Manual Técnico
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Manual Técnico
Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico Paulo Queimado Licenciado em Conservação e Restauro Nivalda Gomes Bacharel em Conservação e Restauro Indice 7. 11. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 24. 25. 28. 29. 30. 31. 32. 34. 35. 35. Introdução Higiene e Segurança Medidas e equipamentos de protecção colectiva e individual Equipamentos de protecção individual (EPI´s) Prevenção Classificação dos riscos Riscos profissionais Prevenção de acidentes e rentabilidade da empresa Principais riscos na área de Conservação e Restauro de madeiras Riscos Mecânicos Iluminação Ruído Riscos químicos Efeitos dos poluentes químicos Poluentes sólidos Incêndio e Explosão Ambiente higiene e organização do local de trabalho Regras de higiene no local de trabalho Principais técnicas de conversão e laboração de materiais. A madeira como suporte Estrutura Geral da Madeira Características Químicas e Físicas A deterioração e os defeitos nas madeiras Defeitos de Crescimento Defeitos de Alteração de Origem Animal e de Origem Vegetal Defeitos de Exploração 35. 37. 39. 39. 43. 44. 45. 46. 47. 48. 48. 49. 49. 49. 50. 51. 52. 55. 55. 55. 56. 56. 57. 58. 59. 59. 60. 60. 62. 63. 63. 64. 64. 64. 67. 68. 69. 70. 71. 72. 75. 76. 76. Defeitos de Secagem As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário Técnicas de execução O desenho técnico no domínio da conservação e restauro O processo de Escolha e Preparação da Madeira O planteamento e traçado aplicado á construção em madeira Preparação do trabalho O corte de produtos semi-acabados Corte das Madeiras – Direcções de corte e planos associados Medições Ligações, Encaixes e Samblagens Ligações em L Ligações em T Ligações em Malhete Técnicas de Entalhe Ferramentas de Entalhador Técnicas de Douramento e Policromia Douramento sobre madeira Preparação do Suporte ou Aparelhamento “Encolage” Preparação da cola animal Aplicação da cola animal ou “encolagem” Preparação branca Betumar, nivelar e polir Água de lavagem Embolado ou aplicação de bollús Preparação do Bollús da Arménia Douramento a água Douramento a mordente Técnicas e efeitos decorativos Estofado Punçoado Esgrafitado Patines Exercícios Propostos Exercício 1 Exercício 2 Exercício 3 Tecnologias da Conservação e Restauro A Conservação e o Restauro Código de Ética da Conservação e Restauro Princípios gerais de aplicação do código Obrigações para com os objectos culturais 78. 78. 81. 83. 85. 88. 91. 92. 97. 98. 101. 101. 102. 102. 103. 103. 104. 106. 105. 105. 105. 106. 107. 107. 108. 108. 109. 109. 109. 110. 110. 111. 111. 112. 113. 114. 116. 115. 115. 115. 115. 116. Obrigações para com o proprietário Obrigações para com os colegas e para com a profissão Deontologia do Conservador Restaurador Análise de Conceitos A Evolução Histórica dos Conceitos e das Normas Legais As Classificações Nascem Com o Novo Século XX Métodos de Diagnóstico e Peritagem em Arte Diagnóstico e formulação de propostas de tratamento A Peritagem – método de aquisição de conhecimentos específicos para uma correcta intervenção A Peritagem expedita Definições Identificação Classificação Bem cultural Fontes Fontes imediatas Fontes mediatas Fontes mediatas directas Fontes mediatas indirectas Identificação Descrição Tipologia Estilo Técnicas Materiais Qualidade Qualidade de concepção Qualidade dos materiais Qualidade de execução O Uso Uso parcial Época Conclusões Observações A Peritagem Laboratorial Métodos Não Destrutivos – Análise de Superfície Observação à lupa Fotografia de luz Normal a Cor e Preto e Branco Macro Fotografia Fotografia com Luz Rasante Fotografia de Infravermelhos Fluorescência do Ultravioleta 117. 117. 118. 118. 118. 118. 119. 119. 119. 119. 120. 120. 120. 120. 120. 121. 125. 126. 127. 128. 130. 136. 137. 139. 140. 142. 144. 145. 147. 149. 149. 153. 159. 175. Reflectografia do Infravermelho Câmara multi-espectral Métodos de Raios-X Radiografia Espectrómetro de fluorescência de raios X Micro difractómetro de raios-X Métodos Destrutivos Analise estratigráfica Microscópio óptico com câmara fotográfica Análise Micro-Química Cromatografia Cromatógrafo líquido Espectrómetro de Massa (LC/MS-MS) Cromatógrafo gasoso Espectrómetro de Massa com Pirolizador (PY-GC/MS) Espectroscopia Estrectrofotómetro de IV com trasformada de Fourier (FTIR-US) Principais causas e factores de degradação das obras de arte em suporte de madeira Métodos de Conservação e Restauro Recepção de peças - embalagem e transporte Interpretação do diagnóstico, do levantamento de patologias da obra e determinação da metodologia de intervenção Testes de solubilidade e de resistência de pigmentos A limpeza e os requisitos técnicos de cada caso Pré-fixação das Camadas Cromáticas Desinfestação por via líquida e por via gasosa Consolidação: métodos, técnicas e materiais Revisão de estruturas – remoção de elementos metálicos, colagens e cavilhamento. Reintegração volumétrica: métodos, técnicas e materiais Reintegração a Nível das Preparações Reintegração Cromática Camadas de Protecção Elaboração de fichas de trabalho e importância da documentação de trabalho. Elaboração do Relatório Técnico de Intervenção Bibliografia Anexos Glossário de Termos Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 01 Introdução Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 01 Introdução Este manual tem o objectivo de colocar em evidência algumas situações que possam encaminhar para o entendimento do percurso do trabalho em madeira e sobre madeira. Desde a escolha e preparação das madeiras, passando pelas técnicas de entalhe, execução de um relevo ou alto-relevo, dando uma ideia do avanço técnico, utensílios e meios de produção ao longo dos tempos. Os agentes causadores de deterioração das madeiras são analisados, apontando medidas de protecção que diminuem ou eliminam os riscos de ataque no caso de deterioração biológica. Na perspectiva de conservação e restauro, serão mencionados aspectos de importância e de necessidade essencial: desde a recepção das peças utilizando fichas de identificação, passando pela peritagem e elementos passíveis de análise física e química; levantamento e identificação de patologias; testes de resistência de pigmentos e solubilidade de sujidades, deste modo poder-se-ão determinar as metodologias de intervenção adequadas a cada caso. No que diz respeito à intervenção de Conservação e Restauro propriamente dita, serão abordados temas que passam pela Ética e Código Deontológico da Conservação e Restauro, aplicados a temas tão diversos como a eliminação de antigas intervenções, desinfestações e consolidações. O tema das técnicas decorativas na arte em suporte de madeira, abordará o estudo das policromias, passando pelas técnicas de douramento mais utilizadas e a relação directa com os agentes de deterioração, registando aspectos práticos no que diz respeito à conservação e restauro das superfícies. 09 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança A higiene e a segurança são duas actividades que estão directamente relacionadas e têm o objectivo de garantir o bem-estar físico, mental e social dos trabalhadores. Actualmente as actividades profissionais estão numa fase decisiva em relação à organização de actividades de segurança e saúde do trabalho em Portugal, observando-se uma consciencialização a nível da sociedade até então inexistente. Este facto começa a alterar-se, embora lentamente, fruto de um trabalho de educação e de sensibilização, abrangidas por uma legislação que permite a protecção de quem integra as actividades, sendo a sua aplicação entendida como uma forma de melhorar as empresas e os trabalhadores no que respeita às condições ambientais e de segurança do posto de trabalho. A higiene do trabalho ocupa-se essencialmente das doenças profissionais identificando os factores que podem afectar o ambiente do trabalho e do trabalhador. Tem como principal objectivo eliminar ou reduzir os riscos profissionais. A segurança do trabalho, trata dos acidentes de trabalho, eliminando as condições inseguras do ambiente, formando e sensibilizando os trabalhadores a utilizar medidas preventivas. Os acidentes de trabalho são regra geral a relação estreita das falhas humanas e das falhas materiais, isto porque os trabalhadores se encontram mal preparados para enfrentar determinados riscos. 12 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança Para além dos acidentes de trabalho existem as doenças profissionais, resultantes do exercício do trabalho em si, facto que se verifica ao longo da actividade da conservação e restauro. Muitas vezes, este é um trabalho "isolado" desenvolvido entre as quatro paredes de um "atelier". No mundo desenvolvido onde o conservador restaurador se insere não pode haver trabalhadores de primeira e trabalhadores de segunda. Seja qual for o ramo de actividade onde se enquadra, estão todos abrangidos pelas disposições legais que ao longo dos tempos têm vindo a evoluir, abrangendo sucessivamente camadas mais alargadas de trabalhadores. Para a devida avaliação das condições de segurança de um posto de trabalho é necessário considerar um conjunto de factores de produção e ambientais onde se desenrola o posto de trabalho. MEDIDAS E EQUIPAMENTOS DE PROTECÇÃO COLECTIVA E INDIVIDUAL 13 Para prevenir os acidentes e as doenças profissionais decorrentes do trabalho, a ciência e as tecnologias colocam à disposição do trabalhador uma série de medidas e equipamentos de protecção colectiva e individual. O equipamento de protecção colectiva é toda a medida ou dispositivo, sinal, som, imagem, instrumento ou equipamento destinado à protecção de uma ou mais pessoas. Alguns exemplos de aplicação de equipamentos de protecção colectiva são: — Limpeza e organização do local de trabalho; — Sistemas de exaustão para eliminação de gases, vapores ou poeiras, contaminantes do local de trabalho; —Isolamento ou afastamento de máquina ruidosa; — Comando bimanual, que mantém as mãos ocupadas, fora da zona de perigo, durante o ciclo operacional de uma máquina; As medidas e os equipamentos de protecção colectiva visam, além de protegerem vários trabalhadores ao Em cima, procedimentos gerais em obra sobre a utilização de escadas e andaimes. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança mesmo tempo, proporcionam um ambiente de trabalho seguro e confiante, destacando-se por serem mais rentáveis e duráveis para a empresa. Quando não for possível adoptar medidas de segurança de ordem geral para garantir a protecção contra riscos de acidentes e doenças profissionais, devem-se utilizar os equipamentos de protecção individual, destinados a proteger a integridade física e a saúde do trabalhador. EQUIPAMENTOS DE PROTECÇÃO INDIVIDUAL (EPI´S) Tabela de relação entre as operações, os EPI´s e a exposição do trabalhador. Os equipamentos de protecção individual não devem ser considerados métodos de segurança fundamental. Estes equipamentos devem ser considerados como medida de recurso para o controlo de riscos. Existe no mercado uma grande variedade de equipamentos que cobrem na generalidade dos riscos presentes na actividade de conservação e restauro Só se deve recorrer ao equipamento de protecção individual depois de se esgotarem as possibilidades de eliminar o risco ou de o controlar através de outras medidas técnicas e organizacionais. 14 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança O equipamento deve ser usado como forma de complementar à protecção colectiva, mesmo em exposições de períodos reduzidos. A escolha do equipamento de protecção individual deve ser feita por pessoal especializado, conhecedor não só do equipamento como também das condições em que o trabalho é executado, assim como da exigência técnica do processo de trabalho. É preciso conhecer também o tipo de risco, a parte do corpo atingida, as características e qualidades técnicas do equipamento e principalmente o grau de protecção que este proporciona. A classificação dos equipamentos de protecção individual é feita conforme a zona do corpo que deve ser protegida. — Cabeça: Protectores para crânio e para o rosto, nomeadamente, capacetes ou chapéus, e para o rosto, utilizam-se protectores faciais. — Olhos e nariz: Óculos e máscaras. —Ouvidos: Protectores auditivos tipo concha ou plugs de inserção. — Braços, mãos e dedos: Luvas, mangotes e pomadas protectoras. —Tronco: vestimentas especiais, batas, aventais. — Pernas e pés: Perneiras, botas ou sapatos de segurança. — Corpo inteiro: Cintos de segurança contra quedas e impactos. O empregador é responsável por adquirir o tipo de EPI adequado à actividade do empregado, orientar o trabalhador sobre o seu uso, tornar obrigatório o uso, substitui-lo imediatamente quando danificado ou extraviado, assim como é ainda responsável pela higienização e manutenção periódica. PREVENÇÃO 15 A prevenção é, certamente, o melhor processo de eliminar ou reduzir as possibilidades de ocorrerem problemas de segurança com o trabalhador. Os métodos de prevenção consistem na adopção de Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança um conjunto de medidas de protecção e na previsão do risco no momento da concepção do trabalho em oficina ou estaleiro. A directiva quadro (89/391/CEE), veio estabelecer uma plataforma comum e inovadora da prevenção de riscos profissionais1. — A obrigação geral do empregador face à prevenção de riscos profissionais relativamente aos seus trabalhadores. — O dever do empregador desenvolver as actividades preventivas, de acordo com uma ordem fundamental de princípios gerais de prevenção — A necessidade das medidas preventivas serem integradas no processo produtivo e na gestão da empresa. — A obrigação do empregador observar na escolha das medidas preventivas a hierarquia estabelecida nos princípios gerais da prevenção. — O dever fundamental de, no âmbito desta hierarquia, o empregador promover a avaliação dos riscos que não puderem ser eliminados. — Os locais de trabalho, a manipulação ou exposição a agentes físicos, químicos, biológicos, riscos de acidentes, podem comprometer a saúde e a segurança do trabalhador a curto, médio e a longo prazo, provocando lesões imediatas, doenças ou a morte, além de prejuízos de ordem legal e patrimonial para a empresa. Actualmente em Portugal, está em vigor o novo Código do Trabalho onde as obrigações do empregador e do trabalhador estão bem delineadas como se pode consultar no art.º 272 e seguintes. CLASSIFICAÇÃO DOS RISCOS 1 CABRAL Fernando A. e Roxo Manuel M., Construção civil e obras públicas, a coordenação de segurança, edição IDICT Instituto de desenvolvimento e Inspecção das condições de trabalho, Impressões NEGÒCIOS - Artes Gráficas, Lda. — Riscos físicos: são representados por factores ou agentes existentes no ambiente de trabalho que podem afectar a saúde dos trabalhadores (ruídos, vibrações, radiações). — Riscos químicos: são identificados pelo grande número de substâncias que podem contaminar o ambiente de trabalho e provocar danos á integridade 16 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança física e mental dos trabalhadores (poeiras, fumos, névoa, neblinas, gases, vapores, substâncias compostas ou outros produtos químicos). — Riscos Biológicos: Estão ligados ao contacto do homem com vírus, bactérias, fungos, parasitas, bacilos e outros microrganismos. Os riscos de acidentes estão presentes no tratamento físico não adequado, pisos escorregadios e irregulares, materiais ou matérias-primas defeituosas, máquinas e equipamentos sem protecção, ferramentas impróprias, e iluminação insuficiente ou excessiva. RISCOS PROFISSIONAIS 17 A organização da actividade de segurança e saúde no trabalho pressupõe que esta deva ser pensada antes de um trabalho ser iniciado. Os acidentes são evitados com a aplicação de medidas de prevenção e segurança. Inicia-se o processo pela identificação do tipo de exposição presente nos locais de trabalho, pela actividade desenvolvida, pela exposição a agentes físico químicos e biológicos, ruído, presença de poeiras, espaço com ausência de iluminação ou iluminação inadequada, longos trabalhos e repetitivos, com monotonia associada e se exigem pausas frequentes. O desrespeito pelas medidas de prevenção podem comprometer a saúde e a segurança do trabalhador em curto, médio ou longo prazo, provocando lesões imediatas, doenças ou a morte. É importante salientar que a presença de produtos ou agentes nocivos nos locais de trabalho, não quer dizer obrigatoriamente que exista perigo para a saúde. Tal facto vai depender da conjugação de vários factores: concentração e forma do contaminante no ambiente de trabalho, o nível de toxicidade e o tempo de exposição do trabalhador. Após esta análise, pode elaborar-se uma tabela com a listagem das operações a desenvolver no percurso do trabalho, os riscos associados e consequentemente as medidas de prevenção e dentro destas, delimitar quais as prioritárias. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança Posteriormente deve fazer-se uma avaliação periódica sobre os resultados das medidas tomadas e se não forem adequadas, reformular as medidas de prevenção. PREVENÇÃO DE ACIDENTES E RENTABILIDADE DA EMPRESA A prevenção deve basear-se nos seguintes princípios: Eliminação do risco — tornar o risco praticamente inexistente, de modo que não represente para o trabalhador qualquer risco de exposição; Neutralização do risco — não sendo possível evitar o risco, substituir o que é perigoso pelo que é isento ou apresenta menos perigo. Se tal não for possível, deverão ser adaptadas medidas de protecção colectivas, prioritariamente e individuais; Sinalização do risco — é a medida que deve ser tomada quando não é possível eliminar ou isolar o risco; Esses locais devem ser sinalizados com placas de advertência. A rentabilidade da empresa está directamente relacionada com as condições de trabalho e a produtividade. Na actividade corrente de uma empresa, os custos indirectos dos acidentes de trabalho, são muito mais importantes que os custos directos, através dos factores de perda, ou seja: — Perda de horas de trabalho pela vitima; — Perda de horas de trabalho pelas testemunhas e responsáveis; — Perda de horas de trabalho pelas pessoas encarregadas do inquérito; — Interrupções no trabalho; — Danos materiais; — Atraso na execução do trabalho; — Custos inerentes ás peritagens e acções legais eventuais; — Diminuição do rendimento durante a substituição; — A retoma de trabalho pela vítima; 18 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança Estas perdas podem por vezes representar quatro vezes os custos directos do acidente de trabalho. A diminuição de produtividade e os desperdícios de material, aliados á fadiga provocada por horários de trabalho excessivos e por más condições de trabalho, no caso da iluminação e da ventilação, demonstram que o corpo humano, tem um rendimento muito maior quando o trabalho decorre em condições óptimizadas. Assim, podemos afirmar que na maior parte dos casos a produtividade é afectada pela ligação de dois factores: Um meio ambiente de trabalho que exponha os trabalhadores a riscos profissionais graves e a insatisfação dos trabalhadores, face a condições de trabalho que não estejam em boas condições, físicas e psicológicas. As condições de trabalho e as regras de segurança e higiene correspondentes, constituem um factor da maior importância para a melhoria de desempenho das empresas, através do aumento da sua produtividade e diminuição da sinistralidade. PRINCIPAIS RISCOS NA ÁREA DE CONSERVAÇÃO E RESTAURO DE MADEIRAS RISCOS MECÂNICOS 19 As máquinas foram criadas para satisfazer determinadas necessidades laborais. O principal objectivo é a rentabilidade e produtividade do trabalho. Grande parte dos acidentes decorridos no trabalho com máquinas deve-se ao desrespeito do uso dos dispositivos de protecção ou protecção insuficiente. Outro dos factores é o uso de máquinas antigas e em mau estado. Os movimentos e as acções mecânicas das máquinas representam riscos e envolvem os seguintes pontos: — Ponto de operação: o ponto onde o trabalho é executado no material, como ponto de corte, ponto de moldagem, ponto de perfuração, ou ainda de empilhamento de material. — Mecanismo de transmissão de força: qualquer componente do sistema mecânico que transmite energia Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança para as partes da máquina que executam o trabalho. Estes componentes incluem volantes, polias, correias, conexões de eixos, junções, fusos, correntes, manivelas e engrenagens. — Outras partes móveis: Inclui todas as partes da máquina que se movem enquanto a máquina está a trabalhar, tal como movimento de ida e volta, partes girantes, movimentos transversais e mecanismos de alimentação. Há muitos modos para proteger uma máquina contra os riscos mecânicos. As protecções podem ser classificadas da seguinte forma: — Barreiras ou anteparos de protecção fixa, parte permanente da máquina que não é dependente das partes móveis para exercer a sua função. — Barreiras ou protecções interligadas ou de inter-travamento, quando as barreiras ou protecções interligadas são abertas ou são removidas, o mecanismo de accionamento e ou de potência desliga automaticamente ou desengata, impedindo o funcionamento da máquina até que a barreira regresse á sua posição fechada. — Protecção ajustável, que permite flexibilidade acomodando vários tamanhos de materiais. — Barreiras ou protecções auto-ajustáveis, que são determinadas pelo movimento do material. Á medida que o operador move o material para a área de risco, a protecção é puxada para trás ou para cima, possibilitando uma abertura que é suficientemente grande para o material. Depois de o material ser removido, a protecção retorna á posição de descanso. ILUMINAÇÃO Para a obtenção de um bom ambiente que proporcione satisfação, conforto e um bom rendimento visual, é preciso equilibrar as luminâncias presentes no campo de visão. A melhor solução é a diminuição gradual da luz em volta da tarefa, para evitar fortes contrastes, pois o 20 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança excesso de iluminação é tão nefasto como a escassez. A falta de iluminação afecta a sensação de bem-estar, levando à fadiga. Os objectos perdem a cor e a forma e diminui a perspectiva. As pessoas preferem salas com iluminação natural a salas sem janelas, uma vez que contacto com o exterior contribui para a melhoria da sensação de bem-estar. A situação ideal é a combinação da iluminação natural com a iluminação artificial. O recurso á iluminação natural tem também a vantagem da redução de custos de energia. A percepção do ambiente interior está dependente do brilho e da cor das superfícies visíveis tanto interiores como exteriores. As lâmpadas fluorescentes podem produzir cintilação a cerca de 50Hz, praticamente imperceptível pelo olho humano, mas quando estas envelhecem ou se tornam defeituosas desenvolve-se uma cintilação levemente perceptível, especialmente nas extremidades, originando cansaço e potenciando desta forma o risco de acidente. A iluminação natural, proveniente das janelas, deve permitir que a luz do dia seja uniformemente dividida pelos vários postos de trabalho. Os vãos e janelas devem estar concebidos de modo a evitar o encadeamento. A área de superfície destinada à iluminação natural não deve ser menor que 20% da área do pavimento e deve ser complementada com iluminação artificial, procurando a protecção da saúde e segurança dos trabalhadores. RUÍDO 21 Quando uma pessoa se encontra num ambiente de trabalho e não consegue ouvir perfeitamente a fala das pessoas no mesmo espaço, é a primeira indicação de que o local é demasiado ruidoso. É identificado como ruído no ambiente de trabalho todo o som que causa sensação desagradável ao homem. As perdas de audição são derivadas de frequências e intensidades do ruído. A fadiga evidencia-se por uma menor perspicácia auditiva. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança As ondas sonoras transmitem-se tanto pelo ar como por materiais sólidos. Quanto maior for a densidade do meio condutor, menor será a velocidade de propagação do ruído. O ruído é pois um agente físico que pode afectar de modo significativo a qualidade de vida. Mede-se o ruído utilizando um instrumento denominado medidor de pressão sonora, e a unidade usada como medida é o decibel (dB) Para 8 horas diárias de trabalho, o limite máximo de ruído estabelecido é de 85 decibéis, o ruído emitido por uma britadeira é equivalente a 100 decibéis. O limite máximo de exposição contínua do trabalhador a esse ruído, sem protecção auditiva, é de 1 hora. Sem medidas de controlo ou protecção, o excesso de intensidade do ruído, acaba por afectar o cérebro e o sistema nervoso. Em condições de exposição prolongada ao ruído por parte do aparelho auditivo, os efeitos podem resultar na surdez profissional cuja cura é impossível, deixando o trabalhador com dificuldades para se relacionar com os colegas e família, assim como dificuldades acrescidas em se aperceber da movimentação de veículos ou máquinas, agravando as suas condições de risco por acidente físico. O nível de risco do ruído depende de: — Tipo de ruído — Distância da fonte emissora — Intensidade e frequência — Sensibilidade individual — Idade RISCOS QUÍMICOS Certas substâncias químicas, utilizadas nos processos de restauro, são lançadas no ambiente de trabalho através de processos de pulverização e emanação gasosas. Essas substâncias podem apresentar-se nos estados sólido, líquido e gasoso. Os agentes químicos ficam em suspensão no ar e podem penetrar no organismo do trabalhador por: — Via respiratória: é a principal porta de entrada aos 22 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança agentes químicos, porque se respira continuamente e tudo o que está no ar acaba por ser transferido para os pulmões. — Via digestiva: se o trabalhador comer ou beber algo com as mãos sujas, por estar muito tempo exposto a produtos químicos, parte das substâncias são ingeridas com o alimento, atingindo o estômago e podendo provocar sérios riscos á saúde. — Epiderme: o contacto directo com substâncias químicas leva a que parte do produto seja absorvida pela pele. —Via ocular: alguns produtos químicos permanecem no ar causando irritação nos olhos e conjuntivite. EFEITOS DOS POLUENTES QUÍMICOS Sensibilizantes — Produtos que levam a reacções alérgicas. Manifesta-se por afecções da pele ou respiratórias (solventes na preparação de resinas, preparação de soluções químicas e produtos usados em desinfestações). Irritantes — Produtos que levam a inflamações no tecido onde actuam. Os produtos inaláveis são os que levantam mais preocupação (ácido clorídrico, óxidos de azoto). Anestésicos ou narcóticos — produtos que actuam sobre o sistema nervoso central, é o caso dos solventes, das colas, e das tintas (toluol, acetato butilo, hexano). Cancerígenos — substâncias que podem provocar cancro. Corrosivas — substâncias que actuam quimicamente sobre os tecidos quando em contacto com estes (água oxigenada 130 Volumes). 23 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança POLUENTES SÓLIDOS Poeiras — partículas esferoidais de pequeno tamanho que se encontram em suspensão no ar (sílicas, quartzos, micas). Fibras — Partículas não esféricas tipicamente delgada e comprida, aguçada nas extremidades, normalmente têm de cumprimento 3 vezes o seu diâmetro. Fumos - partículas esféricas em suspensão, geralmente provocadas por combustões. Se estamos perante alguma máquina que emite partículas ou gases, névoas nocivas ou incómodas, há a necessidade na instalação de sistema de ventilação/exaustão localizada como protecção colectiva. INCÊNDIO E EXPLOSÃO O fogo é uma reacção química de combustão, com forte poder térmico, resultante da combinação de um combustível e de um comburente. Como fonte de energia, o fogo aquece, cozinha substâncias, faz mover máquinas, ilumina e produz energia. Mas se este se desenvolve de forma descontrolada estamos perante o que se chama de incêndio. Para além do calor que se desenvolve, temos a emissão de fumos, chamas e gases proveniente da combustão. Para combater eficazmente um incêndio, com o mínimo desgaste, é fundamental agir rapidamente. Isto exige organização de defesa contra incêndio: — meios para detectar o fogo desde o inicio e alertar os bombeiros; — material de extinção apropriada e sempre em boas condições de funcionamento: extintores, rede de incêndio e bocas-de-incêndio; — pessoal instruído nas diferentes medidas de protecção e no emprego dos diferentes meios de extinção; 24 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança Os extintores são meios prioritários, ou seja, são os primeiros a serem utilizados quando se detecta o incêndio. O extintor deve ter afixado: as instruções de uso, o tipo de fogos em que pode ser utilizado, tipo e quantidade de agente extintor, o fabricante, data da última verificação e o nome da empresa verificadora. Na tabela no anexo 3 estão agrupados os vários agentes extintores e as aplicações práticas de cada caso. No que diz respeito à extinção de incêndios, basta que se anule um dos lados do Triângulo do Fogo, para que a combustão termine, ou seja: — Por supressão do combustível: retirando a matéria combustível próxima ou isolando o objecto em chama; — Por abafamento: impedindo o contacto do oxigénio com a matéria em chama; — Por arrefecimento: fazendo baixar a temperatura do combustível. Contudo, já tendo a combustão iniciado, existe uma quarta maneira de extingui-la, que é através da Inibição (intervir na Reacção em Cadeia). Este processo justifica a extinção bastante eficaz de uma combustão através de pó químicos. Resumindo: Para que a combustão tenha início é necessário estarem presentes os três elementos do "Triângulo do Fogo". Para extinguir a combustão, podemos atacar um dos quatro processos quando o Triângulo do Fogo se transforma em Tetraedro do Fogo: Combustível; Comburente (oxigénio), Energia de activação (calor) e Reacção em Cadeia. AMBIENTE HIGIENE E ORGANIZAÇÃO DO LOCAL DE TRABALHO 25 Tal como se verifica no domínio da segurança, a prevenção mais eficaz em matéria de higiene industrial faz-se no momento da concepção do edifício, das instalações e dos processos de trabalho, pois todo o melhoramento ou alteração posterior já não terá a Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança mesma eficácia em relação á protecção e à saúde dos trabalhadores, e será muito mais dispendiosa. As operações perigosas e as substâncias nocivas, susceptíveis de contaminação do meio envolvente e do meio atmosférico devem ser substituídas por operações e substâncias inofensivas ou menos nocivas. Quando o equipamento de segurança colectivo for impossível de instalar, deve-se recorrer a medidas complementares de organização do trabalho, que podem assim reduzir os tempos de exposição ao risco. Quando as medidas técnicas colectivas e as medidas administrativas não forem suficientes, deve fornecerse aos trabalhadores equipamentos de protecção individual. Para a avaliação das condições de segurança no local de trabalho, há que considerar os factores de laboração e ambientais para que a actividade do operador decorra sem risco, criando condições passivas ou activas de prevenção da sua segurança. Os principais aspectos no diagnóstico das condições de segurança de um posto de trabalho, podem ser avaliados da seguinte forma: — O local de trabalho: Tem acesso fácil e rápido? É bem iluminado? O piso é aderente e sem irregularidades? É suficientemente afastado dos outros postos de trabalho? As escadas têm corrimão ou protecção lateral? — Movimentação de cargas: As cargas a movimentar são grandes ou pesadas? Existem e estão disponíveis equipamentos de transporte auxiliar? A cadência de transporte é elevada? Existem passagem e corredores com largura compatível? Existem marcações no solo delimitando zonas de movimentação? Existe carga exclusivamente manual? 26 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança — Posições de trabalho: O operador trabalha de pé muito tempo? O operador gira ou baixa-se frequentemente? O operador tem de se afastar para dar passagem a máquinas ou outros operadores? A altura e a posição da máquina são adequadas? A distância entre a vista e o trabalho é a correcta? — Condições psicológicas do trabalho: O trabalhado é em turnos ou normal? O operador realiza muitas horas extras? A tarefa é de alta cadência de produção? É exigida muita concentração dados os riscos da operação? — Máquinas: As engrenagens e partes móveis estão desprotegidas? Estão devidamente identificados os dispositivos de segurança? A formação do operador é suficiente? A operação é rotineira e repetitiva? —Ruídos e vibrações: Sentem-se vibrações ou ruído intenso? A máquina a operar oferece trepidações? Existem dispositivos que minimizem vibrações e ruído? — Iluminação: A iluminação é natural? Está bem orientada relativamente ao local de trabalho? Existe alguma iluminação intermitente na envolvente do local de trabalho? — Riscos químicos: O ar circulante tem poeiras ou fumos? Existe algum cheiro persistente? Existe ventilação ou exaustão de ar no local? Os produtos químicos estão bem embalados? Os produtos químicos estão bem identificados? Existem resíduos de produtos no chão? 27 Respondendo a estas questões consegue-se ter uma rápida percepção das condições de trabalho a que o trabalhador está sujeito. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança REGRAS DE HIGIENE NO LOCAL DE TRABALHO Todos os colaboradores devem manter e deixar o seu local de trabalho limpo e perfeitamente arrumado, retirar os papéis e resíduos caídos no chão ou nos equipamentos que são utilizados no decurso da tarefa, varrer e limpar com água sempre que a situação assim o exija. Todos os locais de trabalho, zonas de passagem, instalações comuns e os equipamentos devem estar convenientes limpos. Devem ser limpos diariamente: — Os pavimentos; — Os planos de trabalho e os seus utensílios; — Os utensílios ou equipamentos de uso diário. As operações de limpeza devem ser feitas: — De forma a não levantar poeiras; — Os desperdícios ou restos incómodos devem ser colocados em recipientes próprios que serão removidos diariamente para fora do local de trabalho. 28 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 03 Principais Técnicas de Conversão e Laboração das Madeiras Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 03 Principais Técnicas de Conversão e Laboração das Madeiras A MADEIRA COMO SUPORTE A madeira é um tecido formado pelas plantas com uma função de sustentação, sendo por isso também utilizada pelo homem como material estrutural efectivo e eficiente. As árvores podem-se classificar quanto à sua anatomia como coníferas e dicotiledóneas. As primeiras, são conhecidas por serem mais macias, terem menor resistência e menor densidade, e as suas folhas são perenes em forma de agulha ou escama. Os Pinus são as mais usuais, com os seus elementos anatómicos como os traqueídes e os raios medulares. No segundo caso, os elementos anatómicos são os vasos, as fibras e os raios medulares. Dentro da estrutura da madeira constata-se que esta é um material sólido, orgânico e higroscópico, ou seja, que absorve água, e é ortotrópico, que quer dizer que tem um crescimento diferente nas dimensões espaciais. A madeira é obtida do tronco das plantas lenhosas, especialmente das árvores, mas também dos arbustos. Essas plantas são perenes e são caracterizadas pelos caules que crescem em diâmetro ano após ano. A estrutura do caule é composta por celulose, hemicelulose e lignina entre os seus tecidos. Pode-se então dizer que a madeira é constituída por fibras de celulose, unidas por lignina. Segundo fontes do séc. XVIII, as madeiras mais utilizadas em trabalhos de talha e escultura em Portugal, eram provenientes do Norte da Europa, com especial relevo para o carvalho e pinho da Flandres. Na falta destas madeiras, os entalhadores e os escultores recorriam à madeira de castanho português, preferida pela sua duração e melhor trabalhar, não suplantando no entanto, na Idade Media, a preferência pela madeira do “Norte”. Por exemplo, a madeira dos navios — carvalho da Flandres — de difícil obtenção e compreensível utilidade nessa época das epopeias marítimas, foi largamente empregue na produção de retábulos e esculturas. Na zona do Porto, o castanho era a madeira mais utilizada para entalhar e esculpir, enquanto o pinho, 30 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 03 Principais Técnicas de Conversão e Laboração das Madeiras embora abundante em Portugal, raramente foi utilizado para além da estrutura interna de suporte da madeira entalhada, em contraposição à nossa vizinha Espanha, que o utilizava em grande parte das suas obras de talha para dourar e nas esculturas polícromadas. As mais frequentes são o castanho e o carvalho, mas outras madeiras foram utilizadas conforme a sua aplicação. O buxo manteve a primazia entre as madeiras nacionais pelas suas características de fibras compactas, de fácil trabalhar e pouco atacável por insectos, o cedro foi bastante utilizado na imaginária de grandes dimensões, e pode-se ainda acrescentar á lista a laranjeira e todas as árvores de fruto de espinho, o loureiro, a pereira brava, a figueira, a faia, o freixo, a soveira, o ulmo, a ameixeira e a ginjeira. ESTRUTURA GERAL DA MADEIRA CARACTERÍSTICAS QUÍMICAS E FÍSICAS 31 Ao fazer um corte transversal num tronco, muitas espécies, dependendo directamente da família a que pertencem – Resinosas ou Folhosas – é apresentada uma porção mais escura de madeira, na zona central do tronco, que corresponde ao cerne (2) e uma porção mais clara, na parte externa, que corresponde ao alburno ou borne (1), aparecendo a medula (3) bem distinta em algumas espécies como um ponto escuro no centro. A diferença entre o borne e o cerne nem sempre é facilmente perceptível uma vez que a mudança de cor tanto pode ser abrupta como gradual. O borne é a madeira nova, constituída pelas células vivas na árvore em crescimento, podendo dizer-se que toda a madeira existente na árvore, é primeiramente formada como borne. As principais funções desta zona do tronco são levar a água da raiz até às folhas, armazená-la e devolvê-la de acordo com a estação. Quanto mais folhas uma árvore suportar maior o volume de borne necessário, logo mais vigoroso é o seu crescimento. Ao longo dos anos de desenvolvimento da árvore, o 1 2 3 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 03 Principais Técnicas de Conversão e Laboração das Madeiras seu diâmetro aumenta, e uma porção interior do borne torna-se inactiva, deixando gradualmente de funcionar à medida que as células morrem. As células são formadas pelas paredes primárias e secundárias, lúmen ou abertura de células e intercélulas. As células não são mais que fibras que compõe, no seu conjunto, o corpo da madeira. Esta porção inerte é chamada de coração da madeira ou cerne. Casca Borne Cerne Medula Estrutura Física da Madeira Tabela de absorção de humidade pelas madeiras dependendo do ambiente envolvente Este conjunto de elementos confere às madeiras as suas características mecânicas e a sua resistência. Madeiras com a mesma secção, forma e volume reagem de maneiras diferentes ao corte, torção, flexão, compressão ou dobragem. Logicamente a resistência das madeiras está directamente associada à sua durabilidade. Dependendo das características físicas, químicas e mecânicas, e da forma como as fibras estão arrumadas no lenho, isto é na porção de madeira a trabalhar, o artista deve ter sempre em consideração as solicitações que a obra vai sofrer quando trabalhada e colocada a uso. Classificação Verde Semi-seca Seca Seca ao ar Dissecada Completamente seca (Anidra) Teor Humidade > 30% (> ponto saturação) > 23% (< ponto saturação) 18-23% 13-18% 0-13% 0% A DETERIORAÇÃO E OS DEFEITOS NAS MADEIRAS Nesta fase, considera-se a madeira em duas fases distintas: antes e depois do seu abate. A madeira como matéria orgânica, está sujeita em todas as suas fases a agentes de deterioração, nomeadamente os agentes climatéricos e os agentes destruidores. Os agentes climatéricos condicionam inevitavelmente a qualidade da madeira que, como já foi referido, possui uma composição multicelular, e é por intermédio destas células que a água e os sais são absorvidos. 32 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 03 Principais Técnicas de Conversão e Laboração das Madeiras A água provoca os movimentos de tracção e contracção e este é o primeiro problema a ser considerado quando se trata da conservação de uma escultura, de um retábulo ou de uma peça de mobiliário construída em madeira. Ao absorver a humidade a madeira aumenta de volume e ao perdê-la sofre uma redução no seu volume. A absorção e a perda de água processam-se nas paredes das fibras e faz-se essencialmente pela abertura no extremo das células, verificando-se que a dilatação e a contracção se processam em sentido perpendicular às mesmas. As madeiras, depois de cortadas possuem na sua estrutura percentagens de humidade variáveis, conforme o tipo e espécie botânica. O termo médio é de 40% e quando considerada seca, em condições consideradas normais, armazenadas em ambiente natural com 60% – 70% de Humidade Relativa (HR), a madeira conserva pelo menos 12% da humidade que lhe é própria. Pode constatar-se assim, que o coeficiente de humidade da madeira varia proporcionalmente ao ambiente onde se encontra: Ambiente 65 % de HR 85 % de HR 95 % de HR Absorção 13%* 19%* 30%* * Valores Aproximados A madeira tem o seu próprio grau de humidade e mesmo depois do abate, a água continua a subsistir na sua estrutura em três estados. A água de constituição que está combinada com os outros componentes da matéria lenhosa, a água de impregnação que vai preencher os espaços entre as paredes das células que ao intumescerem alteram o volume global da peça e a água livre, também conhecida por água de embebição ou de capilaridade e que após a impregnação das paredes das células, circula na peça enchendo os espaços intercelulares. 33 Tabela de Classificação das madeiras e respectivo teor de humidade Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 03 Principais Técnicas de Conversão e Laboração das Madeiras DEFEITOS DE CRESCIMENTO Em cima, árvore exposta a ventos fortes. Em baixo, defeitos das madeiras e diversos tipos de nós. Os defeitos de crescimento estão normalmente associados a problemas de plantio, de manejo e de ordem climática e influenciam a constituição do tronco, provocando irregularidades em cada época de vegetação, alterando a estrutura fibrosa da madeira e criando normalmente desvios dos veios. Por exemplo, nas zonas de ventos constantes é bastante comum aparecerem árvores torcidas e de tronco irregular. Existem ainda outros tipos de defeitos associados ao crescimento como é o caso dos nós. Os nós são porções de ramos incluídos no caule da planta ou ramo principal. Os ramos desenvolvem-se a partir do eixo central do caule da planta e, enquanto vivos, aumentam em tamanho com a adição anual de camadas lenhosas que são uma continuação das camadas do caule. A porção incluída é de forma mais ou menos cónica e irregular com início na medula. Durante o desenvolvimento da árvore, a maior parte dos ramos, especialmente os mais baixos, morrem, mas continuam presos à árvore por algum tempo. Uma vez que o ramo está morto, as camadas de crescimento posteriores não crescem com o ramo, mas são depositados em seu redor. Assim os ramos mortos dão origem aos nós, que são considerados apenas o conteúdo de um “buraco”, podendo soltar-se facilmente quando a madeira é seca e serrada, isto no caso dos nós mortos. Existem ainda os nós vivos que se formam de uma forma fundida com os anéis de crescimento anual, não se soltando do resto da madeira. Os anéis de crescimento anual são diferentes nas estações frias e nas estações quentes, podendo-se identificar facilmente a idade da árvore pela contagem dos anéis. Os nós afectam a resistência da madeira no que diz respeito a fendas, rachas e quebras, assim como sua manuseabilidade e flexibilidade. O enfraquecimento ganha proporções maiores quando a madeira é submetida a tracção e compressão, mas não influenciam materialmente a rigidez da madeira estrutural, dependendo essa rigidez e o limite de elasticidade mais da qualidade da fibra da madeira do que dos defeitos. 34 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 03 Principais Técnicas de Conversão e Laboração das Madeiras DEFEITOS DE ALTERAÇÃO DE ORIGEM ANIMAL E DE ORIGEM VEGETAL Normalmente, estes defeitos são determinados pelas condições de cultivo das árvores e das alterações que ocorrem ao longo do seu crescimento, influenciando a composição química e reduzindo o crescimento do material lenhoso. Os fungos e os insectos xilófagos são organismos vivos que se desenvolvem rapidamente em ambientes quentes e húmidos que levam à rápida putrefacção e consumo das fibras da madeira. Defeitos das madeiras provenientes do crescimento DEFEITOS DE EXPLORAÇÃO Os defeitos de exploração aparecem com mais intensidade no decorrer da serração, originando anomalias em termos de conversão da matéria bruta e de peças cortadas de acordo com a tipologia de tábuas, barrotes ou ripas e manifestam-se sob a forma de fendas e fracturas. DEFEITOS DE SECAGEM Estes defeitos são provocados geralmente por uma secagem mal conduzida e podem ser consideradas como todas as alterações produzidas a partir do momento em que as peças, depois de serradas, são colocadas em pilhas ou colocadas em câmaras de secagem. 35 Defeitos das madeiras provenientes de ataques de fungos Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário Pormenor de escultura com várias ligações madeira-madeira A construção de obras de arte em suporte de madeira variou de época para época e ao longo dos tempos foram-se desenvolvendo novas técnicas de construção, de modo a construir peças cada vez mais elaboradas, resistentes e duradouras. As ligações foram aperfeiçoadas e as técnicas de construção tornaram-se, também elas, cada vez mais elaboradas. Um dos grandes problemas que sempre existiu na construção em madeira foi o facto desta ser um elemento orgânico, com “vida própria”, que quando sujeita a factores ambientais externos, como é o caso da temperatura e da humidade, reage de formas diversas, aumentando e diminuindo o seu volume e provocando defeitos nas estruturas decoradas. Com o intuito de minimizar esses defeitos, as técnicas de construção desenvolveram-se principalmente a nível das samblagens, temática abordada mais adiante neste manual. No caso da escultura, por exemplo, aparecem exemplares em que os blocos são compostos por duas partes do mesmo lenho, escavadas no interior e unidas por colagem ou por qualquer outra ligação. Este método diminui o peso da escultura e impede que o cerne se fenda por contracção da medula. Outro exemplo de construção é aquele em que a escultura é formada por vários elementos de madeira, unidos entre si, provenientes de uma ou várias peças da mesma essência. 38 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário Estes elementos são quase sempre dispostos de modo a contrariarem mutuamente as forças de torção ou empeno, o que vai reduzir significativamente o risco de deformações. Neste sentido, têm de se ter em conta os aspectos intrínsecos dos próprios materiais e os aspectos de ordem tecnológica. Como exemplos de aspectos intrínsecos aparece a reconversão, a laboração e as técnicas específicas de construção e aplicação em obra. Estes últimos passam pela espécie botânica utilizada, que tem de ser bem determinada face aos requisitos da criação, sendo a estrutura anatómica e o arranjo dos tecidos lenhosos de extrema importância. A massa específica aparente do material lenhoso tem a ver directamente com o tipo de madeira: a distribuição e a concentração do material lenhoso, ou seja, se é leve ou densa. Como a madeira tem características diferentes, consoante o local onde é obtida, por exemplo do cerne ou do borne, há que ter sempre em consideração a posição relativa da peça no lenho. A existência de defeitos pode originar graves anomalias no comportamento físico e mecânico das peças, dependendo da localização dimensão e distribuição desses defeitos. Inevitavelmente, o material lenhoso quando sujeito a estes factores sofre perda de elasticidade, deformações e empenos que dificultam bastante os processos quer de produção quer das próprias intervenções de Conservação e Restauro. TÉCNICAS DE EXECUÇÃO O DESENHO TÉCNICO NO DOMÍNIO DA CONSERVAÇÃO E RESTAURO 39 O desenho é o meio pelo qual se cria uma determinada imagem. Este processo geralmente envolve uma superfície que é marcada aplicando-se sobre ela a pressão de uma ferramenta (em geral um lápis, caneta ou pincel), que ao fazê-la mover, faz surgir linhas, Em cima, pormenor de elemento entalhado separadamente e respectiva zona de encaixe. Ao centro, estrutura retabular onde se podem observar as diferentes zonas de ligação. Em baixo, pormenor de retábulo, onde as diversas peças são ligadas entre si por samblagens e colagem. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário pontos ou formas planas. Do resultado deste processo obtemos o desenho. Como componentes do desenho existem três elementos básicos, razão de existência gráfica. O traço é o caminho inicial para poder pensar em desenho, como elemento básico e como objecto físico (o traço “risca” a superfície dos materiais) associamo-lo ao elemento mínimo da linguagem gráfica: o ponto. O ponto, como elemento de dimensões mínimas, se for potenciado no sentido de se tornar expressivo, pode dar origem á linha. O traço muito apertado, quando é feito com pontos, dá origem a uma linha. Esta pode considerar-se como um elemento obtido a partir de um ponto movimentado numa dada direcção. A linha pode ser utilizada de modo a que se torne expressiva. Num objecto, uma linha pode dar ideia de um pau, num contorno, formando por exemplo um quadrado ou numa textura, como representação de uma “rede”, a representar a chuva. A linha e o ponto podem ser conjugadas em texturas de modo a produzirem uma imagem com intuito comunicativo e expressivo. O plano de representação é outro elemento fundamental num desenho. Ele é o suporte de trabalho. Por um lado a folha de desenho pode ser considerado o plano da representação, e por outro, é um meio de apoio á imagem. O plano de representação é a folha de papel e desenhase um motivo. Por exemplo, um quadrado. Utiliza-se convencionalmente uma vista frontal e só se pode construir um quadrado. Existe um plano de representação que é a folha de papel, já com um quadrado desenhado. Se quiser utilizar-se a conjugação da vista frontal com uma vista inclinada, passa-se de um plano para um volume, resultante da utilização simultânea de dois planos de representação: Se existir um plano simples, por exemplo um rectângulo 40 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário ao alto e lhe for convencionado um eixo em simetria e se a este eixo se gerar movimento de rotação, não se obtém apenas uma figura geométrica animada (o rectângulo rodando no seu eixo maior) mas um sólido geométrico que designamos de cilindro. Chegado a este ponto, pode-se observar a zona mais exterior do desenho. Ela depende da intenção de comunicar e exprimir uma dada ideia, um certo tema, uma certa realidade, e portanto tem que se submeter aquilo que efectivamente se quer transmitir. Neste passo, o processo de dar expressão à imagem criada, tem que se relacionar com aspectos tão importantes como o contorno e o esbatido. Há contudo que distinguir dois tipos de desenho: artístico e técnico. — Desenho artístico: possibilita ampla liberdade de figuração e apreciável subjectividade na representação. Este possibilita a representação de emoções ou impressões. — Desenho técnico: a diversidade de representação e a interpretação não é possível, devendo o mesmo objecto, num determinado tipo de figuração, ser representado sempre da mesma maneira, de forma completa e rigorosa. As regras que regem o desenho técnico são com efeito, bem definidas. Os princípios de representação em desenho técnico tendem cada vez mais a uniformizar nos vários países, criando-se assim uma verdadeira linguagem internacional. 41 Independentemente da técnica utilizada, os desenhos podem classificar-se nos seguintes grupos: — Desenho de concepção: exprime a forma genérica e a forma preconizada para resolver determinado problema, é geralmente mais elaborado á medida que a ideia inicial vai se concretizando e podem-se distinguir os esboços, os desenhos de anteprojecto e os desenhos de projecto. — Desenhos de definição: estabelecem as exigências funcionais a que devem satisfazer o objecto desenhado. — Desenhos de execução ou de fabrico: contêm todas as indicações necessárias para executar o desenho de acordo com as técnicas construtivas escolhidas. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário Os desenhos de concepção dividem-se em: — Esboços: definem a configuração geral dos elementos desenhados sem pormenorização excessiva e sem grande preocupação de rigor. São geralmente acompanhados por cálculos expeditos que fornecem informações aproximadas relativas às dimensões daqueles elementos. — Desenhos de anteprojecto: desenhos com rigor técnico e com muitos pormenores. — Desenhos de projecto: desenhos de conjunto, bem definidos, no que se refere às características de todos os seus elementos e às relações mútuas entre eles. O problema que se põe em relação ao desenho técnico é o de transpor, reduzir ou ampliar um desenho. O processo de transposição mais simples é a cópia em papel vegetal por sobreposição. A escala é como se sabe a relação entre uma determinada dimensão no desenho e a correspondente dimensão real do objecto representado e pode ser de redução ou de ampliação, conforme as dimensões do desenho são menores ou maiores do que as dimensões reais. Para escalas de redução: 1: 2,5 1: 20 1: 200 1: 2000 1: 25 000 1: 5 1: 50 1: 500 1: 5000 1: 50 000 1: 10 1: 100 1: 1000 1: 10 000 1: 100 000 Para escalas de ampliação: 2: 1 Em cima, algum do material utilizado na elaboração de desenhos técnicos e à mão livre. Mesa estirador, conjunto de canetas de tinta-da-china, borracha branca e conjunto de lápis de graffitti. 5: 1 10:1 Para além destas, considera-se ainda a escala 1:1 que corresponde á representação em tamanho natural. Esta escala deve ser usada sempre que possível, por dar mais directamente uma ideia das dimensões do objecto. A escala deve-se inscrever no lugar próprio, reservado na legenda do desenho. 42 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário O PROCESSO DE ESCOLHA E PREPARAÇÃO DA MADEIRA A primeira tarefa a executar pelo escultor, entalhador ou marceneiro é a escolha da madeira a utilizar e dela dependerá significativamente o sucesso da sua obra. Cada espécie de madeira tem propriedades físicas próprias que passam pela textura, índice de retracção, teor de água, peso específico, comprimento e diâmetro. Por outro lado, possuem propriedades mecânicas nomeadamente resistência e dureza, factores que inevitavelmente limitam o seu uso, mostrando-se algumas espécies mais adaptadas que outras a determinados projectos. A boa qualidade da madeira sempre foi tida em consideração para o bom resultado final da obra, uma vez que os entalhadores ou escultores eram, na maior parte das vezes, também douradores e pintores. Eles sabiam que estes aspectos eram determinantes para a beleza e longevidade da obra de arte. Quando as madeiras de qualidade não podiam ser fornecidas localmente, não hesitavam em adquirir essências afamadas de províncias ou países longínquos. Os escultores, desde a Idade Media, possuíam no seu atelier uma reserva de grume, madeira cortada ainda com casca, seca e sem defeitos, que era armazenada durante gerações. 43 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário O PLANTEAMENTO E TRAÇADO APLICADO À CONSTRUÇÃO EM MADEIRA A necessidade de preparação do trabalho de corte de madeira com vista à selecção de planos de encaixe, grossuras ou espessuras, larguras e cortes especiais, obrigaram, desde sempre, a um planeamento prévio sobre o modo como o trabalho deveria ser executado. De acordo com o aproveitamento da matéria-prima em bruto, destinada posteriormente a ser convertida em pranchas e barrotes, o homem desde sempre se obrigou, por razões de ordem económica e técnica, a deduzir os melhores aproveitamentos com vista ao mínimo desperdício de materiais. O acto de traçar é fundamentalmente um acto de avaliação, por um lado económico e, por outro lado, de natureza objectiva em relação à forma do produto semiacabado (prancha, barrote, ripa) que se pretende obter a partir de um tronco de matéria-prima ou de um produto semi-acabado que se usa intencionalmente para a realização de uma obra de arte. No âmbito da construção em madeira, seguindo-se um trabalho técnico elaborado, a que se chama em gíria de oficina planteamento da peça, a traçagem obriga-se a tornar concordante um conjunto de peças que, devidamente ligadas, se constituem num todo e a que chamamos obra de arte. Neste processo, a traçagem é considerada um acto de rigor onde a tolerância de encaixe (à mão, a maço, à prensa, colado ou cavilhado) adquire uma preponderância bastante forte no resultado final da construção da peça, quanto à sua rigidez ou à sua capacidade de articulação mecânica entre peças constituintes. O acto de corte, repartido entre o aproveitamento da peça de matéria-prima em bruto — o tronco — e a conversão deste em produtos semi-acabados deve ser bem planeado, uma vez que feito o corte não se poderá voltar atrás no projecto. As ligações madeira-madeira dependem da traçagem e do modo de produzir o corte, logo a maior ou menor qualidade mecânica do encaixe. Daí a importância do 44 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário acto de medir e de verificar as cotas de corte e de montagem. Neste domínio da medição é conveniente que a noção de tolerância do encaixe seja aprendida na prática e, por isso mesmo, se sugerem exercícios que levem o formando a adquirir a prática de traçar, cortar e medir, num cenário concreto de responsabilidade pessoal e treinamento prático. A prática de construção depende sempre do cuidado colocado nesta fase, quer na ligação dos vários componentes da peça, quer na armação do conjunto que, uma vez experimentada, dá lugar à colagem de todas as ligações componentes. Para todos os efeitos, não devem ser desmontadas por razões óbvias, porque uma ligação correcta é aquela que se executa sem necessidade de correcção. Quando acontecem deficiências nesta preparação do trabalho, todo o ciclo produtivo fica comprometido. PREPARAÇÃO DO TRABALHO 45 As operações da preparação do trabalho vão no sentido de se obterem produtos semi-acabados a partir da matéria-prima, e que estejam aptos a serem utilizados nos domínios oficinais de marcenaria, talha, embutidos, escultura, torneamento e artes decorativas em geral. Podem ser consideradas operações de laboração mecânica todas as operações que são complementadas na bancada de trabalho, com tarefas de produção manual específicas. Na laboração oficinal há a necessidade de se ter em atenção o acto de serração e corte das madeiras. A madeira é um material anisotrópico, tendo portanto um comportamento mecânico diferenciado do tronco inicial para das peças submetidas ao corte, pelo que é conveniente estudar previamente os planos de corte. Traçar, pode ser entendido como uma forma de ordenar, por meio de traços, a modelação de um determinado objecto. No caso dos trabalhos em madeira o mais comum é efectuar-se a traçagem de corte ou desengrossamento Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário (ou desbaste) de forma a planear-se à partida a forma final da peça que se pretende obter. Traçar, cortar e medir são operações dependentes das condições específicas da madeira ao nível das suas características e consequente comportamento mecânico. Os principais instrumentos utilizados para a traçagem são: — Régua graduada em metal ou em plástico; — Lápis normal ou lápis de cor (geralmente azul); — Esquadros de cepo e de centros; — Escantilhões (ou cércea) quando se trata de modelados específicos; — Outras ferramentas de traçagem que muitas vezes é o artífice que elabora os seus escantilhões ou “gabarits”, de acordo com a necessidade objectiva do trabalho em causa. O CORTE DE PRODUTOS SEMI-ACABADOS Na elaboração de trabalhos de construção em madeira, são solicitadas quase sempre as condições de se poder dispôr de tábuas ou barrotes para executar os trabalhos. Neste contexto, cortar tem o significado genérico de serrar, ou seja, separar ou dividir por meio de corte as quantidades de material a partir de uma peça provinda da laboração em serração, devidamente seca e em perfeitas condições para se poder utilizar em oficina ou em estaleiro. As ferramentas principais ao nível de maquinaria usada para o corte, são as serras de fita, de disco ou de lâmina. A serra de carpinteiro, com possibilidade de regular a tensão de corte ajustando a corda que liga as cabeceiras é ainda comum, embora cada vez mais se utilize a serra mecânica de fita ou a serra circular dotadas de motores e a serra mecânica de cabelo. O serrote, com várias tipologias possíveis, é outro destes instrumentos sendo usado o serrote de costas e outros de diversas formas. A partir dos traçados executados na superfície do material, o corte com serra ou serrote, permite obter uma forma ainda tosca e aproximada da forma final. 46 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário Para o desengrossamento da madeira (desbaste grosso ou fino) usamos geralmente a plaina manual podendose usar também a plaina mecânica. As principais ferramentas e máquinas-ferramenta, utilizadas para o corte de material são: — Serra de carpinteiro — Serrote de costas e de faca — Serra de rodear ou serra de arco: ou de bancada (serra de embutidos), — Serra de fita, mecânica — Serra de disco, mecânica — Plaina, formões e goivas — Plaina desengrossadeira mecânica — Torno mecânico — para corte por rotação de peça Berbequim de coluna (engenho de furar) CORTE DAS MADEIRAS – DIRECÇÕES DE CORTE E PLANOS ASSOCIADOS Durante o processo de laboração das madeiras, são obtidas peças de dimensões variáveis. A zona e a direcção do corte conferem às peças diferentes resistências mecânicas que se devem ter em consideração durante o processo de construção e durante as operações de restauro de estruturas, nomeadamente durante as reintegrações volumétricas a nível do suporte. Aos cortes das madeiras estão sempre associados planos de corte. Os planos determinam-se por Planos Transversal, Radial e Tangencial. Quando o corte é feito transversalmente ao sentido das fibras da madeira, denomina-se por Corte Transversal. Quando o corte é feito longitudinalmente e no sentido do centro do tronco denomina-se por Corte Radial. Quando o corte é feito paralelamente ao eixo central do tronco e também longitudinalmente, denomina-se por Plano Tangencial. 47 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário MEDIÇÕES Várias ferramentas antigas de medição Medir é o acto de avaliar ou determinar uma extensão ou quantidade, comprovando-a com uma grandeza definida, não esquecendo que medir é também verificar. Os instrumentos de medida mais utilizados na actividade profissional das artes das madeiras são quase todos graduados. O metro articulado, a escala marcada em milímetros e em polegadas, os esquadros e as sutas, são todas formas de recursos instrumentais incluindo os “gabarits” ou escantilhões que têm a finalidade de controlar cortes e desbastes por serra, plaina, goivas e formões. Torna-se importante controlar sempre as medidas das peças que se fabricam, confrontando-as com o desenho original, usando por exemplo escantilhões com a forma e medida transpostas do desenho à escala natural que ajudam a controlar a medida de forma rigorosa, além de permitirem, de modo expedito, controlar a forma da peça que se está a fabricar ou reproduzir. As principais ferramentas de medida são: — Metro articulado de carpinteiro; — Escala (régua graduada); — Esquadros graduados: — Suta e escantilhões especiais. É vulgar nas oficinas tradicionais de marcenaria e talha existirem moldes de peças que se produzem continuamente, com o fim de servirem de contorno à traçagem sobre o material de onde se extrai a peça. É um hábito provindo das oficinas da Idade Média que se mantém actual, tanto mais que este expediente de trabalho, facilitando o trabalho técnico, acaba também por contribuir para uma maior rentabilização do corte de materiais traçados a partir desse molde. LIGAÇÕES, ENCAIXES E SAMBLAGENS O processo de construção de obras de arte evoluiu ao longo dos tempos e o Homem, progressivamente, foi encontrando métodos para unir as diversas peças que constituem as construções. Estas uniões foram-se 48 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário tornando cada vez mais complexas e fortes, conferindo cada vez mais resistência e complexidade construtiva às peças. As cargas em direcção axial, ou seja, no sentido das fibras, são aplicadas quer pela compressão quer pela flexão das peças. As cargas em direcção transversal, ou seja ortogonalmente ao sentido das fibras, são aplicadas por compressão, tensão, fendimento e corte. Pode então dizer-se que às ligações e samblagens estão sempre associadas cargas mecânicas. De seguida são apresentados alguns exemplos de samblagens utilizadas na construção de obras de arte. LIGAÇÕES EM L 01 — Ligação à meia madeira em cruzeta; 02 — Ligação com respiga engasgada simples e cavilha; 03 — Ligação pelas faces; 04 — Ligação com espartilha à meia esquadria; 05 — Ligação pelas faces do rebaixo; 06 — Ligação pelas faces com reforço; 07 — Ligação com respiga engasgada; LIGAÇÕES EM T 08 — Cauda de andorinha; 09 — Entalhe com ganzepe aparente; 10 — Entalhe com ganzepe recolhido; 11 — Pelas faces à meia madeira e cauda de andorinha; 12 — Entalhe de fundo com cavilhas; LIGAÇÕES EM MALHETE 13 — Malhetes direitos; 14 — Malhetes semi-escondidos ou de frente de gaveta; 15 — Malhetes à vista ou clássicos; 49 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário TÉCNICAS DE ENTALHE Em cima, elaboração de ornato entalhado. Pode-se ver o conjunto de goivas e maço Alto-relevo construído com a ica de colagem de blocos sobrepostos As diferentes etapas do entalhe da madeira processamse de modo a que depois de traçado o ornato, ou seja, depois de desenhada a figura decorativa na peça, se consiga determinar perfeitamente o desbaste grosso dos planos secundários em busca de um fim mais ou menos elaborado. Mas há que ter em conta que essas etapas não podem ser conduzidas sempre da mesma forma e em toda a peça, tendo o escultor ou entalhador de respeitar criteriosamente as propriedades e particularidades físicas e mecânicas dos materiais em que está a trabalhar. Cada tipo de madeira tem propriedades físicas próprias, existindo madeiras que limitam o seu uso no corte ou entalhamento, enquanto outras espécies se mostram mais adequadas a determinados projectos. Na execução de um relevo ou de ornato, o entalhamento da madeira supõe o respeito de certas regras no manejo dos utensílios. De um modo geral, é preferível seguir o sentido das fibras da madeira, ou seja, a direcção da madeira, para prevenir o risco de “acidentes”. No entalhamento da madeira, os golpes dos utensílios devem ser dados respeitando ao máximo o sentido das fibras, deixando um traço liso e uniforme. No caso de ser necessário entalhar contra o veio, o conjunto de goivas deve estar perfeitamente afiado, caso contrario provocará fendas e traço rugoso. Raras são as madeiras, como a tília e a nogueira, que graças às suas características físicas podem ser talhadas em todos os sentidos. O entalhe com as ferramentas de corte perpendicularmente às fibras da madeira dá melhores resultados sobre madeiras duras e densas do que em madeiras macias com grandes espaços entre as fibras. Uma das técnicas bastante utilizada na construção de grandes cenas entalhadas e com vários planos de perspectiva assentava em regras complexas: sem perder de vista o efeito final pretendido, o escultor era levado a dividir o conjunto da representação em vários planos ou em elementos de cada plano separadamente. As figuras em primeiro plano, eram construídas num ou 50 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário em vários blocos espessos e as do segundo plano, eram constituídas por peças de madeira menos espessa, entalhadas na própria prancha. Numa segunda fase, os blocos com as figuras mais salientes eram colados na prancha e era dado entalhe fino de acabamento. Numerosas razões, nomeadamente as que estão associadas às tensões, proíbem efectivamente que se recorresse a um painel único sobre o qual figuraria a totalidade da composição. Este método por etapas sucessivas obriga a uma grande habilidade técnica e só foi seguido, na maioria dos casos, pelos grandes mestres escultores e entalhadores. O entalhamento de altos-relevos em madeira teve grandes mudanças ao longo do tempo. Desde a Idade Media que os escultores e entalhadores, depois de escolherem e esquadrejarem a madeira, conhecido por grume nesta fase, procediam ao desbaste grosso para libertar os principais contornos das figuras. Nesta fase do trabalho só intervinham o machado, a enxó, a grosa e a goiva. O grume desbastado era de seguida colocado horizontalmente numa bancada, entre dois eixos, que entravam na peça nas extremidades, e que permitia, quando necessário, rodar o grume para desbastar à volta do seu eixo. Encontram-se por vezes, no centro da base e cabeça de certas esculturas, e em colunas, orifícios abertos para colocar os eixos. A segunda fase do trabalho consistia em afinar as formas já desbastadas. Nas operações de entalhamento, particularmente das esculturas, existem elementos que são quase sempre trabalhados separadamente: as mãos que são introduzidas em cavidades da secção circular ou quadrada, os antebraços e os rostos, que depois eram colados e afinados com o resto do conjunto. FERRAMENTAS DE ENTALHADOR: 51 Formões; Goivas laças ou deslavadas — curvatura muito suave; Goivas curvas ou crespas — curvatura mais acentuada; Goivas de meia cana — em forma de meio circulo; Oficina de escultores e entalhadores. Início de trabalho de marcação de escultura Em baixo, execução de ornatos de talha Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário Esgache — em forma de V; Palhetes — forma rectilínea ; Goivas Tortas — com a forma de todas as anteriores, mas de corpo curvo; Goivas de incisão ou goivadas — de todos os tipos, mas de pequenas dimensões; Maços; Grosas; Brocas. TÉCNICAS DE DOURAMENTO E POLICROMIA Douramento a mordente de óleo com ouro falso, também conhecido como ouro de imitação ou italiano. O ouro é um metal nobre por excelência, que resiste a todas as atrocidades do tempo. A arte do douramento já se encontra nos ancestrais sarcófagos egípcios, testemunhos da sua origem. Numa época mais recente, esta técnica foi largamente aplicada em retábulos. O douramento era a expressão mais eloquente de que se revestia a mística do ouro, cor por excelência ligada a Deus e utilizada como um dos processos mais convincentes para a atracção sensitiva dos crentes. O impacto cénico do ouro revestia-se de uma tal importância que o douramento de um retábulo era encarado pelos fiéis como um serviço que era devido a Deus. Assim, a Igreja surgiu como o elemento impulsionador da criação artística, encontrando na talha uma magnífica forma de expressão junto dos crentes. Ao longo dos séculos XVII e XVIII a arte da talha sofreu o maior desenvolvimento no nosso país, reflexo da prosperidade ocasionada pelo ouro vindo do Brasil. Respondendo aos critérios estéticos da época, as encomendas para retábulos, obedeciam a um único critério: a glorificação de Deus. O princípio base do douramento era obter um revestimento de decoração brilhante, dando um tom de riqueza inexcedível. O douramento consiste no revestimento de superfícies com finas folhas de ouro, que se fazem aderir ao suporte de madeira através de diversos processos. No entanto, dourar não se limita 52 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário 53 à simples fixação de uma folha de ouro sobre uma peça. A preparação é morosa e meticulosa. O douramento pode ser feito sobre várias superfícies como estuque, pedra, metal e madeira. É sobre esta última que o manual faz referência. O processo de douramento tem várias fases preparatórias das madeiras até que estas possam receber o ouro: isolamento da madeira com cola animal; aplicação de várias camadas de preparação branca; modelação e nivelamento da preparação branca; aplicação de bollús da arménia. Somente após todas estas fases se começa realmente a aplicar a folha de ouro. Na oficina ou em estaleiro, o dourador tem de estar munido de ferramentas essenciais à sua profissão. De seguida, são referidas algumas das principais ferramentas utilizadas no processo: — Brochas: pincéis para aplicar cola animal, camadas de preparação branca, temperas e bollús, entre outras operações. O dourador deve possuir várias brochas e de diferentes tamanhos e números. As brochas redondas são utilizadas de forma a penetrarem bem em todos os recantos da talha. As brochas planas são usadas em superfícies planas. — Coxim: é uma almofada forrada, na maior parte das vezes com pele de vitela, evitando que as folhas de ouro adiram à sua superfície. Pode ser resguardado em volta por três folhas protectoras, normalmente pergaminho, para proteger as folhas de ouro da acção do vento. Esta ferramenta segura-se de forma semelhante à paleta de pintor, com o polegar inserido numa tira de couro na parte inferior da almofada, onde existe também uma aselha para enfiar a faca de dourador. É sobre o coxim que o dourador corta as folhas com as dimensões desejadas. — Faca de Dourador: é uma faca de lâmina comprida e fina, mas não afiada, para que corte apenas o ouro e não a pele do coxim. — Pincel “putois”: estes pincéis servem para assentar o ouro sobre o objecto a dourar. São pincéis cheios, de pêlo de fuinha, negro, fino e muito macio. Serve também para fazer a molhagem do bollús e para estender o mordente sobre as partes do objecto a dourar. — Paleta de dourar: é um pincel largo de pêlo da cauda Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário Em cima, passagem com o “pitois” sobre o ouro no fim de seco para o libertar do excesso de matéria. Em baixo, corte de folha de ouro verdadeiro. de esquilo ou pêlo de marta. Os pêlos estão entre dois cartões colados de modo a não os excederem mais do que três a quatro centímetros. A paleta, também chamada de espátula de dourar, serve para agarrar o ouro do coxim e aplicá-lo na zona a dourar bafejando-o levemente para o estender. Previamente passa-se o pêlo sobre um pouco de gordura que o dourador coloca na face, na palma da mão ou no cabelo para facilitar a aderência do ouro. — Pincel de dourar: São necessários vários pincéis de diferentes tamanhos e formatos. Entre os douradores, são conhecidos por pincéis de cauda devido ao cabo terminar geralmente em forma de cauda de andorinha. Servem para estender o ouro, batendo levemente ou afagando-o. Deve ser muito macio e de boa qualidade. — Pedra de brunir ou brunidor: são pedras de hematite sanguínea ou de ágata de diferentes tamanhos e formatos que se adequam às várias formas da talha. Servem para tornar o douramento a água luzidio e brilhante. Para além destas ferramentas, o dourador necessita ainda de outras tais como lixas de diferentes números, recipientes de vários tamanhos, peneiros, pincéis, fogão, colheres e raspadores. O ouro é muito dúctil, tenaz e maleável podendo ser reduzido a camadas de espessura muito reduzida, aproximadamente um milésimo de milímetro. Através da martelagem, metodicamente executada, conseguem-se obter folhas de ouro tão finas. O processo de elaboração dos “pães de ouro” não se alterou muito em relação aos produzidos antigamente. O artífice que reduzia o ouro, a prata e outros metais a folhas delgadíssimas para douramento era chamado de bate-folhas. Da maneira como o bate-folhas trabalhava o ouro, dependia o resultado obtido pelo dourador. A preparação das folhas de ouro obedecia e obedece a regras precisas sendo diversas as fases pelas quais passa o metal precioso até atingir a forma final. O processo consiste na aquisição da matéria-prima, fundição, laminagem, desbaste e composição de livros. Hoje em dia já se utilizam máquinas para laminar e cortar que facilitam o processo. A folha de ouro de lei pode ir de 18 a 24 quilates. O termo quilate tem origem medieval; um quilate corresponde a 9,7 gramas. 54 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário O ouro fino apresenta-se sob a forma de livros de papel de 25 folhas. As folhas de ouro são quadradas e têm de lado 8 centímetros, estando separadas umas das outras por papel de seda. A um conjunto de 40 livros dá-se o nome de “milheiro” uma vez que corresponde a 1000 folhas. O ouro falso ou de imitação tem uma pequena percentagem de ouro misturado com outros metais. Este tipo de ouro é de qualidade inferior e é normalmente utilizado no douramento a mordente, não sendo praticamente utilizado no douramento a água, uma vez que oxida muito facilmente. Vem em livros de papel semelhantes aos de ouro fino com 100 folhas tendo a particularidade de, cada folha, corresponder em área a 4 folhas de ouro fino. DOURAMENTO SOBRE MADEIRA O trabalho a dourar tem de estar desprovido de qualquer tipo de impurezas, gorduras e sujidades. Quando o douramento é feito numa superfície suja, corre-se o risco do ouro e das camadas inferiores de preparação branca e bollús destacarem, principalmente no douramento a água. A madeira para ser dourada tem de obedecer ainda a outras características. A madeira deve estar bem seca, para não se formarem fissuras e os nós de resina devem ser queimados e fechados, de preferência com o mesmo tipo de madeira. PREPARAÇÃO DO SUPORTE OU APARELHAMENTO “ENCOLAGE” 55 A preparação da superfície a dourar é a primeira fase da tarefa atribuída ao dourador. Até se considerar que a madeira está preparada para receber a decoração da folha de ouro passa por diversas fases, sofrendo vários tratamentos com o objectivo de se obter uma superfície completamente lisa. A durabilidade desta decoração depende de três factores principais: o tipo de cola Aplicação de “encolage”. A cola deve estar bem quente para que penetre bem na madeira. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário utilizada, o número de camadas de preparação branca e a qualidade do bollús da arménia. A cola de coelho é utilizada em muitas das fases do douramento, sendo necessário preparar inicialmente uma quantidade de cola que seja a suficiente para todo o processo. A cola pode ser preparada de diversas maneiras e com várias “receitas”. PREPARAÇÃO DA COLA ANIMAL Em cima, taças de inox para aquecer a cola e cola de coelho em pó e granulado. Em baixo, aplicação de cola de coelho sobre a madeira. Para 8 partes de água, deita-se uma parte de cola de coelho. Normalmente, a cola é comercializada sobre a forma de granulado ou pó, mas antigamente aparecia sobre a forma de pastilhas que tinham de ser moídas. Recomenda-se a utilização de recipientes vidrados e graduados para facilitar esta operação. De referir que a adesividade da cola difere de fabricante para fabricante e devem realizar-se testes antes de utilizar o adesivo em larga escala, ajustando e adequando as proporções às necessidades de cada peça. A cola deve ficar bem submersa em água cerca de 12 horas até inchar bem. Para preparar a cola propriamente dita, coloca-se o recipiente em banho-maria sem ferver, aliás, deve-se evitar que ultrapasse os 60ºC. Mexe-se regularmente para que a cola não se agarre ao fundo do recipiente. Depois de bem dissolvida, juntar e mexer bem o conservante de cola em proporções referenciadas pelo fabricante. Retira-se do lume e deixa-se arrefecer até ficar em gelatina. Comprova-se desta maneira a adesividade da cola. A cola deve ser armazenada em local bem fresco e seco, preferencialmente no frigorífico. APLICAÇÃO DA COLA ANIMAL OU “ENCOLAGEM” A operação consiste em aplicar a cola animal por toda a superfície da madeira a dourar, com a finalidade de diminuir a capacidade de absorção da mesma e criar um bom suporte para a preparação branca. 56 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário Para este processo, retira-se uma determinada quantidade da cola preparada inicialmente, deita-se num recipiente, acrescenta-se uma quantidade de água equivalente à cola e desfaz-se por aquecimento. Deixa-se aquecer sem que coza, mexendo-a sempre. A encolagem deve ser aplicada a 40-45ºC, com o auxílio de um pincel plano, se for uma peça plana, ou com uma brocha redonda se for talha ou outro adorno. A cola é aplicada várias vezes por toda a superfície a dourar sem deixar excessos. Durante a aplicação, a cola nunca pode arrefecer de modo a que penetre bem em todos os poros da madeira. Este processo deve repetir-se tantas vezes quantas as necessárias, dependendo da espécie da madeira. Quando a madeira estiver bem impregnada, deixa-se secar durante várias horas até que a superfície da madeira fique áspera e possua um brilho semi-lúcido, comprovando-se deste modo que a cola está completamente seca. Após a aplicação da encolage é conveniente lavar muito bem todos os utensílios utilizados com água. Processo de preparação da preparação branca. Em primeiro lugar peneirar a carga e juntar à cola animal quando esta estiver bem quente. A aplicação da preparação deve ser feita a cerca de 45ºC. PREPARAÇÃO BRANCA 57 Depois da aplicação da cola animal no processo de “encolage”, a operação seguinte consiste na aplicação de várias camadas de preparação branca de caulino ou cré. Uma obra aparelhada com toda a segurança pressupõe a aplicação de pelo menos 7 a 12 camadas desta preparação segundo os tratado antigos de artes decorativas. A preparação branca é necessária para regularizar as imperfeições da madeira, obter uma superfície macia e lisa e para se poderem aplicar os materiais sucessivos. O caulino e o cré são utilizados como carga pelas suas propriedades plásticas e menos quebradiças. Qualquer um destes materiais deve estar bem peneirado e guardado dentro de um saco ou recipiente bem fechado, protegidos de poeiras e sobretudo da água. Quanto mais fina for a carga, melhor será o resultado final. Para fazer a preparação branca, retira-se a quantidade necessária da primeira preparação de cola de coelho. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário Aquecer a cola em banho-maria até ficar bem quente, mas sem ferver. Adiciona-se o caulino ou o cré com uma colher ou simplesmente com a mão até saturar e criar ilha. Só depois de se atingir o ponto de saturação é que se mistura lentamente com uma colher. Se a mistura for feita muito rapidamente, formam-se bolhas de ar e grumos, dificultando a aplicação posterior. Quando a mistura tomar corpo, sem ficar numa pasta muito espessa nem muito fluida, pode considerar-se que está pronta. Para aquecer a cola podem utilizar-se recipientes de barro, pois conservam o calor por mais tempo. É aconselhável manter a preparação pouco quente com a temperatura constante, evitando a todo o custo que a água da preparação evapore, tornando-a cada vez mais espessa. A aplicação é feita a pincel nas superfícies a dourar, estendendo a preparação branca uniformemente. Cada camada deve secar muito bem à temperatura ambiente e aplica-se uma nova camada, repetindo o processo as vezes que forem necessárias. BETUMAR, NIVELAR E POLIR Esta é uma fase muito importante, pois no final da obra todos os erros e falhas cometidas nesta operação são bastante visíveis. Se a superfície não ficar perfeitamente lisa, depois de dourada todas irregularidades são mais visíveis. Entre as demãos consecutivas de preparação branca passa-se uma lixa fina e betumam-se as fendas e cavidades com massa feita de cola e cré ou caulino em pó. À medida que a superfície é nivelada, tem que ser limpa para remover todo o pó existente. Quando se conclui que a talha já levou as camadas suficientes de preparação, lixa-se com lixa fina sobre toda a talha de forma a eliminar todas as irregularidades. Numa última operação, lixa-se novamente, mas com lixa muito fina para polir. Por vezes, é necessário retocar algumas zonas pelo que se utilizam ferros de retoque ou de modelagem. 58 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário A preparação branca, dependendo da sua espessura, pode ainda ser entalhada, permite ao entalhador executar detalhes complexos e difíceis com maior precisão do que faria na madeira. Quanto mais grossa for a camada de preparação, mais profundamente se pode talhar e maior o detalhe que se consegue na composição. ÁGUA DE LAVAGEM Antes de se aplicarem as camadas de bollús da arménia, pode aplicar-se na peça uma mistura de água com cola de coelho. Este processo tem a função de aglutinar os grãos soltos de caulino ou cré provenientes do nivelamento. A água de lavagem é uma preparação semelhante à “encolage”, mas um pouco mais fluida. Deve ser aplicada uniformemente sem que se formem poças e sempre muito quente. Com esta água-cola a superfície fica mais fina, limpa e não se corre o risco do bollús da arménia manchar. No entanto, a água de lavagem é facultativa e alguns douradores não a aplicam. EMBOLADO OU APLICAÇÃO DE BOLLÚS Antes de se aplicar a folha de ouro há a necessidade de se efectuar uma operação denominada por embolado, conhecida correntemente por “dar o bolo”. Esta preparação garante a adesividade do ouro e dá a elasticidade essencial ao processo de brunir. O Bollús da Arménia é uma terra argilosa e untuosa, “doce” ao tacto, de cor vermelha, amarela ou preta. O vermelho é o mais utilizado pelos efeitos estéticos que proporciona, o amarelo é maioritariamente usado para dar as primeiras demãos por alguns douradores. O método antigo consistia em duas camadas de bolo amarelo e duas camadas de bolo vermelho. O bollús preto, normalmente, é utilizado no prateamento. 59 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário Em baixo, processo de preparação de Bollús da Arménia, PREPARAÇÃO DO BOLLÚS DA ARMÉNIA neste caso com afinação de cor. De um modo geral, a preparação é constituída por uma parte de argila de arménia e duas partes de cola animal. No entanto, pode variar segundo as recomendações dos fabricantes. Actualmente, o bollús já se encontra no mercado semi-preparado, sendo necessário fazer apenas pequenos ajustes de diluição. Depois de amolecer o bollús a quente, acrescenta-se uma parte de cola animal e uma parte de água, tudo a quente, sem ferver. Esta preparação deve ficar com uma consistência bem fluída sendo decisiva para o bom resultado do douramento. Em receitas antigas era aconselhado adicionar gorduras para aumentar a força adesiva, como por exemplo sebo, sabão do tipo “Marselha” (sabão anidro), cera e gordura de porco. DOURAMENTO A ÁGUA Depois de se considerar a madeira preparada com todos os pormenores exigidos, o dourador pode dar início ao douramento. Dos dois processos mais utilizados para dourar madeira - douramento a água e douramento a mordente - o douramento a água é o de maior beleza. Este processo só pode ser aplicado em interiores, pois não resiste à acção dos agentes atmosféricas ao contrário do douramento com mordente. Este douramento permite ao dourador tornar o ouro luzidio e brilhante quando brunido e criar tons foscos para dar realce. No douramento a água, a primeira fase da aplicação da folha de ouro consiste na colocação da folha no coxim. Para isso, agarra-se o livro sempre pelo lado da costura sem apertar ao centro, abre-se e põe-se a folha sobre o coxim, ou faz-se deslizar sobre a folha de papel do livro. Para que a folha estique sobre o coxim, dá-se um pequeno sopro sobre a folha de ouro. Também se pode retirar a folha com o auxílio da faca de dourador. 60 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário 61 O livrinho deve estar junto do dourador para ser utilizado sempre que necessário, mas afastado da água. As folhas de ouro quando salpicadas com água são destruídas. A segunda fase consiste no corte da folha. Com a faca de dourador coloca-se a folha no centro do coxim e estende-se a folha o melhor possível, caso esteja retorcida. De seguida, com a faca de dourador, corta-se o ouro nas dimensões da área a dourar. Se a zona a dourar for plana e de dimensões razoáveis faz-se o douramento com a folha de ouro inteira. Molham-se as zonas a dourar com água límpida e fria utilizando-se pincéis de molhar de diferentes espessuras, tendo o cuidado de apenas molhar as partes que se vão dourar e a aplicação do ouro deve ser feita rapidamente antes que a zona humedecida seque. A água deve ser renovada regularmente para evitar o depósito de poeiras e sujidades, o que poderá comprometer o resultado final do douramento. O ouro é transportado do coxim com a paleta de dourar e aplica-se na zona a dourar. Para o ouro aderir à paleta, passa-se com esta levemente sobre um pouco de gordura que se coloca na costa da mão, na face ou na testa. O douramento faz-se das zonas mais fundas para as zonas mais salientes e de cima para baixo. Uma das práticas mais correntes para fazer o ouro para aderir à superfície, é bafejando-o e estendo-o muito suavemente com um “pitoi”. O ouro, depois de duas ou três horas da sua aplicação pode ser brunido com a pedra de ágata para ficar mais brilhante e luminoso. Não se deve deixar secar demasiadamente o ouro, o que tornaria menos belo o brunido. Antes de brunir é conveniente passar sobre o ouro um pincel macio para tirar a poeira que tenha aderido à superfície. O processo é simples: deve passar-se a pedra de ágata suavemente sobre o ouro, guiando-a com as duas mãos de modo a passar somente nas zonas pretendidas. Quantas mais vezes se passarem as pedras sobre o ouro, maior será o brilho adquirido. Se constatar que o ouro resiste bem à passagem das pedras pode-se aumentar a força da fricção, sendo o brilho cada vez mais visível e acentuado. Em cima, douramento a água com ouro de lei de 23 ¾ qlt. Em baixo, passagem do ouro com pedra de ágata para brunir. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário DOURAMENTO A MORDENTE Em cima, douramento a mordente com ouro falso. É recomendado a utilização de luvas para manipular o ouro. O processo de douramento a mordente com folha de ouro falso, de imitação ou italiano, como também é conhecido é relativamente fácil. A sua resistência desta combinação às intempéries tem muitas utilizações em trabalhos de exteriores como por exemplo cúpulas, estátuas, gradeamentos de vedação e varandas. Esta tecnica pode aplicar-se em qualquer superfície sem necessitar de encolagem, preparação branca e bollús de arménia, para além de ser muito mais económico. Contrariamente ao douramento a água, este tipo de douramento não pode ser brunido, dependendo o seu brilho do fundo que deve ser liso e homogéneo. Sobre a superfície a dourar aplica-se uma ou duas demãos de goma-laca e deixa-se secar. A goma-laca impede que o mordente seja absorvido pela superfície, seque e consequentemente o ouro não agarre. Com uma brocha ou um pincel de cerdas aplica-se uma demão de mordente e estende-se o mais fino e uniformemente possível. Esta operação é determinante no resultado final do dourado. Quando se aplica o mordente, a brocha ou pincel devem estar bem escorridos para que este fique bem estirado. Um bom mordente deve ter a propriedade de secar depressa, mas manter por muito tempo a sua capacidade de colagem. No comércio encontram-se mordentes de óleo de 3, 6, 12 e 24 horas. O melhor mordente será o de 24 horas, pois tem menor quantidade de secativos, o que aumenta o seu poder adesivo. Hoje em dia, encontram-se no mercado outros tipos de mordente, nomeadamente mordente a água e mordente a álcool com tempos de actuação na ordem dos 15 a 30 minutos. Depois de “seco”, aplica-se o ouro de modo semelhante ao douramento a água. Quando bem assente, escovase ligeiramente o ouro com um pituá e para finalizar enverniza-se o douramento com verniz de álcool, por exemplo goma-laca. Este verniz deve ser aplicado assim que possível para evitar eventuais oxidações da folha 62 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário de ouro de imitação. Esta oxidação aparece muitas vezes no sítio onde se passaram as mãos num tom esverdeado, reflexo da oxidação do cobre que se encontra em grande quantidade na sua constituição. TÉCNICAS E EFEITOS DECORATIVOS ESTOFADO 63 A imaginária, principalmente a que foi decorada a partir do século XVIII, tem na sua generalidade uma decoração muito rica que era executada sobre mantos, roupagens, nuvens e asas de querubins, com diferentes tons a que se chama estofado. O estofado consiste na aplicação de tintas de têmpera de ovo sobre o ouro, que depois são raspadas cuidadosamente seguindo diversos motivos, deixando o ouro visível por debaixo da pintura. A têmpera de ovo é preparada com gema ou com clara de ovo, conforme o tipo de resultado pretendido. Na têmpera a gema de ovo, utilizam-se normalmente pigmentos ficando as cores mates e densas. Com a têmpera a clara de ovo, conseguem-se resultados transparentes, mas para isso é necessário a utilização de corantes, criando assim efeitos visuais onde o brilho do ouro é visível através da pintura. A realização do estofado é muito simples. Primeiro escolhe-se um desenho que se passa para papel vegetal. Uma das técnicas de transposição para a peça consiste em picotar o papel nas zonas delimitadoras do desenho e depois é batido suavemente com uma boneca de pó de talco, aparecendo sobre a têmpera o contorno a branco. Depois de transposto o desenho para a peça, retira-se a têmpera que se encontra no interior do desenho por raspagem. Assim, a têmpera dá lugar ao ouro. Este processo de “raspagem” é feito com um ponteiro metálico ou de madeira densa com a ponta arredondada, de modo a remover a têmpera sem riscar o ouro. Na imagem final é visível o ouro com a forma do desenho que foi transposto para a peça. Em cima, escultura em madeira polícromada com técnica de estofado. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário Exemplo de técnicas decorativas de estofado. Esta técnica PUNÇOADO imita os tecidos bordados a ouro e os adamascados do séc. XVIII. A realização de desenhos punçoados pressupõe a existência de punções podendo estes ter várias formas. Quando são batidos sobre o ouro ou sobre a têmpera, transferem para a superfície a sua forma, dando um aspecto muito característico, podendo ter a forma de pequenos círculos, estrelas e flores. A sua transposição é feita batendo com um pequeno martelo no punção que vai marcando a superfície dourada. Este processo deve ser muito cuidadoso para não criar destacamentos das camadas de preparação nem romper o ouro. Os padrões criados ficavam, normalmente, ao gosto do dourador, sendo mais utilizados para debruar as vestes e decorar as zonas de janela onde aparece o ouro nos estofados. ESGRAFITADO Esta é uma técnica muito simples e de fácil realização, cujo resultado final é muito agradável à vista. Através de pequenos estiletes fazem-se desenhos pequenos ou grandes, finos ou grossos desenhos consoante o resultado que se pretende. Também aqui a têmpera é deslocada, ficando à vista os orifícios semelhantes a pequenos fios de ouro. Os padrões são ao gosto do dourador, mas os mais utilizados são os traços paralelos desencontrados e os pequenos círculos. PATINES O termo patine, identifica o envelhecimento natural e as sucessivas camadas de sujidade e gordura que se acumularam no ouro ou nas policromias com o decorrer dos anos, sobretudo nas decorações trabalhadas e nos entalhes. A patine pode ser imitada com uma velatura que se dá sobre o ouro ou a pintura que dá mais contraste entre as zonas côncavas e convexas. As patines têm de ser feitas consoante o tom do ouro ou o efeito final pretendido. 64 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário Antigamente, para o douramento a água, a patine era feita com tintas a óleo combinando-se várias cores até se atingir o tom certo. A cor base era terra siena natural. A esta cor acrescentava-se terra siena queimada e amarelo em pequenas quantidades, fazendo-se o acerto do tom na paleta. Quando se atingia o tom desejado, misturava-se essência de terebentina até a tinta ficar bem fluida, mas com algum corpo, aplicando-se uniformemente uma camada muito estirada a pincel. Quando se usavam tintas a têmpera, o processo de preparação e acerto de tom era o mesmo, apenas com a diferença de o solvente ser a água-cola muito diluída. Actualmente, existem no mercado, patines de diferentes tons prontas a aplicar, o que simplifica muito esta operação, como é o caso do betume judaico, que se pode aplicar com diversas densidades: para ficar mais fluido basta diluir com um pouco “white spirit”. Depois de aplicado, passa-se um pano nas zonas mais altas da talha, deixando os resíduos nas zonas côncavas, o que confere ao ouro maior volumetria. Quando se aplica betume judaico sobre o douramento a mordente há que ter em consideração que este dissolve o mordente, arrastando deste modo o ouro quando se passa o pano. Varias técnicas de patine sobre ouro e sobre pintura. 65 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 05 Exercícios Propostos Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 05 Exercícios Propostos EXERCÍCIO 1 Este exercício vai no sentido de se aperfeiçoarem as técnicas utilizadas na produção de talha dourada. A primeira fase passa pela elaboração do desenho de ornato depois de pesquisa em fontes directas ou indirectas, ou adaptação de ornatos previamente desenhados. A traçagem, transposição do desenho e corte da placa de madeira devem ser o mais rigorosos possível. As placas para o entalhamento do ornato devem ter as seguintes dimensões: Comprimento: 35 cm Largura: 25 cm Espessura: 3 cm A aplicação das técnicas de entalhamento passam num primeiro nível pelo desbaste grosso, depois pelo entalhamento médio e por fim é feito o entalhamento fino com a afinação das formas. A nível das camadas decorativas este exercício propõe a criação de uma superfície dourada a ouro italiano ou ouro falso utilizando as técnicas tradicionais. As fases a seguir são: — Preparação de cola de coelho — Aplicação da “encolage” — Preparação de preparação branca com carga a determinar — Aplicação de Preparação Branca — Nivelamento e aparelhamento da preparação branca — Aplicação de agua de Lavagem — Preparação de bollús da arménia vermelho — Aplicação de bollús da arménia — Nivelamento do bollús — Aplicação de mordente — Douramento a ouro italiano — Aplicação de patine de Betume Judaico — Aplicação de camada de protecção — goma laca 68 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 05 Exercícios Propostos EXERCÍCIO 2 69 Elaboração de desenho de ornato depois de pesquisa em fontes directas ou indirectas, ou adaptação de ornatos previamente desenhados de talha gorda de acabamento fino. A segunda fase consiste em aplicar os conhecimentos adquiridos a nível de ligações coladas e samblagens, construindo um bloco para que seja possível criar uma peça com as dimensões desejadas. O bloco para o entalhamento do ornato deverá ter as seguintes dimensões: Comprimento: 35 cm Largura: 25 cm Espessura: 10 cm As peças fornecidas devem ter espessuras e larguras variadas. O formando deve seleccionar as peças de modo a construir o bloco de entalhamento por colagem dos vários elementos. Este processo deve ser estudado numa primeira fase em desenho rigoroso. A traçagem, corte e transposição do desenho devem ser rigorosos. A aplicação das técnicas de entalhamento passam num primeiro nível pelo desbaste grosso, depois pelo entalhamento médio e por fim é feito o entalhamento fino com a afinação das formas. As camadas decorativas propostas neste exercício são a criação de uma superfície dourada a ouro verdadeiro ou de lei utilizando as técnicas tradicionais. As fases a seguir são: Preparação de cola de coelho — Aplicação da “encolage” — Preparação de preparação branca com carga a determinar — Aplicação de Preparação Branca — Nivelamento e aparelhamento da preparação branca — Aplicação de Agua de Lavagem — Preparação de Bollús da Arménia vermelho — Aplicação de Bollús da arménia — Nivelamento do Bollús — Douramento a água —Brunimento do ouro Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 05 Exercícios Propostos EXERCÍCIO 3 A partir de um bloco de madeira, criar uma peça fragmento de uma escultura de vulto. A probabilidade de aplicação deste trabalho seria a de uma reintegração volumétrica. O trabalho de talha visa reproduzir miméticamente uma zona de panejamento de uma escultura estofada. Processo do trabalho: — O bloco pode ser de peça única ou feito por colagem. — Entalhamento da zona seleccionada —Aplicação de “encolage” — Aplicação de preparação branca — Nivelamento da preparação branca — Aplicação de água de lavagem — Aplicação de bollús da arménia — Douramento a água com ouro de lei — Brunimento do ouro nas zonas devidas — Preparação de Tempera de ovo com cor seleccionada — Aplicação de camada de tempera de ovo — Elaboração de desenho de estofado — Transposição para papel vegetal — Picotagem do papel vegetal — Transposição do desenho para a peça com boneca de pó de talco — Abertura de estofado — Aplicação de punçoado — Esgrafitar — Contorno de avivamento — Aplicação de camada de protecção — goma laca 70 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 06 Tecnologias da Conservação e Restauro Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 06 Tecnologias da Conservação e Restauro A CONSERVAÇÃO E O RESTAURO As intervenções de Conservação e Restauro desde sempre tiveram um único objectivo: a preservação do Património legado pelas gerações que nos antecederam. O que acontecia, é que muitas vezes as pessoas que intervencionaram esse património não tinham conhecimentos suficientes para tão complexa tarefa, alterando as obras quer formalmente, quer a nível decorativo, deixando do original da peça muitos poucos vestígios. A utilização de materiais não reversíveis e incompatíveis com o original, levou a que se desvirtuassem as peças, de tal modo que, a sua peritagem se torna em muitos casos quase impossível. Para explicar o que é a Conservação e o Restauro, seguem-se as suas definições de um modo muito sucinto. A Intervenção Conservativa, consiste em estabilizar os processos de degradação do suporte e respectivas camadas pictóricas, evitando que as peças se degradem mais que o actual estado de conservação. A desinfestação, a revisão das estruturas com a consolidação das madeiras, a colagem dos elementos em destacamento, a remoção dos elementos metálicos oxidados, pregos e outros elementos, removendo também todos os elementos que não trazem nenhum tipo de benesses à peça, ou pelo contrário, prejudicam a sua leitura e ocultam parte do original. Nas superfícies 72 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 06 Tecnologias da Conservação e Restauro cromáticas, o tratamento conservativo consiste apenas na fixação das camadas pictóricas e do ouro que estão em destacamento, muitas das vezes devido à perda de adesividade dos ligantes. A limpeza química e mecânica das peças é feita de modo a liberta-la de eventuais sujidades e vernizes oxidados. Depois de estabilizados os factores de degradação, é aplicada uma camada de protecção. A Intervenção de Restauro, engloba todos os processos da Intervenção Conservativa, mas este tratamento tem também o objectivo de dar uma maior aproximação possível do pressuposto estado original da peça. O objectivo é conseguido através da reconstituição dos elementos inexistentes, do preenchimento das lacunas a nível da preparação, da reintegração pictórica e do douramento, através da reintegração mimética ou diferenciada. Deste modo conclui-se que o conservador restaurador está sujeito a um Código Ético e Deontológico da profissão que nunca deve ser ignorado, pelo contrário, deve ser sempre aplicado em cada intervenção de Conservação e Restauro de obras de arte, independentemente do seu valor artístico, histórico ou cultural. 73 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 07 Código de Ética da Conservação e Restauro Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 07 Código de Ética da Conservação e Restauro PRINCÍPIOS GERAIS DE APLICAÇÃO DO CÓDIGO Artº 1 – O código de ética engloba as principais obrigações e comportamentos que o conservador restaurador deve desempenhar na prática da profissão. Artº 2 – A profissão do conservador restaurador constitui uma actividade de interesse público e deve ser praticada de acordo com todas as leis, Nacionais e Europeias e os agregamentos particulares relativos a objectos roubados. Artº 3 – O conservador restaurador trabalha directamente com objectos culturais e é o responsável, perante o proprietário e a sociedade (…) O conservador restaurador tem o direito de recusar um trabalho que o leve a fazer o contrário dos termos e do espírito deste código. Artº 4 – Não respeitar as principais obrigações e proibições do código de ética conduz a um mau profissional e ao descrédito da profissão. OBRIGAÇÕES PARA COM OS OBJECTOS CULTURAIS Artº 5 – O conservador restaurador deve respeitar a técnica, o aspecto estético, o significado histórico e a integridade física do objecto cultural que lhe foi confiado. 76 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 07 Código de Ética da Conservação e Restauro Artº 6 – O conservador restaurador, em colaboração com os colegas envolvidos com os bens culturais deve considerar a “existência social” enquanto preserva esses bens. Artº 7 – (…) ainda que as circunstâncias limitem a actividade do conservador restaurador, o respeito pelo código não deve ser comprometido. Artº 8 – O conservador restaurador deve considerar todos os aspectos de conservação preventiva, antes de retirar o bem cultural para fora do seu meio e limitar o seu tratamento ao necessário. Artº 9 – O conservador restaurador deve empenharse em usar materiais e produtos de acordo com os conhecimentos científicos e não prejudicar os objectos (…) A acção dos materiais usados não deve interferir, tanto quanto possível, com quaisquer exames futuros, tratamentos ou análises. Devem também ser compatíveis com os materiais da peça e tanto quanto possível, fácil e completamente reversíveis. Artº 10 – A documentação das peças deve constar de registos de diagnóstico intervenções de conservação e restauro e outras informações relevantes. Essa documentação torna-se “parte da peça” e pode ser vantajoso anexa-la. Artº 11 – O conservador restaurador deve comprometerse só com trabalhos que for capaz de levar a cabo. Ele não deve começar nem continuar um tratamento que não seja para o “melhor interesse do bem cultural”. Artº 12 – O conservador restaurador deve empenharse em enriquecer os seus conhecimentos, sempre com a intenção de melhorar as qualidades profissionais. 77 Artº 13 – Quando necessário, o conservador restaurador deve consultar historiadores ou especialistas em análise científica e devem compartilhar toda a informação. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 07 Código de Ética da Conservação e Restauro Artº 14 – Em qualquer emergência, em que a peça esteja em perigo imediato, (…) o conservador restaurador deve dar toda a assistência possível. Artº 15 – O conservador restaurador não deve remover material da peça, a não ser que seja indispensável para a sua preservação, ou interfira substancialmente com o valor histórico e estético da peça. Materiais que se removeram devem ser conservados, se possível e o processo inteiramente documentado. Artº 16 – Quando o uso social de um bem cultural for incompatível com a sua preservação, o conservador restaurador deve recomendar uma conveniente reprodução cujo procedimento não danifique o original. OBRIGAÇÕES PARA COM O PROPRIETÁRIO Artº 17 – O conservador restaurador deve informar o proprietário sobre qualquer acção necessário e especificar os meios mais apropriados para um cuidado contínuo. Artº 18 – O conservador restaurador está sujeito ao sigilo profissional (…) OBRIGAÇÕES PARA COM OS COLEGAS E PARA COM A PROFISSÃO Artº 19 – O conservador restaurador deve, manter um espírito de respeito pela integridade dos colegas e da profissão. Artº 20 – O conservador restaurador deve, dentro dos limites de conhecimento, capacidade e meios técnicos, participar na formação de internos e assistentes. O conservador restaurador é o responsável pela supervisão do trabalho confiado aos assistentes. 78 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 07 Código de Ética da Conservação e Restauro Artº 21 – O conservador restaurador deve contribuir para o desenvolvimento da profissão, partilhando a experiência e as informações. Artº 22 – O conservador restaurador deve empenhar-se em promover um profundo conhecimento da profissão e consciencializar os outros profissionais e o público. Artº 23 – Documentação relativa à preservação e restauro de cada conservador restaurador é da sua responsabilidade. Artº 24 – Envolvimento no comércio de bens culturais não é compatível com as actividades do conservador restaurador. Artº 25 – Para manter a dignidade e credibilidade da profissão, o conservador restaurador deve empenharse apenas informação apropriada, na divulgação do seu trabalho. 79 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 08 Deontologia do Conservador Restaurador Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 08 Deontologia do Conservador Restaurador A interacção do conservador restaurador com a obra de arte. Antes de qualquer intervenção, o estado de conservação da obra, os materiais e técnicas que lhe estão inerentes, bem como os a utilizar na intervenção devem constituir objecto de estudo e análise o mais detalhadamente possível. As evidências históricas contidas na obra não devem ser removidas, alteradas ou destruídas. Qualquer acção deve seguir a regra de intervenção mínima, de modo a respeitar o máximo possível os originais. Ter em conta o aspecto da reversibilidade tanto dos materiais utilizados mas também do acto em si mesmo. Cada tratamento deve poder-se anular sem deixar marcas. Permitir a salvaguarda da maior quantidade possível de materiais originais e utilizar materiais que sejam compatíveis com estes, tanto a nível de características físicas, químicas e mecânicas, mas também no aspecto harmónico no que se refere à cor e textura sem que possam ser confundidos com materiais originais quando observados de perto As intervenções devem ser da responsabilidade de pessoas especialistas no domínio da conservação e restauro. 82 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 08 Deontologia do Conservador Restaurador ANÁLISE DE CONCEITOS Preservação — Actua sobre as causas externas de deterioração, controlando os seus efeitos; Conservação — Consiste numa acção directa sobre os bens culturais procurando alcançar o seu equilíbrio físico-químico, anulando os processos de degradação; Restauro — Consiste numa acção directa sobre os bens culturais deteriorados, renovando e restituindo a aparência mais próxima do original, mas respeitando tanto quanto possível a integridade estética, histórica e física; 83 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 09 A Evolução Histórica dos Conceitos e das Normas Legais Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 09 A Evolução Histórica dos Conceitos e das Normas Legais Ao pretender compreender-se o actual enquadramento de salvaguarda dos bens culturais arquitectónicos e arqueológicos, é interessante e importante conhecer a evolução do próprio conceito de património e das situações jurídicas que se lhe adequaram. É a partir do renascimento que se encontra a ideia de preservar, e até estudar, alguns testemunhos do passado, sobretudo clássicos, designados por "antiqualhas". Os estudiosos citam, frequentemente, as obras de André de Resende e de Francisco D'Holanda, que viveram no século XVI, para demonstrar a preocupação, já então existente, da valorização do património monumental, enquanto documento, nomeadamente o da Antiguidade Clássica. Já no século XVIII, surgem as primeiras acções de enquadramento legal para a conservação do património monumental. É uma nova mentalidade, uma outra maneira de "ver" e interpretar os testemunhos legados pelos antepassados - a ideia de monumento, sobrepõese à de "antiqualha". À Academia Real da História, criada por D. João V, em 1720, é incumbida a tarefa de "providenciar sobre a conservação dos monumentos". É na sequência desta incumbência que se encontra o primeiro instrumento legal - o alvará de 20 de Agosto de 1721 - com âmbito de intervenção na área do património. Neste alvará, D. João V determina que a academia Real da História inventarie e conserve "os monumentos 86 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 09 A Evolução Histórica dos Conceitos e das Normas Legais antigos que havia e se podia descobrir no Reino dos tempos em (que) nelle dominaram os Phenices, Gregos, Persas, Romanos, Godos e Arábicos…" e "… ordena que nenhuma pessoa de qualquer estado, qualidade e condição que seja, desfaça ou destrua em todo nem em parte qualquer edifício que mostre ser daqueles tempos…". Prevalecia ainda, no século XVIII, a ideia de descoberta de um passado longínquo. É no século XIX que se assiste a uma maior consciencialização da importância do património cultural, nomeadamente a necessidade da salvaguarda dos bens imóveis. Alexandre Herculano (1810 -1877) é normalmente citado como um pioneiro do movimento de salvaguarda do património arquitectónico e artístico português a ele se devem importantes textos que, em revistas como "o panorama", tiveram o mérito de generalizar as preocupações sobre o património. É nos finais do século XIX que se afirma o conceito de "Monumento Histórico" reflectindo as posições de uma burguesia cultural e ideologicamente afirmativa nos seus valores e princípios. Revelador do novo conceito e também das preocupações de salvaguarda do património monumental é um projecto de decreto 1876 que apontava para as necessidades de habilitar técnicos para intervir nos monumentos, definindo o papel que competiria ao Estado no inventário, estudo, vigilância, conservação e reparação dos monumentos históricos. Em1880, a pedido do Ministro das Obras Públicas, a Real Associação de Arquitectos e Arqueólogos Portugueses apresentava a primeira relação de monumentos a classificar. Agrupava-os em seis classes, abrangendo as obras-primas da arquitectura e da arte portuguesa, os edifícios com significado para o estudo da história das artes, os monumentos militares, a estatuária, os padrões e arcos comemorativos e, por fim, os monumentos pré-históricos. Não se tem conhecimento de que esta listagem tenha sido aprovada oficialmente, mantendo-se, contudo, como elemento de referência. 87 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 09 A Evolução Histórica dos Conceitos e das Normas Legais AS CLASSIFICAÇÕES NASCEM COM O NOVO SÉCULO XX. Em 24 de Outubro de 1901 era, finalmente, assinado o Decreto Orgânico que instituía o Conselho dos Monumentos Nacionais e que determinava as "bases para a classificação dos móveis que devem ser considerados Monumentos Nacionais…" Em 27 de Setembro de 1906 era publicado o Decreto que formalizava, com o Castelo de Elvas, a primeira classificação de imóveis de Portugal. Dava-se, assim, início á fase das classificações. Em 14 de Janeiro de 1907, classificam-se os monumentos considerados dos mais emblemáticos, como os Mosteiros da Batalha, Jerónimos e Alcobaça, o Convento de Cristo, as Sés da Guarda, Lisboa, Évora e Coimbra e a Torre de Belém. Já em 1990 publica-se um extenso decreto de classificação ordenado de forma sistemática segundo tipologias. Assim, encontramos: Monumentos préhistóricos (Antas e outros monumentos), Monumentos Lusitanos e Lusitanos-romanos, Castros, Entrincheiramento (exclusivo para a cava de Viriato), Povoações (todas romanas), Marcos miliários, Pontes, Templos, Arcos, Fonte (exclusivo para o Tanque dom ídolo, em Braga), Estátuas (Lusitanos de Montalegre), Inscrições, Túmulose e Sepulturas, Monumentos Militares (Castelos, Torres e Padrões), Monumentos civis (Paços Reais, Paços Municipais, Paços Episcopais e Paços de Universidade, Palácios Particulares e Casas Memoráveis, Misericórdias e Hospitais, Aquedutos, Chafarizes e Fontes, Pontes, Arcos, Padrões Comemorativos e Pelourinhos) e, por fim, Trechos Arquitectónicos. Começava a alargar-se o conceito de "Monumento". O Decreto de 1910 contempla e privilegia, sobretudo, a arqueologia. Não se pode ignorar que se estava numa época em que, por toda a Europa, os Nacionalismos de cada "Nação" procuravam encontrar as suas raízes mais ancestrais e a persistência e permanência rácica num território, bem como as justificações históricas para determinadas acções ou reivindicações políticas. 88 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 09 A Evolução Histórica dos Conceitos e das Normas Legais Quando se consulta o actual Inventário dos imóveis classificados, encontram-se não só classificações com o grau de monumento nacional, mas também outras categorias de classificação - o imóvel de interesse público, figura introduzida pelo Decreto nº 20985, de 7 de Março de 1932, e o valor concelhio, introduzido pela Lei nº 2032, de 11 de Junho de 1949. Estes novos graus representam uma estratificação e uma diferença do mérito artístico, histórico e social dos móveis classificados, marcando novas etapas de alargamento da noção de património cultural Em 1985 é publicada a Lei do Património Cultural Português que, simultaneamente, mantém alguma continuidade relativamente ao enquadramento jurídico anterior e incorpora as novas concepções e filosofias que têm vindo a ser expressas pelas instâncias internacionais, sobretudo pela UNESCO e pelo Conselho da Europa, sobre a salvaguarda e valorização do Património Cultural. 89 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 10 Métodos de Diagnóstico e Peritagem em Arte Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 10 Métodos de Diagnóstico e Peritagem em Arte DIAGNÓSTICO E FORMULAÇÃO DE PROPOSTAS DE TRATAMENTO Com as ferramentas apresentadas a seguir na identificação das obras de arte, o trabalho do Conservador Restaurador toma um cariz científico no que diz respeito às intervenções de conservação e restauro. Aliás, a área de conservação e restauro nos últimos anos deixou de ser vista como uma área de intervenção artesanal, onde os intervenientes eram na maior parte das vezes pintores e marceneiros, que mesmo tendo grandes conhecimentos na sua área oficinal, deixavam muito a desejar no que dizia respeito à conservação e restauro de obras de arte. O principal problema detectado neste tipo de intervenções é o desrespeito pelo original da peça recorrendo muitas vezes a repintes e ocultação de zonas decorativas, substituição de peças decoradas, aplicação de purpurinas sobre superfícies douradas, reintegrações volumétricas que alteram a leitura das peças entre muitos outros. O papel do Técnico Profissional de Restauro de Arte Sacra em suporte de madeira é fundamental no processo de valorização do nosso Património, sendo um elemento fundamental nas equipas de Conservadores Restauradores. O conhecimento das técnicas utilizadas na produção das obras de arte em madeira é uma mais valia para os Licenciados em Conservação e Restauro, geralmente os responsáveis de obra, que não podendo 92 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 10 Métodos de Diagnóstico e Peritagem em Arte estar presentes em todos os locais de intervenção, apoiam-se no conhecimento adquirido dos Técnicos Profissionais para a detecção de patologias durante o decorrer das obras. Outra das mais valias do Técnico Profissional será o "know-how" e o adestramento adquirido em formação, habilitando-o a intervencionar obras de arte em suporte de madeira tanto a nível de reintegrações volumétricas, como do tratamento dos suportes e das camadas pictóricas. Obviamente que os conhecimentos adquiridos durante a formação não serão suficientes para concorrer a obras de conservação e restauro. Quando o Técnico Profissional decide trabalhar por conta própria é fundamental que tenha na sua equipa de trabalho um Licenciado para analisar adequadamente o estado de conservação, fazer o levantamento de patologias, recorrer aos métodos de exame laboratorial, criar a metodologia de intervenção e projectar a obra. Não tendo a possibilidade de ter um Conservador Restaurador a tempo inteiro, existem empresas no mercado que prestam serviços de Consultoria quando necessário. 93 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 11 A Peritagem - método de aquisição de conhecimentos específicos para uma correcta intervenção Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 11 A Peritagem - método de aquisição de conhecimentos específicos para uma correcta intervenção Antes de uma peça ser sujeita a uma intervenção de Conservação e Restauro, há que ter em conta que tipo de peça intervencionar. Ela pode ser constituída por um só material, mas pode ser a composição de varias dezenas de materiais, desde o suporte às camadas cromáticas, passando pelo material estrutural, cargas, pigmentos, folhas metálicas, aglutinantes e vernizes. À conjugação destes materiais, normalmente, correspondem padrões bem visíveis de épocas ou artistas. Para além do local de construção, materiais e técnicas associadas em cada peça, tem que se ter em conta que os materiais reagem entre si e com o meio que os rodeia. Este conhecimento específico é necessário antes da intervenção da obra e existe a obrigatoriedade de se "perceber a peça" pormenorizadamente. Para isso, recorrem-se normalmente a dois tipos de peritagem: a Peritagem Expedita e a Peritagem Laboratorial. 98 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 A Peritagem Expedita Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 A Peritagem Expedita Perante um determinado bem cultural devem retirarse todas as informações que este possa transmitir e ajudar à sua identificação e classificação, isto é, dentro da sua classe e na posição devida. Normalmente, o próprio bem cultural, não fornece todas as informações que o técnico pretende e necessita, havendo, nesse caso, a necessidade de recorrer a outros elementos que com ele se relacionem, ou que sobre ele versem, tais como: — Documentos ou descrições relacionadas directamente com o bem ou com os bens similares; — Outros bens da mesma família ou com características similares; — Bens de outras famílias, mas com elementos similares a algum, ou alguns, dos elementos do bem em causa; Assim, quanto mais conhecedor das matérias for o identificador, maior capacidade tem para identificar o bem cultural em causa e maior probabilidade de conseguir recolher melhores e mais rigorosas informações dadas directamente pelo bem e conseguidas através da sua observação e análise directa. Sendo assim, devem ser chamados a identificar cada bem cultural especialistas da matéria ou matérias em que se insere a peça, para que assim se obtenham os melhores resultados possíveis - a melhor e mais rigorosa identificação de um bem cultural, que possibilite, seguidamente, a melhor e mais rigorosa classificação desse mesmo bem. 100 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 A Peritagem Expedita A identificação de um Bem Cultural, subentende o entendimento geral da Arte como reflexo da Sociedade, na medida em que traduz as referências culturais e as mentalidades dos grupos sociais, através das temáticas, das técnicas e das propostas estéticas. DEFINIÇÕES IDENTIFICAÇÃO O processo de identificação de uma obra de arte passa pela relação de todos os elementos possíveis para a caracterização do bem cultural, seja através da fonte imediata pelo próprio bem, seja através de fontes mediatas através de outros bens ou documentos. Para uma correcta identificação da obra tem de se ter em conta os seguintes aspectos: — A Descrição, seja escrita ou através de imagem, com o registo dos seus dados físicos, por exemplo dimensões e peso; — O Tipo de bem; — O Estilo; — As Técnicas utilizadas na sua construção; — Os Materiais que o constituem; — A Qualidade do bem - qualidade de concepção, dos materiais e de execução; — O Uso e a Patine com os seus eventuais restauros e/ou modificações; — A Época da sua construção. 101 A identificação rigorosa de um bem cultural pressupõe o preenchimento de uma ficha de identificação previamente elaborada, onde se deve prever tudo aquilo que possa eventualmente interessar recolher, a nível da identificação de um bem cultural, incluindo uma zona para as conclusões do identificador, onde este deve dar de modo objectivo e claro a sua opinião sobre o bem. O principal objectivo da identificação de um bem cultural é a determinação do seu autor, embora na maior parte dos casos seja práticamente impossível de Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 A Peritagem Expedita se fazer. Maior probabilidade existe na determinação do local de construção, sobretudo em termos de nacionalidade. Deve-se sempre datar o bem em identificação ou, pelo menos, deve-se tentar balizar essa data, determinando a década, o quarto de século, o meio século ou em último recurso, o século da sua construção. A correcta identificação de um bem cultural vai transformar esse bem e a respectiva ficha de identificação numa fonte de grande importância para o estudo da História da Arte e de outras áreas de investigação. CLASSIFICAÇÃO A classificação de um bem cultural, não é mais que a colocação desse bem, depois de devidamente identificado, junto dos seus pares, isto é, junto de outros bens culturais que com ele tenham alguma, ou algumas afinidades. Estas afinidades podem ser de diversos tipos, podendo agrupar-se os bens culturais segundo vários critérios. Identifica-se um bem cultural para que possa ser classificado e classifica-se, esse mesmo bem, para dar um acesso integrado ao seu estudo. BEM CULTURAL Ao contrário daquilo que muitas vezes é referido, nem tudo o que é arte se classifica como bem cultural. É o contexto histórico, artístico ou religioso, que vai determinar se um bem corpóreo unitário, ou conjunto de bens (por exemplo uma biblioteca) ou um bem incorpóreo (conceito, música, provérbio, pensamento - criado ou adaptado pelo Homem ao longo da sua vivência histórica), será um bem cultural. Diáriamente são produzidos bens que, contendo um valor documental para o estudo humanístico, podem vir a ser considerados bens culturais. 102 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 A Peritagem Expedita FONTES As fontes, são todo o tipo de documentos passíveis de ser consultados e utilizados na busca de todo o género de informações que possam contribuir para a correcta e completa identificação de um bem cultural. As fontes podem ser de diversos tipos, sendo tanto mais importantes quanto mais fortemente estiverem ligadas ao bem em estudo. Diversas precauções devem ter-se em consideração quando se recorre a fontes, devendo haver grande rigor na determinação da sua importância e da sua qualidade. Por vezes, determinadas fontes podem mostrar-se desadequadas na contribuição para uma correcta identificação, devendo haver uma atitude crítica, não só em relação à sua adequação, como à sua autenticidade. Deste modo, na identificação de bens culturais, basear uma conclusão numa fonte desadequada ou numa fonte falsa é, obviamente, um erro a evitar. FONTES IMEDIATAS As fontes imediatas são os próprios bens em identificação. Eles são as únicas fontes imediatas, pois entre o identificador e o bem nada interfere, ou seja, há um contacto directo entre a fonte e o identificador. Em princípio, a observação directa do bem a identificar será a mais importante fonte documental existente. Através dessa observação directa - a qual nunca deve ser desprezada - podem recolher-se as informações que o bem nos proporciona. Por outro lado, o identificador deve estar consciente que, embora a observação do bem a identificar seja indispensável, existem outras fontes que podem dar preciosas informações complementares e esclarecedoras para a identificação de algum ou alguns aspectos do bem. 103 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 A Peritagem Expedita FONTES MEDIATAS As fontes mediatas são todos os documentos disponíveis para a identificação de bens culturais. Existem três tipos de fontes mediatas: — Todos os bens, que não aquele que está em identificação; — Todas as representações visuais existentes que mostrem o bem em causa ou outro idêntico (filmagens, fotografias, gravuras, desenhos, esculturas.); — Todas as descrições e informações do bem em investigação e análise e de bens idênticos; Este tipo de fontes são utilizadas quando a fonte imediata não existe ou existindo não se consegue retirar dela todas as informações, consideradas necessárias, para a sua completa identificação, ou ainda, quando se considera importante a sua utilização para confirmar e documentar as conclusões tiradas da observação directa do bem em identificação. Por outro lado, estes tipos de documentos podem relacionar-se com o bem em causa de duas formas diferentes. Directa e indirectamente. FONTES MEDIATAS DIRECTAS As fontes mediatas são directas, se os documentos em causa se relacionarem directamente com o bem em identificação. Estes documentos são considerados caso se relacionem directamente com o bem em identificação e: — No caso de serem outros bens, forem bens do mesmo tipo, (idênticos), e se forem da mesma época (fidedignos para o estudo do bem em causa); — No caso de serem representações visuais, representarem o bem em causa e tiverem sido realizadas na sua presença; — No caso de serem descrições, tiverem sido feitas tendo o bem em causa à vista; — No caso das informações existentes em documentos escritos se referirem concretamente ao bem em causa. 104 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 A Peritagem Expedita FONTES MEDIATAS INDIRECTAS As fontes mediatas são indirectas quando os documentos em causa não se relacionam directamente com o bem em identificação, isto é, quando se relacionam por interposição de algo ou alguém. Considera-se que esses documentos se relacionam indirectamente com o bem em identificação se: — No caso de serem outros bens, não forem bens do tipo ou, sendo do mesmo tipo, não forem da mesma época; — No caso de serem representações visuais, representarem outros bens ou, representando o bem em causa, não tenha essa representação sido feita com o bem em presença (mas sim de memória ou através da descrição de outrem); — No caso de serem descrições, não descreverem o bem em causa ou, se o descreverem, tiverem sido feitas sem o bem em presença (de memória ou através da descrição de outrem); — No caso de informações contidas em documentos escritos, se estas se referirem a outros bens com relações de algum tipo com o bem em análise. No entanto, existem grandes diferenças de importância e fidedignidade nas informações prestadas pelas fontes mediatas indirectas, havendo mesmo algumas que pouca relevância têm para a identificação. Normalmente só confirmam constatações feitas através da análise de outras fontes. IDENTIFICAÇÃO De seguida são estudados os passos necessários para uma correcta identificação de um bem cultural. Esta identificação é fundamental para saber exactamente que peça se tem para intervencionar. DESCRIÇÃO 105 O identificador de um bem cultural deve, antes de tudo, descrever o bem tão pormenorizadamente quanto Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 A Peritagem Expedita possível para que este se torne reconhecível por qualquer interessado e, ao mesmo tempo, inconfundível. Assim, é importante, não só que o bem seja descrito por escrito como também se utilize a imagem dele para que possa ser visualizado pelos eventuais interessados (fotografia, filmagem). O identificador deve ainda: — Registar as dimensões do bem; — O seu peso (quando possível); — A sua volumétria e/ou outras características físicas que considere importante e possíveis de registar. — Dar atenção a eventuais sinais ou inscrições que o bem possa ter (assinaturas, datas, marcas, dizeres). Todos estes pormenores são fundamentais para que o bem possa ser individualizado e, assim, facilmente reconhecido e não confundido. TIPOLOGIA Para uma correcta identificação de um bem cultural é necessário estabelecer o tipo de bem em questão. O Homem foi dando nomes a todos os objectos, no entanto, vários tipos de bens foram-se adaptando à vivência humana e criando subtipos. No fundo, derivações de bens que consubstânciam por si, novos tipos de bens ou subtipos de bens. Assim, tem de haver uma busca pela a correcta terminologia dos bens. O identificador deve registar tudo isto na identificação para que haja uma correcta comunicação e terminologia comum entre os interessados - historiadores, investigadores, entre outros. Importante na determinação do tipo de bem é o estudo da sua história em concreto, nomeadamente a sua criação, evolução e eventual extinção, com atenção para os eventuais subtipos. Estes conhecimentos limitam temporalmente e espacialmente a sua construção, tornando-se auxiliares importantes para balizar a época e a localização da feitura dos bens. 106 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 A Peritagem Expedita ESTILO O estilo está subjacente à concepção do bem, quer em relação à estrutura, quer em relação à decoração. Por estilo, entende-se o conjunto de elementos característicos de uma época, de uma região, de uma escola ou de uma pessoa. Os estilos são criações do Homem e vão surgindo à medida que se vai desenrolando o processo histórico. Cada estilo substituiu o estilo anterior e acabou por ser substituído pelo estilo seguinte no processo de evolução da estética e do gosto. Não se pode esquecer que por vezes as inter-influências geraram bens de estilo híbrido, isto é, bens com elementos característicos de um estilo, misturados, com os de outro estilo. Não são raros os casos em que essa mistura foi tão bem sucedida e inovadora que criaram novas correntes, para não dizer estilos. TÉCNICAS 107 Importante para a identificação de um bem é saber qual ou quais as técnicas utilizadas para a sua construção, tanto a nível da estrutura como da decoração. As técnicas surgem em vários planos: como foram preparados os materiais, a sua utilização na construção do bem, as suas junções com outros materiais que eventualmente também componham o bem e como foram utilizados na sua decoração. Na verdade, é fundamental que na identificação dos bens, se tente detectar quais as técnicas utilizadas em concreto: quais os tipos de instrumentos, de utensílios, de ferramentas e técnicas que foram utilizados na preparação dos materiais, quais as técnicas de junção das diferentes peças do bem. Depois de identificadas, as técnicas podem ser comparadas com aquilo que se conhece das técnicas utilizadas em cada período histórico-cultural. Só assim, se podem balizar os bens a identificar - um bem não pode ser dado como pertencendo a uma região e a uma época em que as técnicas e ferramentas utilizadas não fossem conhecidas e usadas. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 A Peritagem Expedita MATERIAIS A determinação dos materiais utilizados na feitura do bem, tanto ao nível da sua estrutura como da sua decoração é fundamental. Na análise dos materiais utilizados devem dividir-se os que constituem a estrutura dos bens, dos que constituem a sua decoração, isto porque em variadíssimas épocas histórico-culturais os materiais variaram, sendo estes diferentes em região para região. Normalmente, os materiais utilizados na estrutura dos bens, no fundo aqueles que em maior quantidade são necessários para a sua construção, são materiais que estão "à mão" da civilização que em cada período histórico-cultural produziu bens. Já alguns dos materiais utilizados nas decorações de obras de arte eram importados, logo, com muito mais frequência, podem ser oriundos de outros locais, uma vez que era necessária uma muito menor quantidade. Todos estes dados acrescidos do conhecimento dos tipos de relações entre povos e respectivas regiões ao longo dos tempos, são fundamentais para a compreensão dos tipos de materiais que foram sendo utilizados na construção dos diversos tipos de bens. O identificador deve tentar tudo para conseguir a correcta identificação dos materiais e deve recorrer a todas as análises que julgue necessárias para conseguir essa identificação. QUALIDADE A qualidade dos bens constitui um forte indício sobre qual a civilização e/ou região que os poderá ter produzido e em que período histórico-cultural. Para tal, deve-se verificar a qualidade de um bem através da: — Verificação da sua qualidade de concepção; — Qualidade dos materiais utilizados; — Qualidade de execução. Estes são os três momentos distintos na construção de um bem que devem ser analisados pormenorizadamente pelo identificador. Estas três 108 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 A Peritagem Expedita realidades estão, normalmente, intímamente interligadas na feitura de um determinado bem. Para um bem de concepção superior é lógico que tenham sido escolhidos materiais de primeira qualidade e os melhores executantes. QUALIDADE DE CONCEPÇÃO Está em causa a beleza do bem e uma série de conceitos que com ela estão relacionados, tais como: — Estética; — Proporção; — Detalhe e pormenor; — Requinte; — Funcionalidade (quando seja um bem utilitário); — Conforto. Resumindo, é necessário que exista capacidade criadora na "pessoa" que planeou o bem. Por outro lado, convém não esquecer que muitos modelos de bens não foram criados por ninguém em concreto, mas através de uma evolução para a qual, uma ou várias civilizações foram contribuindo. QUALIDADE DOS MATERIAIS Tem de se ter em conta diversos factores: — A qualidade física do material, que tem a ver com as suas propriedades em concreto; — A sua beleza, relativamente à coloração das suas superfícies, os brilhos que cria, as tonalidades; — A suavidade; — Os factores psicológicos que lhes são frequentemente associados em determinadas civilizações e épocas histórico-culturais. QUALIDADE DE EXECUÇÃO 109 Na qualidade de execução está em causa a capacidade técnica da pessoa ou das pessoas que contribuíram Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 A Peritagem Expedita para a construção dos bens. A experiência, a destreza e a perícia do executante, são fundamentais para a qualidade final de um bem. O nível de qualidade de um bem fornece fortes indícios sobre a eventual civilização que o terá produzido, sobre a região onde possa ter sido construído, o tipo de pessoas a que se destinava e em que período históricocultural poderá ter surgido. A própria determinação da autoria de um bem está intimamente relacionada com a sua qualidade. O USO Outro passo importante é a detalhada verificação do uso e desgaste de um bem cultural, e é fundamental para a determinação da sua época. No entanto, existem especiais factores de maior preservação dos bens, assim como existem diversos factores aceleradores da sua degradação. Na observação do desgaste de um bem deve ter-se em consideração: — O desgaste geral do bem; — Verificar se no objecto em causa é comum existir algum tipo de desgaste ou uso específico, fruto de alguma especificidade que o bem tenha e que lhe proporcione um especial uso ou uma especial conservação. USO PARCIAL Partes do bem que, de forma pouco normal, estão diferenciados das restantes partes do mesmo. É uma parte do bem que tem um uso próprio, diferente, para melhor ou pior, das restantes partes. Ligado a esta problemática do uso e dos desgastes estão os restauros. É fundamental que o identificador detecte e caracterize os eventuais restauros que o bem tenha sofrido. Para tal, pode recorrer-se a especiais técnicas de despiste dos mesmos, sobretudo nos casos em que se tenha pretendido que este não fosse detectado. 110 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 A Peritagem Expedita ÉPOCA Uma das finalidades da identificação de bens culturais é a determinação da sua época e da época de construção. Para isso, o identificador deve percorrer todos os pontos já referidos da identificação da bens culturais e determinar qual a época do bem em identificação, logo, se ele é "de época". Por um bem "de época" entendem-se os bens em que o seu tipo, o estilo que lhe está subjacente e as técnicas utilizadas correspondem aquilo que era produzido por uma determinada civilização num concreto momento histórico-cultural, sendo os seus materiais aqueles que eram utilizados usualmente por essa cultura e a qualidade correspondente aos seus padrões, desde que a isto se conjuguem evidentes e naturais sinais de desgaste, que só o tempo e o Homem conseguem dar. No entanto existem bens que não são "de época", tendo sido construídos em altura posterior. Assim, temos bens "tardios" - bens que não sendo "de época" foram produzidos em época imediatamente ulterior à época, ainda se notando características semelhantes. Muitas vezes eram executados por pessoas que conheceram a época e que dela ainda eram reflexo. Grande quantidade de bens é de "outra época". Estes são bens construídos posteriormente, copiando ou adaptando modelos de épocas anteriores. Por fim, há que ter em consideração os bens "falsos" bens construídos noutra época mas que cumprem as características da época original. Estes são desgastados propositadamente para enganar o vulgar apreciador de arte. O identificador deve identificar a qual destas quatro possibilidades corresponde o bem em identificação. CONCLUSÕES 111 Parte crucial da identificação, são as conclusões. Nas conclusões o identificador deve, resumir todas as respostas dadas às questões anteriormente colocadas, acrescentando o local de produção do bem e a sua Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 A Peritagem Expedita autoria. Assim, juntando à determinação da época do bem, o identificador responde às três questões fundamentais da identificação de bens culturais - autor, local de construção e época. OBSERVAÇÕES Na identificação de bens culturais o identificador deve deixar também as suas opiniões, para as quais não tem fundamentação, no sentido de estas opiniões virem a ser conhecidas por outros estudiosos. Esse aspecto deve ficar registado nas observações. O identificador, através da sua experiência, durante a identificação de um bem poderá criar convicções para as quais não consegue arranjar prova, seria uma pena e um desperdício perder essas observações. Como tal, devem ser registadas em local próprio para não serem tomadas como conclusões. 112 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 13 A Peritagem Laboratorial Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 13 A Peritagem Laboratorial A peritagem laboratorial permite ter acesso a informações contidas nas obras de arte, mas que não são possíveis de determinar à vista desarmada, desde a análise estratigráfica das camadas constituintes de uma superfície decorada, à análise química ou física dos seus constituintes. Estes métodos de exame e de análise podem dividir-se em dois tipos: Métodos destrutivos e Métodos não destrutivos. No primeiro caso, para se proceder aos exames não é necessária matéria da obra. As análises são feitas sem interferir na própria obra. No segundo caso, são necessárias amostras para determinar os seus constituintes, daí se chamarem destrutivas, embora se utilizem quantidades ínfimas de matéria na análise, normalmente retiradas de zonas em destacamento. MÉTODOS NÃO DESTRUTIVOS — ANÁLISE DE SUPERFÍCIE OBSERVAÇÃO À LUPA A observação à lupa pode dar informações muito importantes acerca da constituição das camadas cromáticas. Este é um processo muito simples de peritagem, com o qual se conseguem identificar a existência de vernizes e sujidades, assim como analisar desgastes e destacamentos. 114 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 13 A Peritagem Laboratorial FOTOGRAFIA DE LUZ NORMAL A COR E PRETO E BRANCO O registo fotográfico é essencial no processo de conservação e restauro. Este deve acompanhar todas as fases, desde o levantamento inicial no local de exposição das peças, percorrendo todos os processos como método de registo das operações a que a peça esteja sujeita. A fotografia a preto e branco tem a vantagem de se conseguir estudar a peça formalmente com abstracção da cor. MACRO FOTOGRAFIA Normalmente, conseguem-se visionar pormenores com a macro fotografia que não se conseguem ver o olho nú. Não pela ampliação dos motivos ou das zonas fotografadas, mas será principalmente porque o campo de visão é reduzido ao que realmente interessa, não se dispersando o olho por toda a informação que está ao seu redor. FOTOGRAFIA COM LUZ RASANTE A fotografia com luz rasante em superfícies planas é uma ferramenta muito útil porque permite ver as irregularidades dos planos, nomeadamente craquelures, preparações em destacamento e empenos das madeiras. O processo consiste em colocar um projector de luz no alinhamento do plano da peça em análise, o que cria sombras nas zonas irregulares. FOTOGRAFIA DE INFRAVERMELHOS 115 O estudo de exames de Obras de arte com radiação de Infravermelhos dá-se devido à possibilidade de existência de um desenho subjacente, que se encontra muito ligado a obras Europeias dos Século XV e XVI. Fotografia macro de destacamento de policromia em escultura Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 13 A Peritagem Laboratorial Fotografia a preto e branco. Os artistas desta época para definirem a primeira forma e a composição de uma obra, faziam um desenho preparatório, que era pintado sobre a camada de preparação. Em muitos casos, este tipo de desenhos, permitem ao investigador saber quais eram as intenções iniciais ou as influências que o artista sofria. O Comprimento de Onda da radiação de Infravermelhos começa no limite do espectro visível e pode estenderse até às ondas hertzianas, apresentando geralmente valores compreendidos entre os 700 - 900nm, superior à capacidade de percepção do olho humano. Este tipo de radiação possui um Comprimento de Onda que lhe permite atravessar a camada pictórica e atingir a camada de preparação. Os Infravermelhos atravessam a camada cromática, sendo reflectidos pela preparação e absorvidos pelo desenho subjacente. Então, toda a matéria que absorve os Infravermelhos fica escura e opaca e os organismos que os reflectem tornam-se claros e ficam transparentes, mostrando desta forma o desenho subjacente. FLUORESCÊNCIA DO ULTRAVIOLETA Fotografia da fluorescência do UV. Fotografia do Infravermelho. A radiação Ultravioleta (UV) foi descoberta nos inícios do século XIX, pelo Físico Alemão J.W. Ritter ao observar a transformação química do cloreto de prata quando sujeito a radiação desconhecida, mas adjacente ao limite do espectro violeta. A aplicação deste tipo de radiação no estudo científico de Obras de Arte deu-se com o início da comercialização das lâmpadas de Wood® que servem de iluminação à radiação Ultravioleta. A obra de arte iluminada reflecte os Ultravioleta e emite uma fluorescência visível. Nesta altura os Ultravioleta são impedidos de entrar na lente através de um filtro de absorção Ultravioleta, sendo captada apenas a fluorescência. A forma como este tipo de radiação é absorvido e reflectido torna-se bastante útil na detecção de intervenções realizadas sobre o verniz, revelando-se extremamente importante em exames de autenticidade, 116 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 13 A Peritagem Laboratorial permitindo ver um largo leque de possíveis alterações feitas nas Obras. REFLECTOGRAFIA DO INFRAVERMELHO A Reflectografia do Infravermelho (IV) tem um comprimento de onda que pode ir até 2000 nanómetros (nm), facto que faz com que a Reflectografia consiga ir mais longe e penetrar na obra onde, por exemplo, a fotografia de Infravermelhos não consegue captar. Esta maior capacidade de penetração deve-se ao facto da radiação ser menos dispersa pelos pigmentos que compõem a camada pictórica. O aumento do valor do comprimento de onda em relação à dimensão do tamanho do grão dos pigmentos que constituem a camada pictórica faz com que haja uma diminuição das interacções dispersivas sofridas pelos fotões. Quando os materiais expostos à radiação de IV não possuem as mesmas características, o seu comportamento é diferente e é esta diferença que possibilita o uso da Reflectografia de Infravermelhos. A radiação reflectida pela obra é captada por um equipamento próprio com câmara de televisão, equipada com um detector de Infravermelhos do tipo Vidicom®. A imagem quando captada por este equipamento é monocromática e pode ser visualizada num ecrã, fotografada ou editada em computador. Tal como outro tipo de exames, a Reflectografia pode servir como um bom auxiliar de análise na detecção de repintes, zonas em degradação, lacunas, entre outros. CÂMARA MULTI-ESPECTRAL 117 A câmara multi-espectral permite observar, pormenorizadamente, uma obra no espectro visível e invisível, fluorescência UV, falsa cor IV e reflectografia IV. Para além disso, permite ainda determinar parâmetros de cor, através dos quais é possível, por exemplo caracterizar uma paleta de um artista e verificar a solidez de uma cor. À direita, radiografia de pintura sobre madeira Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 13 A Peritagem Laboratorial MÉTODOS DE RAIOS-X RADIOGRAFIA Vários factores influênciam a intensidade dos Raios X, tais como a intensidade da corrente no filamento, enquanto que, o poder penetrante depende da diferença de potencial entre o ânodo e o cátodo. Basicamente, a técnica utilizada nos Raios-X, consiste em fazer passar um feixe de raios com radiação X através do objecto em estudo, essa radiação é registada numa película radiográfica, tal como acontece com as nossas radiografias. Este é um tipo de exames que permite obter informações acerca da estrutura interna de objecto a estudar. A Radiografia é uma mais valia na área de Conservação e Restauro, pois fornece inúmeras informações acerca do estado conservativo da Obra, de elementos repintados sobre a camada cromática original, da estrutura do suporte, entre muitos outros dados úteis ao técnico de conservação e restauro. ESPECTRÓMETRO DE FLUORESCÊNCIA DE RAIOS X Este equipamento foi concebido para análise de obras de arte e tem a particularidade de possuir um feixe externo que permite efectuar análises elementares directamente sobre qualquer obra, sem necessidade de remoção de amostras. MICRO DIFRACTÓMETRO DE RAIOS-X O difractómetro de raios-X (DRX) é um equipamento que dá a possibilidade de fazer a micro difracção dos constituintes para a análise de compostos inorgânicos cristalinos. Este equipamento permite identificar a composição química de materiais simples e complexos efectuando análises não destrutivas, estando condicionado o seu uso pela dimensão da peça. 118 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 13 A Peritagem Laboratorial MÉTODOS DESTRUTIVOS ANÁLISE ESTRATIGRÁFICA Depois de se analisar a superfície da obra, escolhemse vários locais de onde se farão as tomas das amostras pontuais, eventualmente com o auxílio de uma lupa binocular, o que permitirá desde logo ter um conhecimento apreciável do estado de conservação do suporte e da camada pictórica. Nalguns casos, pode mesmo revelar pormenores sobre o método de moagem de alguns dos pigmentos. O processo consiste na recolha fotográfica com a numeração das amostras nos locais exactos de recolha, com o auxílio de um bisturi com uma lâmina pontiaguda para que o nível de precisão seja o mais elevado possível. As amostras devem ser as mais pequenas possíveis e devem ser cortadas transversalmente à superfície, de modo a se poder observar toda a sequência de camadas estratigráficas. Normalmente, as amostras são englobadas em resina acrílica transparente e incolor, de modo a poderem ser manuseadas e colocadas na posição mais conveniente dadas a sua reduzida dimensão. MICROSCÓPIO ÓPTICO COM CÂMARA FOTOGRÁFICA Os microscópios ópticos são ferramentas fundamentais para a caracterização de uma diversidade de materiais por micro-análise, como é o caso de pigmentos, madeiras, peles, fungos, líquenes, ervas, plantas, insectos, papeis, metais, entre outros. Através deste processo faz-se o registo fotográfico das amostras anteriormente mencionadas. Em cima, micro fotografia das camadas estratigráficas de pintura onde é visível de baixo para cima, o suporte, a ANÁLISE MICRO-QUÍMICA 119 Mediante as necessidades de identificação a nível das cargas, aglutinantes, ceras ou vernizes, são utilizadas preparação branca e as camadas cromáticas. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 13 A Peritagem Laboratorial técnicas de identificação que consistem em submeter as amostras a agentes químicos que reagem de forma diferente mediante os materiais presentes. Estes procedimentos são realizados segundo normas pré-estabelecidas e podem ser encomendadas nos vários laboratórios que dispõem deste tipo de serviços ao exterior. CROMATOGRAFIA CROMATÓGRAFO LÍQUIDO ESPECTRÓMETRO DE MASSA (LC/MS-MS) Estes dois equipamentos, a trabalhar em conjunto ou em separado, são fundamentais para a identificação de materiais orgânicos e inorgânicos, por exemplo identificação de corantes, mordentes, aglutinantes aquosos, normalmente conhecidos por têmperas. Observação à lupa de reacção microquimica de identificação de cargas. CROMATÓGRAFO GASOSO ESPECTRÓMETRO DE MASSA COM PIROLIZADOR (PY-GC/MS) O Cromatógrafo Gasoso e o Espectrómetro de Massa com Pirolizador (PY-GC/MS) são equipamentos que permitem identificar materiais orgânicos, tais como óleos, resinas, vernizes, lacas e ceras. ESPECTROSCOPIA ESPECTROFOTÓMETRO DE IV COM TRANSFORMADA DE FOURIER (FTIR-US) Através deste equipamento é possível determinar as impressões digitais de qualquer substância e caracterizar materiais orgânicos e inorgânicos. Este é um equipamento potencialmente útil para a caracterização de aglutinantes, sais em materiais pétreos e por vezes pigmentos. 120 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 14 Principais Causas e Factores de Degradação das Obras de Arte em Suporte de Madeira Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 14 Principais Causas e Factores de Degradação das Obras de Arte em Suporte de Madeira Talha dourada atacada por vários factores de degradação da madeira e das camadas pictóricas. A degradação das obras de arte em suporte de madeira pode ser provocada por diversos factores. Estes factores estão quase sempre associados a causas naturais como é o caso da humidade e da poluição do ar. Mas também podem ser causados pelo Homem quer seja por negligência quer seja por dolo. Por outro lado, existem factores intrínsecos às obras de arte que influenciam o nível de degradação, tais como a qualidade dos materiais, a técnica de execução, a incompatibilidade do suporte e a alteração dimensional e estrutural do suporte. Como já foi referido, o aumento ou a redução das dimensões do lenho são proporcionais ao volume de humidade perdida ou adquirida pela peça. Esse facto explica o prejuízo causado em painéis ou esculturas em madeira, transferidos de locais húmidos para locais secos e vice-versa. Sendo uma peça que transita de um local cuja media anual de Humidade Relativa (HR) é de 74%, para outro local onde, por exemplo, o teor de humidade chega a baixar aos 10 -13% de HR, o suporte sofre retracção e como as camadas de preparação e camadas de policromia não conseguem acompanhar essa redução, aparece um espaço livre entre a madeira e policromia, destacandose esta última inevitavelmente do suporte, acabando por destacar-se em partes ou no todo, por falta de adesão. O fenómeno é igualmente grave quando as obras de arte são transportadas de regiões tropicais húmidas para países frios sujeitos a sistemas de calefacção, que tendem a 122 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 14 Principais Causas e Factores de Degradação das Obras de Arte em Suporte de Madeira 123 reduzir exageradamente a humidade ambiente. No sentido inverso, na transferência de obras que se encontram em áreas secas para outras húmidas, o risco é compensado de certa forma, pela formação de craquelés, que passam a funcionar como juntas de dilatação, pelo que a superfície decorada não se distende para acompanhar o aumento de volume da madeira, mas separa-se por meio de abertura de fendas. Em termos estatísticos, calcula-se que as fibras absorvam 90% do volume de humidade pelas aberturas e apenas 10% através das paredes das células ou lúmen, mas a dilatação processa-se nas paredes das mesmas, como se fossem tubos insuflados de água, provocando a dilatação da madeira, no sentido perpendicular às fibras. Um meio empregue até à alguns anos atrás para minimizar o problema, consistia em obturar a abertura das células da madeira com material impermeabilizante nos topos. Foram muitas vezes utilizadas impregnações de uma mistura de cera de abelha e de resinas, o que pode dificultar em alguns casos a desinfestação e a consolidação das madeiras em restauro. A variação termo-higrométrica é apenas um dos muitos factores que levam à degradação das obras de arte. A própria construção da obra tem influência no seu tempo útil de vida. Uma boa construção com os materiais adequados, leva a que uma peça seja muito mais duradoura, uma vez que vai resistir muito mais às acções dos factores de degradação. Quando essa construção não é conduzida da melhor forma, faz com que os materiais ao nível do suporte e das superfícies decoradas se desgastem e alterem rapidamente. O Homem muitas vezes tem responsabilidade na degradação das obras de arte, porque não as resguarda nem as salvaguarda dos factores de risco a que estão sujeitas. A vontade do Homem em preservar os seus bens, ocorre muitas vezes outro factor a que se deve dar atenção, nomeadamente às intervenções que são feitas de forma mal conduzida ou de forma negligente. Os maus restauros que tantas vezes surgem de pseudo intervenções de restauro, muitas vezes alteram de tal forma as peças que as desvirtuam totalmente, modificando o seu significado original. Degradação das camadas cromáticas devido ao elevado índice de humidade relativa nos edifícios. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 15 Métodos de Conservação e Restauro Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 15 Métodos de Conservação e Restauro RECEPÇÃO DE PEÇAS - EMBALAGEM E TRANSPORTE Neste ponto há que ter em consideração, numa primeira fase, o estado de conservação do bem a intervencionar. Uma peça que esteja em avançado estado de degradação não pode ser embalada sem que primeiro seja intervencionada, de modo a permitir o seu transporte adequado. Exemplo disso são as esculturas com muitos destacamentos das camadas cromáticas em que a própria embalagem pode criar ainda maior destacamento, perdendo-se assim grandes quantidades de informação e material. Uma peça nestas condições deve sofrer uma intervenção de prefixação das camadas cromáticas, ou até mesmo a aplicação de "facing" pontual. Depois de minimizados os riscos de perda de material, há que ter em consideração o tipo de peça que se tem em mãos: se é uma escultura, se é uma peça de talha dourada, se é um retábulo ou até mesmo se é uma pintura sobre madeira. Consoante o tipo de peça, há que adequar o tipo de embalagem. A embalagem pode ser efectuada em caixa de madeira, reforçada com cantos metálicos; ter um sistema de suspensão da peça, de modo a que não seja apoiada em nenhuma das faces da embalagem; ser forrada com material térmico de modo a evitar aquecimento excessivo; ou com material impermeabilizante, para evitar o aumento brusco de humidade relativa. 126 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 15 Métodos de Conservação e Restauro Se o estado de conservação da peça o permitir, forrar simplesmente com papel alveolado, o tão conhecido plástico das bolhinhas, reforçando em quantidade de material de protecção as zonas mais sensíveis ou passíveis de se partirem durante o transporte. Se a decoração for muito sensível, pode-se ainda forrar previamente com papel japonês. Ter em atenção que estes materiais devem ser "acid-free", isto é, livres de ácidos, de modo a evitar alterações na composição dos materiais. INTERPRETAÇÃO DO DIAGNÓSTICO, DO LEVANTAMENTO DE PATOLOGIAS DA OBRA E DETERMINAÇÃO DA METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO 127 Esta fase do tratamento pode ser considerada como uma das mais importantes numa intervenção de Conservação e Restauro, se não mesmo a mais importante. Em primeiro lugar, o diagnóstico da obra de arte tem de ser sempre elaborado na presença ou com a supervisão de um Licenciado em Conservação e Restauro. O papel do Técnico Profissional é, numa primeira fase, fornecer todas as informações que considere pertinentes ao responsável do projecto. O estudo da peça, que passa inevitavelmente pela sua peritagem, determinando a época de construção, os materiais as técnicas utilizadas e o estado de conservação, recorrendo a todos os meios que estejam ao alcance para atingir esse fim. Desde a Análise MicroQuímica até aos Métodos de Peritagem e Análise Física, tem que se assegurar que todos os pormenores são estudados cuidadosamente e que e recolheram todas as informações essenciais para o perfeito conhecimento da história da peça. Somente depois de reunidos todos os dados, se pode passar à determinação da metodologia de intervenção. Para facilitar a tarefa de tratamento de dados, normalmente é utilizada uma ficha tipo em anexo 1, onde se reúnem todas as informações relativas à peça, Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 15 Métodos de Conservação e Restauro desde a identificação do proprietário, identificação da peça, estudos de técnicas e materiais, exames e analises, levantamento de patologias entre outros dados que se considerem pertinentes de introduzir. A metodologia de intervenção vai estabelecer um plano de acção de conservação e restauro para determinada peça com determinadas características e que apresenta um conjunto de patologias. Cada caso é um caso e metodologia de intervenção é única para cada peça. Será então errado pensar que estabelecendo uma metodologia de intervenção tipo se podem intervencionar todas as peças idênticas, por exemplo, para uma escultura polícromada e estofada em suporte de madeira, a metodologia a aplicar destina-se apenas a essa escultura. Logicamente que neste ponto, o Técnico Profissional de Restauro tem também um papel importantíssimo na compreensão do plano de acção, porque muitas vezes a própria metodologia de intervenção pode sofrer alterações durante os trabalhos de Conservação e Restauro, devido a factores extrínsecos e intrínsecos que obriguem a alterar, por exemplo, a ordem das fases de tratamento ou levar a que se utilizem materiais ou produtos diferentes dos referidos na Metodologia de Intervenção. Qualquer possibilidade de alteração deverá também ser comunicada de imediato ao responsável do projecto. TESTES DE SOLUBILIDADE E DE RESISTÊNCIA DE PIGMENTOS A primeira fase de intervenção directa na obra de arte é a dos testes de solubilidade e de resistência dos pigmentos. Estes testes vão assegurar que os agentes químicos, nomeadamente os solventes, não vão degradar as camadas cromáticas durante o processo de limpeza química. A metodologia passa por testar vários solventes ou soluções de solventes desde os mais fracos, quimicamente, aumentando o índice de penetração e solubilidade gradualmente até se conseguirem atingir os objectivos de limpeza óptimos. 128 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 15 Métodos de Conservação e Restauro Os resultados das análises químicas de identificação de adesivos e pigmentos devem ter-se em consideração para uma primeira adequação dos agentes de limpeza. Os testes devem ser realizados por zonas de cor, ou seja, para as carnações, vermelhos, verdes, azuis e assim sucessivamente, isto porque cada tipo de pigmento tem um comportamento e uma resistência diferente, dependendo da sua origem (origem animal, vegetal ou mineral) considerando, deste modo, que também são utilizados muitos corantes, sendo estes últimos particularmente solúveis. Por exemplo, para uma obra com decoração cromática a tempera não se podem utilizar solventes que contenham água. Outro factor a ter em conta é a consolidação, quase sempre necessária, em que a resina se deposita, mesmo em pequenas quantidades, nas superfícies cromáticas e que para a remover tem de se utilizar um solvente, que também tem de ser testado. Para facilitar esta tarefa e para que se tenha uma visão clara dos resultados, normalmente constrói-se uma tabela em que são referidas as zonas de cor a testar e os dois tipos de teste a realizar. Por uma questão de clareza, utiliza-se uma escala de 1 a 5, em que 1 corresponde a fraco e o 5 a muito bom. 129 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 15 Métodos de Conservação e Restauro Na tabela, o teste A será o Teste de Solubilidade de Sujidades e o teste B será o Teste de Resistência de Pigmentos. A escala utilizada tem os seguintes valores: 1 - Mau 2 - Fraco 3 - Médio 4 - Bom 5 - Muito Bom As cores nos valores óptimos de limpeza e de resistência podem dar uma melhor visão dos resultados, se colocarmos a numeração a verde para a melhor limpeza com a melhor resistência dos pigmentos, e a vermelho a pior resistência dos pigmentos, eliminando de imediato esses agentes de limpeza química, independentemente do resultado da limpeza. Um produto que limpe muito bem mas que desgaste as camadas cromáticas não será adequado à limpeza. A preservação das camadas cromáticas deve ser o principal factor a considerar na escolha dos produtos a utilizar. A LIMPEZA E OS REQUISITOS TÉCNICOS DE CADA CASO A limpeza é um processo que se pode considerar de muitíssima importância, onde a paciência, a minúcia, a concentração e a análise constante dos dados que são revelados pelo processo são os factores a ter e conta para o bom resultado de todo o processo. A limpeza das poeiras que estão sobre as superfícies, sejam elas decoradas, seja directamente sobre a madeira, é imprescindível para garantir que estas poeiras ou outro tipo de sujidades não fiquem agregadas ao suporte. Normalmente, a primeira limpeza é feita mecanicamente com o auxílio de escovas de cerdas macias e sempre que possível com o auxílio de aspiradores para evitar que estas se depositem noutros locais. Numa segunda fase, normalmente, faz-se a Limpeza Química das camadas cromáticas. Como são as camadas que estão mais à superfície, as sujidades que se encontram estão, em maior parte dos casos, muito mais agregadas. 130 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 15 Métodos de Conservação e Restauro Também é sobre as superfícies cromáticas que usualmente estão depositadas grandes quantidades de vernizes, por vezes oxidados, com um tom amarelado ou acastanhado e que oculta a beleza das cores decorativas. Uma das vantagens das obras terem vernizes é que as sujidades agregadas estão sobre o verniz, ou seja, removendo-o, removem-se as sujidades. Solventes Exemplos Hidrocarbonetos alifáticos Hidrocarbonetos aromáticos Hexano, heptano, white spirit, terebintina Benzeno, tolueno, xileno Diclorometano, clorofórmio, tetracloreto de carbono Metanol, etanol, propanol Fenol, etilenoglicol Éter dietílico, dioxano Acetona, etilmetilcetona Acetato de etilo Butilamina, piridina Dimetilformamida Éter + álcool: "Cellosolve" Cetona + álcool: diacetona-álcool Éter + amina: morfolina Hidrocarbonetos halogenados Álcoois Éteres Cetonas Ésteres Aminas Amidas Solventes polifuncionais 131 Os solventes são líquidos orgânicos voláteis que podem dissolver outras substâncias sem se modificarem e sem modificarem quimicamente as substâncias dissolvidas. O conservador restaurador utiliza os solventes para dissolver as resinas, eliminar vernizes e dissolver repintes ou antigos retoques e as áreas de limpeza devem ser sempre muito pequenas para serem controladas ao milímetro, recomendando-se que a limpeza seja feita com pequenos cotonetes de algodão. Os solventes levam a substância dissolvida a um estado de máxima distribuição. Uma regra básica diz que os semelhantes dissolvem-se entre si, que é o mesmo que dizer que a solubilidade é tanto melhor quanto mais parecidas forem as forças de interacção entre as partículas do solvente e da substância a dissolver. Normalmente, os vapores dos solventes são mais pesados que o ar, pelo que a limpeza deverá ser sempre assistida por aspiração localizada. Durante este processo, depois de se removerem as sujidades e os vernizes, e caso existam repintes, passa-se também à sua remoção. Muitas vezes é necessário que a limpeza química seja conduzida de modo a que Tabela de solventes utilizados na limpeza química de policromias Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 15 Métodos de Conservação e Restauro Em baixo, limpeza química de talha dourada as camadas de sujidades ou de vernizes sejam removidas estratigraficamente, isto é, uma de cada vez. Este processo de limpeza gradual justifica-se principalmente no levantamento de repintes, uma vez que podem surgir zonas sem informação cromática. Neste caso, depois de devidamente estudado, pode-se optar por deixar o repinte, ou um nível de repinte quando existe mais que um sobreposto. Este processo só pode ser iniciado depois de se analisar pelo menos fisicamente a obra. Neste caso pode-se recorrer, por exemplo, à fluorescência do ultravioleta. As zonas de repinte surgem sob a forma de mancha diferente do original. De salientar que neste capítulo, tal como nos seguintes onde são utilizados solventes, há que ter sempre em atenção a leitura das fichas técnicas dos produtos, cuidados de manuseamento e tempos máximos de exposição que podem ser consultados em bibliografia própria e que se demonstra nos anexos 4 e 5. Todos os valores referidos na tabela da página seguinte constam dos regulamentos estabelecidos pelo Occupational Safety & Health Administration ou OSHA, organismo oficial norte-americano e salvo indicação em contrário, correspondem à concentração média que não deve ser ultrapassada durante um período de oito horas. Segundo estes dados, o benzeno, a piridina, a dimetilformamida, o tetracloreto de carbono e o 1,1,2-tricloroetano contam-se entre os solventes mais tóxicos utilizados em restauro, correspondendo um limite de exposição permissível de 1 ppm para o primeiro, 5 ppm para o segundo e 10 ppm para os restantes. Para se ter uma noção do que significam estes números, pode dizer-se que por cada milhão de moléculas na atmosfera não deve existir mais do que uma molécula de benzeno, cinco de piridina ou dez de cada uma das outras substâncias. No outro extremo da escala estão solventes como a água, que qualquer que seja a sua concentração na atmosfera, não tem efeitos tóxicos, e a acetona e o etanol, substâncias que apresentam limites de exposição permissível de 1000 ppm, ou seja, uma molécula por cada mil moléculas presentes na atmosfera. 132 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 15 Métodos de Conservação e Restauro Estes parâmetros, que estabelecem limites dentro dos quais, de acordo com o conhecimento actual, é segura a inalação dos solventes, não tem em conta a facilidade com que um líquido se evapora, ou seja, passa para a atmosfera. Foi proposto que a avaliação da toxicidade dos solventes utilizados em restauro seja feita através do "Número de segurança" (também designado como PSR) que é obtido por multiplicação da concentração máxima admissível na atmosfera pelo tempo de evaporação. Os solventes mais perigosos são os que têm menor limite de exposição e menor tempo de evaporação, ou seja os que apresentam menor número de segurança. TABELA DE TOXICIDADE E LIMITES DE EXPOSIÇÃO AOS SOLVENTES Nome Sinónimo PEL (ppm) Ev PSR 300 2.6 780 2.7 1350 Hidrocarbonetos alifáticos Ciclo-hexano Heptano n-Heptano Isooctano 2,2,4-Trimetilpentano Terebintina 500 5.9 100 375.0 37500 1 2.8 3 Hidrocarbonetos aromáticos Benzeno Tolueno Metilbenzeno 200 4.5 900 Xileno Dimetilbenzeno 100 9.2 920 100 9.4 940 Etilbenzeno Hidrocarbonetos halogenados Diclorometano 1.8 Clorofórmio Triclorometano Tetracloreto de carbono Tetraclorometano 2.2 10 2.6 26 1,2-Dicloroetano 50 3.3 165 1,1,2-Tricloroetano 10 12.6 126 Tricloroetileno 100 3.1 310 100 6.6 660 Tetracloroetileno Álcoois 133 Metanol Álcool metílico 200 5.2 1040 Etanol Álcool etílico 1000 7.0 7000 Propanol Álcool n-propílico 200 7.8 1560 Butanol Álcool n-butílico 100 19.6 1960 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 15 Métodos de Conservação e Restauro TABELA DE TOXICIDADE E LIMITES DE EXPOSIÇÃO AOS SOLVENTES (cont.) Nome Sinónimo PEL (ppm) Ev PSR 2-Metiletanol Álcool isopropílico 400 7.7 3080 2-Metilpropanol Álcool isobutílico 150 16.3 2445 50 150.0 7500 Ciclohexanol Éteres Éter dietílico 400 1.0 400 Tetrahidrofurano 200 2.0 400 1,4-Dioxano 100 5.8 580 1000 1.9 1900 2.7 540 Cetonas Acetona Propanona Cetona etílica e metílica Butan-2-ona 200 Cetona metílica e propílica Pentan-2-ona 200 Cetona isobutílica e metílica 4-Metilpentan-2-ona 100 5.6 560 50 22.2 1110 Ciclohexanona Ésteres Acetato de metilo 200 2.2 440 Acetato de etilo 400 2.7 1080 Acetato de propilo 200 4.8 960 Acetato de butilo 150 7.8 1170 Acetato de pentilo 100 11.6 1160 5 8.2 41 21.1 528 Aminas e amidas Piridina Dimetilformamida 2,6-Dimetil-heptan-4-ona 10 Solventes polifuncionais 2-Metoxietanol 25 2-Etoxietanol "Cellosolve" 200 28.1 5620 2-Butoxietanol "Butyl cellosolve" 50 85.0 4250 Acetato de 2-etoxietilo "Cellosolve acetate" 100 32.4 3240 Diacetona-álcool 4-Hidroxi-4-metilpentan-2-ona 50 60.0 3000 Morfolina 20 PEL = Limite de exposição permissível - média de 8 horas - (OSHA) - em Partes por Milhão (PPM) Ev = Tempo de evaporação relativo (Stolow) Os solventes devem ser utilizados com todo o cuidado possível. O local de trabalho deve ser bem arejado, ou deve dispor de um sistema de ventilação ou de aspiração de vapores para evitar a intoxicação do técnico. Não se pode ignorar o facto de a acção tóxica dos solventes não se exercer apenas por inalação. Além dos problemas que podem ocorrer por ingestão, situação que só muito excepcionalmente se pode verificar no trabalho regular 134 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 15 Métodos de Conservação e Restauro 135 de atelier, muitos dos solventes têm igualmente significativos efeitos por contacto com a pele ou os olhos. A utilização de máscara, bata e luvas é recomendada como equipamento de protecção individual. Segundo a lei portuguesa é obrigatório armazenar os solventes perigosos em frascos bem fechados dentro de armários próprios para solventes, refractários ao fogo e com sistema de aspiração filtrada. Mas os próprios frascos contentores de solvente libertam vapores. Para diminuir as superfícies de evaporação são utilizados recipientes dispensadores que só dispensam a quantidade de solvente necessário para molhar o cotonete. Os frascos que contêm solventes ou soluções por exemplo de limpeza, deverão descriminar no próprio rótulo todos os solventes e as suas quantidades, não sendo permitidas por lei nomes de fantasia ou "alcunhas" das misturas, como é usual encontrar, por exemplo 3 ÁS, TIA, "solvente para repinte", entre outros. Os cotonetes utilizados devem ser colocados em recipientes fechados para evitar a evaporação e os residuos de solventes devem ser colocados em recipientes que devem ser entregues a empresas ou centros de tratamento de resíduos perigosos, sendo proibido deitar qualquer tipo de solvente na rede de esgotos ou no lixo urbano. No que diz respeito às máscaras de protecção respiratória, existem vários tipos de filtro no mercado consoante a finalidade de filtragem. No processo de limpeza podem surgir as seguintes substâncias nocivas: vapores de solventes em forma de gases que se libertam durante a limpeza de vernizes, misturas de vapores e matérias em suspensão e ainda micro-organismos. Associado às zonas de repinte surgem por vezes pastas de preenchimento não compatíveis com original. Estas também devem ser removidas durante a limpeza química ou mecânica. Quando as obras de arte estão durante muito tempo sujeitas a condições termo-higrométricas extremas, surge uma patologia que, infelizmente, é muito usual: as camadas de preparação pulverolentas. Esta patologia deriva da perda de adesividade dos adesivos proteicos, limpeza química de talha dourada e pintura a óleo sobre madeira. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 15 Métodos de Conservação e Restauro ou pela sua absorção por parte do material lenhoso durante as épocas húmidas. Assim, as cargas tomam a sua forma original de pó, soltando-se do suporte, arrastando consigo as camadas cromáticas. Na maior parte dos casos, esta preparação não suporta uma fixação porque cria um filme à superfície não deixando que o adesivo penetre em profundidade. Neste caso, há a necessidade de se remover este "pó" mecanicamente de modo a limpar a superfície pulverolenta para que seja possível a posterior aplicação de preparação branca no local de lacuna a nível da preparação. Os instrumentos utilizados deverão ser de pequenas dimensões, por exemplo o bisturi, de modo a controlar muito bem as zonas de limpeza. Alguns especialistas defendem que as zonas entre as camadas originais e as zonas de lacuna devem ser "cortadas" a 90o de modo a permitir uma melhor adesão das novas preparações às preparações originais. PRÉ-FIXAÇÃO DAS CAMADAS CROMÁTICAS Como foi referido anteriormente, as variações termohigrométricas são as principais responsáveis pelos destacamentos das camadas cromáticas. Mas as próprias variações dimensionais do suporte muitas vezes são maiores que o índice de elasticidade das preparações. Este factor vai fazer com que, quando o suporte de madeira absorve água, aumenta de volume e as camadas cromáticas quando não o conseguem acompanhar, partem-se, criando craquelures ou "craquelés". No sentido inverso, quando o suporte perde muita água contrai e as camadas cromáticas como não conseguem contrair por questões físicas, criam bolsas de ar entre elas e o suporte. Este último caso torna-se mais grave que o primeiro porque há o perigo eminente de destacamento. Se as camadas cromáticas estiverem efectivamente em destacamento, há a necessidade de fazer uma pré-fixação das mesmas. O processo consiste em aplicar um aglutinante com um pincel por baixo das zonas levantadas e fazê-las assentar cuidadosamente sobre o suporte. 136 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 15 Métodos de Conservação e Restauro O tipo de aglutinante também tem de ser testado, podendo ser várias as opções de aplicação, consoante cada caso específico e pode passar por uma cola proteica, por polivinil de acetato diluído ou em casos extremos cera-resina ou resinas acrílicas termoplásticas. Este processo é fundamental para que se possam manusear as peças sem se correr o risco de danificar ainda mais a peça. Em casos de destacamento extremo pode-se ainda utilizar outra técnica de fixação, mas desta vez para permitir o manuseamento das peças ou a sua desmontagem. O "facing", técnica utilizada na protecção de camadas cromática, consiste em aplicar papel japonês colado sobre a superfície decorada. O adesivo deve ser previamente testado e pode ser uma cola proteica (cola de coelho ou cola de peixe), ou resina acrílica termoplástica, dependendo dos adesivos das preparações originais e da resistência das policromias. A sua remoção deve ser feita com o solvente adequado à diluição do adesivo somente depois do tratamento das estruturas. O "facing" tem assim duas funções: a de proteger as camadas cromáticas e de evitar que haja grandes destacamentos, ajudando a fixar as zonas em destacamento uma vez que o adesivo vai penetrar nas zonas levantadas ou em destacamento. Este processo deve ser sempre acompanhado por um Licenciado em Conservação e Restauro, de modo a que os riscos da aplicação sejam avaliados correctamente. Esquema de destacamento das camadas pictóricas e fixação das camadas pictóricas com cola animal. DESINFESTAÇÃO POR VIA LÍQUIDA E POR VIA GASOSA 137 Sempre que uma obra de arte se encontre atacada por insectos xilófagos, há a necessidade de desinfestar, isto é, de libertar a peça dos agentes biológicos destruidores do suporte. Os insectos que infestam o nosso património, quase sempre sazonalmente, atacam impiedosamente monumentos, talha, escultura, pintura, mobiliário e documentos gráficos. Entre os insectos mais vorazes câmara de Shock Térmico e sistema de desinfestação por anóxia. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 15 Métodos de Conservação e Restauro encontram-se as térmitas, da ordem dos isópteros, conhecidas pelas suas asas finas, com uma estrutura semelhante a uma rede. As térmitas, aparecem em enxames e perecem em algumas horas. Grandes inimigos das madeiras, são também, os anóbios da ordem dos coleópteros, que têm as suas asas protegidas por uma capa, como os besouros. A sua presença é mais notada quando estão em estado adulto, mas é justamente nessa fase que já não representam grande perigo, a não ser pelo facto da sua desova. Os insectos atacam a madeira em estado de larva e é nesse momento que devem ser eliminados. Térmitas e anóbios confundem-se à observação a olho nu, quando em estado de larva. Deve considerar-se sempre a existência de insectos retardatários e outros precoces. Enquanto óvulos, a desinfestação é praticamente inócua uma vez que estes são protegidos por uma membrana invulnerável a gases e outros insecticidas comuns. Enquanto adulto, o combate só tem significado enquanto destruidor de potenciais novas posturas, uma vez que nesta fase o insecto não destrói a madeira e o seu tempo de vida é muito reduzido. Actualmente, são utilizados vários processos de desinfestação. O tradicional por via líquida, com Cuprinol®, ou outro agente líquido desinfestante. Este processo não é recomendado para peças de grandes dimensões uma vez que o poder de penetrabilidade é de poucos milímetros, não atacando deste modo as larvas que se encontram no centro da peça. Nos processos modernos utiliza-se o expurgo por fumigação, onde é lançado um gás numa atmosfera fechada ou o Shock Térmico®, onde a peça é sujeita a uma baixa de temperatura controlada, eliminando desta forma os insectos xilófagos em todas as suas formas. Outro processo utilizado é através do equipamento para desinfestação por anóxia. Este tratamento consiste na utilização de uma atmosfera inerte de azoto - isenta de oxigénio - que provoca a morte de qualquer ser vivo existente nas obras de arte. Mais uma vez, há a necessidade de analisar a obra de modo a aplicar o melhor método a cada caso. 138 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 15 Métodos de Conservação e Restauro CONSOLIDAÇÃO: MÉTODOS, TÉCNICAS E MATERIAIS 139 Quando uma peça esteve muito atacada por insectos xilófagos ou esteve sujeita a contacto directo com água, tornando a sua estrutura lenhosa numa textura esponjosa, há a necessidade de estabilizar o suporte. Sempre que possível, devem manter-se todos os elementos pertencentes à peça, e somente em último recurso proceder à sua substituição. O processo de consolidação do suporte lenhoso consiste em fazer penetrar uma resina acrílica diluída em solução num hidrocarboneto aromático nas galerias criadas na madeira. Os produtos mais utilizados são o Paraloid B72® diluído em xilol ou toluol. Quando o solvente evapora, a resina fica agregada às fibras da madeira interligando-as, reforçando deste modo as zonas fragilizadas. A metodologia de aplicação passa por aplicar a solução de consolidante em diversas fases, começando com uma concentração de cerca de 5%, aumentando-a gradualmente para 7%, 10%, 15% e assim sucessivamente até que a peça apresente boa estabilidade estrutural. As concentrações mais baixas vão penetrar mais em profundidade no suporte e o aumento gradual vai preencher o vazio entre as fibras. Entre cada aplicação é necessário que o solvente evapore completamente para se passar a uma nova aplicação, caso contrário, se as galerias ainda estiverem cheias de solvente, existe o perigo da resina criar um filme à superfície, deixando o suporte de absorver o consolidante. A aplicação do consolidante pode ser feita com trincha, seringa (para entrar mais em profundidade) ou por submersão parcial, (de modo a que o suporte lenhoso absorva por capilaridade). Os excessos que eventualmente tenham escorrido para as camadas cromáticas podem ser limpos com o solvente utilizado na solução. A não esquecer que o solvente deve ser testado a nível da resistência dos pigmentos. Durante a consolidação ter em especial atenção o EPI´s uma vez que se está a trabalhar com hidrocarbonetos aromáticos. Consolidação por injecção e por absorção por capilaridade Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 15 Métodos de Conservação e Restauro REVISÃO DE ESTRUTURAS - REMOÇÃO DE ELEMENTOS METÁLICOS, COLAGENS E CAVILHAMENTO. Revisão de estruturas de madeira com aplicação de reforços e colagens com cavilhamento de madeira. O processo de revisão de estruturas é o processo onde o técnico vai tratar a estrutura da peça, seja ela construída por um só bloco danificado, ou por várias peças ligadas ou unidas entre si. Esta fase pode, em alguns casos, preceder a consolidação dos elementos lenhosos, dependendo da metodologia de intervenção. Muitas vezes, aparecem peças com uma grande complexidade estrutural, nomeadamente, conjuntos retabulares, onde a presença de um Licenciado em Conservação e Restauro é fundamental para a análise de desmontagem do conjunto. A operação visa restabelecer a coesão e união entre as diversas peças que estejam a sofrer de desgaste, deterioração, empeno, torção, descolagem ou em eminência de se soltarem do conjunto, colocando em risco a estabilidade física da obra. Caso seja necessário proceder à sua desmontagem, há que ter em atenção a localização exacta dos elementos metálicos, nomeadamente pregos que se encontrem em estado de oxidação, com o vulgo ferrugem. A reacção de oxidação do ferro ocorre de uma reacção química deste com o oxigénio, transformando o ferro em óxido de ferro, que, para além de manchar o suporte lenhoso, mancha muitas vezes as próprias camadas cromáticas. Durante a reacção de oxidação o ferro aumenta de volume, provocando por vezes fendas, perda de resistência por parte das zonas oxidadas e dos próprios elementos metálicos. Uma das metodologias de identificação da localização dos elementos metálicos é através de Exames Laboratoriais, mais especificamente através da Radiografia, que nos vai revelar o interior da peça. Para fazer a remoção de elementos metálicos oxidados, nomeadamente pregos, os processos são vários e dependem da sua localização e direcção. O que acontece inúmeras vezes, é que os pregos com a expansão da oxidação ficam muito agregados à 140 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 15 Métodos de Conservação e Restauro madeira. A metodologia a seguir neste caso poderá passar pela perfuração da zona circundante com uma broca fina, por exemplo de 1 ou 2 milímetros com o auxilio do mini berbequim, de modo a libertar o elemento metálico, sendo muito mais fácil a sua remoção numa segunda fase com o auxílio de uma turquês. Ter sempre em atenção quando a superfície de remoção é decorada, uma vez que o processo irá danificar a zona circundante. Outro dos métodos utilizados neste caso é o de desgastar a cabeça do prego com uma mó e com o mini berbequim, estabilizando-o de seguida com EDTA e isolando-o de seguida com uma resina acrílica diluída. Quando os elementos metálicos são elementos de sustentação ou auxiliares de montagem, a sua desoxidação poderá passar por uma limpeza mecânica com lixa fina - P400, ou com escova de aço para libertar a peça da oxidação solta e numa segunda fase pode-se submergir ou colocar pachos de algodão com uma solução de EDTA, acrónimo em inglês de EthyleneDiamineTetrAcetic acid. (ácido etilenodiamino tetra-acético). É um composto orgânico que age como ligante, formando complexos muito estáveis com diversos iões metálicos, estabilizando deste modo a oxidação. 141 Normalmente, a remontagem dos elementos estruturais é feita nas zonas de união por colagem com Polivinil de Acetato, também conhecido por cola branca para madeira. A fixação das peças no local onde existiam pregos pode ser feita por parafusos inoxidáveis ou por cavilhas de madeira, evitando a todo o custo a utilização de elementos de ferro. Normalmente são utilizados os buracos da localização inicial dos pregos de modo a não danificar mais as superfícies decoradas. A substituição de elementos lenhosos a nível estrutural, só deve ser efectuada quando estritamente necessária, isto é, quando não há possibilidade de consolidar os elementos lenhosos originais devido à sua debilidade estrutural, ou por extrema necessidade de reforço da estrutura. Também neste caso as madeiras utilizadas devem ter Remoção de elementos metálicos oxidados, neste caso pregos, e desgaste das zonas oxidadas. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 15 Métodos de Conservação e Restauro o comportamento o mais semelhante possível ao original, de modo a que haja compatibilidade entre madeiras nos movimentos estruturais. REINTEGRAÇÃO VOLUMÉTRICA: MÉTODOS, TÉCNICAS E MATERIAIS Processos de reintegrações volumétricas a nível do suporte, utilizando madeiras da mesma espécie da que se encontra nos originais. As Técnicas de Entalhamento aplicadas à reintegração volumétrica são basicamente as mesmas que são utilizadas nas Técnicas de Produção Artística de Talha. As grandes diferenças estão na metodologia de intervenção que se irá aplicar. Quando uma peça vai ser sujeita a uma intervenção de Conservação, este passo não vai ser executado. As operações associadas à conservação baseiam-se em garantir que a peça estabilize a nível de degradação, não se fazendo reintegrações volumétricas. Na intervenção de restauro a reintegração tem lugar, seja a nível da talha dourada ou da escultura, quando uma peça apresenta lacunas a nível dos seus elementos decorativos, muitas vezes há a necessidade de se reproduzirem motivos, de modo a dar uma leitura integral da peça. Estas lacunas aparecem muitas vezes por descolagem de elementos, que eram quase sempre colados com grude, cola que é bastante hidro-solúvel e que perde adesividade quando sujeita a extremas condições termo-higrométricas. Outro dos factores que levam à perda de material lenhoso é os acidentes e a perda definitiva das peças destacadas. A nível da reintegração volumétrica, os materiais utilizados devem ser o mais compatíveis possível, e as madeiras, devem ser da mesma espécie, de preferência madeira velha ou com muitos anos de corte. A excepção passa por peças criadas a partir de toros, por exemplo, esculturas de vulto em que o corpo principal da escultura é feito de uma peça única que não foi vazada, isto é, que ainda contem a zona da medula. Em peças com este tipo de construção, o material lenhoso está sujeito a grandes tensões provocadas pela secagem. Quando aparecem fendas, estas normalmente 142 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 15 Métodos de Conservação e Restauro aumentam e diminuem de dimensão, consoante a época do ano, patologia associada aos índices termohigrométricos. Neste caso, são utilizadas madeiras de baixa densidade, como é o caso da balsa, para que, quando a fenda fechar, a zona de reintegração consiga acompanhar o fecho da lacuna. Caso contrário, se as fendas, quando de dimensões consideráveis, forem preenchidas com madeiras densas, as tensões continuam a existir, mas em vez de se dispersarem pela fenda, criam outra ou outras fendas, noutro local da peça, de modo a que sejam libertadas. As madeiras das reintegrações a nível volumétrico, quando coladas, devem respeitar sempre que possível o sentido das fibras do original. Depois de se passar o desenho previamente desenvolvido para a peça de madeira, passa-se ao desbaste grosso para libertar o bloco da reintegração do material que não é necessário. As juntas de colagem devem ser limpas e niveladas, de modo a criar uma zona de colagem a mais plana possível, isto para que o plano de contacto seja também o maior possível. Mas há uma situação em que a colagem se pode tornar mais difícil: quando a zona de colagem é um topo ou quando o plano de colagem é perpendicular ao sentido das fibras. Neste caso, tem que se criar um plano de colagem inclinado ou com diversos níveis de colagem, o que tem algumas limitações porque há sempre necessidade de remover algum material original. Mas podem ser utilizados outros materiais no preenchimento de lacunas, como é o caso dos betumes acrílicos com solvente cetónico para madeira. Este material é apenas utilizado para colmatar pequenas lacunas, como por exemplo de pequenas galerias de xilófagos, buracos de pregos ou pequenas fendas, nunca se utilizando este tipo de betume para preencher lacunas volumétricas ou criar ornatos. 143 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 15 Métodos de Conservação e Restauro REINTEGRAÇÃO A NÍVEL DAS PREPARAÇÕES As reintegrações das lacunas a nível das preparações devem ser feitas com materiais física e quimicamente compatíveis com os materiais originais. Numa primeira fase, as zonas de lacuna devem ser previamente preparadas. A limpeza mecânica do suporte, como já foi referido anteriormente, deve estar totalmente concluída nesta fase. Ainda antes da aplicação das preparações brancas, o suporte original ou as zonas de reintegração volumétrica devem estar devidamente isoladas com cola animal, ou como também é conhecida entre os conservadores restauradores, devem estar com a "encolage" dada e completamente seca. A determinação das cargas e dos adesivos é essencial para garantir uma eficaz aplicação das preparações. Para isso, deve recorrer-se sempre que possível à micro-análise química. A aplicação pode ser feita a pincel ou em zonas mais profundas pode ser aplicada a espátula. Convém, logicamente, que as camadas sejam finas e em camadas sucessivas para evitar o aparecimento de fendas na preparação. Quando as camadas aplicadas são muito grossas, normalmente provocam destacamentos porque a evaporação da água leva a que a haja uma grande diminuição dimensional. Na aplicação da preparação deve-se ter muita atenção para que esta não escorra nem passe para além dos limites da lacuna. Entre camadas recomenda-se o seu nivelamento com lixas finas de diferentes granulometrias - P260 a P1000 conforme a necessidade de cada caso, tendo-se sempre em atenção o original cromático, evitando a todo o custo que este seja danificado. O resultado final das aplicações de preparação deve ser semelhante ao original no que diz respeito às texturas se a reintegração cromática proposta for mimética. Deve ter-se ainda em atenção, o nível da preparação branca no caso das zonas a dourar, isto porque a aplicação de bollús da arménia pode criar alturas. Antes de se aplicar o bollús da arménia deve-se aplicar água de lavagem sobre a preparação branca para fixar 144 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 15 Métodos de Conservação e Restauro as poeiras soltas, garantindo assim que o bollús adira convenientemente. No caso das lacunas serem de pequenas dimensões e da peça ter muita policromia, em vez da água de lavagem aplicada a pincel, passase com um cotonete húmido com água ou saliva. O bollús da arménia deve ser da cor do existente no original, o que normalmente se consegue misturando em proporções diferentes as três cores disponíveis no mercado. A sua forma de aplicação deve ser em camadas muito finas e as vezes necessárias até que se cubra totalmente a preparação branca. Depois de seco deve-se passar o bollús com um lixa de água P1000 no caso deste ter pequenos granulados na superfície e depois com um pano de linho para puxar o brilho, garantindo um bom resultado do douramento. REINTEGRAÇÃO CROMÁTICA As reintegrações das camadas cromáticas - relativo às cores - podem ser feitas através de dois métodos, aplicáveis à metodologia de intervenção previamente definida pelo Licenciado em Conservação e Restauro. No primeiro caso, a Reintegração Cromática Mimética ou Ilusionista. O termo "mimético" quer dizer imitação e, no fundo, o objectivo é imitar na zona de lacuna, as cores que lá estavam anteriormente, dando uma leitura pictórica - relativa à pintura - exactamente igual à que se encontra em seu redor. 145 No segundo caso, a Reintegração Cromática Diferenciada, que é um tipo de reintegração que visa a diferença entre o original e a zona de lacuna, assumindo que naquele local já houve uma lacuna. Dentro do método diferenciado podem utilizar-se várias técnicas de reintegração cromática: - "Trattegio": é uma técnica em que utilizam pequenos traços paralelos de cores puras. - Pontilhismo: a técnica utilizada é basicamente igual à do Trattegio, mas neste caso são utilizados pequenos pontos. Em cima e na página anterior: aplicação de preparação branca nas zonas de lacuna de modo a nivelar as zonas em falta. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 15 Métodos de Conservação e Restauro Reintegração cromática mimética. - Mancha de Cor: a reintegração cromática por mancha de cor, normalmente é feita em zonas decoradas com motivos, mas na zona de lacuna a reintegração é feita com a cor de fundo, não reproduzindo os padrões. - Tom diferenciado: nesta técnica são reproduzidos os padrões utilizados na zona envolvente mas com meio tom abaixo ou acima do que é encontrado no original. Em todos os casos é a leitura óptica por parte do olho humano que vai misturar as cores, criando a ilusão de que se está perante a cor real. Esta ilusão só é criada a uma determinada distância, mas à medida que nos vamos aproximando da obra, a reintegração é bem visível. Os materiais utilizados na Reintegração Cromática devem ser sempre o mais reversível possível. Para esse efeito as temperas são as mais utilizadas sob a forma de aguarelas. Em casos muito particulares, também podem ser utilizadas tintas acrílicas ou vinílicas, normalmente em peças que no futuro vão estar sujeitas a condições termo-higrométricas bruscas. No primeiro caso, se houver necessidade de remover a reintegração, basta passar um cotonete humedecido com água para que a aguarela se dissolva. No segundo caso, o solvente utilizado poderá ser etanol ou acetona, excelentes solventes de tintas acrílicas e vinílicas. Para que haja a certeza do tom empregue, isto porque, depois de removido o verniz das camadas pictóricas, estas normalmente apresentam um tom baço e descolorado, há que fazer a "molhagem" das superfícies de modo a simular a aplicação do verniz, dando deste modo a pré-visualização do resultado final. Esta molhagem normalmente é feita com um algodão embebido em "white spirit", e este destilado deverá constar dos testes de resistência de pigmentos. No que diz respeito às reintegrações cromáticas nas superfícies douradas, a metodologia aplicada será basicamente a mesma. Quando a técnica utilizada no original é por exemplo ouro de lei, se a reintegração cromática for mimética utiliza-se também ouro verdadeiro, ou poder-se-ão utilizar por exemplo tintas acrílicas com pigmentos não oxidáveis para o preenchimento das lacunas. 146 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 15 Métodos de Conservação e Restauro Quando a reintegração exigida nas zonas douradas for diferenciada, podem utilizar-se pigmentos de ouro, por exemplo, micas em tom diferenciado ou as mesmas tintas acrílicas, mas também com o tom diferenciado. Nunca esquecer que as reintegrações cromáticas se devem limitar às zonas de lacuna nunca sobrepondo o original, o que será considerado repinte. CAMADAS DE PROTECÇÃO 147 As camadas de protecção utilizadas na conservação e restauro, idealmente deverão ser transparentes e incolores a longo prazo, possuir e manter uma elasticidade estável, representando uma protecção para as superfícies pictóricas. Deve ser de fácil remoção ao envelhecer com um solvente fraco, de preferência não polar. Os vernizes produzidos e utilizados até aos nossos dias distinguem-se principalmente segundo a sua composição: - vernizes de óleos: óleos secantes ou óleos secantes com secativos - vernizes de elemí: óleos secantes com resina - vernizes de clara de ovo: clara de ovo diluída em agua - vernizes de resinas suaves ou essências de resina: resinas naturais diluídas em essências ou destilados de petróleo - vernizes de álcool: resinas naturais, por exemplo goma laca, diluídas em álcool - vernizes de cera e cera-resina: ceras diluídas em destilados de petróleo ou vernizes de resinas suaves. - vernizes de reinas sintéticas: resinas sintéticas diluídas em destilados de petróleo ou solventes polares. Para além destes vernizes existem muitos outros que foram utilizados até aos nossos dias, mas nenhum deles cumpre em simultâneo todos os requisitos mencionados anteriormente. A aplicação dos vernizes pode ser feita a pincel, à boneca ou com pistola de ar comprimido, podendo a peça estar em posição vertical ou horizontal. Aplicação de camada de protecção de verniz acrílico em spray. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 15 Métodos de Conservação e Restauro Por vezes, quando o verniz antigo foi removido e existem zonas de reintegração cromática, há a necessidade de aplicar um verniz de retoque intermédio de modo a que se consiga avaliar numa primeira fase a leitura do todo, rectificar as reintegrações cromáticas, se necessário, e só depois se poderá aplicar o verniz final. Depois da evaporação do solvente, o verniz transforma-se em camada de protecção e é esta a camada mais exterior da obra de arte. A camada de verniz tem duas funções: serve para intensificar o efeito óptico da camada pictórica e para a proteger dos efeitos climatéricos, dos contaminantes, da sujidade e da luz. O aspecto de uma obra de arte em madeira polícromada depende fortemente do efeito de profundidade e do brilho do verniz. O brilho do verniz depende do tipo de verniz utilizado, da rugosidade da superfície, tipo de aplicação e grossura da camada aplicada. Dependendo da peça em intervenção e tendo em conta as técnicas e materiais utilizados, há a necessidade de fazer a escolha adequada a cada caso de forma a minimizar os efeitos secundários que possam provir da sua aplicação. Se os vernizes polimerizarem ou se tiverem um efeito de retracção muito elevado durante a evaporação do solvente, poderão criar craquelures de secagem porque irão "arrastar" consigo as camadas cromáticas, criando defeitos irreversíveis. Os vernizes são substituídos muitas vezes por acabamentos com cera virgem incolor ou cera micro-cristalina diluída em white spirit. 148 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 15 Métodos de Conservação e Restauro ELABORAÇÃO DE FICHAS DE TRABALHO E IMPORTÂNCIA DA DOCUMENTAÇÃO DE TRABALHO. Durante todo o processo de Conservação e Restauro é necessário reunir o máximo de informação possível sobre a peça em si, sobre os seus pares, isto é, sobre peças semelhantes formalmente, com os mesmos materiais, mesmo tipo de decoração e da mesma época, e sobre a própria intervenção de conservação e restauro, incluindo logicamente todas as análises e testes realizados. Os desenhos e levantamentos gráficos de reconstituição de lacunas volumétricas ou das decorações das camadas pictóricas, devem ser devidamente arquivados como material de apoio. Durante a intervenção da obra de arte é recomendado que se elabore o Dossier de Intervenção. Este dossier deve conter um diário de intervenção onde se descriminam todas as operações, métodos, materiais utilizados, pareceres e justificações técnicas. Este dossier pode ser um documento interno da empresa, mas vai facilitar muito a elaboração do relatório técnico, assim como obter uma visão detalhada dos tempos de execução de cada uma das fases de intervenção. Estas informações permitem ao técnico encarregue dos encargos de obra descriminar os custos detalhadamente. ELABORAÇÃO DO RELATÓRIO TÉCNICO DE INTERVENÇÃO 149 O relatório Técnico de Intervenção é o documento que descreve pormenorizadamente todas as fases de intervenção, a que a peça esteve sujeita, desde o levantamento fotográfico no local de exposição até à sua recolocação no devido local. O Relatório Técnico inscreve também os estudos e todo o material descrito no ponto anterior e é entregue com a peça no final da intervenção, devendo acompanhá-la sempre que possível. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 15 Métodos de Conservação e Restauro O porquê do Relatório Técnico é fácil de explicar: com este documento, para além de se terem informações adicionais sobre a peça, fica descriminado o seu historial de intervenção. Imagine-se que por qualquer razão desconhecida, essa mesma peça teria de ser intervencionada dentro de 5 ou 10 anos. Com este Relatório o Conservador Restaurador que a fosse intervencionar podia determinar muito mais facilmente as patologias associadas à degradação, saber que produtos e materiais foram utilizados e assim saber com relativa facilidade como fazer a sua remoção ou adaptação. Devem então constar do relatório técnico de intervenção os seguintes pontos: a. Página de rosto: — Identificação da Empresa — Identificação da Peça — Titulo da Intervenção — Nome do Proprietário — Mês e Ano de execução do Relatório b. Corpo Central do Relatório — Descrição da Peça: identificação pormenorizada da peça — Memória descritiva: descrição do estado de conservação e patologias associadas — Descrição e justificação da metodologia de intervenção — Parte Teórica que sustenta a intervenção — Investigação realizada — Resultados — Parte Prática — Descrição detalhada passo a passo — Metodologias — Materiais — Fundamentação das várias etapas 150 c. Conclusões — Devem ser referidas as opiniões sobre todo o processo e as aquisições mais significativas que o técnico entenda serem registadas. d. Bibliografia e. Anexos — Onde podem ser colocados os elementos de trabalho, tais como: a Ficha Técnica de Conservação e Restauro, tabelas, fotos com legenda, esquemas desenhados, ou outros elementos considerados relevantes para a demonstração de resultados. 151 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 16 Bibliografia Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 16 Bibliografia Albino de Carvalho, "Madeiras Portuguesas - Estrutura Anatómica, Propriedades, Utilizações", Vol. I e Vol. II, 1996, Direcção Geral de Florestas Alves, Natália do Carmo Marques Marinho Ferreira Alves; "A ARTE DA TALHA NO PORTO NA ÉPOCA BARROCA - ARTISTAS E CLIENTELA"; Doutoramento em História da Arte; Volume 1; Porto; 1986 ARP, Associação Profissional de Conservadores Restauradores de Portugal, II Encontro Nacional, a Conservação e Restauro do Património, riscos, prevenção, segurança, ética, lei, Novembro de 2000. 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Normalmente as fichas que acompanham os produtos são uma fórmula muito reduzida e sucinta da que é apresentada pelo NIOSH que apresenta também os valores máximos de exposição a que o ser humano pode estar sujeito, servindo de precioso complemento para a actualização de dados. 165 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 17 Anexos Anexo 5 — Ficha de Dados de Segurança: White Spirit 166 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 17 Anexos 167 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 17 Anexos 168 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 17 Anexos 169 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 17 Anexos 170 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 17 Anexos 171 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 17 Anexos 172 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 17 Anexos 173 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 17 Anexos 174 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 18 Glossário de Termos de Arte e Restauro Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 18 Glossário de Termos de Arte e Restauro A Acanto padrão de folhas usado na Antiguidade clássica e reutilizado durante o Renascimento como motivo ornamental na talha e na decoração. Acharoado técnica do século XVIII, pela qual os artesãos imitavam a laca oriental com tintas e vernizes. Adam, estilo estilo de mobiliário em Inglaterra no século XVIII. Amorini figuras de meninos esculpidos utilizadas principalmente no século XVIII e posteriores. Ânfora vaso clássico de duas asas para transportar vinho e azeite, utilizado no século XVIII como motivo decorativo no repertório neoclássico. Antema motivo de flor de madressilva estilizada inspirada no motivo clássico grego, utilizada no século XVIII e XIX no mobiliário, prataria e decoração geral. Arca caixa de grandes dimensões para diversos fins. Móvel base na Idade Média, que se transforma em assento, mesa, etc. Arrendado técnica de cortar finas tiras de madeira ou metal em formas geométricas ou padrões. Arquibanco desenvolve-se no gótico a partir da arca, e serve de assento para várias pessoas. Astragalo perfil de meia-cana nas orlas dos armários ou portas, para esconder as juntas, também utilizado como caixilho nas portas envidraçadas. Athénienne peça com três pés para diversas utilidades, por exemplo, lavabo (bacia e jarro em porcelana). 176 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 18 Glossário de Termos de Arte e Restauro B Balaústre coluna torneada em forma arredondada, usada nas pernas de mesas e costas de cadeiras. Baldaquino cobertura de uma cadeira ou trono assente em colunas ou preso à parede. Bandas estreitas tiras decorativas de folheado ou embutido, geralmente formando uma orla. Bargueño versão do cabinet no Renascimento espanhol, em que o corpo inferior pode ser em arcaria (pé-deponte), fechado com portas (taquillon) ou uma mesa. Bergère en confessional: espécie de sofá com apoios laterais para a cabeça. Bisagras Dobradiças de ferro. Bisel orla oblíqua decorativa em vidro ou espelho. Bobina coluna torneada em forma de alinhamento de série de esferas, utilizadas normalmente nas pernas e nos esticadores de mesas e cadeiras. Bossa Projecção ornamental oval ou circular, utilizada para esconder a junção de perfis. Boulle estilo de marchetaria com embutidos de tartaruga e latão, aperfeiçoado pelo marceneiro de Luís XV, André-Charles Boulle, no inicio do século XVIII. Bureau à cilindre secretária com tampo arqueado. Bonheur-du-jour pequena secretária de senhora. Borne sofá circular para várias pessoas e encosto único elevado. Bureau-plat secretária de superfície plana (tampo rectangular). Braganza foot pé terminando em forma de pincel, usado nas cadeiras de sola e usado também em Inglaterra. Bufete mesa rectangular portuguesa do século XVII, com "bolachas" sobrepostas nas pernas (torneados achatados) e gavetas a toda a volta (simuladas num dos lados). 177 C Cabeceira parte da cama para onde fica virada a cabeça. Cabinet móvel com gavetas, que surge no Renascimento, e assenta originalmente numa mesa. Evolui para móvel independente, em que a parte Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 18 Glossário de Termos de Arte e Restauro inferior, anteriormente a mesa, pode ser fechada ou aberta. Cabochon decoração elevada redonda ou oval, sem arestas, utilizada muitas vezes juntamente com folhas de acanto ou conchas, muito popular no século XVIII. Cachaço numa cadeira, a parte superior do espaldar. Cadeira móvel de assento. Cadeira de sola cadeira portuguêsa do século XVII, rígida e revestida a couro no espaldar e assento, preso com pregaria de latão. A testeira é decorada e os pés terminam em pincel (Braganza foot) Cama de bilros cama típica portuguesa do século XVII, em que a cabeceira é decorada com torneados em espiral encimados por pequenas peças chamadas bilros. Canapé móvel longo para estender o corpo, com espaldar e braços. Canelado decoração semelhante às estrias, mas com nervuras convexas paralelas. Capitel parte geralmente entalhada que se eleva acima do fuste de uma coluna ou pilastra. Canterbury estante movível do estilo regency, em Inglaterra, e que apresenta divisões verticais para colocar pautas de música. Caquetoire cadeira de espaldar inclinado que surge em França durante o Renascimento. Cariátide coluna com figura feminina no lugar do fuste. Cartela placa de forma decorativa, muitas vezes rodeada de arabescos, utilizada para inscrever símbolos heráldicos. Cátedra no gótico é o assento para as pessoas mais ilustres, que pode ser coberto por um baldaquino. É a cadeira episcopal no coro de uma catedral, ou a cadeira elevada a partir de onde alguém faz um discurso. Cauda de Andorinha peças de madeira embutidas nas juntas de duas tábuas com o intuito de as unir, e formam dois triângulos com vértice oposto. Cavilha elemento tronco-cónico de madeira dura, utilizado com as mesmas funções do prego. É introduzida num orifício com cola. Chaise-longue cadeira que surge nos finais do século XVII e que permite estender as pernas (podendo-se unir, para isso, 2 ou 3 assentos). 178 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 18 Glossário de Termos de Arte e Restauro 179 Chancis véu esbranquiçado que pode cobrir na totalidade ou parte da superfície da obra, consequência dos efeitos da humidade e escorrências que se produzem. É uma alteração que muitas vezes só atinge a camada superficial do verniz ou uma mais profunda, alterando também estruturalmente a pintura. Chauffeuse assento para colocar frente à lareira. Chest of drawers: equivalente a cómoda, o termo surge em Inglaterra durante o estilo Queen Anne. Chinoiserie decoração imitando a estética chinesa. Chippendale: estilo de mobiliário em Inglaterra no século XVIII criado por Thomas Chippendale. Cintura: numa cadeira é a moldura que liga as pernas ao assento. Coiffeuse mesa com espelho que se pode baixar para servir de apoio à escrita. Cómoda Armário baixo com gavetas, que se tornou numa importante peça a partir do século XVIII. Concheado decoração com motivos de conchas, muito utilizado no rococó. Confident dois sofás unidos lateralmente, mas em direcções opostas, onde os ocupantes podem falar de frente. Consola espécie de mesa cortada a meio para encostar à parede. Contador versão do cabinet em Portugal no século XVII, em que as gavetas estão à vista. Exemplares de grande qualidade no estilo indo-português. Copeiro armário para guardar louça, onde o corpo superior apresenta prateleiras com balautrada para amparar as peças. Corte estratigráfico corte vertical feito numa pintura, que permite estudar a estrutura pictórica da obra, isto é, numero de camadas espessura, repintes, vernizes, colas velaturas, bem como fazer a analise química dos componentes de cada camada. Craquelés ou craquelures pequenas fissuras que atravessam a pintura e preparação apanhando ou não todas as camadas até ao suporte. Podem acontecer devido a várias causas: moviementos do suporte, tensões locais, natureza do ligante, perda de coesão das massas com o tempo ou má execução técnica. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 18 Glossário de Termos de Arte e Restauro Credência armário baixo com portas, que surge no Renascimento, e sobre o qual assenta um tampo mais largo. Crista decoração entalhada ao longo da trave superior de uma cadeira, moldura de espelho ou armário. Curule banco da Roma Antiga com as pernas cruzadas em X. D Denticulado ou Dentado série de blocos simétricos supostamente semelhantes a dentes. Directório, estilo estilo de mobiliário França do século XVIII que antecede o estilo império. Drum-topped table mesa do estilo regency, em Inglaterra, que pode ser circular ou com 8 lados, com gavetas a toda a volta e, por vezes, giratória. E Ebanisteria originalmente refere-se ao acto de trabalhar o ébano, mas passou-se a aplicar a todo o tipo de marcenaria de alta qualidade, especialmente com folheados e marqueteria. Ebanista ou ébeniste, é o profissional da ebanisteria. Ver menuisier. Embutido técnica onde são utilizadas madeiras contrastantes, metais como é o caso do latão, marfim, madrepérola, e outros materiais que são colocados em reentrâncias cortadas nas superfícies. Podem ser queimados para maiores contrastes. Podem ter incisões para demarcar pormenores. Entablamento termo arquitectónico para designar os elementos acima da coluna: arquitrave, friso e cornija. Foi adoptado pelos marceneiros. Espaldar: parte de uma cadeira, mais ou menos perpendicular ao chão, que serve de apoio às costas de quem se senta. Espinhado padrões de decoração em V, muito popular em peças góticas e art-déco. Estria cortes ou nervuras verticais num objecto cilíndrico ou numa coluna. F Faldistório: cadeira episcopal sem esplandar e pernas cruzadas, colocada ao lado do altar-mor numa igreja. 180 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 18 Glossário de Termos de Arte e Restauro Fauteuil com origem no faldistório, é um assento com espaldar e barços, muito desenvolvido no século XVIII. Fauteuil à coiffer: assento com espaldar recortado em curva no topo para permitir apoiar o pescoço e facilitar o acto de pentear. Fauteuil à la reine assento de espaldar direito. Fauteuil à médaillon assento com espaldar oval (na vertical). Fauteuil en cabriolet assento de espladar côncavo. Fauteuil cabinet assento curvo para secretária masculina. Fauteuil voltaire apresenta nas costas uma curva anatómica. Festão motivo em forma de grinalda de flores, de frutos ou de drapeado, popular no mobiliário barroco e neoclássico. Fiadores ferros longos e finos que unem as pernas ao tampo, em mesas do Renascimento espanhol. Fio embutido em finas linhas, em metal ou madeiras contrastantes. Fixação consiste na aplicação de um adesivo apropriado capaz de restabelecer a aderência da camada cromática à camada de preparação e desta ao suporte, bem como a coesão de cada um ou de todos estes elementos. Folheado fina folha de madeira de grão atraente, aplicada sobre uma superfície para efeitos decorativos. Frailero cadeira de braços que se desenvolve no Renascimento espanhol, de estrutura rígida e com espaldar e assento cobertos por couro ou tecido preso com cravos metálicos. As travessas das pernas são baixas, junto ao chão, e a testeira é mais larga e decorada. G Georgeano, estilo: estilo de mobiliário em Inglaterra no século XVIII. H Hepplewhite, estilo: estilo de mobiliário em Inglaterra no século XVIII. H.R.: humidade relativa do ar. É dada em percentagem e é a relação proporcional entre a humidade absoluta e a temperatura. 181 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 18 Glossário de Termos de Arte e Restauro I Ilhargas faces laterais de um móvel. Imprimitura tom neutro geral dado por toda a superfície, logo a seguir ao preparo Indiscret sofá de 3 lugares divididos entre si por encostos ondulados, que formam uma hélice quando vistos de cima. Intarsia embutido de natureza morta ou motivo arquitectónico, com madeiras de diversas cores, utilizado no século XVI e XVII Império, estilo estilo de mobiliário França do século XIX que antecede o estilo restauração. J Janelas de limpeza pequenos testes efectuados em diferentes zonas, elementos e cores com diferentes tipos de solventes e a diferentes profundidades. O objectivo é determinar em cada ponto o grau de limpeza desejado ou possível e o solvente mais adequado (pouca penetração, fraca retenção, volatilidade, etc); D. João V, estilo estilo de mobiliário em Portugal no século XVIII. D. José, estilo estilo de mobiliário em Portugal no século XVIII. K Klismos cadeira da Grécia Antiga com espaldar em forma de banda horizontal larga e côncava. As pernas são curvas em forma de sabre, estreitando em direcção ao chão. Foi reutilizada a partir do estilo directório do século XVIII. L Laca várias camadas de resina dura e brilhante, da árvore Rhus Vernicifera. A verdadeira laca (charão) é originária do Oriente e os artesãos europeus tentam im itá-la de varias maneiras. Lambrequim peça de madeira, trabalhada imitando drapeados com elaboradas borlas, muitas vezes douradas. Levantamentos falta de aderência da camada cromática à preparação ou ao suporte ou de ambas ao suporte. 182 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 18 Glossário de Termos de Arte e Restauro Luís XIII, estilo estilo de mobiliário francês do século XVII que antecede o estilo Luís XIV. Luís XIV, estilo estilo de mobiliário francês do século XVII que surge após o estilo Luís XIII e antecede o estilo regência. Luís XV, estilo estilo de mobiliário francês do século XVIII que surge após o estilo regência e antecede o estilo Luís XVI. Luís XVI, estilo estilo de mobiliário francês do século XVIII que surge após o estilo Luís XV e antecede o estilo directório. Lunetas decoração de repetidas meias luas entalhadas ou arrendadas. Lusíada, Estilo Nacional estilo de mobiliário desenvolvido em Portugal no século XVII com características próprias. 183 M Malhetes designa-se por emalhetar a união obtida por meio de encaixes do elemento positivo-negativo / macho-femea e que pode se reforçada por colagem, cavilhas ou pregaria. Manchette estofo nos braços de uma cadeira. D. Maria, estilo estilo de mobiliário em Portugal no século XVIII. Marqueteria ou Marchetaria composição ornamental em folheado, feita através de diferentes materiais unidos como num puzzle ou mosaico. Atinge níveis de grande qualidade com Boulle, nome relevante em França no século XVIII. Medalhão medalha ornamental, por vezes com perfil humano em baixo relevo. Menuisier: o que trabalha com a madeira maciça. Ver ebanisteria. Méridienne lit de repôs com cabeceiras a alturas diferentes e que resultam num espaldar em diagonal. Mesa de cavalete mesa em uso na Idade Média que consiste numa longa tábua de madeira assente em cavaletes, e que pode ser coberta por toalhas. Micro-análise exame feito a partir de um micro levantamento da camada cromática e preparação e que permite, por diferentes métodos, identificar o tipo Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 18 Glossário de Termos de Arte e Restauro de pigmento, vernizes, ligante, colas e cargas utilizados. Misericórdia: num cadeiral no coro de uma igreja, é a extremidade esculpida do assento, que quando recolhido verticalmente, oferece ao clérigo a possibilidade de repouso em caso de longas permanências de pé. Mordente: produto aplicado para adesão da folha de ouro à preparação. O Ottomane ou Otomana Canapé baixo, estofado e de espaldar curvo.. Óvalo perfil decorativo de secção em forma de quarto de circulo convexo P Palma motivo neoclássico em forma de folha de palmeira. Palmeta ornamento em forma de folha estilizada, geralmente utilizada em bandas ou frisos. Papier Maché mistura de pasta de papel, água, areia e giz, que pode ser moldada e endurece quando seca. Utilizada no mobiliário do século XIX. Parquetaria forma de marchetaria com base num padrão geométrico e repetitivo, executado em madeiras contrastantes. Pátera motivo circular ou oval em baixo relevo, normalmente utilizado como ornamento no mobiliário do neoclássico. Pé em bolacha perna terminando em bola achatada. Pé em garra e bola: perna que termina em garra de animal a agarrar uma bola. Pembroke table mesa do estilo regency, que deixa cair duas abas laterais para reduzir a sua dimensão quando necessário. Poudreuse mesa com espelho. Preguiceiro leito de repouso com 6 a 8 pernas e espaldar inclinado para trás. Psyché espelho rectangular que pode ser inclinado como se deseje, inserido em moldura movível. Putti: figuras representando meninos, cúpidos ou querubins decorativos. 184 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 18 Glossário de Termos de Arte e Restauro Q Queen Anne, estilo estilo de mobiliário em Inglaterra no século XVIII. R Rebarba acumulação de preparação e camada pictórica no limite da superfície pictórica provocada pela moldura. Regência, estilo estilo de mobiliário francês do século XVII que antecede o estilo Luís XV. Regency, estilo estilo de mobiliário em Inglaterra no século XIX. Repinte capas de pintura sobrepostas à pintura original numa ou em diversas épocas. Rocaille sinónimo de Rococó, e que designa um tipo de decoração irregular com rochas e conchas. S Saial (ou aventa) prolongamento central e inferior da frente e ilhargas de um móvel, onde geralmente se adensa o trabalho decorativo. Sheraton, estilo estilo de mobiliário em Inglaterra no século XVIII. 185 T Tabela travessa vertical e central das costas de um móvel, geralmente mais decorada e que pode ser cheia ou vazada. Tallboy peça que nasce da sobreposição de duas Chest of Drawers, que é composta por gavetas e tem tendência a estreitar de baixo para cima. Testeira numa cadeira é a travessa que une as pernas dianteiras, e que pode ser decorada. Tímpano espaço circunscrito por arcos ou linhas rectas; espaço entre a curva interior o e os lados exteriores de um esquadro. Torcidos torneado de colunas em forma de espiral, utilizado na pernas e decoração de móveis. Tornear utilização de um torno para modelar madeira, metal ou outro material me secção circular. Tratteggio tipo de reintegração cromática, visível de perto, mas que integra a pintura ao longe. Consiste em aplicar traços paralelos e verticais de diferentes cores Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 18 Glossário de Termos de Arte e Restauro justapostas, refazendo os tons aproximados ao original e permite recompor volumes de desenhos. Esta técnica pode ser feita com diferentes materiais: aguarelas, pigmentos + aglutinante, etc. Trempe base ou mesa que apoia um móvel. Também se pode utilizar para denominar o conjunto do travejamento de uma mesa. Tremó peça de aparato que consiste na união entre uma consola e um espelho. Trevo ornamento gótico de três folhas simétricas, muito popular durante o revivalismo do estilo no século XIX. Tudor, estilo estilo de mobiliário em Inglaterra entre finais do século XV e inícios do século XVII. V Velatura camada de pintura mais rica em aglutinante do que em pigmento que se sobrepõe a outras camadas para conseguir o tom desejado com transparência. Vitoriano, estilo estilo de mobiliário em Inglaterra no século XIX. Voyelle ou voyeuse cadeira sem braços onde se pode sentar "ao contrário" apoiando os braços no cachaço da cadeira, enquanto se vê jogar. W What-not móvel do estilo regency, composto por prateleiras unidas através de finos perfis, e que é colocado entre duas janelas. William & Mary, estilo estilo de mobiliário em Inglaterra no século XVII. 186 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico Paulo Queimado Licenciado em Conservação e Restauro Nivalda Gomes Bacharel em Conservação e Restauro Indice 7. 11. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 24. 25. 28. 29. 30. 31. 32. 34. 35. 35. Introdução Higiene e Segurança Medidas e equipamentos de protecção colectiva e individual Equipamentos de protecção individual (EPI´s) Prevenção Classificação dos riscos Riscos profissionais Prevenção de acidentes e rentabilidade da empresa Principais riscos na área de Conservação e Restauro de madeiras Riscos Mecânicos Iluminação Ruído Riscos químicos Efeitos dos poluentes químicos Poluentes sólidos Incêndio e Explosão Ambiente higiene e organização do local de trabalho Regras de higiene no local de trabalho Principais técnicas de conversão e laboração de materiais. A madeira como suporte Estrutura Geral da Madeira Características Químicas e Físicas A deterioração e os defeitos nas madeiras Defeitos de Crescimento Defeitos de Alteração de Origem Animal e de Origem Vegetal Defeitos de Exploração 35. 37. 39. 39. 43. 44. 45. 46. 47. 48. 48. 49. 49. 49. 50. 51. 52. 55. 55. 55. 56. 56. 57. 58. 59. 59. 60. 60. 62. 63. 63. 64. 64. 64. 67. 68. 71. 72. 72. 74. 74. 77. 79. Defeitos de Secagem As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário Técnicas de execução O desenho técnico no domínio da conservação e restauro O processo de Escolha e Preparação da Madeira O planteamento e traçado aplicado á construção em madeira Preparação do trabalho O corte de produtos semi-acabados Corte das Madeiras – Direcções de corte e planos associados Medições Ligações, Encaixes e Samblagens Ligações em L Ligações em T Ligações em Malhete Técnicas de Entalhe Ferramentas de Entalhador Técnicas de Douramento e Policromia Douramento sobre madeira Preparação do Suporte ou Aparelhamento “Encolage” Preparação da cola animal Aplicação da cola animal ou “encolagem” Preparação branca Betumar, nivelar e polir Água de lavagem Embolado ou aplicação de bollús Preparação do Bollús da Arménia Douramento a água Douramento a mordente Técnicas e efeitos decorativos Estofado Punçoado Esgrafitado Patines Tecnologias da Conservação e Restauro A Conservação e o Restauro Código de Ética da Conservação e Restauro Princípios gerais de aplicação do código Obrigações para com os objectos culturais Obrigações para com o proprietário Obrigações para com os colegas e para com a profissão Deontologia do Conservador Restaurador Análise de Conceitos 81. A Evolução Histórica dos Conceitos e das Normas Legais 84. As Classificações Nascem Com o Novo Século XX 87. Métodos de Diagnóstico e Peritagem em Arte 88. Diagnóstico e formulação de propostas de tratamento 91. A Peritagem – método de aquisição de conhecimentos específicos para uma correcta intervenção 93. Principais causas e factores de degradação das obras de arte em suporte de madeira 97. Métodos de Conservação e Restauro 98. Recepção de peças - embalagem e transporte 99. Interpretação do diagnóstico, do levantamento de patologias da obra e determinação da metodologia de intervenção 101. Testes de solubilidade e de resistência de pigmentos 102. A limpeza e os requisitos técnicos de cada caso 108. Pré-fixação das Camadas Cromáticas 109. Desinfestação por via líquida e por via gasosa 111. Consolidação: métodos, técnicas e materiais 112. Revisão de estruturas – remoção de elementos metálicos, colagens e cavilhamento. 114. Reintegração volumétrica: métodos, técnicas e materiais 116. Reintegração a Nível das Preparações 117. Reintegração Cromática 119. Camadas de Protecção 121. Elaboração de fichas de trabalho e importância da documentação de trabalho. 121. Elaboração do Relatório Técnico de Intervenção 125. Bibliografia 131. Glossário de Termos Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 01 Introdução Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 01 Introdução Este manual tem o objectivo de colocar em evidência algumas situações que possam encaminhar para o entendimento do percurso do trabalho em madeira e sobre madeira. Desde a escolha e preparação das madeiras, passando pelas técnicas de entalhe, execução de um relevo ou alto-relevo, dando uma ideia do avanço técnico, utensílios e meios de produção ao longo dos tempos. Os agentes causadores de deterioração das madeiras são analisados, apontando medidas de protecção que diminuem ou eliminam os riscos de ataque no caso de deterioração biológica. Na perspectiva de conservação e restauro, serão mencionados aspectos de importância e de necessidade essencial: desde a recepção das peças utilizando fichas de identificação, passando pela peritagem e elementos passíveis de análise física e química; levantamento e identificação de patologias; testes de resistência de pigmentos e solubilidade de sujidades, deste modo poder-se-ão determinar as metodologias de intervenção adequadas a cada caso. No que diz respeito à intervenção de Conservação e Restauro propriamente dita, serão abordados temas que passam pela Ética e Código Deontológico da Conservação e Restauro, aplicados a temas tão diversos como a eliminação de antigas intervenções, desinfestações e consolidações. O tema das técnicas decorativas na arte em suporte de madeira, abordará o estudo das policromias, passando pelas técnicas de douramento mais utilizadas e a relação directa com os agentes de deterioração, registando aspectos práticos no que diz respeito à conservação e restauro das superfícies. 09 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança A higiene e a segurança são duas actividades que estão directamente relacionadas e têm o objectivo de garantir o bem-estar físico, mental e social dos trabalhadores. Actualmente as actividades profissionais estão numa fase decisiva em relação à organização de actividades de segurança e saúde do trabalho em Portugal, observando-se uma consciencialização a nível da sociedade até então inexistente. Este facto começa a alterar-se, embora lentamente, fruto de um trabalho de educação e de sensibilização, abrangidas por uma legislação que permite a protecção de quem integra as actividades, sendo a sua aplicação entendida como uma forma de melhorar as empresas e os trabalhadores no que respeita às condições ambientais e de segurança do posto de trabalho. A higiene do trabalho ocupa-se essencialmente das doenças profissionais identificando os factores que podem afectar o ambiente do trabalho e do trabalhador. Tem como principal objectivo eliminar ou reduzir os riscos profissionais. A segurança do trabalho, trata dos acidentes de trabalho, eliminando as condições inseguras do ambiente, formando e sensibilizando os trabalhadores a utilizar medidas preventivas. Os acidentes de trabalho são regra geral a relação estreita das falhas humanas e das falhas materiais, isto porque os trabalhadores se encontram mal preparados para enfrentar determinados riscos. 12 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança Para além dos acidentes de trabalho existem as doenças profissionais, resultantes do exercício do trabalho em si, facto que se verifica ao longo da actividade da conservação e restauro. Muitas vezes, este é um trabalho "isolado" desenvolvido entre as quatro paredes de um "atelier". No mundo desenvolvido onde o conservador restaurador se insere não pode haver trabalhadores de primeira e trabalhadores de segunda. Seja qual for o ramo de actividade onde se enquadra, estão todos abrangidos pelas disposições legais que ao longo dos tempos têm vindo a evoluir, abrangendo sucessivamente camadas mais alargadas de trabalhadores. Para a devida avaliação das condições de segurança de um posto de trabalho é necessário considerar um conjunto de factores de produção e ambientais onde se desenrola o posto de trabalho. MEDIDAS E EQUIPAMENTOS DE PROTECÇÃO COLECTIVA E INDIVIDUAL 13 Para prevenir os acidentes e as doenças profissionais decorrentes do trabalho, a ciência e as tecnologias colocam à disposição do trabalhador uma série de medidas e equipamentos de protecção colectiva e individual. O equipamento de protecção colectiva é toda a medida ou dispositivo, sinal, som, imagem, instrumento ou equipamento destinado à protecção de uma ou mais pessoas. Alguns exemplos de aplicação de equipamentos de protecção colectiva são: — Limpeza e organização do local de trabalho; — Sistemas de exaustão para eliminação de gases, vapores ou poeiras, contaminantes do local de trabalho; —Isolamento ou afastamento de máquina ruidosa; — Comando bimanual, que mantém as mãos ocupadas, fora da zona de perigo, durante o ciclo operacional de uma máquina; As medidas e os equipamentos de protecção colectiva visam, além de protegerem vários trabalhadores ao Em cima, procedimentos gerais em obra sobre a utilização de escadas e andaimes. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança mesmo tempo, proporcionam um ambiente de trabalho seguro e confiante, destacando-se por serem mais rentáveis e duráveis para a empresa. Quando não for possível adoptar medidas de segurança de ordem geral para garantir a protecção contra riscos de acidentes e doenças profissionais, devem-se utilizar os equipamentos de protecção individual, destinados a proteger a integridade física e a saúde do trabalhador. EQUIPAMENTOS DE PROTECÇÃO INDIVIDUAL (EPI´S) Tabela de relação entre as operações, os EPI´s e a exposição do trabalhador. Os equipamentos de protecção individual não devem ser considerados métodos de segurança fundamental. Estes equipamentos devem ser considerados como medida de recurso para o controlo de riscos. Existe no mercado uma grande variedade de equipamentos que cobrem na generalidade dos riscos presentes na actividade de conservação e restauro Só se deve recorrer ao equipamento de protecção individual depois de se esgotarem as possibilidades de eliminar o risco ou de o controlar através de outras medidas técnicas e organizacionais. 14 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança O equipamento deve ser usado como forma de complementar à protecção colectiva, mesmo em exposições de períodos reduzidos. A escolha do equipamento de protecção individual deve ser feita por pessoal especializado, conhecedor não só do equipamento como também das condições em que o trabalho é executado, assim como da exigência técnica do processo de trabalho. É preciso conhecer também o tipo de risco, a parte do corpo atingida, as características e qualidades técnicas do equipamento e principalmente o grau de protecção que este proporciona. A classificação dos equipamentos de protecção individual é feita conforme a zona do corpo que deve ser protegida. — Cabeça: Protectores para crânio e para o rosto, nomeadamente, capacetes ou chapéus, e para o rosto, utilizam-se protectores faciais. — Olhos e nariz: Óculos e máscaras. —Ouvidos: Protectores auditivos tipo concha ou plugs de inserção. — Braços, mãos e dedos: Luvas, mangotes e pomadas protectoras. —Tronco: vestimentas especiais, batas, aventais. — Pernas e pés: Perneiras, botas ou sapatos de segurança. — Corpo inteiro: Cintos de segurança contra quedas e impactos. O empregador é responsável por adquirir o tipo de EPI adequado à actividade do empregado, orientar o trabalhador sobre o seu uso, tornar obrigatório o uso, substitui-lo imediatamente quando danificado ou extraviado, assim como é ainda responsável pela higienização e manutenção periódica. PREVENÇÃO 15 A prevenção é, certamente, o melhor processo de eliminar ou reduzir as possibilidades de ocorrerem problemas de segurança com o trabalhador. Os métodos de prevenção consistem na adopção de Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança um conjunto de medidas de protecção e na previsão do risco no momento da concepção do trabalho em oficina ou estaleiro. A directiva quadro (89/391/CEE), veio estabelecer uma plataforma comum e inovadora da prevenção de riscos profissionais1. — A obrigação geral do empregador face à prevenção de riscos profissionais relativamente aos seus trabalhadores. — O dever do empregador desenvolver as actividades preventivas, de acordo com uma ordem fundamental de princípios gerais de prevenção — A necessidade das medidas preventivas serem integradas no processo produtivo e na gestão da empresa. — A obrigação do empregador observar na escolha das medidas preventivas a hierarquia estabelecida nos princípios gerais da prevenção. — O dever fundamental de, no âmbito desta hierarquia, o empregador promover a avaliação dos riscos que não puderem ser eliminados. — Os locais de trabalho, a manipulação ou exposição a agentes físicos, químicos, biológicos, riscos de acidentes, podem comprometer a saúde e a segurança do trabalhador a curto, médio e a longo prazo, provocando lesões imediatas, doenças ou a morte, além de prejuízos de ordem legal e patrimonial para a empresa. Actualmente em Portugal, está em vigor o novo Código do Trabalho onde as obrigações do empregador e do trabalhador estão bem delineadas como se pode consultar no art.º 272 e seguintes. CLASSIFICAÇÃO DOS RISCOS 1 CABRAL Fernando A. e Roxo Manuel M., Construção civil e obras públicas, a coordenação de segurança, edição IDICT Instituto de desenvolvimento e Inspecção das condições de trabalho, Impressões NEGÒCIOS - Artes Gráficas, Lda. — Riscos físicos: são representados por factores ou agentes existentes no ambiente de trabalho que podem afectar a saúde dos trabalhadores (ruídos, vibrações, radiações). — Riscos químicos: são identificados pelo grande número de substâncias que podem contaminar o ambiente de trabalho e provocar danos á integridade 16 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança física e mental dos trabalhadores (poeiras, fumos, névoa, neblinas, gases, vapores, substâncias compostas ou outros produtos químicos). — Riscos Biológicos: Estão ligados ao contacto do homem com vírus, bactérias, fungos, parasitas, bacilos e outros microrganismos. Os riscos de acidentes estão presentes no tratamento físico não adequado, pisos escorregadios e irregulares, materiais ou matérias-primas defeituosas, máquinas e equipamentos sem protecção, ferramentas impróprias, e iluminação insuficiente ou excessiva. RISCOS PROFISSIONAIS 17 A organização da actividade de segurança e saúde no trabalho pressupõe que esta deva ser pensada antes de um trabalho ser iniciado. Os acidentes são evitados com a aplicação de medidas de prevenção e segurança. Inicia-se o processo pela identificação do tipo de exposição presente nos locais de trabalho, pela actividade desenvolvida, pela exposição a agentes físico químicos e biológicos, ruído, presença de poeiras, espaço com ausência de iluminação ou iluminação inadequada, longos trabalhos e repetitivos, com monotonia associada e se exigem pausas frequentes. O desrespeito pelas medidas de prevenção podem comprometer a saúde e a segurança do trabalhador em curto, médio ou longo prazo, provocando lesões imediatas, doenças ou a morte. É importante salientar que a presença de produtos ou agentes nocivos nos locais de trabalho, não quer dizer obrigatoriamente que exista perigo para a saúde. Tal facto vai depender da conjugação de vários factores: concentração e forma do contaminante no ambiente de trabalho, o nível de toxicidade e o tempo de exposição do trabalhador. Após esta análise, pode elaborar-se uma tabela com a listagem das operações a desenvolver no percurso do trabalho, os riscos associados e consequentemente as medidas de prevenção e dentro destas, delimitar quais as prioritárias. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança Posteriormente deve fazer-se uma avaliação periódica sobre os resultados das medidas tomadas e se não forem adequadas, reformular as medidas de prevenção. PREVENÇÃO DE ACIDENTES E RENTABILIDADE DA EMPRESA A prevenção deve basear-se nos seguintes princípios: Eliminação do risco — tornar o risco praticamente inexistente, de modo que não represente para o trabalhador qualquer risco de exposição; Neutralização do risco — não sendo possível evitar o risco, substituir o que é perigoso pelo que é isento ou apresenta menos perigo. Se tal não for possível, deverão ser adaptadas medidas de protecção colectivas, prioritariamente e individuais; Sinalização do risco — é a medida que deve ser tomada quando não é possível eliminar ou isolar o risco; Esses locais devem ser sinalizados com placas de advertência. A rentabilidade da empresa está directamente relacionada com as condições de trabalho e a produtividade. Na actividade corrente de uma empresa, os custos indirectos dos acidentes de trabalho, são muito mais importantes que os custos directos, através dos factores de perda, ou seja: — Perda de horas de trabalho pela vitima; — Perda de horas de trabalho pelas testemunhas e responsáveis; — Perda de horas de trabalho pelas pessoas encarregadas do inquérito; — Interrupções no trabalho; — Danos materiais; — Atraso na execução do trabalho; — Custos inerentes ás peritagens e acções legais eventuais; — Diminuição do rendimento durante a substituição; — A retoma de trabalho pela vítima; 18 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança Estas perdas podem por vezes representar quatro vezes os custos directos do acidente de trabalho. A diminuição de produtividade e os desperdícios de material, aliados á fadiga provocada por horários de trabalho excessivos e por más condições de trabalho, no caso da iluminação e da ventilação, demonstram que o corpo humano, tem um rendimento muito maior quando o trabalho decorre em condições óptimizadas. Assim, podemos afirmar que na maior parte dos casos a produtividade é afectada pela ligação de dois factores: Um meio ambiente de trabalho que exponha os trabalhadores a riscos profissionais graves e a insatisfação dos trabalhadores, face a condições de trabalho que não estejam em boas condições, físicas e psicológicas. As condições de trabalho e as regras de segurança e higiene correspondentes, constituem um factor da maior importância para a melhoria de desempenho das empresas, através do aumento da sua produtividade e diminuição da sinistralidade. PRINCIPAIS RISCOS NA ÁREA DE CONSERVAÇÃO E RESTAURO DE MADEIRAS RISCOS MECÂNICOS 19 As máquinas foram criadas para satisfazer determinadas necessidades laborais. O principal objectivo é a rentabilidade e produtividade do trabalho. Grande parte dos acidentes decorridos no trabalho com máquinas deve-se ao desrespeito do uso dos dispositivos de protecção ou protecção insuficiente. Outro dos factores é o uso de máquinas antigas e em mau estado. Os movimentos e as acções mecânicas das máquinas representam riscos e envolvem os seguintes pontos: — Ponto de operação: o ponto onde o trabalho é executado no material, como ponto de corte, ponto de moldagem, ponto de perfuração, ou ainda de empilhamento de material. — Mecanismo de transmissão de força: qualquer componente do sistema mecânico que transmite energia Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança para as partes da máquina que executam o trabalho. Estes componentes incluem volantes, polias, correias, conexões de eixos, junções, fusos, correntes, manivelas e engrenagens. — Outras partes móveis: Inclui todas as partes da máquina que se movem enquanto a máquina está a trabalhar, tal como movimento de ida e volta, partes girantes, movimentos transversais e mecanismos de alimentação. Há muitos modos para proteger uma máquina contra os riscos mecânicos. As protecções podem ser classificadas da seguinte forma: — Barreiras ou anteparos de protecção fixa, parte permanente da máquina que não é dependente das partes móveis para exercer a sua função. — Barreiras ou protecções interligadas ou de inter-travamento, quando as barreiras ou protecções interligadas são abertas ou são removidas, o mecanismo de accionamento e ou de potência desliga automaticamente ou desengata, impedindo o funcionamento da máquina até que a barreira regresse á sua posição fechada. — Protecção ajustável, que permite flexibilidade acomodando vários tamanhos de materiais. — Barreiras ou protecções auto-ajustáveis, que são determinadas pelo movimento do material. Á medida que o operador move o material para a área de risco, a protecção é puxada para trás ou para cima, possibilitando uma abertura que é suficientemente grande para o material. Depois de o material ser removido, a protecção retorna á posição de descanso. ILUMINAÇÃO Para a obtenção de um bom ambiente que proporcione satisfação, conforto e um bom rendimento visual, é preciso equilibrar as luminâncias presentes no campo de visão. A melhor solução é a diminuição gradual da luz em volta da tarefa, para evitar fortes contrastes, pois o 20 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança excesso de iluminação é tão nefasto como a escassez. A falta de iluminação afecta a sensação de bem-estar, levando à fadiga. Os objectos perdem a cor e a forma e diminui a perspectiva. As pessoas preferem salas com iluminação natural a salas sem janelas, uma vez que contacto com o exterior contribui para a melhoria da sensação de bem-estar. A situação ideal é a combinação da iluminação natural com a iluminação artificial. O recurso á iluminação natural tem também a vantagem da redução de custos de energia. A percepção do ambiente interior está dependente do brilho e da cor das superfícies visíveis tanto interiores como exteriores. As lâmpadas fluorescentes podem produzir cintilação a cerca de 50Hz, praticamente imperceptível pelo olho humano, mas quando estas envelhecem ou se tornam defeituosas desenvolve-se uma cintilação levemente perceptível, especialmente nas extremidades, originando cansaço e potenciando desta forma o risco de acidente. A iluminação natural, proveniente das janelas, deve permitir que a luz do dia seja uniformemente dividida pelos vários postos de trabalho. Os vãos e janelas devem estar concebidos de modo a evitar o encadeamento. A área de superfície destinada à iluminação natural não deve ser menor que 20% da área do pavimento e deve ser complementada com iluminação artificial, procurando a protecção da saúde e segurança dos trabalhadores. RUÍDO 21 Quando uma pessoa se encontra num ambiente de trabalho e não consegue ouvir perfeitamente a fala das pessoas no mesmo espaço, é a primeira indicação de que o local é demasiado ruidoso. É identificado como ruído no ambiente de trabalho todo o som que causa sensação desagradável ao homem. As perdas de audição são derivadas de frequências e intensidades do ruído. A fadiga evidencia-se por uma menor perspicácia auditiva. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança As ondas sonoras transmitem-se tanto pelo ar como por materiais sólidos. Quanto maior for a densidade do meio condutor, menor será a velocidade de propagação do ruído. O ruído é pois um agente físico que pode afectar de modo significativo a qualidade de vida. Mede-se o ruído utilizando um instrumento denominado medidor de pressão sonora, e a unidade usada como medida é o decibel (dB) Para 8 horas diárias de trabalho, o limite máximo de ruído estabelecido é de 85 decibéis, o ruído emitido por uma britadeira é equivalente a 100 decibéis. O limite máximo de exposição contínua do trabalhador a esse ruído, sem protecção auditiva, é de 1 hora. Sem medidas de controlo ou protecção, o excesso de intensidade do ruído, acaba por afectar o cérebro e o sistema nervoso. Em condições de exposição prolongada ao ruído por parte do aparelho auditivo, os efeitos podem resultar na surdez profissional cuja cura é impossível, deixando o trabalhador com dificuldades para se relacionar com os colegas e família, assim como dificuldades acrescidas em se aperceber da movimentação de veículos ou máquinas, agravando as suas condições de risco por acidente físico. O nível de risco do ruído depende de: — Tipo de ruído — Distância da fonte emissora — Intensidade e frequência — Sensibilidade individual — Idade RISCOS QUÍMICOS Certas substâncias químicas, utilizadas nos processos de restauro, são lançadas no ambiente de trabalho através de processos de pulverização e emanação gasosas. Essas substâncias podem apresentar-se nos estados sólido, líquido e gasoso. Os agentes químicos ficam em suspensão no ar e podem penetrar no organismo do trabalhador por: — Via respiratória: é a principal porta de entrada aos 22 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança agentes químicos, porque se respira continuamente e tudo o que está no ar acaba por ser transferido para os pulmões. — Via digestiva: se o trabalhador comer ou beber algo com as mãos sujas, por estar muito tempo exposto a produtos químicos, parte das substâncias são ingeridas com o alimento, atingindo o estômago e podendo provocar sérios riscos á saúde. — Epiderme: o contacto directo com substâncias químicas leva a que parte do produto seja absorvida pela pele. —Via ocular: alguns produtos químicos permanecem no ar causando irritação nos olhos e conjuntivite. EFEITOS DOS POLUENTES QUÍMICOS Sensibilizantes — Produtos que levam a reacções alérgicas. Manifesta-se por afecções da pele ou respiratórias (solventes na preparação de resinas, preparação de soluções químicas e produtos usados em desinfestações). Irritantes — Produtos que levam a inflamações no tecido onde actuam. Os produtos inaláveis são os que levantam mais preocupação (ácido clorídrico, óxidos de azoto). Anestésicos ou narcóticos — produtos que actuam sobre o sistema nervoso central, é o caso dos solventes, das colas, e das tintas (toluol, acetato butilo, hexano). Cancerígenos — substâncias que podem provocar cancro. Corrosivas — substâncias que actuam quimicamente sobre os tecidos quando em contacto com estes (água oxigenada 130 Volumes). 23 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança POLUENTES SÓLIDOS Poeiras — partículas esferoidais de pequeno tamanho que se encontram em suspensão no ar (sílicas, quartzos, micas). Fibras — Partículas não esféricas tipicamente delgada e comprida, aguçada nas extremidades, normalmente têm de cumprimento 3 vezes o seu diâmetro. Fumos - partículas esféricas em suspensão, geralmente provocadas por combustões. Se estamos perante alguma máquina que emite partículas ou gases, névoas nocivas ou incómodas, há a necessidade na instalação de sistema de ventilação/exaustão localizada como protecção colectiva. INCÊNDIO E EXPLOSÃO O fogo é uma reacção química de combustão, com forte poder térmico, resultante da combinação de um combustível e de um comburente. Como fonte de energia, o fogo aquece, cozinha substâncias, faz mover máquinas, ilumina e produz energia. Mas se este se desenvolve de forma descontrolada estamos perante o que se chama de incêndio. Para além do calor que se desenvolve, temos a emissão de fumos, chamas e gases proveniente da combustão. Para combater eficazmente um incêndio, com o mínimo desgaste, é fundamental agir rapidamente. Isto exige organização de defesa contra incêndio: — meios para detectar o fogo desde o inicio e alertar os bombeiros; — material de extinção apropriada e sempre em boas condições de funcionamento: extintores, rede de incêndio e bocas-de-incêndio; — pessoal instruído nas diferentes medidas de protecção e no emprego dos diferentes meios de extinção; 24 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança Os extintores são meios prioritários, ou seja, são os primeiros a serem utilizados quando se detecta o incêndio. O extintor deve ter afixado: as instruções de uso, o tipo de fogos em que pode ser utilizado, tipo e quantidade de agente extintor, o fabricante, data da última verificação e o nome da empresa verificadora. Na tabela no anexo 3 estão agrupados os vários agentes extintores e as aplicações práticas de cada caso. No que diz respeito à extinção de incêndios, basta que se anule um dos lados do Triângulo do Fogo, para que a combustão termine, ou seja: — Por supressão do combustível: retirando a matéria combustível próxima ou isolando o objecto em chama; — Por abafamento: impedindo o contacto do oxigénio com a matéria em chama; — Por arrefecimento: fazendo baixar a temperatura do combustível. Contudo, já tendo a combustão iniciado, existe uma quarta maneira de extingui-la, que é através da Inibição (intervir na Reacção em Cadeia). Este processo justifica a extinção bastante eficaz de uma combustão através de pó químicos. Resumindo: Para que a combustão tenha início é necessário estarem presentes os três elementos do "Triângulo do Fogo". Para extinguir a combustão, podemos atacar um dos quatro processos quando o Triângulo do Fogo se transforma em Tetraedro do Fogo: Combustível; Comburente (oxigénio), Energia de activação (calor) e Reacção em Cadeia. AMBIENTE HIGIENE E ORGANIZAÇÃO DO LOCAL DE TRABALHO 25 Tal como se verifica no domínio da segurança, a prevenção mais eficaz em matéria de higiene industrial faz-se no momento da concepção do edifício, das instalações e dos processos de trabalho, pois todo o melhoramento ou alteração posterior já não terá a Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança mesma eficácia em relação á protecção e à saúde dos trabalhadores, e será muito mais dispendiosa. As operações perigosas e as substâncias nocivas, susceptíveis de contaminação do meio envolvente e do meio atmosférico devem ser substituídas por operações e substâncias inofensivas ou menos nocivas. Quando o equipamento de segurança colectivo for impossível de instalar, deve-se recorrer a medidas complementares de organização do trabalho, que podem assim reduzir os tempos de exposição ao risco. Quando as medidas técnicas colectivas e as medidas administrativas não forem suficientes, deve fornecerse aos trabalhadores equipamentos de protecção individual. Para a avaliação das condições de segurança no local de trabalho, há que considerar os factores de laboração e ambientais para que a actividade do operador decorra sem risco, criando condições passivas ou activas de prevenção da sua segurança. Os principais aspectos no diagnóstico das condições de segurança de um posto de trabalho, podem ser avaliados da seguinte forma: — O local de trabalho: Tem acesso fácil e rápido? É bem iluminado? O piso é aderente e sem irregularidades? É suficientemente afastado dos outros postos de trabalho? As escadas têm corrimão ou protecção lateral? — Movimentação de cargas: As cargas a movimentar são grandes ou pesadas? Existem e estão disponíveis equipamentos de transporte auxiliar? A cadência de transporte é elevada? Existem passagem e corredores com largura compatível? Existem marcações no solo delimitando zonas de movimentação? Existe carga exclusivamente manual? 26 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança — Posições de trabalho: O operador trabalha de pé muito tempo? O operador gira ou baixa-se frequentemente? O operador tem de se afastar para dar passagem a máquinas ou outros operadores? A altura e a posição da máquina são adequadas? A distância entre a vista e o trabalho é a correcta? — Condições psicológicas do trabalho: O trabalhado é em turnos ou normal? O operador realiza muitas horas extras? A tarefa é de alta cadência de produção? É exigida muita concentração dados os riscos da operação? — Máquinas: As engrenagens e partes móveis estão desprotegidas? Estão devidamente identificados os dispositivos de segurança? A formação do operador é suficiente? A operação é rotineira e repetitiva? —Ruídos e vibrações: Sentem-se vibrações ou ruído intenso? A máquina a operar oferece trepidações? Existem dispositivos que minimizem vibrações e ruído? — Iluminação: A iluminação é natural? Está bem orientada relativamente ao local de trabalho? Existe alguma iluminação intermitente na envolvente do local de trabalho? — Riscos químicos: O ar circulante tem poeiras ou fumos? Existe algum cheiro persistente? Existe ventilação ou exaustão de ar no local? Os produtos químicos estão bem embalados? Os produtos químicos estão bem identificados? Existem resíduos de produtos no chão? 27 Respondendo a estas questões consegue-se ter uma rápida percepção das condições de trabalho a que o trabalhador está sujeito. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 02 Higiene e Segurança REGRAS DE HIGIENE NO LOCAL DE TRABALHO Todos os colaboradores devem manter e deixar o seu local de trabalho limpo e perfeitamente arrumado, retirar os papéis e resíduos caídos no chão ou nos equipamentos que são utilizados no decurso da tarefa, varrer e limpar com água sempre que a situação assim o exija. Todos os locais de trabalho, zonas de passagem, instalações comuns e os equipamentos devem estar convenientes limpos. Devem ser limpos diariamente: — Os pavimentos; — Os planos de trabalho e os seus utensílios; — Os utensílios ou equipamentos de uso diário. As operações de limpeza devem ser feitas: — De forma a não levantar poeiras; — Os desperdícios ou restos incómodos devem ser colocados em recipientes próprios que serão removidos diariamente para fora do local de trabalho. 28 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 03 Principais Técnicas de Conversão e Laboração das Madeiras Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 03 Principais Técnicas de Conversão e Laboração das Madeiras A MADEIRA COMO SUPORTE A madeira é um tecido formado pelas plantas com uma função de sustentação, sendo por isso também utilizada pelo homem como material estrutural efectivo e eficiente. As árvores podem-se classificar quanto à sua anatomia como coníferas e dicotiledóneas. As primeiras, são conhecidas por serem mais macias, terem menor resistência e menor densidade, e as suas folhas são perenes em forma de agulha ou escama. Os Pinus são as mais usuais, com os seus elementos anatómicos como os traqueídes e os raios medulares. No segundo caso, os elementos anatómicos são os vasos, as fibras e os raios medulares. Dentro da estrutura da madeira constata-se que esta é um material sólido, orgânico e higroscópico, ou seja, que absorve água, e é ortotrópico, que quer dizer que tem um crescimento diferente nas dimensões espaciais. A madeira é obtida do tronco das plantas lenhosas, especialmente das árvores, mas também dos arbustos. Essas plantas são perenes e são caracterizadas pelos caules que crescem em diâmetro ano após ano. A estrutura do caule é composta por celulose, hemicelulose e lignina entre os seus tecidos. Pode-se então dizer que a madeira é constituída por fibras de celulose, unidas por lignina. Segundo fontes do séc. XVIII, as madeiras mais utilizadas em trabalhos de talha e escultura em Portugal, eram provenientes do Norte da Europa, com especial relevo para o carvalho e pinho da Flandres. Na falta destas madeiras, os entalhadores e os escultores recorriam à madeira de castanho português, preferida pela sua duração e melhor trabalhar, não suplantando no entanto, na Idade Media, a preferência pela madeira do “Norte”. Por exemplo, a madeira dos navios — carvalho da Flandres — de difícil obtenção e compreensível utilidade nessa época das epopeias marítimas, foi largamente empregue na produção de retábulos e esculturas. Na zona do Porto, o castanho era a madeira mais utilizada para entalhar e esculpir, enquanto o pinho, 30 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 03 Principais Técnicas de Conversão e Laboração das Madeiras embora abundante em Portugal, raramente foi utilizado para além da estrutura interna de suporte da madeira entalhada, em contraposição à nossa vizinha Espanha, que o utilizava em grande parte das suas obras de talha para dourar e nas esculturas polícromadas. As mais frequentes são o castanho e o carvalho, mas outras madeiras foram utilizadas conforme a sua aplicação. O buxo manteve a primazia entre as madeiras nacionais pelas suas características de fibras compactas, de fácil trabalhar e pouco atacável por insectos, o cedro foi bastante utilizado na imaginária de grandes dimensões, e pode-se ainda acrescentar á lista a laranjeira e todas as árvores de fruto de espinho, o loureiro, a pereira brava, a figueira, a faia, o freixo, a soveira, o ulmo, a ameixeira e a ginjeira. ESTRUTURA GERAL DA MADEIRA CARACTERÍSTICAS QUÍMICAS E FÍSICAS 31 Ao fazer um corte transversal num tronco, muitas espécies, dependendo directamente da família a que pertencem – Resinosas ou Folhosas – é apresentada uma porção mais escura de madeira, na zona central do tronco, que corresponde ao cerne (2) e uma porção mais clara, na parte externa, que corresponde ao alburno ou borne (1), aparecendo a medula (3) bem distinta em algumas espécies como um ponto escuro no centro. A diferença entre o borne e o cerne nem sempre é facilmente perceptível uma vez que a mudança de cor tanto pode ser abrupta como gradual. O borne é a madeira nova, constituída pelas células vivas na árvore em crescimento, podendo dizer-se que toda a madeira existente na árvore, é primeiramente formada como borne. As principais funções desta zona do tronco são levar a água da raiz até às folhas, armazená-la e devolvê-la de acordo com a estação. Quanto mais folhas uma árvore suportar maior o volume de borne necessário, logo mais vigoroso é o seu crescimento. Ao longo dos anos de desenvolvimento da árvore, o 1 2 3 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 03 Principais Técnicas de Conversão e Laboração das Madeiras seu diâmetro aumenta, e uma porção interior do borne torna-se inactiva, deixando gradualmente de funcionar à medida que as células morrem. As células são formadas pelas paredes primárias e secundárias, lúmen ou abertura de células e intercélulas. As células não são mais que fibras que compõe, no seu conjunto, o corpo da madeira. Esta porção inerte é chamada de coração da madeira ou cerne. Casca Borne Cerne Medula Estrutura Física da Madeira Tabela de absorção de humidade pelas madeiras dependendo do ambiente envolvente Este conjunto de elementos confere às madeiras as suas características mecânicas e a sua resistência. Madeiras com a mesma secção, forma e volume reagem de maneiras diferentes ao corte, torção, flexão, compressão ou dobragem. Logicamente a resistência das madeiras está directamente associada à sua durabilidade. Dependendo das características físicas, químicas e mecânicas, e da forma como as fibras estão arrumadas no lenho, isto é na porção de madeira a trabalhar, o artista deve ter sempre em consideração as solicitações que a obra vai sofrer quando trabalhada e colocada a uso. Classificação Verde Semi-seca Seca Seca ao ar Dissecada Completamente seca (Anidra) Teor Humidade > 30% (> ponto saturação) > 23% (< ponto saturação) 18-23% 13-18% 0-13% 0% A DETERIORAÇÃO E OS DEFEITOS NAS MADEIRAS Nesta fase, considera-se a madeira em duas fases distintas: antes e depois do seu abate. A madeira como matéria orgânica, está sujeita em todas as suas fases a agentes de deterioração, nomeadamente os agentes climatéricos e os agentes destruidores. Os agentes climatéricos condicionam inevitavelmente a qualidade da madeira que, como já foi referido, possui uma composição multicelular, e é por intermédio destas células que a água e os sais são absorvidos. 32 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 03 Principais Técnicas de Conversão e Laboração das Madeiras A água provoca os movimentos de tracção e contracção e este é o primeiro problema a ser considerado quando se trata da conservação de uma escultura, de um retábulo ou de uma peça de mobiliário construída em madeira. Ao absorver a humidade a madeira aumenta de volume e ao perdê-la sofre uma redução no seu volume. A absorção e a perda de água processam-se nas paredes das fibras e faz-se essencialmente pela abertura no extremo das células, verificando-se que a dilatação e a contracção se processam em sentido perpendicular às mesmas. As madeiras, depois de cortadas possuem na sua estrutura percentagens de humidade variáveis, conforme o tipo e espécie botânica. O termo médio é de 40% e quando considerada seca, em condições consideradas normais, armazenadas em ambiente natural com 60% – 70% de Humidade Relativa (HR), a madeira conserva pelo menos 12% da humidade que lhe é própria. Pode constatar-se assim, que o coeficiente de humidade da madeira varia proporcionalmente ao ambiente onde se encontra: Ambiente 65 % de HR 85 % de HR 95 % de HR Absorção 13%* 19%* 30%* * Valores Aproximados A madeira tem o seu próprio grau de humidade e mesmo depois do abate, a água continua a subsistir na sua estrutura em três estados. A água de constituição que está combinada com os outros componentes da matéria lenhosa, a água de impregnação que vai preencher os espaços entre as paredes das células que ao intumescerem alteram o volume global da peça e a água livre, também conhecida por água de embebição ou de capilaridade e que após a impregnação das paredes das células, circula na peça enchendo os espaços intercelulares. 33 Tabela de Classificação das madeiras e respectivo teor de humidade Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 03 Principais Técnicas de Conversão e Laboração das Madeiras DEFEITOS DE CRESCIMENTO Em cima, árvore exposta a ventos fortes. Em baixo, defeitos das madeiras e diversos tipos de nós. Os defeitos de crescimento estão normalmente associados a problemas de plantio, de manejo e de ordem climática e influenciam a constituição do tronco, provocando irregularidades em cada época de vegetação, alterando a estrutura fibrosa da madeira e criando normalmente desvios dos veios. Por exemplo, nas zonas de ventos constantes é bastante comum aparecerem árvores torcidas e de tronco irregular. Existem ainda outros tipos de defeitos associados ao crescimento como é o caso dos nós. Os nós são porções de ramos incluídos no caule da planta ou ramo principal. Os ramos desenvolvem-se a partir do eixo central do caule da planta e, enquanto vivos, aumentam em tamanho com a adição anual de camadas lenhosas que são uma continuação das camadas do caule. A porção incluída é de forma mais ou menos cónica e irregular com início na medula. Durante o desenvolvimento da árvore, a maior parte dos ramos, especialmente os mais baixos, morrem, mas continuam presos à árvore por algum tempo. Uma vez que o ramo está morto, as camadas de crescimento posteriores não crescem com o ramo, mas são depositados em seu redor. Assim os ramos mortos dão origem aos nós, que são considerados apenas o conteúdo de um “buraco”, podendo soltar-se facilmente quando a madeira é seca e serrada, isto no caso dos nós mortos. Existem ainda os nós vivos que se formam de uma forma fundida com os anéis de crescimento anual, não se soltando do resto da madeira. Os anéis de crescimento anual são diferentes nas estações frias e nas estações quentes, podendo-se identificar facilmente a idade da árvore pela contagem dos anéis. Os nós afectam a resistência da madeira no que diz respeito a fendas, rachas e quebras, assim como sua manuseabilidade e flexibilidade. O enfraquecimento ganha proporções maiores quando a madeira é submetida a tracção e compressão, mas não influenciam materialmente a rigidez da madeira estrutural, dependendo essa rigidez e o limite de elasticidade mais da qualidade da fibra da madeira do que dos defeitos. 34 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 03 Principais Técnicas de Conversão e Laboração das Madeiras DEFEITOS DE ALTERAÇÃO DE ORIGEM ANIMAL E DE ORIGEM VEGETAL Normalmente, estes defeitos são determinados pelas condições de cultivo das árvores e das alterações que ocorrem ao longo do seu crescimento, influenciando a composição química e reduzindo o crescimento do material lenhoso. Os fungos e os insectos xilófagos são organismos vivos que se desenvolvem rapidamente em ambientes quentes e húmidos que levam à rápida putrefacção e consumo das fibras da madeira. Defeitos das madeiras provenientes do crescimento DEFEITOS DE EXPLORAÇÃO Os defeitos de exploração aparecem com mais intensidade no decorrer da serração, originando anomalias em termos de conversão da matéria bruta e de peças cortadas de acordo com a tipologia de tábuas, barrotes ou ripas e manifestam-se sob a forma de fendas e fracturas. DEFEITOS DE SECAGEM Estes defeitos são provocados geralmente por uma secagem mal conduzida e podem ser consideradas como todas as alterações produzidas a partir do momento em que as peças, depois de serradas, são colocadas em pilhas ou colocadas em câmaras de secagem. 35 Defeitos das madeiras provenientes de ataques de fungos Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário Pormenor de escultura com várias ligações madeira-madeira A construção de obras de arte em suporte de madeira variou de época para época e ao longo dos tempos foram-se desenvolvendo novas técnicas de construção, de modo a construir peças cada vez mais elaboradas, resistentes e duradouras. As ligações foram aperfeiçoadas e as técnicas de construção tornaram-se, também elas, cada vez mais elaboradas. Um dos grandes problemas que sempre existiu na construção em madeira foi o facto desta ser um elemento orgânico, com “vida própria”, que quando sujeita a factores ambientais externos, como é o caso da temperatura e da humidade, reage de formas diversas, aumentando e diminuindo o seu volume e provocando defeitos nas estruturas decoradas. Com o intuito de minimizar esses defeitos, as técnicas de construção desenvolveram-se principalmente a nível das samblagens, temática abordada mais adiante neste manual. No caso da escultura, por exemplo, aparecem exemplares em que os blocos são compostos por duas partes do mesmo lenho, escavadas no interior e unidas por colagem ou por qualquer outra ligação. Este método diminui o peso da escultura e impede que o cerne se fenda por contracção da medula. Outro exemplo de construção é aquele em que a escultura é formada por vários elementos de madeira, unidos entre si, provenientes de uma ou várias peças da mesma essência. 38 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário Estes elementos são quase sempre dispostos de modo a contrariarem mutuamente as forças de torção ou empeno, o que vai reduzir significativamente o risco de deformações. Neste sentido, têm de se ter em conta os aspectos intrínsecos dos próprios materiais e os aspectos de ordem tecnológica. Como exemplos de aspectos intrínsecos aparece a reconversão, a laboração e as técnicas específicas de construção e aplicação em obra. Estes últimos passam pela espécie botânica utilizada, que tem de ser bem determinada face aos requisitos da criação, sendo a estrutura anatómica e o arranjo dos tecidos lenhosos de extrema importância. A massa específica aparente do material lenhoso tem a ver directamente com o tipo de madeira: a distribuição e a concentração do material lenhoso, ou seja, se é leve ou densa. Como a madeira tem características diferentes, consoante o local onde é obtida, por exemplo do cerne ou do borne, há que ter sempre em consideração a posição relativa da peça no lenho. A existência de defeitos pode originar graves anomalias no comportamento físico e mecânico das peças, dependendo da localização dimensão e distribuição desses defeitos. Inevitavelmente, o material lenhoso quando sujeito a estes factores sofre perda de elasticidade, deformações e empenos que dificultam bastante os processos quer de produção quer das próprias intervenções de Conservação e Restauro. TÉCNICAS DE EXECUÇÃO O DESENHO TÉCNICO NO DOMÍNIO DA CONSERVAÇÃO E RESTAURO 39 O desenho é o meio pelo qual se cria uma determinada imagem. Este processo geralmente envolve uma superfície que é marcada aplicando-se sobre ela a pressão de uma ferramenta (em geral um lápis, caneta ou pincel), que ao fazê-la mover, faz surgir linhas, Em cima, pormenor de elemento entalhado separadamente e respectiva zona de encaixe. Ao centro, estrutura retabular onde se podem observar as diferentes zonas de ligação. Em baixo, pormenor de retábulo, onde as diversas peças são ligadas entre si por samblagens e colagem. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário pontos ou formas planas. Do resultado deste processo obtemos o desenho. Como componentes do desenho existem três elementos básicos, razão de existência gráfica. O traço é o caminho inicial para poder pensar em desenho, como elemento básico e como objecto físico (o traço “risca” a superfície dos materiais) associamo-lo ao elemento mínimo da linguagem gráfica: o ponto. O ponto, como elemento de dimensões mínimas, se for potenciado no sentido de se tornar expressivo, pode dar origem á linha. O traço muito apertado, quando é feito com pontos, dá origem a uma linha. Esta pode considerar-se como um elemento obtido a partir de um ponto movimentado numa dada direcção. A linha pode ser utilizada de modo a que se torne expressiva. Num objecto, uma linha pode dar ideia de um pau, num contorno, formando por exemplo um quadrado ou numa textura, como representação de uma “rede”, a representar a chuva. A linha e o ponto podem ser conjugadas em texturas de modo a produzirem uma imagem com intuito comunicativo e expressivo. O plano de representação é outro elemento fundamental num desenho. Ele é o suporte de trabalho. Por um lado a folha de desenho pode ser considerado o plano da representação, e por outro, é um meio de apoio á imagem. O plano de representação é a folha de papel e desenhase um motivo. Por exemplo, um quadrado. Utiliza-se convencionalmente uma vista frontal e só se pode construir um quadrado. Existe um plano de representação que é a folha de papel, já com um quadrado desenhado. Se quiser utilizar-se a conjugação da vista frontal com uma vista inclinada, passa-se de um plano para um volume, resultante da utilização simultânea de dois planos de representação: Se existir um plano simples, por exemplo um rectângulo 40 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário ao alto e lhe for convencionado um eixo em simetria e se a este eixo se gerar movimento de rotação, não se obtém apenas uma figura geométrica animada (o rectângulo rodando no seu eixo maior) mas um sólido geométrico que designamos de cilindro. Chegado a este ponto, pode-se observar a zona mais exterior do desenho. Ela depende da intenção de comunicar e exprimir uma dada ideia, um certo tema, uma certa realidade, e portanto tem que se submeter aquilo que efectivamente se quer transmitir. Neste passo, o processo de dar expressão à imagem criada, tem que se relacionar com aspectos tão importantes como o contorno e o esbatido. Há contudo que distinguir dois tipos de desenho: artístico e técnico. — Desenho artístico: possibilita ampla liberdade de figuração e apreciável subjectividade na representação. Este possibilita a representação de emoções ou impressões. — Desenho técnico: a diversidade de representação e a interpretação não é possível, devendo o mesmo objecto, num determinado tipo de figuração, ser representado sempre da mesma maneira, de forma completa e rigorosa. As regras que regem o desenho técnico são com efeito, bem definidas. Os princípios de representação em desenho técnico tendem cada vez mais a uniformizar nos vários países, criando-se assim uma verdadeira linguagem internacional. 41 Independentemente da técnica utilizada, os desenhos podem classificar-se nos seguintes grupos: — Desenho de concepção: exprime a forma genérica e a forma preconizada para resolver determinado problema, é geralmente mais elaborado á medida que a ideia inicial vai se concretizando e podem-se distinguir os esboços, os desenhos de anteprojecto e os desenhos de projecto. — Desenhos de definição: estabelecem as exigências funcionais a que devem satisfazer o objecto desenhado. — Desenhos de execução ou de fabrico: contêm todas as indicações necessárias para executar o desenho de acordo com as técnicas construtivas escolhidas. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário Os desenhos de concepção dividem-se em: — Esboços: definem a configuração geral dos elementos desenhados sem pormenorização excessiva e sem grande preocupação de rigor. São geralmente acompanhados por cálculos expeditos que fornecem informações aproximadas relativas às dimensões daqueles elementos. — Desenhos de anteprojecto: desenhos com rigor técnico e com muitos pormenores. — Desenhos de projecto: desenhos de conjunto, bem definidos, no que se refere às características de todos os seus elementos e às relações mútuas entre eles. O problema que se põe em relação ao desenho técnico é o de transpor, reduzir ou ampliar um desenho. O processo de transposição mais simples é a cópia em papel vegetal por sobreposição. A escala é como se sabe a relação entre uma determinada dimensão no desenho e a correspondente dimensão real do objecto representado e pode ser de redução ou de ampliação, conforme as dimensões do desenho são menores ou maiores do que as dimensões reais. Para escalas de redução: 1: 2,5 1: 20 1: 200 1: 2000 1: 25 000 1: 5 1: 50 1: 500 1: 5000 1: 50 000 1: 10 1: 100 1: 1000 1: 10 000 1: 100 000 Para escalas de ampliação: 2: 1 Em cima, algum do material utilizado na elaboração de desenhos técnicos e à mão livre. Mesa estirador, conjunto de canetas de tinta-da-china, borracha branca e conjunto de lápis de graffitti. 5: 1 10:1 Para além destas, considera-se ainda a escala 1:1 que corresponde á representação em tamanho natural. Esta escala deve ser usada sempre que possível, por dar mais directamente uma ideia das dimensões do objecto. A escala deve-se inscrever no lugar próprio, reservado na legenda do desenho. 42 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário O PROCESSO DE ESCOLHA E PREPARAÇÃO DA MADEIRA A primeira tarefa a executar pelo escultor, entalhador ou marceneiro é a escolha da madeira a utilizar e dela dependerá significativamente o sucesso da sua obra. Cada espécie de madeira tem propriedades físicas próprias que passam pela textura, índice de retracção, teor de água, peso específico, comprimento e diâmetro. Por outro lado, possuem propriedades mecânicas nomeadamente resistência e dureza, factores que inevitavelmente limitam o seu uso, mostrando-se algumas espécies mais adaptadas que outras a determinados projectos. A boa qualidade da madeira sempre foi tida em consideração para o bom resultado final da obra, uma vez que os entalhadores ou escultores eram, na maior parte das vezes, também douradores e pintores. Eles sabiam que estes aspectos eram determinantes para a beleza e longevidade da obra de arte. Quando as madeiras de qualidade não podiam ser fornecidas localmente, não hesitavam em adquirir essências afamadas de províncias ou países longínquos. Os escultores, desde a Idade Media, possuíam no seu atelier uma reserva de grume, madeira cortada ainda com casca, seca e sem defeitos, que era armazenada durante gerações. 43 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário O PLANTEAMENTO E TRAÇADO APLICADO À CONSTRUÇÃO EM MADEIRA A necessidade de preparação do trabalho de corte de madeira com vista à selecção de planos de encaixe, grossuras ou espessuras, larguras e cortes especiais, obrigaram, desde sempre, a um planeamento prévio sobre o modo como o trabalho deveria ser executado. De acordo com o aproveitamento da matéria-prima em bruto, destinada posteriormente a ser convertida em pranchas e barrotes, o homem desde sempre se obrigou, por razões de ordem económica e técnica, a deduzir os melhores aproveitamentos com vista ao mínimo desperdício de materiais. O acto de traçar é fundamentalmente um acto de avaliação, por um lado económico e, por outro lado, de natureza objectiva em relação à forma do produto semiacabado (prancha, barrote, ripa) que se pretende obter a partir de um tronco de matéria-prima ou de um produto semi-acabado que se usa intencionalmente para a realização de uma obra de arte. No âmbito da construção em madeira, seguindo-se um trabalho técnico elaborado, a que se chama em gíria de oficina planteamento da peça, a traçagem obriga-se a tornar concordante um conjunto de peças que, devidamente ligadas, se constituem num todo e a que chamamos obra de arte. Neste processo, a traçagem é considerada um acto de rigor onde a tolerância de encaixe (à mão, a maço, à prensa, colado ou cavilhado) adquire uma preponderância bastante forte no resultado final da construção da peça, quanto à sua rigidez ou à sua capacidade de articulação mecânica entre peças constituintes. O acto de corte, repartido entre o aproveitamento da peça de matéria-prima em bruto — o tronco — e a conversão deste em produtos semi-acabados deve ser bem planeado, uma vez que feito o corte não se poderá voltar atrás no projecto. As ligações madeira-madeira dependem da traçagem e do modo de produzir o corte, logo a maior ou menor qualidade mecânica do encaixe. Daí a importância do 44 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário acto de medir e de verificar as cotas de corte e de montagem. Neste domínio da medição é conveniente que a noção de tolerância do encaixe seja aprendida na prática e, por isso mesmo, se sugerem exercícios que levem o formando a adquirir a prática de traçar, cortar e medir, num cenário concreto de responsabilidade pessoal e treinamento prático. A prática de construção depende sempre do cuidado colocado nesta fase, quer na ligação dos vários componentes da peça, quer na armação do conjunto que, uma vez experimentada, dá lugar à colagem de todas as ligações componentes. Para todos os efeitos, não devem ser desmontadas por razões óbvias, porque uma ligação correcta é aquela que se executa sem necessidade de correcção. Quando acontecem deficiências nesta preparação do trabalho, todo o ciclo produtivo fica comprometido. PREPARAÇÃO DO TRABALHO 45 As operações da preparação do trabalho vão no sentido de se obterem produtos semi-acabados a partir da matéria-prima, e que estejam aptos a serem utilizados nos domínios oficinais de marcenaria, talha, embutidos, escultura, torneamento e artes decorativas em geral. Podem ser consideradas operações de laboração mecânica todas as operações que são complementadas na bancada de trabalho, com tarefas de produção manual específicas. Na laboração oficinal há a necessidade de se ter em atenção o acto de serração e corte das madeiras. A madeira é um material anisotrópico, tendo portanto um comportamento mecânico diferenciado do tronco inicial para das peças submetidas ao corte, pelo que é conveniente estudar previamente os planos de corte. Traçar, pode ser entendido como uma forma de ordenar, por meio de traços, a modelação de um determinado objecto. No caso dos trabalhos em madeira o mais comum é efectuar-se a traçagem de corte ou desengrossamento Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário (ou desbaste) de forma a planear-se à partida a forma final da peça que se pretende obter. Traçar, cortar e medir são operações dependentes das condições específicas da madeira ao nível das suas características e consequente comportamento mecânico. Os principais instrumentos utilizados para a traçagem são: — Régua graduada em metal ou em plástico; — Lápis normal ou lápis de cor (geralmente azul); — Esquadros de cepo e de centros; — Escantilhões (ou cércea) quando se trata de modelados específicos; — Outras ferramentas de traçagem que muitas vezes é o artífice que elabora os seus escantilhões ou “gabarits”, de acordo com a necessidade objectiva do trabalho em causa. O CORTE DE PRODUTOS SEMI-ACABADOS Na elaboração de trabalhos de construção em madeira, são solicitadas quase sempre as condições de se poder dispôr de tábuas ou barrotes para executar os trabalhos. Neste contexto, cortar tem o significado genérico de serrar, ou seja, separar ou dividir por meio de corte as quantidades de material a partir de uma peça provinda da laboração em serração, devidamente seca e em perfeitas condições para se poder utilizar em oficina ou em estaleiro. As ferramentas principais ao nível de maquinaria usada para o corte, são as serras de fita, de disco ou de lâmina. A serra de carpinteiro, com possibilidade de regular a tensão de corte ajustando a corda que liga as cabeceiras é ainda comum, embora cada vez mais se utilize a serra mecânica de fita ou a serra circular dotadas de motores e a serra mecânica de cabelo. O serrote, com várias tipologias possíveis, é outro destes instrumentos sendo usado o serrote de costas e outros de diversas formas. A partir dos traçados executados na superfície do material, o corte com serra ou serrote, permite obter uma forma ainda tosca e aproximada da forma final. 46 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário Para o desengrossamento da madeira (desbaste grosso ou fino) usamos geralmente a plaina manual podendose usar também a plaina mecânica. As principais ferramentas e máquinas-ferramenta, utilizadas para o corte de material são: — Serra de carpinteiro — Serrote de costas e de faca — Serra de rodear ou serra de arco: ou de bancada (serra de embutidos), — Serra de fita, mecânica — Serra de disco, mecânica — Plaina, formões e goivas — Plaina desengrossadeira mecânica — Torno mecânico — para corte por rotação de peça Berbequim de coluna (engenho de furar) CORTE DAS MADEIRAS – DIRECÇÕES DE CORTE E PLANOS ASSOCIADOS Durante o processo de laboração das madeiras, são obtidas peças de dimensões variáveis. A zona e a direcção do corte conferem às peças diferentes resistências mecânicas que se devem ter em consideração durante o processo de construção e durante as operações de restauro de estruturas, nomeadamente durante as reintegrações volumétricas a nível do suporte. Aos cortes das madeiras estão sempre associados planos de corte. Os planos determinam-se por Planos Transversal, Radial e Tangencial. Quando o corte é feito transversalmente ao sentido das fibras da madeira, denomina-se por Corte Transversal. Quando o corte é feito longitudinalmente e no sentido do centro do tronco denomina-se por Corte Radial. Quando o corte é feito paralelamente ao eixo central do tronco e também longitudinalmente, denomina-se por Plano Tangencial. 47 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário MEDIÇÕES Várias ferramentas antigas de medição Medir é o acto de avaliar ou determinar uma extensão ou quantidade, comprovando-a com uma grandeza definida, não esquecendo que medir é também verificar. Os instrumentos de medida mais utilizados na actividade profissional das artes das madeiras são quase todos graduados. O metro articulado, a escala marcada em milímetros e em polegadas, os esquadros e as sutas, são todas formas de recursos instrumentais incluindo os “gabarits” ou escantilhões que têm a finalidade de controlar cortes e desbastes por serra, plaina, goivas e formões. Torna-se importante controlar sempre as medidas das peças que se fabricam, confrontando-as com o desenho original, usando por exemplo escantilhões com a forma e medida transpostas do desenho à escala natural que ajudam a controlar a medida de forma rigorosa, além de permitirem, de modo expedito, controlar a forma da peça que se está a fabricar ou reproduzir. As principais ferramentas de medida são: — Metro articulado de carpinteiro; — Escala (régua graduada); — Esquadros graduados: — Suta e escantilhões especiais. É vulgar nas oficinas tradicionais de marcenaria e talha existirem moldes de peças que se produzem continuamente, com o fim de servirem de contorno à traçagem sobre o material de onde se extrai a peça. É um hábito provindo das oficinas da Idade Média que se mantém actual, tanto mais que este expediente de trabalho, facilitando o trabalho técnico, acaba também por contribuir para uma maior rentabilização do corte de materiais traçados a partir desse molde. LIGAÇÕES, ENCAIXES E SAMBLAGENS O processo de construção de obras de arte evoluiu ao longo dos tempos e o Homem, progressivamente, foi encontrando métodos para unir as diversas peças que constituem as construções. Estas uniões foram-se 48 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário tornando cada vez mais complexas e fortes, conferindo cada vez mais resistência e complexidade construtiva às peças. As cargas em direcção axial, ou seja, no sentido das fibras, são aplicadas quer pela compressão quer pela flexão das peças. As cargas em direcção transversal, ou seja ortogonalmente ao sentido das fibras, são aplicadas por compressão, tensão, fendimento e corte. Pode então dizer-se que às ligações e samblagens estão sempre associadas cargas mecânicas. De seguida são apresentados alguns exemplos de samblagens utilizadas na construção de obras de arte. LIGAÇÕES EM L 01 — Ligação à meia madeira em cruzeta; 02 — Ligação com respiga engasgada simples e cavilha; 03 — Ligação pelas faces; 04 — Ligação com espartilha à meia esquadria; 05 — Ligação pelas faces do rebaixo; 06 — Ligação pelas faces com reforço; 07 — Ligação com respiga engasgada; LIGAÇÕES EM T 08 — Cauda de andorinha; 09 — Entalhe com ganzepe aparente; 10 — Entalhe com ganzepe recolhido; 11 — Pelas faces à meia madeira e cauda de andorinha; 12 — Entalhe de fundo com cavilhas; LIGAÇÕES EM MALHETE 13 — Malhetes direitos; 14 — Malhetes semi-escondidos ou de frente de gaveta; 15 — Malhetes à vista ou clássicos; 49 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário TÉCNICAS DE ENTALHE Em cima, elaboração de ornato entalhado. Pode-se ver o conjunto de goivas e maço Alto-relevo construído com a ica de colagem de blocos sobrepostos As diferentes etapas do entalhe da madeira processamse de modo a que depois de traçado o ornato, ou seja, depois de desenhada a figura decorativa na peça, se consiga determinar perfeitamente o desbaste grosso dos planos secundários em busca de um fim mais ou menos elaborado. Mas há que ter em conta que essas etapas não podem ser conduzidas sempre da mesma forma e em toda a peça, tendo o escultor ou entalhador de respeitar criteriosamente as propriedades e particularidades físicas e mecânicas dos materiais em que está a trabalhar. Cada tipo de madeira tem propriedades físicas próprias, existindo madeiras que limitam o seu uso no corte ou entalhamento, enquanto outras espécies se mostram mais adequadas a determinados projectos. Na execução de um relevo ou de ornato, o entalhamento da madeira supõe o respeito de certas regras no manejo dos utensílios. De um modo geral, é preferível seguir o sentido das fibras da madeira, ou seja, a direcção da madeira, para prevenir o risco de “acidentes”. No entalhamento da madeira, os golpes dos utensílios devem ser dados respeitando ao máximo o sentido das fibras, deixando um traço liso e uniforme. No caso de ser necessário entalhar contra o veio, o conjunto de goivas deve estar perfeitamente afiado, caso contrario provocará fendas e traço rugoso. Raras são as madeiras, como a tília e a nogueira, que graças às suas características físicas podem ser talhadas em todos os sentidos. O entalhe com as ferramentas de corte perpendicularmente às fibras da madeira dá melhores resultados sobre madeiras duras e densas do que em madeiras macias com grandes espaços entre as fibras. Uma das técnicas bastante utilizada na construção de grandes cenas entalhadas e com vários planos de perspectiva assentava em regras complexas: sem perder de vista o efeito final pretendido, o escultor era levado a dividir o conjunto da representação em vários planos ou em elementos de cada plano separadamente. As figuras em primeiro plano, eram construídas num ou 50 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário em vários blocos espessos e as do segundo plano, eram constituídas por peças de madeira menos espessa, entalhadas na própria prancha. Numa segunda fase, os blocos com as figuras mais salientes eram colados na prancha e era dado entalhe fino de acabamento. Numerosas razões, nomeadamente as que estão associadas às tensões, proíbem efectivamente que se recorresse a um painel único sobre o qual figuraria a totalidade da composição. Este método por etapas sucessivas obriga a uma grande habilidade técnica e só foi seguido, na maioria dos casos, pelos grandes mestres escultores e entalhadores. O entalhamento de altos-relevos em madeira teve grandes mudanças ao longo do tempo. Desde a Idade Media que os escultores e entalhadores, depois de escolherem e esquadrejarem a madeira, conhecido por grume nesta fase, procediam ao desbaste grosso para libertar os principais contornos das figuras. Nesta fase do trabalho só intervinham o machado, a enxó, a grosa e a goiva. O grume desbastado era de seguida colocado horizontalmente numa bancada, entre dois eixos, que entravam na peça nas extremidades, e que permitia, quando necessário, rodar o grume para desbastar à volta do seu eixo. Encontram-se por vezes, no centro da base e cabeça de certas esculturas, e em colunas, orifícios abertos para colocar os eixos. A segunda fase do trabalho consistia em afinar as formas já desbastadas. Nas operações de entalhamento, particularmente das esculturas, existem elementos que são quase sempre trabalhados separadamente: as mãos que são introduzidas em cavidades da secção circular ou quadrada, os antebraços e os rostos, que depois eram colados e afinados com o resto do conjunto. FERRAMENTAS DE ENTALHADOR: 51 Formões; Goivas laças ou deslavadas — curvatura muito suave; Goivas curvas ou crespas — curvatura mais acentuada; Goivas de meia cana — em forma de meio circulo; Oficina de escultores e entalhadores. Início de trabalho de marcação de escultura Em baixo, execução de ornatos de talha Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário Esgache — em forma de V; Palhetes — forma rectilínea ; Goivas Tortas — com a forma de todas as anteriores, mas de corpo curvo; Goivas de incisão ou goivadas — de todos os tipos, mas de pequenas dimensões; Maços; Grosas; Brocas. TÉCNICAS DE DOURAMENTO E POLICROMIA Douramento a mordente de óleo com ouro falso, também conhecido como ouro de imitação ou italiano. O ouro é um metal nobre por excelência, que resiste a todas as atrocidades do tempo. A arte do douramento já se encontra nos ancestrais sarcófagos egípcios, testemunhos da sua origem. Numa época mais recente, esta técnica foi largamente aplicada em retábulos. O douramento era a expressão mais eloquente de que se revestia a mística do ouro, cor por excelência ligada a Deus e utilizada como um dos processos mais convincentes para a atracção sensitiva dos crentes. O impacto cénico do ouro revestia-se de uma tal importância que o douramento de um retábulo era encarado pelos fiéis como um serviço que era devido a Deus. Assim, a Igreja surgiu como o elemento impulsionador da criação artística, encontrando na talha uma magnífica forma de expressão junto dos crentes. Ao longo dos séculos XVII e XVIII a arte da talha sofreu o maior desenvolvimento no nosso país, reflexo da prosperidade ocasionada pelo ouro vindo do Brasil. Respondendo aos critérios estéticos da época, as encomendas para retábulos, obedeciam a um único critério: a glorificação de Deus. O princípio base do douramento era obter um revestimento de decoração brilhante, dando um tom de riqueza inexcedível. O douramento consiste no revestimento de superfícies com finas folhas de ouro, que se fazem aderir ao suporte de madeira através de diversos processos. No entanto, dourar não se limita 52 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário 53 à simples fixação de uma folha de ouro sobre uma peça. A preparação é morosa e meticulosa. O douramento pode ser feito sobre várias superfícies como estuque, pedra, metal e madeira. É sobre esta última que o manual faz referência. O processo de douramento tem várias fases preparatórias das madeiras até que estas possam receber o ouro: isolamento da madeira com cola animal; aplicação de várias camadas de preparação branca; modelação e nivelamento da preparação branca; aplicação de bollús da arménia. Somente após todas estas fases se começa realmente a aplicar a folha de ouro. Na oficina ou em estaleiro, o dourador tem de estar munido de ferramentas essenciais à sua profissão. De seguida, são referidas algumas das principais ferramentas utilizadas no processo: — Brochas: pincéis para aplicar cola animal, camadas de preparação branca, temperas e bollús, entre outras operações. O dourador deve possuir várias brochas e de diferentes tamanhos e números. As brochas redondas são utilizadas de forma a penetrarem bem em todos os recantos da talha. As brochas planas são usadas em superfícies planas. — Coxim: é uma almofada forrada, na maior parte das vezes com pele de vitela, evitando que as folhas de ouro adiram à sua superfície. Pode ser resguardado em volta por três folhas protectoras, normalmente pergaminho, para proteger as folhas de ouro da acção do vento. Esta ferramenta segura-se de forma semelhante à paleta de pintor, com o polegar inserido numa tira de couro na parte inferior da almofada, onde existe também uma aselha para enfiar a faca de dourador. É sobre o coxim que o dourador corta as folhas com as dimensões desejadas. — Faca de Dourador: é uma faca de lâmina comprida e fina, mas não afiada, para que corte apenas o ouro e não a pele do coxim. — Pincel “putois”: estes pincéis servem para assentar o ouro sobre o objecto a dourar. São pincéis cheios, de pêlo de fuinha, negro, fino e muito macio. Serve também para fazer a molhagem do bollús e para estender o mordente sobre as partes do objecto a dourar. — Paleta de dourar: é um pincel largo de pêlo da cauda Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário Em cima, passagem com o “pitois” sobre o ouro no fim de seco para o libertar do excesso de matéria. Em baixo, corte de folha de ouro verdadeiro. de esquilo ou pêlo de marta. Os pêlos estão entre dois cartões colados de modo a não os excederem mais do que três a quatro centímetros. A paleta, também chamada de espátula de dourar, serve para agarrar o ouro do coxim e aplicá-lo na zona a dourar bafejando-o levemente para o estender. Previamente passa-se o pêlo sobre um pouco de gordura que o dourador coloca na face, na palma da mão ou no cabelo para facilitar a aderência do ouro. — Pincel de dourar: São necessários vários pincéis de diferentes tamanhos e formatos. Entre os douradores, são conhecidos por pincéis de cauda devido ao cabo terminar geralmente em forma de cauda de andorinha. Servem para estender o ouro, batendo levemente ou afagando-o. Deve ser muito macio e de boa qualidade. — Pedra de brunir ou brunidor: são pedras de hematite sanguínea ou de ágata de diferentes tamanhos e formatos que se adequam às várias formas da talha. Servem para tornar o douramento a água luzidio e brilhante. Para além destas ferramentas, o dourador necessita ainda de outras tais como lixas de diferentes números, recipientes de vários tamanhos, peneiros, pincéis, fogão, colheres e raspadores. O ouro é muito dúctil, tenaz e maleável podendo ser reduzido a camadas de espessura muito reduzida, aproximadamente um milésimo de milímetro. Através da martelagem, metodicamente executada, conseguem-se obter folhas de ouro tão finas. O processo de elaboração dos “pães de ouro” não se alterou muito em relação aos produzidos antigamente. O artífice que reduzia o ouro, a prata e outros metais a folhas delgadíssimas para douramento era chamado de bate-folhas. Da maneira como o bate-folhas trabalhava o ouro, dependia o resultado obtido pelo dourador. A preparação das folhas de ouro obedecia e obedece a regras precisas sendo diversas as fases pelas quais passa o metal precioso até atingir a forma final. O processo consiste na aquisição da matéria-prima, fundição, laminagem, desbaste e composição de livros. Hoje em dia já se utilizam máquinas para laminar e cortar que facilitam o processo. A folha de ouro de lei pode ir de 18 a 24 quilates. O termo quilate tem origem medieval; um quilate corresponde a 9,7 gramas. 54 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário O ouro fino apresenta-se sob a forma de livros de papel de 25 folhas. As folhas de ouro são quadradas e têm de lado 8 centímetros, estando separadas umas das outras por papel de seda. A um conjunto de 40 livros dá-se o nome de “milheiro” uma vez que corresponde a 1000 folhas. O ouro falso ou de imitação tem uma pequena percentagem de ouro misturado com outros metais. Este tipo de ouro é de qualidade inferior e é normalmente utilizado no douramento a mordente, não sendo praticamente utilizado no douramento a água, uma vez que oxida muito facilmente. Vem em livros de papel semelhantes aos de ouro fino com 100 folhas tendo a particularidade de, cada folha, corresponder em área a 4 folhas de ouro fino. DOURAMENTO SOBRE MADEIRA O trabalho a dourar tem de estar desprovido de qualquer tipo de impurezas, gorduras e sujidades. Quando o douramento é feito numa superfície suja, corre-se o risco do ouro e das camadas inferiores de preparação branca e bollús destacarem, principalmente no douramento a água. A madeira para ser dourada tem de obedecer ainda a outras características. A madeira deve estar bem seca, para não se formarem fissuras e os nós de resina devem ser queimados e fechados, de preferência com o mesmo tipo de madeira. PREPARAÇÃO DO SUPORTE OU APARELHAMENTO “ENCOLAGE” 55 A preparação da superfície a dourar é a primeira fase da tarefa atribuída ao dourador. Até se considerar que a madeira está preparada para receber a decoração da folha de ouro passa por diversas fases, sofrendo vários tratamentos com o objectivo de se obter uma superfície completamente lisa. A durabilidade desta decoração depende de três factores principais: o tipo de cola Aplicação de “encolage”. A cola deve estar bem quente para que penetre bem na madeira. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário utilizada, o número de camadas de preparação branca e a qualidade do bollús da arménia. A cola de coelho é utilizada em muitas das fases do douramento, sendo necessário preparar inicialmente uma quantidade de cola que seja a suficiente para todo o processo. A cola pode ser preparada de diversas maneiras e com várias “receitas”. PREPARAÇÃO DA COLA ANIMAL Em cima, taças de inox para aquecer a cola e cola de coelho em pó e granulado. Em baixo, aplicação de cola de coelho sobre a madeira. Para 8 partes de água, deita-se uma parte de cola de coelho. Normalmente, a cola é comercializada sobre a forma de granulado ou pó, mas antigamente aparecia sobre a forma de pastilhas que tinham de ser moídas. Recomenda-se a utilização de recipientes vidrados e graduados para facilitar esta operação. De referir que a adesividade da cola difere de fabricante para fabricante e devem realizar-se testes antes de utilizar o adesivo em larga escala, ajustando e adequando as proporções às necessidades de cada peça. A cola deve ficar bem submersa em água cerca de 12 horas até inchar bem. Para preparar a cola propriamente dita, coloca-se o recipiente em banho-maria sem ferver, aliás, deve-se evitar que ultrapasse os 60ºC. Mexe-se regularmente para que a cola não se agarre ao fundo do recipiente. Depois de bem dissolvida, juntar e mexer bem o conservante de cola em proporções referenciadas pelo fabricante. Retira-se do lume e deixa-se arrefecer até ficar em gelatina. Comprova-se desta maneira a adesividade da cola. A cola deve ser armazenada em local bem fresco e seco, preferencialmente no frigorífico. APLICAÇÃO DA COLA ANIMAL OU “ENCOLAGEM” A operação consiste em aplicar a cola animal por toda a superfície da madeira a dourar, com a finalidade de diminuir a capacidade de absorção da mesma e criar um bom suporte para a preparação branca. 56 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário Para este processo, retira-se uma determinada quantidade da cola preparada inicialmente, deita-se num recipiente, acrescenta-se uma quantidade de água equivalente à cola e desfaz-se por aquecimento. Deixa-se aquecer sem que coza, mexendo-a sempre. A encolagem deve ser aplicada a 40-45ºC, com o auxílio de um pincel plano, se for uma peça plana, ou com uma brocha redonda se for talha ou outro adorno. A cola é aplicada várias vezes por toda a superfície a dourar sem deixar excessos. Durante a aplicação, a cola nunca pode arrefecer de modo a que penetre bem em todos os poros da madeira. Este processo deve repetir-se tantas vezes quantas as necessárias, dependendo da espécie da madeira. Quando a madeira estiver bem impregnada, deixa-se secar durante várias horas até que a superfície da madeira fique áspera e possua um brilho semi-lúcido, comprovando-se deste modo que a cola está completamente seca. Após a aplicação da encolage é conveniente lavar muito bem todos os utensílios utilizados com água. Processo de preparação da preparação branca. Em primeiro lugar peneirar a carga e juntar à cola animal quando esta estiver bem quente. A aplicação da preparação deve ser feita a cerca de 45ºC. PREPARAÇÃO BRANCA 57 Depois da aplicação da cola animal no processo de “encolage”, a operação seguinte consiste na aplicação de várias camadas de preparação branca de caulino ou cré. Uma obra aparelhada com toda a segurança pressupõe a aplicação de pelo menos 7 a 12 camadas desta preparação segundo os tratado antigos de artes decorativas. A preparação branca é necessária para regularizar as imperfeições da madeira, obter uma superfície macia e lisa e para se poderem aplicar os materiais sucessivos. O caulino e o cré são utilizados como carga pelas suas propriedades plásticas e menos quebradiças. Qualquer um destes materiais deve estar bem peneirado e guardado dentro de um saco ou recipiente bem fechado, protegidos de poeiras e sobretudo da água. Quanto mais fina for a carga, melhor será o resultado final. Para fazer a preparação branca, retira-se a quantidade necessária da primeira preparação de cola de coelho. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário Aquecer a cola em banho-maria até ficar bem quente, mas sem ferver. Adiciona-se o caulino ou o cré com uma colher ou simplesmente com a mão até saturar e criar ilha. Só depois de se atingir o ponto de saturação é que se mistura lentamente com uma colher. Se a mistura for feita muito rapidamente, formam-se bolhas de ar e grumos, dificultando a aplicação posterior. Quando a mistura tomar corpo, sem ficar numa pasta muito espessa nem muito fluida, pode considerar-se que está pronta. Para aquecer a cola podem utilizar-se recipientes de barro, pois conservam o calor por mais tempo. É aconselhável manter a preparação pouco quente com a temperatura constante, evitando a todo o custo que a água da preparação evapore, tornando-a cada vez mais espessa. A aplicação é feita a pincel nas superfícies a dourar, estendendo a preparação branca uniformemente. Cada camada deve secar muito bem à temperatura ambiente e aplica-se uma nova camada, repetindo o processo as vezes que forem necessárias. BETUMAR, NIVELAR E POLIR Esta é uma fase muito importante, pois no final da obra todos os erros e falhas cometidas nesta operação são bastante visíveis. Se a superfície não ficar perfeitamente lisa, depois de dourada todas irregularidades são mais visíveis. Entre as demãos consecutivas de preparação branca passa-se uma lixa fina e betumam-se as fendas e cavidades com massa feita de cola e cré ou caulino em pó. À medida que a superfície é nivelada, tem que ser limpa para remover todo o pó existente. Quando se conclui que a talha já levou as camadas suficientes de preparação, lixa-se com lixa fina sobre toda a talha de forma a eliminar todas as irregularidades. Numa última operação, lixa-se novamente, mas com lixa muito fina para polir. Por vezes, é necessário retocar algumas zonas pelo que se utilizam ferros de retoque ou de modelagem. 58 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário A preparação branca, dependendo da sua espessura, pode ainda ser entalhada, permite ao entalhador executar detalhes complexos e difíceis com maior precisão do que faria na madeira. Quanto mais grossa for a camada de preparação, mais profundamente se pode talhar e maior o detalhe que se consegue na composição. ÁGUA DE LAVAGEM Antes de se aplicarem as camadas de bollús da arménia, pode aplicar-se na peça uma mistura de água com cola de coelho. Este processo tem a função de aglutinar os grãos soltos de caulino ou cré provenientes do nivelamento. A água de lavagem é uma preparação semelhante à “encolage”, mas um pouco mais fluida. Deve ser aplicada uniformemente sem que se formem poças e sempre muito quente. Com esta água-cola a superfície fica mais fina, limpa e não se corre o risco do bollús da arménia manchar. No entanto, a água de lavagem é facultativa e alguns douradores não a aplicam. EMBOLADO OU APLICAÇÃO DE BOLLÚS Antes de se aplicar a folha de ouro há a necessidade de se efectuar uma operação denominada por embolado, conhecida correntemente por “dar o bolo”. Esta preparação garante a adesividade do ouro e dá a elasticidade essencial ao processo de brunir. O Bollús da Arménia é uma terra argilosa e untuosa, “doce” ao tacto, de cor vermelha, amarela ou preta. O vermelho é o mais utilizado pelos efeitos estéticos que proporciona, o amarelo é maioritariamente usado para dar as primeiras demãos por alguns douradores. O método antigo consistia em duas camadas de bolo amarelo e duas camadas de bolo vermelho. O bollús preto, normalmente, é utilizado no prateamento. 59 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário Em baixo, processo de preparação de Bollús da Arménia, PREPARAÇÃO DO BOLLÚS DA ARMÉNIA neste caso com afinação de cor. De um modo geral, a preparação é constituída por uma parte de argila de arménia e duas partes de cola animal. No entanto, pode variar segundo as recomendações dos fabricantes. Actualmente, o bollús já se encontra no mercado semi-preparado, sendo necessário fazer apenas pequenos ajustes de diluição. Depois de amolecer o bollús a quente, acrescenta-se uma parte de cola animal e uma parte de água, tudo a quente, sem ferver. Esta preparação deve ficar com uma consistência bem fluída sendo decisiva para o bom resultado do douramento. Em receitas antigas era aconselhado adicionar gorduras para aumentar a força adesiva, como por exemplo sebo, sabão do tipo “Marselha” (sabão anidro), cera e gordura de porco. DOURAMENTO A ÁGUA Depois de se considerar a madeira preparada com todos os pormenores exigidos, o dourador pode dar início ao douramento. Dos dois processos mais utilizados para dourar madeira - douramento a água e douramento a mordente - o douramento a água é o de maior beleza. Este processo só pode ser aplicado em interiores, pois não resiste à acção dos agentes atmosféricas ao contrário do douramento com mordente. Este douramento permite ao dourador tornar o ouro luzidio e brilhante quando brunido e criar tons foscos para dar realce. No douramento a água, a primeira fase da aplicação da folha de ouro consiste na colocação da folha no coxim. Para isso, agarra-se o livro sempre pelo lado da costura sem apertar ao centro, abre-se e põe-se a folha sobre o coxim, ou faz-se deslizar sobre a folha de papel do livro. Para que a folha estique sobre o coxim, dá-se um pequeno sopro sobre a folha de ouro. Também se pode retirar a folha com o auxílio da faca de dourador. 60 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário 61 O livrinho deve estar junto do dourador para ser utilizado sempre que necessário, mas afastado da água. As folhas de ouro quando salpicadas com água são destruídas. A segunda fase consiste no corte da folha. Com a faca de dourador coloca-se a folha no centro do coxim e estende-se a folha o melhor possível, caso esteja retorcida. De seguida, com a faca de dourador, corta-se o ouro nas dimensões da área a dourar. Se a zona a dourar for plana e de dimensões razoáveis faz-se o douramento com a folha de ouro inteira. Molham-se as zonas a dourar com água límpida e fria utilizando-se pincéis de molhar de diferentes espessuras, tendo o cuidado de apenas molhar as partes que se vão dourar e a aplicação do ouro deve ser feita rapidamente antes que a zona humedecida seque. A água deve ser renovada regularmente para evitar o depósito de poeiras e sujidades, o que poderá comprometer o resultado final do douramento. O ouro é transportado do coxim com a paleta de dourar e aplica-se na zona a dourar. Para o ouro aderir à paleta, passa-se com esta levemente sobre um pouco de gordura que se coloca na costa da mão, na face ou na testa. O douramento faz-se das zonas mais fundas para as zonas mais salientes e de cima para baixo. Uma das práticas mais correntes para fazer o ouro para aderir à superfície, é bafejando-o e estendo-o muito suavemente com um “pitoi”. O ouro, depois de duas ou três horas da sua aplicação pode ser brunido com a pedra de ágata para ficar mais brilhante e luminoso. Não se deve deixar secar demasiadamente o ouro, o que tornaria menos belo o brunido. Antes de brunir é conveniente passar sobre o ouro um pincel macio para tirar a poeira que tenha aderido à superfície. O processo é simples: deve passar-se a pedra de ágata suavemente sobre o ouro, guiando-a com as duas mãos de modo a passar somente nas zonas pretendidas. Quantas mais vezes se passarem as pedras sobre o ouro, maior será o brilho adquirido. Se constatar que o ouro resiste bem à passagem das pedras pode-se aumentar a força da fricção, sendo o brilho cada vez mais visível e acentuado. Em cima, douramento a água com ouro de lei de 23 ¾ qlt. Em baixo, passagem do ouro com pedra de ágata para brunir. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário DOURAMENTO A MORDENTE Em cima, douramento a mordente com ouro falso. É recomendado a utilização de luvas para manipular o ouro. O processo de douramento a mordente com folha de ouro falso, de imitação ou italiano, como também é conhecido é relativamente fácil. A sua resistência desta combinação às intempéries tem muitas utilizações em trabalhos de exteriores como por exemplo cúpulas, estátuas, gradeamentos de vedação e varandas. Esta tecnica pode aplicar-se em qualquer superfície sem necessitar de encolagem, preparação branca e bollús de arménia, para além de ser muito mais económico. Contrariamente ao douramento a água, este tipo de douramento não pode ser brunido, dependendo o seu brilho do fundo que deve ser liso e homogéneo. Sobre a superfície a dourar aplica-se uma ou duas demãos de goma-laca e deixa-se secar. A goma-laca impede que o mordente seja absorvido pela superfície, seque e consequentemente o ouro não agarre. Com uma brocha ou um pincel de cerdas aplica-se uma demão de mordente e estende-se o mais fino e uniformemente possível. Esta operação é determinante no resultado final do dourado. Quando se aplica o mordente, a brocha ou pincel devem estar bem escorridos para que este fique bem estirado. Um bom mordente deve ter a propriedade de secar depressa, mas manter por muito tempo a sua capacidade de colagem. No comércio encontram-se mordentes de óleo de 3, 6, 12 e 24 horas. O melhor mordente será o de 24 horas, pois tem menor quantidade de secativos, o que aumenta o seu poder adesivo. Hoje em dia, encontram-se no mercado outros tipos de mordente, nomeadamente mordente a água e mordente a álcool com tempos de actuação na ordem dos 15 a 30 minutos. Depois de “seco”, aplica-se o ouro de modo semelhante ao douramento a água. Quando bem assente, escovase ligeiramente o ouro com um pituá e para finalizar enverniza-se o douramento com verniz de álcool, por exemplo goma-laca. Este verniz deve ser aplicado assim que possível para evitar eventuais oxidações da folha 62 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário de ouro de imitação. Esta oxidação aparece muitas vezes no sítio onde se passaram as mãos num tom esverdeado, reflexo da oxidação do cobre que se encontra em grande quantidade na sua constituição. TÉCNICAS E EFEITOS DECORATIVOS ESTOFADO 63 A imaginária, principalmente a que foi decorada a partir do século XVIII, tem na sua generalidade uma decoração muito rica que era executada sobre mantos, roupagens, nuvens e asas de querubins, com diferentes tons a que se chama estofado. O estofado consiste na aplicação de tintas de têmpera de ovo sobre o ouro, que depois são raspadas cuidadosamente seguindo diversos motivos, deixando o ouro visível por debaixo da pintura. A têmpera de ovo é preparada com gema ou com clara de ovo, conforme o tipo de resultado pretendido. Na têmpera a gema de ovo, utilizam-se normalmente pigmentos ficando as cores mates e densas. Com a têmpera a clara de ovo, conseguem-se resultados transparentes, mas para isso é necessário a utilização de corantes, criando assim efeitos visuais onde o brilho do ouro é visível através da pintura. A realização do estofado é muito simples. Primeiro escolhe-se um desenho que se passa para papel vegetal. Uma das técnicas de transposição para a peça consiste em picotar o papel nas zonas delimitadoras do desenho e depois é batido suavemente com uma boneca de pó de talco, aparecendo sobre a têmpera o contorno a branco. Depois de transposto o desenho para a peça, retira-se a têmpera que se encontra no interior do desenho por raspagem. Assim, a têmpera dá lugar ao ouro. Este processo de “raspagem” é feito com um ponteiro metálico ou de madeira densa com a ponta arredondada, de modo a remover a têmpera sem riscar o ouro. Na imagem final é visível o ouro com a forma do desenho que foi transposto para a peça. Em cima, escultura em madeira polícromada com técnica de estofado. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário Exemplo de técnicas decorativas de estofado. Esta técnica PUNÇOADO imita os tecidos bordados a ouro e os adamascados do séc. XVIII. A realização de desenhos punçoados pressupõe a existência de punções podendo estes ter várias formas. Quando são batidos sobre o ouro ou sobre a têmpera, transferem para a superfície a sua forma, dando um aspecto muito característico, podendo ter a forma de pequenos círculos, estrelas e flores. A sua transposição é feita batendo com um pequeno martelo no punção que vai marcando a superfície dourada. Este processo deve ser muito cuidadoso para não criar destacamentos das camadas de preparação nem romper o ouro. Os padrões criados ficavam, normalmente, ao gosto do dourador, sendo mais utilizados para debruar as vestes e decorar as zonas de janela onde aparece o ouro nos estofados. ESGRAFITADO Esta é uma técnica muito simples e de fácil realização, cujo resultado final é muito agradável à vista. Através de pequenos estiletes fazem-se desenhos pequenos ou grandes, finos ou grossos desenhos consoante o resultado que se pretende. Também aqui a têmpera é deslocada, ficando à vista os orifícios semelhantes a pequenos fios de ouro. Os padrões são ao gosto do dourador, mas os mais utilizados são os traços paralelos desencontrados e os pequenos círculos. PATINES O termo patine, identifica o envelhecimento natural e as sucessivas camadas de sujidade e gordura que se acumularam no ouro ou nas policromias com o decorrer dos anos, sobretudo nas decorações trabalhadas e nos entalhes. A patine pode ser imitada com uma velatura que se dá sobre o ouro ou a pintura que dá mais contraste entre as zonas côncavas e convexas. As patines têm de ser feitas consoante o tom do ouro ou o efeito final pretendido. 64 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 04 As tecnologias artísticas da escultura, talha e mobiliário Antigamente, para o douramento a água, a patine era feita com tintas a óleo combinando-se várias cores até se atingir o tom certo. A cor base era terra siena natural. A esta cor acrescentava-se terra siena queimada e amarelo em pequenas quantidades, fazendo-se o acerto do tom na paleta. Quando se atingia o tom desejado, misturava-se essência de terebentina até a tinta ficar bem fluida, mas com algum corpo, aplicando-se uniformemente uma camada muito estirada a pincel. Quando se usavam tintas a têmpera, o processo de preparação e acerto de tom era o mesmo, apenas com a diferença de o solvente ser a água-cola muito diluída. Actualmente, existem no mercado, patines de diferentes tons prontas a aplicar, o que simplifica muito esta operação, como é o caso do betume judaico, que se pode aplicar com diversas densidades: para ficar mais fluido basta diluir com um pouco “white spirit”. Depois de aplicado, passa-se um pano nas zonas mais altas da talha, deixando os resíduos nas zonas côncavas, o que confere ao ouro maior volumetria. Quando se aplica betume judaico sobre o douramento a mordente há que ter em consideração que este dissolve o mordente, arrastando deste modo o ouro quando se passa o pano. Varias técnicas de patine sobre ouro e sobre pintura. 65 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 05 Tecnologias da Conservação e Restauro Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 05 Tecnologias da Conservação e Restauro A CONSERVAÇÃO E O RESTAURO As intervenções de Conservação e Restauro desde sempre tiveram um único objectivo: a preservação do Património legado pelas gerações que nos antecederam. O que acontecia, é que muitas vezes as pessoas que intervencionaram esse património não tinham conhecimentos suficientes para tão complexa tarefa, alterando as obras quer formalmente, quer a nível decorativo, deixando do original da peça muitos poucos vestígios. A utilização de materiais não reversíveis e incompatíveis com o original, levou a que se desvirtuassem as peças, de tal modo que, a sua peritagem se torna em muitos casos quase impossível. Para explicar o que é a Conservação e o Restauro, seguem-se as suas definições de um modo muito sucinto. A Intervenção Conservativa, consiste em estabilizar os processos de degradação do suporte e respectivas camadas pictóricas, evitando que as peças se degradem mais que o actual estado de conservação. A desinfestação, a revisão das estruturas com a consolidação das madeiras, a colagem dos elementos em destacamento, a remoção dos elementos metálicos oxidados, pregos e outros elementos, removendo também todos os elementos que não trazem nenhum tipo de benesses à peça, ou pelo contrário, prejudicam a sua leitura e ocultam parte do original. Nas superfícies 68 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 05 Tecnologias da Conservação e Restauro cromáticas, o tratamento conservativo consiste apenas na fixação das camadas pictóricas e do ouro que estão em destacamento, muitas das vezes devido à perda de adesividade dos ligantes. A limpeza química e mecânica das peças é feita de modo a liberta-la de eventuais sujidades e vernizes oxidados. Depois de estabilizados os factores de degradação, é aplicada uma camada de protecção. A Intervenção de Restauro, engloba todos os processos da Intervenção Conservativa, mas este tratamento tem também o objectivo de dar uma maior aproximação possível do pressuposto estado original da peça. O objectivo é conseguido através da reconstituição dos elementos inexistentes, do preenchimento das lacunas a nível da preparação, da reintegração pictórica e do douramento, através da reintegração mimética ou diferenciada. Deste modo conclui-se que o conservador restaurador está sujeito a um Código Ético e Deontológico da profissão que nunca deve ser ignorado, pelo contrário, deve ser sempre aplicado em cada intervenção de Conservação e Restauro de obras de arte, independentemente do seu valor artístico, histórico ou cultural. 69 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 06 Código de Ética da Conservação e Restauro Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 06 Código de Ética da Conservação e Restauro PRINCÍPIOS GERAIS DE APLICAÇÃO DO CÓDIGO Artº 1 – O código de ética engloba as principais obrigações e comportamentos que o conservador restaurador deve desempenhar na prática da profissão. Artº 2 – A profissão do conservador restaurador constitui uma actividade de interesse público e deve ser praticada de acordo com todas as leis, Nacionais e Europeias e os agregamentos particulares relativos a objectos roubados. Artº 3 – O conservador restaurador trabalha directamente com objectos culturais e é o responsável, perante o proprietário e a sociedade (…) O conservador restaurador tem o direito de recusar um trabalho que o leve a fazer o contrário dos termos e do espírito deste código. Artº 4 – Não respeitar as principais obrigações e proibições do código de ética conduz a um mau profissional e ao descrédito da profissão. OBRIGAÇÕES PARA COM OS OBJECTOS CULTURAIS Artº 5 – O conservador restaurador deve respeitar a técnica, o aspecto estético, o significado histórico e a integridade física do objecto cultural que lhe foi confiado. 72 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 06 Código de Ética da Conservação e Restauro Artº 6 – O conservador restaurador, em colaboração com os colegas envolvidos com os bens culturais deve considerar a “existência social” enquanto preserva esses bens. Artº 7 – (…) ainda que as circunstâncias limitem a actividade do conservador restaurador, o respeito pelo código não deve ser comprometido. Artº 8 – O conservador restaurador deve considerar todos os aspectos de conservação preventiva, antes de retirar o bem cultural para fora do seu meio e limitar o seu tratamento ao necessário. Artº 9 – O conservador restaurador deve empenharse em usar materiais e produtos de acordo com os conhecimentos científicos e não prejudicar os objectos (…) A acção dos materiais usados não deve interferir, tanto quanto possível, com quaisquer exames futuros, tratamentos ou análises. Devem também ser compatíveis com os materiais da peça e tanto quanto possível, fácil e completamente reversíveis. Artº 10 – A documentação das peças deve constar de registos de diagnóstico intervenções de conservação e restauro e outras informações relevantes. Essa documentação torna-se “parte da peça” e pode ser vantajoso anexa-la. Artº 11 – O conservador restaurador deve comprometerse só com trabalhos que for capaz de levar a cabo. Ele não deve começar nem continuar um tratamento que não seja para o “melhor interesse do bem cultural”. Artº 12 – O conservador restaurador deve empenharse em enriquecer os seus conhecimentos, sempre com a intenção de melhorar as qualidades profissionais. 73 Artº 13 – Quando necessário, o conservador restaurador deve consultar historiadores ou especialistas em análise científica e devem compartilhar toda a informação. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 06 Código de Ética da Conservação e Restauro Artº 14 – Em qualquer emergência, em que a peça esteja em perigo imediato, (…) o conservador restaurador deve dar toda a assistência possível. Artº 15 – O conservador restaurador não deve remover material da peça, a não ser que seja indispensável para a sua preservação, ou interfira substancialmente com o valor histórico e estético da peça. Materiais que se removeram devem ser conservados, se possível e o processo inteiramente documentado. Artº 16 – Quando o uso social de um bem cultural for incompatível com a sua preservação, o conservador restaurador deve recomendar uma conveniente reprodução cujo procedimento não danifique o original. OBRIGAÇÕES PARA COM O PROPRIETÁRIO Artº 17 – O conservador restaurador deve informar o proprietário sobre qualquer acção necessário e especificar os meios mais apropriados para um cuidado contínuo. Artº 18 – O conservador restaurador está sujeito ao sigilo profissional (…) OBRIGAÇÕES PARA COM OS COLEGAS E PARA COM A PROFISSÃO Artº 19 – O conservador restaurador deve, manter um espírito de respeito pela integridade dos colegas e da profissão. Artº 20 – O conservador restaurador deve, dentro dos limites de conhecimento, capacidade e meios técnicos, participar na formação de internos e assistentes. O conservador restaurador é o responsável pela supervisão do trabalho confiado aos assistentes. 74 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 06 Código de Ética da Conservação e Restauro Artº 21 – O conservador restaurador deve contribuir para o desenvolvimento da profissão, partilhando a experiência e as informações. Artº 22 – O conservador restaurador deve empenhar-se em promover um profundo conhecimento da profissão e consciencializar os outros profissionais e o público. Artº 23 – Documentação relativa à preservação e restauro de cada conservador restaurador é da sua responsabilidade. Artº 24 – Envolvimento no comércio de bens culturais não é compatível com as actividades do conservador restaurador. Artº 25 – Para manter a dignidade e credibilidade da profissão, o conservador restaurador deve empenharse apenas informação apropriada, na divulgação do seu trabalho. 75 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 07 Deontologia do Conservador Restaurador Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 07 Deontologia do Conservador Restaurador A interacção do conservador restaurador com a obra de arte. Antes de qualquer intervenção, o estado de conservação da obra, os materiais e técnicas que lhe estão inerentes, bem como os a utilizar na intervenção devem constituir objecto de estudo e análise o mais detalhadamente possível. As evidências históricas contidas na obra não devem ser removidas, alteradas ou destruídas. Qualquer acção deve seguir a regra de intervenção mínima, de modo a respeitar o máximo possível os originais. Ter em conta o aspecto da reversibilidade tanto dos materiais utilizados mas também do acto em si mesmo. Cada tratamento deve poder-se anular sem deixar marcas. Permitir a salvaguarda da maior quantidade possível de materiais originais e utilizar materiais que sejam compatíveis com estes, tanto a nível de características físicas, químicas e mecânicas, mas também no aspecto harmónico no que se refere à cor e textura sem que possam ser confundidos com materiais originais quando observados de perto As intervenções devem ser da responsabilidade de pessoas especialistas no domínio da conservação e restauro. 78 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 07 Deontologia do Conservador Restaurador ANÁLISE DE CONCEITOS Preservação — Actua sobre as causas externas de deterioração, controlando os seus efeitos; Conservação — Consiste numa acção directa sobre os bens culturais procurando alcançar o seu equilíbrio físico-químico, anulando os processos de degradação; Restauro — Consiste numa acção directa sobre os bens culturais deteriorados, renovando e restituindo a aparência mais próxima do original, mas respeitando tanto quanto possível a integridade estética, histórica e física; 79 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 08 A Evolução Histórica dos Conceitos e das Normas Legais Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 08 A Evolução Histórica dos Conceitos e das Normas Legais Ao pretender compreender-se o actual enquadramento de salvaguarda dos bens culturais arquitectónicos e arqueológicos, é interessante e importante conhecer a evolução do próprio conceito de património e das situações jurídicas que se lhe adequaram. É a partir do renascimento que se encontra a ideia de preservar, e até estudar, alguns testemunhos do passado, sobretudo clássicos, designados por "antiqualhas". Os estudiosos citam, frequentemente, as obras de André de Resende e de Francisco D'Holanda, que viveram no século XVI, para demonstrar a preocupação, já então existente, da valorização do património monumental, enquanto documento, nomeadamente o da Antiguidade Clássica. Já no século XVIII, surgem as primeiras acções de enquadramento legal para a conservação do património monumental. É uma nova mentalidade, uma outra maneira de "ver" e interpretar os testemunhos legados pelos antepassados - a ideia de monumento, sobrepõese à de "antiqualha". À Academia Real da História, criada por D. João V, em 1720, é incumbida a tarefa de "providenciar sobre a conservação dos monumentos". É na sequência desta incumbência que se encontra o primeiro instrumento legal - o alvará de 20 de Agosto de 1721 - com âmbito de intervenção na área do património. Neste alvará, D. João V determina que a academia Real da História inventarie e conserve "os monumentos 82 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 08 A Evolução Histórica dos Conceitos e das Normas Legais antigos que havia e se podia descobrir no Reino dos tempos em (que) nelle dominaram os Phenices, Gregos, Persas, Romanos, Godos e Arábicos…" e "… ordena que nenhuma pessoa de qualquer estado, qualidade e condição que seja, desfaça ou destrua em todo nem em parte qualquer edifício que mostre ser daqueles tempos…". Prevalecia ainda, no século XVIII, a ideia de descoberta de um passado longínquo. É no século XIX que se assiste a uma maior consciencialização da importância do património cultural, nomeadamente a necessidade da salvaguarda dos bens imóveis. Alexandre Herculano (1810 -1877) é normalmente citado como um pioneiro do movimento de salvaguarda do património arquitectónico e artístico português a ele se devem importantes textos que, em revistas como "o panorama", tiveram o mérito de generalizar as preocupações sobre o património. É nos finais do século XIX que se afirma o conceito de "Monumento Histórico" reflectindo as posições de uma burguesia cultural e ideologicamente afirmativa nos seus valores e princípios. Revelador do novo conceito e também das preocupações de salvaguarda do património monumental é um projecto de decreto 1876 que apontava para as necessidades de habilitar técnicos para intervir nos monumentos, definindo o papel que competiria ao Estado no inventário, estudo, vigilância, conservação e reparação dos monumentos históricos. Em1880, a pedido do Ministro das Obras Públicas, a Real Associação de Arquitectos e Arqueólogos Portugueses apresentava a primeira relação de monumentos a classificar. Agrupava-os em seis classes, abrangendo as obras-primas da arquitectura e da arte portuguesa, os edifícios com significado para o estudo da história das artes, os monumentos militares, a estatuária, os padrões e arcos comemorativos e, por fim, os monumentos pré-históricos. Não se tem conhecimento de que esta listagem tenha sido aprovada oficialmente, mantendo-se, contudo, como elemento de referência. 83 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 08 A Evolução Histórica dos Conceitos e das Normas Legais AS CLASSIFICAÇÕES NASCEM COM O NOVO SÉCULO XX. Em 24 de Outubro de 1901 era, finalmente, assinado o Decreto Orgânico que instituía o Conselho dos Monumentos Nacionais e que determinava as "bases para a classificação dos móveis que devem ser considerados Monumentos Nacionais…" Em 27 de Setembro de 1906 era publicado o Decreto que formalizava, com o Castelo de Elvas, a primeira classificação de imóveis de Portugal. Dava-se, assim, início á fase das classificações. Em 14 de Janeiro de 1907, classificam-se os monumentos considerados dos mais emblemáticos, como os Mosteiros da Batalha, Jerónimos e Alcobaça, o Convento de Cristo, as Sés da Guarda, Lisboa, Évora e Coimbra e a Torre de Belém. Já em 1990 publica-se um extenso decreto de classificação ordenado de forma sistemática segundo tipologias. Assim, encontramos: Monumentos préhistóricos (Antas e outros monumentos), Monumentos Lusitanos e Lusitanos-romanos, Castros, Entrincheiramento (exclusivo para a cava de Viriato), Povoações (todas romanas), Marcos miliários, Pontes, Templos, Arcos, Fonte (exclusivo para o Tanque dom ídolo, em Braga), Estátuas (Lusitanos de Montalegre), Inscrições, Túmulose e Sepulturas, Monumentos Militares (Castelos, Torres e Padrões), Monumentos civis (Paços Reais, Paços Municipais, Paços Episcopais e Paços de Universidade, Palácios Particulares e Casas Memoráveis, Misericórdias e Hospitais, Aquedutos, Chafarizes e Fontes, Pontes, Arcos, Padrões Comemorativos e Pelourinhos) e, por fim, Trechos Arquitectónicos. Começava a alargar-se o conceito de "Monumento". O Decreto de 1910 contempla e privilegia, sobretudo, a arqueologia. Não se pode ignorar que se estava numa época em que, por toda a Europa, os Nacionalismos de cada "Nação" procuravam encontrar as suas raízes mais ancestrais e a persistência e permanência rácica num território, bem como as justificações históricas para determinadas acções ou reivindicações políticas. 84 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 08 A Evolução Histórica dos Conceitos e das Normas Legais Quando se consulta o actual Inventário dos imóveis classificados, encontram-se não só classificações com o grau de monumento nacional, mas também outras categorias de classificação - o imóvel de interesse público, figura introduzida pelo Decreto nº 20985, de 7 de Março de 1932, e o valor concelhio, introduzido pela Lei nº 2032, de 11 de Junho de 1949. Estes novos graus representam uma estratificação e uma diferença do mérito artístico, histórico e social dos móveis classificados, marcando novas etapas de alargamento da noção de património cultural Em 1985 é publicada a Lei do Património Cultural Português que, simultaneamente, mantém alguma continuidade relativamente ao enquadramento jurídico anterior e incorpora as novas concepções e filosofias que têm vindo a ser expressas pelas instâncias internacionais, sobretudo pela UNESCO e pelo Conselho da Europa, sobre a salvaguarda e valorização do Património Cultural. 85 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 09 Métodos de Diagnóstico e Peritagem em Arte Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 09 Métodos de Diagnóstico e Peritagem em Arte DIAGNÓSTICO E FORMULAÇÃO DE PROPOSTAS DE TRATAMENTO Com as ferramentas apresentadas a seguir na identificação das obras de arte, o trabalho do Conservador Restaurador toma um cariz científico no que diz respeito às intervenções de conservação e restauro. Aliás, a área de conservação e restauro nos últimos anos deixou de ser vista como uma área de intervenção artesanal, onde os intervenientes eram na maior parte das vezes pintores e marceneiros, que mesmo tendo grandes conhecimentos na sua área oficinal, deixavam muito a desejar no que dizia respeito à conservação e restauro de obras de arte. O principal problema detectado neste tipo de intervenções é o desrespeito pelo original da peça recorrendo muitas vezes a repintes e ocultação de zonas decorativas, substituição de peças decoradas, aplicação de purpurinas sobre superfícies douradas, reintegrações volumétricas que alteram a leitura das peças entre muitos outros. O papel do Técnico Profissional de Restauro de Arte Sacra em suporte de madeira é fundamental no processo de valorização do nosso Património, sendo um elemento fundamental nas equipas de Conservadores Restauradores. O conhecimento das técnicas utilizadas na produção das obras de arte em madeira é uma mais valia para os Licenciados em Conservação e Restauro, geralmente os responsáveis de obra, que não podendo 88 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 09 Métodos de Diagnóstico e Peritagem em Arte estar presentes em todos os locais de intervenção, apoiam-se no conhecimento adquirido dos Técnicos Profissionais para a detecção de patologias durante o decorrer das obras. Outra das mais valias do Técnico Profissional será o "know-how" e o adestramento adquirido em formação, habilitando-o a intervencionar obras de arte em suporte de madeira tanto a nível de reintegrações volumétricas, como do tratamento dos suportes e das camadas pictóricas. Obviamente que os conhecimentos adquiridos durante a formação não serão suficientes para concorrer a obras de conservação e restauro. Quando o Técnico Profissional decide trabalhar por conta própria é fundamental que tenha na sua equipa de trabalho um Licenciado para analisar adequadamente o estado de conservação, fazer o levantamento de patologias, recorrer aos métodos de exame laboratorial, criar a metodologia de intervenção e projectar a obra. Não tendo a possibilidade de ter um Conservador Restaurador a tempo inteiro, existem empresas no mercado que prestam serviços de Consultoria quando necessário. 89 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 10 A Peritagem - método de aquisição de conhecimentos específicos para uma correcta intervenção Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 10 A Peritagem - método de aquisição de conhecimentos específicos para uma correcta intervenção Antes de uma peça ser sujeita a uma intervenção de Conservação e Restauro, há que ter em conta que tipo de peça intervencionar. Ela pode ser constituída por um só material, mas pode ser a composição de varias dezenas de materiais, desde o suporte às camadas cromáticas, passando pelo material estrutural, cargas, pigmentos, folhas metálicas, aglutinantes e vernizes. À conjugação destes materiais, normalmente, correspondem padrões bem visíveis de épocas ou artistas. Para além do local de construção, materiais e técnicas associadas em cada peça, tem que se ter em conta que os materiais reagem entre si e com o meio que os rodeia. Este conhecimento específico é necessário antes da intervenção da obra e existe a obrigatoriedade de se "perceber a peça" pormenorizadamente. Para isso, recorrem-se normalmente a dois tipos de peritagem: a Peritagem Expedita e a Peritagem Laboratorial. 92 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 11 Principais Causas e Factores de Degradação das Obras de Arte em Suporte de Madeira Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 11 Principais Causas e Factores de Degradação das Obras de Arte em Suporte de Madeira Talha dourada atacada por vários factores de degradação da madeira e das camadas pictóricas. A degradação das obras de arte em suporte de madeira pode ser provocada por diversos factores. Estes factores estão quase sempre associados a causas naturais como é o caso da humidade e da poluição do ar. Mas também podem ser causados pelo Homem quer seja por negligência quer seja por dolo. Por outro lado, existem factores intrínsecos às obras de arte que influenciam o nível de degradação, tais como a qualidade dos materiais, a técnica de execução, a incompatibilidade do suporte e a alteração dimensional e estrutural do suporte. Como já foi referido, o aumento ou a redução das dimensões do lenho são proporcionais ao volume de humidade perdida ou adquirida pela peça. Esse facto explica o prejuízo causado em painéis ou esculturas em madeira, transferidos de locais húmidos para locais secos e vice-versa. Sendo uma peça que transita de um local cuja media anual de Humidade Relativa (HR) é de 74%, para outro local onde, por exemplo, o teor de humidade chega a baixar aos 10 -13% de HR, o suporte sofre retracção e como as camadas de preparação e camadas de policromia não conseguem acompanhar essa redução, aparece um espaço livre entre a madeira e policromia, destacandose esta última inevitavelmente do suporte, acabando por destacar-se em partes ou no todo, por falta de adesão. O fenómeno é igualmente grave quando as obras de arte são transportadas de regiões tropicais húmidas para países frios sujeitos a sistemas de calefacção, que tendem a 94 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 11 Principais Causas e Factores de Degradação das Obras de Arte em Suporte de Madeira 95 reduzir exageradamente a humidade ambiente. No sentido inverso, na transferência de obras que se encontram em áreas secas para outras húmidas, o risco é compensado de certa forma, pela formação de craquelés, que passam a funcionar como juntas de dilatação, pelo que a superfície decorada não se distende para acompanhar o aumento de volume da madeira, mas separa-se por meio de abertura de fendas. Em termos estatísticos, calcula-se que as fibras absorvam 90% do volume de humidade pelas aberturas e apenas 10% através das paredes das células ou lúmen, mas a dilatação processa-se nas paredes das mesmas, como se fossem tubos insuflados de água, provocando a dilatação da madeira, no sentido perpendicular às fibras. Um meio empregue até à alguns anos atrás para minimizar o problema, consistia em obturar a abertura das células da madeira com material impermeabilizante nos topos. Foram muitas vezes utilizadas impregnações de uma mistura de cera de abelha e de resinas, o que pode dificultar em alguns casos a desinfestação e a consolidação das madeiras em restauro. A variação termo-higrométrica é apenas um dos muitos factores que levam à degradação das obras de arte. A própria construção da obra tem influência no seu tempo útil de vida. Uma boa construção com os materiais adequados, leva a que uma peça seja muito mais duradoura, uma vez que vai resistir muito mais às acções dos factores de degradação. Quando essa construção não é conduzida da melhor forma, faz com que os materiais ao nível do suporte e das superfícies decoradas se desgastem e alterem rapidamente. O Homem muitas vezes tem responsabilidade na degradação das obras de arte, porque não as resguarda nem as salvaguarda dos factores de risco a que estão sujeitas. A vontade do Homem em preservar os seus bens, ocorre muitas vezes outro factor a que se deve dar atenção, nomeadamente às intervenções que são feitas de forma mal conduzida ou de forma negligente. Os maus restauros que tantas vezes surgem de pseudo intervenções de restauro, muitas vezes alteram de tal forma as peças que as desvirtuam totalmente, modificando o seu significado original. Degradação das camadas cromáticas devido ao elevado índice de humidade relativa nos edifícios. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 Métodos de Conservação e Restauro Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 Métodos de Conservação e Restauro RECEPÇÃO DE PEÇAS - EMBALAGEM E TRANSPORTE Neste ponto há que ter em consideração, numa primeira fase, o estado de conservação do bem a intervencionar. Uma peça que esteja em avançado estado de degradação não pode ser embalada sem que primeiro seja intervencionada, de modo a permitir o seu transporte adequado. Exemplo disso são as esculturas com muitos destacamentos das camadas cromáticas em que a própria embalagem pode criar ainda maior destacamento, perdendo-se assim grandes quantidades de informação e material. Uma peça nestas condições deve sofrer uma intervenção de prefixação das camadas cromáticas, ou até mesmo a aplicação de "facing" pontual. Depois de minimizados os riscos de perda de material, há que ter em consideração o tipo de peça que se tem em mãos: se é uma escultura, se é uma peça de talha dourada, se é um retábulo ou até mesmo se é uma pintura sobre madeira. Consoante o tipo de peça, há que adequar o tipo de embalagem. A embalagem pode ser efectuada em caixa de madeira, reforçada com cantos metálicos; ter um sistema de suspensão da peça, de modo a que não seja apoiada em nenhuma das faces da embalagem; ser forrada com material térmico de modo a evitar aquecimento excessivo; ou com material impermeabilizante, para evitar o aumento brusco de humidade relativa. 98 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 Métodos de Conservação e Restauro Se o estado de conservação da peça o permitir, forrar simplesmente com papel alveolado, o tão conhecido plástico das bolhinhas, reforçando em quantidade de material de protecção as zonas mais sensíveis ou passíveis de se partirem durante o transporte. Se a decoração for muito sensível, pode-se ainda forrar previamente com papel japonês. Ter em atenção que estes materiais devem ser "acid-free", isto é, livres de ácidos, de modo a evitar alterações na composição dos materiais. INTERPRETAÇÃO DO DIAGNÓSTICO, DO LEVANTAMENTO DE PATOLOGIAS DA OBRA E DETERMINAÇÃO DA METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO 99 Esta fase do tratamento pode ser considerada como uma das mais importantes numa intervenção de Conservação e Restauro, se não mesmo a mais importante. Em primeiro lugar, o diagnóstico da obra de arte tem de ser sempre elaborado na presença ou com a supervisão de um Licenciado em Conservação e Restauro. O papel do Técnico Profissional é, numa primeira fase, fornecer todas as informações que considere pertinentes ao responsável do projecto. O estudo da peça, que passa inevitavelmente pela sua peritagem, determinando a época de construção, os materiais as técnicas utilizadas e o estado de conservação, recorrendo a todos os meios que estejam ao alcance para atingir esse fim. Desde a Análise MicroQuímica até aos Métodos de Peritagem e Análise Física, tem que se assegurar que todos os pormenores são estudados cuidadosamente e que e recolheram todas as informações essenciais para o perfeito conhecimento da história da peça. Somente depois de reunidos todos os dados, se pode passar à determinação da metodologia de intervenção. Para facilitar a tarefa de tratamento de dados, normalmente é utilizada uma ficha tipo em anexo 1, onde se reúnem todas as informações relativas à peça, Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 Métodos de Conservação e Restauro desde a identificação do proprietário, identificação da peça, estudos de técnicas e materiais, exames e analises, levantamento de patologias entre outros dados que se considerem pertinentes de introduzir. A metodologia de intervenção vai estabelecer um plano de acção de conservação e restauro para determinada peça com determinadas características e que apresenta um conjunto de patologias. Cada caso é um caso e metodologia de intervenção é única para cada peça. Será então errado pensar que estabelecendo uma metodologia de intervenção tipo se podem intervencionar todas as peças idênticas, por exemplo, para uma escultura polícromada e estofada em suporte de madeira, a metodologia a aplicar destina-se apenas a essa escultura. Logicamente que neste ponto, o Técnico Profissional de Restauro tem também um papel importantíssimo na compreensão do plano de acção, porque muitas vezes a própria metodologia de intervenção pode sofrer alterações durante os trabalhos de Conservação e Restauro, devido a factores extrínsecos e intrínsecos que obriguem a alterar, por exemplo, a ordem das fases de tratamento ou levar a que se utilizem materiais ou produtos diferentes dos referidos na Metodologia de Intervenção. Qualquer possibilidade de alteração deverá também ser comunicada de imediato ao responsável do projecto. TESTES DE SOLUBILIDADE E DE RESISTÊNCIA DE PIGMENTOS A primeira fase de intervenção directa na obra de arte é a dos testes de solubilidade e de resistência dos pigmentos. Estes testes vão assegurar que os agentes químicos, nomeadamente os solventes, não vão degradar as camadas cromáticas durante o processo de limpeza química. A metodologia passa por testar vários solventes ou soluções de solventes desde os mais fracos, quimicamente, aumentando o índice de penetração e solubilidade gradualmente até se conseguirem atingir os objectivos de limpeza óptimos. 100 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 Métodos de Conservação e Restauro Os resultados das análises químicas de identificação de adesivos e pigmentos devem ter-se em consideração para uma primeira adequação dos agentes de limpeza. Os testes devem ser realizados por zonas de cor, ou seja, para as carnações, vermelhos, verdes, azuis e assim sucessivamente, isto porque cada tipo de pigmento tem um comportamento e uma resistência diferente, dependendo da sua origem (origem animal, vegetal ou mineral) considerando, deste modo, que também são utilizados muitos corantes, sendo estes últimos particularmente solúveis. Por exemplo, para uma obra com decoração cromática a tempera não se podem utilizar solventes que contenham água. Outro factor a ter em conta é a consolidação, quase sempre necessária, em que a resina se deposita, mesmo em pequenas quantidades, nas superfícies cromáticas e que para a remover tem de se utilizar um solvente, que também tem de ser testado. Para facilitar esta tarefa e para que se tenha uma visão clara dos resultados, normalmente constrói-se uma tabela em que são referidas as zonas de cor a testar e os dois tipos de teste a realizar. Por uma questão de clareza, utiliza-se uma escala de 1 a 5, em que 1 corresponde a fraco e o 5 a muito bom. 101 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 Métodos de Conservação e Restauro Na tabela, o teste A será o Teste de Solubilidade de Sujidades e o teste B será o Teste de Resistência de Pigmentos. A escala utilizada tem os seguintes valores: 1 - Mau 2 - Fraco 3 - Médio 4 - Bom 5 - Muito Bom As cores nos valores óptimos de limpeza e de resistência podem dar uma melhor visão dos resultados, se colocarmos a numeração a verde para a melhor limpeza com a melhor resistência dos pigmentos, e a vermelho a pior resistência dos pigmentos, eliminando de imediato esses agentes de limpeza química, independentemente do resultado da limpeza. Um produto que limpe muito bem mas que desgaste as camadas cromáticas não será adequado à limpeza. A preservação das camadas cromáticas deve ser o principal factor a considerar na escolha dos produtos a utilizar. A LIMPEZA E OS REQUISITOS TÉCNICOS DE CADA CASO A limpeza é um processo que se pode considerar de muitíssima importância, onde a paciência, a minúcia, a concentração e a análise constante dos dados que são revelados pelo processo são os factores a ter e conta para o bom resultado de todo o processo. A limpeza das poeiras que estão sobre as superfícies, sejam elas decoradas, seja directamente sobre a madeira, é imprescindível para garantir que estas poeiras ou outro tipo de sujidades não fiquem agregadas ao suporte. Normalmente, a primeira limpeza é feita mecanicamente com o auxílio de escovas de cerdas macias e sempre que possível com o auxílio de aspiradores para evitar que estas se depositem noutros locais. Numa segunda fase, normalmente, faz-se a Limpeza Química das camadas cromáticas. Como são as camadas que estão mais à superfície, as sujidades que se encontram estão, em maior parte dos casos, muito mais agregadas. 102 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 Métodos de Conservação e Restauro Também é sobre as superfícies cromáticas que usualmente estão depositadas grandes quantidades de vernizes, por vezes oxidados, com um tom amarelado ou acastanhado e que oculta a beleza das cores decorativas. Uma das vantagens das obras terem vernizes é que as sujidades agregadas estão sobre o verniz, ou seja, removendo-o, removem-se as sujidades. Solventes Exemplos Hidrocarbonetos alifáticos Hidrocarbonetos aromáticos Hexano, heptano, white spirit, terebintina Benzeno, tolueno, xileno Diclorometano, clorofórmio, tetracloreto de carbono Metanol, etanol, propanol Fenol, etilenoglicol Éter dietílico, dioxano Acetona, etilmetilcetona Acetato de etilo Butilamina, piridina Dimetilformamida Éter + álcool: "Cellosolve" Cetona + álcool: diacetona-álcool Éter + amina: morfolina Hidrocarbonetos halogenados Álcoois Éteres Cetonas Ésteres Aminas Amidas Solventes polifuncionais 103 Os solventes são líquidos orgânicos voláteis que podem dissolver outras substâncias sem se modificarem e sem modificarem quimicamente as substâncias dissolvidas. O conservador restaurador utiliza os solventes para dissolver as resinas, eliminar vernizes e dissolver repintes ou antigos retoques e as áreas de limpeza devem ser sempre muito pequenas para serem controladas ao milímetro, recomendando-se que a limpeza seja feita com pequenos cotonetes de algodão. Os solventes levam a substância dissolvida a um estado de máxima distribuição. Uma regra básica diz que os semelhantes dissolvem-se entre si, que é o mesmo que dizer que a solubilidade é tanto melhor quanto mais parecidas forem as forças de interacção entre as partículas do solvente e da substância a dissolver. Normalmente, os vapores dos solventes são mais pesados que o ar, pelo que a limpeza deverá ser sempre assistida por aspiração localizada. Durante este processo, depois de se removerem as sujidades e os vernizes, e caso existam repintes, passa-se também à sua remoção. Muitas vezes é necessário que a limpeza química seja conduzida de modo a que Tabela de solventes utilizados na limpeza química de policromias Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 Métodos de Conservação e Restauro Em baixo, limpeza química de talha dourada as camadas de sujidades ou de vernizes sejam removidas estratigraficamente, isto é, uma de cada vez. Este processo de limpeza gradual justifica-se principalmente no levantamento de repintes, uma vez que podem surgir zonas sem informação cromática. Neste caso, depois de devidamente estudado, pode-se optar por deixar o repinte, ou um nível de repinte quando existe mais que um sobreposto. Este processo só pode ser iniciado depois de se analisar pelo menos fisicamente a obra. Neste caso pode-se recorrer, por exemplo, à fluorescência do ultravioleta. As zonas de repinte surgem sob a forma de mancha diferente do original. De salientar que neste capítulo, tal como nos seguintes onde são utilizados solventes, há que ter sempre em atenção a leitura das fichas técnicas dos produtos, cuidados de manuseamento e tempos máximos de exposição que podem ser consultados em bibliografia própria e que se demonstra nos anexos 4 e 5. Todos os valores referidos na tabela da página seguinte constam dos regulamentos estabelecidos pelo Occupational Safety & Health Administration ou OSHA, organismo oficial norte-americano e salvo indicação em contrário, correspondem à concentração média que não deve ser ultrapassada durante um período de oito horas. Segundo estes dados, o benzeno, a piridina, a dimetilformamida, o tetracloreto de carbono e o 1,1,2-tricloroetano contam-se entre os solventes mais tóxicos utilizados em restauro, correspondendo um limite de exposição permissível de 1 ppm para o primeiro, 5 ppm para o segundo e 10 ppm para os restantes. Para se ter uma noção do que significam estes números, pode dizer-se que por cada milhão de moléculas na atmosfera não deve existir mais do que uma molécula de benzeno, cinco de piridina ou dez de cada uma das outras substâncias. No outro extremo da escala estão solventes como a água, que qualquer que seja a sua concentração na atmosfera, não tem efeitos tóxicos, e a acetona e o etanol, substâncias que apresentam limites de exposição permissível de 1000 ppm, ou seja, uma molécula por cada mil moléculas presentes na atmosfera. 104 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 Métodos de Conservação e Restauro Estes parâmetros, que estabelecem limites dentro dos quais, de acordo com o conhecimento actual, é segura a inalação dos solventes, não tem em conta a facilidade com que um líquido se evapora, ou seja, passa para a atmosfera. Foi proposto que a avaliação da toxicidade dos solventes utilizados em restauro seja feita através do "Número de segurança" (também designado como PSR) que é obtido por multiplicação da concentração máxima admissível na atmosfera pelo tempo de evaporação. Os solventes mais perigosos são os que têm menor limite de exposição e menor tempo de evaporação, ou seja os que apresentam menor número de segurança. TABELA DE TOXICIDADE E LIMITES DE EXPOSIÇÃO AOS SOLVENTES Nome Sinónimo PEL (ppm) Ev PSR 300 2.6 780 2.7 1350 Hidrocarbonetos alifáticos Ciclo-hexano Heptano n-Heptano Isooctano 2,2,4-Trimetilpentano Terebintina 500 5.9 100 375.0 37500 1 2.8 3 Hidrocarbonetos aromáticos Benzeno Tolueno Metilbenzeno 200 4.5 900 Xileno Dimetilbenzeno 100 9.2 920 100 9.4 940 Etilbenzeno Hidrocarbonetos halogenados Diclorometano 1.8 Clorofórmio Triclorometano Tetracloreto de carbono Tetraclorometano 2.2 10 2.6 26 1,2-Dicloroetano 50 3.3 165 1,1,2-Tricloroetano 10 12.6 126 Tricloroetileno 100 3.1 310 100 6.6 660 Tetracloroetileno Álcoois 105 Metanol Álcool metílico 200 5.2 1040 Etanol Álcool etílico 1000 7.0 7000 Propanol Álcool n-propílico 200 7.8 1560 Butanol Álcool n-butílico 100 19.6 1960 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 Métodos de Conservação e Restauro TABELA DE TOXICIDADE E LIMITES DE EXPOSIÇÃO AOS SOLVENTES (cont.) Nome Sinónimo PEL (ppm) Ev PSR 2-Metiletanol Álcool isopropílico 400 7.7 3080 2-Metilpropanol Álcool isobutílico 150 16.3 2445 50 150.0 7500 Ciclohexanol Éteres Éter dietílico 400 1.0 400 Tetrahidrofurano 200 2.0 400 1,4-Dioxano 100 5.8 580 1000 1.9 1900 2.7 540 Cetonas Acetona Propanona Cetona etílica e metílica Butan-2-ona 200 Cetona metílica e propílica Pentan-2-ona 200 Cetona isobutílica e metílica 4-Metilpentan-2-ona 100 5.6 560 50 22.2 1110 Ciclohexanona Ésteres Acetato de metilo 200 2.2 440 Acetato de etilo 400 2.7 1080 Acetato de propilo 200 4.8 960 Acetato de butilo 150 7.8 1170 Acetato de pentilo 100 11.6 1160 5 8.2 41 21.1 528 Aminas e amidas Piridina Dimetilformamida 2,6-Dimetil-heptan-4-ona 10 Solventes polifuncionais 2-Metoxietanol 25 2-Etoxietanol "Cellosolve" 200 28.1 5620 2-Butoxietanol "Butyl cellosolve" 50 85.0 4250 Acetato de 2-etoxietilo "Cellosolve acetate" 100 32.4 3240 Diacetona-álcool 4-Hidroxi-4-metilpentan-2-ona 50 60.0 3000 Morfolina 20 PEL = Limite de exposição permissível - média de 8 horas - (OSHA) - em Partes por Milhão (PPM) Ev = Tempo de evaporação relativo (Stolow) Os solventes devem ser utilizados com todo o cuidado possível. O local de trabalho deve ser bem arejado, ou deve dispor de um sistema de ventilação ou de aspiração de vapores para evitar a intoxicação do técnico. Não se pode ignorar o facto de a acção tóxica dos solventes não se exercer apenas por inalação. Além dos problemas que podem ocorrer por ingestão, situação que só muito excepcionalmente se pode verificar no trabalho regular 106 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 Métodos de Conservação e Restauro 107 de atelier, muitos dos solventes têm igualmente significativos efeitos por contacto com a pele ou os olhos. A utilização de máscara, bata e luvas é recomendada como equipamento de protecção individual. Segundo a lei portuguesa é obrigatório armazenar os solventes perigosos em frascos bem fechados dentro de armários próprios para solventes, refractários ao fogo e com sistema de aspiração filtrada. Mas os próprios frascos contentores de solvente libertam vapores. Para diminuir as superfícies de evaporação são utilizados recipientes dispensadores que só dispensam a quantidade de solvente necessário para molhar o cotonete. Os frascos que contêm solventes ou soluções por exemplo de limpeza, deverão descriminar no próprio rótulo todos os solventes e as suas quantidades, não sendo permitidas por lei nomes de fantasia ou "alcunhas" das misturas, como é usual encontrar, por exemplo 3 ÁS, TIA, "solvente para repinte", entre outros. Os cotonetes utilizados devem ser colocados em recipientes fechados para evitar a evaporação e os residuos de solventes devem ser colocados em recipientes que devem ser entregues a empresas ou centros de tratamento de resíduos perigosos, sendo proibido deitar qualquer tipo de solvente na rede de esgotos ou no lixo urbano. No que diz respeito às máscaras de protecção respiratória, existem vários tipos de filtro no mercado consoante a finalidade de filtragem. No processo de limpeza podem surgir as seguintes substâncias nocivas: vapores de solventes em forma de gases que se libertam durante a limpeza de vernizes, misturas de vapores e matérias em suspensão e ainda micro-organismos. Associado às zonas de repinte surgem por vezes pastas de preenchimento não compatíveis com original. Estas também devem ser removidas durante a limpeza química ou mecânica. Quando as obras de arte estão durante muito tempo sujeitas a condições termo-higrométricas extremas, surge uma patologia que, infelizmente, é muito usual: as camadas de preparação pulverolentas. Esta patologia deriva da perda de adesividade dos adesivos proteicos, limpeza química de talha dourada e pintura a óleo sobre madeira. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 Métodos de Conservação e Restauro ou pela sua absorção por parte do material lenhoso durante as épocas húmidas. Assim, as cargas tomam a sua forma original de pó, soltando-se do suporte, arrastando consigo as camadas cromáticas. Na maior parte dos casos, esta preparação não suporta uma fixação porque cria um filme à superfície não deixando que o adesivo penetre em profundidade. Neste caso, há a necessidade de se remover este "pó" mecanicamente de modo a limpar a superfície pulverolenta para que seja possível a posterior aplicação de preparação branca no local de lacuna a nível da preparação. Os instrumentos utilizados deverão ser de pequenas dimensões, por exemplo o bisturi, de modo a controlar muito bem as zonas de limpeza. Alguns especialistas defendem que as zonas entre as camadas originais e as zonas de lacuna devem ser "cortadas" a 90o de modo a permitir uma melhor adesão das novas preparações às preparações originais. PRÉ-FIXAÇÃO DAS CAMADAS CROMÁTICAS Como foi referido anteriormente, as variações termohigrométricas são as principais responsáveis pelos destacamentos das camadas cromáticas. Mas as próprias variações dimensionais do suporte muitas vezes são maiores que o índice de elasticidade das preparações. Este factor vai fazer com que, quando o suporte de madeira absorve água, aumenta de volume e as camadas cromáticas quando não o conseguem acompanhar, partem-se, criando craquelures ou "craquelés". No sentido inverso, quando o suporte perde muita água contrai e as camadas cromáticas como não conseguem contrair por questões físicas, criam bolsas de ar entre elas e o suporte. Este último caso torna-se mais grave que o primeiro porque há o perigo eminente de destacamento. Se as camadas cromáticas estiverem efectivamente em destacamento, há a necessidade de fazer uma pré-fixação das mesmas. O processo consiste em aplicar um aglutinante com um pincel por baixo das zonas levantadas e fazê-las assentar cuidadosamente sobre o suporte. 108 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 Métodos de Conservação e Restauro O tipo de aglutinante também tem de ser testado, podendo ser várias as opções de aplicação, consoante cada caso específico e pode passar por uma cola proteica, por polivinil de acetato diluído ou em casos extremos cera-resina ou resinas acrílicas termoplásticas. Este processo é fundamental para que se possam manusear as peças sem se correr o risco de danificar ainda mais a peça. Em casos de destacamento extremo pode-se ainda utilizar outra técnica de fixação, mas desta vez para permitir o manuseamento das peças ou a sua desmontagem. O "facing", técnica utilizada na protecção de camadas cromática, consiste em aplicar papel japonês colado sobre a superfície decorada. O adesivo deve ser previamente testado e pode ser uma cola proteica (cola de coelho ou cola de peixe), ou resina acrílica termoplástica, dependendo dos adesivos das preparações originais e da resistência das policromias. A sua remoção deve ser feita com o solvente adequado à diluição do adesivo somente depois do tratamento das estruturas. O "facing" tem assim duas funções: a de proteger as camadas cromáticas e de evitar que haja grandes destacamentos, ajudando a fixar as zonas em destacamento uma vez que o adesivo vai penetrar nas zonas levantadas ou em destacamento. Este processo deve ser sempre acompanhado por um Licenciado em Conservação e Restauro, de modo a que os riscos da aplicação sejam avaliados correctamente. Esquema de destacamento das camadas pictóricas e fixação das camadas pictóricas com cola animal. DESINFESTAÇÃO POR VIA LÍQUIDA E POR VIA GASOSA 109 Sempre que uma obra de arte se encontre atacada por insectos xilófagos, há a necessidade de desinfestar, isto é, de libertar a peça dos agentes biológicos destruidores do suporte. Os insectos que infestam o nosso património, quase sempre sazonalmente, atacam impiedosamente monumentos, talha, escultura, pintura, mobiliário e documentos gráficos. Entre os insectos mais vorazes câmara de Shock Térmico e sistema de desinfestação por anóxia. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 Métodos de Conservação e Restauro encontram-se as térmitas, da ordem dos isópteros, conhecidas pelas suas asas finas, com uma estrutura semelhante a uma rede. As térmitas, aparecem em enxames e perecem em algumas horas. Grandes inimigos das madeiras, são também, os anóbios da ordem dos coleópteros, que têm as suas asas protegidas por uma capa, como os besouros. A sua presença é mais notada quando estão em estado adulto, mas é justamente nessa fase que já não representam grande perigo, a não ser pelo facto da sua desova. Os insectos atacam a madeira em estado de larva e é nesse momento que devem ser eliminados. Térmitas e anóbios confundem-se à observação a olho nu, quando em estado de larva. Deve considerar-se sempre a existência de insectos retardatários e outros precoces. Enquanto óvulos, a desinfestação é praticamente inócua uma vez que estes são protegidos por uma membrana invulnerável a gases e outros insecticidas comuns. Enquanto adulto, o combate só tem significado enquanto destruidor de potenciais novas posturas, uma vez que nesta fase o insecto não destrói a madeira e o seu tempo de vida é muito reduzido. Actualmente, são utilizados vários processos de desinfestação. O tradicional por via líquida, com Cuprinol®, ou outro agente líquido desinfestante. Este processo não é recomendado para peças de grandes dimensões uma vez que o poder de penetrabilidade é de poucos milímetros, não atacando deste modo as larvas que se encontram no centro da peça. Nos processos modernos utiliza-se o expurgo por fumigação, onde é lançado um gás numa atmosfera fechada ou o Shock Térmico®, onde a peça é sujeita a uma baixa de temperatura controlada, eliminando desta forma os insectos xilófagos em todas as suas formas. Outro processo utilizado é através do equipamento para desinfestação por anóxia. Este tratamento consiste na utilização de uma atmosfera inerte de azoto - isenta de oxigénio - que provoca a morte de qualquer ser vivo existente nas obras de arte. Mais uma vez, há a necessidade de analisar a obra de modo a aplicar o melhor método a cada caso. 110 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 Métodos de Conservação e Restauro CONSOLIDAÇÃO: MÉTODOS, TÉCNICAS E MATERIAIS 111 Quando uma peça esteve muito atacada por insectos xilófagos ou esteve sujeita a contacto directo com água, tornando a sua estrutura lenhosa numa textura esponjosa, há a necessidade de estabilizar o suporte. Sempre que possível, devem manter-se todos os elementos pertencentes à peça, e somente em último recurso proceder à sua substituição. O processo de consolidação do suporte lenhoso consiste em fazer penetrar uma resina acrílica diluída em solução num hidrocarboneto aromático nas galerias criadas na madeira. Os produtos mais utilizados são o Paraloid B72® diluído em xilol ou toluol. Quando o solvente evapora, a resina fica agregada às fibras da madeira interligando-as, reforçando deste modo as zonas fragilizadas. A metodologia de aplicação passa por aplicar a solução de consolidante em diversas fases, começando com uma concentração de cerca de 5%, aumentando-a gradualmente para 7%, 10%, 15% e assim sucessivamente até que a peça apresente boa estabilidade estrutural. As concentrações mais baixas vão penetrar mais em profundidade no suporte e o aumento gradual vai preencher o vazio entre as fibras. Entre cada aplicação é necessário que o solvente evapore completamente para se passar a uma nova aplicação, caso contrário, se as galerias ainda estiverem cheias de solvente, existe o perigo da resina criar um filme à superfície, deixando o suporte de absorver o consolidante. A aplicação do consolidante pode ser feita com trincha, seringa (para entrar mais em profundidade) ou por submersão parcial, (de modo a que o suporte lenhoso absorva por capilaridade). Os excessos que eventualmente tenham escorrido para as camadas cromáticas podem ser limpos com o solvente utilizado na solução. A não esquecer que o solvente deve ser testado a nível da resistência dos pigmentos. Durante a consolidação ter em especial atenção o EPI´s uma vez que se está a trabalhar com hidrocarbonetos aromáticos. Consolidação por injecção e por absorção por capilaridade Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 Métodos de Conservação e Restauro REVISÃO DE ESTRUTURAS - REMOÇÃO DE ELEMENTOS METÁLICOS, COLAGENS E CAVILHAMENTO. Revisão de estruturas de madeira com aplicação de reforços e colagens com cavilhamento de madeira. O processo de revisão de estruturas é o processo onde o técnico vai tratar a estrutura da peça, seja ela construída por um só bloco danificado, ou por várias peças ligadas ou unidas entre si. Esta fase pode, em alguns casos, preceder a consolidação dos elementos lenhosos, dependendo da metodologia de intervenção. Muitas vezes, aparecem peças com uma grande complexidade estrutural, nomeadamente, conjuntos retabulares, onde a presença de um Licenciado em Conservação e Restauro é fundamental para a análise de desmontagem do conjunto. A operação visa restabelecer a coesão e união entre as diversas peças que estejam a sofrer de desgaste, deterioração, empeno, torção, descolagem ou em eminência de se soltarem do conjunto, colocando em risco a estabilidade física da obra. Caso seja necessário proceder à sua desmontagem, há que ter em atenção a localização exacta dos elementos metálicos, nomeadamente pregos que se encontrem em estado de oxidação, com o vulgo ferrugem. A reacção de oxidação do ferro ocorre de uma reacção química deste com o oxigénio, transformando o ferro em óxido de ferro, que, para além de manchar o suporte lenhoso, mancha muitas vezes as próprias camadas cromáticas. Durante a reacção de oxidação o ferro aumenta de volume, provocando por vezes fendas, perda de resistência por parte das zonas oxidadas e dos próprios elementos metálicos. Uma das metodologias de identificação da localização dos elementos metálicos é através de Exames Laboratoriais, mais especificamente através da Radiografia, que nos vai revelar o interior da peça. Para fazer a remoção de elementos metálicos oxidados, nomeadamente pregos, os processos são vários e dependem da sua localização e direcção. O que acontece inúmeras vezes, é que os pregos com a expansão da oxidação ficam muito agregados à 112 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 Métodos de Conservação e Restauro madeira. A metodologia a seguir neste caso poderá passar pela perfuração da zona circundante com uma broca fina, por exemplo de 1 ou 2 milímetros com o auxilio do mini berbequim, de modo a libertar o elemento metálico, sendo muito mais fácil a sua remoção numa segunda fase com o auxílio de uma turquês. Ter sempre em atenção quando a superfície de remoção é decorada, uma vez que o processo irá danificar a zona circundante. Outro dos métodos utilizados neste caso é o de desgastar a cabeça do prego com uma mó e com o mini berbequim, estabilizando-o de seguida com EDTA e isolando-o de seguida com uma resina acrílica diluída. Quando os elementos metálicos são elementos de sustentação ou auxiliares de montagem, a sua desoxidação poderá passar por uma limpeza mecânica com lixa fina - P400, ou com escova de aço para libertar a peça da oxidação solta e numa segunda fase pode-se submergir ou colocar pachos de algodão com uma solução de EDTA, acrónimo em inglês de EthyleneDiamineTetrAcetic acid. (ácido etilenodiamino tetra-acético). É um composto orgânico que age como ligante, formando complexos muito estáveis com diversos iões metálicos, estabilizando deste modo a oxidação. 113 Normalmente, a remontagem dos elementos estruturais é feita nas zonas de união por colagem com Polivinil de Acetato, também conhecido por cola branca para madeira. A fixação das peças no local onde existiam pregos pode ser feita por parafusos inoxidáveis ou por cavilhas de madeira, evitando a todo o custo a utilização de elementos de ferro. Normalmente são utilizados os buracos da localização inicial dos pregos de modo a não danificar mais as superfícies decoradas. A substituição de elementos lenhosos a nível estrutural, só deve ser efectuada quando estritamente necessária, isto é, quando não há possibilidade de consolidar os elementos lenhosos originais devido à sua debilidade estrutural, ou por extrema necessidade de reforço da estrutura. Também neste caso as madeiras utilizadas devem ter Remoção de elementos metálicos oxidados, neste caso pregos, e desgaste das zonas oxidadas. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 Métodos de Conservação e Restauro o comportamento o mais semelhante possível ao original, de modo a que haja compatibilidade entre madeiras nos movimentos estruturais. REINTEGRAÇÃO VOLUMÉTRICA: MÉTODOS, TÉCNICAS E MATERIAIS Processos de reintegrações volumétricas a nível do suporte, utilizando madeiras da mesma espécie da que se encontra nos originais. As Técnicas de Entalhamento aplicadas à reintegração volumétrica são basicamente as mesmas que são utilizadas nas Técnicas de Produção Artística de Talha. As grandes diferenças estão na metodologia de intervenção que se irá aplicar. Quando uma peça vai ser sujeita a uma intervenção de Conservação, este passo não vai ser executado. As operações associadas à conservação baseiam-se em garantir que a peça estabilize a nível de degradação, não se fazendo reintegrações volumétricas. Na intervenção de restauro a reintegração tem lugar, seja a nível da talha dourada ou da escultura, quando uma peça apresenta lacunas a nível dos seus elementos decorativos, muitas vezes há a necessidade de se reproduzirem motivos, de modo a dar uma leitura integral da peça. Estas lacunas aparecem muitas vezes por descolagem de elementos, que eram quase sempre colados com grude, cola que é bastante hidro-solúvel e que perde adesividade quando sujeita a extremas condições termo-higrométricas. Outro dos factores que levam à perda de material lenhoso é os acidentes e a perda definitiva das peças destacadas. A nível da reintegração volumétrica, os materiais utilizados devem ser o mais compatíveis possível, e as madeiras, devem ser da mesma espécie, de preferência madeira velha ou com muitos anos de corte. A excepção passa por peças criadas a partir de toros, por exemplo, esculturas de vulto em que o corpo principal da escultura é feito de uma peça única que não foi vazada, isto é, que ainda contem a zona da medula. Em peças com este tipo de construção, o material lenhoso está sujeito a grandes tensões provocadas pela secagem. Quando aparecem fendas, estas normalmente 114 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 Métodos de Conservação e Restauro aumentam e diminuem de dimensão, consoante a época do ano, patologia associada aos índices termohigrométricos. Neste caso, são utilizadas madeiras de baixa densidade, como é o caso da balsa, para que, quando a fenda fechar, a zona de reintegração consiga acompanhar o fecho da lacuna. Caso contrário, se as fendas, quando de dimensões consideráveis, forem preenchidas com madeiras densas, as tensões continuam a existir, mas em vez de se dispersarem pela fenda, criam outra ou outras fendas, noutro local da peça, de modo a que sejam libertadas. As madeiras das reintegrações a nível volumétrico, quando coladas, devem respeitar sempre que possível o sentido das fibras do original. Depois de se passar o desenho previamente desenvolvido para a peça de madeira, passa-se ao desbaste grosso para libertar o bloco da reintegração do material que não é necessário. As juntas de colagem devem ser limpas e niveladas, de modo a criar uma zona de colagem a mais plana possível, isto para que o plano de contacto seja também o maior possível. Mas há uma situação em que a colagem se pode tornar mais difícil: quando a zona de colagem é um topo ou quando o plano de colagem é perpendicular ao sentido das fibras. Neste caso, tem que se criar um plano de colagem inclinado ou com diversos níveis de colagem, o que tem algumas limitações porque há sempre necessidade de remover algum material original. Mas podem ser utilizados outros materiais no preenchimento de lacunas, como é o caso dos betumes acrílicos com solvente cetónico para madeira. Este material é apenas utilizado para colmatar pequenas lacunas, como por exemplo de pequenas galerias de xilófagos, buracos de pregos ou pequenas fendas, nunca se utilizando este tipo de betume para preencher lacunas volumétricas ou criar ornatos. 115 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 Métodos de Conservação e Restauro REINTEGRAÇÃO A NÍVEL DAS PREPARAÇÕES As reintegrações das lacunas a nível das preparações devem ser feitas com materiais física e quimicamente compatíveis com os materiais originais. Numa primeira fase, as zonas de lacuna devem ser previamente preparadas. A limpeza mecânica do suporte, como já foi referido anteriormente, deve estar totalmente concluída nesta fase. Ainda antes da aplicação das preparações brancas, o suporte original ou as zonas de reintegração volumétrica devem estar devidamente isoladas com cola animal, ou como também é conhecida entre os conservadores restauradores, devem estar com a "encolage" dada e completamente seca. A determinação das cargas e dos adesivos é essencial para garantir uma eficaz aplicação das preparações. Para isso, deve recorrer-se sempre que possível à micro-análise química. A aplicação pode ser feita a pincel ou em zonas mais profundas pode ser aplicada a espátula. Convém, logicamente, que as camadas sejam finas e em camadas sucessivas para evitar o aparecimento de fendas na preparação. Quando as camadas aplicadas são muito grossas, normalmente provocam destacamentos porque a evaporação da água leva a que a haja uma grande diminuição dimensional. Na aplicação da preparação deve-se ter muita atenção para que esta não escorra nem passe para além dos limites da lacuna. Entre camadas recomenda-se o seu nivelamento com lixas finas de diferentes granulometrias - P260 a P1000 conforme a necessidade de cada caso, tendo-se sempre em atenção o original cromático, evitando a todo o custo que este seja danificado. O resultado final das aplicações de preparação deve ser semelhante ao original no que diz respeito às texturas se a reintegração cromática proposta for mimética. Deve ter-se ainda em atenção, o nível da preparação branca no caso das zonas a dourar, isto porque a aplicação de bollús da arménia pode criar alturas. Antes de se aplicar o bollús da arménia deve-se aplicar água de lavagem sobre a preparação branca para fixar 116 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 Métodos de Conservação e Restauro as poeiras soltas, garantindo assim que o bollús adira convenientemente. No caso das lacunas serem de pequenas dimensões e da peça ter muita policromia, em vez da água de lavagem aplicada a pincel, passase com um cotonete húmido com água ou saliva. O bollús da arménia deve ser da cor do existente no original, o que normalmente se consegue misturando em proporções diferentes as três cores disponíveis no mercado. A sua forma de aplicação deve ser em camadas muito finas e as vezes necessárias até que se cubra totalmente a preparação branca. Depois de seco deve-se passar o bollús com um lixa de água P1000 no caso deste ter pequenos granulados na superfície e depois com um pano de linho para puxar o brilho, garantindo um bom resultado do douramento. REINTEGRAÇÃO CROMÁTICA As reintegrações das camadas cromáticas - relativo às cores - podem ser feitas através de dois métodos, aplicáveis à metodologia de intervenção previamente definida pelo Licenciado em Conservação e Restauro. No primeiro caso, a Reintegração Cromática Mimética ou Ilusionista. O termo "mimético" quer dizer imitação e, no fundo, o objectivo é imitar na zona de lacuna, as cores que lá estavam anteriormente, dando uma leitura pictórica - relativa à pintura - exactamente igual à que se encontra em seu redor. 117 No segundo caso, a Reintegração Cromática Diferenciada, que é um tipo de reintegração que visa a diferença entre o original e a zona de lacuna, assumindo que naquele local já houve uma lacuna. Dentro do método diferenciado podem utilizar-se várias técnicas de reintegração cromática: - "Trattegio": é uma técnica em que utilizam pequenos traços paralelos de cores puras. - Pontilhismo: a técnica utilizada é basicamente igual à do Trattegio, mas neste caso são utilizados pequenos pontos. Em cima e na página anterior: aplicação de preparação branca nas zonas de lacuna de modo a nivelar as zonas em falta. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 Métodos de Conservação e Restauro Reintegração cromática mimética. - Mancha de Cor: a reintegração cromática por mancha de cor, normalmente é feita em zonas decoradas com motivos, mas na zona de lacuna a reintegração é feita com a cor de fundo, não reproduzindo os padrões. - Tom diferenciado: nesta técnica são reproduzidos os padrões utilizados na zona envolvente mas com meio tom abaixo ou acima do que é encontrado no original. Em todos os casos é a leitura óptica por parte do olho humano que vai misturar as cores, criando a ilusão de que se está perante a cor real. Esta ilusão só é criada a uma determinada distância, mas à medida que nos vamos aproximando da obra, a reintegração é bem visível. Os materiais utilizados na Reintegração Cromática devem ser sempre o mais reversível possível. Para esse efeito as temperas são as mais utilizadas sob a forma de aguarelas. Em casos muito particulares, também podem ser utilizadas tintas acrílicas ou vinílicas, normalmente em peças que no futuro vão estar sujeitas a condições termo-higrométricas bruscas. No primeiro caso, se houver necessidade de remover a reintegração, basta passar um cotonete humedecido com água para que a aguarela se dissolva. No segundo caso, o solvente utilizado poderá ser etanol ou acetona, excelentes solventes de tintas acrílicas e vinílicas. Para que haja a certeza do tom empregue, isto porque, depois de removido o verniz das camadas pictóricas, estas normalmente apresentam um tom baço e descolorado, há que fazer a "molhagem" das superfícies de modo a simular a aplicação do verniz, dando deste modo a pré-visualização do resultado final. Esta molhagem normalmente é feita com um algodão embebido em "white spirit", e este destilado deverá constar dos testes de resistência de pigmentos. No que diz respeito às reintegrações cromáticas nas superfícies douradas, a metodologia aplicada será basicamente a mesma. Quando a técnica utilizada no original é por exemplo ouro de lei, se a reintegração cromática for mimética utiliza-se também ouro verdadeiro, ou poder-se-ão utilizar por exemplo tintas acrílicas com pigmentos não oxidáveis para o preenchimento das lacunas. 118 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 Métodos de Conservação e Restauro Quando a reintegração exigida nas zonas douradas for diferenciada, podem utilizar-se pigmentos de ouro, por exemplo, micas em tom diferenciado ou as mesmas tintas acrílicas, mas também com o tom diferenciado. Nunca esquecer que as reintegrações cromáticas se devem limitar às zonas de lacuna nunca sobrepondo o original, o que será considerado repinte. CAMADAS DE PROTECÇÃO 119 As camadas de protecção utilizadas na conservação e restauro, idealmente deverão ser transparentes e incolores a longo prazo, possuir e manter uma elasticidade estável, representando uma protecção para as superfícies pictóricas. Deve ser de fácil remoção ao envelhecer com um solvente fraco, de preferência não polar. Os vernizes produzidos e utilizados até aos nossos dias distinguem-se principalmente segundo a sua composição: - vernizes de óleos: óleos secantes ou óleos secantes com secativos - vernizes de elemí: óleos secantes com resina - vernizes de clara de ovo: clara de ovo diluída em agua - vernizes de resinas suaves ou essências de resina: resinas naturais diluídas em essências ou destilados de petróleo - vernizes de álcool: resinas naturais, por exemplo goma laca, diluídas em álcool - vernizes de cera e cera-resina: ceras diluídas em destilados de petróleo ou vernizes de resinas suaves. - vernizes de reinas sintéticas: resinas sintéticas diluídas em destilados de petróleo ou solventes polares. Para além destes vernizes existem muitos outros que foram utilizados até aos nossos dias, mas nenhum deles cumpre em simultâneo todos os requisitos mencionados anteriormente. A aplicação dos vernizes pode ser feita a pincel, à boneca ou com pistola de ar comprimido, podendo a peça estar em posição vertical ou horizontal. Aplicação de camada de protecção de verniz acrílico em spray. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 Métodos de Conservação e Restauro Por vezes, quando o verniz antigo foi removido e existem zonas de reintegração cromática, há a necessidade de aplicar um verniz de retoque intermédio de modo a que se consiga avaliar numa primeira fase a leitura do todo, rectificar as reintegrações cromáticas, se necessário, e só depois se poderá aplicar o verniz final. Depois da evaporação do solvente, o verniz transforma-se em camada de protecção e é esta a camada mais exterior da obra de arte. A camada de verniz tem duas funções: serve para intensificar o efeito óptico da camada pictórica e para a proteger dos efeitos climatéricos, dos contaminantes, da sujidade e da luz. O aspecto de uma obra de arte em madeira polícromada depende fortemente do efeito de profundidade e do brilho do verniz. O brilho do verniz depende do tipo de verniz utilizado, da rugosidade da superfície, tipo de aplicação e grossura da camada aplicada. Dependendo da peça em intervenção e tendo em conta as técnicas e materiais utilizados, há a necessidade de fazer a escolha adequada a cada caso de forma a minimizar os efeitos secundários que possam provir da sua aplicação. Se os vernizes polimerizarem ou se tiverem um efeito de retracção muito elevado durante a evaporação do solvente, poderão criar craquelures de secagem porque irão "arrastar" consigo as camadas cromáticas, criando defeitos irreversíveis. Os vernizes são substituídos muitas vezes por acabamentos com cera virgem incolor ou cera micro-cristalina diluída em white spirit. 120 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 Métodos de Conservação e Restauro ELABORAÇÃO DE FICHAS DE TRABALHO E IMPORTÂNCIA DA DOCUMENTAÇÃO DE TRABALHO. Durante todo o processo de Conservação e Restauro é necessário reunir o máximo de informação possível sobre a peça em si, sobre os seus pares, isto é, sobre peças semelhantes formalmente, com os mesmos materiais, mesmo tipo de decoração e da mesma época, e sobre a própria intervenção de conservação e restauro, incluindo logicamente todas as análises e testes realizados. Os desenhos e levantamentos gráficos de reconstituição de lacunas volumétricas ou das decorações das camadas pictóricas, devem ser devidamente arquivados como material de apoio. Durante a intervenção da obra de arte é recomendado que se elabore o Dossier de Intervenção. Este dossier deve conter um diário de intervenção onde se descriminam todas as operações, métodos, materiais utilizados, pareceres e justificações técnicas. Este dossier pode ser um documento interno da empresa, mas vai facilitar muito a elaboração do relatório técnico, assim como obter uma visão detalhada dos tempos de execução de cada uma das fases de intervenção. Estas informações permitem ao técnico encarregue dos encargos de obra descriminar os custos detalhadamente. ELABORAÇÃO DO RELATÓRIO TÉCNICO DE INTERVENÇÃO 121 O relatório Técnico de Intervenção é o documento que descreve pormenorizadamente todas as fases de intervenção, a que a peça esteve sujeita, desde o levantamento fotográfico no local de exposição até à sua recolocação no devido local. O Relatório Técnico inscreve também os estudos e todo o material descrito no ponto anterior e é entregue com a peça no final da intervenção, devendo acompanhá-la sempre que possível. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 12 Métodos de Conservação e Restauro O porquê do Relatório Técnico é fácil de explicar: com este documento, para além de se terem informações adicionais sobre a peça, fica descriminado o seu historial de intervenção. Imagine-se que por qualquer razão desconhecida, essa mesma peça teria de ser intervencionada dentro de 5 ou 10 anos. Com este Relatório o Conservador Restaurador que a fosse intervencionar podia determinar muito mais facilmente as patologias associadas à degradação, saber que produtos e materiais foram utilizados e assim saber com relativa facilidade como fazer a sua remoção ou adaptação. Devem então constar do relatório técnico de intervenção os seguintes pontos: a. Página de rosto: — Identificação da Empresa — Identificação da Peça — Titulo da Intervenção — Nome do Proprietário — Mês e Ano de execução do Relatório b. Corpo Central do Relatório — Descrição da Peça: identificação pormenorizada da peça — Memória descritiva: descrição do estado de conservação e patologias associadas — Descrição e justificação da metodologia de intervenção — Parte Teórica que sustenta a intervenção — Investigação realizada — Resultados — Parte Prática — Descrição detalhada passo a passo — Metodologias — Materiais — Fundamentação das várias etapas 122 c. Conclusões — Devem ser referidas as opiniões sobre todo o processo e as aquisições mais significativas que o técnico entenda serem registadas. d. Bibliografia e. Anexos — Onde podem ser colocados os elementos de trabalho, tais como: a Ficha Técnica de Conservação e Restauro, tabelas, fotos com legenda, esquemas desenhados, ou outros elementos considerados relevantes para a demonstração de resultados. 123 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 13 Bibliografia Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 13 Bibliografia Albino de Carvalho, "Madeiras Portuguesas - Estrutura Anatómica, Propriedades, Utilizações", Vol. I e Vol. II, 1996, Direcção Geral de Florestas Alves, Natália do Carmo Marques Marinho Ferreira Alves; "A ARTE DA TALHA NO PORTO NA ÉPOCA BARROCA - ARTISTAS E CLIENTELA"; Doutoramento em História da Arte; Volume 1; Porto; 1986 ARP, Associação Profissional de Conservadores Restauradores de Portugal, II Encontro Nacional, a Conservação e Restauro do Património, riscos, prevenção, segurança, ética, lei, Novembro de 2000. 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Symmetria, e Perspectiva, ed. de Leontina Ventura, Porto, Editorial Paisagem, 1982. Planeta Agostini; "HISTÓRIA DA ARTE"; Editores Reunidos, Lda; Fascículo 18; 1996 128 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 13 Bibliografia RIBEIRO, Luís Pereira - Fotografia Cientifica de Análise de Obras de Arte, Centre de Recherche et Restauration dês Musséus de France - Museu do Louvre/ Instituto Politécnico de Tomar, [s.n.], 2001/2002. Relatório de estágio de fim de curso RUBLER, H, Wood as building, and hobby material, john Wiley & Sons, London, 1980. 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Tomlinson, Charles; "ILLUSTRATIONS OF USEFUL ARTS"; 1867 129 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 14 Glossário de Termos de Arte e Restauro Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 14 Glossário de Termos de Arte e Restauro A Acanto padrão de folhas usado na Antiguidade clássica e reutilizado durante o Renascimento como motivo ornamental na talha e na decoração. Acharoado técnica do século XVIII, pela qual os artesãos imitavam a laca oriental com tintas e vernizes. Adam, estilo estilo de mobiliário em Inglaterra no século XVIII. Amorini figuras de meninos esculpidos utilizadas principalmente no século XVIII e posteriores. Ânfora vaso clássico de duas asas para transportar vinho e azeite, utilizado no século XVIII como motivo decorativo no repertório neoclássico. Antema motivo de flor de madressilva estilizada inspirada no motivo clássico grego, utilizada no século XVIII e XIX no mobiliário, prataria e decoração geral. Arca caixa de grandes dimensões para diversos fins. Móvel base na Idade Média, que se transforma em assento, mesa, etc. Arrendado técnica de cortar finas tiras de madeira ou metal em formas geométricas ou padrões. Arquibanco desenvolve-se no gótico a partir da arca, e serve de assento para várias pessoas. Astragalo perfil de meia-cana nas orlas dos armários ou portas, para esconder as juntas, também utilizado como caixilho nas portas envidraçadas. Athénienne peça com três pés para diversas utilidades, por exemplo, lavabo (bacia e jarro em porcelana). 132 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 14 Glossário de Termos de Arte e Restauro B Balaústre coluna torneada em forma arredondada, usada nas pernas de mesas e costas de cadeiras. Baldaquino cobertura de uma cadeira ou trono assente em colunas ou preso à parede. Bandas estreitas tiras decorativas de folheado ou embutido, geralmente formando uma orla. Bargueño versão do cabinet no Renascimento espanhol, em que o corpo inferior pode ser em arcaria (pé-deponte), fechado com portas (taquillon) ou uma mesa. Bergère en confessional: espécie de sofá com apoios laterais para a cabeça. Bisagras Dobradiças de ferro. Bisel orla oblíqua decorativa em vidro ou espelho. Bobina coluna torneada em forma de alinhamento de série de esferas, utilizadas normalmente nas pernas e nos esticadores de mesas e cadeiras. Bossa Projecção ornamental oval ou circular, utilizada para esconder a junção de perfis. Boulle estilo de marchetaria com embutidos de tartaruga e latão, aperfeiçoado pelo marceneiro de Luís XV, André-Charles Boulle, no inicio do século XVIII. Bureau à cilindre secretária com tampo arqueado. Bonheur-du-jour pequena secretária de senhora. Borne sofá circular para várias pessoas e encosto único elevado. Bureau-plat secretária de superfície plana (tampo rectangular). Braganza foot pé terminando em forma de pincel, usado nas cadeiras de sola e usado também em Inglaterra. Bufete mesa rectangular portuguesa do século XVII, com "bolachas" sobrepostas nas pernas (torneados achatados) e gavetas a toda a volta (simuladas num dos lados). 133 C Cabeceira parte da cama para onde fica virada a cabeça. Cabinet móvel com gavetas, que surge no Renascimento, e assenta originalmente numa mesa. Evolui para móvel independente, em que a parte Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 14 Glossário de Termos de Arte e Restauro inferior, anteriormente a mesa, pode ser fechada ou aberta. Cabochon decoração elevada redonda ou oval, sem arestas, utilizada muitas vezes juntamente com folhas de acanto ou conchas, muito popular no século XVIII. Cachaço numa cadeira, a parte superior do espaldar. Cadeira móvel de assento. Cadeira de sola cadeira portuguêsa do século XVII, rígida e revestida a couro no espaldar e assento, preso com pregaria de latão. A testeira é decorada e os pés terminam em pincel (Braganza foot) Cama de bilros cama típica portuguesa do século XVII, em que a cabeceira é decorada com torneados em espiral encimados por pequenas peças chamadas bilros. Canapé móvel longo para estender o corpo, com espaldar e braços. Canelado decoração semelhante às estrias, mas com nervuras convexas paralelas. Capitel parte geralmente entalhada que se eleva acima do fuste de uma coluna ou pilastra. Canterbury estante movível do estilo regency, em Inglaterra, e que apresenta divisões verticais para colocar pautas de música. Caquetoire cadeira de espaldar inclinado que surge em França durante o Renascimento. Cariátide coluna com figura feminina no lugar do fuste. Cartela placa de forma decorativa, muitas vezes rodeada de arabescos, utilizada para inscrever símbolos heráldicos. Cátedra no gótico é o assento para as pessoas mais ilustres, que pode ser coberto por um baldaquino. É a cadeira episcopal no coro de uma catedral, ou a cadeira elevada a partir de onde alguém faz um discurso. Cauda de Andorinha peças de madeira embutidas nas juntas de duas tábuas com o intuito de as unir, e formam dois triângulos com vértice oposto. Cavilha elemento tronco-cónico de madeira dura, utilizado com as mesmas funções do prego. É introduzida num orifício com cola. Chaise-longue cadeira que surge nos finais do século XVII e que permite estender as pernas (podendo-se unir, para isso, 2 ou 3 assentos). 134 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 14 Glossário de Termos de Arte e Restauro 135 Chancis véu esbranquiçado que pode cobrir na totalidade ou parte da superfície da obra, consequência dos efeitos da humidade e escorrências que se produzem. É uma alteração que muitas vezes só atinge a camada superficial do verniz ou uma mais profunda, alterando também estruturalmente a pintura. Chauffeuse assento para colocar frente à lareira. Chest of drawers: equivalente a cómoda, o termo surge em Inglaterra durante o estilo Queen Anne. Chinoiserie decoração imitando a estética chinesa. Chippendale: estilo de mobiliário em Inglaterra no século XVIII criado por Thomas Chippendale. Cintura: numa cadeira é a moldura que liga as pernas ao assento. Coiffeuse mesa com espelho que se pode baixar para servir de apoio à escrita. Cómoda Armário baixo com gavetas, que se tornou numa importante peça a partir do século XVIII. Concheado decoração com motivos de conchas, muito utilizado no rococó. Confident dois sofás unidos lateralmente, mas em direcções opostas, onde os ocupantes podem falar de frente. Consola espécie de mesa cortada a meio para encostar à parede. Contador versão do cabinet em Portugal no século XVII, em que as gavetas estão à vista. Exemplares de grande qualidade no estilo indo-português. Copeiro armário para guardar louça, onde o corpo superior apresenta prateleiras com balautrada para amparar as peças. Corte estratigráfico corte vertical feito numa pintura, que permite estudar a estrutura pictórica da obra, isto é, numero de camadas espessura, repintes, vernizes, colas velaturas, bem como fazer a analise química dos componentes de cada camada. Craquelés ou craquelures pequenas fissuras que atravessam a pintura e preparação apanhando ou não todas as camadas até ao suporte. Podem acontecer devido a várias causas: moviementos do suporte, tensões locais, natureza do ligante, perda de coesão das massas com o tempo ou má execução técnica. Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 14 Glossário de Termos de Arte e Restauro Credência armário baixo com portas, que surge no Renascimento, e sobre o qual assenta um tampo mais largo. Crista decoração entalhada ao longo da trave superior de uma cadeira, moldura de espelho ou armário. Curule banco da Roma Antiga com as pernas cruzadas em X. D Denticulado ou Dentado série de blocos simétricos supostamente semelhantes a dentes. Directório, estilo estilo de mobiliário França do século XVIII que antecede o estilo império. Drum-topped table mesa do estilo regency, em Inglaterra, que pode ser circular ou com 8 lados, com gavetas a toda a volta e, por vezes, giratória. E Ebanisteria originalmente refere-se ao acto de trabalhar o ébano, mas passou-se a aplicar a todo o tipo de marcenaria de alta qualidade, especialmente com folheados e marqueteria. Ebanista ou ébeniste, é o profissional da ebanisteria. Ver menuisier. Embutido técnica onde são utilizadas madeiras contrastantes, metais como é o caso do latão, marfim, madrepérola, e outros materiais que são colocados em reentrâncias cortadas nas superfícies. Podem ser queimados para maiores contrastes. Podem ter incisões para demarcar pormenores. Entablamento termo arquitectónico para designar os elementos acima da coluna: arquitrave, friso e cornija. Foi adoptado pelos marceneiros. Espaldar: parte de uma cadeira, mais ou menos perpendicular ao chão, que serve de apoio às costas de quem se senta. Espinhado padrões de decoração em V, muito popular em peças góticas e art-déco. Estria cortes ou nervuras verticais num objecto cilíndrico ou numa coluna. F Faldistório: cadeira episcopal sem esplandar e pernas cruzadas, colocada ao lado do altar-mor numa igreja. 136 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 14 Glossário de Termos de Arte e Restauro Fauteuil com origem no faldistório, é um assento com espaldar e barços, muito desenvolvido no século XVIII. Fauteuil à coiffer: assento com espaldar recortado em curva no topo para permitir apoiar o pescoço e facilitar o acto de pentear. Fauteuil à la reine assento de espaldar direito. Fauteuil à médaillon assento com espaldar oval (na vertical). Fauteuil en cabriolet assento de espladar côncavo. Fauteuil cabinet assento curvo para secretária masculina. Fauteuil voltaire apresenta nas costas uma curva anatómica. Festão motivo em forma de grinalda de flores, de frutos ou de drapeado, popular no mobiliário barroco e neoclássico. Fiadores ferros longos e finos que unem as pernas ao tampo, em mesas do Renascimento espanhol. Fio embutido em finas linhas, em metal ou madeiras contrastantes. Fixação consiste na aplicação de um adesivo apropriado capaz de restabelecer a aderência da camada cromática à camada de preparação e desta ao suporte, bem como a coesão de cada um ou de todos estes elementos. Folheado fina folha de madeira de grão atraente, aplicada sobre uma superfície para efeitos decorativos. Frailero cadeira de braços que se desenvolve no Renascimento espanhol, de estrutura rígida e com espaldar e assento cobertos por couro ou tecido preso com cravos metálicos. As travessas das pernas são baixas, junto ao chão, e a testeira é mais larga e decorada. G Georgeano, estilo: estilo de mobiliário em Inglaterra no século XVIII. H Hepplewhite, estilo: estilo de mobiliário em Inglaterra no século XVIII. H.R.: humidade relativa do ar. É dada em percentagem e é a relação proporcional entre a humidade absoluta e a temperatura. 137 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 14 Glossário de Termos de Arte e Restauro I Ilhargas faces laterais de um móvel. Imprimitura tom neutro geral dado por toda a superfície, logo a seguir ao preparo Indiscret sofá de 3 lugares divididos entre si por encostos ondulados, que formam uma hélice quando vistos de cima. Intarsia embutido de natureza morta ou motivo arquitectónico, com madeiras de diversas cores, utilizado no século XVI e XVII Império, estilo estilo de mobiliário França do século XIX que antecede o estilo restauração. J Janelas de limpeza pequenos testes efectuados em diferentes zonas, elementos e cores com diferentes tipos de solventes e a diferentes profundidades. O objectivo é determinar em cada ponto o grau de limpeza desejado ou possível e o solvente mais adequado (pouca penetração, fraca retenção, volatilidade, etc); D. João V, estilo estilo de mobiliário em Portugal no século XVIII. D. José, estilo estilo de mobiliário em Portugal no século XVIII. K Klismos cadeira da Grécia Antiga com espaldar em forma de banda horizontal larga e côncava. As pernas são curvas em forma de sabre, estreitando em direcção ao chão. Foi reutilizada a partir do estilo directório do século XVIII. L Laca várias camadas de resina dura e brilhante, da árvore Rhus Vernicifera. A verdadeira laca (charão) é originária do Oriente e os artesãos europeus tentam im itá-la de varias maneiras. Lambrequim peça de madeira, trabalhada imitando drapeados com elaboradas borlas, muitas vezes douradas. Levantamentos falta de aderência da camada cromática à preparação ou ao suporte ou de ambas ao suporte. 138 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 14 Glossário de Termos de Arte e Restauro Luís XIII, estilo estilo de mobiliário francês do século XVII que antecede o estilo Luís XIV. Luís XIV, estilo estilo de mobiliário francês do século XVII que surge após o estilo Luís XIII e antecede o estilo regência. Luís XV, estilo estilo de mobiliário francês do século XVIII que surge após o estilo regência e antecede o estilo Luís XVI. Luís XVI, estilo estilo de mobiliário francês do século XVIII que surge após o estilo Luís XV e antecede o estilo directório. Lunetas decoração de repetidas meias luas entalhadas ou arrendadas. Lusíada, Estilo Nacional estilo de mobiliário desenvolvido em Portugal no século XVII com características próprias. 139 M Malhetes designa-se por emalhetar a união obtida por meio de encaixes do elemento positivo-negativo / macho-femea e que pode se reforçada por colagem, cavilhas ou pregaria. Manchette estofo nos braços de uma cadeira. D. Maria, estilo estilo de mobiliário em Portugal no século XVIII. Marqueteria ou Marchetaria composição ornamental em folheado, feita através de diferentes materiais unidos como num puzzle ou mosaico. Atinge níveis de grande qualidade com Boulle, nome relevante em França no século XVIII. Medalhão medalha ornamental, por vezes com perfil humano em baixo relevo. Menuisier: o que trabalha com a madeira maciça. Ver ebanisteria. Méridienne lit de repôs com cabeceiras a alturas diferentes e que resultam num espaldar em diagonal. Mesa de cavalete mesa em uso na Idade Média que consiste numa longa tábua de madeira assente em cavaletes, e que pode ser coberta por toalhas. Micro-análise exame feito a partir de um micro levantamento da camada cromática e preparação e que permite, por diferentes métodos, identificar o tipo Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 14 Glossário de Termos de Arte e Restauro de pigmento, vernizes, ligante, colas e cargas utilizados. Misericórdia: num cadeiral no coro de uma igreja, é a extremidade esculpida do assento, que quando recolhido verticalmente, oferece ao clérigo a possibilidade de repouso em caso de longas permanências de pé. Mordente: produto aplicado para adesão da folha de ouro à preparação. O Ottomane ou Otomana Canapé baixo, estofado e de espaldar curvo.. Óvalo perfil decorativo de secção em forma de quarto de circulo convexo P Palma motivo neoclássico em forma de folha de palmeira. Palmeta ornamento em forma de folha estilizada, geralmente utilizada em bandas ou frisos. Papier Maché mistura de pasta de papel, água, areia e giz, que pode ser moldada e endurece quando seca. Utilizada no mobiliário do século XIX. Parquetaria forma de marchetaria com base num padrão geométrico e repetitivo, executado em madeiras contrastantes. Pátera motivo circular ou oval em baixo relevo, normalmente utilizado como ornamento no mobiliário do neoclássico. Pé em bolacha perna terminando em bola achatada. Pé em garra e bola: perna que termina em garra de animal a agarrar uma bola. Pembroke table mesa do estilo regency, que deixa cair duas abas laterais para reduzir a sua dimensão quando necessário. Poudreuse mesa com espelho. Preguiceiro leito de repouso com 6 a 8 pernas e espaldar inclinado para trás. Psyché espelho rectangular que pode ser inclinado como se deseje, inserido em moldura movível. Putti: figuras representando meninos, cúpidos ou querubins decorativos. 140 Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 14 Glossário de Termos de Arte e Restauro Q Queen Anne, estilo estilo de mobiliário em Inglaterra no século XVIII. R Rebarba acumulação de preparação e camada pictórica no limite da superfície pictórica provocada pela moldura. Regência, estilo estilo de mobiliário francês do século XVII que antecede o estilo Luís XV. Regency, estilo estilo de mobiliário em Inglaterra no século XIX. Repinte capas de pintura sobrepostas à pintura original numa ou em diversas épocas. Rocaille sinónimo de Rococó, e que designa um tipo de decoração irregular com rochas e conchas. S Saial (ou aventa) prolongamento central e inferior da frente e ilhargas de um móvel, onde geralmente se adensa o trabalho decorativo. Sheraton, estilo estilo de mobiliário em Inglaterra no século XVIII. 141 T Tabela travessa vertical e central das costas de um móvel, geralmente mais decorada e que pode ser cheia ou vazada. Tallboy peça que nasce da sobreposição de duas Chest of Drawers, que é composta por gavetas e tem tendência a estreitar de baixo para cima. Testeira numa cadeira é a travessa que une as pernas dianteiras, e que pode ser decorada. Tímpano espaço circunscrito por arcos ou linhas rectas; espaço entre a curva interior o e os lados exteriores de um esquadro. Torcidos torneado de colunas em forma de espiral, utilizado na pernas e decoração de móveis. Tornear utilização de um torno para modelar madeira, metal ou outro material me secção circular. Tratteggio tipo de reintegração cromática, visível de perto, mas que integra a pintura ao longe. Consiste em aplicar traços paralelos e verticais de diferentes cores Conservação e Restauro de Arte Sacra, Escultura e Talha em suporte de madeira Manual Técnico 14 Glossário de Termos de Arte e Restauro justapostas, refazendo os tons aproximados ao original e permite recompor volumes de desenhos. Esta técnica pode ser feita com diferentes materiais: aguarelas, pigmentos + aglutinante, etc. Trempe base ou mesa que apoia um móvel. Também se pode utilizar para denominar o conjunto do travejamento de uma mesa. Tremó peça de aparato que consiste na união entre uma consola e um espelho. Trevo ornamento gótico de três folhas simétricas, muito popular durante o revivalismo do estilo no século XIX. Tudor, estilo estilo de mobiliário em Inglaterra entre finais do século XV e inícios do século XVII. V Velatura camada de pintura mais rica em aglutinante do que em pigmento que se sobrepõe a outras camadas para conseguir o tom desejado com transparência. Vitoriano, estilo estilo de mobiliário em Inglaterra no século XIX. Voyelle ou voyeuse cadeira sem braços onde se pode sentar "ao contrário" apoiando os braços no cachaço da cadeira, enquanto se vê jogar. W What-not móvel do estilo regency, composto por prateleiras unidas através de finos perfis, e que é colocado entre duas janelas. William & Mary, estilo estilo de mobiliário em Inglaterra no século XVII. 142