinadaedepersonalidadeforte.
— Bem, nã o estou dizendo que sei todas as coisas ou mesmo alguma coisa. Você queria
minhaopinião.Aquiestáela.
RayfordSteeledeitou-sedecostas,olhandoparaoteto.Osonoeraagitadoeintermitente.
Desagradava-lhe aquela sensaçã o de torpor. Ele nã o queria inteirar-se das notı́c ias, mesmo
sabendo que haveria um novo jornal na varanda antes do alvorecer. Tudo o que queria era que
Chloe chegasse para que pudessem chorar juntos. Nã o havia nada, concluiu, mais desolador do
queosofrimentopelaperdadealguém.
Eleesua ilhatinhamtambé mtrabalhoparafazer.Elequeriainvestigar,aprender,saber,
agir. Começou pela procura da Bı́blia, nã o a Bı́blia da famı́lia que icou acumulando poeira na
prateleira por muito tempo, mas a de Irene. A dela continha anotaçõ es, talvez algo que lhe
apontasseadireçãocerta.
Nã o seria difı́c il encontrá -la. Estava costumeiramente ao alcance do braço, do lado em
que ela dormia. Ele a encontrou no chã o, junto a seu leito. Teria ela alguma orientaçã o? Um
ı́ndice?AlgumacoisaquesereferisseaoArrebatamento,aoJuı́z oouaalgumacoisadogê nero?
Se nã o, talvez fosse melhor começar pelo im. SeGênesis signi icava "começo", talvez
Apocalipse [que signi ica revelaçã o] tivesse alguma coisa a ver com o im, muito embora a
palavra nã o dissesse isto. O ú nico versı́c ulo da Bı́blia que Rayford podia citar de memó ria era
Gê nesis 1.1: "No princı́pio, criou Deus os cé us e a terra." Ele esperava que houvesse algum
versı́c ulocorrespondenteno imdaBı́bliaquedissessealgocomo:"No imDeuslevoutodooseu
povoparaocéuedeuatodososdemaisumanovaoportunidade."
Masfrustrou-se.Oú ltimoversı́c ulodaBı́blianã osigni icavanadaparaele.Dizia:"Agraça
doSenhorJesussejacomtodos."Eistolembrou-lheaspalavrasdoritualreligiosoqueouviuna
igreja. Ele saltou para o versı́c ulo anterior e leu: "Aquele que dá testemunho destas coisas diz:
'Certamentevenhosemdemora.Amém.Vem,SenhorJesus."
Agoraeleestavachegandoaalgumlugar.Quemteriatestemunhadoessascoisas,eoque
signi icavam?Aspalavrascitadasestavamemvermelho.Oqueissoqueriadizer?Eleprocurou
por todos os lados da Bı́blia e entã o notou na lombada os dizeres: "Palavras de Cristo em
vermelho."Entã oJesusdissequeviriasemdemora.Será queEletinhavindo?EseaBı́bliaera
tã oantiga,comoparecia,oqueelaqueriadizercom"semdemora"?Talvezessaexpressã onã o
significasselogo, a menos que fosse interpretada por algué m com uma longa visã o da Histó ria.
Talvez Jesus tenha sugerido que, quando chegasse o momento de vir, viria sem demora. Teria
sidoistooqueaconteceu?Rayfordleuoú ltimocapı́t ulointeiro.Trê soutrosversı́c ulosestavam
emletrasvermelhas,edoisdelesrepetiamaquestãosobreavindasemdemora.
Rayford nã o entendeu bem o contexto do capı́t ulo. Pareceu-lhe velho e formal. Poré m,
perto do im, havia um versı́c ulo que terminava com palavras que exerceram um estranho
impactosobreele.Semnenhumaindicaçã odeseusentido,eleleu:"Aquelequetemsedevenha,
equemquiserrecebadegraçaaáguadavida."
NãoteriasidoJesusaquelequeestavasedento.Nãoteria
sidoElequemdesejavareceberaá guadavida.Isso,Rayfordadmitiu,referia-seaoleitor.
Aspalavrasmexeramcomele,queestavasedento,comaalmasedenta.Masoqueeraaá gua
davida?Elejá haviapagoumpreçomuitoaltopornã oterentendidoseusigni icado.Oquequer
quefosse,estavanaquelelivroporcentenasdeanos.
Rayford folheou a Bı́blia ao acaso procurando outras passagens. Nenhuma delas fazia
sentidoparaele.Ficoudesanimado,porqueaspassagensnã o luı́amparalelamente,enã ohavia
relaçã o entre uma e outra para servir de orientaçã o. A linguagem e os conceitos nã o o
ajudavamporquelheeramestranhos.
Aqui e ali, ele via anotaçõ es nas margens com a letra delicada de Irene. As vezes, ela
escrevia: "Precioso." Ele estava determinado a estudar e encontrar algué m que pudesse
explicar-lhe aquelas passagens. Sentia-se tentado a escrever "precioso" ao lado daquele
versı́c ulo de Apocalipse sobre beber de graça a á gua da vida. O versı́c ulo soava-lhe precioso,
emboraaindanãopudesseavaliá-locommaisclareza.
O pior de tudo é que ele temia estar lendo a Bı́blia tarde demais. Era també m tarde
demais para ter ido para o cé u com sua esposa e seu ilho. Mas era realmente tarde demais e
pontofinal?
Juntoà capadafrenteestavaoboletimdaigrejadoú ltimodomingo.Masquediaerahoje?
Manhã de quarta-feira. Onde ele estava trê s dias antes? Na garagem. Raymie pedira-lhe que
fossecomelesà igreja.Eleprometeuqueirianodomingoseguinte."Você disseamesmacoisa
nasemanapassada",Raymieretrucara.
"Vocêquerqueeuconserteseucarrinhoounão?Nãotenhotodootempodomundo."
Raymie nã o era do tipo que costumava forçar situaçõ es. Ele apenas con irmou: "No
próximodomingo?"
"Certamente", tinha dito Rayford. E agora desejava que . no pró ximo domingo ele
estivesseaqui.DesejavamaisdoquenuncaqueRaymieestivesseaquiporqueiriacomele.
Iria? Será que estariafora naquele dia? E haveria culto no domingo? Algué m da
congregaçã o icou?ElepuxouoboletimdeIrenedentrodaBı́bliaefezumcı́rculoemtornodo
nú m ero do telefone. Mais tarde, depois de con irmar junto à Pan-Continental, ele telefonaria
paraoescritóriodaigrejaparaobterinformações.
Rayford estava para colocar a Bı́blia sobre o criado-mudo quando icou curioso e abriu a
primeira pá gina em branco para ler a dedicató ria. Ele tinha dado aquela Bı́blia a Irene em seu
primeiroaniversá riodecasamento.Comopodiateresquecidoisso,eoqueeletinhaemmente
quando lhe deu aquela Bı́blia? Ela nã o era mais devotada do que ele naquela é poca, mas
manifestava o desejo sé rio de freqü entar a igreja antes que os ilhos viessem. Ele tinha
encontrado um motivo para impressioná -la. Talvez tivesse pensado que ela o julgaria um
homemespiritualporter-lhedadoumpresentecomoaquele.Talveztivesseesperançadeque
elaoliberasseefosseà igrejasozinha,seprovasse,pormeiodopresente,quetinhasensibilidade
espiritual.
Durante anos, ele tolerou a igreja. Eles freqü entavam uma que exigia pouco e oferecia
muito.Fizerammuitosamigosealidescobriramseumé dico,dentista,agentedeseguro,eaté
adquiriram tı́t ulo de só c io do clube de campo daquela igreja. Rayford era prestigiado,
apresentado com orgulho como capitã o-aviador de um 747 aos crentes novos e visitantes, e
chegouaatuarnoconselhodaigrejaduranteváriosanos.
QuandoIrenedescobriuaestaçã oderá diocristã ,queelachamavade"pregaçã oeensino
verdadeiros",acabousedesencantandocomaquelaigrejaecomeçouaprocuraroutra.Istodeu
a Rayford a oportunidade de deixar a igreja de vez, dizendo a Irene que, quando encontrasse
umadequerealmentegostasse,começariaafreqü entarnovamente.Elaencontrouuma,eele
tentou freqü entá -la ocasionalmente, mas a igreja era uma muito literal, pessoal e desa iadora
paraele.Elenãoerapaparicado.Sentiu-sedeslocadoeseafastou.
RayfordobservououtraanotaçãocomaletradeIrene.
Tratava-se de uma lista de oraçõ es, e o nome dele estava em primeiro lugar. Ela
escreveu:"Rafe—orarporsuasalvaçã oeparaqueeusejaumaesposaamorosaparaele.Chloe
-paraqueelaaceiteaCristoevivacompureza.RayJr.—quenuncasedesvie de sua forte fé
como criança." Em seguida, ela mencionava o pastor da igreja, lı́deres polı́t icos, missioná rios,
conflitomundial,váriosamigoseparentes.
"Por sua salvaçã o", sussurrou Rayford. "Salvaçã o." Palavra-chave repetida em outras
igrejas pequenas mas que nunca o impressionara. Ele sabia que a nova igreja de Irene estava
interessada na salvaçã o de almas, algo que ele jamais tinha ouvido nas igrejas anteriores.
Poré m, quanto mais ele assimilava o conceito, mais indigno se sentia. A salvaçã o nã o tinha
algumacoisaavercomcon irmaçã o,batismo,testemunho,religiosidade,santidade?Elenunca
teve vontade de se envolver nisso, fosse o que fosse. E agora estava desesperado para saber
exatamenteoqueelasignificava.
Ken Ritz comunicou-se por rá dio com os aeroportos nos arredores de Nova York e
conseguiupermissãoparapousaremEaston,Pensilvânia.
— Se você tiver sorte, poderá cruzar com Larry Holmes -disse Ritz. — Aqui é territó rio
dele.
—Ovelholutadordeboxe?Elecontinualutando?Ritzencolheuosombros.
— Nã o sei qual é sua idade, mas você pode apostar que ele nã o desapareceu. Quem
estivesselevandoaspessoaspoderiareceberumgolpedovelhoLarrynacara.
O piloto perguntou ao pessoal de Easton se algué m podia conseguir uma conduçã o até a
cidadedeNovaYorkparaseupassageiro.
—Vocêestábrincando,nãoestá?
—Nãotiveaintenção,câmbio.
—Temosumapessoaquepodedeixá -lounstrê squilô m etrosdometrô . Carrosnã oestã o
entrando nem saindo da cidade por enquanto, e mesmo os trens estã o fazendo um trajeto
confusoepassamporlugarescomplicados.
—Lugarescomplicados?—aparteouBuck.
—Repita,porfavor—pediuRitzporrádio.
— Você nã o leu os jornais? Alguns dos piores desastres na cidade foram causados pelo
desaparecimentodemaquinistase iscais.Seistrensforamenvolvidosemcolisõ esfrontaiscom
numerosas mortes. Vá rios bateram na traseira de outros. Levará tempo para desimpedir todas
aslinhasesubstituirosvagõ es.Você está certodequeseupassageiroquerchegaraocentroda
cidade?
—Positivo.Pareceotipodepessoaquesabesevirar.
— Espero que tenha um bom par de botinas para caminhar. Buck teve de desembolsar
maisdinheirocomumacondução
que deveria deixá -lo a uma distâ ncia razoá vel da estaçã o e caminhar a pé até lá . O
motoristanuncatinhatrabalhadonapraça,nemoveı́c uloeratá xi.Seriabemmelhorquefosse.
Ocarroeravelhodemaiseestavaempéssimascondições.Apósumacaminhadademaisdetrês
quilô m etros,elechegouà plataformadaestaçã oporvoltademeio-dia.Depoisdeesperarmais
de 40 minutos no meio de uma multidã o compacta, icou sabendo que estava entre os
passageiros que teriam de aguardar mais meia hora pelo pró ximo trem. A viagem em
ziguezaguelevouduashorasparachegaraManhattan.Durantetodoopercurso,Buckdigitava
em seulaptop ou olhava para fora da janela o congestionamento que se estendia por vá rios
quilômetros.EleimaginavaquemuitoscolegasdeNovaYorkjáteriamapresentadoreportagens
semelhantes, portanto sua ú nica esperança de marcar pontos com Steve Plank e ver sua
maté ria publicada seria se a escrevesse com mais determinaçã o e eloqü ência. Estava muito
aterrorizado com as cenas que via, e talvez nunca as esquecesse. Na melhor das hipó t eses,
estariaacrescentandomaisdramaticidadeà ssuasrecordaçõ es.NovaYorkestavaparalisada,e
a maior surpresa era que as autoridades permitiam a entrada de mais pessoas na cidade. Sem
dúvida,muitagente,comoele,moravaalieprecisavavoltarparasuascasaseapartamentos.
O trem foi obrigado a parar um pouco antes do local onde Buck deveria desembarcar. O
aviso confuso, o melhor que puderam transmitir diante das circunstâ ncias, informou aos
passageiros que aquela parada seria a ú ltima. Se o trem prosseguisse, os passageiros teriam de
desembarcar no meio de guindastes que estavam retirando os carros que obstruı́am os trilhos.
Buckcalculouumacaminhadadequase25quilô m etrosaté oescritó rioemaisoitoparachegar
aseuapartamento.
Felizmente,Buckestavaemgrandeforma.Elecolocoutudonasacolaeencurtouasalças,
de modo que pudesse carregá -la mais junto ao corpo, sem balançar. Acertou suas passadas no
ritmo de mais ou menos seis quilô m etros e meio por hora, e trê s horas depois sentia-se todo
dolorido.Estavacertodetervá riasbolhasnospé s,eseupescoçoeombrosdoı́amporcausada
alça e do peso da sacola. Suas roupas estavam molhadas de suor, mas ele nã o queria ir direto
paraseuapartamentoantesdepassarpeloescritório.
Ó, Deus, ajuda-me. Buck tomava fô lego penosamente, mais exasperado do que orando.
Mas,sehaviaumDeus,Eletinhasensodehumor,concluiu.Apoiadanummurodetijolosnuma
passagem, à vista de todos, estava uma bicicleta amarela com um cartaz preso a ela. Lia-se:
"Pegueestabicicleta.Leve-aaondequiser.Deixe-aparaoutrapessoanecessitada.Égrátis."
SómesmoemNovaYork,pensouele.Ninguémroubaumacoisaqueégrátis.
Elepensouemmurmurarumaprecedegratidã o,masomundoqueelecontemplavanã o
lhe mostrou nenhuma evidê ncia de um Criador benevolente. Ele se ajeitou na bicicleta,
considerou o longo tempo decorrido desde a ú ltima vez que pedalou e começou a cambalear
quasecaindoaté conseguirequilibrar-se.Poucotempodepois,já estavachegandoaocentroda
cidade, atravessando um emaranhado de destroços e má quinas demolidoras. Poucas pessoas
possuı́am uma conduçã o tã o e iciente quanto a dele. Só havia carteiros em bicicleta, duas
pessoascombicicletasamarelasiguaisàdeleepoliciaisacavalo.
A segurança era rigorosa no edifı́c io doSemanário Global, o que, de certo modo, nã o o
surpreendia. Apó s identi icar-se a um novo porteiro no té rreo, subiu ao 27° andar, parou no
banheiropú blicoparaarrumar-see inalmenteentrounasprincipaisdependê nciasdarevista.A
recepcionista imediatamente ligou para o escritó rio de Steve Plank dando a notı́c ia. Plank e
MargePottercorreramparaabraçá-loedar-lheasboas-vindas.
BuckWilliamsfoitocadoporumaestranhaenovaemoçã o.Elequasechorou.Notouque,
como a maioria das pessoas, estava suportando um terrı́vel trauma e nã o tinha dú vida de que
suaadrenalinaestavaalterada.Mas,dequalquermodo,avoltaaoseuterritó riofamiliar—apó s
tantas despesas e esforço — deu-lhe a sensaçã o de estar em casa, ao lado de pessoas que se
importavamcomele.Estaeraasuafamı́lia.Estavamuito,realmentemuitocontentederevê los,epareciaqueosentimentoeramútuo.
Elemordeuoslá biostentandodisfarçarsuaemoçã o,equandoseguiaSteveeMargepelo
corredor, passando diante da porta de sua pequena e atravancada sala a caminho do local de
reuniões,perguntou-lhessejásabiamarespeitodeLucindaWashington.
Margeparounocorredorcolocandoasmãosnorosto.
—Sim—disseela,expressandotristezaehorror.—Perdemosvá riaspessoas.Ondeeste
sofrimentocomeçaeondetermina?
Apó sterouvidoisto,Buckdescontrolou-se.Nã oconseguiamaisdisfarçar,apesardeestar
surpresodiantedesuasensibilidade.
Stevepassouobraçoaoredordosombrosdesuasecretá riaemdireçã oà saladereuniã o,
ondeosoutrosmembrosdaequipeprincipalestavamesperando.
Eles deram vivas quando Buck entrou na sala. As mesmas pessoas que trabalhavam com
ele, que o criticavam e combatiam, que o hostilizavam e irritavam, que estavam sempre
querendo passá -lo para trá s, agora pareciam sinceramente felizes ao vê -lo. Eles nã o tinham a
mínimaidéiadecomoBucksesentia.
— Rapazes, é bom estar de volta aqui — disse ele. Em seguida, sentou-se e enterrou a
cabeça entre as mã os. Seu corpo começou a tremer, e ele nã o pô de segurar as lá grimas.
Começouasoluçar,bemàfrentedeseuscolegasecompetidores.
Procurouenxugaraslá grimasesecontrolar,mas,quandolevantouacabeça,forçandoum
sorrisoembaraçado,notouquetodososoutrostambémestavamemocionados.
—Está tudobem,Buck—disseumdeles.—Seestaé aprimeiravezquevocê chora,vai
descobrir que nã o será a ú ltima. Todos nó s estamos tã o assustados, atordoados, angustiados e
pesarososquantovocê.
—Sim—disseoutro-,masseurelatopessoalserá semdú vidamaisexcitante.—Istofez
comquetodosmisturassemrisoscomlágrimas.
Rayfordlembrou-sedechamaroCentrodeVô osdaPan-Continentalnocomeçodatarde
eficousabendoquedeveriaapresentar-sedoisdiasdepoisparaumvôonasexta-feira.
—Estáconfirmado?—perguntouele.
—Aindanã otemosabsolutacerteza—disseram-lhe.—Somenteunspoucosaviõ esvã o
decolar naquele dia. Certamente nã o haverá nenhum vô o até amanhã à noite e, talvez, nem
mesmonaprópriasexta-feira.
—Háumachancedeeureceberumavisoantesdesairdecasa?
—Claroquesim;porémestaéasuatarefaporenquanto.
—Qualéarota?
—ORDparaBOSparaJFK.
—Hum.Chicago,Boston,NovaYork.Quandovolto?
—Sábadoànoite.
—Ótimo.
—Porquê?Temumencontro?
—Nadadisso.<
—Oh!meuDeus,sintomuito,capitão.Esquecicomquemestavafalando.
—Vocêsoubeoqueaconteceucomminhafamília?
— Todos aqui sabem, senhor. Lamentamos. Soubemos disso por intermé dio da chefe do
serviço de bordo no vô o que nã o pô de descer em Heathrow. O senhor soube o que houve com
seuprimeiroco-pilotodaquelevôo?
—Ouvialgumacoisa,masatéagoranãorecebiumcomunicadooficial.
—Oqueosenhorouviu?
—Suicídio.
—Certo.Terrível.
—Vocêpodechecarumainformaçãoparamim?
—Seestiveraomeualcance,capitão.
—MinhafilhaestátentandovoltardaCalifórniaporavião.
—Improvável.
—Eusei,maselajá está acaminho,tentandodequalquerforma.Emaisdoqueprová vel
que ela preferirá voar com a Pan-Continental. Você pode veri icar se o nome dela igura em
qualquerdaslistasdepassageirosparaoleste?
— Nã o deve ser muito difı́c il. Há poucos vô os, e o senhor sabe que nenhum aviã o vai
pousaraqui.
—EquantoaMilwaukee?
—Achoquenão—disse,enquantoverificavanocomputador.—Deondeelavaisair?
—DealgumlugarpertodePaioAlto.
—Nãovaidar.
—Porquê?
—Dificilmentehaveráalgumvôovindodelá.Deixe-mechecar.
Rayfordpodiaouvirohomemfalandoparasimesmo,tentandocoisas,sugerindoopções.
—AviaçãoCalifórniaparaUtah.Ei!Encontrei!Chama-seChloeetemseusobrenome?
—Éela!
— Ela se apresentou em Paio Alto. A Pan levou-a num ô nibus até alguma pista externa.
Colocou-anumvô odaAviaçã oCalifó rniaparaSaltLakeCity.Apostoqueé aprimeiravezque
eles voam fora do estado. Ela embarcou num aviã o da Pan-Continental; oh! eles a levaram a,
hum,oh!irmão,Enid,Oklahoma.
—Enid?Issonuncaesteveemnossasrotas.
— Nã o estou brincando. As rotas foram desviadas por causa do congestionamento em
Dallas.EstávoandodeOzarkparaSpringfield,Illinois.
—Ozark!
—Euapenastrabalhoaqui,capitão.
—Bem,alguémestátentandofazeressacoisafuncionar,nãoestá?
— Sim, a boa notı́c ia é que conseguimos por lá um turbopropulsor ou dois que podem
trazê -la para esta á rea, mas nã o se sabe onde ela poderá descer. O sinal nem entrou na tela,
porqueelessósaberãoquandooaviãoestiverbemperto.
—Comosabereiondeapanhá-la?
—Osenhornã opode.Estoucertodequeelairá telefonar-lhequandochegar.Quemsabe?
Podeserqueelasimplesmenteapareçaaí.
—Istoseriafantástico.
—Bem,sintomuitopeloqueosenhorestá passando,maspodedargraçasaDeusporela
nãoterviajadocomaPan-ContinentaldiretamentedePaioAlto.Oúltimoquesaiudelácaiuna
noitepassada.Nãohásobreviventes.
—Eissofoidepoisdosdesaparecimentos?
—Exatamenteontemànoite.Nãotemnadaavercomofenômeno.
—Seissoacontecessecomela,nãoteriasidodesgraçademais?—comentouRayford.
—Semdúvida.
CAPÍTULO8
QUANDOosoutrosrepó rtereseeditoresretornaramasuassalas,StevePlankinsistiucom
BuckWilliamsparaquefosseparacasadescansarantesdareuniã oqueteriamnaquelanoite,à s
oitohoras.
—Prefiroqueareuniãosejaagoraeeupossairparacasaànoite.
—Eusei—disseoeditor-executivo-,mastemosumacú m ulodecoisasafazerequero
vocêaquibemdisposto.
Mesmoassim,Buckestavarelutante.
—QuandopossoiraLondres?
—Oquevocêvaifazerlá?
Buck adiantou a Steve a informaçã o sobre uma importante reuniã o de inancistas dos
Estados Unidos com jornalistas do mundo inteiro para apresentar um polı́t ico europeu em
ascensão.
— Oh! rapaz — disse Steve -, estamos por dentro disso tudo. Você está falando de
Carpathia.
Buckficouatônito.
—Eufalei?
—EleéapessoaqueimpressionouRosenzweig.
—Sim,masvocêachaqueéeleapessoaquemeuinformante...
— Rapaz, você está por fora — disse Steve. — O caso nã o é mais um grande furo de
reportagem.O inancista-chavedeveserJonathanStonagal,quepareceseropatrocinadordele.
EunãodisseavocêqueCarpathiaestavavindofazerumpronunciamentonaONU?
—EntãoeleéonovoembaixadordaRomênianaONU?-questionouBuck.
—Negativo.
—Oqueeleéentão?
—Presidentedopaís.
— Para este cargo nã o tinha sido eleito um lı́der havia apenas 18 meses? — retrucou
Buck, lembrando-se da deixa que Dirk lhe dera a respeito de um novo lı́der que parecia estar
foradaposiçãoedotempo.
—Grandereviravoltaporlá—disseSteve.—Émelhorconfirmar.
—Voufazerisso.
—Nãoqueromandarvocê.Naverdade,nãoachoquetenhasobradomuitacoisaparauma
reportagem de impacto. O cara é jovem e impetuoso, fascinante e persuasivo, como pude
deduzir. Tinha sido uma estrela meteó rica nos negó c ios, alcançando um grande sucesso
inanceiro quando o mercado romeno se abriu para o Ocidente faz alguns anos. Mas até a
semanapassada,elenemmesmoestavanosenado.Eleestavasomentenacâmarabaixa.
—ACâmaradosDeputados—disseBuck.
—Comovocêsabiaisso?Bucksorriuironicamente.
—Rosenzweigmefalou.
—Porummomento,penseiquevocê realmentesoubessedetodasascoisas.Edissoque
elesoacusamaqui,vocêsabe.
—Quegrandecrimecometi.
—Masvocêsecomportoucommuitahumildade.
—Eistoqueeusou,humilde.Entã o,Steve,você nã oconsideraimportanteofatodeum
caracomoCarpathia,queveiodonada,derrubaropresidentedaRomênia?
— Ele nã o veio exatamente do nada. Seus negó c ios foram construı́dos com o apoio
inanceiro de Stonagal. E Carpathia tem sido um defensor do desarmamento, muito popular
juntoaseuscolegaseperanteopovo.
—MasodesarmamentonãocondizcomStonagal.Elenãoéumarmamentistasecreto?
Plankassentiu.
—Entãoaquihámistério.
— Alguns, mas, Buck, o que poderia ser mais importante a esta altura do que a
reportagem que está fazendo? Você nã o vai perder seu tempo com um sujeito que se tornou
presidentedeumpaísnão-estratégico.
— No meio disso tudo há alguma coisa, Steve. Meu contato em Londres soprou-me.
Carpathia está ligado aos nã o-polı́t icos mais in luentes do mundo. Ele passou de deputado a
presidentesemumaeleiçãopopular.
—E...
— E preciso mais? Ele por acaso assumiu o lugar de um presidente assassinado ou coisa
parecida?
—Einteressantequevocê tenhaditoisso,porqueoú nicosenã onahistó riadeCarpathiaé
este: correm alguns rumores de que ele foi desumano com seus concorrentes nos negó c ios há
algunsanos.
—Comodesumano?
—Aspessoasforam"apagadas".
—Oh!Steve,vocêfalaexatamentecomomembrodeumagangue.
— Ouça esta: o presidente anterior renunciou em favor de Carpathia. E insistiu para que
eleassumisseopoder.
—Evocêdizquenãoháassuntoparaumareportagemnestecaso?
—IstoseassemelhaaosvelhosgolpesnaAmé ricadoSul,Buck.Umnovodirigenteacada
semana.Grandeslances.Assim,CarpathiapassaaserdevedoraStonagal.Tudoistoindicaque
Stonagalterá ocontrolenomundo inanceirodeurnpaı́sdaEuropaOrientalqueimaginaquea
melhorcoisaqueaconteceuemsuahistóriafoiaquedadaRússia.
— Mas, Steve, é como se um estreante do nosso congresso se tornasse presidente dos
Estados Unidos num ano sem eleiçã o marcada, sem voto. O presidente atual renuncia, e todo
mundoficafeliz.
—Nã o,nã o,nã o,há umagrandediferença.EstamosfalandodaRomê nia,Buck.Romênia.
Paı́s nã o-estraté gico, com um parco produto interno bruto, nenhum aliado estraté gico. Nã o há
nadalá,anãoserumapolíticainternadebaixonível.
— Isto ainda me cheira algo mais importante — disse Buck. — Rosenzweig tinha esse
cara em alto conceito, e ele é um observador astuto. Agora Carpathia está vindo para falar na
ONU.Oquevaiacontecerdepois?
—VocêseesquecedequeelefoiconvidadoantesdesetornarpresidentedaRomênia.
—Esteéoutroenigma.Eleeraumilustredesconhecido.
— Ele é um novo nome em prol do desarmamento. Vai ter seu momento de gló ria, seus
quinzeminutosdefama.Confieemmim;vocênuncamaisvaiouvirfalardele.
— Stonagal tinha de estar també m por trá s dessa jogada da ONU — disse Buck. — Você
sabequeo"JoãoDiamante"éumamigopessoaldonossoembaixador.
— Stonagal é amigo pessoal de cada igura eleita, desde o presidente até os prefeitos da
maioriadascidadesdetamanhomé dio,Buck.Edaı́?Elesabefazeroseujogo.Elemelembrao
velhoJoeKennedyouumdosRockefellers,estábem?Qualéasuapreocupação?
—ApenasqueCarpathiavaifalarnaONUcomainfluênciadeStonagal.
—Provavelmente.Edaí?
—Eleestávisandoaalgumacoisa.
—Stonagalestá semprevisandoaalgumacoisa,mantendoseusmotoresligadosparaum
de seus projetos. Muito bem, entã o ele promove a ascensã o de um homem de negó c ios a
polı́t ico na Romê nia, com possibilidades de fazê -lo chegar à presidê ncia. Talvez tenha até
conseguidoumaentrevistaentreessehomemeRosenzweig,quenuncadeuemnada.Agoraele
coloca Carpathia numa posiçã o de destaque internacional. Isto acontece o tempo todo por
causadepessoascomoStonagal.Você preferecorreratrá sdeumaanti-reportagemacosturar
uma maté ria de capa que procura dar sentido ao fenô m eno mais monumental e trá gico na
históriamundial?
—Hum,deixe-mepensarsobreisto—disseBuck,sorrindo,enquantoPlanklhedavauns
levessocosamistososnopeito.
—Rapaz,vocêécapazdedarnóemfumaça—disseoeditor-executivo.
—Vocêcostumavagostardemeufaroprofissional.
—Eaindagosto,masvocêestáprecisandodormirimediatamente.
—EstoudefinitivamenteimpedidodeiraLondres?Entãotenhodeavisarmeucontatolá.
—Margetentoulocalizarapessoaqueiaesperarvocênoaeroporto.Elapodelhecontara
giná stica que tivemos de fazer no meio de toda aquela situaçã o. Esteja de volta à s oito. Estou
convocandotodososeditoresdedepartamentosinteressadosemvá riasreuniõ esinternacionais
quevãoaconteceraquinestemês.Vocêvaicoordenaressacobertura,portanto...
—Portanto,todoselesvãomeodiarnareuniãoqueteremos?—perguntouBuck.
—Elesvãosentirqueéimportante.
—Masissoé importante?Você querqueeuesqueçaCarpathia,masvaicomplicarminha
vida com — o que era mesmo? — uma convençã o religiosa ecumê nica e uma confabulaçã o
sobreamoedainternacionalúnica?
—Você está precisandodormir,nã oestá ,Buck?Eporissoqueaindasouseuchefe.Você
nãoconsegueentenderisto?
Sim, quero uma maté ria coordenada e bem escrita. Mas pense um pouco. Isto lhe dará
trâ nsito livre a todos esses dignitá rios. Estamos falando de lı́deres judeus nacionalistas
interessadosnumgovernomundialúnico...
—Improváveleextremamenteconstrangedor.
— ...judeus ortodoxos do mundo inteiro que procuram reconstruir o templo, ou alguns
desses...
—Estousendoinjuriadopelosjudeus.
—...monetaristasinternacionaisquepreparamopalcoparaamoedamundial...
—Tambémimprovável.
—Masistovaipermitirquevocêfiquedeolhoemseucorretorfavoritoepoderoso...
—Stonagal.
—Certo,elíderesdeváriosgruposreligiososprocurandocooperarinternacionalmente.
—Você quermetorturar,é isso?Essaspessoasestã odiscutindocoisasimpossı́veis.Desde
quandoosgruposreligiososforamcapazesdeseentender?
— Você ainda nã o compreendeu, Buck. Você vai ter acesso a todas essas pessoas —
religiosos, monetaristas, polı́t icos -enquanto tenta escrever um artigo sobre o que aconteceu e
por que aconteceu. Você pode colher a opiniã o de muitas pessoas inteligentes e reunir os mais
diversospontosdevista.
Buckencolheuosombrosemsinalderendição.
— Você ganhou. Ainda acho que os editores de nosso departamento vã o icar ressentidos
comigo.
—Algumacoisaseráditaparadarconsistênciaaotrabalho.
—AindaquerotentarchegaraCarpathia.
—Istonãovaiserdifícil.ElejáéododóidamídianaEuropa.Estáansiosoparaserouvido.
—EStonagal.
—Vocêsabequeelenuncafalaàimprensa,Buck.
—Gostodeumdesafio
—Vápracasaerelaxe.Vejovocêàsoito.
MargePotterestavasepreparandoparasairquandoBuckseaproximou.
—Oh!sim—disseela,arrumandosuascoisasefolheandoaagenda.—TenteiDirkBurton
vá rias vezes. Consegui ligar uma vez para seuvoice mail e deixei uma mensagem. O
recebimentonãofoiconfirmado.
—Obrigado.
Bucknã oestavasegurodepoderdescansaremcasacomtodasascoisasrodandoemseu
cé rebro. Quando chegou à rua, icou agradavelmente surpreso ao ver que os representantes de
vá riasempresasdetá xiestavampostadosà frentedopré dio,dirigindoaspessoasparaoscarros
que podiam alcançar determinadas á reas por meio de vias secundá rias. Com tarifas acima do
normal,naturalmente.Por30dó lares,divididoscomoutrospassageiros,Buckfoideixadoaduas
quadras de seu apartamento. Em trê s horas ele deveria estar de volta ao escritó rio, por isso
pediu ao motorista que o apanhasse no mesmo lugar à s 7h45. Isto, reconheceu, seria um
milagre.Comtodosostá xisquehaviaemNovaYork,elejamaispô deantesfazertalacerto,e,
peloqueselembrava,nuncaconseguiuveromesmotaxistaduasvezes.
Rayford caminhava de um lado para o outro, sentindo-se angustiado. Chegou à dolorosa
constataçã o de que aquela era a pior fase de sua vida. Ele nunca tinha passado por isso antes.
Seuspaiserammaisvelhosdoqueosdeseuscolegas.Quandoambosmorreram,numespaçode
dois anos um do outro, Rayford sentiu-se aliviado. Eles nã o estavam bem, haviam perdido a
lucidez.Eleosamava,eseuspaisnã olheeramumfardo,mas,anosantes,passaramateruma
vida vegetativa em razã o de derrame cerebral e outras doenças. Quando faleceram, Rayford
chorou,emgrandeparteporcausadoamorquelhesdedicavaedasboasrecordaçõ esqueeles
lhe deixaram. Apreciou a bondade e a simpatia que recebeu em seus funerais e retomou sua
vida. As lá grimas que derramou nã o foram de remorso ou má goa. Foram de nostalgia e
melancolia.
O resto de sua vida tinha sido sem complicaçã o ou sofrimento. Tornar-se piloto era o
mesmo que galgar qualquer outro nı́vel pro issional regiamente pago. Tinha de ser inteligente,
disciplinado,talentoso,perfeito.Elepassoupelasposiçõ esdaformausual—deveresdemilitar
da reserva, pequenos aviõ es, depois aviõ es maiores, depois jatos e bombardeiros. Finalmente,
alcançouopostomáximo.
EletinhaconhecidoIrenenoCorpodeTreinamentodeO iciaisdaReserva,nafaculdade.
Ela, ilha de um militar, era uma soldadinha que nunca se rebelou. Muitos de seus colegas
voltaram as costas para a vida militar e nã o quiseram nem mesmo confessar ter vivido essa
experiê ncia. Seu pai perdeu a vida no Vietnã , e sua mã e se casou com outro militar, por isso
IrenetinhavividoemváriasbasesmilitaresnosEstadosUnidos.
Eles se casaram quando Rayford estava prestes a doutorar-se e Irene uma secundarista.
Eladesistiudeestudarquandoomaridoingressounacarreiramilitar,etudoseacomodoudesde
entã o. Eles tiveram Chloe durante o primeiro ano de casamento, mas, devido a complicaçõ es,
esperaramoutrosoitoanosparaRaynascer.Rayfordamavaosdois ilhos,mastinhadeadmitir
quesempredesejaraterummeninocomseunome.
Infelizmente,Raymienasceuduranteumperı́odosombriodavidadeRayford.Eletinha30
anos e já se considerava velho, e sentia-se constrangido por ter uma esposa grá vida. Seus
cabelos prematuramente grisalhos, poré m atraentes, davam-lhe o aspecto de um homem de
mais idade, e ele teve de suportar brincadeiras por ser um pai velho. Foi uma gravidez
particularmentedifı́c ilparaIrene;Raymiechegouduassemanasalé mdotemponormal.Chloe
eraumagarotinhageniosadeoitoanos,eRayforddistanciou-sedafamíliaomaispossível.
Irene,eleacreditava,entrounumperı́ododedepressã oduranteaquelafaseemostrouum
temperamento agressivo para com ele, chorando freqü entemente. No trabalho, Rayford
prosperava,eraouvidoeadmirado.Foiescaladoparaosmaiores,maisnovosemaisso isticados
aviõ es da Pan-Continental. Sua vida de trabalho estava indo muito bem; ele nã o sentia prazer
emvoltarparacasa.
Ele tinha ingerido mais á lcool durante aquele perı́odo do que costumava, e o casamento
passou por sua fase mais difı́c il. Voltava para casa cada vez mais tarde e, à s vezes, inventava
histó rias sobre seu programa de trabalho, de modo que pudesse sair logo cedo e voltar o mais
tarde possı́vel. Irene o acusava injustamente de estar tendo casos. Ele a desmentia com
veemênciaesentia-sejustificadopelairaquedemonstrava.
A verdade é que ele estava esperando por uma chance para fazer exatamente aquilo de
que ela o acusava. O que mais o frustrava era sentir-se incapaz de traı́- la, apesar de sua boa
aparê ncia e postura. Ele nã o tinha o jeito, o desembaraço, o estilo. Uma comissá ria o havia
certa vez chamado de gostosã o, mas ele se sentiu um palhaço, um estú pido. Certamente, ele
tinhaacessoaqualquermulherporumpreço,masistoeraindignoparaele.Enquantobrincava
desonharcomumcasonovelhoestilo,comportado,eesperavaporisso,nã osuportavaaidé ia
deentregar-seaalgumacoisatãomesquinhacomopagarparatersexo.
Tivesse Irene sabido quã o decidido ele estava de tentar ser in iel, ela o teria deixado.
Quando as coisas estavam nesse pé , ele se achou no direito de envolver-se numa aventura
amorosa na noite da vé spera de Natal, antes do nascimento de Raymie, mas estava tã o
embriagadoquemalconseguiaselembrar.
O sentimento de culpa e a possibilidade de manchar sua imagem serviram-lhe de alerta,
fazendo com que ele reduzisse drasticamente a bebida. Ver Raymie nascer contribuiu ainda
mais para a sua sobriedade. Era tempo de melhorar e assumir tanto a responsabilidade como
maridoepaiquantoaqueeleassumiracomopiloto.
Agora, poré m, quando Rayford permitia que aquelas lembranças des ilassem em sua
menteconturbada,sentiaamaisprofundatristezaeomaisagudoremorsoqueumserhumano
podesentir.Eleseconsideravaumfracasso.Eratã oindignodeIrene.Dequalquermodo,sabia
agora, embora nunca tivesse admitido antes, que ela de nenhuma forma tinha sido ingê nua ou
tolacomoeleesperavaeimaginava.Eladeviatersabidoquã oinsı́pidoeleera,quã osuper icial
e, sim, desprezı́vel. No entanto, ela permaneceu a seu lado, amou-o, lutou para preservar o
casamento.
Elenã opô deperceberseelasetomouumapessoadiferenteapó stermudadodeigrejae
seapegadomaisà fé .Logodeinı́c io,elaprocurouconvencê -lo,semdú vida.Estavaempolgadae
queria que o marido també m descobrisse o que ela havia encontrado. Ele tirou o corpo.
Finalmente,eladesistiuouresignou-sediantedofatodequeelenã oserendiaaseusapelosou
persuasã o.Agoraelesabia,vendoalistadeoraçõ esdeIrene,queelanuncadesistiu.Limitou-se
apenasaorarporele,emprimeirolugar.
Nã oeradeadmiraragoraquenuncativessechegadoaopontodemancharseucasamento
por causa de Hattie Durham. Hattie! Quã o envergonhado estava por causa daquele propó sito
imbecil! Pelo que ele sabia, Hattie era inocente. Ela nunca depreciara sua esposa nem izera
comentá rios sobre seu casamento. Jamais insinuara qualquer coisa impró pria. Os jovens eram
mais sensı́veis e coquetes, e ela nã o invocava có digos de moral e religiã o. O fato de Rayford
estarobcecadocomapossibilidadedeterHattie,emboraelaprovavelmentenemdescon iasse
disso,fazia-osentir-semaislevianoainda.
Deondevinhaestaculpa?EletinhatrocadoolharescomHattieinú m erasvezes,passaram
horasasó sjantandoemvá riascidades.Maselanuncaoconvidaraparaentraremseuquartono
hotel ou tentara beijá -lo ou mesmo segurar suas mã os. Talvez ela correspondesse, se ele
tomasse a iniciativa, talvez nã o. Ela poderia facilmente sentir-se ofendida, insultada,
desapontada.
Rayford balançou a cabeça. Alé m de sentir-se culpado por cobiçar uma mulher a cujo
acesso ele nã o tinha nenhum direito, era també m um desajeitado que nunca soube como
cortejá-la.
E agora ele enfrentava as horas mais sombrias da sua vida. Estava nervoso acerca de
Chloe.Apesardascircunstâ nciasdomomento,desejavaqueelachegassesã esalva,eesperava
queapresençadesua ilhaemcasapudesseamenizarumpoucosuaa liçã oesofrimento.Elese
sentia esfomeado outra vez, mas nada lhe apetecia. Até mesmo o aroma dos deliciosos doces,
quepoderiamenganarseuestô m ago,haviasetomadoemlembrançadolorosadeIrene.Talvez
amanhã.
Rayford ligou a televisã o, nã o por interesse de ver mais desgraças, mas com a esperança
de notı́c ias sobre a ordem no paı́s, o restabelecimento do trá fego, a comunicaçã o. Apó s um
minuto ou dois de cenas repetidas, ele a desligou. Afastou a idé ia de ligar para O'Hare sobre a
probabilidadedeentrarnoaeroportoepegarseucarro,porquenã oqueriatirarofonedogancho
nem mesmo por um minuto, pois poderia acontecer de Chloe tentar uma ligaçã o para casa.
Havia horas desde que ela saı́ra de Paio Alto. Quanto tempo levaria para fazer todas aquelas
conexõ esmalucase inalmentevoardeOzark,partindodeSpring ieldemdireçã oaosarredores
de Chicago? Ele se recordou da antiga brincadeira na indú stria aeroná utica: Ozark lido ao
contrárioéKrazo[craze=loucura].Masagoraelenãoachavagraçanenhuma.
Eledeuumsaltoquandootelefonetocou,masnãoeraChloe.
—Sintomuito,capitã o—disseHattie.—Prometichamá -lo,mascaı́ nosonodepoisda
ligaçãoquerecebiesóacordeiagora.
—Estátudobem,Hattie.Naverdade,preciso...
—Eunãoqueriaimportuná-lodemodoalgumnummomentocomoeste.
—Não,estátudobem,euapenas...
—FaloucomChloe?
—Estouesperandoqueelametelefoneaqualquermomento,porissovouterdedesligar!
Rayfordtinhasidomaisbruscodoquepretendia,eHattieficou,aprincípio,calada.
—Então,tudobem.Sintomuito.
—Depoisligopravocê,Hattie.Estábem?-Estábem.
Ela pareceu chocada. Ele lamentou por isto, mas nã o por ter se livrado dela naquele
momento. Sabia que ela estava apenas querendo ajudar e ser atenciosa, mas aparentemente
nã o entendera a ansiedade dele. Hattie estava sozinha e assustada, tanto quanto ele, e sem
dú vida já recebera notı́c ias de sua famı́lia. Oh! nã o! Ele nem sequer perguntou sobre a famı́lia
dela!Elairiaodiá-lo,eporquenão?Quãoegoístapudeser?,pensouele.
Por mais ansioso que estivesse para ouvir Chloe, ele bem que poderia arriscar-se a falar
maisunsdoisminutosaotelefone.DiscouparaHattie,massualinhaestavaocupada.
Logo que chegou ao apartamento, Buck tentou um telefonema para Dirk Burton em
Londres, nã o querendo esperar mais tempo por causa da diferença de horá rio. Ele teve uma
resposta desnorteante. A secretá ria eletrô nica particular de Dirk atendeu com a mensagem
particular,mas,tã ologoosinalpara"deixarumrecado"soou,umoutromaisdemoradoindicou
que nã o havia mais espaço na ita. Estranho. Ou Dirk esteve dormindo esse tempo todo ou...
Bucknã ohavialevadoemcontaqueDirkpodiaterdesaparecido.Alé mdedeixarBuckcomum
milhã o de ■ẄẄỲ §¹∂©§°≥ ≥Ø¢≤• 3¥ØÆ°ß°¨Ẅ #°≤∞°¥®©°Ẅ 4ا§‾#Ø¥®≤°Æ • ¥Ø§Ø °±µ•¨• ¶
era um de seus melhores amigos desde Princeton.Oh, por favor, que isto seja apenas uma
coincidência,pensouele.Queeleestejaviajando...
Tã o logo Buck pô s o fone no gancho, seu telefone tocou. Era Hattie Durham. Ela estava
chorando.
—Sintoaborrecê -lo,Sr.Williams,eutinhaprometidoamimmesmanuncaligarparasua
casa...
—Tudobem,Hattie.Oqueestáhavendo?
— Bem, na verdade é uma bobagem, mas estou preocupada e nã o tenho com quem
conversar. Nã o pude localizar minha mã e e minhas irmã s e, bem, apenas pensei que talvez o
senhorpudessemeentender.
—Estejaàvontade.
Ela contou a Buck que telefonara para o capitã o-aviador Steele, quando chegaram a
Chicago, e soube que ele havia perdido sua esposa e ilho. Quando voltou a telefonar-lhe para
saber notı́c ias, ele interrompeu bruscamente a conversa, dizendo que estava esperando uma
ligaçãodesuafilha.
—Possoentenderisso—disseBuck,revirandoosolhos.Desdequandoelefaziapartedo
clube de coraçõ es solitá rios? Ela nã o teria uma amiga com quem pudesse compartilhar seus
problemas?
—Eutambé mposso—disseela.—Nã ohá oquefazer.Seiqueeleestá sofrendoporque
sua esposa e ilho desapareceram. E como se tivessem morrido. Mas ele sabia que eu estava
apreensivacomminhafamíliaenemsequerperguntou.
—Bem,estoucertodequetudoissofazpartedatensã odomomento,daangú stia,como
vocêdiz,e...
—Oh!eusei.Euapenasqueriafalarcomalguém,epenseinosenhor.
—Ora,liguequandoquiser—disseeledabocaparafora.Oh!rapaz,pensouele.O número
do meu telefone particular vai ter de ser eliminado dos próximos cartões de visita. — Ouça,
gostariadecontinuar,mastenhoumencontroestanoite,e...
—Bem,obrigadapormeouvir.
— Compreendo — disse ele, embora duvidasse que ela compreenderia. Talvez Hattie
mostrasse mais perspicá cia e sensibilidade quando nã o estivesse estressada. Ele esperava que
sim.
Rayford icoucontenteporencontrarocupadaalinhadeHattie,porquepoderiadizer-lhe
maistardequetentouretornaraligaçã o.Poré m,elenã oconseguiumanteralinhadesocupada
pormuitotempo.Umminutodepois,seutelefonetocoudenovo.
— Capitã o, sou eu outra vez. Sinto muito, nã o vou tomar seu tempo, mas imaginei que
vocêtivessetentadofalarcomigoenquantoestiveusandootelefone...
—Narealidade,tentei,Hattie.Oquevocêficousabendodeseusfamiliares?
—Elesestãobem—respondeucomvozdechoro.
—Oh!graçasaDeus—disseele.
Rayford pô s-se a pensar no que teria havido com ele. Disse que estava contente por ela,
mas chegara à conclusã o de que aqueles que nã o desapareceram haviam perdido o maior dos
eventos da histó ria có smica. Mas que poderia ele dizer: "Oh! sinto muito que seus familiares
tambémtenhamsidodeixadosparatrás"?
Quandodesligou,Rayfordsentou-sepertodotelefonecomasensaçãodesagradáveldeque,
com certeza, desta vez tinha perdido a ligaçã o de Chloe. Isto o deixou furioso. Seu estô m ago
estavadandosinaisdefome,eelesabiaqueprecisavacomer,masresolveuesperarmaisalgum
tempo, na esperança de poder comer na companhia de Chloe logo que ela chegasse.
Conhecendo-a,imaginavaqueelatambémestivessesemcomer.
CAPÍTULO9
O SISTEMA de alarme subconsciente de Buck, que sempreo fazia despertar na hora
desejada,falhounaquelecomeçodenoite.Aochegaraoescritó riodeStevePlankporvoltade
8h45, com o cabelo despenteado e desculpando-se pelo atraso, suas suposiçõ es foram
con irmadas.Sentiuaindignaçã odoseditoresveteranos.JuanOrtiz, chefe da seçã o de polı́t ica
internacional,estavafurioso.Elenã oaceitavaqueBuckparticipassedosassuntosrelacionadosà
conferênciadecúpulaqueplanejavacobriremduassemanas.
— Os judeus nacionalistas estã o discutindo um tema que , tenho acompanhado durante
anos.Quemteriaacreditadoqueelesmanifestariaminteresseemumgovernomundial?
O simples fato de aceitarem discutir já é um grande passo. Eles estã o se reunindo aqui, e
nã o em Jerusalé m ou Tel-Aviv, porque suas idé ias sã o revolucioná rias. Muitos dos nacionalistas
israelenses acham que a Terra Santa já foi longe demais com tanta generosidade. Isto é
histórico.
—Entã oqualé oseuproblema—dissePlank—comminhaindicaçã odenossoprincipal
repórterparaacobertura?
—Porqueeusouseuprincipalrepórternessaárea.
—Estoutentandoentenderosignificadogeraldetodasessasreuniões—dissePlank.
JimmyBorland,oeditordereligião,argumentou:
— Compreendo as objeçõ es de Juan, mas tenho duas reuniõ es para cobrir ao mesmo
tempo.Agradeçoqualquerajuda.
—Agoraestamoscomeçandoanosentender—dissePlank.
— Mas vou ser franco com você , Buck, acrescentou Borland. — Quero dar a ú ltima
palavranotextofinal.
—Certamente—dissePlank.
— Nã o seja apressado — disse Buck. — Nã o quero ser tratado como um repó rter de
equipe a quem se distribui aleatoriamente o trabalho de campo. Vou tirar minhas conclusõ es
sobreessasreuniõ esenã oqueromeintrometernosterritó riosdeseusexperts.Nã oquerofazer
nem mesmo as coberturas de reuniõ es isoladas. Quero fazer a coordenaçã o, saber o que
significamessasreuniões,quaissãoseuspontosemcomum.Jimmy,osseusdoisgruposreligiosos
— os judeus que querem reconstruir o templo e os ecumê nicos que desejam uma espé cie de
ordemreligiosauniversal—vãodisputarumcomooutro?Haverájudeusreligiosos...
—Ortodoxos.
— Está bem, haverá judeus ortodoxos na conferê ncia ecumê nica? Porque os ecumê nicos
sãocontráriosàreconstruçãodotemplo.
—Bem,aomenosvocê está pensandocomoumeditordereligiã o—disseJimmy.—Isto
éalentador.
—Masqualéasuaidéia?
—Nã osei.Há umfatocurioso.Asreuniõ esdelesserã orealizadasnomesmohorá rioena
mesmacidade,oqueébomdemaisparaserverdade.
Aeditoradefinanças,BarbaraDonahue,pôsfimàdiscussão.
—Tenhotratadocomvocê sobrevá riosassuntosdestanatureza,Steve—disseela.—E
aprecioseumododeagirquandopermitequetodossemanifestemsemameaça.Massabemos
sua decisã o a respeito do envolvimento de Buck, portanto vamos passar por cima disto e ir
adiante com este projeto. Se cada um de nó s dedicar-se de corpo e alma à s reportagens de
nossosrespectivosdepartamentosederalgumacontribuiçã oaotextogeral,quesejadoagrado
detodos,vamosemfrente.
Até Ortiz meneou a cabeça a irmativamente, embora para Buck ele estivesse ainda
relutante.
— Buck é o nosso jogador-chave — disse Plank -, por isso mantenham contato com ele.
Elesereportaráamim.Vocêquerdizeralgumacoisa,Buck?
— Apenas agradecer muito — disse ele pesarosamente, provocando risos dos colegas. —
Barbara,seusmonetaristasestã osereunindonaONU,como izeramquandodecidiramsobrea
questãodastrêsmoedas?
—Nomesmolugareasmesmaspessoas.
—AtéquepontoJonathanStonagalestáenvolvido?
—Publicamente,vocêquerdizer?—perguntouela.
—Bem,todomundosabequeeleédiscreto.Masháuma;influênciadeStonagal?
—Vocêjáviupatofalar?Bucksorriuefezumarápidaanotação.
—Voutomarissocomoumsim.Gostariademeaproximardelee,quemsabe,tentarfalar
como"JoãoDiamante".
—Boasorte.Eleprovavelmentenãovaimostraracaralá.
—Maseleestánacidade,nãoestá,Barbara?ElenãosehospedounoPlazanaúltimavez?
—Vocêvaiestarporperto,nãovai?—arriscouela.
—Bem,elesórecebiaumfigurãopordiaemsuasuíte.JuanOrtizlevantouamão.
—Vouconcordarcomisso,enadatenhodepessoalcontravocê ,Buck.Masnã ocreioque
hajaummeiodecoordenarestareportagemsemestabelecermosumvínculo.
Quero dizer, se você quiser dar inı́c io a uma reportagem de destaque dizendo que houve
quatroimportantesconferê nciasinternacionaisnacidade,quasetodasaomesmotempo,muito
bem.Masrelacionarumacomaoutraseriairlongedemais.
— Se eu achar que elas nã o tê m relaçã o entre si, nã o haverá uma reportagem geral
consistente—disseBuck.—Deacordo?
Rayford Steele nã o se continha de tanta ansiedade, agravada por sua angú stia. Onde
estaria Chloe? Ele icou em casa o dia todo, andando de um lado para o outro, em prantos,
pensando.Sentia-seenvelhecidoeclaustró fobo.TelefonouparaaPan-Continentalelhefoidito
queseucarropoderiaserliberadoquandoeleretornassedaviagemdopró ximo imdesemana.
As notı́c ias da televisã o mostravam o surpreendente progresso na remoçã o de veı́c ulos das
estradaseorestabelecimentodotransporteemgeral.Masapaisagemainda icariacomaquela
aparê ncia de destruiçã o durante meses. Guindastes e má quinas trituradoras de sucata
continuavam trabalhando, e os destroços permaneciam empilhados perigosamente nos
acostamentosdasestradaseviasexpressas.
Rayfordlevouhorasparadecidirtelefonarparaaigrejadesuaesposaesentiu-segratode
nã oterdeconversarcomningué m.Comoeleesperava,haviaumanovamensagemgravadana
secretá ria eletrô nica da igreja, transmitida por uma voz de homem que soava um tanto
emotivaepausada.
"Você ligouparaaIgrejaNovaEsperança.Estamosplanejandoumestudobı́blicosemanal,
mas por enquanto vamos nos reunir apenas aos domingos, à s dez horas da manhã . Todo o
conselho da igreja, menos eu, e a maioria de nossos congregados foram levados. Eu e os que
icaram estamos cuidando do templo e distribuindo um teipe que nosso pastor titular deixou
preparadoparaestaocasiã o.Você podeviraoescritó riodaigrejaaqualquerhoraparaapanhar
umacópiagrátisdoteipe,econtamoscomsuapresençanocultomatinaldedomingo."
Bem,certamente,pensouRayford,essepastorfalavafreqüentementedoArrebatamentoda
igreja.Eraestaarazã oporqueIrenesesentiatã ofascinadacomisso.Queidé iacriativa,ade
gravarumamensagemparaaquelesqueforamdeixadosparatrá s!EleeChloeteriamdebuscar
uma có pia no dia seguinte. Seria muito bom se ela estivesse tã o interessada como ele em
descobriraverdade.
Rayfordespiouatravé sdavidraçaanoiteescura,exatamentenomomentoemqueChloe,
comumagrandemalaaolado,pagavaomotorista.Elesaiucorrendodecasa,ospé scalçados
somentecommeias,eabraçou-acomforça.
— Oh! papai! — ela exclamou chorando. — Como estã o todos? Ele sacudiu a cabeça, o
rostoespelhandodesalento.
— Nã o quero ouvir — disse ela, largando-o e olhando para a casa, como se estivesse
esperandoquesuamãeouseuirmãoaparecessenaporta.
—Sobramossó nó sdois,Chloe—disseRayford,abraçandoa ilhaechorandocomelana
escuridão.
Buck Williams só conseguiu uma informaçã o a respeito de Dirk Burton na sexta-feira por
meiodosupervisordaáreaemqueDirkatuavanaBolsadeLondres.
— O senhor deve me dizer precisamente quem é e qual é o seu grau de relacionamento
comoSr.Burtonantesqueeupossafornecer-lhealgumainformaçã o—disseNigelLeonard.—
Soutambémobrigadoainformar-lhequeestaconversaserágravadaapartirdestemomento.
—Comoassim?
—Estougravandonossaconversa.Seosenhornãoconcordar,desligue.
—Nãoestoupescandonada.
—0queosenhor quer dizer com "pescando"? Osenhorsabe o que é um gravador, nã o
sabe?
—Claro,tambémestouusandoomeu,seosenhornãoseimportar.
—Bem,eumeimporto,Sr.Williams.Porqueraiososenhorestágravando?
—Eporqueosenhorestá?
— Estamos diante de uma situaçã o complicada, e precisamos investigar todos os
contatos.
—Quesituação?Dirktambémdesapareceu?
—Nãofoibemassim,suponho.
—Entãomeconteoquehouve.
— Conte o senhor primeiro o motivo de seu telefonema. — Sou um velho amigo dele.
Fomoscolegasdeclassenafaculdade.
—Onde?
—Princeton.
—Muitobem.Quando?Bucklhecontou.
—Muitobem.Aúltimavezquefaloucomele?
—Nãomelembro.Trocamosmensagenspelovoicemail.
—Suaatividade?Buckhesitou.
—Articulistasênior,SemanárioGlobal,NovaYork.
—Seuinteresseédenaturezajornalística?
—Nã ovouesconder-lheisto—disseBuck,tentandoevitarquesuaraivaextravasasse-,
mas nã o posso imaginar que meu amigo, importante como é para mim, seja de interesse para
meusleitores.
— Sr. Williams — disse Nigel cautelosamente -, apesar de nossos gravadores estarem
ligados,permita-mea irmarcategoricamentequeoquevoudizeré estritamentecon idenciale
nãodevesergravado.Estámeentendendo?
—Eu...
— Porque estou ciente de que, tanto em seu paı́s como na Comunidade Britâ nica,
qualquercoisaquesediga,depoisdaafirmaçãodequesetratadeassuntoconfidencial,nãopode
sergravadaedeveserprotegida.
—Concordo—disseBuck.
—Perdão,oquedisse?
— O senhor me ouviu. Concordo. A conversa nã o está sendo gravada. Agora, onde está
Dirk?
—OcorpodoSr.Burtonfoiencontradoemseuapartamentoestamanhã .Eletinhauma
perfuraçã o de bala na cabeça. Sinto muito, já que o senhor era um amigo dele, mas foi
confirmado.
OSuicídio.
Buckquaseperdeuafala.
—Porquem?—indagou.
—Pelasautoridades.
—Queautoridades?
— Scotland Yard e o pessoal de segurança da Bolsa. ScotlandYardl, pensou Buck.Vamos
descobririsso.
—PorqueaBolsaestáenvolvida?
—Costumamosprotegernossasinformaçõesenossopessoal,senhor.
—Suicídioéimpossível,osenhorsabe—retrucouBuck.
—Eusei?
—Seosenhoréosupervisordele,sabe.
—Houveumnúmeromuitograndedesuicídiosaquidesdeosdesaparecimentos,senhor.
BuckbalançouacabeçacomoseNigelpudessevê-lodooutroladodoAtlântico.
—Dirknãosematou,eosenhorsabedisso.
—Entendoseussentimentos,masnã oseimaisdoqueosenhoroquesepassavanamente
do Sr. Burton. Eu gostava dele, mas nã o estou em condiçõ es de questionar a conclusã o da
períciamédica.
Buck bateu o telefone e se dirigiu ao escritó rio de Steve Plank. Ele contou a seu chefe o
queacabavadeouvir.
—Quecoisaterrível—disseSteve.
—TenhoumcontatonaScotlandYardqueconheceDirk,masnã omeatrevoafalarcom
ele sobre este assunto por telefone. Marge pode me fazer uma reserva no pró ximo vô o para
Londres?Estareidevoltaemtempoparaessasconferências,mastenhodeir.
—Sehouvervô osparalá .Nã oestoucertodequeoaeroportoKennedyjá tenhavoltadoa
funcionar.
—EquantoaoaeroportoLaGuardiã?
—PergunteaMarge.VocêsabequeCarpathiaestaráaquiamanhã.
— Você mesmo disse que ele era peixe miú do. Talvez ele ainda esteja aqui quando eu
voltar.
Em razã o do sofrimento da ilha, Rayford Steele nã o foi capaz de convencê -la a sair de
casaparaespairecerumpouco.Chloepassarahorasnoquartodeseuirmã oe,depois,noquarto
do casal, escolhendo algumas lembranças pessoais para acrescentar à s que seu pai tinha
colocadonascaixas.Rayfordestavasofrendoporela.Intimamente,elehaviaesperadoqueelao
consolasse.Talvezmaistarde.Porora,elaprecisavadetempoparaassimilarasperdasdamã e
edoirmã o.Assimqueextravasouseusofrimento,Chloejá estavaprontaparaconversar.Depois
derecordarfatosrelacionadosà famı́liaqueprovocarammaisangú stiaaindanocoraçã osofrido
deRayford,elafinalmentemudouoassuntoparaofenômenodosdesaparecimentos.
—Papai,naCalifórniaelesestãoadmitindoateoriadeinvasãovindadoespaço.
—Vocêestábrincando.
— Nã o. Talvez seja porque você sempre foi tã o prá tico e descrente a respeito de tudo o
que os tabló ides publicam, mas simplesmente nã o posso atinar com o que aconteceu. Quero
dizer,devetersidoalgumacoisasobrenaturaloudooutromundo,mas...
—Masoquê?
— Parece que, se a força de uma vida do alé m fosse capaz de fazer isto, també m seria
capaz de se comunicar conosco. Será que eles queriam tomar conta deste mundo ou exigir
algumresgateouquefizéssemosalgumacoisaparaeles?
—Quem?Osmarcianos?
—Papai!Nã oestoudizendoqueacreditonisso.Estoudizendoquenã oacredito.Masvocê
nãoachaquemeuraciocíniofazsentido?
— Você nã o tem de me convencer. Admito que nã o teria sonhado que nenhuma dessas
coisasfossepossívelháapenasumasemana,masminhalógicajáfoilongedemais.
Rayford esperava que Chloe perguntasse sua teoria. Ele nã o queria começar justamente
pelotemareligioso.Elafoisempreavessaaesterespeito,tendodeixadodeirà igrejaduranteo
cursosecundá rio.Naquelaocasiã o,eleeIrenedesistiramdeinsistircomela.Chloeeraumaboa
ilha, jamais se envolveu em problemas. Conseguiu notas boas o su iciente para ganhar uma
bolsadeestudosparcial.Emboraocasionalmente icasseforaaté tardedanoitee izesseparte
daquele perı́odo louco da juventude do secundá rio, os pais nunca precisaram pagar uma iança
para tirá -la da prisã o, e nã o havia a mı́nima evidê ncia de uso de droga. Ela nã o se deixava
envolverlevianamenteporessascoisas.
Rayford e Irene sabiam que Chloe havia chegado a casa vá rias vezes embriagada apó s
uma festa, a ponto de passar a noite vomitando. Na primeira vez, ele e Irene preferiram nã o
intervir, agindo como se nada tivesse acontecido. Acreditavam que ela era su icientemente
ajuizadaparasabermelhorquaisseriamosresultadosnumapró ximavez.Quandoaconteceude
novo,Rayfordteveumasériaconversacomela.
—Eusei,eusei,eusei,estábem,papai?Vocênãoprecisacomeçarapegarnomeupé.
— Nã o estou começando a pegar no seu pé . Quero apenas tornar claro que você deve
saberquenãopodedirigirsebeberalémdaconta.
—Éevidentequesei.
—Evocêsabequãonocivoeperigosoébeberemdemasia.
—Penseiquevocênãoestivessepegandonomeupé.
—Apenasmedigaquevocêsabeoqueestáfazendo.
—Achoquejádisse.
Elehaviabalançadoacabeçasemquererdizermaisnada.
—Papai,podecontinuar.Faledosdoisbarrisquebebi.
—Nã obrinquecomigo—disseRayford.—Algumdiavocê vaiterum ilhoenã osaberá o
quedizeraele.Quandovocêamaalguémdetodoocoraçãoesepreocupacomseubem-estar...
Rayford nã o conseguira prosseguir. Pela primeira vez, em sua vida adulta, fora dominado
pela emoçã o. Isso nunca acontecera em suas brigas com Irene. Ele tinha sido sempre muito
defensivo, muito preocupado em compreender as razõ es dela, evitando um impasse ou
desenlace. Mas, no caso de Chloe, ele queria realmente dizer a coisa certa, queria protegê -la.
Desejaraqueelasoubessequeeleaamava,masestavaparecendoocontrá rio.Eracomoseele
estivesse punindo, fazendo sermã o, repreendendo. Foi isso que o levara a interromper a
discussão.
Embora ele nã o tivesse planejado, aquela involuntá ria demonstraçã o emotiva afetara
Chloe. Durante meses, ela permanecera arredia em relaçã o aos pais. Tornara-se malhumorada,fria,independente,sarcá stica,desa iadora.Elesabiaqueissotudofaziapartedoseu
desenvolvimentonosentidodetornar-seadulta,masaquelafoiumafasedolorosaeassustadora.
Enquanto ele mordia os lá bios e respirava profundamente, esperando recompor-se e nã o
icar embaraçado, Chloe aproximara-se dele e o abraçara envolvendo-o com os braços
entrelaçadosemseupescoço,exatamentecomofaziaquandogarotinha.
—Oh!papai,nã ochore—disseraela.—Seiquevocê meama.Seiquevocê seimporta
comigo.Nãosepreocupe.Aprendialiçãoenãovouserestúpidaoutravez,prometo.
Ele se desmanchara em lá grimas, e ela també m. Dali em diante, tornaram-se muito
unidos. Rayford nã o se recordava de ter voltado a discipliná -la e, embora ela nã o tivesse
retornado à igreja, ele tinha começado a se afastar també m. Tornaram-se unha e carne, e ela
cresceuesedesenvolveucadavezmaisparecidacomele.Irenebrincavadizendoquecadaum
dosfilhostinhaseuprogenitorfavorito.
Agora, apenas poucos dias depois do desaparecimento de Irene e Raymie, Rayford
esperava que o relacionamento que começara em um momento de emoçã o, quando Chloe
estava na escola secundá ria, re lorescesse para que pudessem conversar. O que era mais
importante do que aquilo que tinha acontecido? Ele já sabia em que os amigos amalucados da
faculdade e os californianos acreditavam. O que havia de novidade? Ele sempre disse,
generalizando, que as pessoas da Costa Oeste atribuı́am aos tabló ides o mesmo peso que os
habitantesdoMeio-OestedavamaoChicagoTribuneoumesmoaoNewYorkTimes.
Já no inaldodia,sexta-feira,RayfordeChloeconcordaram,emboracomrelutâ ncia,que
deviamcomer.Ambostrabalharamnacozinha,preparandorapidamentearefeiçã ocomoque
encontraram, o que resultou numa saudá vel mistura de frutas e vegetais. Havia algo ameno e
bené ico no trabalho que faziam em silê ncio. Era pungente, por outro lado, porque qualquer
atividade domé stica fazia Rayford lembrar-se de Irene. E, quando se sentaram para comer,
ocuparam automaticamente os mesmos lugares na mesa aos quais tinham se habituado — o
quetornavaosoutrosdoislugaresvaziosaindamaisevidentes.
RayfordnotouqueorostodeChloecomeçouaanuviar-se
denovoesabiaqueelaestavasentindoomesmoqueele.Passaram-semuitosanosdesde
quefaziamtrê souquatrorefeiçõ esporsemanajuntos,comofamı́lia.Irenesentava-sesempreà
sua esquerda, Raymie, à sua direita, e Chloe, na frente dele. O vazio e o silê ncio eram
dissonantes.
Rayford estava faminto e logo devorou uma enorme salada. Chloe parou de comer logo
depoisdetercomeçadoechorousilenciosamente,acabeçainclinada,lá grimascaindoemseu
colo. O pai tomou sua mã o, e ela se levantou sentando-se em seu joelho, escondendo o rosto e
soluçando.Comocoraçã odespedaçadoaovê -laassim,Rayfordpô s-seaacalentá -laaté queela
silenciou.
—Ondeestãoeles?—perguntouChloesoluçando.
— Você quer saber onde eu penso que estã o? — perguntou ele. — Você quer mesmo
saber?
—Claroquesim.
—Creioqueestãonocéu.
— Oh! papai! Havia alguns caras religiosos na escola que viviam dizendo isso, mas, se
sabiamtantosobrereligião,porqueficaram?
— Talvez eles tenham concluı́do que nã o foram bons o su iciente e perderam sua
oportunidade.
—Vocêachaqueéoquefizemos?—perguntouChloe,voltandoàsuacadeira.
— Acho que sim. Sua mã e nã o lhe disse que acreditava na volta de Jesus algum dia para
levarseusseguidoresdiretamenteparaocéuantesdemorrerem?
— Certo, mas ela foi sempre mais religiosa do que nó s. Eu achava que ela estava
simplesmentesendoarrebatada.
—Boaescolhadepalavras.
—Oquê?
—Elafoiarrebatada,Chloe.Raymietambém.
—Vocêrealmenteacreditanisso?
—Acredito.
—Issoétãoestúpidoquantoateoriadainvasãodosmarcianos.
Rayfordficounadefensiva.
—Entãoqualésuateoria?
Chloecomeçouatirarospratosdamesaefaloudecostasparaele.
—Soubastantehonestaparaadmitirquenãosei.
—Entãonãoestousendohonesto?
Chloevoltou-separaele,olhando-ocomsimpatia.
—Você nã ovê ,papai?Você está gravitandoemtornodapossibilidademenosdolorosa.Se
houvesse uma votaçã o, eu diria que minha mã e e meu irmã ozinho estã o no cé u com Deus,
sentadosnasnuvens,dedilhandosuasharpas.
—Entãoestouenganandoamimmesmo,éoquevocêestádizendo?
—Papai,nãoestouculpando-o.Mastemdeadmitirqueistoémuitoartificial.
AgoraRayfordenfureceu-se.
—Oqueémaisartificialdoquepessoasdesapareceremsaindodesuasroupas?Quemmais
poderia ter feito isso? Há alguns anos, acusamos os sovié ticos, dizendo que eles tinham
desenvolvido alguma tecnologia supermoderna, algum raio da morte que afetava somente a
carneeosossoshumanos.Poré mnã ohá maisameaçasovié tica,eosrussosperderampessoas
também.Ecomoeste...estesejaláoquefor...escolheuquemlevarequemdeixar?
—Você está dizendoqueaú nicaexplicaçã oló gicaé Deus,queElelevouoqueeradelee
nosdeixouparatrás?
—Éoqueestoudizendo.
—Eunãoqueroouvirisso.
—Chloe,nossafamı́liaé umaperfeitaimagemdoqueaconteceu.Seoqueestoudizendo
estivercorreto,asduaspessoaslógicasseforameasduaspessoaslógicasforamdeixadas.
—Vocêachaquesouumagrandepecadora?
— Chloe, ouça. Se você é , eu nã o sei, mas eu sou pecador. Nã o estou julgando você . Se
estou certo sobre isso, perdemos alguma coisa. Eu sempre me considerei cristã o,
principalmenteportersidocriadonumlarcristãoenãoserjudeu.
—Agoravocênãoseconsideramaiscristão?
—Chloe,pensoqueoscristãosseforam.
—Entãoeutambémnãosoucristã?
—Você é minha ilhaeoú nicomembrodeminhafamı́liaqueaindaestá aqui;amovocê
mais do que qualquer coisa na terra. Mas, se os cristã os se foram e todos os demais icaram,
achoquenãoexistemaisnenhumcristão.
—Nãoexistemaisnenhumsupercristão,vocêquerdizer.
—Sim,umverdadeirocristã o.Aparentemente,aquelesqueforamreconhecidosporDeus
comoverdadeiramenteseus.Dequemmaispossoestarfalando?
—Papai,oqueissoprovaqueméDeus?Algumditadordoentio,sádico?
—Cuidado,doçura.Vocêachaqueestouerrado,mas,eseeuestivercerto?
— Entã o Deus é rancoroso, abominá vel, mesquinho. Quem deseja ir para o cé u com um
Deuscomoesse?
—SeéláquesuamãeeRaymieestão,éláqueeuqueroestar.
—Eutambémqueroestarcomeles,papai!Masdiga-mecomoistoseharmonizacomum
Deusamorosoemisericordioso.Quandofreqü enteiaigreja, iqueicansadadeouvircomoDeusé
amoroso. Ele nunca respondeu à sminhas oraçõ es e nunca senti que Ele me conhecia ou se
preocupava comigo. Agora você diz que é isso mesmo. Ele nã o se preocupava comigo. Nã o fui
qualificada,porissofuideixadaparatrás?Seriamelhorquevocênãoestivessecerto.
—Mas,senãoestivercerto,quemestá,Chloe?Ondeestãoeles?Ondeestátodomundo?
— Está vendo? Você se interessou por essa coisa de cé u porque isso faz você sentir-se
melhor.Masmefazsentirpior.Nãoacredito.Nãoqueronemmesmoconsideraressaidéia.
Rayforddesistiudoassuntoefoivertelevisã o.Aprogramaçã oregulartinhavoltado,mas
as notı́c ias prosseguiam. Ele icou intrigado com o nome incomum do novo presidente da
Romê nia,sobreoqualtinhalidorecentemente.Carpathia.EledeveriachegaraoaeroportoLa
Guardiã , em Nova York, no sá bado e dar uma entrevista à imprensa no domingo de manhã ,
antesdefalarnaONU.
Portanto, La Guardiã estava aberto. Era para lá que Rayford devia pilotar um vô o lotado
noiníciodaquelanoite.EletelefonouparaaPan-ContinentalemO'Hare.
—Estoucontenteportertelefonado—disseumsupervisor.-Estavaparachamá -lo.Sua
avaliaçãoparao757estáatualizada?
—Nã o.Já piloteiessetipodeaeronavemuitasvezes,maspre iroo747,enã ofuiavaliado
esteanoparapilotaro757.
— Estamos somente operando com 757 neste im de semana para o leste. Vamos ter de
chamaroutropiloto.Evocêprecisaseravaliadologoparatermosflexibilidade.
—Vouprovidenciar.Qualéopróximovôoparamim?
—VocêquervoarparaAtlantanasegunda-feiraeretornarnomesmodia?
—Num...?
—747.
—Tudobem.Vocêsabesehálugarparaumpassageironessevôo?
—Paraquem?
—Ummembrodafamília.
—Deixe-mechecar.
Rayfordouviuoruídodotecladodocomputadoresomdevozesaofundo.
— Ah! enquanto eu estava checando, recebemos um pedido de uma integrante da
tripulaçã oparaserescaladaparaoseupró ximovô o.Elaestavaimaginandoqueestanoitevocê
fariaarotaLogan-Kennedyeretorno.
—Quem?HattieDurham?
—Deixe-mever.Certo.
—Então,elaestáescaladaparaBostoneNovaYork?
—Hã-hã.
— E eu nã o estou, portanto esta é uma questã o que pode ser discutida mais tarde,
entendido?
—Suponhoquesim.Vocêpoderiameadiantarsevaiconcordarounão?
—Comoassim?
— Ela vai perguntar novamente, suponho. Você tem alguma objeçã o caso ela seja
escaladaparaumdeseuspróximosvôos?
—Bem,dequalquerformanãoseráparameuvôoatéAtlanta,certo?
—Certo.
Rayfordsuspirou.
— Nenhuma objeçã o. Nã o, espere.Simplesmente deixe que aconteça, se é que vai
acontecer.
—Nãoestouentendendo,capitão.
— Estou apenas dizendo que, se ela for escalada normalmente, nã o tenho nenhuma
objeção.Masnãovamosfazerqualquerginásticaparaqueissoaconteça.
—Entendi.EseuvôoparaAtlantaparecequevailevarumpassageirográtis.Nome?
—ChloeSteele.
—Voutentarcolocá -lanaprimeiraclasse,mas,seestiverlotada,saibaqueelavaisentar
lánofundodoavião.
AssimqueRayforddesligouotelefone,Chloeapareceunasala.
—Nãovouvoarestanoite—disseele.
—Anotíciaéboaouruim?
—Estoualiviado.Queropassarmaistempocomvocê.
—Depoisdomodocomolhefalei?Imagineiquevocêquisessemeverpelascostas.
—Chloe,podemosfalarfrancamenteumcomooutro.Você é minhafamı́lia.Odeioaidé ia
deestarlongedevocê .Voufazerumvô odeidaevoltaparaAtlantanasegunda-feiraereservei
umlugarnaprimeiraclasse,sevocêquisermeacompanhar.
—Certamente.
—Eugostariaapenasquevocênãotivesseditoumacoisa.
—Qual?
— Que você nã o quer nem mesmo considerar minha teoria. Você sempre gostou das
minhas teorias. Nã o me importo se você disser que nã o a aceita. Nã o sei o su iciente para
articulá -la de uma forma que faça sentido. Mas sua mã e falou sobre isso. Uma vez ela até me
advertiu que, se eu nã o tivesse certeza de que iria para o cé u, quando Cristo retornasse para
buscarseupovo,eunãodeveriaserirreverenteaesterespeito.
—Evocêfoi?
—Certamentefui.Masnuncamaisserei.
— Bem, papai, nã o vou ser irreverente a este respeito. Simplesmente nã o posso aceitar.
Sóisso.
—Écompreensível.Masnãodigaquenãovainemmesmoconsiderarminhateoria.
—Bem,vocêconsiderouateoriadosinvasoresdoespaço?
—Narealidade,considerei.
—Vocêestábrincando.
—Considereitudo.Oqueaconteceuestavamuitoacimadaexperiê nciahumana;emque
poderíamospensar?
—Está bem,entã o,seeuvoltaratrá sedisserquevouconsiderarsuateoria,oqueissovai
signi icar?Vamosnostornarreligiososfaná ticosderepente,começarairà igreja,eoquemais?
Quemsabeseagorajánãoémuitotarde?
Sevocêestivercerto,talveztenhamosperdidonossachanceparasempre.
—Eoquetemosdeinvestigar,você nã oacha?Vamosexaminaroassunto,verseexiste
algumacoisarelacionadaaele.Sehouver,devemossaberseaindaexisteumaoportunidadede
umdiavoltarmosaestarcommamãeeRaymie.
Chloesentou-semeneandoacabeça.
—Ih!,papai.Nãoseinão.
—Ouça,telefoneiparaaigrejaquesuamãeestavafreqüentando.
—Oh!não.
Rayfordlhecontousobreagravaçãoeooferecimentodoteipe.
—Papai!Umteipeparaaquelesqueficaramparatrás?Porfavor!
— Isto lhe parece ridı́c ulo porque você está sendo cé tica. Nã o conheço outra explicaçã o
lógica,porissonãovejoahoradeouviroteipe.
—Vocêestádesesperado.
—Claroqueestou!Vocênãoestá?
—Estoua litaeassustada,masnã otã odesesperadaapontodeperderojuı́z o.Oh!papai,
sinto muito. Nã o olhe para mim assim. Nã o o estou censurando por investigar isso. Continue, e
nãosepreocupecomigo.
—Vocêirácomigo?
—Prefironãoir.Massevocêquiser...
—Vocêpodeesperarnocarro.
— A questã o nã o é essa. Nã o estou com medo de encontrar algué m com quem nã o
concordo.
— Vamos lá amanhã — disse Rayford, desapontado com a reaçã o de Chloe, mas
determinadoaprosseguir,porcausadelaedele.Seestivessecerto,nã odesistiriadeconvencer
aprópriafilha.
CAPÍTULO10
CAMERONWilliamsconvenceu-sedequenã odeveriatelefonarparaoamigocomumdele
e de Dirk Burton na Scotland Yard antes de deixar Nova York. Por causa da di iculdade de
comunicaçã oqueperduravahaviavá riosdias,eemvirtudedaestranhaconversaquetevecom
osupervisordeDirk,Bucknã oqueriacorreroriscodetersualigaçã ointerceptadaporalgué m.
TudooqueelequeriaerapreservaraintegridadedeseucontatocomaScotlandYard.
Munido de seus dois passaportes, o verdadeiro e o falso, e do visto de entrada — uma
precauçã o habitual de segurança -, Buck pegou um vô o para Londres, saindo de La Guardiã no
inaldanoitedesexta-feira,chegandoaHeathrownosá badopelamanhã .Instalou-senoHotel
Tavistockedormiuatéametadedatarde.Emseguida,sepôsabuscaraverdadesobreamorte
deDirk.
Sua primeira providê ncia foi telefonar para a Scotland Yard e perguntar por seu amigo
Alan Tompkins, um detetive de nı́vel mé dio. Eles tinham aproximadamente a mesma idade, e
Tompkins era um investigador alto, de cabelos escuros e aparê ncia meio desleixada que Buck
entrevistaraparaumareportagemsobreoterrorismobritânico.
Eles se deram bem e, certa noite, chegaram a passar algumas horas numa taverna com
Dirk. Os trê s se tornaram amigos. Toda vez que Buck visitava Londres, os trê s se reuniam.
Agora, por telefone, ele tentava comunicar-se com Tompkins de tal modo que o amigo
percebesseseuintuitodeimediato,semmencionarqueseconheciam—nocasodeotelefone
estargrampeado.
— Sr. Tompkins, o senhor nã o me conhece, sou Cameron Williams, do Semanário Global.
—AntesqueAlantivessetempoderiresaudarseuamigo,Buckcontinuouininterruptamente:
— Estou aqui em Londres para escrever um artigo preliminar para a conferê ncia monetá ria
internacionalnaONU.
Alanficourepentinamentesério.
—Comopossoajudá-lo,senhor?OqueissotemavercomaScotlandYard?
— Estou tendo di iculdade de localizar uma pessoa para uma entrevista e suspeito que
houvealgumproblemacomela.
—Comosechamaessapessoa?
—Burton.DirkBurton.EletrabalhanaBolsa.
— Vou veri icar e em seguida lhe telefonarei. Poucos minutos depois, o telefone de Buck
tocou.
— Tompkins da Yard. Gostaria que o senhor tivesse a gentileza de vir até aqui para
conversarmos.
Na manhã de sá bado em Monte Prospect, Illinois, Rayford telefonou novamente para a
IgrejaNovaEsperança.Destavez,umhomematendeu.Rayfordapresentou-secomomaridode
umaex-congregada.
—Conheçoosenhor—disseohomem.—Jánosencontramos.SouBruceBarnes,opastor
auxiliar.
—Oh!sim,comovai?
—Osenhordisseex-congregada?EntãoIrenenãoestámaisconosco?
—Exatamente,enossofilhotambém.
—RayJr.,nãoeraesseoseunome?
—Certo.
—Osenhortambémtemumafilhamaisvelha,quenãofreqüentaaigreja,nãotem?
—Chloe.
—Eela...
— Está aqui comigo. Eu queria saber como o senhor está coordenando tudo isso —
quantas pessoas desapareceram, se estã o se reunindo, esse tipo de coisa. Sei que o senhor tem
umcultoaosdomingosequeestáoferecendoumteipe.
—Bem,osenhorentã ojá sabetudooqueaconteceu,Sr.Steele.Quasetodososmembros
efreqüentadoreshabituaisdestaigrejaseforam.Souaúnicapessoaquerestoudoconselho.Pedi
aalgumassenhorasqueajudassemnoescritó riodaigreja.Nã otenhonenhumaidé iadequantos
aparecerãonodomingo,masseráumprivilégiorevê-lo.
—Estoumuitointeressadonesseteipe.
—Ficareifelizemoferecer-lheum.Vamosfalarsobreistonamanhãdedomingo.
—Nãoseicomoperguntar-lhe,Sr.Barnes.
—Bruce.
—Bruce.Vocêvaiensinar,pregar,ouoquê?
— Discutir. Vamos rodar a gravaçã o para aqueles que não a ouviram e depois
discutiremosoassunto.
—Masosenhor...Querodizer,comovocêpodeexplicarofatodeaindaestaraqui?
— Sr. Steele, há somente uma explicaçã o para isso, e eu pre iro conversar com o senhor
pessoalmente.Seosenhormedisserquandovirápegaroteipe,estareiaquiaguardando.
Rayforddisse-lhequeirianaquelatarde.TalvezChloeoacompanhasse.
Alan Tompkins estava aguardando logo na entrada do pré dio da Scotland Yard. Quando
Buck chegou, Alan apertou sua mã o formalmente e levou-o a um pequeno calhambeque, que
dirigiuvelozmenteatéumatavernaescuraaalgunsquilômetrosdedistância.
— Nã o vamos falar até chegarmos lá — disse Alan, sempre olhando a retaguarda pelos
espelhosretrovisores.—Precisomeconcentrar.
Bucknuncaviraseuamigotãoagitadoe,atémesmo,assustado.
Foi servido a cada um meio litro de cerveja preta num canto escondido da taverna, mas
Alan nem tocou na caneca. Buck, que nã o comera nada desde a chegada, trocou sua caneca
vaziapelacheiadeAlanebebeutodooconteú dodeumasó vez.Quandoagarçoneteapareceu
para pegar as canecas, Buck pediu um sanduı́c he. Alan recusou, e Buck, conhecendo seus
limites,pediuumasoda.
—Seiqueistovaisercomojogargasolinanumachama-começouAlan-,masprecisolhe
dizerqueesteéumnegóciosórdidoequevocêdeveficaromaislongedelequepuder.
— A verdade é que você está soprando minha chama — disse Buck. — O que está
acontecendo?
—Bem,dizemquefoisuicídio,mas...
—Masnósdoissabemosqueéumabsurdo.Qualéaevidência?Vocêestevenolocal?
—Estive.Tironatêmpora,revólveremsuamão.Nenhumbilhete.
—Estavafaltandoalgumacoisa?
—Achoquenão,mas,Cameron,vocêsabeoqueissoquerdizer.
—Eunão!
— Vamos, vamos, homem. Dirk era um conspirador teó rico, sempre farejando em torno
do envolvimento de Todd-Cothran com homens internacionais do dinheiro, de seu papel na
conferênciadastrêsmoedasedeseurelacionamentocomStonagal.
— Alan, há livros sobre esse negó c io. Pelo amor de Deus! As pessoas fazem disso um
passatempo, atribuindo toda forma de maquinaçã o à Comissã o Trilateral, aos iluminados, até
mesmoaosmaçons.DirkpensavaqueTodd-CothraneStonagalfaziampartedeumgrupoque
elechamavadeConselhodosDezouConselhodosSábios.Edaí?Istoéinofensivo.
— Mas quando algué m tem um subordinado, reconhecidamente vá rios nı́veis abaixo do
dirigente da Bolsa, tentando ligar seu chefe a teorias conspiradoras, esse algué m tem um
problema.
Bucksuspirou.
—Eledevereceberumarepreensã o,talvezserdemitido.Masmeexpliqueporqueelefoi
mortooucometeusuicídio.
—Voudizer-lheumacoisa,Cameron—continuouAlan.—Seiqueelefoiassassinado.
—Sim,estoubastanteconvencidodequefoi,porqueachoque,seelefosseumsuicida,eu
teriaumindício.
— Estã o tentando atribuir o suicı́dio ao remorso que ele devia estar sentindo por ter
perdido parentes no grande fenô m eno dos desaparecimentos, mas isso nã o convence ningué m.
Queeusaiba,elenãoperdeunenhumapessoaíntima.
—Masvocêsabequeelefoiassassinado?Palavrasmuitofortesparauminvestigador.
—Seiporqueoconhecia,nãoporquesouinvestigador.
—Issonã oajuda—disseBuck.—Eutambé mpossodizerqueoconheciaequeelenã o
seriacapazdecometersuicídio,masestousendoparcialnessahistória.
—Cameron,istoseriamuitomaissimplesseDirknã ofossenossoamigo.Porquemotivos
nóssemprecaçoávamosdele?
—Pormuitosmotivos.Porquê?
—Nósocriticávamosporeleserumdesajeitado.
—Sim.Edaí?
—Seeleestivesseconosconestemomento,ondeestariasentado?
Derepente,BuckcomeçouacompreenderaondeAlanestavaquerendochegar.
—Eleestariasentadoàesquerdadeumdenós,eeradesajeitadoporsercanhoto.
—Otirofoinatêmporadireita,easupostaarmadosuicidaestavanamãodireita.
— E qual foi a reaçã o dos chefes quando você lhes disse que ele era canhoto e, portanto,
deviatersidoassassinado?
—Vocêéaprimeirapessoaaquemfaleisobreisso.
—Alan!Oquevocêestádizendo?
—Estoudizendoqueamominhafamı́lia.Meuspaisaindaestã ovivosetenhoumirmã oe
umairmã maisvelhos.Tenhotambé mumaex-esposadequemaindagostomuito.Eunã ome
importariadeacabarcomavidadela,masnãodesejariaquealguémamaltratasse.
—Doquevocêtemmedo?
—TenhomedodequalquerumqueestejaportrásdamortedeDirk,naturalmente.
Mas você tem toda a Scotland Yard em sua retaguarda, homem! Você se considera um
funcionárioqueaplicaaleievaideixaristoescapar?
—Sim,evocêtambémvaifazeromesmo!
—Eunão.Nãoconseguiriaviverempazcomigomesmo.
—Sevocêtomaralgumaatitude,vaimorrer.
Buckacenouparaagarçoneteepediubatatapalha.Elatrouxeumaporçã ogenerosa,frita
combastanteó leo.Eraexatamenteoqueelequeria.Acervejajá começaraafazerefeito,eo
sanduı́c he tinha sido insu iciente para equilibrar. Ele sentia a cabeça zonza e achava que seu
estômagoficariasatisfeitoporumbomtempo.
—Estouescutando—sussurrouele.—Oquevocê está tentandomedizer?Quemoestá
ameaçando?
—Sevocêacreditaemmim,nãovaigostar.
—Naotenhomotivoparanãoacreditaremvocêenãoestougostandodisso.Desembuche.
—AmortedeDirkfoicaracterizadao icialmentecomosuicı́dio,eponto inal.Olocalfoi
limpo, o corpo, cremado. Pedi uma autó psia, e eles nem quiseram me ouvir. Meu o icial
superior, Capitã o Sullivan, perguntou-me o que uma autó psia revelaria. Falei-lhe das
escoriaçõ es, arranhõ es, sinais de luta. Ele me perguntou se eu achava que fazia sentido um
sujeitolutarconsigomesmoantesdesematar.Guardeicomigominhasconclusões.
—Porquê?
—Farejeialgumacoisa.
— Que tal eu publicar numa revista internacional uma reportagem apontando essas
discrepâncias?Algumacoisateriadeacontecer.
— Fui instruı́do a dizer-lhe que volte para casa e esqueça que ouviu qualquer coisa sobre
estesuicídio.
Buckfranziuatestaesemicerrouosolhosdemonstrandodescrença.
—Ninguémsabiaqueeuviriaparacá.
— Talvez seja verdade, mas algué m admitiu que você poderia aparecer. Eu nã o me
surpreendicomsuavinda.
—Porquevocê deveria?Meuamigoestá morto,pretensamenteporsuapró priamã o.Eu
nãoignorariaisso.
—Vocêvaiignorardaquiemdiante.
—Vocêachaquevoumeacovardarsóporquevocêseacovardou?
—Cameron,vocêmeconhecebem.
— Eu me pergunto se o conheço realmente! Pensei que tivé ssemos o mesmo modo de
pensar. Fomos paladinos da justiça, Alan. Defensores da verdade. Sou jornalista, você é
investigador. Somos cé ticos por natureza. Como podemos fugir da verdade, especialmente
quandosetratadenossoamigo?
—Vocêmeouviu?Fuialertadoparadenunciá-lo,seequandovocêaparecesse.
—EntãoporquevocêpermitiuqueeuviesseatéaYard?
—Euestariaemdificuldadeseotivesseavisadoantes.
—Comquem?
— Pensei que você nunca perguntaria. Fui visitado por um capanga, conforme você s
costumamdizernosEstadosUnidos.
—Umpistoleiro?
—Precisamente.
—Eleoameaçou?
—Sim.Eledisseque,seeunã oquisessequeacontecessecomigooucomminhafamı́liao
mesmo que aconteceu com meu amigo, teria de fazer o que ele dissesse. Acredito que seja o
mesmocaraquematouDirk.
—Foiele,provavelmente.Entãoporquevocênãodenunciouaameaça?
— Eu ia fazer isso. Comecei tentando resolver tudo sozinho. Disse a ele que nã o se
preocupasse comigo. No dia seguinte, fui à Bolsa e solicitei uma entrevista com o Sr. ToddCothran.
—Ochefão?
—Emcarneeosso.Nã otinhaumaentrevistaagendada,naturalmente,masinsistiquese
tratava de um assunto da Scotland Yard, e ele consentiu em receber-me. Seu escritó rio é
intimidador. Mó veis de mogno e cortinas verde-musgo. Bem, fui direto ao assunto. Disse-lhe:
"Senhor,creioqueumdeseusfuncioná riosfoiassassinado."E,comavozmaiscalmadomundo,
ele disse: "Preste atençã o, governador" — um termo que os moradores do extremo leste de
Londres usam entre si, mas que nã o é usado por algué m da posiçã o dele em relaçã o a pessoas
com eu -, "na pró xima vez que algué m o visitar em seu apartamento à s dez horas da noite,
comofezumcertocavalheironanoitepassada,cumprimente-opormim,entendeu?"
—Oquevocêdisse?
—Oquepodiaeudizer?Perdiavoz,tã oestupefato iquei!Apenasolheiparaelee izum
gestoa irmativocomacabeça."Edeixe-medizerumacoisamais",continuouele,"digaaseu
amigoWilliamspara icarforadisso."Perguntei:"Williams?",comosenã osoubessedequemele
estava falando. Ele nã o deu atençã o ao que eu disse, certamente por saber que eu conhecia
você.
—AlguémescutouovoicemaildeDirk.
—Semdú vida.Eeledisseainda:"Seaquelesujeitoprecisarserconvencido,diga-lheque
gostodeseupaiedeJefftantoquantoele."Jefféseuirmão?
Buckafirmoucomacabeça.
—Eentãovocêdesmoronou?
—Oquepoderiafazer?Tenteibancaroheróidestemidoedisse-lhe:"Possoestargravando
nossa conversa." Frio como, só ele pode ser, disse-me: "Os detectores de metais já o teriam
apanhado.""Possoterumaboamemóriae,então,desmascará-lo",disse-lheeu.Eleretrucou:"O
risco é seu, governador. Quem vai acreditar em você , e nã o em mim? Nem mesmo Marianne
acreditariaemvocê—elapoderánãoestaremcondiçõesdecompreender."
—Marianne?
— Minha irmã . Mas ainda nã o cheguei nem à metade da histó ria. Como se precisasse
provarseupoder,elechamoumeucapitã opelotelefoneviva-vozelheperguntou:"Sullivan,se
um de seus homens viesse ao meu escritó rio e me aborrecesse por qualquer coisa, o que eu
deveriafazer?"
E Sullivan, um de meus ı́dolos, respondeu, parecendo um bebezinho: "Sr. Todd-Cothran,
faça o que deve ser feito." Todd-Cothran insistiu: "E se eu o matasse onde ele está sentado?"
Sullivanrespondeu:"Senhor,estoucertodequeseriaumhomicídiojustificável."Agorapenseum
pouco. Em uma conversa telefô nica com algué m da Scotland Yard, onde todas as ligaçõ es
recebidassãogravadas,esabendodissomuitobem,Todd-Cothrandisseoseguinte:"Mesmoseo
nome dele fosse Alan Tompkins?" Ele disse exatamente isto, tã o claro como o sol. E Sullivan
respondeu:"Euiriaaíetratariaderetirarocorpo."Entendiorecado.
—Emresumo,vocênãotemaquemrecorrer.
—Ninguémqueeupossalembrar.—Eeutenhodevirarascostasefugirdaqui.
Alanconcordoucomacabeça.
—TenhodeinformaraTodd-Cothranquetransmitiorecado.Eleesperaquevocê retorne
noprimeirovôo.
—Eseeunãoquiser?
— Nã o há nenhuma garantia, mas eu nã o tentaria icar aqui. Buck afastou os pratos de
ladoeempurrouacadeiraparatrás.
—Alan,você nã omeconhecebem,mas iquesabendoquenã osoudotipoqueouveessas
coisassemsairdolugar.
—Eistoquemepreocupa.Eutambé mnã osou,masaquempossorecorrer?Oquefazer?
Talvezvocê imaginequeexistaalgué mcon iá vel,masoqueessapessoapoderiafazer?Seisto
provar que Dirk estava certo, que ele chegou muito pró ximo de alguma coisa clandestina em
que Todd-Cothran estava metido, onde essa histó ria vai parar? Stonagal també m teve
participaçã o?Equantoaosoutrosdogrupointernacionalde inancistasqueseencontramcom
eles? Você considerou que eles podem ter o mundo inteiro nas mã os? Eu cresci lendo histó rias
sobre os ma iosos de Chicago, que tinham nas mã os policiais, juizes e até mesmo polı́t icos.
Ninguémpodiatocarneles.
Buckassentiu.
—Ninguémpodiatocá-los,excetoaquelesquenãopodiamsercomprados.
—OsIntocáveis?
—Eleseramosmeusheróis—disseBuck.
—Emeustambé m—acrescentouAlan.—Foiporissoquemetorneiinvestigador.Mas
seaYardésuja,aquemdevomedirigir?
Buckdescansouoqueixonamão.
—Vocêachaqueestásendovigiado?Seguido?
—Estouprocurandosaber.Atéagora,não.
—Alguémsabequeestamosaqui?
— Observei o tempo todo e nã o vi ningué m nos seguindo Em minha opiniã o pro issional,
estamosaquidespercebidosquevocêpretendefazer,Cameron?
— Aparentemente, há pouca coisa a se fazer aqui. Talvez retorne a meu paı́s com um
nome diferente. Quem estivei preocupado comigo vai pensar que estou teimando em
permaneceraqui.
—Qualavantagemdisso?
—Possoestaratemorizado,Alan,masvejoascoisasporoutroâ ngulo.E,deumaforma
ou de outra, vou encontrara pessoa certa para ajudar. Nã o conheço seu paı́s o su iciente para
saberemquemconfiar.Evidentemente,confioemvocêmasvocêestáincapacitado.
—Vocêestámechamandodefraco,Cameron?Existealgumasaídaparamim?
Bucksacudiuacabeça.
—Sintoporvocê—disseele.—Nãoseioquefariaemseulugar.
A garçonete estava passando de mesa em mesa, perguntando alguma coisa aos clientes.
Quandoelaseaproximoudeles,BuckeAlanfizeramsilêncioparaouvir.
— Algué m tem um carro sedã verde-claro? Uma pessoa avisou que a luz interna está
acesa.
—Éomeu—disseAlan.—Nãomelembrodeteracendidoaluzinterna.
—Nemeu—disseBuck-,masparecequealuzestavaapagadaquandochegamosaqui.
Talvezeuestejaenganado
— Vou ver. Provavelmente, nã o houve nenhum problema mas aquela velha bateria nã o
podeagüentarmuitotempo
—Cuidado—recomendouBuck.—Alguémpodetermexidonele.
—Éimprovável.Estacionamosbememfrente,vocêselembra?
Buck endireitou-se na cadeira e acompanhou Alan com os olhos enquanto o investigador
saı́a da taverna. Dali, dava para ver que a luz interna do carro estava acesa. Alan circundou o
carro,abriuaportadoladodomotoristadesligoualuz.Quandoretornouàmesa,disse:
—Estoucomeçandoacaducarcomminhaidade.Logovouesquecerosfaróisacesos.
Buck estava triste, pensando nos apuros de seu amigo. Que problema! Trabalhar em algo
que ambicionou a vida inteira para depois descobrir que seus superiores eram devedores e
submissosaumassassinointernacional.
—Voutelefonarparaoaeroportoeverseconsigoumvôoparaestanoite.
—Nãohánenhumvôoparasuaterraaestahoradanoite—informouAlan.
— Vou pegar um vô o até Frankfurt e saio de lá de manhã . Acho que nã o devo abusar de
minhasorteaqui.
—Háumtelefonejuntoàporta.Voupagaraconta.
— Faço questã o de pagar — disse Buck, passando uma nota de 50 marcos por cima da
mesa.
BuckligouparaHeathrowenquantoAlancontavaotrocoentreguepelagarçonete.Buck
conseguiu um lugar num vô o para Frankfurt dali a 45 minutos mais tarde, o que lhe permitia
pegarumvôonodomingodemanhãparaoaeroportoKennedy.
—Oh!Kennedyestáaberto?—perguntou.
— Abriu uma hora atrá s — disse uma voz feminina. — Vô os limitados, mas o da PanContinentalquesaidaAlemanhavaichegarládemanhã.Quantospassageiros?
—Um.
—Nome?
Buckvasculhousuacarteiraparalembraronomedeseupassaportebritânicofalso.
—Desculpe-me—disseelesimulandonãoterouvido,enquantoAlanseaproximava.
—Onome,senhor.
—Oh!perdão,Oreskovich,GeorgeOreskovich.
Alanavisouqueaguardarianocarro.Buckfezumsinalafirmativocomacabeça.
— Tudo certo, senhor — disse a atendente. — Seu nome está anotado para um vô o a
Frankfurtestanoite,continuandoamanhãatéKennedy,NovaYork.Maisalgumacoisa?
—Não,obrigado.
QuandoBuckpô sofonenogancho,aportadatavernaabriu-seviolentamenteparadentro
do recinto e um clarã o ofuscante, seguido de um estrondo ensurdecedor, atirou os clientes ao
chã o, que gritavam assustados. Quando o barulho cessou, as pessoas se dirigiram
cautelosamente até a porta para ver o que tinha acontecido. Buck viu horrorizado a estrutura
retorcidaeospneusderretidosdocarrosedadeAlan,daScotlandYard.Osvidrosestouraram,e
os cacos se espalharam pela rua. A sirene de um carro já se fazia soar. Uma perna e parte do
torsoestavamsobreacalçada—oquesobroudeAlanTompkins.
Enquantoosfreguesessaı́amparaverosdestroçosemchamas,Buckfoiseacotovelando
paraabrircaminhoetiroudacarteiraseupassaporteeidentidadeverdadeiros.Aproveitando-se
da confusã o, ele colocou os documentos perto do que restara do Carro e esperou que eles nã o
fossem atingidos pelo fogo a ponto de icarem ilegı́veis. Quem quer que o desejasse morto,
poderia admitir sua morte. Em seguida, abriu caminho na multidã o e entrou na taverna vazia,
correndoemdireçã oaosfundos.Masnã oencontrounenhumaporta,somenteumajanela.Elea
levantou e saltou por ela, esgueirando-se junto à parede numa passagem de apenas 60
centı́m etros entre dois edifı́c ios. Raspando suas roupas em ambos os lados enquanto corria em
direçãoaumaruaparalela,passouporduasquadrasechamouumtáxi.
—HotelTavistock—disse.
Poucosminutosdepois,quandootá xiestavaatrê squadrasdohotel,Buckviuumpelotã o
policialecarrosemfrentedolocal,bloqueandootráfego.
—Leve-me,porfavor,diretamenteaHeathrow—pediueleaotaxista,lembrando-sede
que tinha deixado olaptop entre suas coisas, mas agora nã o havia escolha. Ele já havia
transferidoparaocomputadoramelhorpartedamaté ria,mascomosaberquemteriaacessoa
elaapartirdeagora?
—Osenhornãoprecisadenadadohotel?—perguntouomotorista.
—Não.Estavaapenasindoverumapessoa.
—Àsordens,senhor.
Heathrowtambémestavasendovasculhadopelas-autoridades.
—Você sabeondealgué mpoderiacomprarumquepecomooseu?—perguntouBuckao
taxista,enquantopagavaacorrida.
— Esta coisa velha? Posso ser convencido a me desfazer dele. Tenho outro exatamente
igual.Querlevarumalembrança,hein?
—Istoésuficiente?—perguntouBuck,enfiandoumaquantiarazoáveldedinheironamão
dele.
—Émaisdoquesuficiente,senhor,emuitoobrigadoporsuabondade.
OmotoristaremoveuoemblemaoficialdostaxistasdeLondreseentregou-lheoquepe.
Buck enterrou o quepe largo, estilo marinheiro, até as orelhas e correu para o terminal.
Pagou em dinheiro suas passagens em nome de George Oreskovich, um polonê s naturalizado
inglê s a caminho de fé rias nos Estados Unidos, via Frankfurt. Antes que as autoridades
descobrissemqueelehaviapartido,oaviãojáestavanoar.
CAPÍTULO11
RAYFORD estava contente de poder levar Chloe a um passeio de carro no sá bado, depois
de permanecerem con inados em casa remoendo suas angú stias. També m icou contente por
elaterconcordadoemacompanhá-loàigreja.
Chloe passara o dia inteiro sonolenta e calada. Havia mencionado a idé ia de deixar a
universidade por um semestre e assistir a algumas aulas numa faculdade local. Rayford gostou
da idé ia, pensando no bem-estar da ilha. De repente, se deu conta de que ela estava pensando
nobem-estardeleeficouemocionado.
Enquantoconversavamnocurtopasseio,elelembrou-lheque,depoisdaviagemdeumdia
a Atlanta, na segunda-feira, deveriam voltar separados de O'Hare para casa. Rayford teria de
pegarocarrodelequeficaranoaeroporto.Elasorriuparaele.
—Achoquepossodirigirumcarrosozinha,agoraquetenhovinteanos.
—Àsvezes,tratovocêcomoumagarotinha,nãoé?—disseele.
— Daqui em diante, nã o vai ser assim — disse ela. -Entretanto, você pode compensar o
tempoquemetratoucomogarotinha.
—Seioquevocêestáquerendodizer.
—Não,nãosabe—disseela.—Adivinhe.
— Você vai dizer que posso compensar o tempo que a tratei como uma garotinha
deixandoquetenhaidéiaspróprias,evitandoimpor-lheasminhas.
—Istoélógico,espero.Masvocêestáerrado,espertinho.Euestavaquerendodizerquesó
vou icar convencida de que você me vê como adulta responsá vel se deixar que eu dirijaseu
carrodoaeroportoaténossacasanasegunda-feira.
— Vai ser fá cil — disse Rayford, repentinamente mudando para uma entonaçã o de voz
infantil. — Isto faria você sentir-se uma garota adulta? Muito bem, papai vai fazer o que você
quer.
Eladeuumsocoamistosoneleesorriu.Logoaseguir,ficouséria.
—Ésurpreendentequeeuestejaencontrandomotivoparamedivertirnestesdias—disse
Chloe.—MeuDeus,sinto-meumapessoahorrorosa.
Rayforddeixouestecomentá riosuspensonoarenquantodobravaumaesquinaeavistava
abelaepequeninaigreja.
—Nãolevemuitoemcontaomeudesabafo—disseela.-Nãoprecisoentrar,preciso?
—Não,maseugostaria.
Ela comprimiu os lá bios e meneou a cabeça, um tanto contrafeita, mas, quando ele
estacionouesaiudocarro,elaoacompanhou.
Bruce Barnes era baixo e levemente atarracado, cabelos encaracolados e ó c ulos de aros
metá licos. Ele se vestia com simplicidade, mas com classe, e Rayford avaliou sua idade em
tornode30anos.Brucesurgiudetrásdopúlpitocomumpequenoaspiradordepónasmãos.
— Desculpem-me — disse ele -, você s devem ser os Steeles. Sou o ú nico que restou do
conselhodaigreja.EstoucontandoapenascomaajudadeLoretta.
—Olá —disseumasenhoraidosaportrá sdeRayfordeChloe.Elaestavaempé naporta
de entrada que dava acesso ao escritó rio da igreja, olhos fundos e despenteada, como se
estivesse vindo de uma guerra. Apó s cumprimentá -los, ela se dirigiu a uma escrivaninha na
ante-saladoescritório.
— Ela está organizando um pequeno programa para amanhã — disse Barnes. — A
dificuldadeéquenãotemosidéiadequantosvirão.Osenhorestaráaqui?
—Aindanãoestoucerto—disseRayford.—Provavelmente,estarei.
AmbossevoltaramparaChloe.Elasorriueducadamente.
—Eu,provavelmente,nãovirei—disseela.
— Bem, reservei um teipe para você s — disse Barnes. — Mas gostaria de pedir mais
algunsminutosdeseutempo.
—Eutenhotempo—disseRayford.
— E eu vim com ele — disse Chloe resignada. Barnes levou-os ao gabinete do pastor
titular.
— Nã o estou ocupando a mesa dele nem usando sua biblioteca — disse o jovem pastor
auxiliar -, mas trabalho aqui em sua mesa de reuniã o. Nã o sei o que vai acontecer comigo ou
com a igreja e, certamente, nã o quero ser arrogante. Nã o creio que Deus me chame para
assumirestetrabalho,mas,seEleofizer,queroestarpreparado.
— E como Ele o chamará ? — perguntou Chloe, ensaiando um leve sorriso. — Por
telefone?
Barnesnãolevouemconsideraçãooinsultodela.
—Paradizer-lhesaverdade,issonã omesurpreenderia.Nã oseiarespeitodevocê s,mas
Elechamouminhaatençã onaú ltimasemana.Umaligaçã otelefô nicadocé uteriasidomenos
traumática.
Chloelevantouassobrancelhas,aparentementedispostaaouviraexplanaçãodeBarnes.
— Amigos, Loretta sentiu o mesmo que eu senti. Ficamos abalados e devastados, porque
sabemosexatamenteoqueaconteceu.
— Ou o senhor pensa que sabe — interferiu Chloe. Rayford tentou cruzar o olhar com o
delaparainduzi-laacalar-seeaguardaraexplicaçã odopastor,maselapareciarelutanteem
olharparaele.—Há todaespé ciedeteoriaqueosenhorquiseremcadanoticiá riodetelevisã o
nopaís.
—Euseidisso—confirmouBarnes.
—Ecadaumdelesatendeaospró priosinteresses-acrescentouela.—Ostabló idesdizem
quefoiumainvasãodeseresdoespaço,oqueprovariaashistóriasestúpidasdequeelesestãono
controleporanos.Ogovernodizquefoiobradealgumtipodeinimigo,porissopodemosgastar
maiscomaaltatecnologiaparaanossadefesa.OsenhorvaidizerquefoiDeus,eassimpoderá
começararestabelecersuaigreja.
BruceBarnesaprumou-senacadeiraeolhouparaChloeeemseguidaparaseupai.
— Vou pedir-lhes uma coisa — disse ele, voltando a olhar para ela novamente. — Você s
permitem que eu apresente meu relato rapidamente, sem interrupçõ es ou interferê ncias, a
menosquehajaalgumpontoquenãoentendam?
Chloefixouoolharnele,semesboçarnenhumareação.
—Nã oqueroserrude,masnã oqueroquevocê stambé mosejam.Pedialgunsminutosde
seutempo.Seeuaindativeressetempo,permitam-mefazerusodele.Depoiseuosdeixareià
vontade. Você s podem fazer o que quiserem com aquilo que eu lhes disser. Podem dizer que
estou louco, que estou distorcendo a verdade em proveito pró prio. Podem sair e nunca mais
voltar.Façamasuaopção.Maspossocontarcomsuaatençãoporalgunsminutos?
Rayford achou que Barnes foi brilhante. Ele colocou Chloe em seu devido lugar, nã o lhe
deixando espaço para nenhuma observaçã o mordaz. Ela apenas moveu a cabeça em sinal de
aquiescência.Barnesagradeceuecontinuou.
—Possochamá-lospeloprimeironome?Rayfordassentiu.Chloenãosemoveunemfalou.
— Vou chamá -los de Ray e Chloe, está bem? Sento-me aqui diante de você s como um
homem arrasado. E quanto a Loretta? Se há algué m que tem o direito de sentir-se tã o mal
quantoeu,essealgué mé Loretta.Elaé aú nicapessoadetodasuafamı́liaqueaindaestá aqui.
Tinhaseisirmãs
eirmã osvivos,nã oseiquantastias,tios,primos,sobrinhosesobrinhas.Afamı́liarealizou
umcasamentoaquinoanopassado,eelacalculaquehaviacemparentesnacerimô nia.Todos
seforam,todoseles.
—Quetristeza!—disseChloe.—Perdemosminhamã eemeuirmã o,osenhorsabe.Oh!
desculpe-me.Eunãoqueriainterrompê-lo.
—Estábem—disseBarnes.—MinhasituaçãoémuitoparecidacomadeLoretta,sóque
em escala menor. E claro que meu sofrimento nã o foi menor. Permitam-me contar minha
histó ria.—Logoqueelecomeçouafalardedetalhesaparentementeinó c uos,suavozengrossou
eabrandou.—Euestavanacamacomminhaesposa.Elaestavadormindo.Euestavalendo.As
crianças tinham icado um pouco mais de tempo na sala, embaixo, antes de serem mandadas
paraacama.Nossa ilhamaisvelhatinhacincoanos.Osoutrosdoiserammeninos,comidades
de trê s e um ano. Aquela situaçã o era normal para nó s — eu lendo enquanto minha esposa
dormia. Alé m do trabalho que as crianças lhe davam, ela ainda tinha um emprego de meio
expediente,eporvoltadasnovehorasdanoiteosonoadominava.
—Euestavalendoumarevistadeesportes,tentandoviraraspá ginassemnenhumruı́do,
e de vez em quando ela dava um suspiro mais profundo. Em certo momento, ela perguntou
quanto tempo eu ia demorar lendo. Eu sabia que deveria ler no outro quarto ou simplesmente
apagar a luz e tentar dormir també m. Mas disse a ela: "Nã o vou demorar", esperando que ela
caı́sse no sono e eu pudesse terminar de ler a revista. Eu sabia que, quando ela começava a
respirar profundamente, a luz acesa nã o a incomodava mais. E, apó s alguns minutos, ouvi que
elaestavaressonando.
—Fiqueicontente.Meuplanoeraleraté meia-noite.Euestavaapoiadonumcotovelo,de
costas para ela e usando um travesseiro para protegê -la da claridade da luz. Nã o sei quanto
tempo iquei lendo quando senti um movimento na cama. Imaginei que ela havia se levantado
para ir ao banheiro. Esperava apenas que ela nã o tivesse se levantado para demonstrar seu
aborrecimento por eu estar ainda com a luz acesa e que, ao voltar, nã o me recriminasse. Ela
era miú da e leve, de modo que nã o estranhei o fato de nã o ouvir seus passos até o banheiro.
Continueiabsortoemminhaleitura.
—Passadosalgunsminutosquemepareceramumtantodemorados,chamei-a:"Querida,
você está bem?" Nã o ouvi nenhum ruı́do. Comecei a me inquietar. Seria apenas minha
imaginaçã oqueelativesseselevantado?Apalpeiolugardelaeconstateiquenã oestavaali,por
isso chamei-a de novo. Talvez ela estivesse veri icando se as crianças estavam bem, mas
geralmenteeladormiaumsonotãopesadoquenãoacordavanomeiodanoite,amenosqueum
delesachamasse.
—Bem,provavelmentemaisumminutooudoissepassaram,antesqueeumevoltassee
constatassequeelanãoestavamaisaliehaviapuxadoacolchaeocobertorsobreotravesseiro.
Agoravocê spodemimaginaroquepensei.Acheiqueela icoutã ofrustradacomigo,porainda
estarlendo,quesecansoudeesperarqueeudesligassealuzeresolveudormirnosofá dasala.
Eueraummaridorazoavelmentecriterioso,porissofuiaté lá desculpar-meetrazê -ladevolta
àcama.
—Você ssabemoqueaconteceu.Elanã oestavanosofá .Nemnobanheiro.Olheipelovã o
da porta de cada dormitó rio das crianças e sussurrei seu nome, pensando que talvez ela
estivesse acalentando alguma delas ou sentada ao lado da cama de outra. Nada. As luzes
estavam apagadas em toda a casa, exceto a lâ mpada à minha cabeceira. Nã o quis acordar as
criançasgritandoporela,porissosimplesmenteacendialuzdohallevolteiainspecionarcada
quarto.
— Sinto-me envergonhado em dizer que nã o tinha ainda uma explicaçã o, até que notei
que meus ilhos mais velhos nã o estavam em suas camas. Meu primeiro pensamento foi que
teriam ido ao quarto do bebê , como faziam à s vezes, para dormir no chã o. Supus, entã o, que
minha esposa tinha levado ambos à cozinha para comerem alguma coisa. Francamente, iquei
umtantoperturbadopornãosaberoqueestavaacontecendonomeiodanoite.
—Quandoconstateiqueobebê nã oestavaemseuberço,acendialuz,coloqueiacabeça
fora da porta e chamei minha esposa. Nenhuma resposta. Foi entã o que reparei no pequenino
pijama do bebê e, assim, iquei sabendo exatamente o que tinha acontecido. Aquilo me atingiu
como um raio. Corri por toda a casa, levantando os cobertores de cada cama e encontrando
apenas os pijamas das crianças. Eu tive medo de fazer isso, mas puxei o cobertor do lado que
minhaesposadormia,elá estavamsuacamisola,seusané iseaté osgramposdocabelosobreo
travesseiro.
Rayford esforçava-se para nã o chorar, lembrando-se da pró pria experiê ncia semelhante
àquela.Barnesdeuumprofundosuspiroedesabafou,enxugandoosolhos.
— Bem, comecei a telefonar para todo mundo — disse ele. — Liguei primeiro para o
pastor, mas quem atendeu foi a secretá ria eletrô nica. Mais dois outros telefonemas, e ouvi a
secretá riaeletrô nicatambé m.Entã opegueialistadetelefonesdaigrejaecomeceiaprocurar
pelos irmã os mais velhos, pessoas que julgava que nã o tinham secretá rias eletrô nicas, e nã o
conseguifalarcomninguém.Ostelefonestocavam,tocavam,eninguématendia.
— Eu sabia que seria imprová vel encontrar qualquer um deles. Por alguma razã o, saı́
correndo e pulei dentro do carro, dirigindo tresloucadamente até esta igreja. Aqui estava
Loretta,sentadaemseucarro,comseuroupã odedormir,ocabelocheioderolinhos,chorando
angustiada. Chegamos ao vestı́bulo e nos sentamos ao lado dos vasos de plantas, chorando e
amparandoumaooutro,sabendoexatamenteoquehaviasucedido.Apó smaisoumenosmeia
hora,algunsmembrosdaigrejatambé mapareceram.Ficamosaliconsternadoseperguntandonosemvozaltaoquefarı́amosemseguida.Entã oalgué mselembroudoteipedopastorsobreo
Arrebatamento.
—Oquê?—perguntouChloe.
—NossopastortitulargostavadepregarsobreavindadeCristoparaarrebatarsuaIgreja
elevarcomEleoscrentes,mortosevivos,aocé uantesdeumperı́ododetribulaçã onaterra.
Elecomeçouadedicar-seaesseassuntohácercadedoisanos.
Rayfordvoltou-separaChloe.
—Você está lembradadesuamã eterfaladosobreisso.Elaestavamuitoentusiasmadaa
esserespeito.
—Oh!sim,melembro.
— Bem — disse Barnes -, o pastor usou aquele sermã o e gravou um videoteipe em seu
gabinete dirigindo-se diretamente à s pessoas que foram deixadas para trá s. Ele guardou o
videoteipe na biblioteca da igreja com instruçõ es para ser retirado, visto e ouvido por todos os
que nã o desapareceram. Todos nó s o vimos duas vezes na noite seguinte. Poucas pessoas
quiseram argumentar com Deus, tentando dizer-nos que tinham sido realmente crentes e
deveriam ter sido arrebatadas com os outros, mas todos está vamos convencidos da verdade.
Eramos pseudocristã os. Nã o havia um ú nico entre nó s que nã o soubesse o que signi ica ser um
verdadeirocristão.Sabíamosquenãooéramosequetínhamossidodeixadosparatrás.
Rayfordtevedificuldadeparafalar,masnãopôdedeixardefazerumaobservação.
—Sr.Barnes,osenhoreraummembrodoconselhodaigreja.
—Correto.
—Comoosenhorfoideixadoparatrás?
— Vou dizer-lhe, Ray, porque nã o tenho mais nada a esconder. Sinto vergonha de mim
mesmo, e, se antes nunca tive realmente vontade ou motivaçã o para falar aos outros sobre
Cristo,euatenhoagoracomcerteza.Considero-meumserdeplorá velporterentendidotarde
demaisomaioreventocataclı́smicodaHistó ria.Fuicriadonaigreja.Meuspais,irmã oseirmã s
eramtodoscristãos.
—Euamavaaigreja.Elaeraminhavida,minhacultura.Eupensavaqueacreditavaem
tudooquehavianaBı́blia.ABı́bliadizque,sevocê creremCristo,terá avidaeterna,porisso
julgueiqueestavasalvo.
—Eugostavaespecialmentedaspartesquefalavamdoperdã odeDeus.Eraumpecador
incorrigı́vel.ApenasmeconsideravaperdoadoporqueDeustinhafeitoessapromessa.Eletinha
de cumpri-la. O versı́c ulo diz que, se confessarmos nossos pecados, Ele é iel e justo para nos
perdoar e puri icar. Eu conhecia outros versı́c ulos que falavam em crer e receber, con iar e
permanecer, mas nunca levei estas palavras ao pé da letra. Eu queria seguir o caminho mais
fá cil, o mais simples. Eu també m conhecia outros versı́c ulos, segundo os quais eu nã o devia
continuarnopecadosimplesmenteporqueDeusnosmostrousuagraça.
— Eu julgava ter uma vida maravilhosa. Cheguei até a estudar em faculdade bı́blica. Na
igrejaenaescola,eudiziaascoisascertas,oravaempú blicoeaté incentivavaaı́'pessoasem
sua vida cristã . Mas era ainda um pecador. Eu reconhecia isso. Dizia à s pessoas que nã o era
perfeito;eraapenasperdoado.
—Minhaesposadiziaamesmacoisa—afirmouRayford.
— A diferença — disse Bruce — é que ela era sincera. Eu mentia. Dizia à minha esposa
quedavaodı́z imoà igreja,quecontribuı́amoscom10%denossarenda.Minhacontribuiçã oera
mı́nima. Quando a salva era passada, eu depositava ali algum dinheiro só para impressionar os
outros.Todasemana,euconfessavaaDeus,prometendosermaisliberalnapróximavez.
—Estimuleipessoasaproclamarsuafé edizeraoutrascomosetornaremcristã s.Maseu
mesmo nunca iz isso. Meu trabalho era visitar pessoas em seus lares, casas de repouso e
hospitaistodososdias.Euerabomnisso.Incentivavaosenfermos,sorriaparaeles,conversava
com eles, orava com eles, e até lia a Bı́blia para eles. Mas nunca iz isso de coraçã o e
reservadamente.
— Eu era preguiçoso. Fazia o mı́nimo necessá rio. Quando as pessoas pensavam que eu
estavavisitando,talvezestivessenumcinemaemoutracidade.També meralascivo.Liacoisas
quenãodevia,folheavarevistasqueaguçavammeusdesejoscarnais.
Rayfordtremeuligeiramente.Estaúltimaconfissãomexeucomele.
— Eu tinha uma vida irregular — Barnes continuou — e persisti nela. Cada vez me
afundava mais. Sabia que os verdadeiros cristã os eram conhecidos pelo que suas vidas
produziam, e eu nada produzia. Mas sentia-me confortado pelo fato de haver pessoas muito
pioresporaí,asquaisseintitulavamcristãs.
— Nã o fui um estuprador, nem molestei crianças, nem cometi adulté rio, embora muitas
vezes me sentisse in iel à minha esposa por causa da minha lascı́via. Mas sempre orava e
confessavameuspecados,sentindo-mecomoseestivessepuri icado.Issodeveriatersidoó bvio
paramim.QuandoaspessoaficavamcientesdequeeufaziapartedaequipeministerialdaNova
Esperança,euconversavacomelassobreaserenidadedopastoreapurezadaigreja,mastinha
vergonha de falar de Cristo. Se me desa iassem e perguntassem se a Nova Esperança era uma
daquelas igrejas que diziam que Jesus era o ú nico caminho para Deus, eu fazia de tudo, menos
negarisso.Queriaquepensassemqueeumesentiabem,que;estavadeacordocomtudoquese
passava ali. Posso ser um cristã o e mesmo um pastor, mas nunca me confundam com os
excêntricos.
— Vejo agora, com certeza, que Deus é um Deus perdoador, porque somos humanos e
temos necessidade do perdã o. Mas temos de receber seu dom, viver em Cristo e permitir que
Ele viva em nó s. Eu imaginava que tinha liberdade de fazer o que desejasse. Podia viver em
pecadoefingirserumapessoapiedosa.Tinhaumabelafamíliaeótimoambientedetrabalho.E,
pormaisfelizquemesentisseamaiorpartedotempo,acreditavarealmentequeiriaparaocéu
quandomorresse.
— Raramente lia a Bı́blia, exceto quando preparava uma preleçã o ou aula. Nã o tinha a
"mente de Cristo". Eu sabia vagamente que a palavracristão signi ica "com Cristo" ou "como
Cristo".Comcertezaeunãoeraumcristão,edescobriissodapiorformapossível.
—Permitam-medizer-lhessimplesmente—adecisã oé devocê s.Avidaé devocê s.Mas
eu, Loretta e outros membros da igreja que estã o desnorteados sabemos exatamente o que
aconteceuhá algumasnoites.Jesusvoltouparabuscarsuaverdadeirafamı́lia,efomosdeixados
paratrás.
BruceolhounosolhosdeChloe.
— Nã o há nenhuma dú vida em minha mente de que testemunhamos o Arrebatamento.
Meumaiormedo,umavezconstatadaaverdade,foiquenã ohaviamaisesperançaparamim.
Perdi a oportunidade ú nica. Tinha sido um falso cristã o, estabelecendo meu pró prio modelo de
cristianismo, que foi feito para uma vida de liberdade, mas que me custou a alma. Eu tinha
ouvidodizerque,quandoaIgrejafossearrebatada,oEspı́ritodeDeusseausentariadaterra.A
ló gica era que, quando Jesus fosse para o cé u apó s sua ressurreiçã o, o Espı́rito Santo que Deus
enviou à Igreja seria incorporado nos crentes. Portanto, quando eles fossem levados, o Espı́rito
deixaria este mundo, e nã o haveria mais nenhuma esperança para os que icassem. Você s nã o
podemsaberoalívioquetivequandooteipedopastormostrou-meocontrário.
— Reconhecemos quã o estú pidos fomos, mas nó s nesta igreja — pelo menos os que se
sentiram atraı́dos a este templo na noite em que todos os demais desapareceram — estamos
sendo fervorosos tanto quanto possı́vel. Ningué m que venha até aqui sairá sem conhecer
exatamente em que cremos e o que pensamos ser necessá rio para termos uma relaçã o com
Deus.
Chloelevantou-seedeualgunspassos,osbraçoscruzadossobreopeito.
—Eumahistó riamuitointeressante—disseela.—OqueaconteceucomLoretta?Como
elaperdeuaoportunidade,setodasuaenormefamíliaeraconstituídadeverdadeiroscristãos?
—Vocêdeveouvirelamesmadizeroportunamente-disseBruce.—Maselamedisseque
foioorgulhoeoconstrangimentoqueaafastaramdeCristo.Elanasceunumlarmuitoreligioso.
Dissequeestavano imdaadolescê nciaquandopensouseriamentearespeitodesuafé pessoal.
Entã o decidiu acompanhar a famı́lia e freqü entar a igreja, participando de suas atividades
normais. Com o tempo, casou-se, tornou-se mã e e avó , e simplesmente aparentou ser uma
giganteespiritual.Erarespeitadaporaqui.Entretanto,nuncacreuemCristoenuncaorecebeu
comoseuSalvador.
—Entã o—disseChloe-,essahistó riadeacreditaremCristo,recebê -locomoSalvador,
viver para Ele e deixá -lo viver em você , era isso o que minha mã e queria dizer quando falava
sobresalvação,sersalvo?
Brucebalançouacabeçaconcordando.
—Dopecado,doinfernoedoJuízo.
—Entrementes,nãoestamossalvosdetudoisso.
—Éverdade.
—Osenhorrealmenteacreditanisso.
—Acredito.
—Éumnegócioesquisito,osenhordeveadmitir.
—Nãoparamim.Nãonestemomento.
Rayford,sempreobjetivandoprecisãoeordem,perguntou;
—Entã o,oqueosenhorfez?Oqueminhaesposafez?Oqueafezsermaiscristã ,ou,ah...
oque,hã...
—Asalvou?—Brucecompletou.
—Sim—disseRayford.—Eexatamenteoquedesejosaber.Seosenhorestivercerto,e
eujá disseaChloequeachoqueestoupercebendoistoagora,precisamossabercomoconduzir
esta situaçã o daqui em diante. De que forma uma pessoa pode passar de uma condiçã o para
outra? Obviamente, nã o estamos salvos, porque fomos deixados para trá s, e estamos aqui para
enfrentaravidasemnossosentesqueridosqueviveramcomoverdadeiroscristãos.Sendoassim,
oquedevemosfazerparanostomarcristãosverdadeiros?
— Vou orientá -los — disse Bruce. — E vou entregar-lhes este teipe para que você s o
levem para casa. Vou també m entrar em detalhes em minha pregaçã o no culto matinal de
amanhã , à s dez horas, para quem comparecer. Provavelmente, vou repetir a mesma
mensagem nos pró ximos domingos, até sentir que a necessidade de conhecer a verdade tenha
sido satisfeita. De uma coisa estou certo: por mais importantes que sejam outros sermõ es e
lições,nadasuperaesteassunto.
Enquanto Chloe continuava encostada à parede, braços ainda cruzados, observando e
escutando,Brucevoltou-separaRayford.•
— E realmente muito simples. Deus tornou isto fá cil, o que nã o signi ica um processo de
transiçã o sobrenatural ou que possamos decidir e escolher as partes boas — como já tentei
fazer.Porém,sedepararmoscomaverdadeeagirmosemsuadireção,Deusnãoimpediránossa
salvação.
—Primeiro,temosdever-noscomoDeusnosvê .ABı́bliadizquetodospecaram,quenã o
háninguémjusto,nemsequerum.Elatambémdizquenãopodemossersalvospornósmesmos.
Inú m eraspessoaspensaramqueestavamnocaminhoparaDeusouparaocé uporpraticarboas
obras, mas essa foi provavelmente a concepçã o mais equivocada que já houve. Perguntem a
qualquerpessoanaruaoqueelapensaqueaBı́bliaouaigrejadizarespeitodeganharocé u,e
noveentredezdirãoque,parairparaocéu,éprecisofazerobemeviverumavidareta.
—Eoquetodosdevemosfazer,certamente,masestanã oé achaveparaobtermosnossa
salvaçã o. Devemos fazer isso comoconseqüência da nossa salvaçã o. A Bı́blia diz que somos
salvosnã opelasboasobrasquepraticamos,mas,sim,pelamisericó rdiadeDeus.Issoquerdizer
que somos salvos pela graça mediante Jesus Cristo, nã o por nó s mesmos, de sorte que nã o
devemosvangloriar-nosdenossabondade.
—Jesustomousobresinossospecadosepagouopreçodequeé ramosdevedoresperante
Deus. O pagamento é a morte, e Ele morreu em nosso lugar, porque nos amou. Quando
reconhecemos perante Cristo que somos pecadores perdidos e recebemos dele a dá diva da
salvaçã o, Ele nos salva. Realiza-se assim um processo de transiçã o. Saı́m os das trevas para a
luz,dacondiçã odeperdidosparaadebuscadoseachados,tornamo-nossalvos.DizaPalavrade
Deusqueà quelesqueoreceberemEledará opoderdesetornarem ilhosdeDeus.Exatamente
oqueJesusé —FilhodeDeus.Quandopassamosaser ilhosdeDeus,temosoqueJesustem:um
relacionamentodiretocomoPaieavidaeterna.E,pelofatodeJesusterpagopelocastigoque
merecíamos,recebemospormeiodeleoperdãodenossospecados.
Rayford estava atordoado. Ele buscou furtivamente os olhos de Chloe. Ela parecia
indiferente, mas sem aquele ar antagô nico. Rayford encontrou exatamente o que estava
procurando.Eraoqueeletinhasuspeitadoeouvidoaquiealiduranteanos,masnuncafoicapaz
deabsorverepraticar.
Apesardetudo,eletraziadentrodesisu icientesreservasparaponderarsobreisso,vere
ouviroteipeetrocaridéiascomChloe.
— Tenho de perguntar-lhes — disse Bruce — algo que nunca quis perguntar antes a
ningué m. Quero saber se estã o prontos para receber Cristo em seus coraçõ es neste momento.
Eumesentiriafelizemorarcomvocêsemostrar-lhescomoconversarcomDeus.
—Não—interveioChloeabruptamente,olhandoparaseupaicomoseestivessetemerosa
dequeelefizesseumatolice.
—Não?—foiareaçãodesurpresadeBruce.—Precisamdemaistempo?
— No mı́nimo — disse Chloe. — Naturalmente, nã o é uma decisã o que se possa tomar
precipitadamente.
—Bem,permitam-medizer-lhes—continuouBruce.—Éumadecisãoquegostariafosse
imediata.CreioqueDeusmeperdoouequetenhoumtrabalhoarealizaraqui.Masnãoseioque
vai acontecer daqui em diante, uma vez que todos os verdadeiros cristã os foram arrebatados.
Eu gostaria de ter assumido esta postura há vá rios anos, e nã o depois do , acontecido. Você s
podem acreditar que eu teria preferido mil vezes estar no cé u com minha famı́lia neste exato
momento.
—Mas,então,quemnosfalariaaesterespeito?—perguntouRayford.
—Oh,eumesintogratoporessaoportunidade—atalhouBruce.—Mastivedepagarum
altopreçoparachegaraesteponto.
— Compreendo — disse Rayford, podendo ver nos olhos de Bruce uma expectativa
ardente de algué m que espera ansiosamente por uma decisã o, um compromisso, uma
conversã o. Ele sentia que Rayford estava preparado para dar esse passo. Mas Rayford nunca
tinhasofridotalpressã oemsuavida.E,enquantonã ocolocasseaquestã onumabalança,como
se estivesse tratando com um vendedor, precisaria de tempo para pensar, um tempo para
esfriaracabeçaere letir.Eletinhaumamenteanalı́t ica.Quandodeparoucomumnovosentido
de vida, embora nã o duvidasse de tudo o que Bruce expô s sobre os desaparecimentos, nã o se
sentiu em condiçõ es de resolver imediatamente. — Agradeço o teipe e posso garantir que
estareiaquiamanhã.BruceolhouparaChloe.
—Nãocontecomigo—disseela-,masagradeçosuaatençãoevouveroteipe.
—Étudooquepossopedir—acrescentouBruce.
—Maspermitam-mefazer-lhesumapequenaadvertê ncia.Você sdevemterouvidoestas
palavrasdevezemquandoduranteavida,comotambé msucedeucomigo.Talveznã osaibam,
masprecisodizer-lhesquenã oestã omunidosdequaisquergarantiasdesalvaçã o.Emuitotarde
para você s desaparecerem, como aconteceu com seus queridos há poucos dias. Mas pessoas
morremdiariamenteemacidentesdecarro,quedasdeaviã o—oh!perdã o,estoucertodeque
osenhoré umbompiloto-,todosostiposdetragé dias.Nã ovouabsolutamentepressioná -losa
tomar uma decisã o para a qual nã o estã o preparados. Mas permitam-me que os incentive, no
casodeDeuscolocaremseuscoraçõ essuaverdade,anã oadiaremsuadecisã o.Oquehaveria
depiordoque,tendo inalmenteencontradoaDeus,morrersemEleporteresperadoumlongo
tempoparatomarumadecisão?
CAPÍTULO12
BUCK hospedou-se no hotel Frankfurt Hilton, no aeroporto, com seu nome falso, sabendo
que tinha de telefonar para os Estados Unidos antes que sua famı́lia e seus colegas ouvissem a
notı́c iadequeeleestavamorto.Encontrouumtelefonepú bliconasaladeesperaediscoupara
seupai,noArizona.Comadiferençadefusohorá rio,lá deveriaserumpoucoantesdomeio-dia
desábado.
—Estourealmenteaborrecidocomtudoisto,papai,masvocê vaiouviranotı́c iadeque
morridentrodeumcarrodinamitado,umataqueterrorista,oucoisaparecida.
—Quediaboestáacontecendo,Cameron?
— Nã o posso me explicar agora, papai. Quero apenas que saiba que estou bem. Estou
ligandodooutroladodooceano,masnã opossodizerdeonde.Estareidevoltaamanhã ,maspor
enquantotenhodeficarescondido.
—Ocultoemmemó riadesuacunhadaeseussobrinhosserá amanhã à noite—informou
oSr.Williams.
— Oh! nã o. Papai, icaria muito ostensivo se eu aparecesse. Sinto muito. Diga ao Jeff o
quantoeulamento.
—Bem,vamosterdefazerdecontaqueaconteceu?Querodizer,devemosfazerumculto
emsuamemóriatambém?
—Nã o,eunã oseriacapazdeme ingirdemortopormuitotempo.Logoqueopessoaldo
Semanáriosouberqueestoubem,osegredonãovaidurarmuito.
—Vocêvaiestaremperigoquandoalguémdescobriramentira?
—Provavelmente,mas,papai,nãopossoaparecerporenquanto.DigaissoaoJeffpormim,
tá?
—Estábem.Tenhacuidado.
Buckmudouparaoutracabinatelefô nicaechamouoSemanário.Disfarçandoavoz,pediu
quearecepcionistaligassecomovoicemaildeplantãodeStevePlank.
—Steve,você sabequemestá falando.Nã oimportaoquevocê vaiouvirnaspró ximas24
horas, estou bem. Ligo amanhã e podemos nos encontrar. Por enquanto, deixe que os outros
acreditem no que ouvirem. Tenho de icar incó gnito até achar algué m que realmente possa
ajudar.Steve,ligoparavocêlogoquepuder.
Chloe icou calada no carro. Rayford sentia um impulso incontrolá vel de falar. Isso nã o
condizia com sua natureza, mas sentia a mesma urgê ncia que tinha percebido em Bruce
Barnes. Ele queria ser racional e analı́t ico. Queria estudar, orar, ter a certeza. Mas o que ele
ouviranãoeraexatamenteumatestadodesegurança?Poderiaestarmaisseguro?
O que tinha ele feito de errado ao criar e educar Chloe que a tornou tã o prevenida, tã o
cautelosa, tã o resistente, para que pudesse olhar a ponto de nã o enxergar o que parecia tã o
ó bvio para ele? Ele havia encontrado a verdade, e Bruce estava certo. Precisavam agir nesse
sentido,antesquelhesacontecessequalquercoisa.
Onoticiá rioestavacheiodecrimes,saques,indivı́duostirandovantagemdocaos.Pessoas
eram alvejadas por armas de fogo, mutiladas, estupradas, assassinadas. As estradas e ruas
estavammaisperigosasdoquenunca.Osserviçosdeemergê nciatinhamfaltadefuncioná rios,
poucoscontroladoresdetrá fegoedevô osatendiamnosaeroportos;pilotosetripulaçõ espouco
qualificadoseramutilizadosnosaviões.
Aspessoasconferiamostú m ulosdeseusantepassados:oumortosrecentesparasaberse
seus cadá veres tinham desaparecido, e tipos inescrupulosos ingiam fazer o mesmo enquanto
procuravam objetos de valor que tivessem sido enterrados com os ricos. O mundo se tornara
hediondodeumdiaparaooutro,eRayfordsepreocupavacomsuasegurançaeadeChloe.Ele
queriaexibirlogooteipeeconfirmaradecisãoquetomara.
—Podemosverjuntos?—sugeriuele.
—Naverdade,eupreferirianã over,papai.Possoperceberaondevocê querchegarenã o
mesintoaindaconfortá velatalrespeito.Eumacoisamuitopessoal.Nã oé servistoemgrupo
oucomafamília.
—Nãoestoutãocertodisso.
—Nãoinsistacomigo.Vejaoteipequandoquiser,eeufareiomesmodepois.
—Vocêsabequeestoumuitopreocupado,queaamoemeimportocomvocê,nãosabe?
—Claroquesim.
—Vocêpretendeveroteipeantesdareuniãodaigrejaamanhã?
— Papai, por favor. Você está me forçando a me afastar, se continuar a me pressionar
comesseassunto.Nemseisequeroirlá amanhã .Ouviopastorvendersuamercadoriahoje,e
elemesmodissequevairepetirtudoamanhã.
— Bem, o que aconteceria se eu decidisse tornar-me um cristã o amanhã ? Gostaria que
vocêestivesselá.
Chloeolhoubemparaele.
—Nãosei,papai.Nãoéigualaumacerimôniadeformaturaoucoisaparecida.
— Talvez seja. Tenho a impressã o de que sua mã e eseu irmã o foram promovidos, e eu
não.
—Credo.
—Estoufalandosério.Elesestavamqualificadosparaocéu.Eunão.
—Nãoquerofalarsobreistoagora.
—Muitobem,masdeixe-meapenasdizermaisumacoisa.Sevocênãoforamanhã,quero
quevejaoteipeenquantoeuestiverlá.
—Oh!eu...
—Porquerealmentegostariaquevocê sedecidisseantesdenossovô onasegunda-feira.A
viagemaéreaestáficandomaisperigosa,enuncasesabeoquepodeacontecer.
— Papai, veja bem! Em toda a minha vida, sempre ouvi você falar com conviçã o a
respeitodasegurançadosvô os.Cadavezqueocorriaumdesastre,algué mperguntavasevocê
nã o tinha medo ou se já tinha sofrido alguma pane. Você recitava suas estatı́sticas que
demonstravam que a segurança do vô o é muitas vezes mais con iá vel do que uma viagem de
carro.Portanto,nãovenhacomessahistória.
Rayford desistiu. Ele cuidaria da pró pria alma e oraria por sua ilha, mas decididamente
nãoinsistiriamaiscomelasobreafé.
Chloe foi para a cama mais cedo sá bado à noite, enquanto Rayford plantou-se diante da
televisã o e acionou o controle remoto para assistir ao vı́deo. "Alô ", soou a voz agradá vel e
con iantedopastorqueeletinhaencontradová riasvezes.Enquantofalava,opastorsentou-seà
beiradamesanomesmoescritó rioqueRayfordtinhaacabadodevisitar."Meunomeé Vernon
Billings, e sou pastor da Igreja Nova Esperança, de Monte Prospect, Illinois. Enquanto você vê
este vı́deo, posso apenas imaginar o medo e o desespero em seu rosto, porque isto está sendo
gravadoparaservistosomenteapósodesaparecimentodopovodeDeusdafacedaterra.
"O fato de você estar me vendo e ouvindo indica que foi deixado para trá s. Certamente
vocêestáassombrado,chocado,temerosoecomremorso.Gostariaquevocêconsiderasseoque
tenho a dizer aqui como instruçõ es para a vida que continuará na terra apó s o Arrebatamento
da Igreja de Cristo. Foi o que aconteceu. Qualquer um de você s sabe ou sabia que os que
depositaramsuaconfiançasomenteemCristoparasalvaçãoforamlevadosparaocéuporEle.
"Permita-memostrar-lhecombasenaBı́bliaexatamenteoqueaconteceu.Você nã ovai
precisar mais dessa prova, porque já terá experimentado o evento mais chocante da histó ria.
Mas,comoestevídeofoifeitocomantecedênciaeestouconfiantedequesereilevado,pergunte
asimesmo:Comoelesabia?Aquiestáaresposta,combaseem1Coríntios15.51-57."
A tela começou a mostrar este trecho da Escritura. Rayford parou a cena e correu a
buscar a Bı́blia de Irene. Levou algum tempo para localizar 1 Corı́ntios, e, embora as palavras
fossemligeiramentediferentesdatraduçãodaBíbliadela,osentidoeraomesmo.
Opastordisse:"Voulerparavocêoqueograndemissionárioeevangelista,apóstoloPaulo,
escreveuaoscristãosdaigrejadacidadedeCorinto:
Eisquevosdigoummisté rio:nemtodosdormiremos,mastransformadosseremostodos,
nummomento,numabrirefechard'olhos,aoressoardaú ltimatrombeta.Atrombetasoará ,os
mortosressuscitarã oincorruptı́veis,enó sseremostransformados.Porqueé necessá rioqueeste
corpo corruptı́vel se revista da incorruptibilidade, e que o corpo mortal se revista da
imortalidade.E,quandoestecorpocorruptívelserevestirdeincorruptibilidade,eoqueémortal
serevestirdeimortalidade,entã o,secumprirá apalavraqueestá escrita:Tragadafoiamorte
pelavitó ria.Ondeestá ,ó morte,atuavitó ria?Ondeestá ,ó morte,oteuaguilhã o?Oaguilhã oda
morteé opecado,eaforçadopecadoé alei.GraçasaDeus,quenosdá avitó riaporintermé dio
denossoSenhorJesusCristo."
Rayford estava confuso. Pô de acompanhar alguma coisa daquilo, mas o resto era
ininteligı́velparaele.Elefezoteiperodar.OpastorBillingscontinuou:"Permita-meparafrasear
algumas palavras para que você as compreenda claramente. Quando Paulo diz que nem todos
dormiremos, ele quer dizer que nem todos vamos morrer. E ele está dizendo que este ser
corruptı́vel deve revestir-se de um corpo incorruptı́vel, que vai durar por toda a eternidade.
Quando estas coisas tiverem acontecido, quando os cristã os que já morreram e aqueles que
ainda estarã o vivos receberem seus corpos imortais, o Arrebatamento da Igreja terá
acontecido.
"Todas as pessoas que creram e aceitaram a morte sacri icial, o sepultamento e a
ressurreiçã o de Jesus Cristo previram sua segunda vinda. Enquanto você vê este vı́deo, todas
aquelaspessoasjá terã ovistoocumprimentodapromessadeCristo,quandodisse:...voltareie
vosrecebereiparamimmesmo,paraque,ondeeuestou,estejaisvóstambém'(João14.3).
"Creio que todas essas pessoas foram literalmente levadas da terra, deixando para trá s
todasascoisasmateriais.Sevocêconstatouquemilhõesdepessoasestãofaltandoequebebêse
crianças sumiram, sabe que o que estou dizendo é a verdade. Até uma certa idade, que é
provavelmente diferente para cada indivı́duo, acreditamos que Deus nã o responsabilizará uma
criançaporumadecisã oquedevesertomadacomocoraçã oeamente,complenaconsciê ncia
de suas conseqü ências. Você poderá també m constatar que crianças ainda nã o nascidas
desapareceramdoú t erodesuasmã es.Possoapenasimaginarosofrimentoeinquietaçã odeum
mundo sem suas preciosas crianças e o profundo desespero dos pais que as perderam desse
modo.
"A carta profé tica de Paulo aos corı́ntios disse que isso aconteceria num piscar de olhos.
Você poderá ter visto um ser amado diante de você desaparecer de repente. Nã o invejo você
porcausadessetrauma.
"ABı́bliadizqueoscoraçõ esdoshomensparalisarã odemedo.Istoparamimsigni icaque
poderá haver ataques cardı́acos devido ao abalo emocional, pessoas que se matarã o por
desespero, e você sabe melhor do que eu o caos que resultará do desaparecimento de cristã os
arrebatados de vá rios meios de transportes, e da perda de bombeiros, policiais e trabalhadores
emserviçosdeemergênciadetodasorte.
"Dependendo de quando você estiver vendo este vı́deo, talvez já esteja ciente de uma lei
marcial que deve entrar em vigor em muitos lugares, medidas de emergê ncia para tentar
impedir elementos de má ı́ndole de promoverem pilhagens e disputarem os bens que foram
deixados.Governoscairão,ehaverádesordensinternacionais.
"Você desejará saberarazã oporqueissoaconteceu.Algunscrê emqueé ojulgamentode
Deusparaummundocheiodeimpiedade.Narealidade,istovirá maistarde.Pormaisestranho
que lhe pareça, este é o esforço inal de Deus para alertar cada pessoa que o tem ignorado ou
rejeitado. Ele está permitindo a partir deste evento que um longo perı́odo de provaçõ es e
tribulaçõ es tenha inı́c io para você e todos os que icaram. Ele transladou sua Igreja de um
mundo corrupto que procura seguir seu pró prio caminho, seus pró prios prazeres, seus pró prios
fins.
"Creio que o propó sito de Deus com isso é permitir à queles que icaram que façam uma
avaliaçã o de si mesmos e abandonem sua busca alucinada por prazer e auto-realizaçã o,
voltando-se para a Bı́blia, a im de conhecerem a verdade e se entregarem a Cristo para se
salvarem.
"Querotranqüilizarvocêsobreosdesaparecimentosdeseusamados,seusfilhinhosebebês,
amigos e conhecidos. Eles nã o foram levados por alguma força maldosa ou por invasores do
espaço. Esta poderá ser uma explicaçã o comum. O que antes lhe parecia ridı́c ulo e fantasioso
podeseragoralógicoepossível,masnãoé.
"A Escritura també m nos previne de que haverá uma grande mentira, anunciada com a
ajuda da mı́dia e perpetrada por um lı́der mundial autodeclarado. O pró prio Jesus profetizou
sobreessapessoa.DisseEle:'VimemnomedemeuPai,enã omerecebestes;seumoutrovier
emseupróprionome,vósorecebereis.'
"Quero també m exortá -lo a precaver-se de tal lı́der da humanidade, que pode surgir na
Europa.Elesetornaráumgrandeenganador.Mostrarásinaisemaravilhastãoconvincentesque
muitos crerã o que ele terá vindo da parte de Deus. Ele conseguirá um grande nú m ero de
seguidores entre os que foram deixados, e muitos acreditarã o que ele será um operador de
milagres.
"O enganador prometerá força, paz e segurança, mas a Bı́blia diz que ele falará contra o
Altı́ssimoederrotará ossantosdoAltı́ssimo.Eisporqueestoualertando-oparatercuidadocom
esse novo lı́der de grande carisma, tentando assumir o controle do mundo durante o terrı́vel
perı́odo de caos e confusã o. Essa pessoa é conhecida na Bı́blia como o anticristo. Ele vai fazer
muitas promessas, mas nã o as cumprirá . Você deve con iar nas promessas do Deus Todopoderoso,pormeiodeseuFilho,JesusCristo.
"CreioqueaBı́bliaensinaqueoArrebatamentodaIgrejaé oprenunciodeumperı́odode
sete anos de provaçã o e tribulaçã o, durante o qual coisas terrı́veis vã o acontecer. Se você nã o
tiver recebido Cristo como seu Salvador, sua alma estará em perigo. E, por causa dos eventos
cataclı́smicosqueterã olugarduranteesseperı́odo,suavidaestará emrisco.Sevocê sevoltar
paraCristo,talvezmorracomomártir."
Rayfordinterrompeuovı́deo.Eletinhasepreparadoparaouviropastorfalardesalvaçã o.
Mas tribulaçã o e provaçã o? Perder seus entes queridos, enfrentar o orgulho e o egocentrismo
queoimpediramdeirparaocéu—istojánãoeraosuficiente?Aindahaveriamais?
E quanto a esse "grande enganador" a que o pastor se referiu? Talvez ele tivesse levado
esse assunto de profecia muito longe. Mas ele nã o era um vendedor de panacé ias. Era um
homem sincero, honesto, digno de con iança — um homem de Deus. Se o que o pastor disse
sobre os desaparecimentos era verdade — e Rayford sabia em seu ı́ntimo que era -, entã o o
homemdeviamerecersuaatenção,seurespeito.
Chegara o momento de deixar de ser um crı́t ico, um analista sempre insatisfeito com a
evidência.Aprovaestavadiantedeseusolhos:ascadeirasvazias,acamasolitária,oabismoem
seu coraçã o. Havia somente um modo de agir. Ele apertou novamente o botã o para rodar o
teipe.
"Nã o faz qualquer diferença, a esta altura, saber o porquê de você ainda estar na terra.
Você pode ter sido muito egoı́sta, orgulhoso ou ocupado, ou talvez simplesmente nã o reservou
tempo para examinar as palavras de Cristo dirigidas a você . A questã o agora é que você tem
outraoportunidade.Nãoadeixeescapar.
"Odesaparecimentodossantosedospequeninos,ocaosque icouparatrá seadesventura
dos coraçõ es partidos sã o a evidê ncia de que o que estou dizendo é verdadeiro. Ore para que
Deusoajude.Recebaadá divadasalvaçã oagoramesmo.Eresistaà smentirasepropó sitosdo
anticristo, que certamente logo aparecerá . Lembre-se: ele vai enganar muitos. Que você nã o
sejaincluídoentreeles.
"Cerca de 800 anos antes de Jesus vir a este mundo pela primeira vez, Isaı́as, no Velho
Testamento, profetizou que os reinos das naçõ es entrariam em grande con lito e seus rostos
seriam como chamas de fogo. Para mim, tais palavras anunciam a Terceira Guerra Mundial,
umaguerratermonuclearquevarrerámilhõesdepessoasdafacedaterra.
"A profecia bı́blica é a histó ria escrita antecipadamente. Insisto em que você procure
livros sobre este assunto ou pessoas especialistas nesta á rea, mas que por alguma razã o nã o
receberam Cristo em seus coraçõ es em tempo e foram deixadas para trá s. Estude e examine
tudo,parasaberoquevirá,afimdeestarpreparado.
"Você vai notar que o governo e a religiã o vã o mudar, a guerra e a in laçã o explodirã o,
haverá uma hecatombe que reduzirá terrivelmente a populaçã o do globo, acompanhada de
grande destruiçã o, martı́rios de santos, e até mesmo um terremoto devastador. Esteja
preparado.
"Deusquerperdoarosseuspecadosereservar-lheumlugarseguronocé u.OuçaEzequiel
33.11: '...nã o tenho prazer na morte do perverso, mas em que o perverso se converta do seu
caminhoeviva.'
"Se você aceitar a mensagem da salvaçã o de Deus, o Espı́rito Santo de Deus entrará em
suavidaefará comquevocê renasçaespiritualmente.Você nã oprecisaterumacompreensã o
teoló gica de tudo isso. Você pode tornar-se um ilho de Deus orando a Ele agora mesmo
enquantoeuoconduzonestaoração..."
Rayford interrompeu novamente o teipe, congelando a imagem na tela, e viu a
preocupaçã oestampadanorostodopastor,acompaixã oquehaviaemseuolhar.Rayfordtinha
amigos e conhecidos que o tomariam por louco, talvez até mesmo sua ilha. Mas isto tudo
soava-lheverdadeiroelı́m pidocomocristal.Elenã ohaviaentendidoosigni icadodosseteanos
de tribulaçã o nem do novo lı́der, o mentiroso que deveria surgir. Mas sabia que precisava de
Cristoemsuavida.
Precisava do perdã o de seus pecados e da segurança de que um dia se reuniria com sua
esposaeseufilhonocéu.
Rayford sentou-se com a cabeça entre as mã os, o coraçã o martelando. Nã o se ouvia
nenhumruı́dovindodecima,ondeChloedescansava.Eleestavaasó scomseuspensamentos,a
só s com Deus, cuja presença sentiu naquele instante. Levantou-se da poltrona e dobrou os
joelhos sobre o carpete. Ele jamais dobrara os joelhos para orar ou adorar, mas sentia naquele
momento um sopro de santidade e reverê ncia. Pressionou de novo a tecla para fazer rodar o
teipe e colocou de lado o controle remoto. Juntou as mã os em atitude de prece, erguidas à
altura do peito, e apoiou nelas a cabeça, rosto voltado para o chã o. "Repita as palavras desta
oraçã o", disse o pastor, e Rayford o seguiu: "Querido Pai, admito que sou um pecador. Estou
arrependidodosmeuspecados.Perdoa-meesalva-me.Peço-teemnomedeJesus,quemorreu
pormim.Confioneleagora.Creioqueseusanguesemmáculaésuficienteparapagaropreçode
minha salvaçã o. Obrigado por me ouvires e me aceitares. Graças te dou por salvares minha
alma."
Enquanto o pastor continuava com palavras de â nimo e conforto, citando versı́c ulos que
prometiam que todo aquele que invocasse o nome do Senhor seria salvo, e que Deus nã o
rejeitaria aqueles que o buscassem com sinceridade, Rayford permaneceu onde estava. Ao
terminarsuamensagem,opastordisse:"Sevocê foisinceroemsuacon issã o,está salvo,nasceu
de novo, é ilho de Deus." Rayford queria falar mais com Deus. Queria ser especı́ ico sobre seus
pecados. Sabia que estava perdoado, mas, de uma forma que lhe pareceu infantil, queria que
Deussoubessequetipodepessoaeletinhasido.
Ele confessou seu orgulho. Orgulho de sua inteligê ncia. Orgulho de seu modo de olhar.
Orgulhodesuacapacidade.Confessousualascı́via,aformacomonegligenciouorelacionamento
com sua esposa, como tinha procurado o pró prio prazer. Como adorou o dinheiro e as coisas
fú t eis. Ao terminar seu des ile de erros cometidos, sentiu-se limpo, puri icado. O teipe o havia
apavorado com aquelas palavras sobre os terrı́veis anos vindouros, mas sabia que poderia
enfrentá-loscomoumverdadeirocrente,nãonascondiçõesemqueviveraantes.
Sua primeira oraçã o depois daquele momento foi em favor de Chloe. Ele se preocupava
comelaeorariaemseufavorconstantemente,atéqueestivessesegurodequeafilhateriauma
novavidaaseulado.
Buck chegou ao aeroporto Kennedy, em Nova York, e ligou para Steve Plank
imediatamente.
—Fiqueaíondeestá,Buck,seurenegado.Sabequemdesejafalarcomvocê?
—Nemimagino.
—NicolaeCarpathia,empessoa.
—Ah!sei.
— Estou falando sé rio, cara. Ele está aqui em companhia de seu velho amigo Chaim
Rosenzweig.Pelojeito,Chaimelogiouvocê paraele,e,apesardetertodaamı́diaatrá sdesi,o
homemestá procurandoporvocê .Porisso,estouindoapanhá -loaı́, evocê vaimedizeremque
andou metido por esse mundo afora. Para nó s, você está vivo e pode fazer aquela grande
entrevistaquepretendia.
Buckdesligouedeuumsoconapalmadamã odecontentamento.Istoébomdemaispara
serverdade, pensou. Sehá um cara que está acima dos terroristas e vigaristas internacionais e
acimadasujeiradaBolsadeLondresedaScotlandYard,éesseCarpathia.SeRosenzweiggosta
dele,éporqueeledeveseromáximo.
Rayford aguardava com ansiedade o momento de ir à Igreja Nova Esperança na manhã
seguinte. Começou a ler o Novo Testamento e vasculhou cada canto da casa para encontrar
livros ou guias de estudo bı́blico que Irene tinha colecionado. Embora muita coisa ainda fosse
difı́c ildeentender,elesesentiatã ofamintoesedentoporhistó riasdavidadeCristoqueleude
umasóvezosquatroEvangelhosatéquaseatravessaranoiteecairdesono.
TudooqueRayfordpô deapreenderpormeiodaleituraeraqueagorapertenciaà famı́lia
que incluı́a sua esposa e seu ilho. Embora assustado com as prediçõ es do pastor no videoteipe
sobreascoisasterrı́veisqueocorreriamnomundoapó soArrebatamentodaIgreja,eleestava,
poroutrolado,eufó ricoeesperançosoacercadesuanovafé .SabiaqueumdiaestariacomDeus
ecomCristoe,maisdoquenunca,desejavaomesmoparaChloe.
Rayfordevitouaborrecê -la.Eleestavadeterminadoanã olhedizernadaarespeitodoque
tinhadecidido,amenosqueelaperguntasse.Eelanadaperguntouantesdeelesairparaaigreja
naquela manhã , mas desculpou-se por nã o acompanhá -lo. "Irei com você em outra
oportunidade",disseela."Prometo.Nãoestoucontra.Apenasnãomeconsideropreparada."
Rayford lutou contra o impulso de admoestá -la a nã o protelar sua decisã o. Ele queria
també mapelarparaqueelavisseovideoteipe;Chloesabiaqueeletinhavisto,massemanteve
caladaaesserespeito.Rayfordhaviarebobinadooteipeedeixou-onovideocassete,esperandoe
orandoparaqueelavisseagravaçãoenquantoeleestivessefora.
Rayfordchegouàigrejaumpoucoantesdasdezhoraseficousurpresoaoterdeestacionar
a trê s quadras do templo. O lugar estava lotado. Poucos levavam Bı́blias, e raramente se via
algué m bem vestido. Pessoas assustadas, desesperadas ocupavam todos os bancos, incluindo a
galeria. Rayford teve de se contentar em icar em pé na parte de trá s por nã o ter encontrado
umúnicolugar.
As dez horas em ponto, Bruce começou a falar. Pediu a Loretta que icasse à porta e
cuidasseparaquecadaretardatá riofossebemrecebido.Apesardamultidã o,elenã oacendeuas
luzesdaplataformanemutilizouopú lpito.Apenascolocouumú nicomicrofonelogoà frenteda
primeirafiladebancos,falandoaopúblicosemqualquerformalidade.
Bruceapresentou-seedisse:
— Nã o vou ocupar o pú lpito, porque aquele é um lugar para pessoas preparadas e
chamadasporDeusparaessamissã o.Estouliderandoestareuniã oelhesdirigindoapalavrapor
ter sido negligente. Normalmente, nó s, nesta igreja, estarı́amos entusiasmados ao ver um
pú blicotã onumerosocomoeste.Masnã oestouaquiparadizer-lhesoquantonosalegramosde
vê -los. Sei que estã o aqui procurando saber o que aconteceu a seus ilhos pequenos e a outros
entesqueridos.Creioteraresposta.Narealidade,eunã otinhaessarespostaantes,porque,sea
tivesse, també m nã o estaria aqui. Nã o vamos cantar hinos nem fazer avisos sobre a
programaçã o da igreja, a nã o ser comunicar-lhes que teremos um estudo bı́blico na pró xima
quarta-feira, à s sete da noite. Nã o faremos levantamentos de ofertas, embora tenhamos de
recomeçararecolhê -lasnapró ximasemana,a imdefazerfrenteà snossasdespesas.Aigreja
dispõ e de algum dinheiro no banco, mas temos uma hipoteca a liquidar e despesas com meu
sustento.
Em seguida, Bruce contou a mesma histó ria que tinha contado a Rayford e Chloe no dia
anterior, e sua voz era o ú nico som que se ouvia no templo. Muitos choravam. Ele exibiu o
videoteipe, e mais de uma centena de pessoas acompanhou-o na oraçã o feita no inal da
exibiçã o. Bruce recomendou-lhes que começassem a freqü entar assiduamente a Igreja Nova
Esperança.
Eleacrescentou:
—Seiquemuitosdevocê saindaestã océ ticos.Talvezacreditemqueoqueaconteceufoi
obra de Deus, mas continuam insatisfeitos e ressentidos. Se quiserem voltar à noite para
desabafarefazerperguntas,estareiaqui.Resolvinã ofazerumasessã odeperguntaserespostas
nesta manhã , porque muitos que se encontram aqui sã o recé m-convertidos, e nã o quero
misturarassuntos.Estaremosabertosaqualquerperguntahonesta.
— Quero dar oportunidade a qualquer pessoa que tenha recebido Cristo nesta manhã e
queiraprofessarsuadecisã odiantedenó s.ABı́bliadizquedevemosfazerisso—tornarpú blica
nossadecisãoenossacondição.Sintam-seàvontadeparaviraomicrofone.
Rayfordfoioprimeiroasemanifestar,mas,aocaminharpelocorredor,notouquemuitos
o acompanhavam com o mesmo propó sito. Todos queriam contar suas histó rias, dizer onde se
encontravamemsuajornadaespiritual.Asituaçã odemuitoseraigualà dele.Estiveramperto
daverdadeporintermé diodeumapessoadafamı́liaoudealgumamigo,masnuncaaceitaram
plenamenteaverdadesobreCristo.
As histó rias eram comoventes, e ningué m abandonou o recinto, mesmo quando o reló gio
marcavamaisdemeio-diaehaviaainda40ou50pessoasna ila.Todospareciamnecessitados
defalardosseusquehaviampartido.Asduashoras,quandotodosestavamfamintosecansados,
Brucedisse:
— Vejo-me impelido a terminar. Hoje, eu nã o pretendia realizar uma cerimô nia
semelhanteaumculto,nemmesmocantarhinos.MassintoqueprecisamoslouvaraDeuspelo
queaconteceuaquinestedia.Permitam-meensinar-lhesumsimplescânticodeadoração.
Bruce entoou um breve câ ntico extraı́do da Escritura, dando gló ria ao Pai, ao Filho e ao
Espı́rito Santo. Quando o povo acompanhou, calmo, reverente e sincero, Rayford icou muito
emocionadoenã oconseguiucantar.Unsapó soutrosforamparandodecantareapenasdiziam
baixinho as palavras ou as sussurravam com os lá bios cerrados, com um nó na garganta,
tomados pela emoçã o. Rayford acreditava que aquele tinha sido o momento mais forte e
comovente de sua vida. Como ele desejaria ter podido compartilhá -lo com Irene, Raymie e
Chloe.
Opú blicopareciarelutanteemsair,mesmodepoisqueBruceencerroucomumaoraçã o.
Muitos permaneceram para estabelecer relacionamentos, e parecia evidente que uma nova
congregaçã oestavacomeçando.Onomedaigrejanuncaforatã oapropriado.NovaEsperança.
Bruce apertava a mã o de cada pessoa que saı́a. Ningué m se esquivava nem se apressava.
QuandoRayfordapertou-lheamão,Bruceperguntou:
—Vocêvaiestarocupadoestatarde?Poderíamostomarumlanchejuntos?
—Gostariadeligarprimeiroparaminhafilha,masseráumprazer.
Rayford disse a Chloe onde ele estaria. Ela nada perguntou sobre a reuniã o na igreja,
dizendo apenas: "Demorou, hein? Havia muita gente?" E ele simplesmente respondeu sim a
ambas observaçõ es. Havia decidido a nã o dizer mais nada, a menos que ela perguntasse.
Esperava e orava para que a curiosidade de Chloe a levasse inalmente a se interessar pelo
assunto,e,semaistardeelepudessecontar-lheoquerealmentehaviaacontecidonaqueledia,
talvez ela manifestasse o desejo de tomar uma atitude. No mı́nimo, ela teria de reconhecer o
quantoaquilooafetou.
Num pequeno restaurante perto de Arlington Heights, Bruce parecia exausto, mas feliz.
Ele disse a Rayford que sentiu uma tal carga de emoçõ es que di icilmente saberia o que fazer
delas.
— Minha a liçã o pela perda de minha famı́lia continua tã o viva que mal consigo agir
normalmente.Sintoaindavergonhademinhahipocrisia.E,noentanto,desdequemearrependi
de meus pecados e recebi verdadeiramente Cristo, em apenas uns poucos dias Ele me tem
abençoado mais do que eu poderia imaginar. Minha casa está solitá ria, fria e cheia de
lembranças dolorosas. Mas, apesar disso, veja o que aconteceu hoje. Foi-me dado um rebanho
parapastorear,umarazãoparaviver.
Rayford apenas sinalizava a irmativamente com a cabeça. Ele percebeu que Bruce
precisavadealguémcomquemdesabafar.
— Ray — disse Bruce -, as igrejas sã o geralmente formadas por pastores diplomados em
seminá rios e presbı́t eros que tê m sido cristã os na maior parte de suas vidas. Nó s nã o tivemos
esse privilé gio. Nã o sei que modelo de liderança vou implantar. Nã o faz sentido ter presbı́t eros
quando o pastor interino, que é tudo o que posso dizer de mim mesmo, é um cristã o recé mconvertido como todos os demais. Mas vamos precisar de um grupo de pessoas que se
comprometam umas com as outras e sejam dedicadas aos crentes. Loretta e algumas pessoas
que conheci na noite do Arrebatamento já fazem parte desse grupo, alé m de dois senhores
idosos que freqü entaram a igreja durante anos, mas por alguma razã o també m perderam a
chancedeserarrebatados.
—Seiqueistoé novidadeparavocê ,massintoquedevopedir-lhequefaçapartedenosso
pequenogrupo.Estaremosjuntosnaigrejanocultomatutinodedomingo,nareuniã oocasional
no domingo à noite, no estudo bı́blico na quarta-feira à noite e nos reuniremos em minha casa
umaouduasnoitesporsemana.Oraremosunspelosoutros,estabeleceremosaresponsabilidade
de cada um e estudaremos com um pouco mais de profundidade como estar à frente da nova
congregação.Vocêestádisposto?
Rayfordaprumou-senacadeira.
—Uau—disseele.—Nãosei.Soumuitonovonisto.
—Todossomos.
—Sim,masvocêfoicriadonessemeio,Bruce.Vocêconheceoassunto.
—Sóqueperdiomaisimportantedetudo.
—Bem,voudizer-lheoquemeatrainisso.EstoufamintodeconheceraBı́blia.Epreciso
deumamigo.
— Eu també m — disse Bruce. — Este é o risco. Com o tempo, poderemos nos
desentender.
— Estou disposto a assumir o risco, se você estiver -disse Rayford. — Desde que eu nã o
exerçanenhumpapeldeliderança.
— Combinado — disse Barnes, estendendo-lhe a mã o. Rayford a apertou com força.
Nenhumdelessorriu.Rayfordtinhaasensaçã odequeesteeraocomeçodeumrelacionamento
nascido da tragé dia e da necessidade. Ele apenas esperava que desse certo. Quando Rayford
inalmentechegouaolar,encontrouChloeansiosaporsabertudoarespeitodoquesepassara.
Ela icouassombradadiantedoqueopailhecontouesentiu-seembaraçadaaodizerqueainda
nã otinhavistoovideoteipe.—Masvouvê -loagora,papai,antesdeirmosaAtlanta.Você está
realmente envolvido nisto, certo? Parece-me que se trata de algo que preciso investigar,
mesmoquenãotomenenhumadecisãofavorável.
Rayford tinha chegado a casa havia uns vinte minutos e vestira um pijama e um roupã o,
pararelaxarorestodanoite,quandoChloelhedeuumrecado.
—Papai,quasemeesqueci.UmataldeHattieDurhamtelefonouváriasvezes.Elaparecia
muitoagitada.Dissequetrabalhacomvocê.
—Sim—disseRayford.—Elaqueriaserescaladaparaomeupró ximovô o,eeunã oquis.
Elaprovavelmentedescobriuequersaberporquê.
—Porquevocênãoquis?
—Estaé umalongahistó ria.Contareiavocê qualquerdia.Rayforddirigia-seaotelefone,
quandoeletocou.EraBruce.
— Esqueci-me de con irmar — disse ele. — Já que você concordou em participar do
grupo,aprimeiraresponsabilidadeéareuniãodehojeànoitecomosdesalentadoseoscéticos.
—Vocêestásendoumcapatazmuitosevero,nãoestá?
—Possocompreender.Talvezessareuniãonãoestivesseemseusplanos.
—Bruce—disseRayford-,alémdocéu,nãoháoutrolugaraoqualprefeririair.Nãoposso
perderessareunião.TalvezeuleveChloe.
—Quereuniãoéessa?—perguntouelaquandoeledesligou.
—Espereumminuto—disseele.—Deixe-mefalarcomHattieeacalmarasituação.
Rayford icousurpresoporHattienã omencionarofatodenã otersidoescaladaparaseu
vôo.
— Ouvi uma notı́c ia desconcertante — disse ela. — Lembra-se do redator doSemanário
Globalqueestavaemnossovô o,aquelequetinhaumcomputadorligadoaotelefoneinternodo
avião?
—Vagamente.
—SeunomeeraCameronWilliams,econverseicomeleumasduasvezesdepoisdovô o.
TenteiligarparaeledoaeroportoemNovaYorknanoitepassada,masnãoconsegui.
—Hã-hã.
—Acabodeouvirpelonoticiá riodatelevisã oqueelefoimortonaInglaterranaexplosã o
deumabombadentrodeumcarro.
—Vocênãoestáfalandosério!
— Estou. Você nã o acha isso muito estranho? Rayford, à s vezes nã o sei o quanto essas
coisasmeafetam.Eumalconheciaessapessoa,mas iqueitã ochocadaquemesentiarrasada
quandoouvianotícia.Sintoterincomodadovocê,maspenseiqueselembrassedele.
— Nã o, nã o, você fez bem, Hattie. E imagino o quanto isso a abateu, porque aconteceu
comigotambém.Naverdade,tenhomuitacoisaalhecontar.
—Émesmo?
—Poderíamosnosencontrarproximamente?
—Eumeinscreviparaserescaladanumdeseusvôos—disseela.—Talvezdêcerto.
—Talvez—disseele.—E,senãodercerto,talvezvocêpossavirjantarconosco,Chloee
eu.
—Eugostaria,Rayford.Gostariamesmo.
CAPÍTULO13
BUCKWilliamssentou-sepertodeumadassaı́dasdoaeroportoKennedyeleuseupró prio
necrológio."RedatordeRevistaSupostamenteAssassinado",diziaamanchete.
Cameron Williams, 30 anos, o mais jovem e importante redator no cı́rculo das mais
prestigiosasrevistassemanais,morreutragicamenteapó saexplosã odeumabombadentrode
um carro, diante de um bar-restaurante de Londres no ú ltimo sá bado à noite, morrendo no
acidentetambémuminvestigadordaScotlandYard.
Williams, contratado há cinco anos peloSemanário Global, recebeu o Prê mio Pulitzer
comorepó rterdaBostonGlobe antes de ingressar na equipe atual de repó rteres doSemanário
aos 25 anos. Ele chegou rapidamente à primeira linha de redatores e, desde entã o, escreveu
maisdetrê sdú z iasdereportagensdecapa,tendoconquistadoporquatrovezesnoSemanário o
prêmiopelareportagem"OFazedordaNotíciadoAno".
OjornalistaganhouohonrosoPrê mioErnestHemingwaycomocorrespondentedeguerra,
quandoescreveuumacrô nicaarespeitodadestruiçã odaforçaaé rearussasobreoterritó riode
Israel há 14 meses. De acordo com Steve Plank, editor-executivo doSemanário Global, a
administraçã odarevistaserecusaacon irmaranotı́c iadamortedeWilliams"até queobtenha
sólidaevidênciadoacontecido".
O pai de Williams e seu irmã o casado vivem em Tucson, onde Williams perdeu sua
cunhada,umasobrinhaeumsobrinhonosdesaparecimentosdaúltimasemana.
AScotlandYardinformaqueabombaqueexplodiuemLondresaparentatersidoumato
cometido por terroristas da Irlanda do Norte, podendo signi icar um caso de retaliaçã o. O
capitã o Howard Sullivan considerou a vı́t ima Alan Tompkins, seu subordinado de 29 anos, "um
dos homens mais eminentes e brilhantes entre os investigadores que teve o privilé gio de
comandar".
SullivanacrescentouqueWilliamseTompkinstornaram-seamigosdepoisqueorepó rter
entrevistou o investigador há vá rios anos para um artigo sobre o terrorismo na Inglaterra. Os
dois tinham acabado de sair da taverna Armitage Arms, em Londres, quando uma bomba
explodiunoveículodaScotlandYard,queestavasendodirigidoporTompkins.
Os restos mortais de Tompkins foram identi icados, ao passo que somente documentos
pessoaisdeWilliamsforamrecuperadosnolocal.
RayfordSteeletinhaumplano.ResolveuserhonestocomChloearespeitodesuaatraçã o
por Hattie Durham e o quanto se sentia culpado. Ele sabia que iria desapontar Chloe, mesmo
queofatonã oachocasse.Pretendiacompartilharsuafé comHattie,naesperançadeconseguir
algumprogressoemrelaçã oaChloe,semqueelasesentisseforçada.Chloetinhaidocomeleà
igrejadomingoà noiteparaoencontrocomdescrentes,comohaviaprometido.Masretirou-se
por volta da metade da reuniã o. Ela també m cumpriu a promessa de ver o teipe que o pastor
anterior havia gravado. Eles nã o conversaram nem sobre o encontro na igreja nem sobre o
videoteipe.
Eles nã o teriam muito tempo juntos até chegar a O'Hare, por isso Rayford tocou no
assunto no trajeto de carro até o aeroporto, enquanto olharam pasmos para a devastaçã o e os
escombros ao longo do caminho. No caminho até o aeroporto, viram mais de uma dú z ia de
casasconsumidaspelofogo.Asuposiçã odeRayforderaqueasfamı́liasdesaparecidasdeixaram
algumacoisanofogão.
—EvocêachaquefoiobradeDeus?—perguntou-lheChloe,nãoemsinaldedesrespeito.
—Acho.
—EupensavaqueEledeveriaserumDeusdeamoreordem
—observouela.
—EucreioqueEleé.Estefoiseuplano.
—Houveinúmerastragédiasemortesabsurdasantesdisso.
—Eutambémnãocompreendotudoisso—disseRayford.
— Mas, como Bruce mencionou ontem à noite, vivemos num mundo decaı́do. Deus
permitiuqueSatanásassumissequasetodoocontroledomundo.
—Oh!papai—disseela.—Vocêpodeimaginarporquesaínametadedareunião?
— Suponho que foi porque as perguntas e respostas estavam atingindo você muito
intimamente.
—Talvez,mastodaessahistó riasobreSataná s,aQueda,opecadoenã oseioquemais...
—Elaparouemeneouacabeça.
— Nã o posso a irmar que compreendo melhor do que você , querida, mas sei que sou um
pecadorequeestemundoestácheiodepecadores.
—Evocêmeconsideraumdeles?
—Sevocêfazpartedomundo,entãoé,eeusou.Vocênãoé?
—Nãopropositadamente.
—Vocênuncaéegoísta,gananciosa,ciumenta,mesquinha,rancorosa?
—Procuronãoser,evitandomagoarouprejudicarqualquerpessoa.
— Mas você pensa que está isenta do que a Bı́blia diz sobre cada um de nó s ser um
pecador,sobrenãohaverumapessoajustaemqualquerpartedestemundo,"nenhumasequer"?
—Nãosei,papai.Simplesmentenãotenhonenhumaidéia.
—Vocêsabe,comcerteza,oquemepreocupa.
— Sim, eu sei. Você acha que o tempo é curto, que neste novo mundo perigoso vou
demorarmuitotempoparadecidiroquefazer,eentãopoderásermuitotarde.
—Eunã osaberiadizermelhoroquevocê disse,Chloe.Esperoapenasquevocê saibaque
estoupensandosomenteemvocê,nadamais.
—Vocênãotemdesepreocuparcomigo,papai.
—Oquevocêachoudovideoteipe?Elefezsentidoparavocê?
— Ele faz muito sentido, se algué m aceitar tudo aquilo sem questionar. Quero dizer, a
pessoatemdecomeçarcomissocomoumalicerce.Entã otudopassaa icarmaisclaro.Mas,
seelanã oestá seguraarespeitodeDeus,daBı́blia,dopecado,docé uedoinferno,continuase
perguntandooqueaconteceueporquê.
—Eénestepontoquevocêestá?
—Nãoseiondeestou,papai.
Rayfordprocurouevitarinsistircomela.SetivessemtempobastanteemAtlantadurante
o almoço, ele tentaria abordar o assunto referente a Hattie. O aviã o permaneceria apenas 45
minutosemAtlantaantesderetornaraChicago.Rayfordperguntouasimesmoseseriacorreto
orarparaquehouvesseumatraso.
— Belo boné — disse Steve Plank entrando rapidamente no aeroporto Kennedy e dando
umapalmadanoombrodeBuck.
—Oqueéisso?Barbadedoisdias?
—Nuncafuimuitobomemdisfarces—disseBuck.
—Vocênãoétãofamosoapontodeprecisarseesconder
—disseSteve.—Vocêpodeficarforadeseuapartamentoporalgumtempo?
—Sim,eprovavelmentenoseu.Temcertezadequenãofoiseguido?
—Vocêestáficandoumtantoparanóico,nãoestá,Buck?
—Tenhomotivos—disseBuckenquantoentravamnumtáxi.
—CentralPark—indicoueleaomotorista.Emseguida,contouaStevetodaahistória.
— O que faz você pensar que Carpathia vai ajudar? -perguntou Plank mais tarde, quando
caminhavam dentro do parque. — Se a Yard e a Bolsa estiverem por trá s disso, e se você
considerar que Carpathia está ligado a Todd-Cothran e Stonagal, talvez esteja se perguntando
porqueCarpathiasevoltoucontraseusanjosdaguarda.
Elescaminhavamsobumaponteparaevitarosolquentedaprimavera.
—Tenhoumpressentimentosobreessecara—disseBuck,ecoandosuavoznasparedes
depedra.—Nã oseriasurpresaparamimseviesseasaberqueeleseencontroucomStonagale
Todd-CothranemLondresháalgunsdias.Mastenhodeacreditarqueeleéumfantoche.
Stevemostrouumbancoemquesesentaram.
—Bem,encontreiCarpathiahojedemanhã emsuaentrevistaà imprensa—disseSteve
—esóesperoquevocêestejacerto.
— Rosenzweig icou impressionado com ele, e estamos falando de um velho cientista de
grandeintuição.
—Carpathiaéumapessoaqueimpressiona—admitiuSteve.—Éumtipoatraentecomo
um Robert Redford jovem, e nesta manhã falou em nove lı́nguas, tã o luentemente como se
cadaumadelasfossesualínguanativa.Amídiaestáentusiasmadacomele.
—Vocêdizissocomosenãofizessepartedamídia-observouBuck.
Steveencolheuosombros.
—Estoumanifestandominhaopiniã o.Aprendiasercé tico,deixandoquearevistaPeople
e os tabló ides corram atrá s das celebridades. Mas aqui está urn cara com substâ ncia, com
cé rebro,comalgumacoisaadizer.Gosteidele.Istoé ,viohomemapenasnaaudiê nciacoma
imprensa, mas ele parece ter um plano. Você vai gostar dele, apesar de ser muito mais cé tico
doqueeu.E,alémdomais,elequervê-lo.
—Fale-mesobreisso.
—Eudisseavocê.Eletemumapequenacomitivadejoões-ninguém,comumaexceção.
—Rosenzweig.
—Correto.
—QualéaconexãocomChaimRosenzweig?
—Ningué msabeaté agora,masCarpathiapareceatrairespecialistaseconsultoresqueo
mantenham atualizado para acelerar a tecnologia, a polı́t ica, as inanças e tudo mais. E você
sabe,Buck,elenãoétãomaisvelhoquevocê.Ouvidizerhojedemanhãqueeletem33anos.
—Efalanovelínguas?Plankassentiucomacabeça.
—Lembra-sedequaiseram?
—Porquevocêquersaber?
—Porcuriosidade.
Stevepuxouumaagendadeseubolsolateral.
—Vocêqueremordemalfabética?
—Sim.
—Alemão,árabe,chinês,espanhol,francês,húngaro,inglês,romenoerusso.
—Digadenovo—pediuBuck,pensativo.Steverepetiu.
—Oquevocêtememmente?
—Essecaraéopolíticoperfeito.
—Nã oé .Con ieemmim,nã ohouvenenhumatramó ia.Eleconheciabemessaslı́nguase
asusoucomeficácia.
—Vocênãovênenhumaligaçãoentreessaslínguas,Steve?Penseumpouco.
—Poupe-meoesforço.
—SãoasseislínguasdaOrganizaçãodasNaçõesUnidas,maisastrêslínguasdopaísdele.
—Vocêestábrincando?Buckdissequenão.
—Então,voumeencontrarcomelelogo?
Ovô oparaAtlantaestavalotadoetumultuado,eRayfordtevedemudarcontinuamente
de altitude para evitar variaçõ es atmosfé ricas. Conseguiu ver Chloe somente por alguns
segundos,enquantoseuco-pilotoestavanocomandoeoaviã oligadonopilotoautomá tico.Ele
passourapidamentepeloscorredores,masnãotevetempodeconversarcomninguém.
RayfordteveseudesejosatisfeitoemAtlanta.Outro747teriadevoardevoltaaChicago
na metade da tarde, e o ú nico piloto disponı́vel teve de retornar mais cedo. Chicago fez a
coordenaçã o com Atlanta, trocou os escalonamentos, e també m reservou uma poltrona para
Chloe.Comisso,elesteriammaisdeduashorasparaalmoçar,temposu icienteparasaı́remdo
aeroporto.
A taxista, uma jovem com voz cadenciada, perguntou se gostariam de contemplar "uma
cenaverdadeiramenteincrível".
—Senãoficarmuitoforademão.
—Ficaapenasaumasduasquadrasdolugaraondevocêsestãoindo—disseela.
Elamanobroucontornandová riosdesviosecavaletes,passando,emseguida,porduasruas
controladasporguardasdetrânsito.
— Olhem lá adiante — disse ela, apontando e entrando num estacionamento de areia
rodeado de muros de concreto de quase um metro de altura. — Estã o vendo aquele
estacionamentodooutroladodarua?
—Oqueéaquilo?—perguntouChloe.
—Estranho,nãoacham?—comentouamotorista.
—Oqueaconteceu?—perguntouRayford.
—Istoaconteceunomomentodosdesaparecimentos-explicou.
Eles olharam para o estacionamento de seis andares cheio de carros que colidiram de
todos os lados, formando um amontoado confuso de veı́c ulos tã o amassados que os guindastes
tinhamdelevantá-loseretirá-losatravésdasbrechasabertasnasparedeslateraisdoedifício.
— O pessoal chegou ao estacionamento apó s uma competiçã o que terminou tarde da
noite — explicou ela. — A polı́c ia diz que foi horrı́vel. Longas ilas de carro tentando deixar o
estacionamento, uns passando à frente dos outros enquanto alguns nã o saı́am do lugar,
atravancando a passagem. Algué m, que se cansou de esperar, se en iou no meio da ila, o que
levououtrosafazeremomesmo,vocêscompreendem.
—Sim,compreendemos.
Disseramque,derepente,numpiscardeolhos,maisdeumterçodoscarros icaramsem
motoristas. Os carros começaram a se movimentar sozinhos nos vã os livres e bateram em
outrosounaparede.Emlugaresondenã ohaviaespaço,elessubiramnosqueestavamà frente.
Os motoristas que nã o desapareceram nã o tinham como ir para a frente nem para trá s. A
confusã ofoitamanhaqueelesdeixaramseuscarrosepassaramporcimadosoutroscarrospara
poderem sair do estacionamento em busca de ajuda. De madrugada, dois guinchos
transportaram os carros para o andar té rreo. Os guindastes chegaram por volta do meio-dia e
estãoaíatéagora.
Rayford e Chloe icaram fora do carro observando, meneando a cabeça. Guindastes
normalmenteusadosparalevantarvigasdeferroparaoaltodasconstruçõ esestavampassando
cabos de aço em torno dos carros para erguê -los, arrastá -los, empurrá -los um apó s outro,
passando-os pelos rombos feitos na parede de concreto para esvaziar o estacionamento. Pelo
jeito,deverialevarmaisalgunsdiasparaterminararemoçãodosveículos.
—Equantoavocê?—perguntouRayfordàmotorista.-Perdeualguém?
—Sim,senhor.Minhamã e,minhaavó , duasirmã zinhas.Masseiondeelasestã o.Estã ono
céu,exatamentecomominhamãesempredizia.
—Creioquevocêestácerta—confortou-aRayford.—Minhaesposaemeufilhotambém
seforam.
— E o senhor está salvo agora? — perguntou a jovem. Rayford icou chocado pela
franqueza,massabiaexatamenteoqueelaqueriadizer.
—Euestou—disseele.
—Eutambém.Apessoatemdesercegaoucoisaparecidaparanãoveraluzagora.
RayfordqueriadarumaolhadaparaChloe,maspreferiuevitar.Eledeuumaboagorjetaà
jovemmotoristaquandoelaosdeixounorestaurante.Duranteoalmoço,elecontouaChloesua
históriacomHattie,talcomoaconteceu.
Chloeficouemsilêncioporumlongotempo.Quandofalou,suavozerafraca.
—Entãovocêrealmentenãoteveumcasocomela?-perguntou-lhe.
—Felizmente,não.Nuncaseriacapazdemeperdoar.
—Issoteriapartidoocoraçãodemamãe,comtodacerteza.Eleassentiupesarosamente.
—Asvezes,sinto-metã ovilcomosetivessesidoin ielaela.Masprocureicomportar-me
dignamentepelofatodesuamãeestartãoobcecadapelareligião.
— Eu sei, embora tudo me pareça estranho. Isso ajudou-me a comportar-me mais
corretamente na escola. Quero dizer, estou certa de que mamã e icaria desapontada ao ter
conhecimento de uma porçã o de coisas que eu disse e iz enquanto estive fora — nã o me
pergunte o quê . Mas, sabendo o quanto ela era sincera e consagrada, e por ter grandes
esperanças e expectativas a meu respeito, tive forças para nã o cometer alguma coisa
realmente estú pida. Sabia que ela estava orando por mim. Ela me dizia isso toda vez que me
escrevia.
—Elaescreviaavocêtambémsobreofinaldostempos,Chloe?
—Sim,sempre.
—E,mesmoassim,vocêaindanãoqueraceitar?
— Quero, papai. Realmente quero. Mas tenho de ser intelectualmente honesta comigo
mesma.
Rayford nã o podia fazer outra coisa, a nã o ser acalmar-se. Será que ele havia sido um
pseudo-intelectual naquela idade? Certamente. Ele provara todas as coisas ligadas à quela
intelectualidade irritante — até recentemente, quando o acontecimento sobrenatural destruiu
suapretensã oacadê mica.Mas,comoamotoristadetá xidisse,é precisosercegoparanã over
aluzagora,nãoimportaograudeinstruçãoqueimaginamoster.
—VouconvidarHattieparajantarconoscoestasemana-disseele.
Chloesemicerrouaspálpebras.
—Oquê ?Você achaqueestá disponı́velagora?Rayford icoupasmocomsuareaçã o.Ele
teve de se controlar para nã o dar um tapa em sua ilha, algo que nunca tinha feito. Ele
comprimiufortementeosdentes.
— Como você pode falar assim comigo depois de tudo o que acabei de lhe contar? —
reagiuele.—Istoéuminsulto.
— Entã o era o que você esperava dessa Hattie Durham, papai. Você acha que ela nã o
estavaconscientedoquesepassava?Comovocê imaginaqueelavaiinterpretarisso?Elapode
chegaraquiempédeguerra.
—Voudeixarbemclaroquaissã ominhasintençõ es,eelassã ototalmentehonestas,mais
honestasdoquenunca,porquenãotenhonadadevalorparaofereceraela.
—Entãoagoravocêvaideixardecortejá-laparapregaroevangelhoaela.
Eletinhavontadedediscutir,masnãopodia.
— Eu me preocupo com Hattie como pessoa e desejo que ela conheça a verdade e seja
capazdeviverdeacordocomessaverdade.
—Eoqueaconteceráseelanãoaceitar?
—Aescolhaédela.Possoapenasfazeraminhaparte.
— E assim que você sente a meu respeito també m? Se eu nã o agir da forma como você
quer,ficaráconformadoporterfeitoasuaparte?
—Deveria,masevidentementemepreocupomuitomaiscomvocêdoquecomHattie.
—Vocêdeveriaterpensadonissoantesdearriscartudoparairatrásdela.
Rayford estava sendo novamente ofendido, mas absorveu a agressã o por sentir que
merecia.
—Talvezsejaporessemotivoquenuncatomeiqualqueriniciativanessesentido—disse
ele.—Pensarnoquê?
—Esteassuntoétotalmentenovoparamim—disseChloe.
—Esperoquevocêtenharefreadoseusimpulsosporcausadesuaesposaedeseusfilhos.
—Quasenãoconsegui.
—Imagino.Oqueaconteceriaseestaestraté giacomHattietornassevocê maisatraente
para ela? E o que pode impedir que você sinta atraçã o por ela també m? Você nã o é mais um
homemcasado,seéqueestáconvencidodequemamãeestánocéu.
Rayfordpediuacontaepôsoguardanaposobreamesa.
—Talvezestejasendoingê nuo,masofatodesuamã eestarnocé ué exatamentecomo
perdê -la numa morte sú bita. A ú ltima coisa que se passa em minha mente é outra mulher, e
certamente nã o seria Hattie. Ela é muito jovem e imatura, e me sinto desgostoso comigo
mesmo por ter sido atraı́do por ela logo no inı́c io. Quero questioná -la e ver o que ela diz. Será
importantesabersetodaestahistóriaestavaapenasemminhamente.
—Vocêestápensandonumcasoparaofuturo?
—Chloe,amovocê,masestáseportandodemodointolerável.
—Eusei.Sintomuito.Achoquemeexcedi.Mas,falandosé rio,comovocê vaisaberseela
está sendosincera?Sevocê disserqueestavainteressadonelapormotivosequivocados,equejá
nã oestá maisinteressado,porqueeladeveriasertã ovulnerá velapontodeadmitirquepensou
quehaviapossibilidadesparavocêsdois?Rayfordencolheuosombros.
— Você pode estar certa. Mas tenho de ser honesto com ela, mesmo que ela nã o seja
honesta comigo. Devo a ela esta satisfaçã o. Quero que Hattie me leve a sé rio quando eu lhe
disserqualéanecessidadedelaagora.
—Nãosei,papai.Pensoqueémuitocedoparaprocurarlevá-laaDeus.
—Oqueémuitocedo,Chloe?Nãohánenhumagarantia,nãoagora.
Steve tirou do bolso interno do paletó dois conjuntos de credenciais para a imprensa, que
permitiam a seus portadores assistir ao discurso de Nicolae Carpathia na Assemblé ia Geral da
ONU,naquelamesmatarde.AscredenciaisdeBuckestavamemnomedeGeorgeOreskovich.
—Devocuidardevocê,oufazerqualqueroutracoisa?
—Nempensar—disseBuck.—Quantotempotemos?
— Pouco mais de uma hora — informou Steve, acenando com o braço para chamar um
táxi.—Ecomoeudisse,elequerseencontrarcomvocê.
—Eledevelerosjornais,vocênãoacha?Estápensandoqueestoumorto.
—Suponhoquesim.Maselevaiselembrardoquelhedisseestamanhã ,etereimeiosde
assegurar a ele que tanto faz ser entrevistado por George Oreskovich como pelo famoso
CameronWilliams.
— Sim, Steve, mas, se ele for como outros polı́t icos de envergadura que conheço,
preocupa-secomsuaimagem,preferejornalistadealtonı́vel.Quervocê gosteounã o,é oque
eusou.Comovocêvaimarcarumencontrodelecomumdesconhecido?
— Nã o sei. Talvez eu lhe diga que é realmente você mesmo. E, enquanto você estiver
comele,vousoltaranotı́c iadequesuamortefoiumenganoeque,nestemesmoinstante,você
estáfazendoumaentrevistacomCarpathiaparaumareportagemdecapa.
— Uma reportagem de capa? Sua opiniã o mudou muito depois de ter considerado esse
homemumburocratadebaixoníveldeumpaísnão-estratégico.
—Euestivenaentrevistacomaimprensa,Buck.Faleicomele.Epossoaomenosavaliar
os competidores. Se nã o o apresentarmos como algué m proeminente, seremos a ú nica revista
deâmbitonacionalanãofazê-lo.
—Comojádisse,seeleforopolíticotípicoqueconheço...
—Podetirarissodasuamente,Buck.Você vaiacharessecaraexatamenteoopostode
um polı́t ico tı́pico. Você vai me agradecer por proporcionar-lhe uma entrevista exclusiva com
ele.
—Penseiqueaidé iafossedeleporcausademeunomefamoso—disseBuckemtomde
brincadeira.
—Edaí?Eupoderiadiminuirseucartaz.
—Sim,eseroeditor-executivodaú nicarevistanacionalquefalhounacoberturadamais
empolgantecaranovaavisitarosEstadosUnidos.
—Creia-me,Buck—acrescentouSteveduranteacorridadetá xiaté oedifı́c iodaONU-,
estavaiserumamudançareanimadoraapó saruı́naeodesalentosobreosquaisescrevemose
lemosnosúltimosdias.
Osdoisusaramsuascredenciaisparaentrar,masBuckprocurouesquivar-seeesconder-se
da vista de seus colegas e dos concorrentes, até que se sentassem na Assemblé ia Geral. Steve
reservou um lugar para ele bem atrá s, onde nã o chamaria a atençã o quando entrasse
sorrateiramente no ú ltimo minuto. Enquanto isso, Steve usaria seu telefone celular para
providenciar a notı́c ia do reaparecimento de Buck, com tempo de alcançar os jornais de
circulaçãovespertina.
Carpathia entrou na assemblé ia de uma forma digna mas sem brilho, embora estivesse
cercadodemeiadú z iadepersonalidades,incluindoChaimRosenzweigeumperitodas inanças
dogovernofrancês.Carpathiaaparentavatercercadel,85mdealtura,ombroslargos,troncudo,
alinhado, atlé tico, bronzeado e loiro. A cabeleira espessa estava bem aparada em torno das
orelhas,costeletasepescoço,eseuternocinza-azuladocomriscasbrancascombinandocoma
gravataeraperfeitamenteconservador.
Mesmo à distâ ncia, o homem parecia demonstrar um aspecto de humildade e
determinaçã o.Suapresençadominavaoambiente,emboraelenã oparecessepreocupadocom
sua aparê ncia. Tinha o queixo e o nariz tipicamente romanos, e seus penetrantes olhos azuis
eramprofundoseencimadosporespessassobrancelhas.
Buck icouadmiradodeCarpathianã oportarumcadernodeanotaçõ eseimaginouqueo
homem deveria ter suas notas para o discurso em seu bolso interno. Ou, entã o, algum de seus
assessoresestariacomasnotas.Buckestavaenganadoarespeitodasduaspossibilidades.
O secretá rio-geral Mwangati Ngumo, de Botsuana (Africa), anunciou que a assemblé ia
tinha o privilé gio de ouvir um breve pronunciamento do novo presidente da Romê nia e que a
apresentaçã oformaldoconvidadoseriafeitapelohonorá velDr.ChaimRosenzweig,comquem
estavamtodosfamiliarizados.
Rosenzweigapressou-seemdireçã oà tribunacomumvigorincompatı́velcomsuaidade,
e inicialmente recebeu uma ovaçã o mais entusiá stica do que o pró prio Carpathia. O popular
estadista e erudito israelense disse simplesmente que tinha o imenso prazer de apresentar "a
esta digna e augusta assemblé ia um jovem estadista que respeito e admiro como uma das
personalidades mais brilhantes que conheci. Queiram, senhores, receber Sua Excelê ncia,
presidenteNicolaeCarpathia,daRomênia".
Carpathia ergueu-se, voltou-se para a assemblé ia, curvou-se humildemente, e apertou
efusivamenteamãodeRosenzweig.
Commaneirascorteses,elepermaneceuaoladodatribunaaté queoidosoapresentador
tomasseassento.Emseguida,procurourelaxaresorrirantesdefalardeimproviso.Alé mdenã o
fazerusodenotas,nã ohesitouemnenhummomento,nã ocometeunenhumerrodepronú ncia
nemtirouosolhosdesuaaudiência.
Ele falou com seriedade, paixã o e freqü entes sorrisos, alé m de humor ocasional e
apropriado.Mencionourespeitosamentequeestavaconscienteepreocupadocomaocorrê ncia
do desaparecimento de milhõ es de pessoas em todo o mundo, fenô m eno que nã o tinha ainda
completadoumasemana,incluindomuitosquetinhamestado"nestemesmolugar".Carpathia
falounuminglê sperfeito,somentecomumindı́c io-desotaqueromeno.Nã ousoucontraçõ ese
pronunciouas-Isı́labasdetodasaspalavras.Umavezmais,eleempregoutodasasnovelı́nguas
emqueerafluente,ecadaveztraduzindoelemesmoparaoinglês.
EmumadascenasmaiscomoventesqueBuckjátinhatestemunhado,Carpathiacomeçou
por anunciar que era com humildade e emoçã o que visitava "pela primeira vez este lugar
histó rico,paraoqualtodasasnaçõ esvoltamseusolhares.Umaapó soutratê mvindodetodas
aspartesdogloboemperegrinaçã otã osagradacomoasdasTerrasSantas,expondosuasfaces
ao calor do sol nascente. Aqui elas tê m tomado sua posiçã o para a paz num compromisso
duradouro e irmado em rocha só lida, objetivando espantar a insanidade da guerra e do
derramamento de sangue. Estas naçõ es, grandes e pequenas, tiveram sua cota de morte e
mutilaçãodeseusmaispromissorescidadãosnoapogeudesuamocidade.
"Nossos antepassados já pensavam na globalizaçã o muito antes de eu nascer", disse
Carpathia. "Em 1944, ano em que o Fundo Monetá rio Internacional e o Banco Mundial foram
estabelecidos, este grande paı́s an itriã o, os Estados Unidos da Amé rica do Norte, com a Uniã o
das Naçõ es Britâ nicas e a Uniã o das Repú blicas Socialistas Sovié ticas, se reuniram na famosa
ConferênciadeDumbartonOaksparaproporonascimentodestaorganização."
Exibindo sua compreensã o da Histó ria e sua memó ria de datas e lugares, Carpathia
prosseguiu:"Desdeseunascimentoo icialem24deoutubrode1945,edaquelaprimeirasessã o
devossaAssembléiaGeralemLondres,em10dejaneirode1946,atéestedia,tribosenaçõesse
associaram para comprometer-se com todo empenho e sinceridade a lutar pela paz,
fraternidadeeacomunidadeglobal."
Ele começou quase com um sussurro: "De terras distantes e pró ximas, elas vieram: do
Afeganistã o,Albâ nia,Argé lia..."Elecontinuou,suavozalteando-seebaixandodramaticamente
com a pronunciaçã o cuidadosa do nome de cada paı́s membro da ONU. Buck sentia nele uma
paixã o, um amor por esses paı́ses e pelos ideais da ONU. Carpathia estava visivelmente
comovidoà medidaqueapelavaà memó ria,citandopaı́sporpaı́s,numritmodevozaudı́vele
modulada.
Acadanomemencionadodepaı́ses,observava-sequeseusrespectivosrepresentantesse
levantavam, icavamemposiçã oeretaesolene,comoseestivessemrenovandoseusvotospela
pazentreasnaçõ es.Carpathiasorriaecumprimentavaà distâ nciacadarepresentante,equase
todosospaı́sesestavamalirepresentados.Emrazã odotraumacó smicoqueomundoacabara
de sofrer, eles vieram em busca de respostas, ajuda e apoio. Agora tinham novamente a
oportunidadedereafirmarsuaposição.
Buck estava cansado e sentindo-se sujo por usar as mesmas roupas nos ú ltimos dois dias.
Massuaspreocupaçõ eseramparaeleumadistantelembrançaenquantoCarpathiacontinuava.
Quando chegou à letra S em sua lista alfabé tica, os que ali estavam continuavam aplaudindo
cadapaı́smencionado.Eraalgodigni icanteeforteessademonstraçã oderespeito,acolhimento
e admiraçã o, essa consolidaçã o de boas-vindas à comunhã o global. Os aplausos só nã o eram
mais efusivos para nã o abafar a voz de Carpathia, mas eram tã o espontâ neos, sinceros e
tocantes que Buck nã o podia evitar o nó na garganta. De repente, ele notou algo peculiar. Os
representantesdaimprensainternacionalformavamumú nicoblococomosembaixadoreseas
delegaçõ es. Mesmo a objetividade da imprensa mundial tinha temporariamente se retraı́do da
posiçã o que sustentava em seus artigos contra o . jacobinismo, o excesso de patriotismo e a
hipocrisia.
Buck estava també m ansioso para levantar-se, entusiasmado pelo fato de o nome de seu
paı́sestarpertodesermencionado,sentindooorgulhoeaeuforiaaumentandoemseupeito.A
medida que mais paı́ses eram citados e seus representantes se erguiam orgulhosamente, o
aplauso crescia, simplesmente por causa do considerá vel nú m ero de naçõ es. Carpathia
aproximava-sedo imdarelaçã odemembrosdaONU,eemsuavozpercebia-seumacrescente
emoçãoeênfaseemcadanomedepaíspronunciado.
Eleseempolgavacadavezqueaspessoasselevantavameaplaudiam."Sı́ria,Somá lia,Sri
Lanka,Suazilândia,Sudão,Suécia,Suriname!"
Mais de cinco minutos citando nomes de paı́ses, e Carpathia nã o omitiu um sequer. Nã o
haviahesitadoumsó momento,gaguejadooufalhadonapronú nciadequalquerumdosnomes.
BuckestavasentadonabeiradapoltronaquandoooradorterminouosnomesiniciadosporT,e
continuou "Ucrâ nia! Uganda! United States of America!" Buck icou em pé ao lado de Steve e
dezenasdeoutrosmembrosdaimprensa.
Alguma coisa tinha acontecido com o desaparecimento de pessoas amadas em toda a
superfı́c iedoplaneta.Ojornalismonã opodiasermaisomesmo.Oh!haveriaoscé ticoseaqueles
que adoravam a objetividade. Mas o que tinha sucedido com o amor fraternal? O que tinha
havido com a dependê ncia uns dos outros? O que tinha acontecido com a fraternidade de
homensenações?
Asituaçã omudou.Emboraningué mesperassequeaimprensapudessetransformar-sena
agê ncia de relaçõ es pú blicas para uma nova estrela polı́t ica, Carpathia certamente os havia
encurraladonumcantodoringuenaquelatarde.No inaldeseuroldequaseduzentasnaçõ es,o
jovem Nicolae estava no á pice do seu ardor e emoçã o. Com tal força e dinamismo na simples
relaçã o de nomes de todos os paı́ses que ansiavam manter-se unidos uns com os outros,
Carpathia tinha trazido toda a multidã o a seus pé s, com sua palavra e com os aplausos, bem
comoosrepresentanteseaimprensainternacionais.AtéoscéticosStevePlankeBuckWilliams
continuaram a bater palmas e a ovacionar, em nenhum momento aparentando embaraço
diantedaperdadesuaobjetividade.
Ehaviamais.Nameiahoraseguinte,CarpathiademonstroutalconhecimentodasNaçõ es
Unidas, como se ele mesmo tivesse criado e desenvolvido a organizaçã o. Para algué m que
nunca tinha posto os pé s no solo norte-americano e, muito menos, visitado a ONU, ele revelou
espantosacompreensãodeseustrabalhosinternos.
Durante seu pronunciamento, ele mencionou os nomes de todos os secretá rios-gerais,
começando por Trygve Lie, da Noruega, até Ngumo, indicando seus perı́odos de atividade nã o
apenas por anos, mas especi icando as datas de posse e té rmino de mandato. Ele exibiu
conhecimentoecompreensã odecadaumdosseisó rgã osprincipaisdaONU,suasfunçõ es,seus
ocupantesatuaiseseusdesafiospeculiares.
Em seguida, Carpathia citou as 18 agê ncias da ONU, dizendo o nome de cada uma, seus
atuaisdiretores,ealocalizaçã odeseuscentrosdeoperaçã o.Foiumaespantosademonstraçã o.
De repente, percebeu-se que nã o foi sem razã o que esse homem cresceu tã o rapidamente em
suanaçã o,nã ofoià toaqueolı́deranteriorsucumbiudiantedeleefoipostodelado.Nã oerade
admirarqueNovaYorkjáhaviaserendidoaele.
Depoisdisso,Bucksabia,NicolaeCarpathiaseriareconhecidoportodaaAmérica.Edepois
pelomundo.
CAPÍTULO14
O AVIAO de Rayford desceu na pista de O'Hare, em Chicago, durante a hora de pico,
segunda-feira à tarde. Ele e Chloe teriam de seguir em dois carros. Assim, nã o tiveram
oportunidadedecontinuaraconversa.
—Lembre-se,vocêprometeuqueeudirigiriaseucarroparacasa—disseChloe.
—Éimportanteparavocê?—perguntouele.
—Realmentenão.Eusimplesmentegostodele.Posso?
— Claro. Deixe-me apenas tirar o telefone. Quero saber quando Hattie pode jantar
conosco.Vocêconcorda,certo?
—Desdequevocênãoesperequeeucozinheoufaçaalgotipicamentedoméstico.
—Nemsequerpenseinisso.Elaadoracomidachinesa.Vamosfazeropedidoportelefone.
—Elaadoracomidachinesa?—repetiuChloe.—Você está bemfamiliarizadocomessa
mulher,nãoacha?
Rayfordmeneouacabeça.
— Nã o se trata disso. Ou melhor, sim, provavelmente sei mais sobre ela do que deveria.
Mas posso dizer a você as preferê ncias culiná rias de uma dú z ia de membros da tripulaçã o, e
raramente sei alguma coisa mais sobre eles. Rayford apanhou o telefone do BMW e ligou a
igniçãoapenasparaverificaramarcaçãodocombustível.
— Você pegou o carro certo — disse ele. — Está quase cheio. Você vai chegar antes de
mim. O tanque do carro de sua mã e está quase vazio. Você nã o vai ter problemas de icar
sozinhaemcasaporalgunsminutos?Tenhodefazeralgumascomprasnocaminho.
Chloehesitouporuminstante.
—Éumtantoesquisitoemelancólicoficarsozinhalá,nãoé?—disseela.
—Umpouco.Mastemosdenosacostumar.
—Você temrazã o—concordouelarapidamente.—Elesseforam,eeunã oacreditoem
fantasmas.Estareibem.Masnãodemore.
NasaladaimprensadaONUparaaentrevistacomNicolaeCarpathia,daRomê nia,Buck
tornou-sederepenteocentrodasatenções.Alguémoreconheceueexpressousurpresaeprazer
por ele estar vivo. Buck tentou tranqü ilizar a todos, dizendo-lhes que tudo nã o passara de um
equı́voco, mas a agitaçã o continuou quando Chaim Rosenzweig o avistou e se apressou em
cumprimentá-lo,segurandoamãodeBuckeagitando-avigorosamente.
— Oh! estou muito contente de encontrá -lo vivo e bem -disse ele. — Ouvi a terrı́vel
notı́c ia de sua morte. O presidente Carpathia icou també m desapontado com a notı́c ia. Ele
queriaencontrá-loehaviaconcordadoemconceder-lheumaentrevistaexclusiva.
—Epossı́velaindamanteressaentrevista?—sussurrouBuck,anteasvaiaseassobiosdos
concorrentes.
— Você é capaz de qualquer coisa para conseguir um furo de reportagem — algué m se
queixou.—Atémesmoprovidenciaruma"auto-explosão".
— Talvez nã o seja possı́vel, a nã o ser lá pelo inal da noite — disse Rosenzweig. Com a
mã o, ele apontou para todo o ambiente, congestionado pelas câ meras de televisã o, luzes,
microfoneseaimprensa.—Suaagendaestá ocupadaodiatodo,eeleterá deposarparauma
fotodarevistaPeoplenocomeçodanoite.Talvezdepoisdessafoto.Vouconversarcomele.
—Qualésualigaçãocomele?—perguntouBuck,masoidososenhorpôsodedoindicador
nos lá bios e retornou ao seu lugar perto de Carpathia, quando a entrevista coletiva à imprensa
teveinício.
O jovem romeno nã o era menos imponente e persuasivo de perto. Começou a sessã o
fazendo uma declaraçã o antes da bateria de perguntas. Conduziu-se como um pro issional
experiente, embora Buck soubesse que o relacionamento daquele homem com a imprensa da
Romê nia e de outros paı́ses da Europa que ele havia visitado nã o lhe proporcionara a mesma
receptividade.
Em vá rios momentos, Buck observou que Carpathia olhava para cada pessoa na sala, ao
menos de relance. Nunca olhou para baixo, nunca olhou à distâ ncia e nunca olhou para cima.
Comportava-se como quem nada tem a esconder nem a temer. Estava seguro de si e
aparentementenãosedeixavainfluenciarpelaagitaçãoepelaatençãoquelhedirigiam.
Elepareciaterumavisã oforadocomum; icouclaroquepodialerosnomesnoscrachá s,
mesmo dos que estavam mais distantes na sala. Toda vez que falava a um representante da
imprensa,referia-seaelepelonome—SenhorX,SenhoritaY.Deu-lhesaliberdadedechamá-lo
pelo nome que lhes fosse mais confortá vel. "Até mesmo Nick", disse sorrindo. Mas ningué m
ousoufazê-lo,econtinuaramachamá-lode"Sr.Presidente"ou"Sr.Carpathia".
Carpathia falava com a mesma desenvoltura, precisã o e ê nfase que havia usado em seu
discurso.Buckgostariadesaberseeleerasempreassim,empú blicoeemparticular.Emtodos
os assuntos abordados, ele demonstrava ser um mestre na arte da comunicaçã o oral, como
raramentesevia.
—Permitam-meiniciardizendoqueé umahonraparamimestarnestepaı́senestelugar
histórico.Meusonho,desdequandoerameninoemCluj,semprefoipoderconhecerestelugar.
Terminadasasamenidades,Carpathiainiciousuafalacomoutrominidiscurso,mostrando
novamenteumincrívelconhecimentodaONUedesuamissão.
— Os senhores devem recordar-se — disse ele — que nas duas ú ltimas dé cadas a ONU
pareciaestaremdeclı́nio.OpresidenteRonaldReaganagravouascontrové rsiasLeste-Oeste,e
a ONU parecia coisa do passado com sua ê nfase sobre os con litos Norte-Sul. Esta organizaçã o
passou por di iculdades inanceiras, com poucos paı́ses dispostos a contribuir com sua parcela.
Entretanto, com o im da Guerra Fria nos anos 90, seu sucessor na presidê ncia dos Estados
UnidosdaAmérica,Sr.Bush,reconheceuoqueclassificoude"novaordemmundial",queressoou
fundoemmeujovemcoração.AbaseoriginalparaacartadaONUprometiaacooperaçãoentre
osprimeiros51membros,incluindoasgrandespotências.
Carpathia continuou a discorrer sobre vá rias açõ es militares da ONU visando a manter a
paz,oquevinhaocorrendodesdeaguerradaCoréianosanos50.
— Como os senhores sabem — disse ele, falando ainda sobre fatos ocorridos antes de ter
nascido -, a ONU manté m sua legacia junto à Liga das Naçõ es, que acredito seja a primeira
instituiçã o internacional mantenedora da paz no mundo. Ela foi instalada apó s o té rmino da
Primeira Guerra Mundial, mas, ao falhar em evitar a segunda, tornou-se anacrô nica. Como
resultado desse fracasso, surgiu a ONU, que deve permanecer forte para evitar uma Terceira
GuerraMundial,queacabariaemampla,senãototal,extinçãodavida,comosabemos.
Depoisdesublinharsuaintençã odeapoiarosesforçosdaONUdequalquermodopossı́vel,
Carpathiafoiinterrompidoporumaperguntasobreosdesaparecimentosdepessoasnasemana
anterior. Ele icou repentinamente sé rio e solene, falando compassivamente e com grande
pesar.
—Muitosemmeupaı́sperderampessoasdesuasrelaçõ esnessehorrı́velfenô m eno.Estou
certo de que muitos dos remanescentes no mundo inteiro tê m suas teorias. Nã o desejo
desconsiderarnenhumadelas,nemaspessoasqueasdefendem.PediaoDr.ChaimRosenzweig,
deIsrael,quetrabalhassecomumgrupoparatentarencontrarosentidodessagrandetragé dia,
permitindo-nosassimtomarmedidasparaevitarquealgosemelhanteocorranovamente.
—Quandochegaromomentopropı́c io,pedireiaoDr.Rosenzweigquefaleporsimesmo,
mas, por ora, posso dizer-lhes que a teoria que faz mais sentido para mim é , em resumo, a
seguinte:Omundovemacumulandoarsenaisdearmasnuclearespormuitosanos.Desdequeos
Estados Unidos lançaram as bombas atô m icas sobre o Japã o em 1945, e a Uniã o Sovié tica
detonou seus pró prios artefatos em 23 de setembro de 1949, a humanidade vem enfrentando o
risco de um holocausto nuclear. O Dr. Rosenzweig e sua equipe de renomados estudiosos estã o
pró ximos de descobrir um fenô m eno atmosfé rico que pode ter causado o desaparecimento
instantâneodetantaspessoas.
— Que espé cie de fenô m eno? — perguntou Buck. Carpathia lançou um rá pido olhar em
seucracháerespondeufixandoosolhosnosdele.
— Nã o quero precipitar-me, Sr. Oreskovich — disse ele. Vá rios representantes da
imprensariramfurtivamente,masCarpathianã operdeuoritmonemseperturbou.—Ou,devo
dizer,
Sr. Cameron Williams, do Semanário Global. Esse comentá rio propiciou entusiá sticos
aplausosportodaasala.Buckficouestupefato.
—ODr.Rosenzweigacreditaquealgumacon luê nciadeeletromagnetismonaatmosfera,
combinada com uma prová vel mas desconhecida ou inexplicá vel ionizaçã o atô m ica de um
podernuclearedearmamentosnuclearesestocadosemtodoomundo,possatersidoinduzida
ou acionada — talvez por uma causa natural, como um raio, ou mesmo por uma forma
inteligente de vida que descobriu tal possibilidade antes de nó s — causando esta açã o
instantâneaportodapartedenossomundo.
—Algosemelhanteaoatodealgué mriscarumfó sforonumambientecheiodevaporesde
gasolina?—sugeriuumjornalista.
Carpathiaassentiupensativamente.
— Como isso é diferente da idé ia de alienı́genas do espaço exterior raptar todas essas
pessoas?—complementouojornalista.
— Nã o é inteiramente diferente — admitiu Carpathia -, mas estou mais inclinado a crer
nateorianatural,queurnraioreagiucomumcamposubatômico.
— Por que os desaparecimentos ocorreram ao acaso? Por que algumas pessoas e nã o
outras?
—Nã osei—respondeuCarpathia.—ODr.Rosenzweigmedissequeelesnã ochegaram
aindaanenhumaconclusã o.Aestaalturaelesestã opostulandoquecertosnı́veisdeeletricidade
nos corpos das pessoas tornaram-nas mais suscetı́veis de ser afetadas. Isto incluiria todas as
crianças e bebê s, mesmo na condiçã o fetal, que desapareceram. Seu eletromagnetismo nã o
estavadesenvolvidoapontodepoderemresistiraqualquerquetenhasidoofator.
—OqueosenhordizdaspessoasqueacreditamtersidoobradeDeus,queElearrebatou
suaIgreja?
Carpathiasorriucomsimpatiaerespeito.
— Permitam-me ser cauteloso em dizer que nã o critico nem criticarei nenhuma crença
de pessoas sinceras. Esta é a base para a verdadeira harmonia e fraternidade, paz e respeito
entre as pessoas. Nã o aceito esta teoria porque conheço muitas, muitas pessoas que deveriam
terido,seé quetodososjustosforamlevadosparaocé u.Sehá urnDeus,respeitosamenteme
convenço de que este nã o é o meio caprichoso pelo qual Ele agiria. Pela mesma razã o, os
senhoresnãomeouvirãoexpressardesrespeitoàquelesquediscordam.
Buck icoupasmoaoouvirCarpathiadizerquetinhasidoconvidadoparafalarnopró ximo
encontroreligiosoecumênicoprogramadoparaaquelemêsemNovaYork.
—Lá ,discutireimeuspontosdevistasobreomilenarismo,aescatologia,oJuı́z oFinalea
SegundaVindadeCristo.O
Dr. Rosenzweig foi muito generoso ao possibilitar esse convite, e até lá penso que seria
melhornãotentarfalarsobreessesassuntosinformalmente.
—QuantotempoosenhorficaráemNovaYork?
—Seopovoromenodeixar, icareiaquiportodoestemê s.Nã omeagradaafastar-mede
meupovo,masopaı́scompreendequeestouinteressadonobem-estardomundointeiro,ecom
a tecnologia de hoje e com pessoas competentes ocupando posiçõ es de in luê ncia na Romê nia,
sinto-me con iante por poder manter contato com elas e penso que meu paı́s nã o sofrerá com
minhacurtaausência.
Durante as apresentaçõ es dos noticiá rios noturnos em rede, uma nova estrela
internacional acabava de nascer. Ele tinha até um apelido: Santo Nick. Alé m do que tinha
acontecidonaassemblé iadaONUenaentrevistacomaimprensa,Carpathiaapresentou-sepor
alguns minutos diante de cada programa da televisã o, despertando a atençã o da audiê ncia ao
mencionar os nomes dos paı́ses membros, convocando todos para uma rea irmaçã o do
compromissopelapaznomundo.
Ele evitou cautelosamente uma opiniã o especı́ ica sobre o desarmamento global. Sua
mensagem era de amor, paz, compreensã o, fraternidade, sem falar ostensivamente em
cessaçã o de lutas entre grupos e raças. Nã o havia dú vida de que, retornando a seu paı́s,
continuaria repisando estes pontos, mas naquele entretempo Carpathia desfrutava a trajetó ria
mágicadesuavida.
Os comentaristas recomendaram que ele fosse nomeado conselheiro adjunto do
secretá rio-geraldaONUequevisitassecadacentrodeoperaçã odasvá riasagê nciasespalhadas
pelo mundo. No inal daquela noite, ele foi convidado a participar de cada um dos encontros
internacionaismarcadosparadentrodepoucassemanas.
ElefoivistoemcompanhiadeJonathanStonagal,oquenã ofoisurpresaparaBuck.E,logo
depois de encerrada a entrevista à imprensa, foi poupado de outros compromissos. O Dr.
RosenzweigprocurouBuck.
—Tenhopossibilidadedeconseguirdeleumhorá riolivreno inaldanoite—disseele.—
Eletemvá riasentrevistas,namaioriacomopessoaldatelevisã o,edepoisaparecerá aovivono
programa da ABC,Nightline, com Wallace Theodore. Em seguida, retornará ao hotel e terá
satisfaçãoemconceder-lhemeiahoradeentrevistaininterrupta.
BuckdisseaStevequeprecisavairaoseuapartamento,paraserefrescarumpouco,ouvir
os recados, correr para o escritó rio e atualizar-se o mais depressa possı́vel, consultando os
arquivos, para estar perfeitamente preparado para a entrevista. Steve concordou em
acompanhá-lo.
—Mascontinuoconfuso—admitiuBuck.—SeStonagalestiverligadodealgummodoa
Todd-Cothran, e sabemos que está , o que será que ele pensa a respeito do que aconteceu em
Londres?
— Ningué m sabe — disse Steve. — Mesmo que exista corrupçã o na Bolsa e na Scotland
Yard, nã o signi ica que Stonagal tenha qualquer interesse nela. Penso que ele desejaria estar o
maislongepossíveldisso.
— Mas, Steve, você tem de concordar que provavelmente Dirk Burton foi morto porque
estavamuitopertodaligaçã osecretadeTodd-CothrancomogrupointernacionaldeStonagal.
Seelescomeçaremaliquidarpessoasquevêemcomoinimigas
—mesmoamigosdeseusinimigos,comoAlanTompkinseeu
—ondeelesvãoparar?
— Mas você está admitindo que Stonagal está ciente do que se passou em Londres. Ele
está muito acima disso. Todd-Cothran ou o cara da Yard podem ter visto você como uma
ameaça,masStonagalprovavelmentenuncaouviufalardevocê.
—VocênãoachaqueelelêoSemanário?
—Nãoseofenda.Vocêparaeleéummosquito,mesmoqueelesaibaseunome.
—Vocêsabeoqueaconteceaummosquitoquandoelelevaumapancadadeumarevista,
Steve?
—Há umenormeromboemseuargumento—disseStevemaistardequandoentraram
no apartamento de Buck. — Se Stonagal representa um perigo para você , o que Carpathia
representa?
—Comoeudisse,Carpathiapodeserapenasumfantoche..
—Buck!Vocêacaboudeouvi-lo.Euporacasooendeusei?
—Não.
—Vocêficouimpressionadocomele?
—Sim.
—Elepareceserumfantoche?
—Não.Portantosópossoadmitirqueelenadasabesobreisso.
— Você tem certeza de que ele se encontrou com Todd-Cothran e Stonagal em Londres
antesdechegaraqui?
— Isso fazia parte do negó c io — disse Buck. — Planejar a viagem e envolver-se com
consultoresinternacionais.
—Vocêestácorrendoumgranderisco—alertou-oSteve.
—Nã otenhoescolha.Dequalquermodo,estoudisposto.Até queseproveoutracoisa,vou
confiaremNicolaeCarpathia.
—Ufa!—desabafouSteve.
—Oquê?
— Você está agindo exatamente à s avessas do que costuma fazer. Descon ia de uma
pessoaatéqueelaproveocontrário.
—Bem,omundomudou,Steve.Nadaéigualaoqueeranasemanapassada,certo?
Buckapertouatecladesuasecretá riaeletrô nicaenquantotiravaaroupaparatomarum
banho.
Rayfordentrounagaragemdesuacasalevandoumasacoladealimentosnobancoaseu
lado. Ele conseguiu falar com Hattie Durham, que tentou continuar a conversa, mas ele se
desculpou e desligou. Ela estava entusiasmada com o convite para o jantar e con irmou que
estarialáquinta-feiraànoite.
RayfordsupunhaqueestavachegandomeiahoradepoisdeChloee icouimpressionadoao
ver que ela havia deixado a porta da garagem aberta para ele. Quando, poré m, notou que a
portaentreagaragemeacasaestavafechada,ficoupreocupado.Elebateu.Ninguématendeu.
Rayford abriu de novo a porta da garagem para entrar pela frente da casa, mas antes de
sair, parou. Alguma coisa estava diferente na garagem. Ele acendeu as luzes internas, já que a
únicalâmpadadoladodeforaerainsuficiente.Ostrêscarrosestavamlá,mas...
Rayford passou pelo jipe estacionado no fundo da garagem. As coisas de Raymie nã o
estavamlá!Nemsuabicicletanemseucarrinhodequatrorodas.Oquesignificavaisto?
Rayfordcorreuparaafrentedacasa.Ovidrodaanteportadeproteçã ocontratempestade
e neve estava quebrado e ela estava aberta. A porta principal tinha sido arrombada. Nã o se
tratava de simples arrombamento, pois a porta era enorme e pesada com fechadura de trava
dupla. Toda a sua estrutura tinha sido destruı́da e espalhava-se em pedaços sobre o piso da
entrada. Rayford correu para dentro, gritando por Chloe. Ele correu de cô m odo em cô m odo,
orando para que nada tivesse acontecido ao ú nico membro da famı́lia que lhe restava. Rá dios,
televisores,videocassetes,jóias,aparelhosde,som,videogames,apratariaeatéaslouçasforam
levados.Paraseualívio,nãohaviasinaisdesangueoudeluta.
Rayfordestavaaotelefonefalandocomapolíciaquandoumaligaçãodeesperadeuosinal.
—Detestoterdeinterromper—disseele-,masdeveserminhafilha.
Eraela.
—Oh,papai!—disseela,chorando.—Você está bem?Entreinagaragemedeipelafalta
demuitascoisas.Penseiqueosladrõespoderiamvoltar,porissofecheiaportadagaragem
eestavaindofecharadafrente,mas,aoverosvidroseospedaçosdemadeira,corripara
cá.Estouatrêscasasdepoisdanossa.
—Elesnãovãovoltar,querida—disseele.—Voubuscarvocê.
— O Sr. Anderson disse que vai me levar até aı́. Minutos depois, Chloe estava sentada no
sofá , os braços cruzados sobre o estô m ago. Ela disse ao policial o que tinha dito a seu pai; a
seguir,eletomouodepoimentodeRayford.
— Você s nã o costumam ligar o alarme contra furto? Rayford meneou a cabeça em sinal
negativo.
— A culpa é minha. Deixei-o ligado durante anos quando nã o precisá vamos dele, e me
canseideserdespertadonomeiodanoiteporfalsosalarmese...hã,..
—Você chamaapolı́c ia,eusei—disseopolicial.—Eoquetodomundofaz.Masdesta
veznãoteriavalidoapena,hein?
—Agoraé tardedemais—disseRayford.—Defato,nuncapenseiqueprecisá ssemosde
segurançanestebairro.
— Este tipo de delito aumentou cerca de 200% por aqui somente na ú ltima semana —
informou o policial. — Os marginais sabem que nã o dispomos de tempo nem de homens
suficientesparaumamissãobem-sucedida.
— Bem, o senhor poderia tranqü ilizar minha ilha e dizer-lhe que eles nã o estã o
interessadosemmachucarninguémequenãovoltarãomais?
—Eissomesmo,senhorita—disseele.—Seupaideveconsertarestaportae ixá -lanos
batentes; cuidarei de aumentar o sistema de segurança. Mas nã o espero uma nova visita, pelo
menos nã o pelo mesmo bando. Falamos com as pessoas do outro lado da rua. Elas viram um
pequeno furgã o com letreiro de uma irma de serviço de tapetes durante cerca de meia hora
esta tarde. Eles entraram pela frente, abriram a porta da garagem e carregaram tudo, quase
debaixodeseusnarizes.
—Ninguémviuquandoarrombaramaportadeentrada?
— Seus vizinhos nã o tê m uma visã o clara de sua entrada. Ningué m tem, na verdade.
Serviçodeprofissionais.
—EstoucontentedeChloenãoterdeparadocomeles-comentouRayford.
Opolicialmeneouacabeçaaosair.
— Você s devem ser gratos por isso. Imagino que sua apó lice de seguro lhes assegurará o
retorno de seus bens. Nã o temos esperança de recuperá -los. Nã o temos tido sorte com outros
casos.
RayfordabraçouChloe,queaindatremia.
—Podemefazerumfavor,papai?
—Oquevocêquiser.
—Querooutracópiadaquelevideoteipe,aqueledopastor.
—VoutelefonaraBruce,evamosapanhá-lohojeànoite.Derepenteelariu.
—Qualéagraça?—perguntouele.
—Tiveumaidé ia—disseela,sorrindoecomlá grimasnosolhos.—Quetalseosladrõ es
vissemoteipe?
CAPÍTULO15
UMA das primeiras mensagens na secretá ria eletrô nica de Buck era da comissá ria que
conheceu uma semana antes. "Sr. Williams, aqui é Hattie Durham. Estou em Nova York a
serviçoemelembreidechamá-loparadizer'Oi'eagradecermaisumavezsuaajudaemfazerme contatar minha famı́lia. Vou fazer uma pausa por alguns instantes e depois continuarei
falando,casoosenhorestejaouvindoseusrecadosnagravadora.Seriadivertidotomarmosum
drinque juntos ou coisa assim, mas nã o se sinta obrigado. Bem, pode ser numa outra
oportunidade."
— Quem é ? — Steve perguntou enquanto Buck hesitava perto da porta do banheiro,
esperandoouvirseusrecadosantesdeentrardebaixodochuveiro.
—Apenasumagarota—disse.
—Bonita?
—Maisdoquebonita.Deslumbrante.
—Émelhorchamá-ladevolta.
—Nãosepreocupe.
Vá rios outros recados eram sem importâ ncia. Em seguida, havia dois que tinham sido
gravados naquela mesma tarde. 0 primeiro era do capitã o Howard Sullivan, da Scotland Yard.
"Ah! sim, Sr. Williams. Hesitei em deixar-lhe este recado em sua secretá ria, mas desejo falar
com o senhor quando lhe convier. Como o senhor sabe, dois homens com quem o senhor se
relacionava tiveram morte prematura aqui em Londres. Gostaria de fazer-lhe algumas
perguntas.Osenhorpodetersidoouvidoporoutrasfontes,já quefoivistocomumadasvı́t imas
poucoantesdeseufimdesditoso.Porfavor,telefone-me."Edeixouseunúmero.
OoutrorecadochegaramenosdemeiahoradepoiseeradeGeorgesLa itte,umdetetive
da Interpol, a organizaçã o internacional da polı́c ia, sediada em Lyon, França. "Sr. Williams",
diziaelenuminglêscomfortesotaquefrancês,"tãologoosenhorrecebaesterecado,apreciaria
que me chamasse do posto policial mais pró ximo. Eles saberã o como entrar em contato
conoscodiretamenteeterã oumimpressocominformaçõ essobreomotivoporqueprecisamos
falarcomosenhor.Emseuprópriobenefício,insistoemquenãodevesedemorar.".
Buck pô s a cabeça fora do banheiro para mirar os olhos de Steve, que estava tã o confuso
quantoele.
—Oquevocêéagora?—perguntouSteve.—Umsuspeito?
— Seria melhor nã o ser. Depois do que ouvi de Alan sobre Sullivan e como ele está nas
mã osdeTodd-Cothran,nã omesintoobrigadoairaLondresevoluntariamentecolocar-mesob
suacustó dia.Essesrecadosnã osã oimposiçõ es,sã o?Nã odevoatendê -lossó pelofatodeoster
ouvido,devo?
Steveencolheuosombros.
—Ningué malé mdemimsabequevocê ouviuessesrecados.Dequalquermodo,agê ncias
internacionaisnãotêmjurisdiçãoaquiemnossopaís.
—Vocêachaquepossoserextraditado?
—Sóseelesligaremvocêaumaououtradaquelasmortes.
Chloenã oquis icaremcasasozinhanaquelanoite.Elaacompanhouseupaiaté aigreja,
onde Bruce Barnes os encontrou e deu-lhes uma segunda có pia do videoteipe. Ele meneou a
cabeçaquandoouviuarespeitodoassaltoàcasadeRayford.
— Está se tornando uma epidemia — disse. — Parece que o centro da cidade foi
transferidoparaosbairros.Nãoestamomaissegurosaqui.
Rayfordtevedeseconterparanã odizeraBrucequeasubstituiçã odoteiperoubadoera
idé ia de Chloe. Ele queria pedir a Bruce que continuasse orando, para que ela pensasse no
assunto. Talvez a invasã o da casa tivesse contribuı́do para que Chloe se sentisse vulnerá vel.
Quemsabeelaestavachegandoaopontodeadmitirqueomundoagoraeramaisperigoso,que
nã o havia garantias, que seu tempo de vida seria mais curto. Mas Rayford també m sabia que
poderiaofendê-la,insultá-laouafastá-la,seusasseestasituaçãoparainstigarBruceaconvencêla. Ela dispunha de informaçõ es su icientes; cabia-lhe simplesmente deixar que Deus operasse
sua graça no coraçã o de sua ilha. Por outro lado, ele estava animado e desejoso de que Bruce
soubesseoqueestavaacontecendo.Reconheceu,poré m,queteriadeesperarumaocasiã omais
oportuna.
Enquanto estavam fora, Rayford comprou alguns itens que precisavam ser repostos
imediatamente, incluindo um aparelho de televisã o e um videocassete. Ele providenciou o
conserto da porta da frente e começou a preparar a papelada para obter a indenizaçã o do
seguro.Maisimportante,reforçouosistemadesegurança.Entretanto,sabiaquenemelenem
Chloeteriamumsonotranqüilonaquelanoite.
Eles chegaram a casa e logo receberam um telefonema de Hattie Durham. Rayford
pensou que ela deveria estar se sentindo sozinha. Ela nã o parecia ter um bom motivo para
telefonar-lhe. Simplesmente disse-lhe que estava muito grata pelo convite para jantar e
esperavaansiosamentepelodia.Elecontou-lheoquehaviaacontecidoemsuacasa,eela icou
sinceramenteaborrecida.
— As coisas estã o icando estranhas — disse ela. — Você sabe que tenho uma irmã que
trabalhanumaclínicadegestantes.
—Hã-hã—disseRayford.—Vocêjámecontou.
— Eles fazem planejamento familiar e dã o conselhos e orientaçõ es para gravidez
avançada.
—Sim.
— Eles també m estã o preparados para fazer abortos. Hattie parecia estar esperando
algum sinal de a irmaçã o ou reconhecimento de que ele a estava escutando. Rayford icou
impacienteepermaneceuemsilêncio.
—Dequalquermodo—disseela-,nã oquerotomarseutempo.Masminhairmã medisse
queomovimentodaclínicaézero.
—Bem,issofazsentido,emvirtudedosdesaparecimentosdebebêsemgestação.
—Minhairmãnãopareceestarfelizcomessasituação.
— Hattie, imagino que todo mundo está horrorizado com isso. Os pais estã o sofrendo no
mundointeiro.
— Mas as mulheres que minha irmã e seus colegas estavam aconselhandoqueriam
abortar.
Rayfordensaiouumarespostaapropriada.
— Sim, diante disso, talvez essas mulheres estejam gratas por nã o terem de praticar o
aborto.
— Talvez, mas minha irmã e seus chefes, bem como os demais da equipe, estã o sem
trabalhoagora,atéqueasmulherescomecemaengravidarnovamente.
—Entendo.Éumaquestãodedinheiro.
—Elestêmdetrabalhar,porcausadesuasdespesasefamílias.
— Mas, alé m de aconselhamento para abortar e prá tica de abortos, eles nã o tê m mais
nadaparafazer?
—Nada.Nã oé horrı́vel?Sejalá oqueforqueaconteceu,issoacaboudeixandominhairmã
e muita gente como ela sem trabalho, e na verdade ningué m sabe ainda se terá condiçõ es de
engravidaroutravez.
Rayford tinha de admitir que nunca achou que Hattie fosse bem dotada em maté ria de
cultura,masnaquelemomentoelegostariadefixarbemosolhosnosdela.
—Hattie,hã ...nã oseicomolheperguntar.Você está dizendoquesuairmã esperaqueas
mulheres engravidem novamente para poderem abortar e, assim, permitir que ela continue
trabalhando?
— Bem, naturalmente que sim. Que outra coisa ela pode fazer? Os empregos de
aconselhamentoemoutroscampossãodifíceisdeencontrar,vocêsabe.
Elemeneouacabeça,sentindo-seestú pido,porsaberqueelanã opodiavê -lo.Queespé cie
de insanidade era aquela? Ele nã o devia estar consumindo energia discutindo com algué m que
nitidamentenãoenxergavaumpalmoàfrentedonariz;entretanto,nãopodiaevitardiscutir.
—Sempreacheiqueasclínicascomoessaemque
suairmã trabalhaconsiderassemagravidezindesejadaumtranstorno.Elasnã odeveriam
icarcontentessetaisproblemasdesaparecessem,oumesmomuitofelizesseagravideznunca
acontecesse novamente? Mas pode haver uma pequena complicaçã o. A raça humana deixaria
deexistir.NãohaviamaisironianavozdeHattie.
—MasRayford,esseé otrabalhodela.Eparaissoqueaclı́nicaexiste.Eomesmoqueum
postodecombustívelficarsemnenhumfreguêsquequeiraabastecerocarroouusarosserviços,
comoóleo,lavagem,pneus.
—Trata-sedeumnegóciodeofertaeprocura.
—Exatamente!Vocêentende?Elesprecisamdagravidezindesejadaporquevivemdisso.
— Entendo. E como um mé dico que deseja que as pessoas iquem doentes ou se
machuquem paraque ele tenha alguma coisa para fazer? — Agora você compreendeu,
Rayford.
DepoisqueBuckfezabarbaetomoubanho,Stevelhedisse:
— Falei há pouco com o escritó rio. Os detetives de Nova York estã o procurando você no
escritório.Infelizmente,alguémlhesdissequemaistardevocêestarianoPlazacomCarpathia.
—Quemancada!
—Eusei.Talvezvocêtenhadeenfrentarisso.
— Ainda nã o, Steve. Deixe-me começar a entrevista com Carpathia. Depois vou tentar
desfazeressenó.
—VocêestáesperandoqueCarpathiapossaajudá-lo?
—Exatamente.
—Esevocênãoconseguirchegaratéele?Alguémpodeapanhá-loantes.
— Vou conseguir. Ainda tenho minhas credenciais da imprensa com o nome e a
identi icaçã odeOreskovich.SeostirasestiveremesperandopormimnoPlaza,é bemprová vel
quenãomereconheçam.
—Vejabem,Buck.Você acha,aestaaltura,queelesnã oestã ocientesdesuaidentidade
falsa? Vamos trocar nossos documentos. Se eles me barrarem por estar passando com o
documentodeOreskovich,issopodedaravocêtemposuficienteparachegaratéCarpathia.
Buckencolheuosombros.
— Vale a tentativa — disse. — Nã o quero icar aqui, mas pretendo ver Carpathia no
programaNightline.
—Querirparaomeuapartamento?
—Elesprovavelmentejáestarãotambémprocurandopormimlá.
—Deixe-meligarparaMarge.Elaeomaridonãomoramlongedaqui.
—Nãousemeutelefone!Stevefezumacareta.
—Você agecomoumespiã ode ilmesdecinema.Steveusouseutelefonecelular.Marge
insistiuparaque
fossem imediatamente para lá . Ela disse que seu marido queria ver a reprise da sé rie
M*A*S*Hnaquelehorário,maspediriaaelequegravasseoprogramaparaassistirmaistarde.
Enquanto entravam num tá xi, Buck e Steve viram duas viaturas, sem identi icaçã o da
polícia,estacionadasbememfrentedoprédioondeBuckmorava.
—Parecefilmedeespionagem—disseBuck.
OmaridodeMargenãoestavanemumpoucosatisfeitoporficarsemsuapoltronafavorita
eseu ilmefavorito,masmostrou-seinteressadoquandocomeçouoNightline.Carpathiaestava
bemnaturaleà vontade.Eleolhavadiretamenteparaacâ merasemprequepossı́veleparecia
estarconversandocomostelespectadoresindividualmente.
— Seu discurso hoje na ONU — começou o entrevistador Wallace Theodore -, que foi
intercalado por duas entrevistas com a imprensa, parece ter eletrizado Nova York. Como
grande parte delas foi levada ao ar tanto no inı́c io da noite como depois nos noticiosos das
emissoras,osenhorsetornoudeumahoraparaoutraumhomempopularnestepaís.
Carpathiasorriu.
— Como todas as pessoas da Europa, particularmente da Europa Oriental, estou
impressionadocomsuatecnologia,Eu...
— Mas nã o é verdade, senhor, que suas raı́z es estã o realmente na Europa Ocidental?
EmboratenhanascidonaRomênia,osenhornãoestáligadoporhereditariedadeàItália?
—Istoé verdade,comoé verdadeparamuitosromenosnativos.Daı́ arazã odonomede
nossopaı́s.Maseuestavafalandodatecnologiaalcançadanestepaı́s.Eespantosa,masconfesso
quenãovimaquiparatornar-meousertransformadonumacelebridade.Tenhoumameta,uma
missão,umamensagem,eistonadatemavercomminhapopularidadeou...
—MasnãoéverdadequeosenhorteveumasessãodefotosparaarevistaPeoplel
—Sim,maseu...
— E nã o é verdade també m que eles já decidiram indicá -lo como o Homem Mais
Atraentedaatualidade?
— Nã o sei realmente o que isso quer dizer. Submeti-me a uma entrevista que foi
basicamente sobre minha infâ ncia, meus negó c ios e minha carreira polı́t ica e tive a impressã o
dequeelescostumamelegerumhomematraenteparaaparecernaediçã odejaneirodecada
ano;portanto,aindaémuitocedoparaopróximoano.
—Sim,estoucerto,Sr.Carpathia,deque icouimpressionado,comotodos icamos,como
jovemcantorquerecebeuessetítulohádoismeses,mas...
—Lamentodizerquenã otinhaconhecimentodessejovemantesdeversuafotogra iana
capadarevista.
—Masosenhorestá dizendoquenã oestá cientedequearevistaPeopleestá quebrando
umatradiçã oaodesbancarseuatualhomemmaisatraenteecolocarosenhoremseulugarna
próximaedição?
— Creio que eles tentaram dizer-me isso, mas nã o compreendo. O jovem mencionado
causoudanosaumhoteloualgumacoisadessetipo,eportanto...
—Eportantoosenhorseriaumsubstitutoconvenienteparaele.
— Nada sei a esse respeito. Para ser honesto, eu poderia nã o ter concedido aquela
entrevistasobtaiscircunstâ ncias.Nã omeconsideroatraente.Estounumacruzadaparaveras
pessoas do mundo se unirem. Nã o procuro uma posiçã o de poder ou autoridade. Simplesmente
peçoparaserouvido.Esperoqueminhamensagemtambémsejaveiculadanoartigodarevista.
—Osenhorjádesfrutaumaposiçãodepodereautoridade,Sr.Carpathia.
—Bem,nossopequenopaíspediu-meparaservir,eestoudispostoaisso.
—Querespostaosenhordariaà quelesquedizemqueosenhorquebrouoprotocoloeque
sua ascensã o ao posto de presidente da Romê nia foi parcialmente efetuada pela violê ncia
armada?
— Diria que esta é a forma perfeita de atacar urn paci ista, algué m que está
comprometidocomodesarmamentonã osomentenaRomê niaenosdemaispaı́sesdaEuropa,
maslambememtodooglobo.
— Entã o o senhor nega ter causado a morte de um homem de negó c ios há sete anos e
usadoaintimidaçã oeamigospoderososnaAmé ricaparausurparaautoridadedopresidenteda
Romênia?
— O assim chamado rival morto era um de meus amigos mais queridos, e eu lamento
amargamentesuamorteaté hoje.Ospoucosamigosamericanospodemterin luê nciaaqui,mas
nã o podem ter qualquer peso na polı́t ica romena. O senhor deve saber que nosso ú ltimo
presidentepediu-mequeosubstituíssepormotivospessoais.
— Mas isso afronta totalmente os procedimentos constitucionais de seu paı́s para a
sucessãodopoder.
—Issofoivotadopelopovoepelogovernoeratificadoporgrandemaioria.
—Depoisdoacontecido.
— De certo modo, sim. Mas, por outro lado, se eles nã o tivessem rati icado, tanto pela
populaçã o como pelas casas legislativas, eu teria sido o presidente de mandato mais curto na
históriadenossanação.
OmaridodeMargeresmungou:
—Essejovemromanoéumazougue.
—Romeno—corrigiuMarge.
—Elemesmodissequeseusangueerainteiramenteitaliano
—retrucouomarido.MargepiscouparaSteveeBuck.
Buck estava impressionado com a coordenaçã o de pensamentos de Carpathia e seu
conhecimentodalíngua.Theodoreperguntou-lhe:
— Por que a Organizaçã o das Naçõ es Unidas? Algué m poderia lhe ter dito que o senhor
obteriamaisimpactoemaioravançosevisitassenossoSenadoeaCâmaradosDeputados.
—Eunemmesmosonhariacomtalprivilégio—disseCarpathia.—Masosenhorpercebe
que nã o estou procurando avanço. A ONU era vista originalmente como um ó rgã o paci icador.
Eladevevoltarateressafunção.
— O senhor deu a entender hoje, e noto em sua voz neste momento, que tem um plano
especı́ icoparaaONU,oqualatornariamelhoreseriadealgumaajudanestafasehorrendada
história.
— Sim. Nã o considerei que me caberia sugerir tais mudanças como hó spede que sou;
contudo,nã otenhonenhumahesitaçã onestecontexto.Souumproponentedodesarmamento.
Nã o é segredo para ningué m. Ao mesmo tempo que estou impressionado com as amplas
potencialidades, planos e programas da ONU, acredito que, com uns poucos ajustes e a
cooperaçã odeseusmembros,elapossavirasertudoaquiloparaoquefoiconcebida.Podemos
verdadeiramentetornar-nosumacomunidadeglobal.
— O senhor pode resumir essa idé ia em poucos segundos? O riso de Carpathia pareceu
autêntico.
— E sempre perigoso — disse ele -, mas vou tentar. Como o senhor sabe, o Conselho de
Segurança da ONU tem cinco membros permanentes: Estados Unidos, Federaçã o Russa, Grã Bretanha, França e China. Há també m dez membros transitó rios, dois de cada uma das cinco
diferentesregiõesdo'•mundo,queatuamporperíodosdedoisanos.
— Respeito a natureza vitalı́c ia dos cinco paı́ses originais. Proponho a escolha de outros
cinco, exatamente um de cada uma das cinco diferentes regiõ es do mundo. A condiçã o
transitó riaseriaabolida.Terı́amosentã odezmembrospermanentesnoConselhodeSegurança,
masorestantedemeuplanoé revolucioná rio.Presentemente,oscincomembrospermanentes
tê m poder de veto. Votos sobre procedimentos requerem a maioria de nove membros; votos
sobre a substâ ncia requerem maioria simples, incluindo os cinco membros permanentes.
Proponhoumsistemamaisestrito.Proponhoaunanimidade.
—Perdão,nãoentendi.
— Selecionar cuidadosamente os dez membros permanentes. Eles devem obter dados e
informações,bemcomoapoio,detodosospaísesdesuasrespectivasregiões.
—Issopareceumpesadelo.
— Mas funcionaria, e lhe digo por quê . Pesadelo foi o que nos aconteceu na semana
passada. O momento é propı́c io para que os povos do mundo se levantem e insistam com seus
governantes no sentido de desarmarem seus paı́ses e destruı́rem tudo, exceto 10% de seus
armamentos. Esses 10% seriam, efetivamente, doados à ONU, de modo que ela pudesse voltar
aoseulugarapropriadocomoumorganismopaci icadorinternacional,comautoridade,podere
equipamentoparacumprirsuamissão.
Carpathia esclareceu, especialmente os telespectadores, que foi em 1965 que a ONU fez
uma adendo à sua carta original para aumentar o Conselho de Segurança de 11 para 15
membros. Disse també m que o poder de veto original dos membros permanentes tinha
impedidoosesforçosmilitarespelapaz,taiscomonaCoréiaeduranteaGuerraFria.
Onde o senhor obteve esse conhecimento enciclopé dico sobre a ONU e os assuntos
internacionais?
Todos nó s conseguimos tempo para fazer o que realmente desejamos. Esta é minha
paixão.
Qualésuametapessoal?UmpapeldeliderançanoMercadoComumEuropeu?
— A Romê nia nã o é nem sequer membro, como o senhor sabe. Mas nã o, nã o tenho
nenhuma meta de liderança, sou apenas uma voz. Devemos desarmar, devemos fortalecer a
ONU,devemosmudarparaumamoedaúnica,edevemostornar-nosumaaldeiaglobal.
Rayford e Chloe sentaram-se em silê ncio diante do novo aparelho de televisã o, com a
atençãopresanonovorostoenasidéiasestimulantesdeNicolaeCarpathia.
—Quecara!—disseChloe inalmente.—Desdequeeueramenininhaquenã oouçoum
polı́t icodizeralgumacoisaimportante,enaquelaé pocaeunã oentendianemametadedoque
essagentedizia.
—Eletemalgumacoisadiferente—concordouRayford.-Eestimulanteveralgué mque
parecenãovisarainteressespessoais.
Chloesorriu.
— Você nã o está querendo compará -lo com o enganador contra o qual o videoteipe do
pastornosalertou,alguémdaEuropaquetentarádominaromundo?
— Claro que nã o — disse ele. — Nã o vejo nada de mal ou de egoı́smo neste homem.
Algumacoisamedizqueoenganadordequefalouopastorseevidenciariaumpoucomais.
—Mas—disseChloe-,seeleforurnenganador,talvezsejaumdosbons.
—Ei,dequeladovocêestá?Essehomemseparececomoanticristoparavocê?
Elameneouacabeçanegativamente.
— Ele se parece com um sopro de ar puro para mim. Se ele começasse a forjar seu
caminho para o poder, eu icaria descon iada, mas como descon iar de um homem paci ista,
satisfeitodeserpresidentedeumpaíspequeno?Suaúnicainfluênciaésuasabedoria,eseupoder
estáfundamentadoemsuasinceridadeehumildade.
O telefone tocou. Era Hattie, ansiosa por conversar com Rayford. Ela estava bastante
entusiasmadaelogiandoCarpathia.
— Você viu aquele cara? Ele é tã o atraente! Preciso conhecê -lo. Você tem algum vô o
programadoparaNovaYork?
—Quarta-feirano inaldamanhã ,eretomonamanhã seguinte.Anoite,vamosrecebê -la
aquiparaojantar,certo?
—Sim,será muitobom,mas,Rayford,você seimportariaseeutentassetrabalharnesse
vô o? Ouvi a notı́c ia de que a morte do redator da revista foi desmentida e ele está em Nova
York.Vouversepossoencontrá-loeconseguirqueelemeapresenteaesseCarpathia.
—Vocêachaqueeleoconhece?
—Buckconhecetodomundo.Elefaztodasessasgrandesreportagensinternacionais.Ele
deveconhecê-lo.Mesmoquenãooconheça,ficariasatisfeitadereverBuck.
Isto foi um alı́vio para Rayford. Hattie nã o teve receio de falar sobre dois jovens que ela
estavanitidamenteinteressadaemverouencontrar.Eleestavacertodequeelanã odisseisso
apenas para testar seu grau de interesse por ela. Certamente ela sabia que ele nã o estava
interessado em ningué m em razã o do desaparecimento tã o recente de sua esposa. Rayford
perguntou a si mesmo se deveria seguir seu plano de ser honesto com ela. Talvez ele devesse
apenaspedir-lhelogodeinícioquevisseovideoteipedopastor.
—Bem,boasorteentão—disseRayfordumtantoindeciso.
—Maspossomeinscreverparatrabalharemseuvôo?
—Porquevocênãoverificaseseunomeestáindicado?
—Rayford!
—Oquê?
—Vocênãomequeremseuvôo?Porquê?Eudisseoufizalgumacoisa?
—Porquevocêpensaassim?
—Vocêpensaquenãoseiquevocêrejeitouminhaúltimasolicitação?
—Nãofoiexatamenteoquefiz.Euapenasdisse...
—Vocêpodemuitobemterfeitoisso.
— Eu disse apenas o que já havia dito a você . Nã o me oponho a que você trabalhe em
meusvôos,masporquenãodeixaqueasescalasaconteçamnaturalmente?
— Você sabe como sã o essas coisas! Se eu esperar, as possibilidades serã o contra mim.
Quandomecandidatoparatrabalharemumvô o,geralmenteconsigo,porcausadaposiçã oque
ocupo.Oqueestáacontecendo,Rayford?
—Podemosfalarsobreesseassuntoquandovocêvierparaojantar?
—Vamosfalaragora.Rayfordfezumapausa,procurandoaspalavras.
— Veja o que seus pedidos especiais causam à s programaçõ es, Hattie. Todos os demais
tê m de ser remanejados para favorecê -la. — E este o motivo? Você está preocupado com
"todosos'demais"?
Elenãoqueriamentir.
—Emparte—disseele.
—Issonuncaoincomodouantes.Você costumavameincentivaracandidatar-meparaos
seusvôosealgumasvezesconfirmavacomigoparasecertificar.
—Eusei.
—Então,oquemudou?
—Hattie,porfavor.Nãoquerodiscutiresseassuntoportelefone.
—Entãomeencontreemalgumlugar.
— Nã o posso fazer isso. Nã o posso deixar Chloe sozinha logo apó s termos sofrido um
assalto.
—Entãoeuvouatéaí.—Jáémuitotarde.
—Rayford!Vocêestámeevitando?
—Seeuestivesseevitandovocê,nãoateriaconvidadoparajantar.
—Comsuafilhaemsuacasa?Achoqueestousendopassadaparatrás.
—Hattie,oquevocêestádizendo?
— Somente que você desfrutou minha companhia em privacidade, pretendendo que
algumacoisaestivesseporacontecer.
—Tenhodeadmitirisso.
—Sintomuitooqueaconteceuasuaesposa,Rayford,sintorealmente.Talvezvocê esteja
sesentindoculpado,apesardenuncatermosfeitonadaquejusti icasseessaculpa.Masnã ome
ponhadeladoantesquevocêtenhaumachancedeserecuperardesuaperdaecomeçaraviver
novamente.
—Nã oé isso.Hattie,oqueé pô rdelado?Nuncativemosumcaso.Setivé ssemos,porque
estátãointeressadanessesujeitodarevistaenoromeno?
—Todomundoestá interessadoemCarpathia—disseela.—EBucké oú nicomeioque
conheçoparachegaraté ele.Você nã opodepensarqueeutenhaalgumaintençã oarespeitode
Buck.Francamente!Umredatordenotíciasinternacionais?Pensebem,Rayford..
—Nã omepreocuposevocê tiver.Estouapenasquerendosaberoqueissotemavercom
nossosupostocaso.
—VocêquerqueeunãováaNovaYorkeesqueçaosdois?
—Absolutamente.Nãoestoudizendoisso.
—Sealgumavezeusentissequeteriarealmenteumachancecomvocê ,tentariasegurá lo,creia-me.
Rayford icou perplexo. Seus receios e suposiçõ es estavam corretos, mas agora ele se
sentiadefensivo.
—Vocênuncapensouquehouvesseumachance?
— Você nunca me deu nenhum indı́c io. Tudo o que eu sabia é que você me achava uma
garotabonita,umacompanhiaagradável,masnãoparasertocada.
—Háalgumaverdadenisso.
—Masvocênuncadesejouquehouvessealgumacoisamais,Rayford?
—Ésobreissoqueeugostariadefalarcomvocê,Hattie.
—Vocêpoderesponderagoramesmo.Rayfordsuspirou.
—Sim,emalgumasocasiõesdesejeiquehouvessealgumacoisamais.
— Bem, aleluia. Meu instinto falhou. Eu tinha desistido, imaginando que você fosse
intocável.
—Eusou.
—Agoravocê é claro.Possoaté entender.Você está sofrendoeprovavelmentesofrendo
ainda mais porque considerou algué m, alé m de sua esposa, por um certo tempo. Mas só por
causa disso eu nã o posso voar com você , tomar um drinque com você ? Podemos voltar a ser
comoantes.Nãohaverianadademais,anãoserqueexistaalgumacoisaemsuamente.
— Isto nã o signi ica que você nã o possa falar comigo ou trabalhar comigo quando nossas
escalas coincidirem. Se eu nã o tivesse nada a tratar com você , nã o a teria convidado para vir
aqui.
— Posso entender o que está acontecendo, Rayford. Nã o venha me dizer que eu nã o
conseguiriaserapenas"suaamiga".
—Talvezissoeumpoucomais.
—Comooquê?
—Simplesmentealgumacoisasobreaqualdesejofalarcomvocê.
—Eseeulhedisserquenã oestouinteressadaemcompromissossociais?Nã oesperoque
vocêmequeira,agoraquesuaesposasefoi,mastambémnãoqueroseresquecidaporvocê.
—Comovocêpodeseresquecidapormimseaestouconvidandoparajantaraqui?
—Porquevocênuncameconvidouantes?Rayfordficouemsilêncio.
—Eentão?—insistiuela.
—Teriasidoinadequado—murmurouele.
—Eagoratambémnãoéinadequadonosencontrarmos?
—Francamente,sim.Masqueromuitofalarcomvocê,enãoésobreevitá-la.
—Vocêachaqueaminhacuriosidadevaimeforçarairatéaí,Rayford?Vejabem,vouter
derecusar.Vouestarmuitoocupada.Queiraaceitarminhasdesculpas.Surgiualgoimportante,
inevitável,esperoquevocêcompreenda.
—Porfavor,Hattie.Nósdesejamosrealmentequevocêvenha.
— Rayford, nã o se preocupe. Há muitos vô os para Nova York. Nã o pretendo fazer
nenhumaginá sticaparatrabalharemseusvô os.Naverdade,voumecerti icardequeestoufora
deles.
—Vocênãotemdefazerisso.
— Claro que vou fazer. Sem ressentimentos. Eu gostaria de conhecer Chloe, mas
provavelmente você se sentiria obrigado a dizer a ela que um dia esteve muito inclinado por
mim.
—Hattie,vocêpoderiaouvir-meporumsegundo?Porfavor.-Não.
— Quero que você venha aqui quinta-feira à noite. Tenho, realmente, um assunto
importanteparadizer-lhe.
—Digaoqueé.
—Nãoportelefone.
—Entãonãovou.
—Seeudisseroassuntoporalto,vocêvirá?
—Depende.
— Bem, tenho uma explicaçã o a respeito dos desaparecimentos, está me ouvindo? Sei o
queelessignificaramequeroajudarvocêaencontraraverdade.
Hattieficouemcompletosilêncioporváriossegundos.
—Vocênãosetornouumfanático,certo?
Rayford teve de pensar um pouco. A resposta era sim, ele certamente se tornara um
fanático,masnãodiriaissoaela.
—Vocêmeconhecemuitobem.
—Penseiqueconhecesse.
—Confieemmim,istoédignodesuaatenção.
—Dê-mealgumapista,evoudizersequeroounãoouvir.
—Absolutamentenã o—disseRayford,surpresocomsuareaçã o.—Dejeitonenhum.Só
seforpessoalmente.
—Entãonãovou.
—Hattie!
—Adeus,Rayford.
—Hat...
Eladesligou.
CAPÍTULO16
— EU NAO FARIA isso para ningué m mais — disse Steve Plank depois que ele e Buck
agradeceramaMargeesedirigiramatá xisseparados.—Nã oseiporquantotempovoupoder
mantê -losentretidoseconvencê -losdequesouvocê pretextandoseroutrapessoa,porissonã o
sedemoreaentrar.
—Nãosepreocupe.
Stevepegouoprimeirotá xi,portandonalapelaascredenciaisfalsasdeBuckemnomede
George Oreskovich. Ele deveria ir diretamente ao Hotel Plaza, onde con irmaria a entrevista
comCarpathia.AesperançadeBuckeraque..Slevefosseimediatamenteinterceptadoepreso
como sendo Buck, abrindo assim o caminho para ele entrar. Se Buck fosse abordado por
autoridades, ele mostraria sua identidade como Steve Plank. Ambos sabiam que o plano era
vulnerá vel, mas Buck estava disposto a tentar qualquer coisa para evitar ser extraditado e
enquadradopeloassassinatodeAlanTompkinseatémesmopelodeDirkBurton.
Buck pediu a seu motorista que esperasse cerca de um minuto depois que Steve tivesse
saı́dodooutrotá xiparaentrarnoPlaza.Elechegouaohotelnomeiodecarrosdapolı́c iacom
luzes piscando, uma perua para conduzir presos, vá rios carros sem emblemas de identi icaçã o.
Enquanto abria caminho entre os curiosos, os policiais empurravam Steve, algemado com as
mãosnascostas,paraforadaportadeentrada,descendoosdegrausdaescada.
—Jálhedisse—resmungavaSteve.—OnomeéOreskovich!
—Sabemosquemvocêé,Williams!Poupesuagarganta.
—Essenã oé CamWilliams!—disseumrepó rter,apontandocomodedoerindo.—Seus
idiotas!EsseéStevePlank.
— Sim, é isso mesmo — Plank reforçou a informaçã o. — Sou o chefe de Williams, do
Semanáriol
— Claro que você é — disse um policial à paisana, forçando-o a entrar num carro sem
emblemadeidentificação.
Buck se desviou do repó rter que havia reconhecido Plank, mas, quando entrou no saguã o
do hotel e pegou um telefone de cortesia para chamar o apartamento de Rosenzweig, outro
colegadaimprensa,EricMiller,virou-separaBucke,pondoamã osobreofoneemquefalava,
sussurrou:
—Williams,oqueestá acontecendo?Ostirasacabamdeprenderseuchefealegandoque
eleeravocê!
—Faça-meumfavor—pediuBuck.—Guardeissosó paravocê porumameiahora,pelo
menos.Vocêmedeveessefavor.
—Nãodevonadaavocê,Williams—disseMiller.—Masvocêparecebemassustado.Dêmesuapalavradequesereioprimeiroasaberoqueestáacontecendo.
— Tudo bem. Você será o primeiro cara da imprensa que icará sabendo. Nã o posso
prometerquenãovoudizeraoutrapessoa.
—Quem?
—Adivinhe.
—Sevocê está querendocontatarCarpathia,Cameron,podeesquecer.Ficamostentando
anoiteinteira.Elenãovaidarmaisnenhumaentrevistahoje.
—Elevoltou?
—Voltou,masestáincomunicável.
RosenzweigatendeualigaçãodeBuck.
—Chaim,éCameronWilliams.Possosubir?
EricMillerpôsseufonenoganchoeseaproximoudeBuck.
—Cameron!—disseRosenzweig.—Nã opossomecomunicarcomvocê .Primeiro,você
está morto, depois você está vivo. Acabamos de receber um telefonema dizendo que você foi
presonosaguãoparaserquestionadosobreumassassinatoemLondres.
BuckprocurouevitarqueMillerdetectassealgumacoisa.
—Chaim,tenhodemeapressar,estouusandoonomePlank,estábem?
—VouarmaroesquemacomNicolaeerecebervocê emmeuapartamentodequalquer
maneira.—disseChaiminformandoonúmeroaBuck.
Buck pô s o dedo nos lá bios para que Miller nã o izesse pergunta, mas nã o pô de se livrar
dele. Disparou em direçã o ao elevador, mas Eric entrou junto. Um casal tentou usar o mesmo
elevador.
—Sintomuito,amigos—disseBuck.—Esteelevadorestácomdefeito.
Ocasalsaiu,masMillercontinuou.Bucknãoqueriaqueelevisseoandaremqueiadescer,
porissoesperouasportasdoelevadorsefecharem.Emseguida,desligou-o,agarrouMillerpela
camisaàalturadopescoçoejogou-ocontraaparededoelevador.
—Ouça,Eric,eudissequeinformariaavocê ,emprimeiramã o,oqueestá acontecendo
aqui, mas, se você der com a lı́ngua nos dentes ou me seguir, vou deixá -lo a ver navios,
entendeu?
MillersedesvencilhoudasgarrasdeBuckerecompôssuasroupas.
—Estábem,Williams!Calma!Fiquetranqüilo,cara!
—Sim,euficotranqüilo,evocêficabisbilhotandoporaí.
—Émeutrabalho,rapaz.Nãoseesqueçadisso.
—Meutambém,Eric,masnãovouatrásdeninguém.Façoeumesmoomeutrabalho.
—VocêentrevistandoCarpathia?Apenasmedigaisso.
—Não,estouarriscandominhavidaparaverseumaestreladecinemaestánohotel.
—EntãoéCarpathiamesmo?
—Eunãodisseisso.
—Vamos,homem,deixe-meentrarnessa!Fareioquevocêquiser!
—Você medissequeCarpathianã oestavadandonenhumaentrevistaestanoite—disse
Buck.
—E,elenãoestámaisquerendodarentrevista,excetoparaasredesdeTVerádio,ecom
issonuncavouchegarpertodele.
—Oproblemaéseu.
—Williams!
BuckavançoudenovonopescoçodeMiller.
—Estouindo!—disseEric.
QuandoBuckchegouaoandarVIP, icouabismadoaoconstatarqueMillerhaviadealgum
modopassadoàsuafrenteapresentando-seaumguardauniformizadocomoStevePlank.
—OSr.Rosenzweigestáesperandopelosenhor,cavalheiro—disseoguarda.
—Aguardeuminstante!—Buckgritou,exibindoascredenciaisdejornalistadeSteve.—
EusouPlank.Tireesseimpostordaqui.
Oguardapôsasmãosnosombrosdecadaum.
—Osdoisdevemesperaraquienquantochamoodetetivedohotel.
Buckdisse:
—ChameRosenzweigepeça-lhequedecida.
O guarda encolheu os ombros e ligou para o apartamento usando um telefone portá til.
Miller se inclinou, viu o nú m ero e correu em direçã o ao apartamento. Buck saiu atrá s dele ao
mesmotempoemqueoguardadesarmadogritavatentandolocalizaralguémpelotelefone.
Buck, mais jovem e em melhor forma, alcançou Miller e atirou-o ao chã o do corredor,
fazendováriasportasdehóspedesalarmadosseabriremparaveroqueocorria.
—Vã obrigaremoutrolugar—vociferouumamulher.BuckderrubouMilleraseuspé se
aplicou-lheumagravataportrás,imobilizando-o.
— Você é um palhaço, Eric. Você realmente acha que Rosenzweig permitiria que um
estranhoentrasseemseuapartamento?
— Consigo entrar em qualquer lugar usando apenas minha lá bia, Buck, e você sabe que
teriadefazeramesmacoisa.
Oguardaosreteve.
—ODr.Rosenzweigsairáeminstantes.
—Tenhoapenasumaperguntaparaele—disseMiller.
—Não,nãotem—disseBuck.Elesevoltouparaoguarda.—Elenão.
—DeixemqueoSr.Rosenzweigdecida—respondeuoguarda.Entã o,derepente,recuou,
encostando-se na parede do corredor e puxando Buck e Miller com ele para desobstruir o
caminho. Quatro homens de ternos escuros entraram no corredor, escoltando o inconfundı́vel
NicolaeCarpathia.
—Queiramdesculpar,cavalheiros—disseCarpathia.-Perdoem-me.
—Oh!Sr.Carpathia.QuerodizerPresidenteCarpathia-exclamouMiller.
—Como?—disseCarpathia,voltando-separaele.Osguarda-costasolharamfuriosospara
Miller.—Oh!olá ,Sr.Williams-disseCarpathia,notandoapresençadeBuck.—Oudevodizer
Sr.Oreskovich?Ou,quemsabe,Sr.Plank?•
Ointrusodeuumpassoàfrente.
—EricMiller,doMensárioBeira-Mar.
—Conheçobemsuarevista,Sr.Miller—disseCarpathia-,masestouatrasadoparauma
entrevista.Seosenhormeligaramanhã,falaremosportelefone.Combinado?
Millerpareciadesnorteado.Assentiucomacabeçaeretirou-se.
— Parece que ouvi o senhor dizer que seu nome era Plank! -interveio o guarda, fazendo
todossorrirem,excetoMiller.
—Vamosentrar,Buck—disseCarpathia,acenandoparaquecaminhassemjuntos.Buck
ficoucalado.—Éassimqueochamam,nãoé?
—Sim,senhor—respondeuBuck,certodequenemmesmoRosenzweigosabia.
Rayford icou terrivelmente abalado apó s a conversa com Hattie Durham. As coisas nã o
poderiamtersidopiores.Porqueelenã opermitiuqueelatrabalhasseemseuvô o?Elanã oteria
sido nenhum empecilho, e ele poderia ter a chance de expor sua verdadeira e nobre intençã o
duranteojantardequinta-feiraànoite.Agoraeletinhaestragadotudo.
ComoRayfordabordariaoassuntocomChloe?Seuverdadeiromotivo,quandofalassecom
Hattie,eraqueChloetambé mouvisse.Elajá nã otinhavistoosu iciente?Nã odeveriaeleestar
mais estimulado pela insistê ncia da ilha em substituir o videoteipe roubado? Ele perguntou se
elagostariadeacompanhá -loaNovaYorknovô onoturno.Elarespondeuquepreferia icarem
casaecomeçaraprocurarumaescolalocalparafreqüentar.Elequisinsistir,masnãoousou.
DepoisqueChloesedeitou,RayfordtelefonouaBruceBarnesecontou-lhesuafrustração.
—Você está insistindodemais,Rayford—disseojovempastor.—Chegueiapensarque
agora seria mais fá cil falar de nossa fé a outras pessoas, mas encontrei o mesmo tipo de
resistência.
—Éaindamaisdifícilquandosetratadaprópriafilha.
—Possoimaginar—disseBruce.
—Não,vocênãopode—disseRayford.Masestátudobem.
ChaimRosenzweigestavahospedadonumabelaeamplasuítedeváriosquartosesalas.Os
guarda-costas icarampostadosbememfrenteà porta.CarpathiaconvidouRosenzweigeBuck
airemà saladeestarparaumencontroexclusivamentedostrê s.Carpathiatirouocasacoeo
estendeucuidadosamentenoencostodosofá.
—Fiquemàvontade,cavalheiros—disse.
—Eunãoprecisoestaraqui,Nicolae—sussurrouRosenzweig.
—Oh!issoéumcontra-senso,doutor!Vocênãoseimporta,nãoé,Buck?
—Absolutamente.
—VocênãoseimportaseeuochamardeBuck?
—Não,senhor,mascostumeiramentesóopessoalda...
— Da sua revista, sim, eu sei. Eles lhe puseram esse apelido porque você é contra as
tradições,tendênciaseconvenções,estoucerto?
—Sim,mascomo...
—Buck,estefoiodiamaisincrı́veldaminhavida.Tenhosidotã obemrecebidoaqui.Eas
pessoasparecemtã oreceptivasaminhaspropostas.Estoudominadopelaemoçã o.Retornareia
meupaı́scomoumhomemfelizesatisfeito.Masnã ojá .Solicitaramqueeupermanecesseum
poucomais.Vocêsabiadisso?
—Ouvidizer.
—Você nã oachasurpreendentequeosdiversosencontrosinternacionaisaserealizarem
aquiemNovaYorkduranteaspró ximassemanasserã otodossobreacooperaçã ouniversalem
queestouinteressado?
—Semdúvida—concordouBuck.—Efuidestacadoparacobrirtodoseles.
—Entãopoderemosnosconhecermelhor.
— Tenho boas perspectivas a esse respeito, senhor. Fiquei entusiasmado com o que ouvi
hojenaONU.
—Obrigado.
—EoDr.Rosenzweigfalou-memuitosobreosenhor.
—Eletambémmefalousobrevocê.
Alguémbateuàporta.Carpathiademonstrouaborrecimento.
—Acheiquenãoseríamosinterrompidos.
Rosenzweig levantou-se cautelosamente e foi nas pontas dos pé s até a porta, mantendo
umaconversaçãoemvozbaixa.Depoisvoltouedirigiu-seaBuck:
—Temosdesairporunsdoisminutos,Cameron—sussurrou-,paraqueeleatendaaum
importantetelefonema.
— Oh! nã o — disse Carpathia. — Atenderei mais tarde. Este encontro é prioritá rio para
mim...
—Senhor—disseRosenzweig-,comsualicença...éopresidente.
—Opresidente?
—DosEstadosUnidos.
Buck levantou-se imediatamente para deixar a sala acompanhado de Rosenzweig, mas
Carpathiainsistiuparaqueficassem.
—Nã osoutã oimportanteapontodenã opoderpartilhartalhonracommeuvelhoamigo
emeunovoamigo.Sentem-se!
Elessesentaram,eCarpathiapressionouatecladotelefone.
—AquifalaNicolaeCarpathia.
—Sr.Carpathia,éFitz.GeraldFitzhugh.
—SenhorPresidente,sinto-melisonjeadoemouvi-lo.
—Bem,éumprazertê-loentrenós!
— Fico-lhe grato por sua nota de congratulaçã o quando de minha posse na presidê ncia,
senhor,eporseuprontoreconhecimentodeminhaadministração.
— Sr. Carpathia, foi surpreendente a forma como o senhor chegou à presidê ncia de seu
país.Deinício,nãoacrediteinoqueaconteceu,massuponhoquenemosenhoracreditou.
—Éissomesmo.Aindaestoutentandomeacostumar.
— Bem, acredite na experiê ncia de um veterano que ocupa essa posiçã o há seis anos. O
senhor nunca vai se acostumar. Vai apenas criar calos nos lugares certos, se é que está me
entendendo.
—Sim,SenhorPresidente.
— A razã o de meu telefonema é esta: fui informado de que o senhor permanecerá em
nosso paı́s por mais algum tempo; portanto, gostaria de convidá -lo a passar uma noite ou duas
emminhacompanhiaedeWilma.Osenhoraceita?
—EmWashington?
—Exatamente,aquinaCasaBranca.
—Seriaparamimumgrandeprivilégio.
— Indicarei uma pessoa para falar com seus assessores, a im de ixarmos o dia
conveniente,masacreditoqueserá embreve,umavezqueoCongressoestá emsessã o,eestou
informadodequeosenhorseráconvidadoafalaraosparlamentares.
Carpathiameneouacabeça,eBuckpercebeuqueeleseemocionou.
—Ficareimuitohonrado,senhor.
—Eporfalaremfatossurpreendentes,seudiscursodehojeesuaentrevistadestanoite...
bem,foramfenomenais.Seráumahonrarecebê-lo.
—Ahonraémútua,senhor.
Buck estava um pouco menos emocionado que Carpathia e Rosenzweig. Fazia muito
tempo que ele deixara de admirar os presidentes dos Estados Unidos, notadamente este, que
insistia em ser chamado de Fitz. Buck havia escrito uma maté ria sobre Fitzhugh como o
FazedordaNotı́c iadoAno-,oprimeirotrabalhodeBuckeasegundavezqueFitzhughrecebia
essa homenagem. Por outro lado, Buck considerava um fato inusitado o presidente ligar para
alguémqueestavaaseuladonaquelemomento.
Asatisfaçã opelotelefonemarecebidoestavaestampadanorostodeCarpathia,mas,apó s
desligar,elemudourapidamentedoassunto.
Buck, quero responder a todas as suas perguntas e proporcionar-lhe o que for necessá rio
para sua maté ria. Você tem sido tã o bom para Chaim que estou disposto a con iar-lhe um
pequenosegredo,quevocê poderá chamarde"furojornalı́stico".Mas,antesdemaisnada,você
estáemgrandedificuldade,meuamigo.Edesejoajudá-lo,seestiveraomeualcance.
Bucknã otinhaamenoridé iadecomoCarpathia icousabendoqueeleestavaemapuro.
Entã onã oeraprecisonemmesmocontar-lheoproblemapararecorreraoseuauxı́lio?Issoera
bomdemaisparaserverdade.Aquestã oeraaseguinte:oqueCarpathiasabia,eoquedeveria
saber?
O romeno sentou à frente de Buck e ixou-o diretamente nos olhos. Isso deu a Buck uma
sensaçã odepazesegurançatã ograndequeofezsentir-selivreparadizeraeletodaaverdade.
Tudo, até mesmo que seu amigo Dirk lhe contara que algué m se encontraria com Stonagal e
Todd-Cothran,eque,naopiniãodeBuck,essealguémeraCarpathia.
— Eraeu mesmo — disse Carpathia. — Mas permita-me que torne isto bem claro. Nã o
estou sabendo de nenhuma conspiraçã o. Nem sequer ouvi falar de tal coisa. O Sr. Stonagal
considerou que seria bom para mim um encontro com alguns de seus colegas e homens de
in luê nciainternacional.Nã otenhoopiniã oformadasobrenenhumdeles,nemmesintodevedor
aeles.
—Voudizer-lheumacoisa,Williams.Acreditoemsuahistó ria.Nã ooconheço,senã opor
seutrabalhoesuareputaçã ocompessoasquerespeito,comooDr.Rosenzweig.Masseurelato
tem o timbre da verdade. Fui informado de que você está sendo procurado em Londres pela
morte de um agente da Scotland Yard, e que eles tê m vá rias testemunhas que juram ter visto
você desviaraatençã odeTompkins,colocaroartefatoexplosivonocarroeacionaraexplosã o
dointeriordataverna.
—Issoéumaloucura.
— Claro, se for verdade que você s estavam lamentando a morte de um amigo em
comum.
— Era isso exatamente o que está vamos fazendo, Sr. Carpathia. E també m tentando
descobriraverdade.
Rosenzweigfoinovamenteatenderàporta;emseguida,sussurrouaoouvidodeCarpathia.
—Buck,venhacá —pediuCarpathia,levantando-seeconduzindo-oaté ajanela,longede
Rosenzweig.—Seuplanodeentraraquienquantoestavasendoperseguidofoimuitoengenhoso,
masseuchefefoiidenti icadoeagoraelessabemquevocê está aqui.Elespretendemmantê -lo
emcustódiaeextraditá-loparaaInglaterra.
— Se isso acontecer, e se a teoria de Tompkins estiver correta — disse Buck -, sou um
homemmorto.
—Vocêacreditaqueelesomatarão?
— Eles mataram Burton e Tompkins. Sou muito mais perigoso para eles por ser um
jornalistaempotencial.
— Se essa trama for como você e seus amigos disseram, Cameron, escrever sobre essa
gente,expô-los,nãovaiprotegervocê.
—Eusei.Talvezeudevafazerissodequalquermodo.Nãovejooutrasaída.
—Tenhomeiosdelivrá-lodessaameaça.
A mente de Buck começou a girar rapidamente. Era o que ele desejava, mas estava
temeroso de que Carpathia nã o pudesse agir com rapidez su iciente para evitar que ele caı́sse
nasmã osdeTodd-CothraneSullivan.Será queCarpathiaestavamaisligadoaessaspessoasdo
queBucksupunha?
—Senhor,precisodesuaajuda.Massouumjornalista;emprimeirolugar.Nã opossoser
compradonemaceitarbarganhas.
—Oh!claroquenã o.Eununcalhepediriatalcoisa.Permita-medizer-lheoquepretendo
fazerporvocê .Voutomarprovidê nciasparaqueastragé diasdeLondressejamreexaminadase
reavaliadas,isentando-odeculpa.
—Comoosenhorfaráisso?
—Fazalgumadiferença,seahistóriaforverdadeira?Buckpensouuminstante.
—Éverdadeira.
—Claro.
— Mas como o senhor fará isso? O senhor tem demonstrado ser urn homem simples, Sr.
Carpathia,urnhomemmodesto.ComopodeinterferirnoqueaconteceuemLondres?
Carpathiasuspirou.
—Buck,eudisseavocêqueseuamigoDirkestavaenganadoquantoaumaconspiração.É
verdade. Eu nã o durmo com Todd-Cothran nem com Stonagal ou outros lı́deres internacionais
que tive a honra de conhecer recentemente. Contudo, há decisõ es importantes e açõ es
iminentesqueterãoefeitossobreeles,eémeuprivilégiotervozativanessesdesdobramentos.
BuckperguntouaCarpathiaseeleseimportariaemsentaremdenovo.Carpathiafezum
sinalaRosenzweigparaqueosdeixasseasósporalgunsminutos.
— Veja — disse Buck quando se sentaram -, sou jovem, mas adquiri muita experiê ncia.
Sintoqueestouprestesadescobriraté quepontoosenhorestá envolvidonessahistó ria.Senã o
setratardeumaconspiração,trata-sedeumaaçãoorganizada.Possoconcordaresalvarminha
vida,oupossorecusareaíosenhordeixaráqueeumeaventuresozinhoemLondres.
Carpathialevantouumdosbraçosebalançouacabeça.
—Buck,permita-mereiterarqueestamosfalandodepolı́t icaediplomacia,nã odefraude
oudesonestidade.
—Estououvindo.
— Primeiro — disse Carpathia -, quero falar um pouco sobre meu passado. Acredito no
poderdodinheiro.Vocêacredita?
—Não.
— Você vai acreditar. Fui um homem de negó c ios acima da mé dia na Romê nia, quando
aindafreqü entavaaescolasecundá ria.Estudeimuitaslı́nguasà noite,aquelasqueeuprecisava
conhecer para ser bem-sucedido. Durante o dia, administrava meus negó c ios de importaçã oexportaçã o e consegui tornar-me um homem de dinheiro. Mas o que eu entendia por riqueza
era insigni icante diante do que se poderia fazer com ela. Aprendi do modo mais difı́c il. Tomei
emprestadomilhõ esdeumbancoeuropeueentã odescobriquealgué mdaquelebancoinformou
ao meu maior • concorrente o que eu estava fazendo. Fui derrotado nos negó c ios, tornei-me
inadimplente e enfrentei di iculdades. Entã o aquele mesmo banco me concedeu um
re inanciamentoearruinoumeuconcorrente.Eunã otinhaessaintençã onemqueriaprejudicar
oconcorrente.Elefoiusadoparaqueobancomeamarrassenumatransação.
—Essebancopertenciaaumamericanoinfluente?Carpathianãorespondeuàpergunta.
—Oquetivedeaprender,emmaisdeumadécada,équantodinheiroestálá.
—Láonde?
—Nosbancosdomundotodo.
—EspecialmenteospertencentesaJonathanStonagal-insinuouBuck.
Carpathiaaindanãoquismorderaisca.
—Estetipodecapitalsignificapoder.
—Éexatamentecontraissoqueescrevo.
—Eéissoquevaisalvarsuavida.
—Sim,estououvindo.
— Esse é o tipo de dinheiro que atrai a atençã o de um homem. Ele se dispõ e a fazer
concessõ es por causa do dinheiro. Começa a vislumbrar a possibilidade de que algué m, um
homemmaisnovo,commaisentusiasmo,vigoreidéiasnovasassumaopoder.
—FoioqueaconteceunaRomênia?
—Buck,nã omeinsulte.Oú ltimopresidentedaRomê niapediu-meespontaneamenteque
osubstituı́sse,eoapoioparaessamudançafoiunâ nimedentrodogovernoequasetotalmente
favorávelnomeiodopovo.Asituaçãodetodosmelhorou.
—Oúltimopresidenteestáforadopoder.
—Eletemumagrandefortuna.
Buck tinha di iculdade para respirar. O que Carpathia estava insinuando? Buck olhou ixo
paraele,meioatordoado,incapazdesemover,incapazdereagir.Carpathiacontinuou.
— O secretá rio-geral Ngumo preside um paı́s que está morrendo de fome. O mundo está
pronto para aceitar meu plano de dez membros no Conselho de Segurança. Estas coisas vã o
caminharjuntas.Osecretá rio-geraldevededicarseutempoaosproblemasdeBotsuana.Como
incentivo adequado, ele será bem-sucedido. Será um homem feliz, pró spero, num paı́s de
pessoas pró speras. Mas primeiro ele vai apoiar meu plano para o Conselho de Segurança. Os
representantes de cada um dos dez membros formarã o uma mescla interessante composta de
algunsembaixadoresatuaiseprincipalmentedepessoasnovascombonssuportes inanceirose
idéiasprogressistas.
—Osenhorestámedizendoquesetornarásecretário-geraldaONU?
— Eu jamais ambicionarei essa posiçã o, mas como poderia recusar tal honra? Quem
poderiavirarascostasaumaresponsabilidadetãogrande?
—Quepoderosenhorexercerá peranteosrepresentantesdecadaumdosdezmembros
permanentesdoConselhodeSegurança?
— Minha funçã o será meramente a de lı́der colaborador. Você conhece conceito? O
indivíduolideracolaborando,enãoditandonormas.
— Permita-me arriscar uma suposiçã o ousada — interveio Buck. — Todd-Cothran terá
umafunçãoemseunovoConselhodeSegurança.
Carpathia aprumou-se e recostou-se no sofá , como se estivesse vislumbrando uma nova
possibilidade.
— Nã o seria interessante? — perguntou. — Por que nã o escolhermos um ilustre
especialistaem inanças,desvinculadodapolı́t ica,cujasabedoriaevisã oamplapermitiramque
o mundo passasse a utilizar um sistema de trê s moedas, um homem generoso a ponto de nã o
incluirnessesistemaamoedadeseupaı́s,alibraesterlina?Elenã oterianenhumimpedimento
paraexerceressecargo.Omundoteriamuitoaganharcomele,vocênãoacha?
—Suponhoquesim—disseBuck,sentindo-sedeprimido,comoseestivessesucumbindoa
olhosvistos.—Amenosque...Todd-Cothranestivesseenvolvidoemummisteriososuicı́dio,um
carroexplodido,essetipodecoisa.
Carpathiasorriu.
— Eu penso que um homem que ocupa uma posiçã o de potencial internacional como
aqueladesejariateracasalimpaexatamenteagora.
—Eosenhorpoderiarealizarisso?
—Buck,você está mesuperestimando.Estouapenasdizendoque,sevocê estivercerto,
possotentarimpedirumaaçãovisivelmenteantiéticaeilegalcontraumhomeminocente_você.Nãoconsigovernadadeerradonisso.
RayfordSteelenaoconseguiudormir.Poralgumarazã o,eleestavanovamentedominado
pelaangú stiaeremorsocomaperdadesuaesposaeseu ilho.Elelevantou-seeajoelhou-sena
beira da cama, enterrando o rosto no lençol do lado em que sua esposa costumava dormir. O
cansaço, a tensã o e a preocupaçã o a respeito de Chloe nos ú ltimos dias tinha sido tã o grandes
que a terrı́vel perda já nã o lhe causava tanto sofrimento no coraçã o, na mente e na alma. Ele
acreditava irmemente que sua esposa e seu ilho estavam no cé u e que viver no cé u era
infinitamentemelhorqueviveraquinaterra.
Rayfordsabiaquetinhaobtidooperdã odivinoporterzombadodesuaesposa,pornunca
tê -la ouvido, por ter desprezado Deus durante tantos anos. Estava grato por ter-lhe sido dada
umasegundaoportunidadeeporqueagoratinhanovosamigoseurnlugarondeestudaraBı́blia.
Masissonã ofaziacessarodolorosovazioemseucoraçã o,oanseiodeabraçarsuaesposaeseu
ilho,beijá -losedizer-lhesoquantoosamou.Eleorouparaqueaquelaangú stiadiminuı́sse,mas
algodentrodeledesejavaesentianecessidadedequeosofrimentoperdurasse.
De certo modo ele se considerava merecedor desse sofrimento, embora já tivesse
aprendido um pouco mais. Estava começando a compreender o perdã o de Deus, e Bruce lhe
haviaditoqueelenãoprecisavacontinuarsentindovergonhapelospecadosquecometeu.
Enquantopermaneciaajoelhado,orandoechorando,umanovaangú stiainvadiutodooseu
ser.Elenã oviaesperançaparaChloe.Todasassuastentativasdesensibilizá -lahaviamfalhado.
Fazia pouco tempo que ela perdera a mã e e o irmã o e menos tempo ainda que ele se
convertera.Oquemaispodiaeledizeroufazer?Bruceoincentivaraasimplesmenteorar,mas
ele achava que só orar nã o bastava. Ele oraria, claro, mas sempre havia sido um homem de
ação.
Agora, toda açã o parecia afastá -la para longe. Ele tinha receio de que, se dissesse ou
fizessequalquercoisamais,seriaresponsávelpeladecisãodeladerejeitarCristodeumavezpor
todas.Rayfordnuncasesentiratã ofrá giledesesperado.AnsiavaterIreneeRaymieaseulado.
EstavadesesperadoarespeitodeChloe.
Ele icou orando em silê ncio, mas o tormento assomava dentro dele, fazendo-o ouvir o
clamorlancinantedesuavoz:"Chloe!Oh!Chloe!Chloe!"
Ele chorou amargamente na escuridã o silenciosa, repentinamente quebrada por um
rangido, parecendo estalos no soalho de madeira, e um leve ruı́do de passos. Ele voltou-se
bruscamente e viu Chloe. A luz fraca e difusa de seu quarto permitiu distinguir a silhueta dela
trajandocamisola,paradadiantedaporta.Elenãosabiaoqueafilhatinhaouvido.
—Vocêestábem,papai?—perguntouelacomvozbranda.
—Sim.
—Pesadelo?
—Não.Sintoterperturbadovocê.
— Eu també m sinto falta deles — disse ela com voz trê mula. Rayford aprumou-se e
sentou-se com as costas apoiadas na cabeceira da cama, estendendo os braços em direçã o à
ilha. Ela aproximou-se e sentou-se ao lado dele, descansando a cabeça em seu peito, envolta
porseubraço.
—Eucreioquealgumdiavouvê-losnovamente—disseele.
—Eusei—disseela,semnenhumdesrespeitonavoz.—Euseiquevocêvaivê-los.
CAPÍTULO17
APÓSalgunsminutos,ChloedeuaRayfordindíciodequehaviaouvidoseuchoro.
—Nãosepreocupecomigo,papai.Euvouchegarlá.
Chegar aonde? Estaria ela dizendo que sua decisã o era apenas uma questã o de tempo ou
simplesmente que estava superando sua tristeza? Rayford queria muito dizer-lhe que estava
preocupado, mas ela sabia disso. A presença de Chloe ali trouxe-lhe conforto, mas, quando ela
retornouaseuquarto,elesentiu-sedenovodesesperadamentesó.
Elenã oconseguiadormir.Desceuaescadanaspontasdospé seligouotelevisornovo.De
Israel, veio uma notı́c ia muito estranha. A tela mostrava um grupo de pessoas em frente do
famosoMurodasLamentaçõescercandodoishomensquepareciamestargritando.
"Ningué mconheceosdoishomens",disseorepó rterquecobriaanotı́c ia,"quesereferem
umaooutrocomoElieMoisé s.Elesestã oaquidiantedoMurodasLamentaçõ esdesdeantesdo
alvorecer pregando num estilo que lembra claramente os antigos evangelistas norteamericanos. Como seria de esperar, os judeus ortodoxos estã o alvoroçados, acusando-os de
profanarolugarsantoaoproclamarqueJesusCristodoNovoTestamentoé ocumprimentoda
profeciadeummessias,deacordocomaTorá.
"Até aqui, nã o houve nenhuma violê ncia, embora os â nimos estejam acirrados, e as
autoridades acompanham de perto este incidente. A polı́c ia e o Exé rcito israelenses
normalmentesemostramrelutantesemintervirnestaárea,deixandoqueosfanáticosreligiosos
resolvam seus problemas neste lugar. Esta é a situaçã o mais explosiva na Terra Santa desde a
destruiçã o da força aé rea russa, e esta pró spera naçã o tem estado desde esse ú ltimo episó dio
preocupadabasicamentecomasameaçasexternas.
"DeJerusalém,DanBennett,emreportagemexclusiva."
Senã ofossepeloadiantadodahora,RayfordteriatelefonadoaBruceBarnes.Elesentousediantedatelevisãosentindo-separtedafamíliadecrentes,àqualaparentementepertenciam
aquelesdoishomensemJerusalé m.Istoeraexatamenteoquehaviaaprendido,queJesuserao
Messias do Velho Testamento. Bruce havia dito a ele e aos demais participantes do nú c leo
dirigente da Igreja Nova Esperança que surgiriam brevemente 144 mil judeus que creriam em
Cristoecomeçariamaevangelizarpelomundo.Seriamaquelesosdoisprimeiros?
A apresentadora-â ncora voltou ao noticiá rio nacional. "Nova York está ainda alvoroçada
acompanhandohojeasváriasapariçõesdonovopresidenteromenoNicolaeCarpathia.Olíderde
33anoscausouboaimpressãoàmídianumapequenaentrevistajornalísticaestamanhã,seguida
deumvigorosopronunciamentoperanteaAssemblé iaGeraldaONU,tendosidoaplaudidodepé
por todo o auditó rio, inclusive a imprensa. Ao que se anunciou, ele posou numa sessã o de fotos
para a reportagem de capa da revistaPeople, comentando-se que ele será o primeiro Homem
MaisAtraenteaaparecernarevistamenosdeumanoapósoúltimoindicado.
"OsassessoresdeCarpathiaanunciaramqueeleresolveuestendersuaprogramaçã opara
incluirpronunciamentosemvá riosencontrosinternacionaisemNovaYork,duranteaspró ximas
duassemanas,equeelefoiconvidadopelopresidenteFitzhughafalarnumasessã oconjuntado
Congresso,bemcomopassarumanoitenaCasaBranca.
"Numaentrevistaàimprensaestatarde,opresidentemanifestouseuapoioaonovolíder."
A imagem do presidente ocupou toda a tela. "Nesta hora difı́c il da histó ria universal, é
fundamental que os amantes da paz e da uniã o entre os povos dê em um passo à frente para
relembrar-nosquesomospartedeumacomunidadeglobal.Qualqueramigodapazé umamigo
dosEstadosUnidos,eoSr.Carpathiaéumamigodapaz."
A rede de televisã o transmitiu uma pergunta feita ao presidente: "Presidente, o que o
senhorachadasidéiasdeCarpathiaparaaONU?"
"Permitam-me apenas dizer isto: Creio que jamais ouvi, dentro ou fora da ONU, uma
pessoa mostrar uma total compreensã o da histó ria, da organizaçã o e da direçã o daquela casa.
Ele cumpriu seu dever e tem um plano. Eu ouvi com atençã o. Espero que os respectivos
embaixadores e o secretá rio-geral Ngumo tenham igualmente ouvido. Ningué m deve entender
uma visã o nova como uma ameaça. Estou certo de que cada lı́der no mundo concorda com
minhaopiniãodequeprecisamosdetodaajudapossívelnestahora."
Aapresentadora-â ncoracontinuou:"AindadeNovaYork,chega-nosestanoiteanotı́c iade
que um redator doSemanárioGlobal foi inocentado de todas as acusaçõ es e suspeita na morte
de um investigador da Scotland Yard. Cameron Williams, principal redator do Semanário,
ganhador de vá rios prê mios, tinha sido dado como vı́t ima na explosã o de um carro que tirou a
vidadoinvestigadorAlanTompkins,queeralambemumconhecidodeWilliams.
"Os restos de Tompkins foram identi icados, e o passaporte o carteira de identidade de
Williamsforamencontradosentreosdestroçosapó saexplosã o.Anotı́c iadamortedeWilliams
foiveiculadapelosjornaisdetodoopaı́s,maselereapareceuemNovaYorkno inaldestatarde
e foi visto na entrevista à imprensa na ONU, logo depois do pronunciamento de Nicolae
Carpathia.
"Noiníciodanoite,Williamsfoiconsideradofugitivointernacional,procuradopelaScotland
Yard e pela Interpol para um interrogató rio relacionado com a citada morte por explosã o.
Ambasasagê nciasanunciaramqueeletinhasidoisentadodetodasasacusaçõ eseconsiderado
umhomemdesorteporterescapadoileso.Nasnotíciasdeesportes,asequipesdaLigaPrincipal
de Beisebol em treinamento para a temporada enfrentam a assustadora tarefa de substituir
numerososatletasperdidosnosdesaparecimentoscósmicos..."
Rayfordaindaestavasemsono.Elepreparouumcafé e,emseguida,telefonouparaalinha
"24-horas",queinformaosvôoseasdesignaçõesdostripulantes.Eleteveumaidéia.
—Podedizer-meseaindaexisteapossibilidadedeHattieDurhamserescaladaparameu
vôoaJFKquarta-feira?-perguntou.
—Vouverseposso—foiaresposta.—Deixe-mever...hã -hã ...negativo!Nã oé possı́vel.
ElajáestáescaladaparaNovaYork.Ovôodelaéàsoitodamanhã,eoseu,àsdez.
Buck Williams tinha retornado ao seu apartamento depois da meia-noite, apó s ter sido
informado por Nicolae Carpathia que suas preocupaçõ es haviam terminado. Carpathia tinha
telefonadoaJonathanStonagal,pressionandoateclaviva-vozparapermitirqueBuckouvissea
conversa. O mesmo procedimento foi usado por Stonagal ao fazer a ligaçã o no meio da noite
para Londres que livrou Williams. Buck ouviu a voz rouca de Todd-Cothran concordando em
ligarparaaYardeaInterpol.
—Masmeupacoteestágarantido?—perguntouTodd-Cothran.
—Claro—disseStonagal.
OmaisdesconcertanteparaBuckeraqueStonagalfezumtrabalhosujo,pelomenosneste
caso.BucklançouumolharacusadoraCarpathia,apesardeseualívioegratidão.
—Sr.Williams—disseCarpathia-,euestavacon iantede'queJonathanpoderiadarum
jeitonisso,masseitantoquantovocêsobreosdetalhes.
—MasistoprovaqueDirkestavacerto!StonagalestáconspirandocomTodd-Cothran,eo
senhorsabiadisso!EStonagalprometeuaelequeseupacoteestavagarantido,sejalá oquefor
queissosignifique.
—Buck,asseguro-lhequenadasabiaaesterespeitoaté você medizer.Nã otinhanenhum
conhecimentoprévio.
— Mas agora já sabe. O senhor aceita, em sã consciê ncia, que Stonagal o ajude a
promover-senapolíticainternacional?
—Confieemmim,voutratardasduascoisas.
— Mas deve haver muitos mais! E quanto aos outros pretensos dignitá rios que o senhor
conheceu?
— Buck, esteja certo de que nã o há nenhum lugar à minha volta para insinceridade e
injustiça.Voucuidardelasnodevidotempo.
—Eenquantoissonãoacontece?
— O que você aconselharia? Aparentemente, nã o estou em posiçã o de agir neste
momento. Eles parecem ter a intençã o de projetar-me, mas, antes disso, nada posso fazer, a
nã o ser o que sua mı́dia chama "colocar a boca no trombone". Até que ponto posso conviver
com essa situaçã o, antes de saber aonde chegam os tentá culos dessa gente? Até pouco tempo
atrás,vocênãoteriaconsideradoaScotlandYardumorganismodignodetodaaconfiança?
Buckacenoucomacabeçaconcordando,massentia-sedesprezível.
— Sei o que o senhor quer dizer, mas odeio isso. Eles sabem que o senhor está a par de
tudo.
—Istopodefuncionarameufavor.Elespodempensarqueestoudoladodeles,queestou
cadavezmaisdependentedeles.
—Eosenhornãoestá?
— Apenas temporariamente. Você tem minha palavra. Vou tratar disso. Por ora, estou
contentedeterlivradovocêdeumasituaçãodelicadíssima.
—Estoucontentetambém,Sr.Carpathia.Háalgumacoisaquepossofazerpelosenhor?
Oromenosorriu.
—Bem,precisodeumassessordeimprensa.
—Estavareceosodequeosenhordissesseisso.Nãosouohomemindicado.
—Claroquenão.Eunemsonhariacomtalcoisa.E,emtomjocoso,Bucksugeriu:
—Oqueosenhorachadohomemqueencontrounocorredor?
Carpathiarevelouumavezmaissuaprodigiosamemória.
—AquelesenhorEricMiller?
—Elemesmo.Osenhorgostariadele.
—Jápediaelequemetelefonasseamanhã.Possodizer-lhequevocêorecomendou?
Buckmeneouacabeça.
—Euestavabrincando.
Ele contou a Carpathia o que tinha acontecido no saguã o do hotel, no elevador e no
corredor,antesdeMillerapresentar-se.Nicolaenãoachougraçanaquilo.
—Vouquebraracabeçaeversepossoindicaroutrocandidatoparaosenhor—assegurou
Buck.—Bem,osenhortambémmeprometeuumfurodereportagem.
—Everdade.Eumainformaçã onova,masnã odeveseranunciadaaté queeuestejaapto
atorná-larealidade.
—Entendo.
— Israel é particularmente vulnerá vel, como era antes de a Rú ssia tentar invadi-lo. Eles
tiveram sorte aquela vez, mas o restante do mundo inveja sua prosperidade. Precisam de
proteçã o. A ONU pode proporcionar-lhes isso. Em troca da fó rmula quı́m ica que fez o deserto
reverdecer, o mundo icará satisfeito e propenso a garantir-lhes a paz. Se as demais naçõ es se
desarmaremeentregarem10%deseusarmamentosà ONU,somenteaONUterá deassinaro
acordodepazcomIsrael.Seuprimeiro-ministrodeuaoDr.Rosenzweigaliberdadedenegociar
tal acordo, porque ele é o verdadeiro proprietá rio da fó rmula. Eles estã o, naturalmente,
insistindonasgarantiasdeproteçã odurante,nomı́nimo,seteanos.Bucksentou-seabanandoa
cabeça.
—Osenhorvaiganharo"Prê mioNobeldaPaz",otı́t ulode"HomemdoAno",darevista
Time,eonosso"FazedordaNotíciadoAno".
—Estascertamentenãosãominhasmetas.
Buckdespediu-sedeCarpathiaacreditandotantonessaspalavrascomojamaisacreditara
em qualquer outra coisa. Aqui estava um homem desvinculado do dinheiro que podia comprar
homensdeposiçãoinferior.
Em seu apartamento, Buck encontrou outro recado de Hattie Durham. Ele tinha de
telefonarparaagarota.
Bruce Barnes convocou o nú c leo dirigente para uma reuniã o de emergê ncia na Igreja
NovaEsperançanaterça-feiraà tarde.Rayfordfoiaté lá ,esperandoqueissovalesseseutempo
equeChloenã oseimportassede icaremcasasozinha.Osdoisestavamtraumatizadosdesdeo
assalto.
Bruce reuniu todos em redor de sua mesa no escritó rio. Pediu em oraçã o que ele fosse
lú c idoeobjetivo,adespeitodesuaagitaçã o,eemseguidapediuquetodosabrissemaBı́bliano
livrodeApocalipse.
Os olhos de Bruce estavam brilhantes, e sua voz revelava a mesma paixã o e emoçã o de
quando ligara para convocar a reuniã o. Rayford estava curioso por saber o que o havia
entusiasmadotanto.TinhaperguntadoaBruceportelefone,maseleinsistiuqueiacontar-lhes
pessoalmente.
— Nã o quero retê -los aqui por muito tempo — disse ele -, mas descobri algo muito
importante que desejo transmitir a você s. Quero que todos sejam cautelosos, agindo com a
prudênciadasserpenteseasimplicidadedaspombas,comoensinaaBíblia.
—Comovocê ssabem,venhoestudandooApocalipseelendová rioscomentá riossobreos
eventosdosú ltimosdias.Bem,encontreihojenosarquivosdopastorumdeseussermõ essobre
otema.EstivelendoaBíbliaeoslivrosquetratamdoassunto,eeisoquedescobri.
Brucelevantouaprimeirafolhadeumblocoemostrouumaescaladedataserespectivos
eventosqueelehaviaanotado.
— Vou separar um tempo nas pró ximas semanas para doutriná -los criteriosamente, mas
pareceu-me,eamuitaspessoasversadasnoassuntoqueviveramantesdenó s,queesteperı́odo
da histó ria que estamos atravessando vai durar sete anos. Os primeiros 21 meses abrangem o
queaBı́bliachamadeosseteJulgamentosSelados,ouosJulgamentosdoLivroSeladocomSete
Selos. Em seguida, vem outro perı́odo de 21 meses, no qual veremos os sete Julgamentos das
Trombetas. Nos ú ltimos 42 meses destes sete anos de tribulaçã o, se permanecermos vivos,
sofreremosasprovaçõ esmaisseveras,osseteJulgamentosdasTaças.Estaú ltimametadedos
sete anos é chamada a Grande Tribulaçã o. Se permanecermos vivos até o seu inal, seremos
recompensadospelavisãodoAparecimentoGloriosodeCristo.
Lorettalevantouamão.
— Por que você mencionou duas vezes a expressã o "se permanecermos vivos"? Que sã o
essesjulgamentos?
— Eles se tornarã o progressivamente piores, e, se eu estiver lendo corretamente, serã o
cada vez mais difı́c eis de suportar. Se morrermos, estaremos no cé u com Cristo e com nossos
amadosfamiliares,irmãoseamigosqueabraçaramasalvação.
Mas poderemos sofrer mortes horrı́veis. Se, por acaso, atravessarmos esses sete anos de
provaçã o,especialmenteasegundametade,oAparecimentoGloriososerá paranó saindamais
glorioso.Cristovoltaráparaestabelecerseureinodemilanosnaterra.
—OMilênio.
—Exatamente.Bem,temosbastantetempopelafrentee,naturalmente,podemosestar
apenasnoinı́c iodoprimeiroperı́odode21meses.Repetindo:seeuestiverlendocorretamente,
oanticristobrevementechegaráaopoder,prometendopazetentandouniromundo.
—Oquehá deerradoemuniromundo?—perguntoualgué m.—Numtempocomoeste,
parecequeprecisamosnosaproximar.
— Pode nã o haver nada de errado em tentar unir o mundo, exceto que o anticristo será
um grande enganador, e, quando seus verdadeiros propó sitos forem revelados, ele sofrerá
oposição.Issocausaráumagrandeguerra,provavelmenteaTerceiraGuerraMundial.
—Daquiaquantotempo?
—Receioquesejalogo.Precisamosobservarcomatençãoonovolídermundial.
—OquevocêachadojovemdaEuropaqueétãopopularnosEstadosUnidos?
—Estouimpressionadocomele—respondeuBruce.—Tereidesercautelosoeestudaro
que ele diz e faz. Ele parece muito humilde e retraı́do para enquadrar-se nas caracterı́sticas
daquelequevaidominaromundo.
— Mas estamos no momento certo para que algué m faça exatamente isso — comentou
um dos participantes mais idosos. — Pessoalmente, gostaria que esse indivı́duo fosse nosso
presidente.
Váriosoutrosconcordaram.
— Precisamos estar de olho nele — acrescentou Bruce. — Mas, por ora, permitam-me
apenas resumir brevemente o Livro Selado com Sete Selos de Apocalipse 5, e em seguida
poderã o ir. Por um lado, nã o pretendo transmitir a você s uma sensaçã o de medo, mas todos
sabemosqueestamosaindaaquiporquenegligenciamosasalvaçãoantesdoArrebatamento.Sei
que estamos todos gratos por termos uma segunda oportunidade, mas nã o podemos evitar as
provaçõesquevirão.
Bruce explicou que os primeiros quatro selos do livro foram apresentados como homens
sobrequatrocavalos:umcavalobranco,umvermelho,urnpretoeumamarelo.
— O cavaleiro do cavalo branco é aparentemente o anticristo, que inicia com urn a trê s
mesesdediplomaciaenquantoseorganizaeprometepaz.Ocavalovermelhosignificaguerra.O
anticristoteráaoposiçãodetrêsgovernantesdoSul,emilhõesserãomortos.
—NaTerceiraGuerraMundial?
—Estaéminhasuposição.
—Eissoocorreriadentrodospróximosseismeses.
—Pensoquesim.Eimediatamentedepoisdesseperı́odo,queterá lugarsomenteportrê s
aseismesesporcausadoarsenaldisponíveldearmasnucleares,aBíbliapredizinflaçãoefomeo cavalo preto. Enquanto o rico aumenta sua riqueza, o pobre morre de fome. Outros milhõ es
morrerãonessascondições.
—Assim,sesobrevivermosàguerra,precisaremosestocaralimento?
Bruceassentiucomacabeça.
—Euestocaria.
—Devemostrabalharjuntos.
—Boaidé ia,porqueascoisasvã opiorar.Essafomemortalpodeperdurarporumtempo
curto, como dois ou trê s meses antes da chegada do quarto Selo do Julgamento, o quarto
cavaleiromontadonumcavaloamarelo—sı́m bolodamorte.Alé mdafomeapó saguerra,uma
pragaseespalhará pelomundointeiro.AntesdoquintoSelodoJulgamento,umquartodaatual
populaçãomundialterásidomorta.
—QualéoquintoSelodoJulgamento?
— Bem — disse Bruce -, você o reconhecerá porque já falamos dele antes. Lembram-se
deeuterfaladode144miltestemunhasjudaicasquetentariamevangelizaromundo,ganhando
pessoas para Cristo? Muitos de seus convertidos, talvez milhõ es, serã o martirizados pelo lı́der
mundialepelaprostituta,queéonomedadoàreligiãomundialquenegaapessoadeCristo.
Rayford anotava tudo pressurosamente. Ele se recordava de que trê s semanas antes
consideravataispensamentosumainsensatez.Comopodiaterperdidoisso?Deushaviatentado
advertir seu povo colocando sua Palavra por escrito durante sé culos. Apesar de toda sua
educaçã o e inteligê ncia, ele reconhecia ter sido um tolo. Agora ele nã o tinha condiçã o de
assimilar todas aquelas informaçõ es, mas tornava-se cada vez mais claro que haveria muito
sofrimentoparaquemsobrevivesseatéoAparecimentoGloriosodeCristo.
—OsextoSelodoJulgamento—continuouBruce—é oatodeDeusderramandosuaira
contraosquemartirizaramseussantos.Istovirá emformadeumtremordeterramundialtã o
devastadorquenemosmaisaperfeiçoadosaparelhosserãocapazesdemedi-lo.Essahecatombe
será tã o terrı́vel que as pessoas rogarã o que as pedras caiam sobre elas para cessar seu
sofrimento.Váriosdospresentescomeçaramachorar.
— O sé timo selo — continuou Bruce — anuncia os Julgamentos das Trombetas, que terá
lugarnasegundaquartapartedesteperíododeseteanos.
—Osegundoperíodode21meses—esclareceuRayford.
— Exatamente. Nã o desejo falar desse perı́odo esta noite, mas quero adverti-los que ele
será progressivamente pior. Gostaria de prover-lhes um pequeno estı́m ulo. Você s estã o
lembradosdequefalamosbrevementededuastestemunhas,eeudissequeestudariaissocom
maiscuidado?Apocalipse
11.3-14esclarecequeasduastestemunhasespeciaisdeDeus,tompodersobrenaturalpara
operar milagres, profetizarã o durante 1.260 dias, vestidas de pano de saco. Quaisquer pessoas
que tentarem causar-lhes danos serã o devoradas pelo fogo que sai de suas bocas. Nenhuma
chuvacairá duranteotempoemqueprofetizarem.Elasterã opoderparatransformará guaem
sangueepromoveroaparecimentodepragas,tantasvezesquantoquiserem.
—Sataná sasmatará no imdetrê sanosemeio,eseuscorpos icarã oestendidosnarua
da cidade em que Cristo foi cruci icado. As pessoas que elas atormentaram celebrarã o suas
mortes, nã o permitindo que seus corpos sejam sepultados. Mas, depois de trê s dias e meio, se
levantarã o dentre os mortos e subirã o ao cé u numa nuvem, enquanto seus inimigos icarã o
observando. Deus enviará outro grande terremoto, um dé cimo da cidade cairá , e sete mil
pessoasmorrerão.AsrestantesficarãoaterrorizadasedarãoglóriaaDeus.
Rayford lançou um olhar em volta do escritó rio e viu as pessoas murmurando umas à s
outras. Todos eles tinham visto a notı́c ia de dois homens "manı́acos" pregando a respeito de
JesusnoMurodasLamentações,emJerusalém.
—Sãoeles?—alguémperguntou.
— Quem mais poderia ser? — disse Bruce. — Nã o chove em Jerusalé m desde os
desaparecimentos. Nã o se sabe de onde esses homens vieram. Eles tê m o poder miraculoso de
santoscomoEliaseMoisés,echamamumaooutrodeElieMoisés.Nestemomento,oshomens
aindaestãopregando.
—Astestemunhas.
— Sim, as testemunhas. Se qualquer um de nó s ainda abrigava quaisquer dú vidas ou
temores, ou sentia-se inseguro sobre o que está acontecendo, essas testemunhas devem
acalmá -lototalmente.Creioqueessastestemunhasverã ocentenasdemilharesdeconvertidos,
os144mil,queanunciarãoCristoaomundo.Estamosdoseulado.Temosdefazernossaparte.
BucklocalizouHattieDurhamemcasanaterça-feiraànoite.
—Então,vocêestávindoaNovaYork?—perguntouele.
—Sim,eadorariavervocêetalvezterumencontrocomumapessoamuitoimportante.
—Vocêestádizendoumoutroalémdemim?
—Umbonitão—disseela.—VocêjáestevecomNicolaeCarpathia?
—Claro.
— Eu sabia! Conversei com algué m outro dia e disse-lhe que gostaria de encontrar esse
homem.
—Nãoprometonada,masvouveroquepossofazer.Ondepodemosnosencontrar?
—Meuvô ochegaporvoltadas11,etenhoumcompromissoà s13horasnoClubedaPanContinental. Mas, se nã o retornar em tempo para esse compromisso, nã o há problema. Só vou
retornar a Chicago na manhã seguinte, e nem mesmo garanti ao cara que o encontraria à s 13
horas.
—Outrocara?—perguntouBuck.—Vocêtemumfimdesemanabemagitado.
—Nã oé nadadisso—respondeuHattie.—Eumpilotoquequerconversarcomigosobre
alguma coisa, e nã o estou certa de que tenho interesse em ouvir. Se eu voltar e tiver tempo,
muitobem.Masnã omecomprometicomele.Porquenã onosencontramosnoclubeevemos
aondepodemosirdepois?
—VoutentarmarcarumencontrocomMr.Carpathia,provavelmenteemseuhotel.
Já eratardenaterça-feiraà noitequandoChloemudoudeidé iaeconcordouemiraNova
Yorkcomseupai.
— Posso perceber que você nã o está preparado para sair sem mim — disse ela,
abraçando-oesorrindo.—Ficocontenteporsernecessária.
—Abemdaverdade—disseele—vouinsistirnumencontrocomHattieegostariaque
vocêestivessepresente.
—Paraproteçãodelaousua?
— Nã o estou achando graça. Deixei um recado insistindo em que ela me encontre no
Clube Pan-Continental, no aeroporto Kennedy, à s 13 horas. Se ela vai ou nã o, nã o sei. De
qualquermodo,vocêeeuteremosalgumtempojuntos.
—Papai,tempojuntosé tudooquetemostido.Achoquevocê já deveestarcansadode
mimaestaaltura.
—Issonuncavaiacontecer,Chloe.
Logo cedo na quarta-feira, Buck foi convocado a comparecer ao escritó rio de Stanton
Bailey, redator-chefe do SemanárioGlobal. Em todos os seus anos de trabalhos premiados, ele
tinha estado lá apenas duas vezes. Uma vez, para celebrar seu prê mio Hemingway como
correspondentedeguerra;outravez,porocasiã odoNatal,quandoganhouumaexcursã ocomo
prêmio.
BuckpassouantesnasaladeSteveparavê -lo,quandosoubeporMargequeelejá estava
comoredator-chefe.Seusolhosestavamvermelhoseinchados.
—Oqueestáacontecendo?—perguntouele.
—Vocêsabequenãopossocomentarnada—disseMarge.—Apenasváatélá.
Aimaginaçã odeBuckiadeumpó loaoutroquandochegouaovestı́buloquedavaparao
conjunto de salas da diretoria. Ele nã o havia sido informado de que Plank també m tinha sido
convocado.Oquesigni icavaaquilo?Estariamosdoisemdi iculdadeporcausadaquelatrapaça
em que se meteram segunda-feira à noite? O Sr. Bailey teria de algum modo descoberto
detalhes do negó c io em Londres e como Buck tinha escapado? E naturalmente esperava que
essareuniãoterminasseemtempoparaseuencontrocomHattieDurham.
A recepcionista de Bailey indicou-lhe a entrada para a sala, onde a secretá ria ergueu
ligeiramenteacabeçafranzindoatestaeindicou-lheaporta.
— Você nã o vai me anunciar? — brincou ele. Ela sorriu afetadamente e voltou ao seu
trabalho.
Buck bateu delicadamente e abriu a porta devagar. Plank estava sentado de costas para
Buckenãosemexeu.Baileynãoselevantou,masacenouindicando-lheacadeira.
— Sente-se ali ao lado de seu chefe — disse Bailey, o que Buck interpretou como uma
interessante escolha de palavras. Evidentemente, Steve era seu chefe, mas nã o costumava
exigirqueochamassemdessaforma.
Bucksentou-seedisse:
—EuochamodeSteve.
SteveinclinouligeiramenteacabeçaemrespostaecontinuouolhandoparaBailey.
—Duascoisas,Williams—começouBailey,-,antesdetratarmosdenegó c ios.Você está
isentodequalquercoisaqueaconteceunoexterior,certo?
Buckconcordoucomacabeçaedisse:
—Sim,senhor.Nãodeveriahavernenhumadúvida.
— Bem, certamente nã o deveria, mas você teve sorte. Suponho que foi muita esperteza
sua dar a entender que a pessoa que o perseguia conseguiu pegá -lo, mas você també m nos
enganouporalgumtempo,comojásabe.
—Sintomuito.Nãohaviaoutramaneira.
—Evocê selivroudoacidente,dandoaelesmuniçã oparausarcontravocê ,sequisessem
incriminá-loporalgumarazão.
—Eusei.Issomecausousurpresa.
—Masconseguiuquealguémcuidassedisso.
—Certo.
—Como?
—Perdão,senhor...
—Quepartedo"como"vocênãoentendeu?Comovocêselivroudisso?Temosinformação
de que houve testemunhas que disseram que você era culpado. — Deve ter havido outros que
sabiam a verdade. Tompkins era meu amigo. Eu nã o tinha nenhum motivo para matá -lo,
mesmo que tivesse, nã o teria meios. Nunca tive a menor idé ia de como montar uma bomba
nemdecomotransportá-laoudetoná-la.
—Vocêdeveterpagoalguémparafazerisso.
— Mas nã o paguei. Nã o ando nesses cı́rculos e, se andasse, nã o teria mandado algué m
matar.
—Bem,acoberturadaimprensaé umtantovagaenã onoscompromete.Dizapenasque
houveummal-entendido.
—Foirealmenteisso.
— Claro que foi. Cameron, quis vê -lo esta manhã porque acabo de aceitar um dos mais
desagradáveispedidosdedemissãoquejárecebi.
Buckficouemsilêncio,comacabeçagirando.
—Stevemedissequeserá umanovidadeparavocê ;portanto,voudiretoaoassunto.Ele
está se demitindo para aceitar o cargo de assessor internacional de imprensa de Nicolae
Carpathia.Recebeuumapropostaquenãopodemosnemdelongecobrir,e,emboraeunãoache
prudente ou conveniente, ele acha que sim, e a vida é dele. O que você acha disso? Buck nã o
conseguiuseconter.
—Achoissoumadroga.Steve,aondevocêquerchegar?VaisemudarparaaRomênia?
—Meucentrodeoperaçãovaiseraqui,Buck.NoPlaza.
—Beleza.Steve,essecargonãoserveparavocê.Vocênãoéumrelações-públicas.
— Carpathia nã o é um lı́der polı́t ico comum. Diga-me se nã o esteve aos pé s dele,
badalando-o,nasegunda-feira.
—Estive,mas...
—Mascoisanenhuma.Estaéaoportunidadedetodaumavida.
Buckmeneouacabeça.
—Nãopossoacreditar.SabiaqueCarpathiaestavaprocurandoalguém,mas...
Steveriu.
—Digaaverdade,Buck.Eleofereceuaposiçãoprimeiroavocê,nãofoi?
—Não.
—Elemedissequesim.
— Bem, ele nã o me convidou. Na realidade, recomendei Miller, do Mensário Beira-Mar.
Plankencolheu-seeolhourapidamenteparaBailey.
—Éverdade?
—Sim,porquenão?Elefazmaisotipo.
—Buck—esclareceuSteve-,ocorpodeEricMillerdesapareceunaStatenIslandontem
ànoite.Elecaiudabalsaduranteatravessiaeseafogou.
— Bem — disse Bailey sumariamente -, chega de notı́c ias desagradá veis. Steve
recomendouvocêparasubstituí-lo.
BuckaindaestavatentandoabsorveranotíciasobreMiller,masouviuaproposta.
—Oh!porfavor—disse-,osenhornãoestáfalandosério.
—Você nã odesejaocuparessecargo?—perguntouBailey.-Moldararevista,determinar
acobertura,continuarescrevendosuasgrandesreportagens?Claroquesim.Nessaposiçã o,seu
salárioseráquasedobrado,e,seistoéoquepodefazê-loconcordar,eulhegaranto.
—Nãoéisso—disseBuck.—Soumuitojovemparapreencheressafunçãoagora.
—Sevocêacreditassenisso,nãoseriatãobomemsuafunçãoatual.
—Sim,masesteéosentimentodaequipe.
—Oquehá comessagente?—bradouBailey.—Elesachamquesoumuitovelhoeque
Steve é complacente. Outros acham que ele é muito exigente. Esse pessoal reclamaria até
mesmodeumsanto.Vocêmeentende.Então,comoficamos?
—EununcapoderiasubstituirSteve,senhor.Sintomuito.Opessoalpodetersequeixado,
massabiaqueeleeraohomemcertonessaposição.
—Eassimseriavocê.
—Maselesnuncamedariamapoio.Estariamaquimesolapandoesequeixandodesdeo
primeirodia.
— Eu nã o permitiria isso. Agora, Buck, esta proposta nã o vai icar sobre a mesa
indefinidamente.Queroquevocêaceiteparaqueeupossafazeracomunicaçãoimediatamente.
Buckencolheuosombroseolhouparaochão.
—Possoterumdiaparapensar?
— Vinte e quatro horas. Nesse ı́nterim, nã o diga uma só palavra a quem quer que seja.
Plank,alguémmaissabesobrevocê?
—SomenteMarge.
— Podemos con iar nela. Ela jamais dirá uma palavra. Tivemos um caso durante trê s
anos,eelanuncaabriuaboca.
SteveeBuckpareciamperplexos.
—Bem—disseBailey-,vocêsnuncasouberamdenada,certo?
—Não—responderamemuníssono.
—Viramcomoelaéurn"túmulo"?—disseBailey,aguardandoareaçãodosdois.—Estou
brincando,rapazes.Estoubrincando!
Eficourindoenquantoelessaíamdoescritório.
CAPÍTULO18
BUCKacompanhouSteveasuasala.
— Você ouviu a notı́c ia sobre aqueles dois malucos no Muro, das Lamentaçõ es? —
perguntouSteve.
— Nã o estou interessado nessa histó ria — retrucou Buck. — Sim, ouvi, e nã o quero
trabalharnessareportagem.Oqueissorepresenta?
—Estaserásuafunção,Buck.Margeserásuasecretária.
— Você nã o pode pensar que eu queira seu lugar. De inı́c io, nã o posso dar-me ao luxo de
perdervocê,aúnicapessoaaquicomacabeçanolugar.
—Incluindovocê?
—Incluindoeu,principalmente.Você deveterinterferidonaescolhadeBailey,paraque
elepensequesoualgumacoisaalemdeumbarrildepólvoraemsuaequipe.
—Suaequipe.
—Vocêachaquedevosubstituí-lo.
—Nãotenhodúvida.Nãosugerininguémmais,eBaileynãotinhaoutroscandidatos.
—Eleteriaoscandidatosquequisesse,seapenasanunciasseavaga.Quemnã odesejaria
essaposição,excetoeu?
—Seéumaposiçãoinvejável,porquevocênãoquer?
—Euteriaasensaçãodeestarsentadonumacadeiraqueésua.
—Entãopeçaasuaprópriacadeira.
— Você sabe o que quero dizer, Steve. Nã o serei o mesmo sem você . Nã o sou o homem
paraocargo.
—Olheacoisaporestelado,Buck.Sevocê nã oaceitar,nã oterá nenhumaidé iadequem
vaiserseunovochefe.Háalguémnestaequipecomquemvocêdesejariatrabalhar?
—Sim,você.
— Impossı́vel. Vou icar aqui até amanhã . Agora, falando sé rio, você gostaria de ter Juan
comochefe?
—Vocênãoorecomendaria.
— Nã o vou recomendar ningué m alé m de você . Bem, se você nã o aceitar o cargo, vai
selar seu destino. Vai acabar trabalhando para um colega que tem ressentimentos a seu
respeito.Quantostrabalhos"quentes"vocêachaqueelevaiatribuiravocê?
— Se eu for perseguido, vou ameaçar ir para aTime ou para outro lugar. Bailey nã o
permitiriaqueissoacontecesse.
—Sevocê recusarumapromoçã o,eleaté podefazerqueissoaconteça.Darascostasao
progressonãoéumbomsinalemqualquercarreira.
—Euapenasqueroescrever.
— Diga-me sinceramente quantas vezes você pensou em che iar este departamento
editorialmelhordoqueeu.
—Muitas.
—Poisaquiestásuachance.
— Bailey jamais iria tolerar que eu designasse a mim mesmo para as melhores
reportagens.
—Façadissoumacondiçãoparaaceitar.Seelenãogostar,adecisãoserádele,nãosua.
Pelaprimeiravez,Buckpermitiuqueumaréstiadeluzentrasseemsuamentenotocante
àpossibilidadedeocuparopostodeeditor-executivo.
—Aindanã oconsigoacreditarquevocê vainosdeixarparaserumassessordeimprensa,
Steve.Mesmoquesejapara•trabalharcomNicolaeCarpathia.
—Vocêsabeoqueestáreservadoparaele,Buck?
—Umpouco.
— Há um oceano de poder, in luê ncia e dinheiro atrá s dele, que vai colocá -lo no mais
elevadopostomundialdepodertãorapidamentequefaráacabeçademuitagentegirar.
—Ouçaoquedizseucoração.Vocênasceuparaserjornalista.
— Já ouvi, Buck. Eu nã o aceitaria trabalhar como assessor de imprensa nem para o
presidentedosEstadosUnidosnemparaosecretário-geraldaONU.
—Vocêachaqueelevaisermaiordoquetodos.
— O mundo está pronto para Carpathia, Buck. Você esteve lá segunda-feira. Você viu.
Vocêouviu.Algumavezconheceualguémcomoele?
—Não.
— E jamais conhecerá outro igual. Se você me perguntasse, eu diria que a Romê nia é
muitopequenaparaele.AEuropaémuitopequenaparaele.AONUémuitopequenaparaele.
—Oqueelevaiser,Steve,reidomundo?Steveriu.
— Este nã o será o tı́t ulo, mas nã o o menospreze. A melhor parte de tudo é que ele nã o
está consciente de seu potencial. Ele nã o está à procura dessas funçõ es. Elas foram oferecidas
porcausadeseuintelecto,seupoder,suapaixão.
—Vocêsabe,naturalmente,queStonagalestáportrásdele.
— Sei, claro. Mas ele brevemente vai suplantar Stonagal em in luê ncia por causa de seu
carisma. Stonagal nã o pode aparecer muito, por isso nunca terá as massas atrá s dele. Quando
Nicolaechegaraopoder,eleterá,emessência,jurisdiçãosobreStonagal.
—Nãoseriasensacional?
—Seiquevaiacontecermaiscedodoquealguémpodeimaginar,Buck.
—Excetovocê,naturalmente.
— E exatamente o que sinto. Você sabe que sempre tive bons instintos. Estou certo de
estar assistindo de perto a uma das maiores ascensõ es ao poder da histó ria da humanidade.
Talvezamaiordetodas.Eestareiláajudandoaacontecer.
—Oquevocêachadosmeusinstintos,Steve?Steveapertouoslábios.
—Alémdesuasredaçõesereportagens,seusinstintossãoosquemaisambiciono.
—Entã o iquetranqü ilo.Meusentimento,emessê ncia,é omesmoqueoseu.E,embora
nã opossajamaisserassessordeimprensadequalquerpessoa,chegoainvejá -lo.Você está em
posiçãoprivilegiadaparadesfrutarpelorestodavida.
Stevesorriu.
—Vamosmantercontato.Vocêsempreteráacesso,amimeaNicolae.
—Nãopossopretendermaisdoqueisso.
Margeinterrompeupelointerfone,semantesdarosinal.
—LiguesuaTVagora,Steve,ouaTVdeoutrapessoa.StevesorriuparaBuckeligouna
estaçãomaisimportante.
Ela estava transmitindo ao vivo de Jerusalé m, onde dois homens tentaram atacar os
pregadoresnoMurodasLamentações.OrepórterDanBennettaparecianatela.
"Foiumaconfrontaçã omuitofeiaeperigosaparaaquelesdoisqueestã osendochamados
de profetas hereges, conhecidos como Moisé s e Eli", relatou Bennett. "Sabemos seus nomes
porque eles se referem um ao outro desta forma, mas nã o tivemos condiçõ es de localizar
algué m que saiba alguma coisa mais sobre eles. Nã o conhecemos seus sobrenomes, nem suas
cidadesdeorigem,nemfamiliaresouamigos.Elesfalamumdecadavez—oupregam,como
você s preferirem — durante horas, continuando a a irmar que Jesus Cristo é o Messias. Eles
proclamam repetidamente que os desaparecimentos ocorridos em todo o mundo na ú ltima
semana,incluindomuitosaquiemIsrael,evidenciamoArrebatamentodaIgrejadeCristo.
"Umentrevistadorperguntou-lhesporqueelesnã otinhamdesaparecido,sesabiamtanto.
Umdeles,Moisé s,respondeu,evourepetiraqui:'Deondeviemoseparaondevamos,você snã o
podem saber.' Seu companheiro, a irmou: 'Na casa de meu Pai há muitas morada,
aparentementeumacitaçãoatribuídaaCristonoNovoTestamento."
SteveeBucktrocaramolhares.
"Cercados pelos zelotes, ou faná ticos, na maior parte do dia, os pregadores foram
inalmente atacados há poucos momentos por dois homens de aproximadamente 25 anos.
Observe a gravaçã o à medida que nossas câ meras focalizavam a açã o. Você s podem vê -los
atrá s da multidã o, tentando abrir caminho. Ambos estã o usando vestes longas com capuzes e
barba.Vocêspodemverqueelesexibemarmasàmedidaquesurgemnomeiodamultidão.
"Um deles tem uma arma automá tica, como uma metralhadora curta, e o outro, um
sabre-baioneta, que parece ler sido tirada de um ri le militar israelense. O que está portando o
sabre-baioneta coloca-se à frente, exibindo sua arma para Moisé s. Eli, atrá s de Moisé s, dobra
imediatamenteosjoelhos,orostovoltadoparaocé u.Moisé spá radefalaresimplesmenteolha
para o homem, que parece drogado. Ele ica estendido no solo enquanto o homem com a
metralhadoraapontaaarmaparaospregadoresepareceacionarogatilho.
"Nã ohouvenenhumsomdetiroquandoametralhadorafoiacionada,eoagressorparece
tropeçaremseuparceiro, icandoambosinertesnochã o.Ogrupodeespectadoresafastou-see
correuparaabrigar-se,masolhemdenovocomatençã oenquantovoltamosasimagens.Aquele
queestácomametralhadoraparecetercaídoespontaneamente,semnenhumaaçãovisível.
"Enquanto falamos, os dois agressores estã o estendidos aos pé s dos pregadores, que
continuamapregar.Espectadores'iradosexigemqueosagressoressejamsocorridos,eMoisé s
estáfalandoemhebraico.Vamosouviretraduzirsimultaneamenteenquantoprosseguimos.
"Ele está dizendo: 'Homens de Siã o, carreguem seus mortos! Removam de nossa frente
esteschacaisquenãotêmpodersobrenós!'
"Uns poucos da multidã o se aproximam com esse propó sito, enquanto os soldados
israelensesseajuntamnaentradaquedá acessoaoMuro.Oszelotesacenamaelesparaquese
afastem.Eliestáfalando:
'Você squeajudamoscaı́dosnã ocorremperigo,amenosqueseoponhamaosungidosdo
Altı́ssimo, referindo-se aparentemente a si mesmo e ao seu companheiro. Os agressores
estendidosnochã oestã osendoviradosdecostas,eosqueossocorremestã ochorando,gritando
e afastando-se. 'Mortos! Ambos estã o mortos!, exclamam eles, e agora a multidã o parece
desejar que os soldados entrem no recinto. Eles estã o abrindo espaço para que os soldados
avancem. Os soldados estã o, naturalmente, fortemente armados. Se vã o tentar prender os
estranhos, nã o sabemos, mas, pelo que vimos, os dois pregadores nem atacaram nem se
defenderamcontraoshomensestendidosnochão.
"Moisé s está novamente falando: 'Levem daqui seus mortos, mas nã o se aproximem de
nó s, diz o Senhor Deus dos Exé rcitos!' Isto ele disse com tal sonoridade e autoridade que os
soldados rapidamente levaram os corpos embora. Voltaremos a dar qualquer notı́c ia sobre os
doishomensquetentaramatacarospregadoresaquinoMurodasLamentaçõ es,emJerusalé m.
Nestemomento,ospregadorescontinuamproclamandoemvozalta:'JesusdeNazaré ,nascido
emBelém,ReidosJudeus,oescolhido,regentedetodasasnações.'
"DeIsrael,falouDanBennet."
MargeemaisalgunsfuncionáriosforamatéasaladeSteveduranteatransmissão.
—Quedupladedoidos!—comentoualguém.
— Qual das duplas? — perguntou Buck. — Você nã o vai dizer que os pregadores, quem
querqueelessejam,nãoosadvertiram.
—Oqueestáacontecendoporlá?—outroperguntou.
—Tudooquesei—disseBuck—équealiacontecemcoisasqueninguémpodeexplicar.
Steveergueuassobrancelhas.
— Se você acredita no parto virginal de Maria, sabe que o que acabou de dizer é uma
realidadehámuitosséculos.
Bucklevantou-se.
—TenhodeiratéoaeroportoKennedy—disse.
—Oquevocêvaidecidirarespeitodoconviteparaanovafunção?
—Tenho24horas,lembra-se?
— Nã o use todo esse tempo. Se você responder muito depressa, vai parecer ansioso; se
demorar,indeciso.
BucksabiaqueSteveestavacomarazã o.Eleteriadeaceitarapromoçã oparaprotegerse de outros pretendentes. Nã o queria icar obcecado com isso o dia inteiro. Buck estava
contente pela distraçã o reconfortante de rever Hattie Durham. Sua ú nica dú vida agora era se
poderiareconhecê-la.Elesseconheceramsobcircunstânciasextremamentetraumáticas.
RayfordeChloechegaramaNovaYorkpoucosminutosdepoisdomeio-diadequarta-feira
eforamdiretamenteaoClubePan-ContinentalparaesperarporHattieDurham.
—Estouapostandoqueelanãovaiaparecer—disseChloe.
—Porquê?
—Porque,nolugardela,eunãoapareceria.
—Vocênãoéela,graçasaDeus.
—Oh!nãoadiminua,papai.Oquefazvocêsentir-semelhorqueosoutros?
Rayford sentia-se horrı́vel. Chloe estava certa. Por que deveria ele desvalorizar Hattie
simplesmente por ela à s vezes parecer incompreensı́vel? Isso nã o o aborrecia quando ele a via
somentecomoumpassatempofı́sico.Eagora,só pelofatodeelatersidogrosseiraaotelefonee
nuncatercon irmadoseuú ltimoconviteparaseencontraremhoje,eleatinhaquali icadocomo
menosdesejáveloumenosdigna.
—Nã omesintomelhorqueningué m—admitiuele.—Masporquevocê nã oapareceria,
sefosseela?
—Porqueeuteriaidéiadoquevocêfaria.Vocêirádizer-lhequenãotemmaisosmesmos
sentimentosporela,masqueagorasepreocupacomaalmadela.
—Vocêestáfazendocomqueissopareçatrivial.
— Por que deveria impressioná -la dizendo que se preocupa com sua alma, quando ela
pensaquevocêcostumavainteressar-seporelacomopessoa?
—Éexatamenteisto,Chloe.Nuncaestiveinteressadonelacomopessoa.
—Elanã osabedisso.Pelofatodevocê tersidotã osé rioecuidadoso,elaachavaquevocê
eramelhordoqueamaioriadoshomens,quesimplesmenteseriammaisobjetivoseagressivos.
Estou certa de que ela se sente desconfortá vel a respeito de mamã e e, provavelmente,
compreende que você está psicologicamente impedido de começar um novo relacionamento.
Masvocênãopodeestragarodiadessamoçaatribuindo-lhequalquerculpa.
—Mas,dequalquermodo,foiculpadela.
— Nã o, nã o foi, papai. Ela estava disponı́vel, e você nã o, apesar de ter sinalizado que era
umhomemlivre.Nestetipodejogo,hojeemdia,ambostêmchancesiguais.
Elemeneouacabeça.
—Talvezsejaestaarazãoporquenuncafuibomnessejogo.
—Estoucontente,pelamemóriademamãe,porvocênuncatersido.
— Entã o, você acha que nã o devo deixá -la ressentida como está , ou falar com ela sobre
Deus?
— Você já a deixou ressentida, papai. Ela imaginou o que você ia dizer, e você o
confirmou.Éporestemotivoquedigoqueelanãovirá.Elaaindaestámagoada.Provavelmente
furiosa.
—Oh!elaestavafuriosa,temrazão.
—Entãooquefazvocêpensarqueelavaiaceitarsuaconversafiadasobreocéu?
— Nã o é conversa iada! De qualquer modo, isso nã o prova que agora me preocupo com
eladeummodogenuínoedecente?
Chloe levantou-se para pegar um refrigerante. Quando voltou e sentou-se mais perto do
pai,elacolocouamãoemseuombro.
—Nã oqueroparecerumasabichona—disseela.—Seiquevocê temmaisqueodobro
daminhaidade,maspermita-medar-lheumaidé iadecomoumamulherpensa,especialmente
umacomoHattie.Estábem?
—Soutodoouvidos.
—Elatemalgumantecedentereligioso?
—Creioquenão.
—Vocênuncalheperguntou?Elanuncadisse?
—Nenhumdenósjamaisdeuatençãoaesseassunto.
—Vocênuncasequeixouaeladaobsessãodemamãe,comovocêàsvezesfaziacomigo?
—Sim,chegueiapensarnessapossibilidade.Naturalmente,estavatentandousarissopara
provarquesuamãeeeunãoestávamosnosentendendo.
—MasHattienãodissealgumacoisasobresuasidéiasarespeitodeDeus?
Rayfordprocuravaselembrar.
— Você sabe, acho que ela disse alguma coisa como se estivesse apoiando as idé ias de
Ireneousesimpatizandocomelas.
— Isto faz sentido. Mesmo que tivesse desejado icar entre você s dois, ela queria estar
seguradequevocêéquemergueriaumaparedeentrevocêemamãe,nãoela.
—Nãoestouentendendo.
—Dequalquermodo,estenã oé opontoaondequerochegar.Oqueestouquerendodizer
é quevocê nã opodeesperarquealgué mquenemsequerfreqü entaigrejasejareceptivaacerca
do cé u e de Deus. Eu estou encontrando di iculdade de lidar com esse assunto, apesar de amar
você e saber que ele se tornou a coisa mais importante de sua vida. Você nã o pode pretender
que ela tenha qualquer interesse, especialmente se isso for interpretado por ela como uma
espéciedeprêmiodeconsolação.
—Por?
—Porperdersuaatenção.
—Masagoraminhaatençãoémaispura,maisgenuína!
— Para você , talvez. Para ela, isso vai se tornar muito menos atrativo do que a
possibilidadedeteralguémquepossaamá-laeestarpresenteemsuavida.
—IssoéoqueDeusvaifazerporela.
—Paravocê ,estaspalavraspassaramaserverdadeiras.Estousimplesmentelhedizendo,
papai,queelanãovaiquererouvi-lasnestemomento.
—Eseelaapareceraqui?Nãodevotocarnoassunto?
—Nã osei.Seelavier,podesigni icarqueelaaindaestá esperandoquehajaumachance
comvocê.Há?
—Não.
— Entã o você tem o dever de tornar isso claro. Mas nã o seja tã o enfá tico, nem queira
aproveitarestaoportunidadeparavenderaela...
—Paredefalarsobreminhafécomoalgoqueestouquerendovenderouatiraraela.
—Perdão.Estouapenastentandorefletircomoissovaisoarparaela.
Agora Rayford nã o tinha nenhuma idé ia sobre o que dizer ou fazer em relaçã o a Hattie.
Ele tinha receio de que sua ilha estivesse certa. O que Chloe acabara de dizer o fez ver com
clareza o que se passava na mente dela. Bruce Barnes tinha dito a ele que em sua maioria as
pessoas sã o cegas e surdas para a verdade até encontrá -la; agora ele entendia tudo. Como
poderiaelecontestar?Eraexatamenteoquetinhaacontecidocomele.
HattiecorreuaoencontrodeBuckquandoelechegouaoclubeporvoltadas11horas.Sua
expectativa de quaisquer possibilidades em relaçã o a Hattie se dissiparam quando a primeira
coisaqueeladissefoi:
— E entã o, vou encontrar-me com Nicolae Carpathia? Quando Buck prometera tentar
apresentá -laaNicolae,elenã otinhaaintençã odelevaradianteaidé ia.Agora,depoisdeouvir
Steve exagerar a respeito da grandiosidade de Carpathia, ele considerava perda de tempo
perguntar-lhesepodiaapresentarumaamiga,umafã.EleligouparaoDr.Rosenzweig.
— Doutor, eu me sinto um tanto idiota por fazer-lhe este pedido, e talvez seja melhor o
senhordizernã o,queeleestá muitoocupado.Seiqueeleestá sobrecarregadoeestagarotanã o
éumapessoaimportantequeelepreciseconhecer.
—Éumagarota?
—Bem,umajovem.Elaéaeromoça.
—Vocêquerqueeleconheçaumaaeromoça?
Buck nã o sabia o que dizer. Essa reaçã o era exatamente o que ele temia. Enquanto
hesitava,ouviuRosenzweigcobrirofonecomamãoechamarporCarpathia.
—Doutor,não!Nãopeçaissoaele!—gemeuBuck.
MasRosenzweigpediueretomouaconversacomBuck:
— Nicolae diz que qualquer amigo seu é amigo dele. Ele dispõ e de pouquı́ssimo tempo,
apenasalgunsminutos,agora,imediatamente.
Buck e Hattie saı́ram depressa em direçã o ao Plaza num tá xi. Buck percebeu
imediatamente quã o desajeitado se sentia e quã o envergonhado estava com esse incidente.
Apesar da boa reputaçã o que desfrutava com Rosenzweig e Carpathia como jornalista
internacional, seu conceito icaria para sempre manchado. Ele seria conhecido como o
oportunistaquearrastouumafãparaapertaramãodeNicolae.
Bucknãoconseguiaesconderseudesconfortoe,noelevador,eledissesempensar:
—Elerealmentetemapenasumsegundo,porissonãopodemosnosalongar.
Hattieolhouparaele.
—Seicomolidarcompessoasimportantes,você sabe—disseela.—Eumuitasvezesas
atendonosvôos.
—Claroquesei.
—Querodizer,vocêsesenteembaraçadoporminhacausaou...
—Nãoénadadisso,Hattie.
—Sevocêachaquenãovousabercomomecomportar...
—Sintomuito.Estouapenaspensandonaagendadele.
—Bem,nestemomentoestamosdentrodesuaagenda,nãoestamos?
Elesuspirou.
—Suponhoquesim.
Porque,oh!porqueeumeenvolvonessascoisas?
Novestı́bulo,Hattieparoudiantedeumespelhoeapurousuaimagem.Umguarda-costas
abriuaporta,acenouparaBuckemediuHattiedacabeçaaospé s.Elanã odeuatençã oaelee
esticouopescoçoparalocalizarCarpathia.ODr.Rosenzweigsurgiunasaladeestar.
—Cameron—disseele-,venhaatéaqui,porfavor.
Buck desculpou-se com Hattie, que nã o parecia nem um pouco à vontade. Rosenzweig
puxou-odeladoesussurrou:
— Nicolae quer saber se você pode falar com ele primeiro.Lá vou eu, pensou Buck,
lançando a Hattie urn rá pido olhar, como que se desculpando, e assinalando com o dedo para
indicarquenãodemoraria.Carpathiavaipedirminhacabeçaportomarseutempo.
EleencontrouNicolaeempé aummetrodotelevisorassistindoaonoticiá rio.Seusbraços
estavam cruzados, o queixo apoiado numa das mã os. Ele olhou rapidamente para Buck, que
esperavaàporta,fazendo-lhesinalparaentrar.Buckfechouaporta,sentindo-secomoumaluno
docursoprimárioentrandonasaladodiretor.MasNicolaenãofezreferênciaaHattie.
— Você viu o que está acontecendo em Jerusalé m? — indagou. Buck sinalizou
positivamente.
—Acoisamaisestranhaquejávi.
—Nãoparamim—retrucouBuck.
—Não?
— Eu estava em Tel-Aviv quando a Rú ssia atacou o paı́s. Carpathia estava com os olhos
pregados na tela enquanto a emissora reprisava as cenas do ataque contra os pregadores e a
quedaaochãodospretensosassassinos.
—Sim—resmungou.—Devetersidoalgoparecidocomisso.Algoinexplicá vel.Ataques
cardíacos,dizem.
—Como?
—Osagressoresmorreramdeataquecardíaco.
—Nãoestousabendo.
— Sim. E a metralhadora nã o foi disparada. Estava perfeita e com toda a carga de
munição.
Nicolaepareciaaterrorizar-sediantedasimagens.Elecontinuouolhandoenquantofalava.
—Gostariadesabersuareaçãoàminhaescolhadoassessordeimprensa.
—Fiqueiatordoado.
—Foioqueimaginei.Vejaisto.Ospregadoresemnenhummomentotocaramneles.Qual
éaprobabilidade?Elesestavamapavoradosdiantedamorte,foiisso?
Aperguntaeraretórica.Bucknãorespondeu.
—Hã ,hã ,hã —exclamouCarpathia-,é semdú vidamuitoestranho.AcreditoquePlank
podedesempenharbemseunovotrabalho,concorda?
—Certamente.EsperoqueosenhorsaibaquemutilouoSemanário.
—Ah!Euofortaleci.Quemelhormeiodeterapessoaquedesejonotopo?
Buckestremeceu,aliviando-sequandoCarpathiafinalmentedesviouaatençãodaTV.
—IstomefazsentirexatamentecomoJonathanStonagalmanobrandopessoaseposiçõ es
—disseCarpathia,rindo,eBuckficousatisfeitoaonotarqueeleestavabrincando.
—OsenhorsoubeoqueaconteceuaEricMiller?—perguntouBuck.
—SeuamigodoMensárioBeira-Mar?Não.Oquê?
—Afogou-senanoitepassada.Carpathiamostrou-sechocado.
—Nãomediga!Quecoisaterrível!
—Ouça,Sr.Carpathia.
—Buck,porfavor.Queirachamar-medeNicolae.
—Nã oseisemesentiriaà vontadechamando-odessemodo.Euqueriadesculpar-mepor
trazerestajovemparaconhecê-lo.Elaéapenasumaaeromoça,e...
— Ningué m é insigni icante — disse ele, segurando o braço de Buck. — Todos tê m o
mesmovalor,independentementedesuaposição.
Carpathia conduziu Buck até a porta, insistindo em que ele a apresentasse. Hattie foi
moderada e reservada, embora tenha dado uma risadinha quando ele a beijou em ambas as
faces.Elefezperguntassobreela,suafamı́lia,seutrabalho.Buckindagava-seseCarpathiatinha
feitoalgumcursosobrecomofazeramigoseinfluenciarpessoas.
—Cameron—sussurrouoDr.Rosenzweig.—Telefone.Buckatendeuemoutrasala.Era
Marge.
—Imagineiquevocê pudesseestaraı́ —disseela.—Acabodereceberumtelefonemade
CarolynMiller,esposadeEric.Elaestámuitotranstornadaequerfalarcomvocê.
—Nãopossoligarparaeladaqui,Marge.
—Bem,telefoneparaelalogoquetiverumminuto.
—Oqueestáacontecendo?
— Nã o tenho nenhuma idé ia, mas ela parecia estar desesperada. Aqui está o nú m ero do
telefone.
QuandoBuckreapareceu,CarpathiaeHattiedespediam-se.Elebeijou-lheamão.
— Estou encantado — disse ele. — Obrigado, Sr. Williams. E Srta. Durham, será um
prazerparamimsenossoscaminhossecruzaremnovamente.
Buckaconduziuparaforaenotouqueelaestavatomadadeemoção.
—Eleéumapessoadiferente,hein?—disseele.
—Elemedeuseunúmerodetelefone!—disseela,comvozestridente.
—Onúmerodeseutelefone?
HattiemostrouaBuckocartã odevisitaqueNicolaetinhadadoaela.Lá estavaseutı́t ulo
como presidente da Repú blica da Romê nia, mas seu endereço nã o era o de Bucareste, como
seria de esperar. Era do Hotel Plaza, nú m ero da suı́t e, telefone, etc. Buck icou sem fala.
Carpathia tinha escrito a lá pis outro nú m ero de telefone, nã o do Plaza, mas també m de Nova
York.Buckmemorizouonúmero.
— Podemos comer alguma coisa no Clube Pan-Continental -disse Hattie. — Eu na
verdadenã oqueroveressepiloto,maspensoquevouencontrá -lo,somenteparamevangloriar
deterconhecidopessoalmenteNicolae.
—Oh!agoraé Nicolae,hein?—controlava-seBuck,aindaagitadoeconfusoporcausado
cartãodevisitadeCarpathia.-Tentandodeixaralguémenciumado?
—Maisoumenos—disseela.
— Dê -me um minutinho, por favor — disse Buck -, precisodar um telefonema antes de
retornarmos.
Hattie esperou no saguã o enquanto Buck se desviava de pessoas que lotavam todo o
espaço até encontrar uma cabina telefô nica disponı́vel e ligar para Carolyn Miller. Ela parecia
arrasada,comosetivessechoradopormuitotempoesemdormir,oquedeveriaserverdade.
—Oh!Sr.Williams,agradeçoseutelefonema.
—Poisnão,senhora,sintomuitosuaperda.Eu...
—Estálembradodequenosconhecemos?
—Desculpe-me.Porfavor,ajude-mealembrar.
—Noiatepresidencial,noverãodedoisanosatrás.
—Ah!sim,certamente!Perdoe-me.
—Sr.Williams,meumaridotelefonou-menanoitepassada,antesdeentrarnabalsa.Ele
me disse que tinha em vista uma grande reportagem no Plaza quando se encontrou com o
senhor.
—Éverdade.
—Elemecontouumahistó riamalucaarespeitodeumabrigaquetevecomosenhorou
algoparecidosobreumaentrevistacomessepresidenteromenoquefalouna...
—Everdadetambé m.Nã ofoinadasé rio.Apenasumdesentendimento.Nã o icounenhum
ressentimento.
— Foi o que entendi. Mas essa foi a ú ltima conversa que tive com ele, e isso está me
deixandolouca.Osenhorsabecomoestavafriaanoitepassada?
—Umfriocortante,comomerecordo—disseBuck,confusocomabruscamudançade
assunto.
—Frio,senhor.Muitofrioparaestardoladodeforadabalsa,osenhornãoacha?
—Sim,madame.
— E mesmo que estivesse do lado de fora, ele era um bom nadador. Foi campeã o na
escolasecundária.
—Comtodoorespeito,madame,masissodevetersido...oque...unstrintaanosatrás?
—Maseleeraaindabomnadador.Acrediteemmim.Eusei.
—Oqueestáquerendodizer,Sra.Miller?
— Nã o sei! — exclamou ela, chorando. — Eu apenas tinha esperança de que o senhor
pudesseesclareceralgumacoisa.Querodizer,elecaiudabalsaeseafogou?Issonãofazsentido!
—Paramimtambémnão,madame,egostariadepoderajudar.Masnãoposso.
—Eusei—disseela.—Euestavaapenascomesperançadequepudesse.
—Madame,alguémestácomasenhora,cuidandodasenhora?
—Sim,estouamparada.Minhafamíliaestáaqui.
—Estareicommeuspensamentosvoltadosparaasenhora.
—Obrigada.
BuckavistouHattiequieta,sé ria,pensativa.Elapareciabastantepaciente.Eleligoupara
umamigodacompanhiatelefônica.
—Alex!Faça-meumfavor.Você aindapodeinformaraquempertenceumtelefone,seeu
lhederonúmero?
—Contantoquenãodigaaninguémmais,vouconsultar.
—Vocêmeconhece,homem.
—Digaonúmero.
Buck recitou o nú m ero que havia guardado na memó ria ao ver o cartã o de visita que
CarpathiaderaaHattie.Alexvoltoucomainformaçã oempoucossegundos,lendoosdadosna
teladocomputador.
—NovaYork,ONU,escritó riosadministrativos,escritó riodosecretá rio-geral,nã olistado,
linha con idencial, fora do painel de comando das telefonistas e da mesa da secretá ria. Está
bem?
—Ótimo,Alex.Ficolhedevendomaisesta.
Buckestavaperdido.Elenã oconseguiafazercomqueascoisasencaixassem.Correuaté
Hattie.
—Vouprecisardemaisumminuto—disseaela.—Vocêseincomoda?
—Nã o.Desdequeeupossaestardevoltaà s13horas.Semlevaremcontaotempoqueo
pilotopodeesperar.Eleveiocomsuafilha.
Buck retornou à cabina telefô nica, contente por nã o ter interesse em competir com
Carpathiaoucomessepilotopara,ganharoafetodeHattieDurham.EletelefonouparaSteve.
Margeatendeu,eBuckfalourapidamentecomela.
—Ei,soueu.PrecisofalarcomPlankimediatamente.
—Bem,tenhaumbomdia—disseela,eemseguidapôsStevenalinha.
—Steve—disseBuckapressado-,seugarotoacabadecometerseuprimeiroerro.
—Doquevocêestáfalando,Buck?
—SeuprimeirotrabalhodeveráseranunciarCarpathiacomoonovosecretário-geral?
Silêncio.
—Steve?Eentão?
—Vocêéumbomrepórter,Buck.Omelhor.Comoissovazou?
Buckfalou-lhedocartãodevisita.
—Caramba!Issonã oparecesercoisadeNicolae.Nã opossoimaginarquetenhasidoum
descuido.Devetersidointencional.
—TalvezeleestejasupondoqueessasenhoritaDurhamsejabastanteastutaparanã ose
apressar—disseBuck—ouqueelanã omemostrariaocartã o.Mascomoelesabequeelanã o
vailigarparaessenúmerologodecaraeprocurarporele?
—Contantoqueelaespereatéamanhã,Buck,tudobem.
—Amanhã?
—Vocênãopodeutilizarestainformação,entendeu?Vocênãoestágravando,está?
— Steve! A quem você pensa que vou falar sobre isto? Você já está trabalhando para
Carpathia? Você ainda é meu chefe. Se você nã o quiser que eu faça alguma coisa, basta me
dizer.Lembra-se?
— Bem, vou lhe contar. O deserto Kalahari compreende uma parte importante de
Botsuana, de onde o secretá rio-geral Ngumo é oriundo. Ele retorna a seu paı́s amanhã como
herói,tendosetornadooprimeirolíderateracessoàfórmuladofertilizanteisraelense.
—Ecomoelepôdefazerisso?
—Porsuabrilhantediplomacia.
— E ele nã o pode pretender cuidar dos deveres da ONU e de seu paı́s ao mesmo tempo
duranteestemomentoestratégicoimportantenahistóriadeBotsuana,certo,Steve?
— E por que deveria, quando algué m está tã o perfeitamente preparado para assumir a
posição?Nósestivemoslásegunda-feira,Buck.Quemvaiseoporaisso?
—Vocênãovai?
—Achoquefoiumajogadademestre.
— Você vai ser um perfeito assessor de imprensa, Steve. E eu decidi aceitar seu velho
posto.
—Bomparavocê!Agora,vocêvaificardebicocaladoatéamanhã,entendido?
—Prometo.Masvocêpodemedizerumacoisamais?
—Seeupuder,Buck.
—EmqueEricMillerestavametido?Ouquegolpeeleestavafarejando?
AvozdeSteveficoumaisfraca,numtomquasesussurrado.
—TudooqueseisobreEricMiller—disse—é queelechegoumuitopertodoparapeito
dabalsadacompanhiadenavegaçãoStatenIsland.
CAPÍTULO19
RayfordobservavaChloeenquantoelacaminhavadescuidadapeloClubePan-Continental
e, em seguida, olhou atravé s da vidraça. Ele sentia-se um inú t il. Durante dias, tinha dito a si
mesmoparanã oforçá -la,nã ofatigá -la.Eleaconhecia.Elaeracomoele;escapariaparaoutro
lado, se ele insistisse muito. Chloe havia até mesmo tentado persuadi-lo a afastar-se de Hattie
Durham,seelaaparecesse.
Oquehaviacomele?Nadaeracomoantesnemseriadenovo.SeBruceBarnesestivesse
certo, o desaparecimento do povo de Deus tinha sido apenas o começo do perı́odo mais
cataclísmicodahistóriadomundo.Eaquiestoueu,refletiaRayford,preocupadoemmelindraras
pessoas.Sereiresponsávelpor"nãomelindrar"minhafilhaeelaacabarseperdendo.
Rayfordsentia-sedesconfortá veltambé mporterseaproximadotantodeHattie.Eleteve
de reconhecer o pró prio erro por cobiçá -la e lamentava tê -la enganado ou fazê -la sonhar. Mas
ele també m nã o podia mais tratá -la com luvas de pelica. O que mais o atemorizava era que
transparecia,segundoaquiloqueBruceestavaensinando,quemuitaspessoasseriamenganadas
durante esses dias. Quem quer que se apresentasse proclamando paz e uniã o teria de ser
consideradosuspeito.Nã ohaveriapaz.Nã ohaveriauniã o.Estemomentoeraocomeçodo im,
etudoseriaocaosdalipordiante.
O caos faria com que os paci icadores e oradores de fala mansa fossem apenas mais
atraentes.E,àquelesquenãoquisessemadmitirqueDeusestavaportrásdosdesaparecimentos,
qualquer outra explicaçã o lhes daria uma consciê ncia tranqü ila. Nã o havia mais tempo para
conversasamenas,paraconvencimentobrando.Rayfordtinhadelevaraspessoasaconhecerem
a Bı́blia e seus ensinos profé ticos. Ele se sentia muito limitado em seus conhecimentos. Tinha
sido sempre um leitor erudito, mas este assunto de Apocalipse, Daniel e Ezequiel era novo e
estranhoparaele.Espantosamente,aquilofaziasentido.ElehaviacomeçadoalevaraBı́bliade
Ireneatodososlugaresaondeia,lendo-asemprequepossı́vel.Enquantooco-pilotoliarevistas
nashorasdefolga,RayfordpegavasuaBíbliaeliaatentamente.
—Oqueestá havendo?—perguntaram-lhemaisdeumavez.Semnenhumavergonhaou
constrangimento, ele dizia que estava procurando respostas e orientaçã o que nã o tivera antes.
Masequantoàsuafilhaesuaamiga?Eletinhasidomuitocortês.
Rayford olhou o reló gio. Faltavam ainda alguns minutos para as 13 horas. Seus olhos
cruzaram com os de Chloe à distâ ncia, e ele fez um sinal de que ia dar um telefonema. Ligou
paraBruceBarnesecontou-lheoqueestavapensando.
— Você está certo, Rayford. També m estive re letindo sobre isso há alguns dias,
preocupado com o que as pessoas pensariam de mim, nã o desejando que ningué m icasse
indiferente.Istonãofazmaissentido,nãoé?
— Nã o, nã o faz. Bruce, preciso de apoio. Vou começar a ser detestá vel, infelizmente. Se
Chloe quiser caçoar ou procurar outro rumo, vou forçá -la a tomar uma decisã o. Ela terá de
saberexatamenteoqueestá fazendo.Terá deenfrentaroqueencontramosnaBı́blia,re letire
resolverissodevez.Querodizer,somenteosdoispregadoresemIsraelsã osu icientesparadarmeaconfiançadequeessascoisasestãoacontecendoexatamentecomoaBíbliadiz.
—Vocêteveoportunidadedeveronoticiáriohojedemanhã?
—Videpassagemaquinoterminal.Elescontinuamreprisandooataque.
—Rayford,vejaoqueestápassandonaTVagoramesmo.
—Oquê?
—Voudesligar,Ray.Vejaoqueaconteceuaosagressoreseseissonã ocon irmatodasas
coisasquelemossobreasduastestemunhas.
—Bruce...
—Vá procurarumaTV,Rayford.Ecomeceatestemunhar porsimesmo,comcon iança
total.
Bruce desligou abruptamente. Rayford o conhecia su icientemente bem, apesar de seu
breve relacionamento, para entender que a reaçã o do pastor deveria deixá -lo intrigado, e nã o
ofendido.Elecorreuparaafrentedeumtelevisore icouatordoadoaoouvirorelatodamorte
dos dois agressores. Tirou da maleta a Bı́blia de Irene e leu a passagem de Apocalipse, da qual
Brucetinhafalado.OshomensemJerusalé meramasduastestemunhas,pregandooevangelho
de Cristo. Foram atacados e nã o precisaram sequer reagir. Os agressores caı́ram mortos, e
nenhummalaconteceuàstestemunhas.
Naquele momento, Rayford observava pela TV a multidã o se aproximando e se
amontoandonaáreaemfrenteaoMurodasLamentaçõesparaouvirastestemunhas.Aspessoas
se ajoelhavam, choravam, algumas com o rosto em terra. Eram essas as mesmas pessoas que
antesacharamqueospregadoresestavamprofanandoolugarsanto.Agorapareciamacreditar
noqueastestemunhasdiziam.Ouerasomentepormedo?
Rayford sabia mais do que isso. Sabia que os primeiros dos 144 mil judeus evangelistas
estavam se convertendo a Cristo diante dos espectadores. Sem tirar os olhos da tela, ele orou
em silê ncio:Senhor, enche-me de coragem, de poder, de tudo quanto preciso para ser uma
testemunha. Não quero nunca mais sentir medo ou dúvida. Não quero esperar mais. Não quero
preocupar-meseestouounãoofendendoaspessoas.Dá-meacapacidadedepersuasãoenraizada
emtuaPalavra.SeiqueéoteuEspíritoquefalaaoscoraçõesdaspessoas,masusa-me.Queroser
usado na conversão de Chloe. Quero ser um instrumento para a conversão de Hattie. Por favor,
Senhor,ajuda-me.
BuckWilliamssentia-senusemasuavalisederepó rter.Eleestariaprontoparatrabalhar
somente quando tivesse seu telefone celular, seu gravador e seu novo laptop. Ele pediu ao
taxista que parasse em frente ao pré dio doSemanário Global, para que pudesse apanhar sua
valise. Hattie icou esperando no tá xi, mas preveniu-o de que nã o gostaria de perder seu
encontronoaeroporto.Bucklhedissedeforadotáxiquedemorariaapenasumminuto.
—Entendiquevocênãoestavainteressadaemencontraressecara.
— Bem, mas agora estou, entendeu? Seja por desforra ou má goa ou o que quer que seja,
nã o é sempre que a gente pode dizer a um capitã o-aviador que conheceu algué m que ele nã o
conhece.
—VocêestáfalandodeNicolaeCarpathiaoudemim?
—Queengraçadinho!Dequalquermodo,eleconheceuvocê.
—Vocêestáfalandodocapitão-aviadordaquelevôoemquenosconhecemos?
—Sim...agora,andedepressa!
—Talvezeuqueiraencontrá-lo.
—Vá!
BuckligouparaMargedarecepção.
— Você poderia pegar minha valise e encontrar-me no elevador? Tenho um tá xi me
esperandoaqui.
—Está bem—disseela-,mastantoStevecomoovelhocavalheiroestã oesperandopor
você.
Eagora?Eleseperguntou.Buckolhouparaoreló gio,desejandoqueoelevadorfossemais
rápido.Assiméavidanosarranha-céus.
ElerecebeuavalisedasmãosdeMarge,foirapidamenteàsaladeSteveeperguntou:
—Oquehádenovo?Estoucompressa.
—Ochefãoquervê-lo.
—Qualéoassunto?—perguntouBuck,enquantocaminhavampelocorredor.
—EricMiller,imagino.Talvezmais.Você sabequeBaileynã oseabaloucommeupedido
de demissã o. Ele só concordou porque pensou que você agarraria a promoçã o com unhas e
dentes e por você conhecer tudo o que se passa aqui e o que está sendo planejado para as
próximassemanas.
NoescritóriodeBailey,ochefefoidiretoaoponto.
—Querofazeralgumasperguntasincisivasavocê sdoiseouvirrespostasdiretaserá pidas.
Muitosassuntosestã osurgindoprecisamenteagora,edevemosestarà frentedecadaumdeles.
Antes de mais nada, Plank, correm rumores de que Mwangati Ngumo está convocando a
imprensano inaldestatarde,etodomundoachaqueelevairenunciaraocargodesecretá riogeral.
—Émesmo?—perguntouPlank.
—Nã osefaçadebobocomigo—resmungouBailey.—Nã oé precisoserumgê niopara
imaginar o que está acontecendo aqui. Se ele estiver se afastando, seu novo chefe sabe disso.
Você seesquecedequeeudirigiaodepartamentoafricanoquandoBotsuanasetornoumembro
associadodoMercadoComumEuropeu.JonathanStonagaltinhaasmã osemcimadissotudo,e
todomundosabequeeleéumdosanjosprotetoresdeCarpathia.Qualéarelação?
BucknotouapalideznorostodePlank.Baileysabiamaisdoqueosdoisesperavam.Pela
primeiravezemanos,Stevepareceunervoso,quaseempânico.
—Voucontaravocê oquesei—disseSteve,masBuckimaginavaquehaviamaiscoisa
queelenã ocontaria.-Minhaprimeiratarefaamanhã cedoserá negarointeressedeCarpathia
pelo cargo. Ele vai dizer que tem muitas idé ias revolucioná rias e que insiste em aprovaçã o
quase unâ nime da parte dos membros atuais. Eles terã o de concordar com suas idé ias de
reorganização,demudançadeprioridades,eoutrascoisasmais.
—Quais?
—Nãotenholiberdadede...Baileylevantou-se.Seurostoestavavermelho.
— Deixe-me dizer-lhe uma coisa, Plank. Gosto de você . Você tem sido a meu ver uma
superestrela. Vendi sua imagem aos outros diretores quando ningué m reconhecia suas
quali icaçõ es. Você me vendeu a imagem deste principiante aqui, e ele nos pareceu bom em
tudo.Pagueiavocê salá riosdeseisdı́gitos,mesmoantesdevocê merecê -los,porquesabiaque
urndiaissovaleriaapena.Evaleu.Agora,estoulhedizendoquenadadoquevocê revelaraqui
vaipassardestasparedes,porissonãoqueroquevocêescondanadademim.
— Você s, meninos, pensam que, porque estou há dois ou trê s anos ausente do campo, já
nã o tenho mais meus contatos, nã o tenho meu ouvido encostado ao chã o. Bem, deixem-me
dizer-lhes,meutelefonenã opá radetocardesdequevocê ssaı́ramdaquiestamanhã ,dando-me
aimpressãodequealgograndiosoestáparaacontecer.Oqueé?
—Quemligouparaosenhor?—perguntouPlank.
— Bem, logo de inı́c io, recebi um telefonema de uma pessoa que conhece o vicepresidente da Romê nia. Foi pedido a ele que se preparasse para dirigir os assuntos do dia-a-dia
daquele paı́s por um perı́odo indeterminado. Ele nã o vai se tornar o novo presidente, porque o
paı́s acaba de eleger um, mas isso indica, a meu ver, que Carpathia espera icar aqui por um
bomtempo.
—Depois,pessoasqueconheçonaAfricamedisseramqueNgumolevouvantagemsobre
osdemaiseconseguiuacessoà fó rmuladeIsrael,maselenã oestá muitofelizporqueoacordo
requer seu afastamento da ONU. Ele vai deixar o cargo, mas haverá problemas se tudo nã o
correrconformeprometido.
—Emseguida,recebiumaligaçã ododiretorderedaçã odoMensárioBeira-Mar querendo
extrairdemimporquevocê ,Cameron,eaquelesujeitoqueseafogounanoitepassadaestavam
trabalhando na mesma maté ria sobre Carpathia e se eu acho que você també m vai morrer
misteriosamente. Respondi que, até onde eu sabia, você estava trabalhando numa reportagem
decapasobreCarpathiaequeestá vamosconvictosdeseusucesso.Eledissequeseufuncioná rio
pretendia usar um mé todo ligeiramente diferente, ou seja, enquanto os outros estivessem
trabalhando de um lado, ele trabalharia do outro. Miller estava escrevendo um artigo sobre o
signi icadodosdesaparecimentos,omesmoassuntoquevocê planejavapublicardaquiaumaou
duassemanas.Queligaçã oissotemcomCarpathiaeporqueorapazfoiapagado,nã osei.Você
sabe?
Buckmeneouacabeça.
— Vejo os dois casos como peças totalmente diferentes. Perguntei a Carpathia o que ele
pensavadosdesaparecimentos,etodosouviramaresposta.Eunã osabiaemqueMillerestava
trabalhando, nem imaginava que ele pudesse de algum modo estar ligando Carpathia com os
desaparecimentos.
Baileysentou-se.
— Para dizer a verdade, logo que recebi o telefonema do diretor doMensário, imaginei
queeleestivessetelefonandoparaobterreferê nciassobrevocê ,Cameron.E iqueipensando:se
euperderessesdois"metidos"namesmasemana,vouanteciparminhaaposentadoria.Podemos
resolveraqueleassuntoantesquePlankmedigaoquemaiselesabe?
—Queassunto?—perguntouBuck.
—Vocêestápensandoemsair?
—Não.
—Estáaceitandoapromoção?
—Estou.
—Ótimo!Agora,Steve.QuemaisCarpathiapretendeantesdeaceitaropostonaONU?
Plankhesitouparecendoestarconsiderandosedeviadizeroquesabia.
—Você medeveestaresposta—disseBailey.—Nã otenhoaintençã odeusá -la.Desejo
apenas saber. Cameron e eu temos de decidir qual reportagem entrará primeiro em pauta.
Queroqueeletomecontadaquelaquemaismeinteressa,aquelasobreoqueexisteportrá sdos
desaparecimentos.Penso,à svezes,quenostornamosmuitoarrogantescomorevistanoticiosa
e nos esquecemos de que há pessoas morrendo de medo querendo encontrar uma explicaçã o
para tudo isso. Steve, você pode con iar em mim. Já lhe disse que nã o vou contar nada a
ningué m nem comprometê -lo. Apenas me diga o que sabe. O que pretende Carpathia? Ele vai
aceitaressecargo?Steveapertouoslábiosecomeçouafalarcomrelutância.
—ElequerorganizarumnovoConselhodeSegurança,queincluirá algumasdesuasidé ias
paraembaixadores.
—ComoTodd-CothrandaInglaterra?—perguntouBuck.
— Provavelmente, mas por tempo limitado. Ele nã o está totalmente satisfeito com esse
relacionamento,comovocêdevesaber.
BuckrepentinamentepercebeuqueSteveestavaapardetudo.
—E?—pressionouBailey.
— Carpathia quer que Ngumo insista que será ele quem o substituirá , com o voto da
grandemaioriadosrepresentantes,eduasoutrascoisasque,francamente,nã oacreditoqueele
consiga. Militarmente, ele quer um compromisso de desarmamento dos paı́ses membros, a
destruiçãode90%deseusarsenaisdeguerraeadoaçãodos10%remanescentesparaaONU.
—Comopropó sitodemanterapaz—disseBailey.—Pareceingê nuo,mastemló gica.
Vocêestácerto,eleprovavelmentenãovaiconseguirisso.Quemais?
— Talvez o ponto mais controvertido e menos prová vel. A logı́stica por si é incrı́vel, o
custo,o...tudo.
—Oquê?
—ElequertransferiraONU.
—Transferir?Stevemeneouacabeçanumgestodeafirmação;
—Paraonde?
—Pareceestúpido.
—Todasascoisasparecemestúpidasnestesdias—disse—Bailey.
—Elequertransferi-laparaBabilônia.
—Vocênãoestáfalandosério.
—Eleestá.
—Ouvidizerqueacidadeestá sendoreconstruı́dahá anos.Milhõ esdedó laresinvestidos
paratransformá-laemquê?NaNovaBabilônia?
—Bilhões.
—Vocêachaquealguémvaiconcordarcomisso?
— Depende do apoio que ele receber — Steve riu furtivamente. — Ele estará hoje no
ShowdaNoite.
—Elevaificarmaispopulardoquenunca!
—Eestá sereunindonestemomentocomosdirigentesdetodososgruposinternacionais
queestãonacidadeparaoutrosencontros.
—Oqueelequercomeles?
—Oassuntocontinuaconfidencial,certo?—perguntouSteve.
—Claro.
— Ele está pedindo apoio para os objetivos que deseja atingir. O tratado de sete anos de
pazcomIsraelemtrocadesuahabilidadecomointermediá riodafó rmuladofertilizanteparao
deserto. A mudança para a Nova Babilô nia. O estabelecimento de uma religiã o ú nica para o
mundo,provavelmentecomsedenaItália.
—Elenãovaiconseguirgrandecoisascomosjudeusnessaquestão.
—Osjudeussãoumaexceção.Elevaiajudá-losareconstruirotemploduranteosanosem
quevigorarotratadodepaz.Eleachaqueosjudeusmerecemumtratamentoespecial.
—Eelesmerecemmesmo—reforçouBailey.—Ohomemé brilhante.Nuncavialgué m
comidéiastãorevolucionáriasequeagissetãodepressa.
— Você s nã o estã o um tanto inseguros a respeito desse homem? — perguntou Buck. —
Parece-mequeaspessoasquechegammuitopertoacabameliminadas.
—Inseguros?—perguntouBailey.—Bem,achoqueeleé umpoucoingê nuo,eeu icaria
muito surpreso se ele conseguisse tudo o que está pretendendo. Mas, por outro lado, é um
polı́t ico. Ele nã o vai impor sua vontade como se fosse um ultimato, e pode ainda aceitar a
posiçã o mesmo que nã o obtenha tudo o que deseja. Pode parecer que ele tratou Ngumo sem
consideraçã o, mas penso que ele tem em mente os melhores interesses para favorecer
Botsuana.Carpathiaserá melhorqueNgumocomoexecutivodaONU.Eeleestá certo.Seoque
aconteceu em Israel acontecer em Botsuana, Ngumo precisa icar perto de casa para
administraraprosperidade.Inseguro?Não.Estoutãoimpressionadocomohomemtantoquanto
você s dois. Ele é o que precisamos neste momento. Nã o há nada errado em buscar uniã o e
convergêncianumtempodecrise.
—EquantoaEricMiller?—Buckquissaber.
— Acho que estã o dando muito destaque a essa histó ria. Nã o sabemos se sua morte foi
simplesmente o que pareceu e apenas coincidiu com o desentendimento entre você s sobre a
entrevistacomCarpathia.Dequalquermodo,CarpathianãosabiaoqueMillerqueria,sabia?
—Achoquenão—respondeuBuck,maselenotouqueStevenãoabriuaboca.
AvozdeMargefoiouvidanointerfone.
—Cameron,háumrecadourgentedeHattieDurham.Eladizquenãopodemaisesperar.
—Oh!nã o—disseBuck.—Marge,peça-lhemildesculpas.Diga-lhequetiveumareuniã o
inesperadaequevouligarparaelaoudarumjeitodeencontrá-lamaistarde.
Baileydemonstrouaborrecimento.
—Éissooquepossoesperardevocênohoráriodetrabalho,Cameron?
—Naverdade,apresentei-aaCarpathiaestamanhã equeroqueelameapresenteaum
capitã o de uma companhia aé rea que está na cidade hoje, com o propó sito de cobrir parte
daquelareportagemsobreoqueaspessoaspensamqueaconteceunaúltimasemana.
—Nã ovouquestionarsobreisso,Cameron—disseBailey.—Vamosapresentaragrande
reportagem de Carpathia na pró xima ediçã o e depois prosseguir com as teorias a respeito dos
desaparecimentos. Se você me perguntar, essa poderia ser a reportagem mais comentada que
já izemos.PensoquevamosbateraTimeetodasasdemaiscomnossacoberturadoevento.A
propósito,gosteidasuamatéria.Nãoseisevamosteralgumacoisarealmentenovaoudiferente
sobre Carpathia, mas precisamos dar a esse importante assunto o melhor que pudermos.
Francamente,gostodasuaidéiadeapresentartodasasteorias.Vocêdeveincluirasua.
—Gostariadeteruma—disseBuck.—Estouemdú vidacomotodomundo.Oqueestou
descobrindo,entretanto,équeaspessoasquetêmumateoriaacreditamnelaobstinadamente.
— Bem, tenho a minha — disse Bailey. E é quase fantá stico como ela se aproxima e se
encaixa no assunto Carpathia, Rosenzweig ou qualquer outro. Tenho parentes que acreditam
nessahistó riadosalienı́genasdoespaço.TenhoumtioqueachaquefoiJesus,maseletambé m
acha que Jesus se esqueceu dele. Ah! Penso que foi um acontecimento natural, algum tipo de
fenô m eno em que toda nossa alta tecnologia interagiu com as forças da natureza. Na verdade,
nó smesmosnã otemosumaidé iamá gicaaesterespeito.Agora,vamoslá ,Cameron.Qualé a
suaposiçãonestecaso?
—Estounaposiçã operfeitaparaomeutrabalhojornalı́stico—disseele.—Nã otenhoa
mínimaidéia.
—Oqueaspessoasestãodizendo?
— O habitual. Um mé dico no aeroporto O'Hare me disse que estava certo de que se
tratava do Arrebatamento. Outras pessoas tê m dito o mesmo. O senhor sabe que a chefe do
nossoescritórioemChicago...
— Lucinda Washington? Está na hora de você providenciar algué m para preencher sua
vaga.Vocêdeveirlá,estudaroterreno,fazercontatos.Masvocêestavadizendo...?
—OfilhodeLucindaacreditaqueelaeorestantedafamíliaforamlevadosparaocéu.
—Então,comoelefoideixadoparatrás?
— Nã o sei explicar — respondeu Buck. — Alguns cristã os sã o melhores do que outros ou
algo assim. Este é um dos misté rios que vou procurar esclarecer antes de encerrar a
reportagem. Esta aeromoça que acabou de ligar... nã o estou certo do que ela pensa, mas o
pilotocomquemelavaiseencontrarhojecontou-lhequetemumaexplicação.
— Um piloto de aviaçã o — Bailey repetiu. — Seria interessante. Contanto que sua idé ia
nã o seja a mesma de outros cientistas. Bem, prossiga com seu trabalho. Steve, vamos fazer o
anú ncio hoje. Desejo-lhe boa sorte, e nã o se preocupe. Nada do que foi dito aqui será publicado
na revista, a menos que possamos obter as informaçõ es de outras fontes. Estamos concordes
comisso,nãoestamos,Williams?
—Sim,senhor—confirmouBuck.
Stevenãopareciatãocertodisso.
Buckcorreuatéoelevadoreligouparaaoserviçodeinformaçõesparaobteronúmerodo
Clube Pan-Continental. Ele pediu que contatassem Hattie por meio de seupager, mas, como
nã o puderam localizá -la, ele supô s que ela ainda nã o havia chegado ou tinha saı́do com seu
amigo capitã o-aviador. Buck deixou um recado para que ela ligasse para o seu celular e, em
seguida,pegouumtáxiedirigiu-seaoclube.naexpectativadeencontrá-la.
Sua mente estava zumbindo. Ele concordava com Stanton Bailey de que a grande
reportagem era o que estava por trá s dos desaparecimentos, mas agora també m estava
começandoasuspeitardeNicolaeCarpathia.Talveznã odevesseconsiderá -losuspeito.Talvez
devesseconcentraraatençã oemJonathanStonagal.Carpathiadeviaserbastanteespertopara
perceber que sua ascensã o ao poder ajudaria Stonagal a ser desleal com seus concorrentes. No
entanto, Carpathia tinha a iançado que iria "negociar" com ambos, Stonagal e Todd-Cothran,
sabendoperfeitamentequeelesestavamportrásdenegóciosilícitos.
Isto fazia de Carpathia um inocente? Buck sinceramente esperava que sim. Ele nunca
desejoucon iartantonumapessoa.Nosú ltimosdias,desdeosdesaparecimentos,eleraramente
teveumsegundoparapensaremsimesmo.Aperdadesuacunhada,sobrinhoesobrinhapesava
emseucoraçã oquaseconstantementeealgoolevavaaindagarsenã ohaviaalgumaverdade
nesta histó ria do Arrebatamento. Se algué m neste mundo tinha de ser levado para o cé u, eles
erambonscandidatos.
Mas Buck sabia mais do que isso. Ele foi educado nas escolas da Ivy League. Deixou de
freqü entar a igreja depois de conseguir livrar-se da repressã o familiar que ameaçava levá -lo à
loucuraemsuajuventude.Elenuncaseconsideroureligioso,emboraorassedevezemquando
pedindoajudaelivramento.Haviaconstruı́dosuavidaemtornodedesa ios,empolgaçõ ese—
elenã opodianegar—realizaçõ espessoais.Gostavadostatus que alcançara por ter seu nome
mencionado no inı́c io de cada artigo ou reportagem, dos temas que desenvolvia ou redigia, de
suasidé iaspublicadasporumarevistadeâ mbitonacional.Contudo,haviamomentosdesolidã o
emsuavida,especialmenteagoracomasaı́dadeSteve.Buckhavianamoradoeconsideradoa
possibilidade de um relacionamento sé rio, mas sempre se achou muito instá vel para uma
mulherquedesejasseestabilidade.
Desde o evento claramente sobrenatural que havia testemunhado em Israel, com a
destruiçã o da força aé rea russa, ele sabia que o mundo estava mudando. As coisas nunca mais
seriamasmesmasdeantes.Elenã oestavaaceitandoateoriadosdesaparecimentospraticados
por seres alienı́genas do espaço, e, embora essa teoria pudesse muito bem ser atribuı́da a
algumaincrı́velreaçã oenergé ticacó smica,quemouoqueestavaportrá sdisso?Oincidenteno
MurodasLamentaçõeseraoutroinexplicávelindíciodosobrenatural.
Buckestavamaisintrigadocomos"porquê s"dahistó ria,comoelegostavadepensar,do
quecomosurgimentodeNicolaeCarpathia.Fascinadoqueestavapelohomem,Buckesperava,
acima de tudo, que ele nã o fosse outro polı́t ico frustrante. Ele era o melhor dentre os que já
tinha visto, mas a morte de Dirk, de Alan, de Eric e a ameaça sofrida por ele mesmo seriam
totalmentealheiasaCarpathia?
Ele esperava que sim. Desejava acreditar numa pessoa que surge uma só vez em cada
geraçã o que pudesse compreender os anseios do mundo. Poderia Carpathia ser outro Lincoln,
RooseveltouKennedy?
Por impulso, enquanto o tá xi tentava furar o incrı́vel trá fego na regiã o do aeroporto JFK,
Buckligouomodemdolaptopemseutelefonecelularechamouàtelaumserviçonoticioso.
Procurou rapidamente os trabalhos principais de Eric Miller nos ú ltimos dois anos e icou
atordoado ao descobrir que ele tinha escrito sobre a reconstruçã o e progresso da Babilô nia. O
tı́t ulodasé riedeMillerera"NovaBabilô nia,oUltimoSonhodeStonagal".Umará pidaolhadano
artigo mostrou que a maior parte do inanciamento vinha dos bancos de Stonagal espalhados
pelomundo.Enaturalmentehaviaumacitaçã oatribuı́daaStonagal:"Apenascoincidê ncia.Nã o
tenhoidéiadospormenoresdosfinanciamentosconcedidospornossasváriasinstituições."
Buck percebeu que o ponto determinante de Nicolae Carpathia nada tinha a ver com
Mwangati Ngumo ou Israel, ou mesmo com o novo Conselho de Segurança. No entender de
Buck,aprovade initivaparaCarpathiaeraoqueelefariaemrelaçã oaJonathanStonagal,uma
vezempossadocomosecretário-geraldaONU.
Porque, se os demais membros da ONU se submetessem à s condiçõ es de Nicolae, ele se
tornaria,dodiaparaanoite,olı́dermaispoderosodomundo.Eleteriaacapacidadedeimpor
seusdesejosmilitarmente,secadamembrosedesarmasseeaONUsetornassetodo-poderosa.
O mundo icaria desesperado pela açã o de um lı́der em quem con iara implicitamente ao
concordar com tal sistema. E o ú nico lı́der digno do manto do poder seria aquele que jamais
tolerariaumassassinoqueforjavamortesnosbastidores,comoJonathanStonagal.
CAPÍTULO20
Rayford e Chloe Steele esperaram até as 13h30, e entã o resolveram ir para o hotel. A
caminhodasaı́dadoClubePan-Continental,RayfordparouparadeixarumrecadoparaHattie,
casoelachegasse.
—Acabamosdereceberoutramensagemparaela—informouamoçadobalcão.—Uma
secretá riafalandoemnomedeCameronWilliamsinformouqueeleaencontrariaaqui,seelao
chamasselogoaochegar.
—Quandochegouorecado?—perguntouRayford.
—Logodepoisdas13horas.
— Talvez devê ssemos esperar mais alguns minutos. Rayford e Chloe estavam sentados
perto da entrada quando Hattie chegou apressada. Rayford sorriu para ela, mas ela
imediatamentediminuiuospassos,comoseostivesseencontradoporacaso.
— Oh! Olá — disse ela, mostrando sua identi icaçã o no balcã o e recebendo seu recado.
Rayforddeixouqueelafizesseseujogodecena.Elemereciaisso.
— Na verdade, eu nã o devia ter vindo vê -los — disse ela depois de ser apresentada a
Chloe.—Mas,já queestouaqui,devoretornarestaligaçã o.Edoarticulistadequemlhefalei.
ElemeapresentouaNicolaeCarpathiaestamanhã.
—Nãomediga.
Hattiemeneouacabeçaafirmativamente,sorrindo.
— E o Sr. Carpathia me deu seu cartã o. Você sabia que ele vai ser apontado o Homem
MaisAtraentedarevistaPeoplel
— Eu ouvi isso, sim. Bem, estou impressionado. Uma manhã cheia para você , hein? E
comoestáoSr.Williams?
—Muitobem,porémmuitoocupado.Achomelhortelefonarparaele.Comlicença.
Buckestavanaescadarolantedentrodoterminalquandoseutelefonetocou.
—Atéqueenfim—disseHattie.
—Sintomuito,Srta.Durham.
—Oh!porfavor—disseela.—UmapessoaquemedeixanocentrodeManhattannuma
corridadetáxicarapodebemmechamarpeloprimeironome.Euinsisto.
—Eeuinsistoempagaressacorrida.
—Estouapenasbrincando,Buck.Vouagorameencontrarcomessecapitã o-aviadoresua
filha,porissonãosesintaobrigadoaestarpresente.
—Jáestouaqui—disseele.
—Oh!
—Mastudobem.Tenhomuitoquefazer.Foibomtervistovocê novamente.Napró xima
vezquevieraNovaYork...
—Buck,nãoqueroquevocêsesintaobrigadoasermeucicerone.
—Masnãomesintoobrigado.
—Claroquesim.Você é umapessoamaravilhosa,masé ó bvioquenã otemosa inidade.
ObrigadapormeencontrareespecialmentepormeapresentaraoSr.Carpathia.
—Hattie,precisodeumfavor.Seriapossı́velmeapresentaraopiloto?Queroentrevistá -
lo.Elevaipernoitaraqui?
—Vouperguntaraele.Vocêvaitambémconhecerafilhadele.Elaéumaboneca.
—Talvezeuaentrevistetambém.
—Sim,éumaboaaproximação.
—Apenaspergunteaele,Hattie,porfavor,
Rayford estava imaginando que talvez Hattie tivesse um encontro com Buck Williams
naquela noite. A coisa certa a fazer seria convidá -la para um jantar no hotel. Agora ela estava
acenandoparaqueelefosseatéotelefonepúblico.
— Rayford, Buck Williams deseja encontrar-se com você .Ele está fazendo uma
reportagemequerentrevistá-lo.
—Verdade?Eu?—respondeuele.—Sobreoquê?
— Nã o sei. Nã o perguntei. Suponho que seja sobre o vô o ou os desaparecimentos. Ele
estavanaquelevôoquandoaconteceu.
—Diga-lhequevouvê -lo,comcerteza.Naverdade,porquenã opediraelequesejuntea
nóstrêsparaumjantar,sevocêsestiveremlivres.
Hattieolhoubemparaelecomoseestivessesendoenganadaemalgumacoisa.
—Vamoslá ,Hattie.Você eeuconversaremosestatardee,depois,iremostodosjantarà s
seisnoCarlisle.
ElavoltouaotelefoneeperguntouaBuck:
— Onde você está agora? — Ela fez uma pausa. — Nã o acredito! — Hattie olhou para
fora,riueacenou.Cobrindoobocaldotelefone,voltou-separaRayford.—Lá está ele,bemali
comotelefonecelular!
—Bem,porqueosdoisnã odesligamparaquevocê façaasapresentaçõ es?—perguntou
Rayford.
HattieeBuckdesligaram,eBuck,aoentrar,guardouseutelefonenamaleta.
— Ele está conosco — disse Rayford à recepcionista na mesa à entrada. Em seguida,
apertouamã odeBuck.—Entã oosenhoré oredatordoSemanárioGlobalqueestavaemmeu
avião.
—Soueumesmo—respondeuBuck.
—Arespeitodoqueosenhordesejameentrevistar?
—Querosabersuaopiniã osobreosdesaparecimentos.Estoufazendoumareportagemde
capasobreasexplicaçõ esouteoriasqueestã oportrá sdoacontecido,eseriabomconhecerseu
pontodevistacomoumprofissionalecomoalguémqueestavabemnomeiodotumultoquando
ofatoaconteceu.
Q u eoportunidade! pensou Rayford. — Com prazer — disse. -O senhor pode nos
acompanharnumjantar?
—Certamente—disseBuck.—Eestaésuafilha?
Buckestavaimpressionado.EleadorouonomedeChloe,seusolhos,seusorriso.Elaolhou
diretamente nos olhos dele, e deram-se um forte aperto de mã o, algo que ele apreciava numa
mulher.Muitasmulheresachamqueé maisfemininoestenderumamã ofrouxa,hesitante. Que
garota bonita! Pensou ele. Ele sentiu vontade de dizer ao capitã o Steele que, a partir do dia
seguinte,nã oseriamaisumarticulista,mas,sim,editor-executivo.Masreceouqueissopudesse
serinterpretadocomopresunção,enãoumasimplesinformação,porissonadafalou.
—Olhe—disseHattie-,ocapitã oeeuprecisamosdeunspoucosminutos,entã oporque
você sdoisnã oseconhecemmelhorenosreunimosdenovomaistarde?Você dispõ edetempo,
Buck?
Agorasim,pensou.—Certamente—disseele,olhandoparaChloeeseupai.—Está bem
paravocêsdois?
O capitã o pareceu vacilar, mas sua ilha olhou para ele com uma expressã o esperançosa.
Elaeraevidentementeamadurecidaparatomardecisõ es,mas,poroutrolado,nã oqueriafazer
oqueparecesseinadequadoaosolhosdeseupai.
—Estábem—disseocapitãoSteelecomalgumahesitação.—Esperamosaqui.
— Vou guardar minha valise, e vamos dar uma volta pelo terminal — disse Buck. — Se
vocêdesejar,Chloe.
Elasorriuemeneouacabeçaassentindo.
Fazia bastante tempo que Buck nã o se sentia desajeitado e tı́m ido com uma garota.
Enquanto ele e Chloe caminhavam e conversavam, ele nã o sabia para que lado olhar e o que
fazercomasmã os.Deveriapô - lasnosbolsosoudeixá -lassoltas?Braçosparadosoubalançando?
Elaprefeririasentar-se,andarnomeiodaspessoasouverasvitrinasdaslojas?
Ele perguntou a respeito dela, em que lugar freqü entou a faculdade e em que estava
interessada pro issionalmente. Chloe contou o que houve com sua mã e e seu irmã o, e ele se
mostrou sé rio e compassivo. Buck icou impressionado ainda com a desenvoltura, articulaçã o
verbal e maturidade que ela demonstrava. Esta era uma garota em quem ele poderia ter
interesse,maseladeviaserpelomenosdezanosmaisnovadoqueele.
Chloe quis saber sobre a vida e a carreira de Buck. Ele respondeu à s suas perguntas e
acrescentou um pouco mais. Somente quando ela perguntou-lhe se havia perdido algum
conhecido nos desaparecimentos, ele falou de sua famı́lia em Tucson e seus amigos na
Inglaterra.Naturalmente,nadacomentouarespeitodasconexõesdeStonagaleTodd-Cothran.
Quando a conversa se acalmou, Chloe o surpreendeu olhando ixamente para ela. Ele
instantaneamente desviou o olhar para longe. Quando ele se voltou para Chloe, ela o estava
itando. Ambos sorriram timidamente.Isto é uma loucura, pensou ele. Buck esteve a ponto de
perguntarseelanamoravaalguém,masnãoconseguiu.
Asperguntasdelacorrespondiammaisaumfeitiodeumapessoajovemaumpro issional
veterano sobre sua carreira. Ela teve inveja de suas viagens e experiê ncia. Ele nã o a
entusiasmoucomisso,assegurando-lhequeelasecansariadessetipodevida.
—Vocêjáfoicasado?—perguntouela.
Ele gostou da pergunta. Ficou feliz em dizer a ela que nã o, que nunca teve realmente
algumcasobastantesérioparalevá-loaonoivadoecasamento.
— E quanto a você ? — perguntou ele, sentindo que a conversa era agora um jogo
equilibrado.—Quantasvezesvocêjásecasou?
Elariuerespondeu-lhe:
— Tive somente um namorado irme. Quando eu era caloura na faculdade, ele estava no
últimoano.Eupensavaquefosseamor,mas,quandoseformou,nuncamaisouvifalardele.
—Literalmente?
—Eleviajouparaoexterior,enviou-meumalembrançabarata,eessefoio imdetudo.
Agoraestácasado.
—Piorparaele.
—Obrigada.Bucksentia-semaisimpetuoso.
—Oqueeleera,cego?—Chloenã orespondeu.Eleseesmurroumentalmenteeprocurou
recompor-se.—Querodizer,algunsindivíduosnãosabemoquetêmnasmãos.
Elacontinuavaemsilê ncio,eelesesentiaumidiota.Comoseexplicaqueeusejatãobemsucedidoemalgumascoisaseumdesajeitadoemoutras?elerefletiu.
Chloeparouemfrentedeumaconfeitaria.
—Vocêseachaumdoce?—perguntouChloe.
—Porquê?Eupareçoum?
— Como eu podia saber que aquilo estava acontecendo? -perguntou ela. — Compre-me
umdoce,eeudeixareiqueessaansiedadetenhaumamortenatural.
—Morteporvelhice,vocêquerdizer—acrescentouele.
—Essaagorafoiboa.
Rayford foi tã o sincero, honesto e direto com Hattie, como jamais tinha sido. Eles
sentaram-se frente a frente em cadeiras bem almofadadas a um canto de uma sala grande e
barulhenta,oqueimpediaqueoutrosouvissemsuaconversa.
—Hattie—começouele-,nã oestouaquiparadebateropiniõ esnemparaumasimples
trocadeidéias.Hácoisasqueprecisodizeravocêepeço-lhequesimplesmenteouça.
—Nãopossodizernada?Porquepodehavercoisasqueeutambémqueroquevocêsaiba.
— E claro que deixarei que você me diga o que desejar, mas esta primeira parte, minha
parte, eu nã o quero que seja um diá logo. Eu preciso expressar algumas coisas e gostaria que
vocêtivesseumavisãocompletadoquadroantesdereagir,certo?
Elaencolheuosombros.
—Achoquenãotenhoescolha.
—Vocêteveumaescolha,Hattie.Vocênãofoiforçadaavir.
— Na verdade, eu nã o queria vir. Eu lhe disse isso e você deixou-me aquela mensagem,
pedindoqueeuviesse.
Rayfordficoufrustrado.
—Você percebeaondeeunã oqueriachegar?—disseele.—'Comopossomedesculpar,
quandotudooquevocêquerédiscutirsedeveriaounãoestaraqui?
— Você quer desculpar-se, Rayford? Nã o vou impedi-lo. Hattie estava sendo sarcá stica,
maseleconseguiuqueelaouvisse.
—Sim,quero.Agora,vocêmepermite?Elaassentiucomacabeça.
— Quero expor a você o que experimentei, explicar tudo direitinho, assumir todas as
incriminaçõesquemecouberem,edepoisexplicaroqueinsinueiportelefonenaquelanoite.
—Arespeitodoquevocêdescobriusobreaquelesdesaparecimentos.
Elelevantouamão.
—Nãoseantecipeamim.
—Desculpe—disseela,colocandoamãonaboca.—Masporquevocênãoesperaqueeu
tomeconhecimentoquandoresponderàsperguntasdeBuckhojeànoite?
Rayfordrevirouosolhos.
—Euestavaapenascogitando—acrescentouela.—Apenasumasugestã oparaquevocê
nãotenhaderepetirdepois.
—Obrigado—disseele-,masvoulhedizerporquê .Istoé tã oimportanteetã opessoal
que preciso dizer a você em particular. E nã o me importo de repetir vá rias vezes. Se minha
intuiçãoestivercerta,vocênãovaiseimportardeouvirissováriasvezes.
Hattieergueuassobrancelhascomoseestivessesurpresa,acrescentando,porém:
— Sou toda ouvidos. Nã o vou mais interrompê -lo. Rayford inclinou-se para a frente
apoiandooscotovelosnosjoelhos,gesticulandoàsvezesenquantofalava.
— Hattie, devo a você um grande pedido de desculpa e peço que me perdoe. Fomos
amigos. Desfrutamos mutuamente esse companheirismo. Eu gostava de estar perto de você e
passaralgunsmomentosaseulado.Achavavocê bonitaeatraente,eachoquepercebeuqueeu
estavainteressadoemrelacionar-mecomvocê.
Elapareciasurpresa,masRayfordadmitiaque,senã ofossepelocompromissode icarem
silê ncio, ela teria dito que ele possuı́a um jeito pouco insinuante de mostrar interesse. Ele
continuou.
— Provavelmente, a ú nica razã o de eu nunca ter persistido em alguma coisa mais
avançadacomrelaçã oavocê foiporqueeueracompletamenteinexperientenessascoisas.Mas
seria somente uma questã o de tempo. Se eu tivesse notado que você estava disposta, eu teria
possivelmentefeitoalgumacoisaerrada.
Elaenrugouatestaepareceuofendida.
— Sim — disse ele -, teria sido errado. Eu era casado, nã o inteiramente feliz ou bemsucedido,masporfalhaminha.Alé mdisso,eutinhafeitoumvoto,umcompromisso,e,pormais
queeujusti icassemeuinteresseporvocê ,teriasidoumerro.OolhardeHattiedavaaentender
queelanãoconcordava.
— De qualquer modo, eu enganei você . Nã o fui totalmente honesto. Mas agora tenho de
dizer-lhe que me sinto aliviado por nã o ter feito alguma coisa... Hã , estú pida. Nã o teria sido
correto para você . Sei que nã o sou seu juiz nem julgador, e nã o tenho nada a ver com seus
princípiosdemoralidade.Masnãoteriahavidonenhumfuturoparanós.
— Deixando de lado nossa diferença de idade, o fato é que o ú nico interesse real que eu
tinhaemvocê erafı́sico.Você temodireitodemeodiarporisso,eeunã ovouculpá -la.Eunã o
aamava.Vocêtemdeconcordarqueaquelenãoteriasidootipodevidaquemerece.
Elaassentiucomacabeça,aparentandotristezaedesapontamento.Elesorriu.
— Vou permitir que você interrompa seu silê ncio por pouco tempo — disse Rayford. —
Precisosabersevocêaomenosmeperdoa.
— Algumas vezes eu me indago se a honestidade é sempre a melhor polı́t ica — disse
Hattie. — Eu até concordaria, se você tivesse dito que o desaparecimento de sua esposa o fez
sentir-seculpadopeloqueestavaacontecendo.Seiquenãohouvenadasérioentrenós,masesta
teriasidoumamaneiramaissuavedesejustificar.
— Mais suave, poré m falsa. Hattie, estou sendo inteiramente sincero. Eu preferia mil
vezestersidomaisgentiledelicadoparaevitarquevocê icasseressentidacomigo,masapenas
nãopossomaisserfalso.Nãofuisinceroduranteanos.
—Eagoravocêé?
—Apontodetornarestaconversadesinteressanteparavocê—disseele.
Elaassentiunovamente.
— Por que eu desejaria fazer isso? — prosseguiu Rayford. Todo mundo gosta de ser
apreciado. Eu podia ter atribuı́do a culpa à minha esposa ou outra pessoa. Mas quero viver em
paz comigo mesmo. Quero ser capaz de convencer você , quando eu começar a falar sobre
coisasbemmaisimportantes,semteroutrosmotivosemvista.
Os lá bios de Hattie tremiam. Ela os apertou e olhou para baixo, enquanto uma lá grima
deslizavaemsuaface.OlharparaelacomsimpatiaeratudooqueRayfordpodiafazerparanã o
ter de abraçá -la. Nã o haveria nada de sensual nesse gesto, mas ele nã o queria ser mal
interpretado.
—Hattie—disseele.—Sintomuito,muitomesmo.Perdoe-me.Elaassentiumovendoa
cabeça,masincapazdefalar.Tentoudizeralgumacoisa,masnãoconseguiurecompor-se.
—Agora,depoisdetudoisso—disseRayford-,tenhodeconvencê -ladealgummodode
quemepreocupocomvocêcomoamigaecomopessoa.
Hattie levantou ambas as mã os, esforçando-se para nã o chorar. Sacudiu a cabeça, como
senãoestivessepreparadaparaouvirmaisnada.
—Não,nãodiganada—pediuela.—Nãoagora.
—Hattie,eutenhodedizer.
—Porfavor,medêumminuto.
— Fique à vontade, mas nã o fuja de mim agora — insistiu ele. — Eu nã o seria um
verdadeiro amigo para você , se nã o lhe dissesse o que encontrei, o que aprendi, o que estou
descobrindocadavezmaisacadadia.
Hattieescondeuorostonasmãosechorou.
—Eunãoqueriafazerisso.Nãoqueriadaravocêessasatisfação!
Rayfordfaloutãoternamentequantopodia.
— Agora, você está me ofendendo — disse ele. — Se você nã o extraiu nada desta
conversa,devesaberquesuaslá grimasnã omedã onenhumasatisfaçã o.Cadaumadelasé uma
punhaladaparamim.Souoresponsável.Euestavaerrado.
—Dê-meumminuto—disseela,afastando-seapressadamente.
Rayford remexeu sua maleta para encontrar a Bı́blia de Irene e rapidamente localizou
algumaspassagens.Eletinhadecididonã ofalarcomHattiecomaBı́bliaaberta.Nã oqueriaque
ela se sentisse constrangida ou intimidada, apesar de ter adquirido uma grande coragem e
determinação.
— Você vai achar muito interessante a teoria de meu pai sobre os desaparecimentos —
disseChloeaBuck.
—Vou?—perguntouele.
Elameneoulevementeacabeçacon irmando,eelenotouumpedacinhodechocolateno
cantodabocadeChloe.
—Permita-me—disseeleestendendoamão.
Ela levantou o queixo, e ele retirou o chocolate com o dedo polegar. E agora o que ele
deviafazer?Limparodedocomumguardanapo?Impulsivamente,elelambeuopolegar.
—Seulouco!—reagiuela.—Eseeutiverumadoençacontagiosa?
— Entã o agora nó s dois estamos doentes — e riram. Buck sentiu o rosto arder, algo que
nãolheaconteciahámuitotempo,eporissotratoudemudardeassunto.
—Você faladateoriadeseupaicomosetalveznã ofossetambé masua.Você sdivergem
nesteponto?
—Elepensaquesim,porquediscutocomele,eissolhetemcausadoaborrecimento.Eu
só nã oqueroparecermuitofá cildeserpersuadida,mas,setivessedeserhonesta,eudiriaque
estoumuitoperto.Veja,elepensaque...
Bucklevantouamão.
— Oh! perdã o, nã o me diga. Quero ouvir isso dele em primeira mã o e gravar na ita
cassete.
—Oh!desculpe-me.
— Está tudo bem. Nã o quis deixá -la embaraçada, mas é exatamente como gosto de
trabalhar.Apreciariamuitotambémconhecersuateoria.Pretendemosaindaconhecerasidéias
de alguns garotos colegiais, mas seria imprová vel usar duas pessoas da mesma famı́lia.
Naturalmente, você acaba de me dizer que está basicamente de acordo com seu pai, por isso
seriamelhoresperareouvirambosaomesmotempo.Elaficouemsilêncioderepenteeparecia
séria.
—Sintomuito,Chloe,eunãoquisinsinuarquenãoestouinteressadoemsuateoria.
—Nãoéisso—disseela.—Masvocêsimplesmentemeenquadrouentreeles.
—Enquadreivocê?
—Comoumagarotacolegial.
— Oh! nã o iz isso, iz? Minha falta, perdoe-me. Sei disso muito bem. Os alunos
universitá riosnã osã ogarotos.Eeunã oavejocomogarota,emboravocê sejaumbocadomais
jovemdoqueeu.
—Colegiais!Hámuitotemponãoouçoestaexpressão.
—Estourevelandominhaidade,nãoestou?
—Qualéasuaidade,Buck?
—Trintaemeio,acaminhodos31—disseelepiscandooolho.
— Pergunto, qual é a sua idade? — ela gritou, como se estivesse falando com um anciã o
surdo.Buckexplodiunumagargalhada.
—Voucompraroutrodoceparavocê,garotinha,masnãoquerotirarseuapetite.
— E melhor nã o fazer isso. Meu pai adora boa comida, especialmente quando ele tem
convidados.Eleéumbomanfitrião.
—Estábem,Chloe.
—Possodizer-lhealgo,semquevocêpensequesouestranha?—perguntouela.
—Agoraémuitotarde—disseele.
Elafezumacarrancaedeu-lheumsocodebrincadeira.
—Euestavaapenasquerendodizerquegostodomodocomovocêpronunciameunome.
—Nãosabiaquehaviaumoutromododepronunciá-lo—disseele.
— Oh! há sim. Mesmo os meus amigos escorregam ao pronunciá -lo em uma sı́laba só ,
comoClói.
—Chloe—repetiuBuck.
—Éisso—disseela.—Exatamente.Duassílabas,Olongo,Elongo.
— Gosto de seu nome — falou Buck imitando a voz rouca de um anciã o. — E um nome
apropriadoparaumapessoajovem.Quantosanosvocêtem,menina?
—Vinteemeio,acaminhodos21.
—Oh!meuDeus—exclamouele,aindadistorcendoavoz-,estoudiantedeumamenor
deidade!
EnquantocaminhavamdevoltaaoClubePan-Continental,Chloedisse:
— Se você prometer nã o fazer estardalhaço por causa da minha idade, nã o vou fazer o
mesmocomasua.
— Você se comporta como uma pessoa de mais idade — reagiu ele com um sorriso
aflorandoaoslábios.
—Voutomarissocomoumelogio—disseelacomumsorrisocomedido,comoquemnã o
estáconscientedasinceridadedessaalusão.
— Estou falando sé rio — retornou ele. — Poucas pessoas de sua idade tê m essa
versatilidadeedesenvolturadeseexpressar.
—Agoratenhocertezadequefoiumelogio.
—Vocêcaptaascoisasrapidamente.
—ÉverdadequevocêentrevistouNicolaeCarpathia?Eleconfirmoumeneandoacabeça.
—Somosquaseamigos.
—Vocêestábrincando!
—Bem,nãoétantoassim.Masnosdamosmuitobem.
—Fale-mesobreele.EBuckfalou.
Hattie retornou levemente refeita, mas ainda com os olhos inchados, e sentou-se
novamente como se estivesse preparada para continuar a ouvir a irmaçõ es constrangedoras.
Rayfordreiterouqueestavasendosinceroemseuspedidosdedesculpa,eelacompletou:
—Vamossimplesmenteesquecertudoisso,estábem?
—Precisosabersevocêmeperdoou—insistiuele.
— Você parece estar realmente dependendo de meu perdã o, Rayford. Isso vai permitir
quevocêsesinta"libertado",comaconsciênciatranqüila?
— Talvez sim — disse ele. — Acima de tudo, eu icaria sabendo que você acredita na
minhasinceridade.
—Euacredito—disseHattie.—Issonã ovaitornarascoisasmaisagradá veisnemmais
fá ceis, mas, se izer você sentir-se melhor, acredito de fato em sua sinceridade. E nã o vou
guardarressentimentos,oquesignificaquevocêestáperdoado.
—Bem,vouaceitaraté ondepuder—acrescentouele.-Agora,querosermuitohonesto
comvocê.
— Hã , oh! ainda tem mais? Ou você se refere à quilo que quis me ensinar sobre o que
aconteceunasemanapassada?
—Sim,exatamente,masprecisodizer-lhequeChloemeaconselhouanãofalarsobreesse
assuntonestemomento.
—Amesmaconversacomoa,hã,outra,vocêquerdizer.
—Issomesmo.
—Suafilhaéumagarotaesperta—disseela.—Vamosnosentenderbem.
—Vocênãotemmuitomaisidadedoqueela.
— Uma observaçã o fora de propó sito, Rayford. Se você está pretendendo usar o tipo de
abordagem"Vocêtemidadeparaserminhafilha",deveriaterpensadonistoantes.
—Nã o,amenosqueeutivessesidoseupaiquandotinha15anos—disseRayford.—De
qualquerforma,Chloeestá convencidadequevocê nã oestariadispostaoupreparadaparaouvir
nestemomento.
—Porquê?Issorequeralgumareação?Tenhodeaceitarsuasidéiasoualgoassim?
— E o que espero, poré m minha resposta é nã o. Se for alguma coisa que você nã o possa
aceitarimediatamente,compreendo.Masadmitoquevocê perceberá apremê nciadeassumir
umaposição.
Rayfordsentia-secomoBruceBarnes,quandoestelheexpô saverdadenodiaemquese
conheceram. Estava cheio de entusiasmo e persuasã o, sentindo que as oraçõ es que fez para
receber coragem e agir coerentemente tinham sido respondidas à medida que falava. Ele
contou a Hattie sua histó ria com Deus, dizendo que fora educado num lar cristã o, que todos
freqü entavamaigrejaequeeleeIreneparticiparamdevá riasigrejasduranteseucasamento.
Chegouadizerqueapreocupaçã odeIrenecomosacontecimentosdo inaldostemposlevou-o
aconsideraranecessidadepessoaldebuscarcompanhiaforadolar.
RayfordpodiaperceberpeloolhardeHattiequeelasabiaaondeelequeriachegar,queele
passara a concordar com Irene, aceitando as mesmas crenças dela. Hattie icou imó vel na
cadeiraenquantoelerelatavaoquetinhaencontradonaquelamanhã emquechegouasuacasa
depoisdaaterrissagememO'Hare.
Ele contou-lhe a respeito do telefonema para a igreja, do encontro com Bruce, do relato
que este lhe fez, do videoteipe, de seus estudos, das profecias da Bı́blia, dos pregadores em
Israel, os quais, de forma lı́m pida e irretorquı́vel, correspondiam à s duas testemunhas
mencionadasnoApocalipse.
Rayford contou-lhe como tinha repetido as palavras da oraçã o do pastor ao ver o
videoteipe e como se sentia agora tã o responsá vel por Chloe, desejoso de que ela també m
reencontrasseDeus.Hattiemantinhaosolhosfixosnele.
Nadatransparecianosgestosounaexpressã odelaqueoanimasse,maselecontinuou.Nã o
pediu que ela orasse com ele. Simplesmente disse que nã o iria mais justi icar as coisas em que
acreditava.
—Você podeconstatar,aomenos,queumapessoaqueaceitaestaverdadedevepassá -la
adiante.Essapessoanãoseriaconsideradaamiga,senãoagisseassim.
Hattie nã o lhe dava nem mesmo a satisfaçã o de um sinal de reconhecimento e respeito,
aindaquefosseumsimplesmoverdacabeça.
Depoisdequasemeiahora,eleesgotouseunovoconhecimentoeconcluiu:
— Hattie, quero que você pense e medite no que lhe falei, veja o videoteipe, fale com
Bruce,sequiser.Nã opossofazervocê acreditar.Ilidooquepossofazeré alertá -lasobreaquilo
que passei a aceitar como verdade. Preocupo-me com você e nã o gostaria, nem teria minha
consciê nciaempaz,quevocê perdesseaoportunidadesimplesmenteporqueningué mlhefalou
aesterespeito.
Finalmente,Hattieaprumou-senacadeiraesuspirou.
—Bem,istoé fascinante,Rayford.E,realmente.Gosteideouvirsuaexposiçã o.Pareceumeestranhoediferente,porquenuncasoubequeessascoisasestavamnaBı́blia.Minhafamı́lia
freqü entou a igreja quando eu era criança, especialmente em celebraçõ es ou quando era
convidada, mas nunca tinha ouvido essas coisas.Vou pensar no assunto. Tenho de fazê -lo de
algum modo. Depois de ouvir um relato como esse, é difı́c il afastá -lo da mente por um bom
tempo.ÉissooquevocêvaidizeraBuckWilliamsnojantar?
—Palavraporpalavra.Elariufurtivamente.
—Ficopensandosealgumdessesaspectosvaifiguraremsuarevista.
— Provavelmente serã o publicadas ao lado de alienı́genas do espaço, guerra
bacteriológicaeraiosmortíferos—pressentiuRayford.
CAPÍTULO21
QUANDO Buck e Chloe se reencontraram com Hattie e Rayford, perceberam que Hattie
havia chorado. Buck considerou que nã o deveria aproximar-se para perguntar oque tinha
havido,eelaemnenhummomentolheacenoucomessapossibilidade.
Buck estava entusiasmado com a oportunidade de entrevistar Rayford Steele, mas suas
emoçõ es eram confusas. As reaçõ es do capitã o, que havia pilotado o aviã o em que ele era
passageiroquandoocorreramosdesaparecimentos, acrescentariam aspectos dramá ticos à sua
reportagem. Poré m, mais do que isso, ele desejava estar perto de Chloe. Buck retornaria ao
escritó rio, em seguida iria para seu apartamento para mudar de roupa e os encontraria mais
tarde no Carlisle. No escritó rio, ele recebeu um telefonema de Stanton Bailey perguntando
quandopoderiairaChicagoparaprovidenciarasubstituiçãodeLucindaWashington.
—Devoirlogo,masnãoqueroperderodesenrolardosacontecimentosnaONU.
—Tudooquevaiacontecerlá amanhã cedovocê já ouviudePlank—disseBailey.—Eu
soube que as coisas já estã o começando a ser decididas. Plank vai assumir sua nova funçã o
amanhã cedo, negar o interesse de Carpathia, reiterar o que vai se realizar, e todos nó s
ficaremosnaexpectativadealguémmorderaisca.Nãoacreditoqueissovaiacontecer.
—Eudesejariaquesim—disseBuck,naesperançadeaindapoderconfiaremCarpathiae
ansiosoparaveroqueohomemfariaemrelaçãoaStonagaleTodd-Cothran.
—Eutambém—disseBailey-,masquaissãoasprobabilidades?Eleéohomemparaeste
momento,masseusplanosdedesarmamentoglobaledereorganizaçã osã omuitoambiciosos.
Issonuncavaiacontecer.
—Eusei,masseosenhorestivessedecidindo,nãoseempenhariaemconseguir?
— Sim — disse Bailey suspirando. — Provavelmente me empenharia. Estou muito
cansadodeguerraeviolência.EeuatéapoiariaamudançaparaessaNovaBabilônia.
— Talvez os delegados junto à ONU serã o bastante atilados para perceber que o mundo
estáprontoparaCarpathia—disseBuck.
— Nã o seria bom demais para ser verdade? — perguntou Bailey. — Nã o aposte nessa
certeza, nã o ique ansioso nem faça qualquer outra coisa que nã o tenha a obrigaçã o de fazer,
quandoaspossibilidadesestãocontravocê.
Buck informou ao seu novo chefe que voaria a Chicago na manhã seguinte e retornaria a
NovaYorkdomingoànoite.
— Vou sondar o terreno, descobrir quem está à altura dessa posiçã o em Chicago, ou se
vamosterdeprocurarcandidatosfora.
—Euprefeririaestarpordentrodisso—disseBailey.—Masé meuestilodeixarquevocê
tomeessasdecisões.
Buck telefonou para Linhas Aé reas Pan-Continental e foi informado de que o vô o de
Rayford Steele sairia à s oito da manhã . Ele disse à funcioná ria encarregada das reservas que a
companheiradeviagemdeRayforderaChloeSteele.
— Sim — disse ela. — A Srta. Steele tem um bilhete de cortesia na primeira classe. Há
umapoltronavagaaoladodela.Osenhortambéméumconvidadodatripulação?
—Não.
Ele fez uma reserva na classe econô m ica por conta da revista e pagaria por fora a
diferença para viajar na primeira classe ao lado de Chloe. Ele nã o diria nada durante o jantar
naquelanoitesobreaviagemaChicago.
FaziamuitotempoqueBucknãousavagravata,masagoratratava-se,afinaldecontas,do
restaurantedoHotelCarlisle.Elenã oseriaadmitidonorecintosemgravata.Felizmente,foram
levados a uma mesa privativa numa saleta, onde ele podia esconder sua valise, evitando desta
formaservistocomodeselegante.Seuscompanheirosdemesasupunhamqueeleprecisavada
maletaparaguardarseusequipamentos,desconhecendoqueelecarregavatambé mumamuda
completaderoupa.
Chloeestavaradiante,aparentandotercincoanosmaisetrajavaurnvestidodealtoestilo
para noite. Estava evidente que ela e Hattie tinham passado parte da tarde num salã o de
beleza.
Rayfordnotouquesua ilhaestavadeslumbrantenaquelanoiteesepô saconsideraroque
oredatordarevistapensavadela.ClaramenteesseWilliamseraumtantovelhoparaela.
Rayford passou as horas livres antes do jantar dormindo e depois orou para que tivesse a
mesma coragem e clareza que tivera com Hattie. Nã o fazia idé ia do que ela pensava, exceto
que ele tinha sido "fascinante" por contar tudo a ela. Ele nã o sabia ao certo se aquilo era
sarcasmooucondescendência.Sóesperavaterditotudooqueeranecessário.Seriabomqueela
passassealgumtempoasó scomChloe.RayfordesperavaqueChloenã ofossetã oantagô nicae
relutanteapontodesealiaraHattiecontraele.
Norestaurante,WilliamsaparentavaolharinsistentementeparaChloesemdaratençã oa
Hattie. Rayford considerou essa atitude uma indelicadeza, mas que nã o parecia incomodar
Hattie. Talvez ela tivesse real interesse em Buck e nã o queria demonstrar. Rayford nada
comentou sobre o novo visual de Hattie para a noite, mas aquilo era intencional. Ela estava
belíssimacomosempre,maseleevitavatrilharnovamenteomesmocaminho.
Durante o jantar, Rayford manteve uma conversa amena. Buck pediu-lhe que o avisasse
quandoestivesseprontoparaaentrevista.Apósasobremesa,Rayforddirigiu-sereservadamente
aogarçom.
—Gostaríamosdepassaroutrahoraoupoucomaisaqui,senãohouverproblema.
—Senhor,temosumaextensalistadereservas...
—Nã oqueroqueestamesalhedê prejuı́z o—disseRayford,colocandoumaboagorjeta
extranamãodogarçom—epeça-nosquedeixemosamesaquandosetornarnecessário.
Ogarçomlançouumrápidoolharparaanotaeenfiou-anobolso.
—Estoucertodequeosenhornã oserá incomodado—disseele.Eoscoposcontinuaram
sendoabastecidosdeágua.
Rayford gostou de responder à s perguntas iniciais de Williams sobre sua atividade, seu
treinamento, seus antecedentes familiares e sua educaçã o e formaçã o em geral, mas estava
ansiosoparafalardesuanovamissãonavida.Efinalmenteveioapergunta.
Buck tentou concentrar-se nas respostas do capitã o, mas estava ao mesmo tempo
procurandoimpressionarChloe.Todaa imprensa e os leitores do SemanárioGlobal sabiam que
ele era o melhor entrevistador do mundo. Alé m do mais, sua capacidade de peneirar
rapidamente o conteú do de informaçõ es e tornar o artigo interessante e agradá vel de ler
tambémcolaborouparaqueeleficassefamoso.
Buckfezalgumasrá pidasperguntaspreliminaresegostoudasrespostasdocapitã o.Steele
parecia honesto e sincero, muito vivo e eloqü ente. Ele observou que Chloe era muito parecida
comRayford.
— Agora estou pronto — disse ele — para perguntar sua idé ia sobre o que aconteceu
naquelefatídicovôoparaLondres.Osenhortemumateoria?
Ocapitãohesitouesorriucomoqueseconcentrando.
—Tenhomaisdoqueumateoria—disseele.—Você podepensarqueistopareceuma
coisaabsurda,umainsanidadevindadeumapessoadementevoltadaparaaáreatécnica,como
aminha,masacreditoterencontradoaverdadeeseiexatamenteoqueaconteceu.
Bucksabiaqueissoteriaumdestaqueespecialnarevista.
—Aprecioumhomemqueconhecesuamente—disse.—Aquiestá suaoportunidadede
apresentá-laaomundo.
ChloeescolheuaquelemomentoparatocarsuavementeobraçodeBuckepedirqueelea
desculpasseporterderetirar-seporummomento.
— Eu a acompanho — disse Hattie. Buck sorriu, acompanhando-as com os olhos ao se
afastarem.
— O que está acontecendo? — perguntou. — Uma conspiraçã o? Elas foram instruı́das a
medeixarasóscomosenhor,oujáconhecemahistóriaenãoqueremouvirareprise?
Rayfordsentiu-sefrustradointimamente,quaseapontodeenraivecer.Estaeraasegunda
vezempoucashorasqueChloeseafastavadelenummomentocrucial.
—Asseguro-lhequenã oé esteocaso—disseele,forçandoumsorriso.Nã opodiaretardar
a entrevista e esperar pelo retorno delas. A pergunta tinha sido feita, ele se sentia pronto,
portanto atirou-se de corpo e alma ao assunto, dizendo coisas que poderiam enquadrá -lo na
categoriadosloucosouexcê ntricos.DamesmaformaqueprocederacomHattie,eleresumiua
histó ria de sua vida espiritual irregular e, em pouco mais de meia hora, pô s Williams a par de
tudo,contandocadadetalhequeconsideravarelevante.Nesseínterim,asjovensretornaram.
Buckpermaneceusentadoseminterromper,enquantoaquelepro issionallú c idoesincero
expunha uma teoria que, apenas trê s semanas antes, ele teria considerado absurda. Pareciam
palavrasqueouviranaigrejaedeamigos,masseuentrevistadosempretinhaumcapı́t uloeum
versı́c ulo da Bı́blia para dar consistê ncia à s suas a irmaçõ es. E quanto à queles dois pregadores
em Jerusalé m representando as duas testemunhas profetizadas no Apocalipse? Buck estava
espantado.Resolveuinterromper.
— Este é um ponto interessante. O senhor está sabendo da ú ltima notı́c ia? — perguntou
Buck, passando, em seguida, a relatar o que vira na televisã o durante alguns minutos em seu
apartamento. — Milhares de pessoas parecem estar fazendo uma espé cie de peregrinaçã o ao
MurodasLamentaçõ es.Elasfazemuma iladevá riosquilô m etrostentandoentrarnorecintoe
ouvir a pregaçã o. Muitos estã o se convertendo e saindo para testemunhar ou pregar a
mensagemouvida.
As autoridades sã o impotentes para conter a multidã o, a despeito da forte oposiçã o dos
judeusortodoxos.Aquelesqueseopõ emaospregadoressã osilenciadosouparalisadosdealgum
modo, sem qualquer intervençã o fı́sica, e muitos dos soldados da guarda mantida pelos
ortodoxosestãosejuntandoaospregadores.
— E espantoso — respondeu o piloto. — Poré m mais espantoso ainda é que tudo isso foi
profetizadonaBíblia.
Buckestavaansioso,umtantoagoniado,tentandorecompor-se.Nãoestavasegurodaquilo
que ouvia, mas as palavras de Steele pareciam-lhe consistentes. Talvez o homem estivesse
procurandoassociaraprofeciabı́blicaaoqueestavaacontecendoemIsrael,masningué mtinha
outraexplicação.OqueSteelehavialidoparaelenoApocalipsepareciaclaro.
Talvez aquilo estivesse errado. Talvez se tratasse de uma linguagem complicada e difı́c il
deentender.Entretanto,eraaú nicateoriaqueserelacionavamaisdepertocomosincidentes
e com alguma ló gica. Que outra coisa poderia provocar em Buck constantes calafrios pelo
corpo?
Buckconcentrou-senapessoadocapitã oSteele,comopulsodisparado,semolharparaos
lados.Elesesentiaparalisado.Imaginavaqueasduasjovenspudessemestarouvindoopulsarde
seu coraçã o. Seria tudo isso possı́vel? Poderia ser verdadeiro? Tinha ele testemunhado a clara
intervençã o divina na destruiçã o da força aé rea russa para poder compreender agora um
fenô m eno como este? Podia ele apenas balançar a cabeça num gesto de descré dito e varrer
tudo isso de sua mente? Poderia dormir para refrescar as idé ias e voltar ao seu sentido normal
pela manhã ? Uma conversa com Bailey e Plank teria o condã o de sacudi-lo e recolocá -lo no
trilho,levando-oalivrar-sedessatolice?
Ele sentia que nã o. Alguma coisa mais reclamava atençã o. Ele queria acreditar em algo
que juntasse todas as peças e formasse um sentido. Mas Buck també m queria acreditar em
Nicolae Carpathia. Talvez Buck estivesse enfrentando um momento assustador que o tomava
vulnerá vel a pessoas sensı́veis. Ele nã o era assim, mas, entã o, quem era ele nesses dias? Quem
poderiaesperarseramesmapessoaemtemposcomoosqueestavamsendovividos?
Buck nã o queria deixar passar a oportunidade de falar abertamente de si mesmo. Queria
perguntar a Rayford a respeito de sua cunhada, sobrinho e sobrinha. Mas tratava-se de um
assuntopessoal,quenã oserelacionavacomareportagemqueestavamontando.Essamaté ria
nã o visava a uma indagaçã o pessoal em busca da verdade. Sua missã o era meramente colher
fatosquefariampartedeumareportagemmaisampla.
EmnenhummomentoBuckchegouapensaremescolherumateoriafavoritaedefendê-la
como se fosse sancionada peloSemanárioGlobal. Ele deveria juntar todas as teorias, desde as
plausı́veis até as mais bizarras. Os leitores se incumbiriam de acrescentar suas idé ias na seçã o
deCartas, ou tomariam uma decisã o com base na credibilidade das fontes de informaçã o. O
piloto da companhia aé rea seria visto como um homem de visã o e convincente, a menos que
Buckofizesseparecerurnlunático.
Pelaprimeiravez,atéondepodiaselembrar,BuckWilliamsficousemteroquedizer.
Rayford estava certo de que nã o tinha sido convincente em impressionar o repó rter. Ele
esperava apenas que o redator fosse bastante esperto para compreender, citar suas palavras
corretamenteerepresentarseuspontosdevistademodoain luenciarosleitoresaaceitaremo
cristianismo. Pareceu-lhe claro que o pró prio Williams nã o se deixou in luenciar. Se Rayford
tivessedeadivinhar,diriaqueWilliamsestavatentandoesconderumsorrisodezombaria—ou
entã o estava se divertindo ou surpreso demais a ponto de nã o ter conseguido esboçar uma
reação.
Rayford teve de lembrar a si mesmo que seu propó sito bá sico era convencer Chloe, em
primeiro lugar, e depois talvez in luenciar o pú blico leitor, se a revista fosse iel ao transcrever
suas idé ias. Se Cameron Williams pensasse que Rayford estava totalmente fora da realidade,
poderiasimplesmentedeixardeforaseudepoimento,comtodasassuasidéiasabsurdas.
Buck nã o con iava em si mesmo para reagir com coerê ncia. Ele ainda estava com
calafrios e, ao mesmo tempo, sentia a roupa grudar em seu corpo suado. O que estava
acontecendocomele?Dirigiu-seaRayfordcomvozpausada,quasesussurrando:
— Quero agradecer-lhe o seu tempo e o jantar. Voltarei a contatá -lo antes de usar
qualquerdesuasdeclarações.
Isso, evidentemente, nã o fazia sentido. Ele lançou mã o desse expediente unicamente
como oportunidade de fazer novo contato com o piloto. Ele poderia ter uma porçã o de
perguntaspessoaissobreoassunto,masjamaispermitiuqueaspessoasentrevistadasrevissem
suaspalavrasantesdapublicaçã o.Semprecon iouemseugravadoreemsuamemó riaenunca
foiacusadodedeturparasdeclaraçõesdeurnentrevistado.
Buckolhounovamenteparaocapitã oenotouumaestranhaaparê nciaemseurosto.Ele
parecia...oquê?Desapontado?Sim,eemseguidaresignado.
Repentinamente,Buckselembroudasquali icaçõ esdapessoacomquemestavalidando.
Tratava-se de um homem inteligente e culto. Certamente ele deveria saber que os
entrevistadores jamais retornam a suas fontes para con irmar declaraçõ es. O capitã o tinha o
direitodepensarqueestavadiantedeurnjornalistaprincipiante.
Uma mancada típica de urn "foca", Buck, ele mesmo se repreendeu.Você acaba de
subestimarsuafonte.
Enquanto guardava seu equipamento, Buck percebeu que Chloe estava chorando.
Lá grimasescorriamemsuasfaces.Oquehaviacomessasjovens?HattieDurhamtinhachorado
quandoelaeocapitãoterminaramsuaconversanaquelatarde.AgoraChloe.
Buck podia imaginar o que se passava, ao menos em relaçã o a Chloe. Se ela estava
chorando por ter icado comovida com a sinceridade e convicçã o de seu pai, nã o era de
surpreender.Bucksentiaumnó nagarganta,epelaprimeiravez,desdequeencostouorostono
chã o,demedo,emIsraelduranteoataquerusso,eletinhanecessidadedeumlugarreservado
parachorar.
—Possoperguntarmaisumacoisa,foradagravaçã o?-indagouele.—Possoperguntaro
queosenhoreHattieestavamconversandoestatardenoclube?
—Buck!—Hattiedesabafoucolérica.—Nãoédasua...
— Se o senhor nã o quiser responder, vou compreender -disse Buck. — Eu estava apenas
curioso.
—Bem,grandepartedaconversafoipessoal—disseRayford.
—Entendo.
—Mas,Hattie—ponderouocapitã o-,nã ovejonenhummalemdizer-lhequeorestode
nossaconversafoioquetratamosaqui.Certo?
Elaencolheuosombros.
—Aindaforadagravaçã o,Hattie—disseBuck.—Você seimportaseeuperguntarsua
reaçãoatudoisso?
— Por que fora da gravaçã o? — explodiu Hattie. — A opiniã o de um piloto é mais
importantedoqueadeumacomissária?
—Vouligarogravador,já quevocê quer—disseele.—Nã osabiaquevocê desejavater
seudepoimentogravado.
—Nãoquero—disseela.—Euqueriaapenasquealguémmeconvidasseadepor.Agoraé
tarde.
—Enãoseimportadedizeroqueacha.
—Nã o...bem,voudizeravocê .AchoqueRayfordé sinceroeponderado.Seeleestá certo
ou nã o, nã o tenho nenhuma idé ia. Esse assunto está alé m do meu entendimento e é muito
estranho.Masestouconvencidadequeeleacreditanisso.Seeledeveacreditarounã o,comsua
formaçãoetudomais,nãosei.Talvezeleestejamuitoimpressionadoporqueperdeusuafamília.
Buckassentiu,concluindoqueestavamaispertodeaceitarateoriadeRayforddoqueela.
Olhou para Chloe, esperando que ela estivesse mais calma e pudesse ser ouvida. Ela ainda
esfregavaosolhoscomumlenço.
—Porfavor,nãomefaçaperguntasagora—disseela.
Rayford nã o se surpreendeu com a resposta de Hattie, mas icou profundamente
desapontado com Chloe. Estava convencido de que ela nã o quis deixá -lo em situaçã o
embaraçosa por ter de dizer que ele foi grotesco.Eu devia estar agradecido, pensava. Pelo
menos, sua ilha ainda se sensibilizava com os sentimentos dele. Talvez devesse ser mais
compreensivo com ela, mas decidiu que nã o podia permitir mais que aquelas amenidades se
tornassemprioritá rias.Lutariapelafé até queelatomassesuadecisã o.Naquelanoite,contudo,
estavaclaroqueelaouviraosuficiente.Nãoapressionaria.Sóesperavapoderdormir,adespeito
deseuremorsosobreacondiçãoemocionaldafilha.Eleaamavamuito.
— Sr. Williams — disse ele, levantando-se e estendendo-lhe a mã o -, foi um prazer. O
pastordeIllinois,dequemlhefalei,está beminformadosobreesteassuntoesabemaisdoque
euarespeitodoanticristoeoutrascoisas.Creioquevaleapenaligarparaeleeconhecermais
coisas.BruceBarnes,IgrejaNovaEsperança,MonteProspect.
—Vouguardaressasinformaçõ esnamente—disseBuck.Rayfordestavaconvencidode
queWilliamsapenasquissergentil.
Falar com esse Barnes seria uma grande idéia, pensou Buck. Talvez ele tivesse tempo no
diaseguinte,emChicago.Destemodo,poderiainteirar-sedetudoporsimesmo,semmisturaro
aspectoprofissionalcominteressespróprios.
Os quatro caminharam lentamente até o saguã o. — Vou lhes dar meu boa-noite — disse
Hattie.—Embarconoprimeirovôoamanhã.
Ela agradeceu a Rayford o jantar, sussurrou alguma coisa ao ouvido de Chloe — que
pareciaalgosemresposta—eagradeceuaBucksuahospitalidadenaquelamanhã.
—TalvezeutelefoneparaoSr.Carpathianessespróximosdias—disseela.
Buckresistiuaoimpulsodedizer-lheoquesabiasobreofuturoiminentedeCarpathia.Ele
duvidavadequeohomemtivessetempoparaela.
Chloe parecia como se desejasse acompanhar Hattie até os elevadores e, por outro lado,
queriatambémdizeralgumacoisaaBuck.Eleficoupasmoquandoeladisse:
— Dê -nos um minuto, pode ser, papai? Subo em seguida. Buck sentiu-se lisonjeado por
Chloe ter permanecido no andar para dizer adeus pessoalmente, mas ela estava ainda
emocionada. Sua voz estava trê mula quando lhe disse formalmente dos bons momentos que
tiveramnaqueledia.Eletentouprolongaraconversa.
—Seupaiéumapessoademuitasensibilidade—comentouele.
—Eusei—disseela.—Emespecialnestesúltimosdias.
—Possoverquevocêpodeconcordarcomelesobregrandepartedaqueleassunto.
—Vocêpodever?
— Claro! Eu mesmo tenho muito que pensar sobre isso. Você tem dado um bocado de
trabalhoparaele,hein?
—Dava.Agora,não.
—Não?Porquê?
— Você pode perceber o quanto isso signi ica para ele. Buck concordou movendo a
cabeça.Chloeestavaapontodeseemocionardenovo.Eleestendeu-lheamão.
—Foimaravilhosopassaralgunsmomentoscomvocê—disseele.
Elariumeioinibida,comoqueconstrangidasobreoqueacabaradepensar.
—Oquefoi?—insistiuele.
—Oh!nada.Umacoisatola.
—Vamos,oquefoi?
— Bem, sinto-me uma idiota — disse ela. — Acabo de conhecê -lo e já estou sentindo
saudade.SeforaChicago,ligueparamim.
—Eumapromessa—disseBuck.—Nã oseiquando,mas,digamos,maisdepressadoque
vocêimagina.
CAPÍTULO22
BUCK nã o dormiu bem, em parte porque estava entusiasmado pela surpresa da manhã
seguinte.Só esperavaqueChloe icassefelizaovê -lo.Suamentegiravaà procuraderespostas.
Se tudo o que Rayford Steele havia postulado fosse verdade, por que Buck levara uma vida
inteira para conhecê -la? Buck sabia instintivamente que, se parte do que ouvira fosse
verdadeiro,otodotambé mseria.Será queeletentaraencontraraverdadeotempotodo,mal
sabendooqueprocurava?
Noentanto,mesmoocapitã oSteele—umpilotoorganizado,dementeanalı́t ica—havia
perdido a oportunidade, apesar de alegar ter vivido sob o mesmo teto com uma pessoa
defensoradeumacausa,devotadaequasefaná tica.Buckestavatã oinquietoqueselevantoue
pô s-se a caminhar de um lado para o outro. Por mais estranho que parecesse, nã o se sentia
aborrecido nem feliz. Sentia-se simplesmente oprimido. Até poucos dias antes, nada daquilo
faziaomı́nimosentidoparaele,eagora,pelaprimeiravezdesdeaexperiê nciaemIsrael,nã o
conseguiaseparar-sedesuareportagem.
Oataqueà TerraSantatinhasidoumdivisordeá guasemsuavida.Elehaviacontemplado
a morte de frente e teve de reconhecer que alguma coisa do outro mundo — isso mesmo,
sobrenatural, alguma coisa vinda diretamente do Deus Todo-poderoso — foi lançada sobre
aquelas colinas empoeiradas em forma de fogo no cé u. E ele tinha aprendido, sem sombra de
dú vida, pela primeira vez na vida, que coisas inexplicá veis nã o podiam ser dissecadas nem
avaliadascientificamentecomimparcialidadesobumaperspectivaacadêmica.
Buck tinha sempre se orgulhado de isolar-se dos fatos, por incluir o elemento humano, o
dia-a-dia das pessoas em suas reportagens, quando outros resistiam a tal vulnerabilidade. Esta
habilidade permitia que os leitores se identi icassem com ele, provassem, sentissem e
cheirassem o que lhes era mais importante. Mas sempre tinha sido capaz, mesmo depois de
uma proximidade com a morte, de permitir que o leitor vivesse o episó dio sem revelar a
profunda angú stia que sentia no peito sobre a existê ncia de Deus. Agora aquela separaçã o
pareciaimpossı́vel.Comopodiaeleescreverareportagemmaisimportantedesuavida,aquela
que já estava perto de esquadrinhar sua alma, sem revelar subconscientemente seu con lito
pessoal?
Buckpercebeuque,nodecorrerdepouquı́ssimashoras,já começaraapenderparaooutro
lado. Nã o estava ainda preparado para orar, para tentar falar com um Deus que ele rejeitara
haviamuitotempo.Nemsequertinhaoradoquandosetornouconvencidodaexistê nciadeDeus
naquelanoiteemIsrael.Oquehaviadeerradocomele?Todasaspessoasnomundo,aomenos
aquelas intelectualmente honestas consigo mesmas, tinham de admitir que havia um Deus
depois daquela noite. Coincidê ncias assombrosas tinham ocorrido antes, mas aquela desa iava
todaalógica.
Vencer os poderosos russos foi uma façanha, por certo, totalmente inesperada. Mas a
histó ria de Israel estava repleta de lutas legendá rias. Por outro lado, nã o defender-se e nã o
sofrernenhumabaixa?Issoestavaalé mdetodacompreensã o—anã oserquetivessehavidoa
intervençãodiretadeDeus.
Por que — Buck questionava — aquilo nã o tinha causado um impacto maior em seu
ı́ntimo? Sozinho e no escuro, ele chegou à dolorosa constataçã o de que separara, havia muito
tempo, as necessidades humanas mais bá sicas em categorias e as classi icara como
insigni icantes. E o que dizer a respeito de si mesmo, da criatura desumana e desprezı́vel em
que se transformara, que nem mesmo a contundente evidê ncia do milagre de Israel — porque
só poderiatersidoummilagre—foicapazdeabrandarareceptividadedeseuespı́ritoperante
Deus?
Nã osepassarammuitosmeses,eveioograndedesaparecimentodemilhõ esdecriaturas
emtodososcantosdomundo.Dezenasdepassageirossumiramdoaviã oemqueeleviajava.De
que mais ele precisava? Buck parecia estar vivendo o personagem de um ilme de icçã o. Sem
dú vida alguma, ele tinha sobrevivido ao evento mais cataclı́smico da Histó ria. Constatou que
nã o havia tido um segundo para pensar nas ú ltimas duas semanas. Nã o fosse pelas tragé dias
pessoais que havia testemunhado, ele teria acreditado em sua teoria de que o universo icara
foradecontrole.
Ele desejava encontrar esse Bruce Barnes, sem mesmo pretender entrevistá -lo para um
artigo. Buck estava agora fazendo uma busca pessoal, procurando satisfazer à s profundas
carê ncias de seu ser. Por longos anos, ele tinha rejeitado a idé ia de um Deus pessoal ou que
tivesse necessidade desse Deus — se houvesse um. Ele teria de acostumar-se a essa idé ia. O
capitã o Steele a irmara que todos somos pecadores. Buck era realista a tal respeito. Ele sabia
que sua vida jamais se nivelaria à de um professor de Escola Dominical. Mas tinha sempre
esperadoque,sealgumdiasecolocassediantedeDeus,seuladobomsuperariaomaueque,em
termosrelativos,eleeratãobomoumelhordoquemuitagente.
Agora,seRayfordSteeleetodososversı́c ulosdesuaBı́bliadevessemseraceitos,nã ofazia
diferença se Buck fosse bom ou mau ou onde ele se situava em relaçã o a outras pessoas. Uma
expressã o antiga o intrigava e estava freqü entemente em sua cabeça: "Nã o há nenhum justo,
nem um sequer." Ele nunca se considerou justo, neste sentido bı́blico. Podia ele avançar um
poucomaiseadmitirsuanecessidadedeDeus,deseuperdão,deCristo?
Seriapossível?Poderiaeleestarnaiminênciadetornar-seumcristãonascidodenovo?Ele
se sentiu um tanto aliviado quando Rayford Steele usou essa expressã o. Buck tinha lido e até
mesmo escrito sobre "esses tipos" de pessoa; poré m, apesar de ter uma vasta cultura sobre
assuntos do mundo, ele nunca alcançou exatamente o sentido da expressã o. Ele havia sempre
considerado o termo "nascido de novo" equivalente a "militante da ala direitista" ou
"fundamentalista".Daquiparaafrente,seresolvessedarumpassoquenuncasonharadar,senão
pudesse mais, de certo modo, dissociar-se dessa verdade que se tornara intelectualmente
incontestá vel,chamariaasiumatarefa:ensinaraomundoosigni icadoverdadeirodessacurta
expressão.
Buck inalmente cochilou no sofá da sala de estar, apesar da lâ mpada acesa perto de seu
rosto. Ele dormiu profundamente umas duas horas, mas acordou a tempo de chegar ao
aeroporto.AexpectativadesurpreenderChloeeviajarcomeladeu-lheforçasparasuperarsua
fadiga.MasaindamaisempolganteeraapossibilidadedeencontraremChicagooutrohomem
com respostas, um homem em quem con iava simplesmente pela recomendaçã o de um piloto
que parecia expor a verdade com autoridade. Seria interessante dizer a Rayford Steele algum
dia quanto aquela entrevista aparentemente inó c ua tinha signi icado para ele. Buck, poré m,
admitia que Steele já havia sentido isso. Talvez fosse por esse motivo que Steele parecia tã o
apaixonadopeloassunto.
Se aquele acontecimento indicava que em breve se iniciaria o perı́odo de tribulaçã o
profetizado na Bı́blia, e nã o havia nenhuma dú vida a respeito, Rayford considerava em sua
mentesehaveriaalgumaalegrianisto.Brucepareciaacharquenã ohaveria,apesardospoucos
convertidos que sua igreja pudesse ter o privilé gio de conseguir. Até aquele momento, Rayford
sentia-seumfracassado.EmboraestivessecertodequeDeuslhederaaspalavraseacoragem
para expor a verdade, ele sentia que havia cometido um erro ao comunicar a mensagem a
Hattie.
Talvez ela estivesse certa. Talvez ele tivesse sido egoı́sta. Talvez ele estivesse querendo
aliviar de seus ombros o peso da culpa que sentia. Mas ele sabia mais. Diante de Deus,
acreditava que seus motivos eram puros. Entretanto, icou evidente que ele só conseguira
convencer Hattie de estar sendo sincero e de ter algo em que acreditar, nada mais. Até que
pontoissoerabom?SeHattienãotivesseaceitadooqueelelhedissera,teriadeassumirqueele
acreditava em uma fantasia, ou entã o teria de admitir que desprezava a verdade. O que ele
transmitiraaelanãodeixavaespaçoparaoutraopção.
E quanto a seu desempenho durante a entrevista com Cameron Williams? Naqueles
momentos, Rayford sentira-se confortá vel, expondo com clareza, calma e racionalidade.
Reconhecia que estava tratando de temas revolucioná rios, dissonantes, mas sentia que Deus o
haviacapacitadoafalarcomlucidez.Noentanto,senã oconseguiudespertarnenhumareaçã o
no repó rter alé m de uma atençã o especial, que tipo de testemunha podia ser ele? Do fundo da
sua alma, Rayford desejava ser mais e icaz. Acreditava que tinha desperdiçado sua vida antes
disto e dispunha agora somente de um curto perı́odo para compensar o tempo perdido. Seria
eternamentegratoporsuasalvaçã o,masagoradesejavacompartilhá -la,trazendomaispessoas
a Cristo. A entrevista foi uma oportunidade extraordiná ria, mas no ı́ntimo sentia que nã o tinha
sesaídobem.Valeriaapenaorarparaconseguiroutrachance?Rayfordacreditavaquenãoseria
maisCameronWilliams.Orepó rternã otelefonariaparaBruceBarnes,easpalavrasdeRayford
jamaisseriamvistasnaspáginasdoSemanárioGlobal.
EnquantoRayfordsebarbeava,tomavabanhoesevestia,ouviuChloearrumandoamala.
Ela havia icado nitidamente embaraçada por causa dele na noite anterior. Provavelmente,
chegouadesculpar-secomoSr.Williamspelasdivagaçõ esabsurdasdeseupai.Pelomenos,ao
subir, ela deu uma batidinha na porta do quarto dele para dizer boa noite. Já era alguma coisa,
nãoera?
Toda vez que pensava em Chloe, Rayford sentia um aperto no peito, um grande vazio e
angú stia. Ele podia conviver com suas outras falhas, se fosse o caso, mas seus joelhos quase se
dobraram enquanto orava silenciosamente por Chloe. Nã oposso perdê-la, pensou, acreditando
queseriacapazdetrocaraprópriasalvaçãopelasalvaçãodafilha,sefossenecessário.
Com esta disposiçã o, ele sentiu que Deus lhe falava, mostrando-lhe que esse era
precisamenteopreçoexigidoparaganharalmaseguiá -lasaCristo.Essatinhasidoaatitudede
Jesus,quetomousobresiapuniçã oquecabiaahomensemulheres,a imdequepudessemser
salvos.
Rayford reuniu novas forças enquanto orava por Chloe, ainda lutando com o temor
incô m odo do fracasso. "Deus, preciso de â nimo", disse ele sussurrando. "Preciso saber se nã o a
afastei de mim para sempre." Chloe lhe dera boa noite, mas ele també m a ouviu chorando ao
deitar-se.
Ele surgiu diante dela trajando uniforme e sorriu quando a viu à frente da porta, vestida
comsimplicidadeparaviajar.
—Estápronta,doçura?—perguntouele,tentandoiniciarumaconversa.
Elaa irmoucomumgesto,esboçouumsorrisoe,emseguida,deu-lheumabraçolongoe
apertado,pressionandoorostocontraopeitodele.Obrigado,oroueleemsilê ncio,semsaberse
deviadizeralgumacoisa.Seriaaqueleomomento?Teriacoragemdepressioná-la?
RayfordsentiudenovoapresençadeDeus,comoseEleestivessedizendodiretamenteà
sua alma:Paciência.Nãoinsista.Nãoinsista. Manter-se em silê ncio parecia muito difı́c il. Chloe
tambémnãodissenada.Elescomeramumdesjejumleveepartiramparaoaeroporto.
Chloefoiaprimeirapassageiraaentrarnoavião.
— Vou tentar vê -la durante o vô o — disse Rayford antes de se dirigir à cabina de
comando.
—Nãosepreocupe,senãopuder—disseela.—Eucompreendo.
Buck esperou até que todos os passageiros estivessem a bordo. Quando se aproximou de
suapoltronaaoladodeChloe,elaestavaviradaparaajanela,braçoscruzados,oqueixoapoiado
namã o.Nã odavaparaperceberseelaestavacomosolhosabertos.Buckesperavaqueelase
voltasse e olhasse para ele ao sentar-se, e nã o pô de evitar um sorriso antevendo sua reaçã o,
mas, por outro lado, estava ligeiramente preocupado que ela fosse menos expansiva do que
esperava.
Ele sentou-se e aguardou, mas ela nã o se voltou. Estaria dormindo? Olhando ixamente
paraalgumacoisa?Meditando?Orando?TalvezestivessechorandoBuckesperavaquenã o.Ele
jásepreocupavamuitocomelaenãoqueriavê-lasofrendo.
E agora ele estava diante de um problema. Enquanto espreitava, à espera de que Chloe
mudasse de posiçã o para vê -lo, ele se sentiu extremamente fatigado. Seus mú sculos e juntas
doı́am, os olhos ardiam. A cabeça pesava como chumbo. Nã o queria de jeito nenhum cair no
sonoparaqueelanãoovisseaseulado.
Buckfezumgestochamandoaatençãodaaeromoça.
—Umcafé ,porfavor—pediuelesussurrando.Oefeitotemporá riodacafeı́napermitiria
queeleficasseacordadopormaisalgumtempo.
Ao notar que Chloe nã o se mexia nem mesmo para dar atençã o à s instruçõ es de
segurança,Buck icouimpaciente.Noentanto,nã oqueriachamaraatençã oparasi.Elequeria
serdescoberto.Eesperou.
Ela devia ter icado cansada naquela posiçã o, porque se ajeitou um pouco na poltrona e
esticouaspernas,usandoospé sparaempurrarafrasqueiraparadebaixodapoltronadafrente.
Tomouoúltimogoledesucoecolocouocoposobreabandejaentreambos.Elaavistouasbotas
de couro de pelica de Buck, as mesmas que ele usara na vé spera. Seu olhar foi subindo até
encontrarorostosorridenteeansiosodeBuck.
A reaçã o de Chloe mais do que compensou a espera. Ela fechou as mã os e juntou-as de
encontroaoslábios,osolhosmarejados.Emseguida,segurouamãodeleentreassuas.
—Oh!Buck—elasussurrou.—Oh!Buck.
—Quebomrevê-la—disseele.
ChloesoltourapidamenteamãodeBuckerecolheuassuas.
—Nã oqueroagircomoumaescolar—disseela-,masvocê algumavezjá recebeuuma
respostadiretadeoração?
Buckolhouparaelafixamente.
—Penseiqueseupaifosseoúnicoqueoraemsuafamília.
—Eele—disseChloe.—Maseutenteiminhaprimeiraoraçã odepoisdeanos,eDeusa
respondeu.
—Vocêorouparaqueeumesentasseaquiaseulado?
—Oh!não,jamaisteriasonhadocomumacoisaimpossível.Comovocêconseguiu,Buck?
Elecontou-lhe.
—Nã ofoidifı́c il,umavezqueeusabiaahoradeseuvô o,eeudissequeestariaviajando
comvocêparaqueficássemosjuntos.
—Masporquê?Aondevocêvai?
—Vocênãosabeparaondeesteaviãoestáindo?SanJosé,naCalifórnia,espero.
Elariu.
— Mas prossiga, Chloe. Termine sua histó ria da oraçã o. Eu nunca tive resposta a uma
oração.
—Éumalongahistória.
—Achoquetemostempo.
Elasegurounovamenteamãodele.
— Buck, isto é muito especial. E a coisa mais linda que algué m já fez por mim durante
muitotempo.
—Vocêdissequeiasentirfaltademim,masnãoestouaquisomenteporsuacausa.Tenho
negóciosemChicago.
Eladeuumarisadinhaecontinuou:
— Eu nã o estava falando de você , Buck, embora esteja muito contente de tê -lo aqui.
EstavafalandoarespeitodeDeusfazendoumacoisalindaparamim.
Bucknãopôdeesconderseudesapontamento.
—Eusabia—disseele.
Entãoelacontou-lhesuahistória.
— Você pode ter notado que eu estava muito perturbada ontem à noite. Fiquei muito
comovidacomahistó riademeupai.Querodizer,eujá tinhaouvidoantes.Mas,derepente,ele
pareceutã oamoroso,tã ointeressadonaspessoas.Você pô deperceberquã oimportantefoipara
eleequãosérioeleestava?
—Quemnãopercebeu?
— Se eu nã o soubesse, Buck, teria pensado que ele estava tentando convertê -lo, em vez
deapenasresponderàssuasperguntas.
—Achoqueeleestava.
—Eleofendeuvocê?
—Nã o,absolutamente,Chloe.Paradizeraverdade,elemecomoveu,mexeucommeus
sentimentos.
Chloesilenciouemeneouacabeça.Quando inalmentefalou,estavaquasesussurrando,e
Bucktevedeinclinar-separaouvi-la.Elegostavadosomdesuavoz.
—Buck—disseela—tambémfiqueicomovida,enãofoiporcausademeupai.
—Muitoesquisito—disseele.—Passeiametadedanoitepensandonisso.
— Nã o vai demorar muito para um de nó s aceitar, vai? -perguntou ela. Buck nã o
respondeu,maselesabiaoqueelaquisdizer.
—Quandoeuvouterarespostaaumaoração?—eleinstigou.
— Oh! logo. Eu estava sentada naquele restaurante ouvindo meu pai despejando suas
experiê ncias e sentimentos em cima de você e, repentinamente, percebi por que ele queria
minha companhia quando disse a mesma coisa a Hattie. Eu lhe causei tantos problemas antes
que ele se afastou de mim. Agora que ele tem o conhecimento e a real necessidade de me
convencer, está com receio de falar diretamente comigo. Ele queria que eu ouvisse por meios
indiretos.Efoioqueaconteceu.Nã oouvicomoelecomeçou,porqueHattieeeuestá vamosno
toalete,mas,naverdade,eujátinhaouvidoantes.Quandoretornei,mesentiarrasada.
—Nã osetratavadenovidadeparamim.Foinovidade'quandoouvidiretamentedeBruce
Barnes e vi aquele videoteipe, mas meu pai logo manifestou insistê ncia e con iança. Buck, nã o
há outra explicaçã o para aqueles dois homens em Jerusalé m, há ? Só podem ser as duas
testemunhasmencionadasnaBíblia.Buckassentiucomacabeça.
—PapaieDeusestavamprocurandoconvencer-meaabraçarafé ,maseuaindanã ome
sentia preparada. Eu estava chorando porque amo muito meu pai e porque é a verdade. Tudo
issoéverdade,Buck,vocêsabia?
—Achoquesim,Chloe.
— Mas ainda nã o tive oportunidade de contar a meu pai. Eu nã o sabia o que estava no
meu caminho. Sempre fui independente e obstinada. Sei que ele icou frustrado comigo, talvez
desapontado,etudooquepudefazerfoichorar.Eutivedepensar,tentarorar,suportaraquela
crise emocional. Hattie nã o ajudou em nada. Ela nã o aceita e talvez jamais aceitará . Tudo o
quelheinteressaébanal,comotentarplanejarumcasamentodenósdois.
Bucksorriueprocurouparecerinsultado.
—Eissoébanal?
—Bem,comparadoaoqueestamostratandonestemomento,tenhodedizerquesim.
—Nestepontovocêestácerta—disseBuck.Elariu.
— Eu sabia que alguma coisa estava errada com papai, por isso iquei conversando com
vocêduranteunstrêsminutosantesdesubir.
—Menosdoqueisso,provavelmente.
— Quando cheguei à nossa suı́t e, ele já estava na cama. Disse-lhe boa noite apenas para
ter a certeza de que ele nã o estava aborrecido comigo. Ele nã o estava. E entã o iquei me
revirando na cama, ainda nã o preparada para dar o ú ltimo passo, chorando por causa da
angústiademeupaiporminhacausaeporelemeamartanto.
—Issoaconteceuenquantoeuestavaacordado,provavelmente—disseBuck.
— Mas — continuou Chloe — esta nã o é normalmente minha conduta. Mesmo quando
concordo,soudifícildedarobraçoatorcer.Vocêmeentende?
Buckfezumsinalafirmativo.
—Estoupassandopelamesmaexperiência.
—Jámeconvenci—disseela-,masaindaestoulutando.Considero-meumaintelectual.
Tenhoamigoscrı́t icos aquem tenho de dar explicaçõ es. Quem vai acreditar nisso? Todos vão
julgarqueperdiacabeça.
—Creia-me,eucompreendo—disseBuck,surpresocomassemelhançasentreambos.
—Foiporissoque iqueitolhida—disseela.—Eunã oestavaindoalugaralgum.Tentei
incentivar meu pai deixando de ser tã o distante, mas posso dizer que ele me viu sofrendo,
embora nã o creia que ele tivesse idé ia de que eu estava muito perto de tomar uma decisã o.
Embarqueinesteaviã o,desesperadapor icarsozinha,ecomeceiacogitarseDeusrespondeà s
oraçõesantesdenostornarmos...Hã,vocêsabe,antesdesermosrealmenteum...
—Cristãonascidodenovo—interveioBuck.
—Exatamente.Nãoseiporqueissoétãodifícilparaeudizer.Talvezalguémqueconheça
melhoroassuntopossamedizercomcerteza,masoreiepensoqueDeusrespondeu.Diga-me
umacoisa,Buck,combaseemseusconhecimentoserazã o.SeexisteumDeuseseistotudofor
verdadeiro,será queelenã ogostariaquetomá ssemosconhecimento?Eumeexplico:Deusnã o
desejadi icultarnossacompreensã oeElenã odeixaria,ou,melhordizendo,nã opoderia deixar,
umaoraçãodesesperadasemresposta,poderia?
—Pensoquenão.
— Eu també m. Por isso, acho que foi um bom teste, um teste razoá vel, e que minha
oraçãofoiaceita.EstouconvencidadequeDeusrespondeu.
—Eeufuiaresposta.
—Evocêfoiaresposta.
—Chloe,vocêorouparaqueexatamente?
—Ah!bom,aoraçãoemsinãofoigrandecoisa,atéserrespondida.Eusimplesmentedisse
aDeusqueprecisavaaprenderumpoucomais.Eu sentia que tudo o que tinha ouvido e tudo o
quesoubepormeiodemeupainã oerasu iciente.Apenasoreicomrealsinceridadeedisseque
gostaria que Deus me mostrasse que Ele se importava comigo, que Ele sabia o que estava
acontecendo,equeElequeriaqueeusoubessequeEleestavapresente.
Buck sentiu uma estranha emoçã o — que, se ele tentasse expressá -la, sua voz sairia
rouca,truncada,eeleseriaincapazdecompletarumasentença.Elecomprimiuabocacoma
mãoprocurandorecompor-se.Chloeolhavafixamenteparaele.
—Evocêsentequeeufuiarespostadaquelaoração?—disseeleporfim.
— Nã o tenho nenhuma dú vida. Veja, como eu disse, nem mesmo poderia imaginar que
uma oraçã o o colocasse aqui ao meu lado neste grande dia de minha vida. Nã o estava nem
mesmocertadevoltaravê -lo.Masé como se Deus soubesse melhor do que eu que nã o havia
maisninguémqueeudesejasseencontrarhojealémdevocê.
Buckestavasensibilizado,emocionado,sempalavras.Eletambé mhaviadesejadorevê -la.
Nã o fosse assim, poderia ter embarcado no vô o de Hattie, mais cedo, ou em qualquer outro
dentreasdezenasquefariamomesmotrajetoNovaYork-Chicagonaquelamanhã .Buckapenas
olhouparaela.
— E entã o, o que você vai fazer agora, Chloe? Parece-me que Deus atendeu ao seu
desa io.Nã ofoiexatamenteumdesa io,masvocê pediueEleatendeu.Signi icaquevocê está
agoraobrigadaacorresponder.
—Nã otenhooutraescolha—concordouela.—Equerocorresponder.Detudooquefoi
possı́vel reunir das explicaçõ es de Bruce Barnes, do videoteipe e de papai, nã o precisamos ter
algué mnosconduzindo,nemestarnumaigrejaouemqualqueroutrolugar.Assimcomoeuorei
paraterumsinalmaisclaro,possooraraesterespeito.
—Seupaideixoutudomuitoclaroontemànoite.
—Vocêquersealiaramim?—perguntouela.
Buckhesitou.
—Nãodesejoofendê-la,Chloe,masnãoestoupreparado.
— Do que mais você precisa?... Oh! sinto muito, Buck. Estou fazendo exatamente o que
meu pai fez no dia em que se tornou cristã o. Ele mal podia ajudar a si mesmo, e eu fui tã o
horrívelcomele.Mas,sevocênãoestápreparado,tudobem.
—Nã oprecisoserforçado—disseBuck.—Comovocê ,sintoqueestoubemnaportada
entrada.Masestoumuitocauteloso.QuerofalarcomesseBarnesaindahoje.Tenhodedizera
você , entretanto, que as minhas dú vidas remanescentes mal podem comparar-se ao que está
acontecendocomvocê.
—Você sabe,Buck—disseChloe-,prometoqueestaserá aú ltimacoisaquedigosobre
isso, mas estou pensando do mesmo modo que papai. Tenho urgê ncia de dizer-lhe para nã o
demorarmuito,porquenuncasesabeoquepodeacontecer.
— Entendo — disse ele. — Vou ter de admitir que este aviã o nã o vai cair porque ainda
sintoanecessidadedefalarcomBarnes,masvocêsabeaondequerchegar.
Chloevoltou-seeolhouporcimadoombro.
—Hádoislugaresvagosbemali—disseela.Elaparouumaaeromoçaquepassava.
—Vocêpodedarumrecadoaomeupai?
—Certamente.Eleéocapitãoouoco-piloto?
—Capitão.Porfavor,diga-lhequesuafilhatemumanotíciaextremamenteboaparaele.
—Notíciaextremamenteboa—repetiuaaeromoça.
Rayford estava pilotando o aviã o manualmente como passatempo quando a chefe do
serviço de bordo entregou-lhe a mensagem. Ele nã o tinha a menor idé ia do que aquilo
signi icava, mas pareceu-lhe tã o inusitado que Chloe tomasse a iniciativa de fazer a
comunicaçãonaquelestermosqueeleficouintrigado.
Ele pediu ao co-piloto que assumisse o comando da aeronave, livrou-se dos cintos de
segurança,dirigiu-seà primeiraclasseesurpreendeu-seaoverCameronWilliams.Eleesperava
queWilliamsnã o izessepartedanotı́c aextremamenteboadeChloe.Naexpectativadequeo
repó rter estivesse a caminho de cumprir sua promessa de encontrar-se com Bruce Barnes,
Rayford també m esperava que Chloe nã o estivesse para anunciar o inı́c io de um precipitado e
duvidosoromance.
Ele e Buck apertaram-se as mã os, e Rayford expressou uma agradá vel, poré m cautelosa
surpresa.Chloeenlaçouseupescoçocomambososbraçoseopuxousuavementeparaumlugar
emquepudessemconversaremvozbaixa.
—Papai,vocêpoderiasentar-sealiporunsdoisminutosparaconversarmos?
Buck percebeu certo desapontamento nos olhos do capitã o Steele. Ele queria dizer ao
pilotoporqueestavafelizporviajaraChicago.Sentar-sepertodeChloetinhasidosomenteum
prê mioextra.Eleobservoudooutrolado,maisatrá s,Steeleea ilhaentreguesaumaanimada
conversa e, em seguida, orando juntos. Buck indagava-se se haveria algum regulamento na
aviaçã o contra isso. Ele sabia que Rayford nã o podia icar ali na companhia da ilha por muito
tempo.
Em poucos minutos, Chloe levantou-se, e ambos se abraçaram. Pareciam inundados de
emoçã o. Um casal de meia-idade no lado oposto do corredor inclinou-se e icou olhando de
sobrancelhas erguidas. O capitã o percebeu, aprumou-se e caminhou em direçã o à cabina de
comando.
— Minha ilha — disse ele desajeitadamente, apontando para Chloe, que sorria entre
lágrimas.—Elaéminhafilha.
Ocasaltrocouolhares,eamulherfalou:
—Muitobem.EeusouarainhadaInglaterra—enquantoBucksoltavaumaestrepitosa
gargalhada.
CAPÍTULO23
BUCKtelefonouparaaIgrejaNovaEsperançamarcandoumencontrocomBruceBarnes
para o começo da noite e passou a maior parte da tarde na sucursal doSemanário Global em
Chicago.Anotı́c iadequeeleseriaonovochefedasucursalcorreradebocaemboca,eelefoi
cumprimentado com certa frieza pela ex-assistente de Lucinda Washington, uma jovem difı́c il
delidar.Elalhedisseemtermosinequívocos:
—PlanknadafezparasubstituirLucinda,porissoentendiquedeveriaocuparseulugar.
AatitudeepresunçãodelaforçaramBuckaresponder:
—Éimprovável,masvocêseráaprimeiraasaber.Eunãomudariadesalaporenquanto.
Os demais da equipe ainda lamentavam o desaparecimento de Lucinda e se mostraram
satisfeitoscomavisitadeBuck.StevePlankraramentevinhaaChicagoenã otinhavisitadoa
sucursaldesdeodesaparecimentodeLucinda.
Buckinstalou-senoantigoescritó riodeLucinda,entrevistandoosfuncioná rios-chavecom
intervalos de 20 minutos. Distribuiu o trabalho entre eles e perguntou-lhes quais eram suas
teorias a respeito do que acontecera. A pergunta inal era: "Onde você acha que Lucinda
Washingtonestá agora?"Maisdametadedelespediramquesuasrespostasnã ofossemcitadas,
masexpressaramdemodogeralque,"seexistisseumcéu,eraláqueelaestava".
Pró ximo do inal do dia, Buck foi informado de que a televisã o estava transmitindo
importantes notı́c ias diretamente da ONU. Ele convidou a equipe a ir a sua sala e assistirem
juntos ao noticiá rio. "Na mais dramá tica e inusitada mudança jamais ocorrida em uma
organizaçã o internacional", disse o apresentador, “o presidente romeno Nicolae Carpathia foi
guindado,comrelutâ ncia,à liderançadaONUporquaseunanimidadedevotos”.Carpathia,que
insistiaemmudançasradicaisnadireçã oejurisdiçã odoorganismo,condiçã oindispensá velpara
quepudesseaceitarocargo,tornou-sehápoucosmomentossecretário-geral.
"Até o inal desta manhã , seu assessor de imprensa e porta-voz, Steve Plank, ex-editorexecutivo doSemanário Global, tinha negado o interesse de Carpathia pelo cargo e esboçou
numerosasexigê nciassobreasquaisoromenoinsistiaantesmesmodeconsideraronovocargo.
Plank disse que o pedido para a eleiçã o de Carpathia partiu do seu pró prio antecessor,
secretá rio-geralMwangatiNgumo,deBotsuana.PerguntamosaNgumoporquerenunciavaao
cargo."
O rosto de Ngumo tomava toda a tela, olhos tristonhos, expressã o cuidadosamente
disfarçada."Faziamuitotempoqueeuestavacô nsciodequeminhalealdadedivididaentremeu
paı́s e a Organizaçã o das Naçõ es Unidas me levara a ser menos e icaz em ambas as funçõ es.
Tivedeescolher,esou,antesdemaisnada,umbotsuano.Tenhoagoraaoportunidadedetornar
pró speromeupaı́s,devidoà generosidadedenossosamigosemIsrael.Esteé omomentocerto,
eonovosecretárioémaisdoquepreparado.Voucooperarcomeleaomáximo."
"OsenhorteriadeixadoocargoseoSr.Carpathiarecusasseaposição?"
Ngumohesitou."Sim",disseele,"euteria.Talveznã ohoje,nemcommuitacon iançano
futurodaONU,mas,finalmente,sim."
O repó rter da televisã o continuou: “Em questã o de horas, todas as exigê ncias que
Carpathia de iniu numa entrevista à imprensa nesta manhã transformaram-se em maté ria
o icial, votadas e rati icadas pelos membros do organismo”. Dentro de urn ano, a sede da ONU
será transferidaparaNovaBabilô nia.Acomposiçã odoConselhodeSegurançapassará aterdez
membrospermanentesdentrodeummê s,eumacoletivaà imprensaestá sendoesperadapara
segunda-feira pela manhã , durante a qual Carpathia apresentará vá rias pessoas de sua escolha
paraatuaremcomodelegadosjuntoàorganização.
"Nã o há nenhuma garantia, naturalmente, de que mesmo os paı́ses membros sejam
unâ nimesnadecisã opretendidadedestruı́rem90%deseusarsenaisbé licoseentregarà ONUos
restantes 10%. Mas vá rios embaixadores expressaram sua con iança 'de equipar e armar uma
instituiçã o internacional de paci icaçã o, tendo em sua direçã o paci istas e ativistas radicais
comprometidos com o desarmamento. O pró prio Carpathia , foi citado ao a irmar: 'A ONU nã o
vaiprecisardeumpodermilitar,secadapaı́sabrirmã odeseusarmamentos,eesperopelodia
emqueaprópriaONUsejadesarmada.'
"Como resultado das reuniõ es de hoje, foi anunciado també m um pacto de paz pelo
perı́odo de sete anos entre os membros da ONU e Israel, garantindo as fronteiras desse paı́s e
prometendo paz na regiã o. Em troca dessa garantia, Israel permitirá à ONU que franqueie
seletivamenteousodafó rmuladeseufertilizante,desenvolvidapeloganhadordoprê mioNobel,
Dr. Chaim Rosenzweig, que transformou as esté reis areias do deserto em terras cultivá veis e
transformouIsraelemimportantepaísexportador."
Buck olhava atentamente quando a emissora focalizou o entusiasmo de Rosenzweig e o
endosso inequı́voco de Carpathia. As notı́c ias també m davam conta de que Carpathia havia
solicitadoavá riosgruposinternacionais,presentesemNovaYorkcomoobjetivodesereunirno
próximofimde•semana,queelaborassempropostas,resoluçõeseacordos."Insistoemqueeles
seesforcemparaapresentarrapidamenteumplanoquecontribuaparaapazmundialeparaa
uniãoglobal."
Um repó rter perguntou a Carpathia se incluı́a esse plano uma ú nica religiã o universal e,
possivelmente, um ú nico governo. Sua resposta: "Penso em um processo mais estimulante do
queumauniãoentreasreligiõesdomundo.Algunsdospioresexemplosdediscórdiaselutastêm
surgido entre grupos cuja missã o fundamental é o amor entre as pessoas. Cada devoto de uma
religiã o autê ntica deve acolher com alegria este potencial. O tempo do ó dio já passou. Os que
amamahumanidadeestãoseunindo."
O â ncora do noticiá rio continuou: "Entre os fatos que se desenrolaram hoje, há rumores
sobre a organizaçã o de grupos que defendem um governo mundial ú nico. Foi perguntado a
Carpathiaseeleaspiravaaumaposiçãodeliderançaemtalorganização."
Carpathiaolhoudiretamenteparaacâ meradopooldarededeemissorase,comosolhos
ú m idos e voz embargada, disse: "Fiquei muito comovido ao ser solicitado a servir como
secretá rio-geral da ONU. Nã o aspiro a qualquer outra coisa. Embora a idé ia de um governo
universal ú nico ressoe profundamente em mim, posso somente dizer que há candidatos muito
maisquali icadosparaliderartalorganizaçã o.Seriaparamimumprivilé gioservirdequalquer
forma,semprequesolicitado,e,emboranã omevejaaindanopapeldelı́der,vouempregaros
recursosdaONUnessesentido,seassimdesejarem."
Macio, pensou Buck, com as idé ias des ilando na cabeça. Enquanto os comentaristas e
líderesmundiaisdefendiamamoedauniversal,umalínguaúnicaatéemesmoagenerosidadede
Carpathiaaoexpressarseuapoioà reconstruçã odotemploemJerusalé m,aequipedasucursal
doSemanárioGlobal em Chicago parecia em clima de festa. "Esta é a primeira vez depois de
muitosanosquemesintootimistaacercadasociedade",disseumrepórter.
Outro acrescentou: "Esta é a primeira vez que sorrio desde os desaparecimentos. Creio
quedevemosserobjetivosecé ticos,mascomoé possı́velnã ogostardisso?Serã oprecisosanos
para realizar o que ele pretende, mas algum dia, de algum modo, vamos conhecer a paz
mundial. Sem armas, sem guerras, sem disputas de fronteiras nem intolerâ ncia lingü ıś tica ou
religiosa.Caramba!Quemacreditavaquechegaríamosaesteponto?"
BuckrecebeuumtelefonemadeStevePlank.
—Vocêestávendooqueestásepassando?—perguntouPlank.
—Quemnãoestá?
—Empolgante,nãoacha?
—Sensacional.
—Ouça,Carpathiaquervocêaquinasegunda-feirademanhã.
—Paraquê?
— Ele gosta de você , homem. Nã o perca esta chance. Antes da entrevista com a
imprensa, ele vai reunir-se com seu pessoal de primeiro escalã o e com os dez delegados
permanentesdoConselhodeSegurança.
—Eelemequerlá?
—Sim.Evocêpodeimaginarquemsãoalgunsdeseuprimeiroescalão.
—Diga-me.
—Bem,umdeleséóbvio.-Stonagal.
—Claro.
—E,quantoaTodd-Cothran,acreditoquevaiserumnovoembaixadordoReinoUnido.
— Talvez nã o — disse Steve. — Outro britâ nico está lá . Nã o sei seu nome, mas ele
tambémestánestegrupofinanceirointernacionalqueStonagalcomanda.
—Você achaqueCarpathiapediuaStonagalaindicaçã odeoutroseuprotegido,nocaso
deCarpathiaquererqueimarTodd-Cothran?
—Podeser,masninguémousapediralgumacoisaaStonagal.
—NemmesmoCarpathia?
— Nem mesmo Carpathia. Ele conhece quem o levou ao poder. Mas ele é honesto e
sincero,Buck.Nicolaenã ovaifazernadailegalnemsecretonemmesmomuitopolı́t ico.Eleé
puro.Purocomoaneve.Eentão,vocêpodevir?
—Creioquesim.Quantosdaimprensavãoestaraí?
—Vocêestápreparadoparaouvir?Somentevocê.
—Vocêestábrincando.
—Falosério.Elegostadevocê,Buck.—Qualéajogada?
—Nã ohá jogadanenhuma.Elenã opediunada,nemmesmoumareportagemfavorá vel.
Elesabequevocê precisaserobjetivoeequilibrado.Amı́diaemgeraltomará conhecimentode
tudonaentrevistacoletiva,maistarde.
— Evidentemente nã o posso perder essa oportunidade — disse Buck, certo de que suas
palavrasnãoeramconvincentes.
— Qual é o problema, Buck? Isto faz parte da Histó ria! Este é o mundo da forma que
sempredesejamoseesperamos.
—Esperoquevocêestejacerto.
—Euestoucerto.HáalgumacoisamaisqueCarpathiadeseja.
—Entãoháumajogada.
— Nã o, nada que dependa de uma jogada. Se você nã o pode fazer, nã o pode, e pronto.
Você será bem-vindo do mesmo modo na segunda de manhã . Mas ele quer ver novamente
aquelasuaamigaaeromoça.
—Steve,ninguémmaisusaotermoaeromoça.Elassãocomissáriasdebordo.
—Queseja.Traga-acomvocê,seforpossível.
—Porqueelenãopedediretamenteaela?Oquesouagora,umalcoviteiro?
— Vamos, Buck. Nã o é nada disso. Uma pessoa solitá ria numa posiçã o como a dele? Ele
nãopodesairporaíatrásdenamoros.Vocêaapresentou,lembra-se?Eleconfiaemvocê.
Eledevecon iarmesmo, pensou Buck,já que está me convidando para uma reunião antes
daentrevistaàimprensa.—Voupediraela—disse.—Nãoprometonada.
—Nãomedecepcione,companheiro.
RayfordSteeleestavatã ofelizcomonodiaemquetomouadecisã odeaceitarCristo.Ver
Chloesorrir,versuafomedeleraBı́bliadeIrene,sercapazdeorarcomelaetrocaridé iasera
maisdoqueeletinhasonhado.
—Umacoisaqueprecisamosfazer—disseele—é você terumaBı́bliasó sua.Você vai
acabargastandoesta.
— Quero participar daquele nú c leo dirigente — disse ela. -Desejo aprender tudo com
Bruce,desdeoinício.Aúnicapartequemeincomodaéqueparecequeascoisasvãopiorar.
No im da tarde, eles apareceram na igreja para falar com Bruce, que pô de constatar
pessoalmenteaconversãodeChloe.
—Estouemocionadoporrecebê-laemnossafamília—disseele-,masvocêtemrazão.O
povo de Deus está vivendo dias tenebrosos. Todos estã o. Tenho pensado e orado sobre o que
podemos fazer como igreja no espaço de tempo que nos resta, de agora até o Glorioso
Aparecimento.
Chloe quis saber o que isso signi icava, e Bruce mostrou-lhe na Bı́blia por que acreditava
queCristoretornariaemseteanos,nofinaldaTribulação.
— Muitos cristã os serã o martirizados ou morrerã o em conseqü ência de guerras, fome,
pragasouterremotos—disseele.
Chloesorriu.
—Nã oé nadadivertido—disseela-,masachoqueeudeviaterpensadonissoantesdesta
minha decisã o. Você vai ter di iculdade de convencer as pessoas a juntar-se à causa de Cristo
diantedessaperspectivasombria.
Brucefezumacareta.
— Sim, mas a alternativa é pior. Todos nó s perdemos a primeira oportunidade.
Poderı́amosestarnocé unestemomento,setivé ssemosouvidonossosamadosqueseforam.Eu
nã ogostariadeterumamortehorrı́velduranteesteperı́odo,masé muitomelhordoque icar
perdido para sempre. Todos os outros també m correm o risco de ter uma morte horrı́vel. A
únicadiferençaéquepodemosteroutrotipodemorte.
—Comomártires.
—Exatamente.
Rayford apenas ouvia, consciente do quanto este mundo tinha mudado em tã o curto
tempo.Nã oiatã olongeassimaé pocaemquetinhasidournpilotorespeitado,noaugedesua
carreira, vivendo uma vida falsa, vazia. Agora aqui estava ele, conversando secretamente no
escritó riodeumapequenaigrejacomsua ilhaeumjovempastor,tentandodeterminarcomo
teriamdeviverseteanosdetribulaçãoapósoArrebatamentodaIgreja.
— Temos nosso nú c leo dirigente — disse Bruce -, e Chloe, você é bem-vinda ao nosso
meio,seestiverseriamentecomprometidacomsuafé.
—Qualé aopçã o?—perguntouela.—Seoquevocê estiverdizendoforverdadeiro,nã o
vaiadiantarlutarcontraosacontecimentos.
—Você temrazã o.Maseuestavapensandotambé mnumgrupomenordentrodonú c leo
dirigente. Estou procurando pessoas de inteligê ncia e coragem acima do normal. Nã o quero
depreciar a sinceridade e dedicaçã o dos demais na igreja, especialmente aqueles da equipe de
liderança.Masalgunsdelessã otı́m idos,algunssã ovelhos,muitossã ofracos.Tenhooradosobre
um tipo de cı́rculo fechado, composto de pessoas que queiram fazer mais do que apenas
sobreviver.
—Oquevocêestápretendendo?—perguntouRayford.-Passarparaaofensiva?
—Algumacoisaparecida.Pensoemumlugarescondidoaqui,ondepoderı́amosestudare
compreender o que está -se passando, para evitar que sejamos enganados. E maravilhoso orar
pelastestemunhasquesurgiramemIsrael,eémuitobomsaberqueháoutrosgruposdecrentes
portodoomundo.Masvocênãosenteodesejodeentrarnessabatalha?
Rayfordestavacurioso,masnãoseguro.Chloeestavamaisentusiasmada.
—Umacausa—disseela.—Umidealquenosimpulsioneaviveremorrerporele.
—Sim!
—Umgrupo,umaequipe,umcomando—disseChloe.
—Vocêchegouaoponto.Umcomando.
OsolhosdeChloebrilhavamanteessaperspectiva.Rayford icoufelizaoveroentusiasmo
juvenileaansiedadedafilhadecomprometer-secomumacausaemquestãodehoras.
—Ecomovocêdenominariaesseperíodo?—perguntouela.
—ATribulação—disseBruce.
—Portanto,seugrupomenordentrodonú c leo,umaespé ciedeBoinasVerdes,passariaa
seroComandoTribulação.
— Comando Tribulaçã o — con irmou Bruce, levantando-se para escrever no bloco de
anotaçõ es.—Gostei.Masnã oseiluda,nã oserá nemumpoucodivertido.Vaiseracausamais
perigosa a que algué m poderia associar-se. Teremos de estudar, nos preparar e evangelizar.
Quandosetornarclaroquemé oanticristo,ofalsoprofeta,afalsareligiã o,teremosdenosopor
aeles,falarcontraeles.Seremosmarcados.
Os cristã os que se contentarem em esconder-se em porõ es com suas Bı́blias poderã o
escapar de muita coisa, menos dos terremotos e das guerras, mas nó s estaremos expostos a
tudo.
—Virá umtempo,Chloe,emqueosseguidoresdoanticristodeverã oterosinaldabesta.
Há todos os tipos de teorias sobre a forma que esse sinal terá , desde uma tatuagem até um
carimbo ou selo na testa, que poderá ser detectado somente com luz infravermelha. Mas,
certamente, nos recusaremos a receber essa marca. Esse nosso ato de desa io també m terá
uma marca pró pria. Seremos os desguarnecidos, os destituı́dos de proteçã o por nã o
pertencermosàmaioria.VocêaindadesejafazerpartedoComandoTribulação?
RayfordassentiuesorriudiantedarespostafirmedeChloe.
—Nãoqueroficardeforadejeitonenhum.
DuashorasdepoisqueosSteelestinhamsaído,BuckWilliamsestacionouseucarroalugado
em frente da Igreja Nova Esperança, em Monte Prospect, Illinois. Ele tinha uma sensaçã o de
expectativa mesclada com medo. Quem seria esse Bruce Barnes? Com quem se pareceria? E
seriaelecapazdeidentificarumnão-cristãoporumsimplesolhar?
Buckficousentadonocarro,acabeçaentreasmãos.
Ele tinha uma mente analı́t ica, sabia disso, para tomar uma decisã o precipitada. Mesmo
sua decisã o de sair de casa antes de procurar estudar e tornar-se um jornalista tinha sido
planejadaduranteanos.Parasuafamı́lia,anotı́c iasooucomoumagrandesurpresa,masparao
jovemCameronWilliamscadapassoseguintetinhaumsentidoló gico,faziapartedeseuplanoa
longoprazo.
A situaçã o de Buck naquele momento nã o fazia parte de qualquer plano. Nada do que
havia acontecido desde aquele nefasto vô o a Heathrow tinha se encaixado em seu esquema
predefinido.
Ele sempre gostou dos acasos da vida, mas administrava-os por meio da ló gica e
manipulava-oscomracionalidade.ObombardeioemIsraelohaviachocado;emesmonaquela
circunstâ ncia ele agira com racionalidade. Ele possuı́a uma carreira, uma posiçã o, um papel.
Fora designado para um trabalho em Israel, e, embora nã o cogitasse tornar-se um
correspondente de guerra da noite para o dia, ele se preparara da mesma forma que havia
organizadosuavida.
Mas nada o havia preparado para os desaparecimentos ou as mortes violentas de seus
amigos.Emboraestivessepreparadoparaarecentepromoçã o,elatampoucofaziapartedeseu
plano. Agora esse artigo sobre as teorias aproximava-o de chamas que ele nunca conhecera e
que estavam ardendo em sua alma. Ele sentia-se abandonado, desprotegido, vulnerá vel, e no
entanto este encontro com Bruce Barnes tinha sido idé ia sua. Nã o havia dú vida de que o
capitão-aviadorfoi'quemlhedeuasugestão,maspoderiatê-larejeitadosemnenhumremorso.
Estaviagemnã otinhaacontecidoparaque'elepassasseumaspoucashorasemcompanhiada
belaChloe,enã ohaviapressadevisitarasucursaldeChicago.Eleestavaali,esabiadisso,para
encontrar-secomBruce.Bucksentia-sefisicamenteexaustoaodirigir-seàigreja.
Foi uma agradá vel surpresa para Buck descobrir que ele e Bruce Barnes tinham quase a
mesma idade. Bruce aparentava ser inteligente e sincero, exibindo a mesma autoridade e
entusiasmo de Rayford Steele. Fazia muito tempo que Buck nã o entrava numa igreja. Esta
parecia simples, razoavelmente nova e moderna, bem arrumada e e iciente. Eles se reuniram
numasalamodesta.
—Seusamigos,osSteeles,disseram-mequeosenhormetelefonariaantesdevir—disse
Barnes.
Buck icouperplexocomsuafranqueza.NomundoemqueBuckvivia,eleteriaguardado
para si aquela observaçã o rı́spida para ser usada no momento propı́c io. Mas ele notou que o
pastor nã o estava interessado em nenhum artifı́c io. Nada havia a esconder. Em essê ncia, Buck
estavaaliparareceberinformações,eBruce,interessadoemprovê-las.
— Quero dizer-lhe de inı́c io — advertiu Bruce — que estou ciente de seu trabalho e
respeito seu talento. Mas, para ser franco, nã o disponho mais de tempo para amenidades e
conversas super iciais que costumavam caracterizar meu trabalho. Vivemos momentos de
perigo.Tenhoumamensagemeumarespostaparapessoasqueasbuscamcomrealinteresse.
Digoatodospreviamentequenã ovoumedesculparporaquiloquetenhoalhesdizer.Seestaé
umaregrabásicaaqueosenhorestáhabituado,tenhotodootempodequenecessitar.
—Bem,senhor—disseBuck,umtantovacilantepelaemoçã oehumildadequepercebeu
na pró pria voz -, aprecio suas observaçõ es. Nã o sei quanto tempo será necessá rio, porque nã o
estouaquianegó c io.Talvez izessesentidoconheceropontodevistadeumpastorparaminha
reportagem,masaspessoaspodemdeduziroqueospastorespensam,especialmentedepoisque
ouviodepoimentodealgumaspessoasqueentrevistei.
—ComoocapitãoSteele.Buckacenouquesim.
— Estou aqui por interesse pró prio e tenho de confessar-lhe francamente que nã o sei em
quepontoestounestaquestã o.Até poucotempoatrá s,eujamaisporiaospé snumlugarcomo
este nem sonharia com qualquer coisa intelectualmente compensadora que pudesse extrair
daqui.Seique,comojornalista,eunãodeviaestardizendoestascoisas,mas,comoosenhorestá
sendohonesto,voucolocar-menamesmacondição.
— Fiquei muito impressionado com o capitã o Steele. E uma pessoa talentosa, raciocina
com clareza, e está profundamente imbuı́do de suas convicçõ es. O senhor parece ser uma
pessoainteligente,e...Nãosei.Estououvindo,étudooquepossodizer.
Bruce começou contando a Buck a histó ria de sua vida, que foi criado num lar cristã o,
estudou em um seminá rio, casou-se com uma cristã , tornou-se pastor, e assim por diante. Ele
esclareceu que conhecia a histó ria de Cristo e o caminho para o perdã o e para um
relacionamentocomDeus.
— Eu pensava que tinha o melhor de ambos os mundos. Mas a Escritura diz claramente
quenã opodemosserviradoissenhores.Nã opodemosterosdoisaomesmotempo.Descobria
verdadedeumaformamuitocruel.
Ao falar sobre a perda de sua famı́lia, dos amigos e de todos os que lhe eram caros, ele
chorou:
—Adorémuitograndeatéhoje,comonodiaemqueaconteceu—disseele.
Emseguida,Bruceesboçou,comoRayfordtinhafeito,oplanodesalvaçã odocomeçoao
im.Buck icounervoso,angustiado.Eleprecisavadeumapausa.Einterrompeuparaperguntar
seBrucequeriaouvirumpoucomaissobreele.
—Certamente—anuiuBruce.
Buck contou sua histó ria, concentrando-se principalmente no con lito Rú ssia-Israel e nos
difíceis14mesesqueseseguiram.
—Possover—interrompeuBruce—queDeusestátentandoatrairsuaatenção.
—Bem,Eleconseguiu—disseBuck.—Tenhoapenasdeavisá -loquenã osouumapessoa
fá cildeserconvencida.Tudoissoé interessanteemeparecemaisplausı́veldoquenunca,mas
nãoédomeufeitioaceitarrepentinamenteumaidéia.
— Ningué m pode forçá -lo ou impor-lhe qualquer coisa, Sr. Williams, mas devo també m
reiterarquevivemosmomentosperigosos.Nã osabemosquantotempotemosparaponderaçõ es
comoestas.
—OsenhormefazlembrarChloeSteele.
—Eelafazlembraropai—disseBrucesorrindo.
— E ele, imagino, faz-me lembrar o senhor. Posso entender por que os senhores
consideramistotãourgente,mascomodigo...
—Compreendo—disseBruce.—Seosenhordispõ edetemponestemomento,permitame tomar um rumo diferente. Sei que o senhor é uma pessoa inteligente, por isso deve obter
todasasinformaçõesdequenecessitaantesdesedespedirdemim.
Buck respirou mais aliviado. Ele receava que Bruce estivesse prestes a fazer a pergunta
queoforçariaaorardaformacomofizeramRayfordeChloe.Eleadmitiaqueissoseriapartedo
processo que assinalaria o inı́c io da inter-relaçã o entre ele e Deus — a quem nunca se dirigira.
Maselenãoestavapronto.Aomenospensavaquenãoestava.Enãoqueriaserforçado.
—VouretornaraNovaYorksomentesegunda-feirapelamanhã —disseele-,porissovou
tomartantotempoquantoforpossíveldosenhorestanoite.
— Nã o quero parecer mó rbido, Sr. Williams, mas nã o tenho mais responsabilidades
familiares.Tenhoumareuniã ocomumgrupodecooperadoresamanhã ,eodomingoé dedicado
à igreja.Osenhorestá convidadoacomparecer.Mastenhobastanteenergiaparairaté meianoite,seosenhorquiser.
—Estoudispostoaouvi-lo.Brucededicouvá riashorasmaisdandoaBuckumbrevecurso
sobre profecias e os ú ltimos dias. Buck ouvira muitas informaçõ es sobre o Arrebatamento e as
duas testemunhas e tinha colhido informaçõ es esparsas sobre o anticristo. Mas Buck sentiu o
sangue gelar nas veias quando Bruce falou sobre a grande religiã o ú nica que se instalaria, o
mentiroso, o pretenso paci icador que traria derramamento de sangue por meio da guerra, o
anticristo que dividiria o mundo em dez reinos. Ele icou em silê ncio, evitando bombardear
Brucecomperguntasoucomentários.Eleapenasfaziaanotaçõestãorapidamentecomopodia.
Ousaria ele dizer a esse homem simples e sincero que acreditava que Nicolae Carpathia
poderiaserexatamenteohomemdequemasEscriturasfalavam?Poderiaissosercoincidência?
SeusdedoscomeçaramatremerquandoBrucelhefaloudaprofeciadeumpactodeseteanos
entreoanticristoeIsrael,dareconstruçã odotemplo,emesmodeaBabilô niatornar-seasede
deumanovaordemmundial.
Finalmente,quandochegouameia-noite,Buckestavatomadodepavor,queseapoderava
detodasas ibrasdeseuser.BruceBarnesnã opoderiatertomadoconhecimentodosplanosde
Nicolae Carpathia antes de serem anunciados nos noticiá rios da tarde. Até certo ponto, ele
pensava em acusar Bruce de ter baseado tudo o que estava dizendo nas notı́c ias transmitidas
pela televisã o, mas, mesmo que o tivesse feito, aqui estava, preto no branco, registrado na
Bíblia.
—Osenhorviuasnotíciasdehoje?—perguntouBuck.
—Hojenã o—disseBruce.—Estiveemreuniõ esdesdeomeio-diaeouviapenasalguma
coisaantesdeosenhorchegaraqui.
BuckcontouoquehaviaacontecidonaONU.Bruceempalideceu.
— Foi por isso que ouvi todos aqueles cliques em minha secretá ria eletrô nica — disse
Bruce. — Desliguei a campainha do telefone, portanto eu só sabia que algué m estava
telefonandoquandoouviaocliquedasecretáriaeletrônica.Aspessoasestãoligandoparamedar
a informaçã o. Fazem isso com freqü ência. Costumo falar sobre o que a Bı́blia diz que pode
acontecer,e,quandoacontece,aspessoasligamparadaranotı́c iaoudeixamamensagemna
secretáriaeletrônica.
—OsenhorachaqueCarpathiaéesseanticristo?
—Achoquenãoháoutraconclusão.
—Maseurealmenteacrediteinessehomem.
— E por que nã o? A maioria de nó s acreditou. Modesto, interessado no bem-estar das
pessoas, humilde, desinteressado de poder e liderança. Mas o anticristo é um enganador. E ele
tem o poder de controlar as mentes dos homens. Ele pode fazer as pessoas verem mentiras
comosendoverdades.
BuckcontouaBrucearespeitodoconviteparaareuniãoantesdaentrevistaàimprensa.
—Osenhornãodeveir—disseBruce.
—Eunãopossodeixardeir—disseBuck.—Estaéaoportunidadedaminhavida.
— Sinto muito — disse Bruce. — Nã o tenho autoridade sobre o senhor, mas permita-me
rogar-lhe,adverti-losobreoqueestá paraacontecer.Oanticristovaisolidi icarseupodercom
umademonstraçãodeforça.
—Elejátem.
—Sim,masparecequetodosessesacordosalongoprazoqueeleadmitiulevarã omeses
ouanosparaseremefetivados.Agoraeletemdemostrarpartedessaforça.Oquepodeelefazer
paraafirmar-setãosolidamenteparaqueninguémselheoponha?
—Nãosei.
—Eleindubitavelmentetemmotivosocultosparadesejá-lonessareunião.
—Nãosouútilparaele.
—Seria,seeleocontrolasse.
—Maselenãomecontrola.
— Se ele for o maligno de quem a Bı́blia fala, tem o poder de fazer quase tudo. Quero
alertá-loparanãoirlásemproteção.
—Umguarda-costas?
—Pelomenos.Mas,seCarpathiaforoanticristo,vocêdesejaenfrentá-losemDeus?
Buck se apavorou. Esta conversa era muito estranha para ele nã o admitir que Bruce
estava usando qualquer argumento para que ele se convertesse. Nã o havia dú vida de que se
tratavadeumaquestãosinceraelógica,entretantoBucksentia-sepressionado.
— Sei qual é sua intençã o — disse ele lentamente — mas acho que nã o vou ser
hipnotizadooualgoassim.
— Sr. Williams, faça o que bem entender, mas estou suplicando. Se o senhor for à quele
encontrosemDeusemsuavida,estaráemperigomortaleespiritual.
Ele mencionou a Buck sua conversa com os Steeles e como eles trê s em unı́ssono
idealizaramoComandoTribulação.
— Trata-se de um grupo composto de pessoas seriamente dispostas, que se oporã o
corajosamenteaoanticristo.Euesperoqueaidentidadedessegruponã osetorneevidentelogo
noinício.
O Comando Tribulaçã o mexeu com alguma coisa no ı́ntimo de Buck. A idé ia levou-o de
voltaaosseusprimeirosdiascomoescritor,quandoacreditavateropoderdemudaromundo.
Ele icava até altas horas da noite tramando com seus colegas como demonstrar coragem e
audá ciaparaseoporemà opressã o,aogovernodiscricioná rio,à intolerâ ncia,Eletinhaperdido
aquele fogo, aquele arroubo, ao longo dos anos, quando era elogiado por seus escritos. Ainda
desejava fazer as coisas certas, mas tinha perdido a paixã o pela iloso ia "um por todos e todos
porum",àmedidaqueseutalentoefamacomeçaramaultrapassarosdeseuscolegas.
O idealista, o dissidente que havia nele, gravitava em torno dessas idé ias, mas ele se
conteveparanã oseconvenceratornar-seumdiscı́pulodeCristosó porcausadeumpequenoe
sugestivoclubeaoqualpodiajuntar-se.
—Osenhorachaquepossoparticipardareuniãodessegrupoamanhã?—perguntou.
— Penso que nã o — ponderou Bruce. — Penso que o senhor o acharia interessante e,
pessoalmente, creio que o grupo poderia ajudar a convencê -lo, mas ele está limitado à nossa
equipe de lı́deres. Na verdade, vou reportar-lhes amanhã o que estamos conversando nesta
noite,portantoseriaumarepriseparaosenhor.
—Edomingo?
— O senhor será bem-vindo, mas devo dizer que o assunto será o mesmo que venho
reiterando a cada domingo. O senhor já ouviu a exposiçã o de Rayford Steele e a ouviu
novamente de mim. Se o fato de ouvir uma vez mais pode ajudá -lo, entã o venha e observe
quantos sã o os que buscam e encontram. Se a freqü ência for como nos ú ltimos dois domingos,
haveráespaçosomenteparapessoasempé.
Buck levantou-se e espreguiçou-se. Ele havia prendido Bruce até bem depois da meianoiteedesculpou-se.
—Nãoprecisadesculpar-se—disseBruce-,fazpartedemeutrabalho.
—OsenhorsabeondepossoobterumaBíblia?
—Tenhoumaqueosenhorpodelevar—respondeuBruce.
No dia seguinte, o nú c leo dirigente recebeu entusiasticamente e com muita emoçã o a
mais nova participante, Chloe Steele. Eles dedicaram boa parte do dia estudando as notı́c ias e
tentando determinar a probabilidade de Nicolae Carpathia ser o anticristo. Nenhum deles pô de
deduziroutracoisa.
Bruce relatou a histó ria de Buck Williams, sem usar seu nome ou mencionar sua ligaçã o
com Rayford e Chloe. Chloe chorava em silê ncio, enquanto o grupo orava por sua segurança e
porsuaalma.
CAPÍTULO24
BUCK passou o sá bado escondido no escritó rio vazio da sucursal de Chicago, preparando
seu artigo sobre as teorias a respeito dos desaparecimentos. Sua mente era um redemoinho
contı́nuo, forçando-o a pensar em Carpathia e no que diria nesta maté ria que traçaria um
paralelo entre aquele homem e a profecia bı́blica. Felizmente, ele podia esperar encerrar a
redaçãodepoisdograndedia—segunda-feira—paraconcluiramatéria.
Porvoltadahoradoalmoço,BucklocalizouStevePlanknoHotelPlaza,emNovaYork.
—Estareiaínasegundademanhã—disse-,masnãovouconvidarHattieDurham.
—Porquenão?Éumpequenopedido,deamigoparaamigo.
—Devocêparamim?
—DeNickparavocê.
— Ah! Agora entã o é Nick, hein? Bem, ele e eu nã o somos ı́ntimos o bastante para tal
familiaridade,enãovouarranjarumacompanhiafemininanemmesmoparameusamigos.
—Nemmesmoparamim?
—Seeusoubessequevocêatratariacomrespeito,Steve,euoaproximariadela.
—VocênãovairealmentefazerissoporCarpathia?
—Não.Estou"desconvidado"?
—Nãovoudizeraele.
—Queexplicaçãovocêvaidarquandoelanãoaparecer?
—Voupedirdiretamenteaela,Buck,seumelindroso.Bucknã odissequealertariaHattie
para nã o ir. Ele perguntou a Steve se podia ter mais uma entrevista exclusiva com Carpathia
antesdecomeçarsuareportagemdecapasobreele.
—Vouveroquepossofazer.Alé mdevocê nã ofazerumpequenofavor,aindaqueroutra
oportunidade?
— Ele gosta de mim, você disse. Você sabe que vou fazer a maté ria completa sobre ele.
Eleprecisadisso.
—SevocêviuaTVontem,sabequeelenãoprecisadenada.Nósprecisamosdele.
—Precisamos?Você já encontroupessoasque izeramumaligaçã oentreeleeoseventos
dosúltimosdiasnaBíblia?
Stevenãorespondeu.
—Steve?
—Estououvindo.
—Bem,vocêencontrou?AlguémquepensaqueelesejaumdosvilõesdoApocalipse?
Stevenadadisse.
—Alô,Steve.
—Continuoouvindo.
— Vamos lá , amigo velho. Você é o assessor de imprensa. Você sabe tudo. Como
Carpathiavairesponderseeutocarnesseponto?
Stevecontinuavaemsilêncio.
—Nã ofaçaissocomigo,Steve.Nã oestoudizendoqueacreditonessaidé ianemqueexista
algué mqueestejapordentrodetudooupensedessemodo.Estoupreparandoamaté riasobreo
que há por trá s dos desaparecimentos, e você sabe que isso me leva forçosamente a pesquisar
todosostiposdereligião.Alguémjátraçouumparalelosobreisso?
Desta vez, quando Steve permaneceu calado, Buck meramente olhou o reló gio,
determinado a esperar a manifestaçã o dele. Cerca de vinte segundos depois de um silê ncio
sepulcral,Stevefaloumaciamente.
—Buck,tenhoumarespostadeduaspalavrasparavocê.Estápreparado?
—Estou.
—StatenIsland.
—Vocêestádizendoque...?
—Nãomencioneonome,Buck!Nuncasesabequemestáouvindo.
—Entãovocêestámeameaçandocom...
—Nãoestouameaçando.Estoulhedandoumaalerta.Tomecuidado.
— Lembre-se, Steve, de que nã o gosto de alertas. Você se recorda de que tempos atrá s,
quando trabalhá vamos juntos, você achava que eu era o mais obstinado perdigueiro que você
conhecianabuscadeumareportagem?
—Simplesmentenãováfarejaroarbustocheiodeespinhos,Buck.
—Entãodeixe-mefazerumapergunta,Steve.
—Cuidado,porfavor.
—Vocêquerfalarcomigoemoutralinha?
— Nã o, Buck, desejo apenas que seja cauteloso sobre o que diz, pois isso me atinge
também.
Buckcomeçouarabiscarfuriosamentesobreurnblocodepapelamarelo.
— Combinado — disse ele, escrevendoCarpathia ou Stonagal resp. por Eric Miller? — O
quequerosaberé oseguinte:Você achaqueeudevo icardoladodeforadabalsaporcausade
quemestáaovolanteouporcausadequemforneceocombustível?
—Doúltimo—disseSteve,semhesitar.
BuckfezumcírculoemtornodeStonagal.
— Entã o você acha que o cara ao volante nã o está ciente do que o fornecedor de
combustívelfazemlugardele.
—Correto.
—Portanto,sealgué mchegassepertodopiloto,estepoderiaserprotegidoenemmesmo
saberiadisso.
—Correto.
—Mas,eseeledescobrisse?
—Elecuidariadoproblema.
—Éoqueesperoverlogo.
—Nãopossocomentarsobreisso.
—Vocêpodemedizerparaquemvocêrealmentetrabalha?
—Eutrabalhoparaquemvocêachaqueeutrabalho.
O que signi icava isso, meu Deus? Carpathia ou Stonagal? Como podia Buck obter uma
resposta de Steve por telefone, dentro do Hotel Plaza, que podia estar sendo interceptada e
gravada?
—Vocêtrabalhaparaohomemdenegóciosromeno?
—Certamente.
Buckquaseseesmurrou.PodiaserCarpathiaouStonagal.
—Vocêtrabalha?—disseele,esperandopormaisinformações.
—Meuchefemovemontanhas,nãoacha?—disseSteve.
— Sem dú vida — disse Buck, fazendo um cı́rculo no nome Carpathia desta vez. — Você
deveestarcontentecomtodasascoisasqueestãoacontecendonestesdias.
—Estou.
BuckrabiscouCarpathia.Últimostempos.Anticristo?
— E você está me dizendo pura e simplesmente que a outra questã o que mencionei é
perigosa,mastambémumapodridão.
—Éumasujeiratotal.
—Enã odevosequerpuxaroassuntocomele,poreuserumjornalistaquecobretodosos
aspectoseformulaasperguntasmaisindigestas?
—Seeusoubessequevocê iriamencionarisso,nã ooincentivariaafazeraentrevistaou
reportagem.
—Rapaz,nãofoiprecisomuitotempoparaquevocêsetornasseurnempresário.
Apó sareuniã odonú c leodirigente,RayfordSteeleconversouparticularmentecomBruce
BarnesefoiinteiradodoencontrocomBuck.
— Nã o posso mencionar os pontos con idenciais — disse o pastor -, mas somente uma
coisa me falta para icar convencido de que esse Carpathia é o anticristo. Nã o posso por ora
enquadrá -lo geogra icamente. Quase todos os autores que respeito e que escreveram sobre os
ú ltimos dias acreditam que o anticristo virá da Europa Ocidental, talvez Gré cia ou Itá lia ou
Turquia.
Rayfordnãosabiaoquepensar.
—Você notouqueCarpathianã oseparececomumromeno.Elesnã osã onamaioriade
pelemorena?
— Sim. Deixe-me telefonar para o Sr. Williams. Ele me deu um nú m ero. Nã o sei o que
maiselesabesobreCarpathia.
Brucediscoueligouoviva-voz.
—RayfordSteeleestáaquiaomeulado.
—Ei,capitão—saudouBuck.
—Estamosnestemomentofazendoalgumestudoaqui-disseBruce—edeparamoscom
umadúvida.
BrucedisseaBuckoquetinhamencontradoesolicitoumaisinformações.
— Bem, ele vem de uma cidade onde existe uma das maiores universidades, chamada
Cluj,e...
—Oh!eleé delá ?Eusupunhaqueeleprocedessedeumaregiã omontanhosa,você sabe,
porcausadonomedele.
—Donomedele?—Buckrepetiu,rabiscandorapidamenteemseublocotamanhoofício.
— Você sabe que o nome prové m dos montes cá rpatos. Ou esse nome signi ica alguma
outracoisanaquelaregião?
Bucksentou-se,empertigou-senacadeiraeteveumestalonamente.Stevetinhatentado
dizer-lhe que trabalhava para Stonagal enão para Carpathia. E naturalmente todos os novos
delegados da ONU eram devedores a Stonagal, porque foi ele quem os apresentou a Carpathia.
TalvezStonagalfosseoanticristo!Ondeestavaaorigemdesualinhagem?
—Bem—disseBuck,tentandoseconcentrar-,talvezeletenharecebidoonomedesses
montes,maselenasceuemCluj,eseusancestraiseramromanos.Eisarazã oporqueeletem
cabelosloiroseolhosazuis.
Bruce agradeceu-lhe e perguntou se o veria na igreja no dia seguinte. Rayford achou que
Buckestavadesatentoereservado.
—Nãodescartoessapossibilidade—disseBuck.
Sim,pensouBuck,desligando.Estareilá,éclaro.Elepretendiaabsorvercadapartı́c ulade
informaçã o antes de chegar a Nova York para escrever a reportagem que poderia custar-lhe a
carreiraetalvezavida.Nã osabiaaverdade,masnuncadesistiudebuscá -la,enã oseriaagora
queiriamudarsuaposição.EletelefonouparaHattieDurham.
—Hattie,vocêvaireceberumtelefonemaconvidando-aairaNovaYork.
—Járecebi.
— Eles queriam que eu pedisse a você , mas solicitei-lhes que eles mesmos izessem o
convite.
—Eelesfizeram.
— Eles querem que você veja Carpathia novamente, faça-lhe companhia na pró xima
semana,sevocêestiverlivre.
—Eusei,estouevou.
—Aconselhovocêanãofazerisso.
Elariu.
— Muito bem, vou declinar um convite do homem mais poderoso do mundo? Acho que
não.
—Meuconselhoéparavocênãoir.
—Porquerazão?
—Porquevocênãopareceseressetipodegarota.
—Primeiro,nã osouumagarota.Tenhoquaseasua idade,enã oprecisodeumpaioude
umtutor.
—Estoufalandocomoamigo.
—Você nã oé meuamigo,Buck.Ficouclaroquevocê nemmesmogostademim.Tentei
empurrarvocê paraagarotinhadeRayfordSteeleenã oestoucertanemmesmosevocê tevea
inteligênciadeseacertarcomela.
— Hattie, talvez eu nã o conheça você . Mas nã o a vejo como o tipo de pessoa que se
permiteserusadaporumestranho.
—Vocêéquaseumestranhoeestátentandomedizeroquefazer.
— Bem,você é esse tipo de pessoa? Por nã o ter dado o recado a você , eu a estava
protegendodealgumacoisaquevocêpoderiadesfrutar?
—Émelhoracreditarquesim.
—Nãopossodissuadi-ladessaidéia?
— Você nã o pode nem mesmo tentar — disse ela e desligou. Buck balançou a cabeça e
inclinou-separatrá snacadeira,segurandooblocodepapelamarelodiantedosolhos.Meu chefe
move montanhas, Steve havia dito. Carpathia é uma montanha. Stonagal é quem move e agita
portrásdele.Steveachaqueestárealmentecomasmãoseospésamarrados.Elenãoéapenaso
assessordohomemqueHattieDurhamcorretamentechamadeomaispoderosodomundo,mas,
portrás,Stevetambémestápactuandocomohomem.
BuckpensavanoqueRayfordeChloefariamsesoubessemqueHattietinhasidoconvidada
airaNovaYorkparafazercompanhiaaCarpathiaporalgunsdias.Por im,eleachouqueisso
nãoeradacontadelenemdeles.
Na manhã seguinte, Rayford e Chloe aguardaram a chegada de Buck até o ú ltimo
momento,masnã opuderammaisreservarumlugarparaelesentar-sedepoisqueanaveeas
galerias do templo icaram tomadas. Quando Bruce iniciou sua mensagem, Chloe cutucou seu
paieapontouparaoaglomeradodepessoasnacalçadaemfrenteà portaprincipal.Ali,nomeio
dogrupo,ouvindoporumalto-falanteexterno,estavaBuck.Rayfordergueuopunhoemsinalde
celebraçãoesussurrouaoouvidodeChloe:
—Jáseiqualvaisersuaoraçãonestamanhã.
Bruce projetou o videoteipe do antigo pastor, contou novamente sua histó ria, falou
brevemente sobre profecia, convidou os presentes a aceitarem Cristo e depois permitiu que
usassem o microfone para seus relatos e experiê ncias pessoais. Como havia sucedido nas duas
ú ltimas semanas, as pessoas levantaram-se e formaram ila até alé m de uma hora da tarde,
ansiosasportestemunharqueagora,finalmente,confiavamemCristo.
Chloedisseaseupaiquegostariadeser a primeira da ila, como ele tinha sido, mas, por
causa do tempo que ela levou para deixar a ú ltima ileira de bancos da galeria e descer até a
nave, acabou sendo uma das ú ltimas. Ela contou sua histó ria, a irmando que o sinal de que ela
acreditavaemDeustinha-lhesidodadonaformadeumamigoquesesentaraaoladodelanum
vô o de retorno a sua casa. Rayford sabia que ela nã o podia ver Buck no meio da multidã o.
Rayfordtambémnãopodia.
Quando do encerramento da reuniã o, Rayford e Chloe saı́ram do templo para procurar
Buck, mas ele já tinha ido embora. Foram almoçar com Bruce. Chegando em casa, Chloe
encontrouumrecadodeBucknaportadafrente.
Nã o pense que eu nã o quis dizer adeus. A verdade é que nã o pude. Estarei de volta para
tratar de negó c ios na sucursal e talvez apenas para vê -la, se me for permitido. Tenho uma
porçã o de coisas para resolver imediatamente, como você sabe, e francamente nã o quero que
nosso relacionamento ique prejudicado por meus afazeres. Você é uma pessoa maravilhosa,
Chloe, e confesso que cheguei à s lá grimas ao ouvir sua histó ria. Você me havia contado antes,
mas ouvir naquele lugar e naquela circunstâ ncia nesta manhã foi lindo. Você poderia fazer por
mim algo que nunca antes pedi a ningué m? Orar por mim? Vou telefonar ou vê -la em breve.
Prometo.Buck.
Buck sentia-se mais solitá rio do que nunca no vô o de volta a Nova York. Ele viajou na
classe econô m ica com o aviã o lotado, mas nã o conhecia ningué m. Leu vá rias passagens na
Bı́blia que lhe foi presenteada por Bruce e que tinham sido previamente marcadas, o que
motivou uma senhora a seu lado a fazer-lhe perguntas. Buck respondeu de tal modo que ela
pô de perceber que ele nã o estava disposto a conversar. Nã o queria parecer rude, mas nã o
desejava,naverdade,confundiralguémemrazãodeseulimitadoconhecimento.
Osononã ofoimaisfá cilnaquelanoite,emboraeleserecusassea icarandandonoquarto.
Deveria ter um encontro pela manhã , do qual tinha sido aconselhado a manter-se afastado.
Bruce Barnes tinha sido convincente no sentido de que, se Nicolae Carpathia fosse o anticristo,
Buck corria o perigo de ser perturbado mentalmente, sofrer uma lavagem cerebral, ser
hipnotizado,oupior.
Ainda exausto, e enquanto tomava banho e se vestia na manhã de segunda-feira, Buck
concluiu que tinha percorrido um longo caminho desde o tempo em que achava que a religiã o
estava ultrapassada. Viu pessoas atordoadas e perplexas imaginando que seus entes queridos
haviamvoadoparaocé u,eagoraacreditavaquegrandepartedoqueestavaacontecendotinha
sidoprofetizadonaBı́blia.Elenã oestavamaissequestionandoouduvidando,disseasimesmo.
Nã o havia outra explicaçã o para as duas testemunhas em Jerusalé m. Nem para os
desaparecimentos.
E, por im, o mais intrigante de tudo — essa histó ria de urn anticristo que engana tanta
gente... bem, na mente de Buck já nã o havia o problema de saber se os fatos eram literais ou
verdadeiros.Estaeraumaetapavencida.Elejá haviaprogredidoosu icienteparatentarsaber
quemeraoanticristo:CarpathiaouStonagal.BuckaindaseinclinavaporStonagal.
Elepassouaalçadamaletaporcimadoombroefoitentadoapegarorevó lvernocriadomudo, poré m nã o o pegou, mesmo sabendo que nã o passaria por detectores de metal. De
qualquer modo, compreendia que este nã o era o tipo de proteçã o de que precisava. O
importanteparaeleeraprotegersuamenteeseuespírito.
Portodaaextensã odocaminhoaté aONU,elesentia-seangustiado.Oro? perguntava-se.
"Faço oração", como tantas daquelas pessoas izeram na manhã de ontem? Deveria fazer isso
apenas para proteger-me da feitiçaria ou do medo? Ele concluiu que tornar-se crente nã o
consistiaemusarurntalismã paraterboasorte.Issodesvalorizariaacrença.CertamenteDeus
nã oagiadessemodo.E,seBruceBarnespudessemerecercré dito,agora,duranteesteperı́odo,
os crentes nã o teriam mais proteçã o do que qualquer outra pessoa. Quantidades colossais de
pessoas deveriam morrer nos pró ximos sete anos, fossem ou nã o cristã s. A questã o era saber:
ondeestariamelasdepois?
Havia somente uma razã o para esta mudança, pensou Buck — se ele verdadeiramente
acreditasse que podia ser perdoado e passasse a fazer parte do povo de Deus. Deus tinha se
tornado mais do que uma força da natureza ou mesmo um operador de milagres para Buck,
como tinha sido naquela noite nos cé us de Israel. Aquilo o fez sentir que, se Deus criou as
pessoas,Eledesejariacomunicar-secomelas,ligar-seaelas.
Buck entrou na ONU, passando por um exé rcito de repó rteres já se instalando para a
entrevista à imprensa. Limusines descarregavam passageiros importantes, e multidõ es
esperavam atrá s das barreiras policiais. Buck viu Stanton Bailey num ajuntamento perto da
porta.
—Oqueosenhorestá fazendoaqui?—perguntouBuck,observandoqueemcincoanosno
SemanárioelenuncatinhavistoBaileyforadoedifício-sede.
— Apenas tirando vantagem de minha posiçã o para assistir à entrevista. Estou orgulhoso
porquevocê vaicomparecerà reuniã opreliminar.Estejacertodeselembrardecadadetalhe.
Obrigado por ter-me passado seu primeiro rascunho da maté ria sobre as teorias. Sei que você
tem uma boa parte ainda em preparo, mas o começo foi espetacular. A reportagem vai ser
premiada.
— Obrigado — disse Buck, e Bailey fez o gesto dos dois polegares para cima. Buck
imaginou que, se aquilo tivesse acontecido um mê s antes, ele teria de abafar o riso diante do
ultrapassado e idoso cavalheiro e teria dito a seus colegas que aquele homem para quem
trabalhava nã o passava de um idiota. Agora ele se sentia estranhamente lisonjeado pelo
incentivo.BaileynãotinhaamenoridéiadoqueBuckandavaplanejando.
Chloe Steele falou com seu pai sobre seu plano de procurar uma faculdade naquela
segunda-feira.
—Euestavapensando—disse—emencontrar-mecomHattieparaumalmoço.
—Penseiquevocênãotivesseinteresseporela—disseRayford.
— Nã o tenho, mas isso nã o é motivo para nã o procurá -la. Ela nem mesmo sabe o que
aconteceu comigo. Nã o está respondendo à s ligaçõ es que iz. Você tem alguma idé ia da
programaçãodevôosdela?
—Não,mastenhodechecaraminha.Vouverseelaestávoandohoje.
RayfordfoiinformadodequeHattienã oestavaescaladanaquelediaequehaviarequerido
umalicençade30dias.
—Issoé estranho—disseeleaChloe.—Talvezelaestejacomproblemasnafamı́liano
extremooeste.
— Talvez ela tenha apenas resolvido descansar um pouco -aventou Chloe. — Vou ligar
paraelamaistardeantesdesair.Oquevocêvaifazerhoje?
—PrometiaBrucequeiriaaté lá paraveraentrevistaà imprensadeCarpathiahojede
manhã.
—Aquehoravaiser?
—Dezhorasemnossohorário,imagino.
—Bem,seHattienãoestiverporpertoparaoalmoço,talvezeuváatélá.
—Dequalquermodo,ligueparanós,querida,eaguardaremosporvocê.
As credenciais de Buck estavam à disposiçã o dele numa mesa de informaçõ es no saguã o
da ONU. Ele foi levado a uma sala de conferê ncia privada, fora da suı́t e de escritó rios, onde
Nicolae Carpathia já tinha se instalado. Buck estava pelo menos 20 minutos adiantado, mas,
quandosaiudoelevador,sentiu-sesolitárionomeiodeumamultidão.Nãoconseguiureconhecer
ningué m quando começou o longo caminho por um corredor de vidro e aço que levava à sala
onde deveria se reunir a Steve, aos dez embaixadores designados representando os membros
permanentes do novo Conselho de Segurança, a vá rios assessores e conselheiros do novo
secretá rio-geral(incluindoRosenzweig,Stonagalediversosı́| outrosmembrosdesuaconfraria
internacionaldeperitosemfinanças)e,naturalmente,aopróprioCarpathia.
Buck sempre tinha sido ativo e con iante. Outros haviam notado seu progresso e
determinaçã o no cumprimento de suas tarefas. Agora seu modo de andar era vagaroso e
inseguro,e,acadapasso,seutemoraumentava.Asluzespareciamdiminuirdeintensidade,sua
pulsaçãoaumentava,eeletinhaummaupressentimento.
O medo sufocante lembrava-lhe Israel, quando acreditou que ia morrer. Estava ele
ameaçadodemorte?Elenãopodiaimaginarperigofísico,noentantoaspessoasquecruzaramo
caminho de Carpathia, ou o caminho dos planos de Stonagal para Carpathia, agora estavam
mortas.Seriaelemaisumna iladosopositoresaosplanosdeCarpathia,aqualseiniciaraanos
antesnaRomênia,passandoporDirkBurtoneAlanTompkinsatéchegaraEricMiller?
Nã o, ele sabia que nã o corria o risco de ser morto. Pelo menos nã o agora, nã o naquele
lugar. Quanto mais perto chegava da sala de conferê ncia, mais ele queria afastar-se dali por
sentirapresençadeumaforçamaligna,comoseelaestivessepersoni icadanaqueleambiente.
Quasesemrefletir,Buckseviuorandosilenciosamente—Deus,ficacomigo.Protege-me.
Mas ele nã o sentiu nenhum alı́vio. Ao contrá rio, seus pensamentos dirigidos a Deus
tornaram-nomaissensı́velà fortepresençadomal.Eleparouatrê smetrosdaportaabertae,
embora ouvisse risadas e brincadeiras, estava quase paralisado pela atmosfera pesada. Ele
queriaestaremqualquerlugar,menosali,e,noentanto,sabiaquenã opodiarecuar.Essaeraa
sala em que os novos lı́deres do mundo se congregavam. Qualquer pessoa sensata daria tudo
paraestarali.
Buckcompenetrou-sedequeoquerealmentequeriaerajá terestadolá .Eledesejouque
já tivesse terminado, que ele já tivesse visto a recepçã o e o breve discurso de posse ao novo
pessoal,equejáestivesseescrevendoareportagem.
Comospensamentosconfusos,elefezumesforçoparacaminharaté aporta.Novamente,
clamou a Deus, e sentiu-se um covarde — exatamente como todos os outros — orando na
trincheiradoinimigo.ElehaviaignoradoDeusamaiorpartedesuavida,e,agora,aosentiruma
angústiadevastadoraemsuaalma,via-sesimbolicamentedejoelhos.
Entretanto, ele nã o pertencia a Deus. Ainda nã o. Estava consciente disso. Deus havia
respondido à oraçã o de Chloe quando ela pediu um sinal antes mesmo de tomar uma decisã o
espiritual.PorquenãopodiaEleresponderaoapelodeBuckdesejosodeserenidadeepaz?
BucknãosaiudolugaratéomomentoemqueStevePlanknotousuapresençaalifora.
—Buck!Estamosquaseprontosparacomeçar.Entre.
MasBucksentia-sehorrível,empânico.
—Steve,precisoiraobanheiro.Tenhoumminuto?Steveolhouparaorelógio.
—Dou-lhecincominutos—disseele.—E,quandovocêvoltar,ficaránaquelelugar.
Steve indicou uma cadeira a um canto de um quadrilá tero de mesas justapostas. O
jornalista que havia em Buck gostou do lugar. O ponto estraté gico perfeito. Seus olhos
moveram-serapidamente,abrangendotodooambienteedetendo-senasplacasindicadorasdos
nomes colocadas em cada lugar. Ele icaria de frente para a mesa principal, onde Carpathia
tinha se colocado ao lado de Stonagal... ou Stonagal seria o titular daquela posiçã o? Perto de
Carpathia, do outro lado, estava uma placa manuscrita à s pressas com o tı́t ulo "Assistente
Pessoal".
—Évocê?—perguntouBuck.
—Não—disseSteve,apontandoparaumcantoopostoaodacadeiradeBuck.
—Todd-Cothranestáaqui?—perguntouBuck.
—Lógico.Bemali,deternocinza-claro.
O britâ nico parecia bastante insigni icante. Um pouco mais adiante, estavam tanto
Stonagal, em costume cinza-escuro, como Carpathia, perfeito em seu terno preto, camisa
branca,gravataazul-celeste,combotãodeouropoucoabaixodonó.Buckestremeceuaovê-lo,
masCarpathialançou-lheumsorrisoeacenou-lhe.Buckfezosinaldequevoltariaemseguida.
—Agoravocêtemsomentequatrominutos—disseSteve.-Apresse-se.
Buck pô s sua maleta num canto perto de um guarda de segurança musculoso e grisalho,
acenouparaseuvelhoamigoChaimRosenzweigedeuumacorridaaté obanheiro.Elepô spara
fora da cabina um balde do faxineiro e fechou a porta. Buck apoiou suas costas contra a porta,
en iou as mã os nos bolsos e inclinou o queixo até tocar o peito, lembrando-se do conselho de
BrucedequepodiafalarcomDeusdomesmomodocomosefalacomumamigo."Deus",disse,
"precisodeti,enãoapenasnestareunião".
Eleoravacomfé.Aoraçãonãoeranenhumensaioouumatentativasememoção.Elenão
estavatão-somenteesperandooutentandofazerumteste.Bucksabiaqueestavafalandocomo
pró prioDeus.AdmitiusuanecessidadedeDeus,quesabiaqueestavaperdidoeeraumpecador
como qualquer outro. Buck nã o fez especi icamente a oraçã o que tinha ouvido de outros, mas,
quandoterminou,tinhaabrangidoosmesmospontos,ealigaçã ocomDeusestavafeita.Elenã o
era do tipo que se lança a qualquer coisa timidamente. Uma vez comprometido com algo, ele
sabiaquenãohaviaretorno.
Buck voltou em seguida para a sala de conferê ncia, mais depressa dessa vez, mas
estranhamentesemganharmaiscon iança.Elenã otinhaoradoporcoragemoupazdessavez.
Aquelaoraçãotinhasidoporsuaalma.Elenãosabiaoqueiasentir,masquerialivrar-sedaquela
contínuasensaçãodepavor.
Entretanto, ele nã o hesitou. Quando entrou na sala, todos estavam em seus lugares —
Carpathia, Stonagal, Todd-Cothran, Rosenzweig, Steve e os poderosos das inanças e
embaixadores.Eumapessoaquenuncaesperavaverali-HattieDurham.Eleolhavaaturdidoao
vê -la ocupando o lugar de assistente pessoal de Nicolae Carpathia. Hattie piscou para ele, mas
Buck nã o lhe retribuiu. Ele foi atrá s de sua maleta, fez um gesto de agradecimento ao guarda
armadoelevouunicamenteumcadernodeapontamentosparasuamesa.
Emboranã opercebessenenhumsentimentoespecialapó ssuadecisã oespiritual,eletinha
uma forte sensaçã o de que alguma coisa estava por acontecer ali. Nã o havia dú vida em sua
mente de que o anticristo da Bı́blia estava naquela sala. E, a despeito de tudo o que sabia de
Stonagal e de suas maquinaçõ es na Inglaterra, e a despeito do mal-estar que se apossava dele
enquanto observava sua presunçã o, Buck divisou o mais verdadeiro, o mais profundo, o mais
escuro espı́rito do mal ao ver Carpathia tomar seu lugar. Nicolae esperou até que todos
tomassemassentoe,emseguida,ergueu-secomsuapseudodignidade.
— Senhores... e senhorita — iniciou ele — este é um momento importante. Em poucos
minutos, vamos acolher os representantes da imprensa e apresentar-lhes aqueles dentre os
senhoresqueestã oincumbidosdelideraranovaordemmundialnestafasedouradadaHistó ria.
Aaldeiaglobaltorna-seunida,etemosdiantedenó samaiordastarefaseamaioroportunidade
jamaisconcedidaaogênerohumano.
CAPÍTULO25
NICOLAE Carpathia deixou seu lugar à mesa e cumprimentou os presentes
individualmente. Mencionou o nome de cada um pedindo que se levantasse, apertando-lhe a
mã o e beijando-o em ambas as faces. Ele omitiu Hattie e dirigiu-se ao novo embaixador
britânico.
—Sr.Todd-Cothran—disseele-,osenhorestá sendoapresentadocomoembaixadordos
GrandesEstadosBritâ nicos,quecompreendemagoraaEuropaOcidentaleOriental.Convido-o
aintegraraequipeecon iro-lhetodososdireitoseprivilé giosinerentesaseunovocargo.Queo
senhor possa demonstrar-me e à queles em seu ofı́c io a irmeza e sabedoria que o trouxeram a
estaposição.
— Obrigado, senhor — disse Todd-Cothran, sentando-se enquanto Carpathia dirigia-se à
mesa seguinte. Todd-Cothran parecia atô nito, como pareceram os outros presentes, quando
Nicolaerepetiuasmesmaspalavras,inclusiveprecisamenteomesmotı́t ulo—embaixadordos
GrandesEstadosBritâ nicos—ao inancistainglê ssentadoaseulado.Todd-Cothransorriucom
indulgê ncia. Obviamente, Carpathia tinha meramente cometido uma falha e deveria ter-se
referidoaohomemcomoseuconsultor inanceiro.Até entã o,BucknuncatinhavistoCarpathia
cometertaldeslize.
Aoredordoquadriláterodemesasjustapostas,Carpathiarepetiuomesmoato,indodeum
em um, dizendo exatamente as mesmas palavras a cada embaixador, variando um pouco
apenasaocitaronomeetı́t ulocorrespondentes.Aspalavrasmudavamligeiramentequandose
referiaaseusassistenteseconselheiros.
Quando Carpathia aproximou-se de Buck, pareceu hesitante. Buck foi pego de surpresa,
como se estivesse em dú vida se seria incluı́do naquela sé rie de apresentaçõ es. Um sorriso
amistoso de Carpathia sugeriu que se levantasse. Buck icou um tanto desnorteado, tentando
segurar a caneta e o bloco com uma das mã os ao mesmo tempo que estendia a outra para o
dramá tico Carpathia. O aperto de mã o de Carpathia foi irme e forte e persistiu enquanto
proferia sua ladainha. Olhou diretamente nos olhos de Buck e falou com tranqü ila e segura
autoridade.
— Sr. Williams — disse -, convido-o a integrar a equipe e con iro-lhe todos os direitos e
privilégiosinerentesaseunovocargo...
Oquesigni icavaaquilo?Nã oeraoqueBuckesperava,masfoicategó ricoelisonjeiro.Ele
nã o fazia parte de equipe alguma, nem direitos ou privilé gios deveriam ser conferidos a ele!
Balançou a cabeça levemente, indicando que Carpathia estava novamente confuso, que havia
tomadoBuckporoutrapessoa.MasNicolaefezumlevemovimentocomacabeçaeabriumais
osorriso,olhandofundonosolhosdeBuck.Elesabiaoqueestavafazendo.
—Queosenhorpossademonstrar-meeà quelesemseuofı́c ioa irmezaesabedoriaqueo
trouxeramaestaposição.
Buckdesejouempertigar-se,agradeceraseumentor,seulı́der,opropiciadordessahonra.
Mas nã o! Isso nã o estava certo! Ele nã o trabalhava para Carpathia. Era um jornalista
independente, nã o um simpatizante, nã o um seguidor, e muito menos um empregado. Seu
espíritoresistiuàtentaçãodedizer
"Obrigado, senhor", como todos os demais izeram. Ele sentia e lia os olhos daquele
homem possuı́do da sanha do mal, o que o impediu de apontar para ele e acusá -lo de ser o
anticristo.QuasepodiaouvirsuavozgritandoessaacusaçãoaCarpathia.
Carpathia ainda olhava ixo, ainda sorria, ainda apertava sua mã o. Depois de um
desconfortávelsilêncio,Buckouviurisadas,eCarpathiadisse:
—Osenhorémuitíssimobem-vindo,meuamigotímidoesemfala.
Todos riram e aplaudiram quando Carpathia o beijou, mas Buck nã o sorriu. Nem mesmo
agradeceuaosecretário-geral.Sentiuumgostoamargonaboca.
Enquanto Carpathia prosseguia as apresentaçõ es, Buck teve noçã o do quanto suportou
aquele momento. Se ele nã o pertencesse a Deus, teria sido apanhado na teia daquele homem
enganador.Elepodiaveraexpressã oestampadanosrostosdosdemais.Sentiam-sehonradosao
extremo ao ser guindados à escala do poder e da con iança, entre eles o pró prio Chaim
Rosenzweig.Hattiepareciaderreter-senapresençadeCarpathia.
BruceBarneslhehaviarogadoquenãoparticipassedesseencontro,eagoraBucksabiapor
quê .Setivesseentradoalidespreparado,seBruceeChloe—eprovavelmenteocapitã oSteele
— nã o tivessem orado por ele, talvez Buck nã o tivesse se decidido por Cristo a tempo de
conseguirreunirforçaspararesistiraoengododeaceitarumaposiçãodepoder.
Carpathiaterminouessapartedacerimô niacomSteve,quetransbordavadeorgulho.Em
seguida, cumprimentou todos os convidados na sala, exceto o guarda de segurança, Hattie e
JonathanStonagal.Retornouasuamesaevoltou-seprimeiroparaHattie.
— Srta. Durham — disse ele, tomando ambas as mã os dela nas suas -, a senhorita está
sendo apresentada como minha assistente pessoal, depois de ter renunciado a uma carreira
brilhante numa companhia de aviaçã o. Convido-a a integrar a equipe e con iro-lhe todos os
direitoseprivilé giosinerentesaseunovocargo.Queasenhoritapossademonstrar-meeà queles
emseuofícioafirmezaesabedoriaqueatrouxeramaestaposição.
Buck tentou cruzar olhares com Hattie e balançar negativamente a cabeça, mas ela
estava concentrada em seu novo chefe. A culpa seria de Buck? Ele a havia apresentado a
Carpathialogonoinı́c io.Haveriapossibilidadedeacessoaela?Buckpassouosolhosaoredorda
sala.TodossorriramextasiadosquandoHattiesussurrouseussincerosagradecimentosevoltou
asentar-se.
Carpathia virou-se dramaticamente para Jonathan Stonagal. Este exibiu um sorriso
estudadoelevantou-semajestosamente.
—Porondecomeçar,meuamigoJonathan?—disse-lheCarpathia.
Stonagalbaixouacabeçaemsinaldeagradecimento,eosoutrosmurmuraramquaseem
unı́ssonoqueeste,semdú vida,eraohomemmaisimportantedasala.Carpathiatomouamã o
deStonagalecomeçouformalmente:
— Sr. Stonagal, o senhor signi ica para mim mais do que qualquer pessoa na terra. —
Stonagalaprumouacabeçaesorriu,olhando-seambosatentamente.—Convido-oaintegrara
equipe — prosseguiu Carpathia — e con iro-lhe todos os direitos e privilé gios inerentes a seu
novocargo.
Stonagalvacilou,demonstrandoclaramentequenã otinhainteresseemtornar-separteda
equipe, ser recebido pelo pró prio homem que manobrara para colocar na presidê ncia da
Romê nia e agora para ser o secretá rio-geral da ONU. Seu sorriso congelou e, depois,
desapareceuquandoCarpathiacontinuou:
—Queosenhorpossademonstrar-meeà quelesemseuofı́c ioa irmezaesabedoriaqueo
trouxeramaestaposição.
Em lugar de aceitar a honraria e agradecer a Carpathia, Stonagal recolheu sua mã o e
olhouagressivamenteparaojovemlíder.Carpathiacontinuoucomosolhosfixosnosdeleefalou
emtommaisbrandoeamistoso:
—Sr.Stonagal,podesentar-se.
—Não!—replicouStonagal.
— Tomei a liberdade de fazer uma pequena brincadeira com o senhor porque sei que
compreenderia.
Stonagalficouvermelho,nitidamentedesapontadoporter-seexcedido.
—Peço-lhedesculpas,Nicolae—disseelepor im,forçandoumsorriso,masclaramente
insultadoporver-seforçadoaseexpordaquelaforma.
— Por favor, meu amigo — solicitou Carpathia. — Por favor, sente-se. Senhores e
senhorita,temossomenteunspoucosminutosantesdaentrevistacomamídia.
OsolhosdeBuckcontinuavampregadosemStonagal,quepareciaagitado,espumandode
raiva.
—Gostariadeapresentaratodosumapequenaliçã oprá ticadeliderança,partidarismoe,
possodizer,cadeiadecomando.Sr.ScottM.Otterness,poderiaviratéaqui,porfavor?
O guarda de segurança, postado num dos cantos da sala, caminhou apressadamente,
revelandosurpresa,eapresentou-seaCarpathia.
— Uma das minhas té cnicas de liderança é meu poder de observaçã o, combinado com
umamemóriaprodigiosa—disseCarpathia.
BuckcontinuavadeolhospregadosemStonagal,quepareciaestararquitetandoumatode
desagravoportersidoridicularizado.Elepareciaprontoparalevantar-seaqualquermomentoe
colocarCarpathiaemseudevidolugar.
—OSr.Otternessestásurpresoporquenãofomosapresentados,fomos,senhor?
—Não,Sr.Carpathia,nãofomos.
—E,apesardisso,eusabiaseunome.
Oidosoguardasorriuemeneouacabeça.
— Sei també m qual é o nome do fabricante, modelo e calibre da arma que o senhor
carrega em seu coldre. Nã o vou icar olhando enquanto o senhor exibe sua arma a todos os
presentes.
Buck viu horrorizado quando o Sr. Otterness desabotoou a tira de couro que prendia o
enormerevó lvernocoldre.Elesacouaarmaelevantou-acomambasasmã os,mostrando-aa
todos os circunstantes, exceto Carpathia, que havia desviado o rosto para o lado contrá rio.
Stonagal,aindacomorostoavermelhado,pareciaofegante.
— Notei que o senhor está portando urn revó lver especial da polı́c ia, calibre 38, com um
tambordedezcentímetros,carregadodebalasdealtavelocidadeecartuchocôncavo.
—Osenhorestácerto—disseOtternessalegremente.
—Possosegurá-lo,porfavor?
—Certamente,senhor.
—Obrigado.PoderetornaraseupostoecontinueavigiaramaletadoSr.Williams,aqual
contémumgravador,umtelefonecelulareumlaptop.Estoucerto,Cameron?
Buck olhou-o ixamente, recusando-se a responder. Ele ouviu Stonagal rosnar qualquer
coisasobre"brincadeiradeadivinhaçã o".CarpathiacontinuouolhandoparaBuck.Nenhumdeles
falou.
— O que signi ica isto? — murmurou Stonagal. — Você está -se portando como uma
criança.
—Gostariadedizeroqueossenhoresestã oprestesaver-disseCarpathia,eBucksentiu
novamente a presença de uma onda do mal na sala. Ele queria mais do que nunca livrar-se do
arrepio em seus braços e sair correndo para salvar sua vida. Mas ele estava congelado na
cadeira.Osoutrospareciampasmosmasnãoperturbados,comoestavameleeStonagal.
—VoupediraoSr.Stonagalqueselevantemaisumavez-disseCarpathia,tendoagrande
eassustadoraarmaaseulado.—Jonathan,queiralevantar-se.
Stonagalpermaneceusentadoolhandofixamenteparaele.Carpathiasorriu.
—Jonathan,você sabequepodecon iaremmim.Gostodevocê portudooquetemsido
para mim e, humildemente, peço que me ajude nesta demonstraçã o. Vejo parte de minha
funçãocomoadeumprofessor.Vocêmesmodisseissoetemsidomeuprofessorporanos.
Stonagalergueu-se,precavidoeempertigado.
—Eagoravoupedir-lhequetroquemosdelugar.Stonagalpraguejou.
—Oquesignificaisto?—interpelouele.
—Tudoficarámuitoclarorapidamente,enãovoumaisprecisardesuaajuda.
Para os outros, Buck deduziu, aparentemente Carpathia queria dizer que nã o precisaria
mais da ajuda de Stonagal para a demonstraçã o que faria a seguir. Pelo fato de Carpathia ter
mandado o guarda desarmado de volta ao seu posto, todos imaginariam que ele agradeceria a
Stonagal,permitindoemseguidaqueeleretornasseaseulugar.
Stonagal, visivelmente contrariado e franzindo a testa, trocou de lugar com Carpathia.
IstocolocavaCarpathiaà direitadeStonagal.AesquerdadeStonagal,estavaHattie,e,logoa
seguir,oSr.Todd-Cothran.
—Eagorapeço-lhequeseajoelhe,Jonathan—disseCarpathia,comosemblantesé rioe
tom de voz á spero. Para Buck, parecia que todos os presentes tomaram fô lego e pararam de
respirar.
—Nãovoufazerisso—disseStonagal.
—Sim,vocêvai—disseCarpathia,polidamasautoritariamente.—Ajoelhe-se.
— Nã o, de jeito nenhum. Você perdeu a cabeça? Nã o vou ser humilhado. Se você pensa
quegalgouumaposiçãosuperioràminha,estáenganado.
Carpathialevantouorevó lver38,destravouogatilhoeencostouocanonoouvidodireito
deStonagal.Ohomemnumrepenteafastouacabeça,masCarpathiadisse:
—Mova-seoutravezeserá umhomemmorto.Vá riosentreospresentesselevantaram,
inclusiveRosenzweig,queclamavaentreagoniadoelamentoso.
—Nicolae!
—Sentem-setodos,porfavor—disseCarpathia,voltandoaoseutomcalmo.—Jonathan,
ponha-sedejoelhos.
Penosamente,ohomemcurvou-se,usandocomoapoioacadeiradeHattie.Elenã o icou
de frente para Carpathia nem olhou para ele. A arma continuava encostada em seu ouvido.
Hattieestavapálidaeestática.
— Minha cara — disse Carpathia, inclinando-se em direçã o a ela por sobre a cabeça de
Stonagal-,queira,porfavor,afastarsuacadeiraummetroatrás,afimdenãosujarsuaroupa.
Elanãosemoveu.Stonagalcomeçouasoluçar.
—Nicolae,porquevocêestáfazendoisso?Souseuamigo!Nãosounenhumaameaça!
— Implorar nã o combina com você , Jonathan. Por favor, ique em silê ncio. Hattie —
continuouele, ixando-seagoradiretamentenosolhosdela-,levante-seeempurresuacadeira
para trá s e ique sentada. Cabelo, pele, pedaços do crâ nio e resı́duos do cé rebro atingirã o o Sr.
Todd-Cothraneoutrosqueestejamperto.Nãoqueroquenadaatinjavocê.
Hattie empurrou sua cadeira para trá s. Seus dedos tremiam. Stonagal implorava
angustiado:
—Não,Nicolae,não!Carpathianãotinhapressa.
—VoumataroSr.Stonagalcomumtiroindoloremseucé rebro,queelenã oouvirá nem
sentirá . Os senhores ouvirã o um som de campainha. Isto será uma advertê ncia para todos. Os
senhores icarã o cientes de que estou no comando, que nã o tenho medo de ningué m e que
ninguémpodeseoporamim.
OSr.Otternesslevouamã oà testa,comosetivesseumavertigem,ecaiusobreurndos
joelhos. Buck pensou na hipó t ese de dar um pulo suicida por sobre a mesa e alcançar a arma,
mas sabia que outros poderiam morrer nesse gesto tresloucado. Ele olhou para Steve, que
estava sentado imó vel como os demais. O Sr. Todd-Cothran fechou os olhos e contorceu os
músculosdorosto,comoseestivesseesperandooestampidoaqualquerinstante.
—QuandooSr.Stonagalestivermorto,voudizer-lhesoquedevemlembrar.E,seacaso
algué macharquenã oestousendojusto,devoacrescentarquenã oserã osó respingosdesangue
que atingirã o a roupa do Sr. Todd-Cothran. Uma bala de alta velocidade a esta distâ ncia
també momatará ,oque,comoosenhorsabe,Sr.Williams,é algoquelheprometiquetrataria
nodevidotempo.
Todd-Cothran abriu os olhos ao ouvir esta notı́c ia, e Buck gritou interiormente "Nã o!"
quando Carpathia puxou o gatilho. A explosã o ribombou por toda a sala, estremecendo até a
porta e as janelas. A cabeça de Stonagal icou despedaçada, e o impacto atingiu mortalmente
Todd-Cothran,caindoambosdebruçosaochão.
Vá riascadeirastombaramenquantoseusocupantescobriamacabeçahorrorizados.Buck
olhava desatinado, a boca aberta, enquanto Carpathia friamente punha o revó lver na mã o
direitadeStonagal,tendoocuidadodecolocarodedoindicadordomortoemvoltadogatilho.
Hattie tiritava em sua cadeira e tentou emitir um grito que icou entalado na garganta.
Carpathiaassumiuatribunanovamente.
— O que acabamos de testemunhar aqui — disse ele paternalmente, como se estivesse
falando a crianças — foi um inal horrendo e trá gico de duas vidas antes prodigiosamente
produtivas.Esteshomensforamdoisdosquerespeiteieadmireimaisdoquequaisqueroutrosno
mundo.OquecompeliuoSr.Stonagalacorreraté oguarda,tirar-lheaarma,atentarcontraa
própriavidaeadeseucolegabritânico,nãoseiejamaisentendereicompletamente.
Buck lutava consigo mesmo para manter-se lú c ido, para manter a mente clara — como
seu chefe lhe tinha dito ao se encontrarem na entrada do pré dio — "lembrar-se de cada
detalhe".
Carpathiacontinuou,comosolhoslacrimejantes.
— Tudo o que posso dizer-lhes é que Jonathan Stonagal me disse hoje, durante o café da
manhã , que se sentia pessoalmente responsá vel por duas recentes mortes violentas na
Inglaterra e que nã o mais conseguia conviver com essa culpa. Honestamente, pensei que ele
estivesse prestes a tornar-se uma das autoridades internacionais ainda hoje. Mas como ele
renunciouaestapossibilidade,é meudeversubstituı́- lo.Nã otenhoidé iadecomoeleconspirou
comoSr.Todd-Cothran,ocasionandoaquelasmortesnaInglaterra.Mas,seelefoiresponsá vel,
lamentavelmente,fez-sejustiçahojenestacasa.
— Estamos todos horrorizados e traumatizados por testemunhar esta cena. E quem nã o
estaria? Meu primeiro ato como secretá rio-geral será fechar a ONU pelo restante deste dia,
manifestarpublicamentenossopesareagradecereabençoarasvidasdestesdoisvelhosamigos.
Con ioqueossenhoresserã ocapazesdesuportarestanefastaocorrê ncia,equeistonã ovenha
jamaisaobstruiracapacidadedecadaumdedesempenharacontentosuasfunçõesestatégicas.
Obrigado,cavalheiros.EnquantoaSrta.Durhamtelefonaparaasegurança,voufazerumrá pido
levantamentodasopiniõessobreoquesucedeunestasala.
Hattiecorreuaotelefoneemalpodiafazer-secompreendidaporcausadesuahisteria.
—Venhadepressa!Houveumsuicídio,edoishomensestãomortos!Foihorrível.Corra!
—Sr.Plank?—disseCarpathiaeesperousuaversão.
— Foi inacreditá vel — disse Steve, e Buck sabia que ele estava profundamente sé rio. —
QuandooSr.Stonagalempunhouorevólver,penseiqueelenosmatariaatodos!
CarpathiaquisouviroembaixadordosEstadosUnidos.
— Puxa, eu conhecia Jonathan há anos — disse. — Quem podia imaginar que ele izesse
umacoisadessa?
— Estou muito contente de ver que o senhor está bem, Sr. Secretá rio-Geral — disse
ChaimRosenzweig.
— Eu nã o estou bem — disse Carpathia. — E nã o estarei por muito tempo. A inal, eram
meusamigos!
Eassimfoieleinquirindoospresentessobreopontodevistadecadaum.OcorpodeBuck
parecia de chumbo, sabendo que Carpathia poderia eventualmente querer ouvi-lo, ele que era
justamente o ú nico naquela sala que nã o estava sob o poder hipnó t ico de Nicolae. Mas o que
aconteceria se ele dissesse o que viu? Seria o pró ximo assassinado? Claro que seria! E tinha de
ser.Podiamentir?Deviamentir?
Ele orou desesperadamente enquanto Carpathia ia de mesa em mesa, certi icando-se de
que todos tinham visto o que ele desejava que tivesse acontecido e que todos estivessem
sinceramenteconvictosdisso.
Silêncio,eraoqueDeusinculcavanocoraçãodeBuck.Nenhumapalavra!
Buck estava tã o agradecido por sentir a presença de Deus no meio dessa malignidade e
violê ncia que chegou à s lá grimas. Quando Carpathia aproximou-se, as faces de Buck estavam
banhadas de lá grimas, e ele nã o conseguia dizer uma só palavra. Apenas sacudiu a cabeça e
ergueuamão.
—Terrível,nãofoi,Cameron?OsuicídioquelevoutambémoSr.Todd-Cothrancomele?
Bucknãopodiafalare,sepudesse,nãoofaria.
— Você os apreciava e os respeitava, Cameron, porque nã o estava ciente de que eles
tentarammatá-loemLondres.
Carpathiachegouaoguardadesegurança.
—Porquevocê nã oevitouqueeletomasseseurevó lver,Scott?Ovelhopolicialergueuse.
— Aconteceu tã o depressa! Eu sabia quem ele era, um homem importante e rico, e,
quando ele correu em minha direçã o, nã o sabia o que queria. Ele abriu o coldre e puxou o
revólverantesqueeupudessereagir,e,logoemseguida,sematou.
—Sim,sim—disseCarpathia,enquantoaequipedesegurançadoedifícioentravanasala.
Todosfalavamaomesmotempo.Carpathiaseretirouaumcanto,soluçandoemsinaldepesar
pelaperdadeseusamigos.
Umpolicialàpaisanafaziaperguntas.Buckdesvencilhou-sedele.
—Osenhortemumnú m erosu icientedetestemunhasaqui.Permita-medeixar-lhemeu
cartão.Seosenhorprecisardemim,telefone-me.
Opolicialtrocoucartãocomele,eBucktevepermissãopararetirar-se.
Buck agarrou sua maleta e correu para pegar um tá xi, apressando-se em direçã o ao
escritó rio.Elesefechouemsuasalaecomeçoufuriosamenteadigitarcadadetalhedahistó ria.
Já havia preenchido vá rias pá ginas quando recebeu um telefonema de Stanton Bailey. O velho
chefe mal podia respirar entre uma pergunta e outra, nã o dando oportunidade a Buck de
responder.
— Por onde você andou? Por que nã o estava na entrevista à imprensa? Você viu quando
Stonagalsematouelevouobritâ nicocomele?Você deviatercomparecido.Suapresençaseria
uma questã o de prestı́gio para nó s. Como você vai convencer algué m de que estava lá , se nã o
apareceunaentrevistacoletivaàimprensa.Cameron,oquesepassacomvocê?
—Vimdepressaparacáparaincluirareportagemnosistema.
—Você nã otemumaentrevistaexclusivacomCarpathiaagora?Bucktinhaesquecido,e
Plank nã o con irmara. O que devia ele fazer neste caso? Ele orou, mas nã o sentiu nenhuma
orientação.ComoprecisavafalarcomBruceouChloeoumesmocomocapitãoSteele!
—VoutelefonarparaSteve—disseele.
Buck sabia que nã o podia esperar muito tempo para fazer a ligaçã o, mas estava
desesperado sem saber o que fazer. Deveria ele permitir-se icar numa sala sozinho com
Carpathia?E,seofizesse,deveriafingirestarsobocontroledamentedelecomotodososoutros
pareciamestar?Seelenã otivessevistoaquilocomospró priosolhos,nã oacreditaria.Seriaele
semprecapazderesistiratalinfluênciasemaajudadeDeus?Elenãosabia.
EleligouparaopagerdeSteve,earespostaveiodoisminutosdepois.
—Estoumuitoocupado,Buck.Oquehádenovo?
—EuqueriasaberseaindatenhoaquelaentrevistaexclusivacomCarpathia.
—Vocêestábrincando,certo?Vocêouviuoqueaconteceuantesdaentrevistaàimprensa
eaindaquerumaexclusiva?
—Ouvi?Euestiveaí,Steve.
— Bem, se você esteve aqui, entã o provavelmente sabe o que aconteceu antes da
entrevistaàimprensa.
—Steve!Viissocommeusprópriosolhos.
—Você nã oestá meentendendo,Buck.Estoudizendoque,sevocê estivesseaquiparaa
entrevistaà imprensa,teriaouvidosobreosuicı́diodeStonagalnoencontropreliminar,aquele
emquevocêdeveriaestar.
Bucknãosabiaoquedizer.
—Vocêmeviulá,Steve.
—Nemmesmovivocênaentrevistaàimprensa.
— Nã o estive na entrevista à imprensa, Steve, mas estava na sala quando Stonagal e
Todd-Cothranmorreram.
— Nã o tenho tempo para isto, Buck. Nã o estou brincando. Você devia estar lá , e nã o
esteve.Lamentoisso,Carpathiaestáofendido,enãohaveránenhumaentrevistaexclusiva.
—Tenhoascredenciais!Euasapresenteiláembaixo!
—Entãoporquenãoasusou?
—Usei!
StevebateuotelefonenacaradeBuck.Margeavisoupelointerfonequeochefeestavana
linhadenovo.
—Oquehouvecomvocêquenemmesmofoiàqueleencontro?—perguntouBailey.
—Estivelá!Osenhormeviuentrando!
— Sim, eu vi. Você estava por lá . O que você fez? Achou alguma coisa mais importante
parafazer?Envolveu-seemalgumaconversafiada,Cameron?
—Estou-lhedizendoqueestivelá!Voumostrar-lheminhascredenciais.
—Acabodeverificaralistadecredenciais,evocênãoaparecenalista.
—Claroqueestounalista.Voumostrarminhascredenciaisaosenhor.
—Seunomeestálá,estoudizendo,masnãofoiregistradasuapresença.
—Sr.Bailey,estouolhandoagoraparaminhascredenciais.Elasestãoemminhasmãos.
— Suas credenciais nã o signi icam coisa alguma se você nã o as usar, Cameron. Agora,
ondevocêestava?
—Leiaminhamatéria—disseBuck.—Osenhorsaberáexatamenteondeeuestava.
— Acabo de falar com trê s ou quatro pessoas queestiveram lá , incluindo um guarda da
ONU e a assistente pessoal de Carpathia, sem mencionar Plank. Nenhum deles viu você ; você
nãoestevelá.
—Umpolicialmeviu!Nóstrocamoscartões!
— Estou voltando ao escritó rio, Williams. Se você nã o estiver aı́ quando eu chegar, está
despedido.
—Estareiaqui.
Bucktiroudobolsoocartãodopolicialeligouparaonúmerodotelefone.
—DistritoPolicial—disseumavoz.Buckleuonomenocartão:
—DetetivesargentoBillyCenni,porfavor.
—Queirarepetironome.
—Cenni,outalvezapronúnciasejaKenny.
—Nã oreconheçoessenome.Você ligouparaodistritocerto?Buckrepetiuonú m eroque
constavanocartão.
—Onúmeroestácerto,masessapessoanãotrabalhaaqui.
—Comoeupoderialocalizá-la?
—Estouocupado,companheiro.Telefoneparaoutraseçãodacidade.
—Éimportante.Vocênãotemumalistatelefônicadodepartamento?
—Ouça,temosmilharesdepoliciais.
—ApenasprocureC-E-N-N-Iparamim,podeser?
—Espereumminuto.
Oatendentevoltoulogoemseguida.
—Nada,ouviu?
—Elepoderiasernovoaí?
—Elepoderiasersuairmãpeloquesei.
—Paraondepossoligar?
EledeuaBuckonú m erodasededapolı́c ia.Buckrepetiuamesmaconversa,mas,desta
vez,tinhacontatadoumajovematenciosa.
—Vouchecarmaisumacoisaparaosenhor—disseela.-Vouligarparaodepartamento
do pessoal porque em geral eles nã o dã o informaçõ es, a menos que você seja um o icial
uniformizado.
Eleouviaenquantoelasoletravaonomeparaodepartamentodopessoal.
—Hã -hã -ã -ã -hã —disseela.—Muitobem.Voupassarestainformaçã oaele.Senhor?O
departamento do pessoal diz que nã o há ningué m no Departamento Policial de Nova York
chamadoCenni,enuncahouve.Sealgué mestiverfalsi icandocartã odapolı́c ia,elesgostariam
deapanhá-lo.
TudooqueBuckpodiafazeragoraeratentarconvencerStantonBailey.
RayfordSteele,ChloeeBruceBarnesassistiamà entrevistaà imprensanaONU,atentos,
procurandolocalizarBuck.
—Ondeestá ele?—perguntouChloe.—Eletemdeestaremalgumlugar.Todoopessoal
doencontropreliminarestálá.Queméajovem?
Rayfordlevantou-selogoqueaviuesilenciosamenteapontouparaatela.
—Papai—disseChloe.—Vocênãoestápensandooqueestoupensando?
—Claro,parece-semuitocomela—disseRayford.
—Psiu—fezBruce-,eleestáapresentandoumporum.
"Eminhanovaassistentepessoal,depoisdeterrenunciadoaumacarreirabrilhantenuma
companhiadeaviação..."Rayforddeixou-secairpesadamentenumacadeira.
—EsperoqueBucknãoestejaportrásdisso.
— Eu també m — disse Bruce. — Isso signi icaria que ele poderia ter sido envolvido
também.
A notı́c ia do suicı́dio de Stonagal e a morte acidental de Todd-Cothran deixaram os trê s
atordoados.
— Talvez Buck tenha aceito meu conselho e nã o compareceu — disse Bruce. —
Sinceramente,esperoquesim.
—Nãopareceserdofeitiodele—disseChloe.
—Não,nãoparece—disseRayford.
— Eu sei — disse Bruce -, mas pre iro esperar. Nã o quero descobrir que ele aderiu à
perfı́dia, à traiçã o. Quem sabe o que aconteceu por lá , e ele dependendo somente de nossas
orações?
—Gostariadepensarqueistoseriasuficiente—disseChloe.
—Não—disseBruce.—EleprecisavadaproteçãodiretadopróprioDeus.
Quando Stanton Bailey entrou atropeladamente na sala de Buck, uma hora depois, Buck
percebeu que estava diante de uma força com a qual nã o podia competir. O registro de sua
participaçã o no encontro preliminar tinha sido apagado, tanto quanto da memó ria de cada
participante. Ele sabia que Steve nã o estava ingindo. Ele acreditava honestamente que Buck
nã otinhaestadolá .OpoderqueCarpathiaexerciasobreaquelaspessoasnã oconhecialimites.
Se Buck tinha necessidade de alguma prova de que sua fé foi real e que Deus estava agora em
sua vida, ele a teve. Se ele nã o houvesse recebido Cristo antes de entrar naquela sala, com
certezaseriaapenasmaisumdentreosfantochesdeCarpathia.
Bailey nã o estava com disposiçã o de discutir, por isso Buck deixou que o velho homem
falasse,semtentardefender-se.
— Nã o quero ouvir mais nada sobre esse absurdo da sua presença naquele encontro. Sei
quevocê estevenoedifı́c ioevisuascredenciais,masvocê sabeeeuseietodososqueestavam
lá sabemquevocê nã ocompareceu.Nã oseioqueachouqueseriamaisimportante,masvocê
estavaerrado.Istoéinaceitáveleimperdoável,Cameron.Nãopossotervocêcomomeueditorexecutivo.
—Comprazervoltareiaserredator—disseBuck.
— Você nã o pode assumir essa funçã o tampouco, camarada Quero você fora de Nova
York.Voucolocá-lonasucursaldeChicago.
—Ficareifelizemdirigiraquelasucursalparaosenhor.Baileybalançouacabeça.
—Você nã ovaiquererisso,vai,Cameron?Nã ocon ioemvocê .Deviademiti-lo.Massei
quevocêvaiacabartrabalhandoemoutrolugar.
—Nãoqueroconversacomquemquerqueseja.
— Faz bem, porque, se tentar passar para um concorrente, vou ter de dizer a eles sobre
essa demonstraçã o de irresponsabilidade. Você vai ser um redator interno em Chicago,
trabalhandoparaamulherquefoiaassistentedeLucinda.Voutelefonarparaelahojedando-lhe
a notı́c ia. Isso vai signi icar um apreciá vel corte nos seus vencimentos, especialmente se
considerarmosoquevocê iriaganharcom:apromoçã o.Tirealgunsdiasdefolga,coloquesuas
coisas em ordem aqui, alugue o seu apartamento e procure um lugar em Chicago. Algum dia,
desejoquevocê iquelimpocomigo, ilho.Estafoiamaislamentá veldesculpajá vistanabusca
denotícia,ejustamentepartindodeumdosmelhoresnojornalismo.
OSr.Baileysaiubatendoaporta.
Bucknã oviaahoradepoderfalarcomseusamigosemIllinois,masnã oqueriatelefonar
do escritó rio ou de seu apartamento, e ele nã o sabia com certeza se o telefone celular era
seguro. Ele reuniu suas coisas e tomou um tá xi até o aeroporto, pedindo ao motorista que
parasseemfrentedeumacabinatelefô nicadeserviçopré -pagoumquilô m etroemeioantesdo
terminal.
Como o telefone tocava e ningué m atendia, resolveu ligar para a igreja. Bruce atendeu e
disse-lhequeChloeeRayfordestavamlá.
— Coloque-os no viva-voz — disse ele. — Vou tomar o vô o das trê s horas da American
Airlinespara0'Hare.Masantesdeixem-medizer-lhesisto:Carpathiaé ohomem,semdú vida.
Eleseencaixaemtodososdetalhes.Sentisuasoraçõ esnoencontro.Deusmeprotegeu.Estou
memudandoparaChicagoequerosermembrodo,comoéquevocêchamaisso,Bruce?
—ComandoTribulação?
—Éissoaí!
—Istosignificaque...?—começouChloeadizer.
—Vocêsabeexatamenteoquesignifica—disseBuck.—Contecomigo.
—Oqueaconteceu,Buck?—perguntouChloe.
— Pre iro falar sobre isso pessoalmente — disse ele. — Mas tenho uma histó ria para
vocês!Evocêsserãoasúnicaspessoasqueconheçocapazesdeacreditarnela.
Quando seu aviã o inalmente aterrissou, Buck saiu apressado para atravessar o tú nel
retrá tildeacessoaoportã o,ondefoijubilosamentecumprimentadoporChloe,BruceeRayford
Steele. Eles o abraçaram, inclusive o circunspecto capitã o. Quando se reuniram a um canto,
BruceorouagradecendoaDeusseunovoirmãoeaproteçãoquelhefoiconcedida.
Atravessando o terminal, foram em direçã o ao estacionamento, caminhando a passos
largos, lado a lado, braços nos ombros um do outro, unidos num propó sito comum. Rayford
Steele, Chloe Steele, Buck Williams e Bruce Barnes enfrentariam os perigos mais graves que
alguémpoderiaenfrentar,esabiambemqualerasuamissão.
AtarefadoComandoTribulaçã oeraclara,esuametanadamenosdoquepermanecerem
irmes e lutarem contra os inimigos de Deus durante os sete anos mais caó t icos que o planeta
viveria.
Jerry B. Jenkins (www.jerryjenkins.com) é o
autordasé rieDeixadosparaTrás e de mais
de 100 livros, quatro dos quais iguraram na
lista de mais vendidos do New York Times.
Foi vice-presidente da divisã o editorial do
Instituto Bı́blico Moody de Chicago e
trabalhou muitos anos como editor da
Moody Magazine, com a qual colabora até
hoje.
Escreveu artigos para vá rias publicaçõ es,
tais como Reader's Digest, Parade, revistas
de bordo e numerosos perió dicos cristã os.
Seus livros abrangem quatro gê neros
literá rios: biogra ias, obras sobre casamento
e famı́lia, icçã o para crianças e icçã o para
adultos.
Dentre outras, Jenkins colaborou nas
biogra ias de Hank Aaron, Bill Gaither, Luis
Palau, Walter Payton, Orei Hershiser, Nolan
Ryan,BrettButlereBillyGraham.
Cinco de seus romances apocalı́pticos —
Deixados para Trás, Comando Tubulação,
Nicolae, A Colheita e Apoliom — constaram
da lista dos mais vendidos da Associaçã o
Cristã de Livreiros e do semaná rio religioso
PublishersWeekly.DeixadosparaTrásfoiindicadoparareceberoprê miodeRomancedoAno,
pelaAssociaçãodasEditorasCristãsEvangélicas,em1997e1998.
Como autor e conferencista de assuntos relacionados ao casamento e à famı́lia, Jenkins tem
participado com freqü ência do programa de rá dio do Dr. James Dobson, Focus on lhe Family (A
FamíliaemFoco).
Jerrytambé mé oautordastirascô m icasGilThorp, distribuı́das aos jornais dos Estados Unidos
porTribuneMediaServices.
Elemoracomsuaesposa,Dianna,noColorado.
Convites para conferê ncias podem ser feitos pela Internet no seguinte endereço:
speaking@jerryjenkins.com.
O Dr. Tim LaHaye, que idealizou o projeto de
romancear o Arrebatamento e a Tribulaçã o, é
autor famoso, ministro do evangelho,
conselheiro, comentarista de televisã o e
palestrante de temas sobre vida familiar e
profecias bı́blicas. E fundador e presidente do
Family Life Seminars (Seminá rios sobre a Vida
Familiar) e també m fundador do The PreTrib
Research Center (Centro de Pesquisas do
Perı́odo Pré -Tribulaçã o). Atualmente, o Dr.
LaHaye faz palestras sobre profecias bı́blicas
nosEstadosUnidosenoCanadá ,ondeseussete
livrossobreprofeciasfazemmuitosucesso.
ODr.LaHayeé formadopelaUniversidadeBob
Jones, com mestrado e doutorado em
ministé rio pelo Western Conservative
Theological Seminary (Seminá rio Teoló gico
Conservador do Oeste). Durante 25 anos, foi
pastor de uma das mais pró speras igrejas dos
Estados Unidos, em San Diego, a qual se
expandiu para outras trê s localidades. Nesse
perı́odo, fundou duas escolas cristã s de ensino
mé dio reconhecidas pelo governo, um sistema
deescolascristã scompostodedezestabelecimentoseaChristianHeritageCollege(Faculdade
HerançaCristã).
ODr.LaHayeescreveumaisde40livros,commaisde11milhõ esdeexemplaresimpressosem
32 idiomas, abordando uma ampla variedade de assuntos, tais como vida familiar, estados de
humor e profecias bı́blicas. Estas obras de icçã o, escritas em parceria com Jerry Jenkins —
Deixados para Trás, Comando Tribulação, Nicolae, A Colheita e Apoliom —, alcançaram o
primeiro lugar na lista dos livros cristã os mais vendidos. Outras obras escritas por ele:
Temperamento Controlado pelo Espírito; Como Ser Feliz Mesmo Sendo Casado; Revelation,
Illustrated and Made Plain (O Apocalipse Ilustrado e Simpli icado);Como Estudar Sozinho as
Profecias Bíblicas; Um Homem Chamado Jesus eEstamosVivendoosÚltimosDias? — publicados
pela Editora United Press —,No Fear of the Storm: Why Christians Will Escape Ali the
Tribulation (Sem Medo da Tempestade: Por Que os Cristã os Escaparã o do Perı́odo da
Tribulação);eDeixadosparaTrás—SérieTeen.
ODr.LaHayeé paidequatro ilhosetemnovenetos.Gostamuitodeesquiarnaneveenaá gua,
demotociclismo,degolfe,defériascomafamíliaedecaminhadas.
PRÓXIMOLIVRO
DEIXADOS PARA TRÁS: O DRAMA CONTINUA
Emummomentodepâ nicototal,milhõ esdepessoasdesaparecemaoredordomundo.Os
queforamdeixadosparatrá sagoraenfrentamguerra,fome,pragasecalamidadesnaturaistã o
devastadorasqueapenasumaemcadaquatropessoassobreviva.Asituaçã oaindaé piorparaos
inimigos do Anticristo e de sua nova ordem mundial, pessoas que perceberam que os
desaparecimentoseramoarrebatamentoprofetizadonolivrodeApocalipse.
Agora Rayford Steele, Buck Williams, Bruce Barnes e Chloe Steele resolvem se unir para
formaroComandoTribulaçã o,cujamissã oé resistirelutarcontraosinimigosdeDeusdurante
osseteanosmaiscaó t icosqueoplanetaviverá .Eumamissã odifı́c il,queexigirá omá ximode
cadaumdelesparaquesejacumprida.
Este é o segundo livro da sé rie Deixados para Trá s. No primeiro livro da sé rie, també m
intituladoDeixadosparaTrá s,nossosheró ispresenciamomomentodoArrebatamento,emque
milhõ esdecristã osaoredordomundodesapareceminstantaneamente,tornandooplanetaum
verdadeirocaos.
Entreos icaramparatrá sestavaBruceBarnes,umpastordeumaigrejaprotestanteque
acabou se tornando uma pessoa-chave para explicar todos aqueles acontecimentos. Outro que
icou foi Rayford Steele, piloto comercial internacional, que estava em pleno vô o durante o
Arrebatamento, vindo a descobrir mais tarde que sua mulher e ilho també m tinham
desaparecido. Ele vai atrá s de Bruce, con irmando suas suspeitas sobre o que ocorrera e
reconhecendo a soberania de Deus e a salvaçã o em Jesus Cristo. Sua ilha, Chloe Steele, ainda
resiste por algum tempo em aceitar a verdade dos fatos, mas acaba aceitando a Cristo apó s
observarocomportamentodopaieconversarcomopastorBruce.
Noaviã oqueRayfordpilotavaestavaojornalistaCameronWillians,queaceitouaCristoe
descobriuaverdadeiraidentidadedoAnticristoenquantofaziaumaimportantereportagem.
AgoranossosquatroheróissepreparamparaformaroComandoTribulação...
LINHADOTEMPO:
DuassemanasapósoArrebatamento.
Cobertura:21meses.
JULGAMENTOS:
I. (Apocalipse 6:1-2), (1 Tessalonicenses. 4:16-17), (Apocalipse 3:10), (Daniel 9:27),
(Apocalipse11:3).
PERSONAGENSPRINCIPAIS:
Amanda (White) Steele, Dr. Tsion Ben-Judah, Peter Mathews, Rayford Steele, Hattie
Durham,Cameron"Buck"Williams,BruceBarnes,ChloeSteele,NicolaeJettyCarpathia,Chaim
Rosenzweig,StevePlank.
LOCALIDADES:
Chicago,NovaIorque,NovaBabilônia(Iraque).
EsteePub teve como base a digitalizaçã o emDoc
feitaporBlackKnight.
Para esta formaçã o peguei como inspiraçã o a
ediçã o norte-americana mais recente, alé m da
formataçã o, iz a capa e a imagem utilizada na pá gina
comoslivrosdasérie.
Abrilde2014
LeYtor