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ANAIS DO 1O. CONGRESSO INTERNACIONAL DE CONHECIMENTO E INVOAÇÃO (ciKi)
(16 e 18 de Novembro de 2011, Florianópolis, Brasil)
PROCEEDING OF THE 1st INTERNATIONAL CONGRESS OF KOWLEDGE AND INOVATION (ciKi)
(16 and 18 of November of 2011, Florianópolis, Brasil)
ACTAS DO 2 CONGRESO INTERNACIONAL DE CONOCIMIENTO E INNOVACIÓN (ciKi)
(16 y 18 de Novembro de 2011, Florianópolis, Brasil)
www.egc.ufsc.br/ciki/
CIKI 2011: I Congresso Internacional de Conhecimento e Inovação
“GESTÃO DO CONHECIMENTO E INOVAÇÃO”
Objetivo do Congresso:
O evento, que tem como objetivo promover novas teorias, métodos e técnicas de Gestão do
Conhecimento (GC) e Gestão da Inovação (GI), é gratuito e será realizado no bairro
Canasvieiras, em Florianópolis.
Em paralelo ao CIKI 2011 será realizado o VIII Workshop EGC 2011 do Programa. Esse
evento agregará valor ao Congresso, pois é anualmente organizado para ser um Fórum de
Debates de alto nível intelectual reunindo profissionais, estudantes e pesquisadores da área.
Datas:
16, 17 e 18 de novembro de 2011.
CONTEÚDO TEMMÁTICO:
O tema do evento se realizará em consonância com o diagnóstico
apontado pelo
CONHECIMENTO E INOVAÇÃO PARA A COMPETITIVIDADE, produzido pelo
BANCO MUNDIAL – Departamento do Brasil Unidade de Desenvolvimento Humano
Região da América Latina e do Caribe, e editado pela CNI em 2008, onde se destacam os
problemas do Brasil ao enfrentar os desafios da economia globalizada. As deficiências
analisadas pelo estudo repercutem no processo de inovação nas empresas brasileiras, afetando
negativamente a competitividade do País. Para inovar se faz necessário a quebra de
paradigmas disciplinares, para se desenhar um caminho próprio a tensão criativa de um
diálogo construtivo, permitindo inclusive a aproximação dos conhecimentos científicos,
tecnológicos e teóricos empíricos.
O CIKI 2011 contará com palestrantes internacionais e pesquisadores nacionais de referência.
É uma iniciativa conjunta entre o Programa de Pós Graduação Engenharia e Gestão do
Conhecimento da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGEGC da UFSC) e
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).
Para este ano, destacam-se a apresentação do plano estratégico do Programa, as suas parcerias
inovadoras com empresas e instituições como o Sapiens Parque e o Encontro Doutoral sobre
Conhecimento e Inovação em Pequenas e Médias Empresas.
Justificativas:
A realização do evento é relevante para o desenvolvimento da competitividade das
organizações brasileiras, que necessitam de investimentos em pesquisa e desenvolvimento de
tecnologias aptas a competirem no mercado globalizado. O Programa de Pós-Graduação em
Engenharia e Gestão do Conhecimento – PPGEGC busca por meio da realização deste evento
promover, a disseminação de tecnologias internacionais e nacionais para auxiliar no
desenvolvimento sustentável no Brasil.
COMITÉ ORGANIZADOR:

Paulo Mauricio Selig (PPGEGC-UFSC)

Gregorio Varvakis (PPGEGC-UFSC)

Helio Aisenberg Ferenhof (PPGEP-UFSC)
COMITÊ CIENTÍFICO:

Klaus North (Presidente)
Wiesbaden Business School (Alemania)

Paulo Selig
Universidade Federal de Santa Catarina (Brasil)

Gregorio Varvakis
Universidade Federal de Santa Catarina (Brasil)
COMITÊ EDITOR:

Paulo Mauricio Selig (PPGEGC-UFSC)

Gregorio Varvakis (PPGEGC-UFSC)

Helio Aisenberg Ferenhof (PPGEGC -UFSC)
contato.ciki@egc.ufsc.br
Telefone: +55-48-37212463
Departamento de Engenharia do Conhecimento
Universidade Federal de Santa Catarina
Centro Tecnológico – Campus Universitário – Trindade
CEP: 88040-900 Florianópolis – SC
Prédio SeTIC – Sala 56
Organizadores e Patrocinadores:
Programa de Pós-Graduação Engenharia e Gestão do Conhecimento (PPGEGC) Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC)
Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC)
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
Local:
Hotel Canto da Ilha
Av. Luiz Boiteux Piazza, 4810, Ponta das Canas - Cep 88056-680 - Florianópolis, SC - Brasil
- Fone: 48 3261-4000
Descrição:
I Congresso Internacional de Conhecimento e Inovação CIKI 2011
“Gestão do Conhecimento e Inovação”
ORGANIZAÇÃO:
Apoio:
SUMÁRIO
ID.
C-3
C-6
C-11
C-13
C-14
C-17
C-19
C-21
C-22
C-24
C-25
TÍTULO
AUTORIA
Gestão de processos gastronômicos em restaurantes de
Silvana Graudenz Muller
Comidas típicas: um estudo de caso.
Fabiana Mortimer Amaral
Palavras Chave: Não-conformidades. Gerenciamento de Francisco A. Pereira
Processos. Gastronomia regional.
Fialho
Epistemologia da complexidade e administração pública: Ana Claudia D. Abreu
perspectivas emergentes.
Angela R. H. Amin Helou
Palavras chave: Administração Pública. Planejamento
Gerson Carlos Saiss
Estratégico Situacional. Epistemologia da Complexidade. Francisco A. P. Fialho
Cultura, linguagem gráfica e alfabetismo visual.
Alvaro Roberto Dias
Palavras-chave: Percepção Visual. Sintaxe Visual. Leitura Amanda Queiroz Campos
da Imagem.
Richard P. Luiz De Sousa
Criação de ambientes colaborativos para tutores: uma
Marilda Todescat
proposta para o Curso de Administração da UFSC
Bruno C. de M. Moreira
Palavra-chave: Gestão do conhecimento. Educação a
Patrícia Battisti
Distância. Tutoria.
Stephanie B. Zanichelli
A informação gráfica como construtora de identidade visual
Amanda Pires Machado
de marca e sua comunicação nos meios impressos e digitais
Alvaro Roberto Dias
Palavras-chave: Comunicação de Marca. Informação
Richard P. L. de Sousa
Gráfica. Mídia. Identidade Visual.
Ampliação interorganizacional do conhecimento: desafios Ana Paula Lisboa Sohn
da gestão do conhecimento em redes de empresas
Nelson Casarotto Filho
Palavras-Chaves: Gestão do conhecimento. Redes
Idaulo José Cunha
interorganizacionais. Aprendizagem colaborativa.
Neri dos Santos
Redes sociais, educação digital e inovação no contexto
tecnológico da educação a distância
Vilson Martins Filho
Palavras-Chaves:Redes sociais. Inovação. Educação a
Francisco A. P.Fialho
distância.
Márcio B. Miranda
A produção e comunicação de e-books acadêmicos na
Richard Perassi
internet: o design dos modelos acadêmicos
Fabiana E. Boff Silveira
Palavras-Chave: E-book Acadêmico. Design.
Conhecimento. Utilidade. Desenvolvimento
Rafael Bianchini Glavam
Márcio B. Miranda
O e-book como mídia do conhecimento
Richard Perassi
Palavras-chave: E-book. Mídia do Conhecimento.
Fabiana E. Boff Silveira
Sociedade do Conhecimento. Comunicação.
Rafael Bianchini Glavam
Emoção e criatividade aplicadas à linguagem
Kíria Meurer Matos
telejornalística
Telmo José Souto Maior
Palavras-Chave: Telejornalismo. Emoção. Criatividade.
Francisco A.P.Fialho
Pensamento Divergente. Phineas Gage.
Ana Luisa Boavista
A Inclusão Produtiva e as Potencialidades Artesanais
Lustosa Cavalcanti
Regionais.
Seila Cibele Sitta Preto
Palavras-chaves: Artesanato. Inclusão Produtiva. Design. Marina Keiko Nakayama
Economia Solidária.
Francisco A. P. Fialho
Luiz Fernando Figueiredo
A compreensão de uma comunidade de prática por meio do Ana Luisa Boavista
pensamento sistêmico
Lustosa Cavalcanti
C-26 Palavras-chave: Comunidades de Prática. Pertencimento. Seila Cibele Sitta Preto
Pensamento Sistêmico.
Neri dos Santos
Gregório Varvakis Rados
Francisco A. P. Fialho
Luiz Fernando Figueiredo
Visualização do conhecimento por meio de imagens
André s Melgar
C-27 Palavras-chave: Visualização do conhecimento.
Fabiano D. Beppler
Recuperação do conhecimento. Anotação semântica.
Roberto Pacheco
Ontologia
GESTÃO DE PROCESSOS GASTRONÔMICOS EM RESTAURANTES DE
COMIDAS TÍPICAS: UM ESTUDO DE CASO
Silvana Graudenz Muller
Fabiana Mortimer Amaral
Francisco Antonio Pereira Fialho
GESTÃO DE PROCESSOS GASTRONÔMICOS EM RESTAURANTES DE
COMIDAS TÍPICAS: UM ESTUDO DE CASO
RESUMO
O presente artigo trata do tema mais genérico de “preservação do conhecimento” entendido,
aqui, como aquele reconhecido como patrimônio cultural a ser protegido. O tema
“disseminação do conhecimento” também está presente na medida em que o estudo está
associado a prática pedagógica na Escola de Gastronomia do Instituto Federal de Santa
Catarina. A “engenharia do conhecimento” é necessária, posto que o conhecimento citado é,
sobretudo, tácito, sendo de difícil explicitação ou expressão. Trata-se de “conhecimento
cultural”, transmitido de pais para filhos e em via de desaparecimento. Em particular,
discutem-se os saberes e fazeres associados à gastronomia da ilha de Florianópolis, Brasil.
Para tanto foi realizado um estudo de caso em um restaurante típico local, situado no Pântano
do Sul, local característico da ilha por ser de colonização Açoriana. O artigo discute ainda a
adequação da utilização da metodologia de “Gerenciamento de Processos”, a qual foi
adaptada para permitir a avaliação de “não-conformidades” nas produções gastronômicos de
restaurantes de comidas típicas. Entende-se “não-conformidades” como adulterações nas
formas de se preparar e apresentar as receitas. Os resultados obtidos apontam para o sucesso
na aplicação da metodologia citada.
Palavras Chave: Não-conformidades; Gerenciamento de Processos; Gastronomia regional.
ABSTRACT
This article deals with the more general theme of "knowledge preservation" understood here
as the one recognized as a cultural heritage that must be protected. The topic “knowledge
dissemination" is also present as at study about pedagogical practices in Santa Catarina
Federal Institute School of Gastronomy. The "knowledge engineering" theme is also required.
The knowledge we are dealing with is mostly tacit and must be converted to explicit, or
expressed in order to be disseminated. We are discussing here the "cultural knowledge",
which are transmitted from parents to children. This knowledge is vanishing. In particular, we
discuss knowledge and practices associated with the traditional cuisine of Florianopolis
Island, Brazil. In order to reach this goal, we conducted a case study in a typical local
restaurant, located on “Pântano do Sul”, a typical local of the island, recognized as an
Azorean colonization. The article also discusses the use of "Process Management"
methodology which was adapted to allow the assessment of gastronomic restaurants "nonconformities" in the production of typical foods. “Non-conformities" is understood here as
adulterations in the ways to prepare and submit traditional recipes. The results points toward
the possibility of using the mentioned methodology cited.
Keywords: Non-compliance; Process Management; Regional gastronomy.
1
1.
INTRODUÇÃO
A gastronomia ocupa lugar de destaque dentro do setor turístico e também passou a ser
tratada como patrimônio cultural sendo, portanto, capaz de vincular-se a imagens de um país,
região ou grupo.
Os restaurantes típicos são locais de propagação da identidade cultural gastronômica e
para isso precisam estar em conformidade com os modos alimentares locais, com a matéria
prima, técnicas e tecnologias utilizadas na produção de alimentos.
Cabe aos restaurantes e as escolas de gastronomia explicitarem, sistematizarem e
disseminarem o conhecimento existente nos processos gastronômicos para preservarem e
valorizarem a identidade cultural.
Pesquisas na área de Turismo e Alimentação e Alimentação e Cultura (Fagliari, 2005;
Proença, 2010; Hernadez, 2005; Garcia, 2003; Poulain, 2006; Menashe, 2008; Maciel, 2001;
Gimenes, 2006; Canesqui, 2005), observaram que a procura pela diversidade gastronômica
vem ao encontro de tendências mundiais, em contraponto aos movimentos de globalização
com a propensão para a homogeneização dos saberes e sabores.
Questões como a descaracterização de produtos e processos nas receitas construídas ao
longo da construção histórico-cultural de Florianópolis, como o peixe cozido no feijão, o
camarão ensopado com chuchu, marisco lambe-lambe, caldo de camarão, tainha escalada,
pirão d’água, entre outros, face à modernização das cozinhas, estão alterando de forma
significativa a identidade gastronômica local, tradicionalmente desenvolvida dentro de um
espectro de permanência dos valores culturais.
Com o passar do tempo, se essas receitas históricas não forem mapeadas e
devidamente resguardadas, pode haver a perda da identidade gastronômica local.
Conforme Flandrin e Montanari (1998) a Gastronomia Típica é um elemento de
valorização da cultura local, de perpetuação da memória culinária e oferece ganhos de
recursos econômicos para a indústria e o comércio regional.
Esta pesquisa tem como objetivo avaliar e propor melhorias para as “nãoconformidades” nas produções gastronômicas de pratos típicos regionais de Florianópolis e
tem com estudo de caso um restaurante tradicional, localizado ao sul da Ilha de Santa
Catarina.
2.
GESTÃO DE PROCESSOS GASTRONÔMICOS
O procedimento empregado na pesquisa foi baseado na metodologia de
Gerenciamento de Processos, segundo o modelo do Grupo de Análise de Valor da UFSC que,
de acordo com Varvakis, (et al., 2001), consiste em uma metodologia para definir, analisar e
melhorar continuamente os processos, com a finalidade de atingir as condições ótimas para o
cliente.
2
Trata-se de uma metodologia abrangente, que pode ser adaptada e utilizada na
avaliação de processos de produção dentro de cozinhas de restaurantes e que visa facilitar e
melhorar o desempenho na produção de alimentos, trazendo condições melhores para os
clientes e os donos dos restaurantes.
Parte de um programa que tem como objetivo fortalecer a competitividade da empresa,
considerando os erros como oportunidade de melhoria, sem buscar culpados ou punições.
Conforme Varvakis (et al 1998), processo produtivo é qualquer processo que entra em
contato físico com o produto ou serviço oferecido a um cliente.
Isto exige mudanças profundas nas pessoas que são responsáveis pelo preparo dessas
comidas e que passam a ser vistas como o maior patrimônio existente em um restaurante.
A busca pela melhoria contínua dos processos é fundamental para a sobrevivência de
instituições como “restaurantes” e o Gerenciamento de Processos (GP) promete ser uma
metodologia capaz de orientar a empresa nesta direção.
Figura 01: Etapas da metodologia de G.P.
Fonte: Varvakis et al, 2001
Etapa I: A etapa Base para o G.P. busca uniformizar conceitos, formar equipes de
trabalho e todas as demais ações de preparação para a implementação da metodologia em uma
empresa.
Sua duração será maior ou menor, de acordo com o nível de organização da empresa.
Aquelas onde já existem a cultura de formação de grupos de trabalhos ou que já
adotem programas de qualidade ou melhoria empresarial terão o tempo necessário reduzido
para esta fase inicial.
Etapa II: A etapa Descrição do Processo tem como objetivo o estabelecimento das
fronteiras e a descrição de todos os processos da empresa.
Etapa III: A Análise do Processo, com base nos dados da segunda etapa, possibilitará o
reconhecimento de oportunidades de melhoria, ou seja, atividades ou sub-processos que
podem ser modificados ou até mesmo excluídos, a fim de otimizar o processo.
Etapa IV: Uma vez identificados os pontos onde o processo pode ter sua eficiência
aumentada, a Melhoria do Processo, quarta e última etapa, irá planejar ações para transformar
estas oportunidades de melhoria em ações concretas.
3
A última etapa não significa o fim do GP, pois sendo uma ferramenta de melhoria
contínua dos processos, é essencial que o processo seja analisado continuamente, através de
um conjunto de indicadores, que sejam auto-adaptáveis à mudança constante das necessidades
dos clientes (VARVAKIS, 1998).
3
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Passaremos aos resultados e discussão com a descrição de cada uma das etapas com as
respectivas fases do Gerenciamento de Processos proposto nessa pesquisa, que é um modelo
para ser utilizada na avaliação de não-conformidades nas produções gastronômica de
restaurantes de comidas típicas.
Tabela 01: Etapas da metodologia de Gerenciamento de Processos com o detalhamento das fases modificado
para a produção de comidas típicas
Base para a
Metodologia
G.P.
Etapa A
Fase 1-Caracterização
do que é a gastronomia
típica.
Definição do
Processo.
Análise do
Processo.
Melhoria do
Processo.
Etapa B
Fase 5-Definição das
entradas.
Etapa D
Fase 10Elaboração de
tabelas (IPA.)
contendo as
indicações das
melhorias.
Fase 2-Descrição do
macroprocesso.
Fase 6-Definir o
pessoal envolvido no
processo.
Etapa C
Fase 8- Identificar os
parâmetros que
influenciam nas não
conformidades e no
resultado final do
produto comida típica.
Fase 3-Descrição dos
sub-processos.
Fase 7-Detalhamento
dos fluxogramas
Fase 9-Analise destes
parâmetros.
Fase 4-Estabelecer os
objetivos e produtos
finais do processo.
Fonte: Autores, 2011, adaptado de Varvakis, et al., 2001.
3.1
ETAPA A: BASE PARA A METODOLOGIA GERENCIAMENTO
PROCESSOS EM RESTAURANTES DE COMIDAS TÍPICAS
DE
A etapa 1 que é a base para a metodologia GP, é composta de quatro (4) fases, sendo:
FASE 1. Caracterização do que é a Gastronomia Típica
4
Nesta etapa da avaliação, com a aplicação desta metodologia, é fundamental que se
faça um estudo aprofundado das diferentes propostas das manifestações gastronômicas e
posteriormente um levantamento dos costumes gastronômicos da cultura em questão do
restaurante pretendido.
O estudo de caso ocorreu em um restaurante tradicional do Pântano do Sul, um bairro
de Florianópolis, assim a gastronomia típica pesquisada foi açoriana e ameríndia, que
compõem a base cultural gastronômica da localidade.
FASE 2. Descrição do macroprocesso de produção de Comidas Típicas
Macroprocesso é um processo que geralmente envolve mais de uma função na
organização (VARVAKIS et al., 2001).
Nesta metodologia da avaliação das não-conformidades no preparo e nas receitas de
Comidas Típicas dentro de restaurantes, temos o seguinte macroprocesso que será
considerado e definido passo a passo a seguir na fase 3:
Figura 02: Macroprocesso e sub-processos de produção de comida típica
Fonte Autores 2011
FASE 3. Descrição dos sub-processos de produção na área da gastronomia.
Dependendo da complexidade, o macroprocesso é dividido em sub-processos, que
podem ser divididos pelas atividades que os compõem (VARVAKIS et al., 1998).
Nessa pesquisa consideraremos os seguintes sub-processos, conforme a figura 02.
Sub-Processo 1 - Entendimento do conceito fornecedor
Os fornecedores são os responsáveis pelas entradas, que devem atender as
especificações do processo.
Estas especificações são padrões ou características de qualidade exigidas pelo
processo gastronômico a ser realizado, como por exemplo, que os peixes devem estar com as
guelras cor vermelho vivo e os olhos brilhantes, as ostras com as cascas lavadas, os berbigões
sem cascas, os mexilhões com algas e os camarões com as cabeças.
O reconhecimento dos fornecedores e suas relações são importantes e justifica-se pelo
fato de que na fronteira dos processos (no contato entre um sub-processo e seu cliente
5
interno), normalmente, são encontradas oportunidades de melhorias significativas
(VARVAKIS et al., 1998).
Se os alimentos não forem de boa qualidade, advindo de fornecedores idôneos, podese dar entrada na cozinha, alimentos em estado duvidoso de conservação, o que poderá
invalidar todo o processo de produção.
Na aquisição de alimentos deve-se observar:
a) Higiene do estabelecimento abastecedor;
b) Métodos de condições de armazenagem;
c) Condições sanitárias dos transportes;
d) Hábitos e aspectos do pessoal encarregado.
Um aspecto importante é relativo à capacidade de estocagem do local.
De nada adiantará a compra de uma grande quantidade de camarões, quando a câmara
fria já está com sua capacidade útil comprometida.
Sub-Processo 2 - Desenvolvimento do produto (comida típica)
Esta fase da metodologia refere-se às informações necessárias a respeito da cultura
gastronômica local que o restaurante está se propondo a atuar.
Para avaliar se uma comida está sendo preparada dentro dos processos culturais, é
necessário fazer uma pesquisa documental, bibliográfica e de campo que abranja itens como:
Conhecer profundamente o processo histórico-cultural que deu origem a gastronomia
construída na localidade;
• Os aspectos geoclimáticas que influenciaram na formação dos novos hábitos;
• A matéria-prima utilizada na época em que nasceram os hábitos;
• Processos de cocção e formas de armazenamento tradicionalmente utilizados;
• Maneiras de servir e apresentar a comida;
• Formas de decorações dos pratos e utensílios utilizados para apresentá-lo.
Sub-Processo 3 - Processamento do produto (comida típica)
Essa atividade considera:
• Montagem do cardápio.
•
Montagem das fichas técnicas.
• Preparo dos pratos.
• Decoração final.
Descreveremos as atividades:
a) Montagem do cardápio.
6
Neste item podemos ter a seguinte divisão:
1) Comidas Típicas = para os pratos que representam o processo histórico cultural
dos hábitos alimentares da região
2) Outras Especialidades = para pratos que os seus clientes apreciam, mas que não
faz parte do rol de pratos típicos.
É recomendável que o restaurante diferencie os tipos de comidas já na apresentação do
cardápio, para não haver confusão a respeito de quais são os pratos típicos e quais não são.
b) Montagem das fichas técnicas para a padronização das receitas.
Todo restaurante que deseja manter a qualidade precisa manter um padrão de preparo
de sues pratos, que através do tempo se mantenha inalterado.
Para isso, é imprescindível que haja no estabelecimento um prontuário de fichas
técnicas com fotos, onde são estabelecidas as quantidades e os modos de preparo para a
elaboração dos pratos servidos.
Este prontuário tem como objetivo:
•
•
•
•
•
•
Permitir que o preparo seja sempre o mesmo, independente do funcionário;
Facilitar o procedimento de gerenciamentos dos processos produtivos;
Calcular a quantidade de ingredientes, proporcionando possibilidades de maior
exatidão nos pedidos feitos ao almoxarifado;
Otimização do espaço para armazenagem;
Menor capital empatado em estoque;
Rendimento da produção já calculado, com porções pré-estabelecidas, evitando
sobras e permitindo um real levantamento do custo do alimento, inclusive com
dados sobre o tempo de preparo, temperaturas adequadas, equipamentos e
utensílios necessários.
c) Preparo do alimento.
A disponibilidade de equipamentos, utensílios e mão-de-obra têm atuação fundamental
na seleção dos pratos a serem escolhidos para serem preparados no restaurante.
De nada adiantará planejar um cardápio típico muito atraente e saboroso no papel se
não houver uma infra-estrutura que permita uma execução perfeita e um serviço a contento,
como por exemplo, no preparo de uma Tainha Assada na Folha da Bananeira.
Para o preparo desse prato se requer uma churrasqueira dentro ou perto da cozinha e
uma pronta entrega de folhas frescas de bananeiras.
Esta etapa do processo é uma das mais importantes dentro de todo o contexto
gastronômico, pois é justamente aí que resultará num produto final satisfatório.
d) Decoração final.
A decoração final inclui a forma de apresentação dos pratos, seguindo fielmente o
estilo típico do restaurante em questão.
7
Cada tipo de Gastronomia Típica possui uma decoração específica, variando de uma
para outra.
Os utensílios utilizados para servir o prato também fazem parte do item decoração.
FASE 4. Estabelecer os objetivos e produtos finais do processo
Em uma organização, os participantes devem ter a possibilidade de identificar
claramente o objetivo geral da empresa para qual eles trabalham, de modo a compreender qual
é o foco de ação.
A identificação é facilitada quando a organização define o seu objetivo.
O mesmo ocorre com os processos, todos os participantes devem ter uma clara
identificação de para que e por que estão executando suas atividades (VARVAKIS et al.,
1998).
O procedimento de misturar ingredientes inadequados nas receitas muitas vezes é uma
tentativa errada de melhorar o paladar, com o aspecto inconveniente de descaracterizar o
prato.
Quando ocorre de um cozinheiro alterar a composição de um prato típico de alguma
região, se sugere criar um novo nome para o prato, pois o que é típico já foi criado.
Este é um dos principais motivos pelo qual o cozinheiro deve estudar e se familiarizar
com a cultura gastronômica em questão, para saber para que e por que esta preparando o prato
típico dentro de determinados padrões, evitando assim misturar os ingredientes e os métodos
de preparo e cocção que resultariam em um produto descaracterizado, comprometendo todo
um aspecto cultural e de desempenho do restaurante.
3.2
ETAPA B: DESCRIÇÃO DO PROCESSO
Conforme Varvakis (et al., 1998), na etapa B o processo pode ser mapeado com
fluxogramas.
No caso de restaurantes é necessário ter o conhecimento dos processos de cocção,
utilização de ervas, especiarias e temperos, métodos de conservação de alimentos,
padronização de cortes, pesos e medidas e técnicas de decoração.
No Gerenciamento de Processos é importante representar os procedimentos de uma
forma clara e precisa.
Tal representação deve mostrar não somente as atividades do processo, mas também a
seqüência que é realizada, ou seja, deve representar o fluxograma, que são diagramas para a
representação do fluxo de atividades em formações dentro de um procedimento.
Esta etapa B é composta de três (3) fases que dão continuidade à fase anterior:
FASE 5. Definição das entradas envolvidas em cada fluxograma
8
Nessa fase são definidas as entradas bem específicas para conseguir fazer os
fluxogramas.
As entradas são tudo aquilo que se utiliza para a realização do fluxograma, sendo
necessário para que haja a realização das atividades: informações necessárias ao processo;
matéria-prima (alimentos); pessoas que tomam parte do processo (recursos humanos);
instalações e equipamentos usados no processo.
FASE 6. Definir o pessoal envolvido no processo
Nesta etapa deve-se descrever todos os profissionais envolvidos no processo. Aqui são
desenvolvidas as atribuições de cada cargo.
Cada restaurante tem sua brigada de cozinha. A brigada de um restaurante de médio
porte, normalmente possui sua brigada de cozinha dividida da seguinte forma: cozinheiros (a),
saladeiros (a) churrasqueiros (a) ou chapeiros (a) e auxiliares de cozinha.
Quando a rotatividade do pessoal da produção é grande, torna-se ainda mais
necessário ter os cargos, as atribuições e os tipos de treinamentos bem definidos.
FASE 7. Detalhamento dos fluxogramas
Através dos fluxogramas é possível acompanhar o fluxo de preparo de um prato,
podendo ser indicado também os pontos críticos e outras informações relevantes.
(VARVAKIS et al., 2001).
O fluxograma fornece uma compreensão detalhada das partes de um processo, no qual
algum tipo de fluxo ocorre.
3.3
ETAPA C: ANÁLISE DO PROCESSO
A etapa C é dividida em duas fases, sendo uma de identificação e outra de análise
como veremos a seguir.
FASE 8. Identificar os parâmetros que podem influenciar as não conformidades no
resultado final do produto desejado que é a comida típica
O controle do processo se baseia numa relação de causa – efeito. Sempre que algo
ocorre (efeito), existe um conjunto de causas responsáveis pela ocorrência.
Portanto, controlar um processo, é controlar a sua causa.
Dentro desses parâmetros, temos a matéria-prima envolvida no processo, o modo de
preparo, os profissionais, os métodos de cocção e as formas de apresentação.
FASE 9. Analise dos parâmetros de preparo e receituário de comidas típicas
Slack (et al., 1997), apresenta o diagrama de causa – efeito (que também é conhecido
como diagrama de espinha de peixe e diagrama Ishikawa), como um método, particularmente
efetivo, para ajudar na resolução de problemas ou ampliar as oportunidades.
9
A seguir apresenta-se o procedimento para se desenhar uma diagrama de causa –
efeito:
Figura 03: Diagrama de Causa – Efeito
Fonte: Autores; adaptado de Oliveira, 1996
Nessa fase é importante identificar as principais categorias para causas possíveis do
efeito.
Apesar de qualquer categorização poder ser usada para os ramos centrais do diagrama,
há seis categorias que são comumente usadas em restaurantes: equipamento, recursos
humanos, matéria-prima, métodos de cocção, métodos de armazenamento e procedimentos ou
serviços.
3.4
ETAPA D: MELHORIA DO PROCESSO
É a última etapa, sendo composta por uma fase.
Uma vez identificados os pontos onde o processo pode ter sua eficiência aumentada, a
garantia de melhoria do processo, quarta e ultima etapa, irá planejar ações para transformar
estas oportunidades de melhoria em ações concretas (VARVAKIS et al, 2001).
FASE 10. Elaboração de tabelas (I.P.A) com as indicações das melhorias.
Para facilitar a visão integrada das não conformidades encontradas, soluções propostas
e suas respectivas avaliações, foi adaptada a tabela I.P.A. (Ingrediente, Preparo e
Apresentação) segundo o modelo aplicado na cozinha do Hospital Universitário.
Esse modelo descreve as não-conformidades dos ingredientes utilizados na produção
do prato, a autenticidade no preparo das receitas tidas como típicas e as soluções propostas.
P (prato): prato oferecido no cardápio do Restaurante
Não-conformidade: Serão descritas as não conformidades, conforme a pesquisa
bibliográfica efetuada para a caracterização da gastronomia típica como proposto pelo passo 1
da primeira etapa do G.P.
I (Ingrediente): Em conformidade ou não. Pontuação de 0 à 2. Sendo 0 em
conformidade; 1 parcialmente em conformidade e 2 não conformidade.
10
P (Preparo): Em conformidade ou não. Pontuação de 0 à 2. Sendo 0 em conformidade;
1 parcialmente em conformidade e 2 não conformidade.
A (Apresentação): Em conformidade ou não. Pontuação de 0 à 2. Sendo 0 em
conformidade; 1 parcialmente em conformidade e 2 não conformidade.
Tt -(total): o total é o produto entre G, U e T. Seu valor mínimo é 1 e o máximo é 6. O
valor 6 é considerado o ponto crítico;
P -(Prioridades): a prioridade indica para a administração da cozinha, quais os
riscos/problemas identificados que deverão ser resolvidos/eliminados mais rapidamente.
Este indicador é um elemento de suporte à decisão e solução dos riscos/problemas,
possibilitando, inclusive, a projeção de investimentos em alguns casos, para a solução dos
mesmos. A prioridade está dividida em dois níveis:
A = Solução implementada em médio prazo com projeção de investimento.
B = Solução implementada imediatamente sem projeção de investimento.
Tabela 02: Modelo Tabela IPA
NOME DA PRODUÇÃO
NÃOCONFORMIDADE
I
P
A
Tt
P
SOLUÇÕES
PROPOSTAS
FONTE: autores 2011, adaptado do Relatório integrado do setor de cozinha do Hospital Universitário.
Conforme o resultado da aplicação prática da tabela IPA, observamos que existem
elaborações gastronômicas que estão em conformidade com os processos produtivos de
comidas típicas e outros não estão.
Recomenda-se que nesses casos as elaborações sejam colocadas em lugares diferentes
na escrita do cardápio que será apresentado ao cliente. Que os pratos que foram
diagnosticados como típicos sejam colocados no item: Pratos Típicos e aqueles que não são
típicos sejam colocados no item: Outras especialidades.
Esse diagnóstico de não-conformidades deve ser embasado, principalmente, na
pesquisa documental feita a respeito de Comida Típica, possibilitando assim uma
fundamentação nas soluções que serão apresentadas na tabela IPA.
As soluções propostas constituem resultado da avaliação tecnológica
risco/problema identificado, visando dar respostas rápidas para a administração.
do
O objetivo principal é identificar as soluções que possam resolver os riscos
encontrados, de preferência sem custos.
11
Ao final desta avaliação, a administração da cozinha terá vislumbrado uma nova visão
organizacional e produtiva de arranjo físico e de Gerenciamento dos processos produtivos,
com uma estrutura que poderá ser adaptada para implantar, inicialmente, um programa de
qualidade total.
A tabela abaixo apresenta alguns pratos selecionados do cardápio do restaurante
selecionado para o estudo de caso da aplicação do Gerenciamento de Processos e para a
análise de não-conformidades na elaboração dos pratos e do cardápio (tabela 3).
Tabela 3: Tabela IPA ( Ingredientes, Preparo, Apresentação) adaptada do H.U da UFSC
Nome da
produção
Peixe frito
com pirão
(Postas)
Não-conformidades
Peixe assado
na brasa
(escalado)
Merluza ao
forno
Está em
conformidade
Filé a moda
da casa
Risoto de
camarão
I P AT
t
0 0 0 0
P
Soluções Propostas
B
Mantê-lo no cardápio de pratos
típicos
0 0 0 0
B
Mantê-lo no cardápio de pratos
típicos
A merluza não é um 2 2 2 6
peixe nativo da Ilha
A
O leite de coco é um 2 2 2 6
ingrediente estranho
na culinária típica
da ilha
O risoto é um prato 2 2 2 6
típico da Itália
A
Retirar esse prato do item "pratos
típicos" e colocá-lo no item
"outras especialidades"
Retirar esse prato do item "pratos
típicos" e colocá-lo no item
"outras especialidades"
Esta em
conformidade
A
Retirar esse prato do item "pratos
típicos" e colocá-lo no item
"outras especialidades"
Fonte: Autores, 2011
Foi observado que não existe uma distinção de itens no cardápio, quanto ao que
pertence a cultura gastronômica de Florianópolis e as demais culturas e especialidades da
casa, sendo um texto corrido sem separação por subseções, como mostra a Figura 4 mais a
frente.
Como resultado da aplicação do gerenciamento de processo e da tabela IPA, foi
proposta ao restaurante que houvesse a distinção entre os pratos típicos de Florianópolis e
outros pratos das diferentes culturas, separando-os no cardápio e facilitando deste modo, a
escolha para um cliente leigo no assunto como observado na figura 5.
A solução apontada e acarretada foi a separação dos itens por subtítulos mais
específicos, como mostram as figuras 4 e 5.
12
Figuras 4 e 5: Cardápios de restaurante pesquisado. Antes e depois do processo
Figura 4: Cardápio de restaurante antes do
Gerenciamento De Processos
Figura 5: Cardápio de restaurante depois do
Gerenciamento De Processos
Fonte: Autores
Como produto final desta pesquisa foi elaborado um cardápio em conformidade com a
proposta histórico-cultural do restaurante.
4.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A aplicação do procedimento de avaliação das não conformidades mostrou que se
tratando de um procedimento para o gerenciamento de processos, é possível aplicá-lo na
produção de Comidas Típicas preparadas dentro de padrões documentados historicamente.
Para isso é necessário ir até o plano do preparo e do receituário, para serem
formulados os fluxogramas e detectadas as possibilidades de melhorias.
O uso do procedimento com auxílio da tabela IPA, permitiu a identificação dos pratos
típicos no restaurante pesquisado.
É importante relembrar que para este trabalho, o procedimento de Gerenciamento de
Processos visou a melhoria contínua dos processos produtivos, sendo necessário dar
continuidade ao procedimento sempre que houver:
•
Preparo de alimentos;
•
Recepção e armazenamento de mercadoria;
13
•
Troca de equipamento;
•
Troca de pratos do cardápio;
•
Mudança de pessoal;
O Gerenciamento de Processos mostrou-se uma metodologia que demonstrou ser
capaz de solucionar o problema da pesquisa, pois monitora o processo de preparo do alimento
do início ao fim, passando por todas as etapas de recebimento, porcionamento, pré-preparo,
preparo, cocção e decoração.
5.
REFERÊNCIAS
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Ana Maria; GARCIA, Rosa Wanda Diez. Antropologia e Nutrição: um diálogo possível. 1° ed. Rio de Janeiro:
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mudanças na alimentação urbana. Revista de Nutrição, Campinas, v.16, n°4, 2003.
GIMENES, Maria Henriqueta Sperandio Garcia. Patrimônio Gastronômico, Patrimônio Turístico: uma
reflexão introdutória sobre a valorização das comidas tradicionais pelo IPHAN e a atividade turística no
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CANESQUI, Ana Maria; GARCIA, Rosa Wanda Diez. Antropologia e Nutrição: um diálogo possível. 1.ed. Rio
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Brillat-Savarin. Horizontes Antropológicos. Porto Alegre. v.7, n.16, p. 01-10, 2001
MENACHE Renata. Somos o que comemos?
www.mundojovem.com.br. Acesso em Janeiro 2011.
Revista
Mundo
Jovem,
2008.
Disponível
em
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115p. (Série Qualidade Brasil).
POULAIN, Jean Pierre. Sociologia da Alimentação. Florianópolis. Editora da UFSC, 2006.
PROENÇA, Rossana Pacheco da Costa. Alimentação e globalização: algumas reflexões. Ciência e Cultura,
v.62 n.4 São Paulo out. 2010.
SLACK, N.; CHAMBERS, S.; HARLAND, C. et al.; Administração da Produção. Tradução de Ailton
Bomfim Brandão; Carmem Dolores; Henrique Corrêa et al. São Paulo: Atlas, 1997. 725p. Título original:
Operations management.
VARVAKIS, G. J.; DIAS, M. P.; ÑAURI, M. et al. Gerenciamento de Processos. Apostila da disciplina
Gerenciamento de Processos - Programa de pós-graduação em engenharia de produção. Florianópolis: UFSC,
2001.
VARVAKIS, G. J.; DIAS, M. P.; NERES, W. A. et al.; Gerenciamento de Processos e a Variável Ambiental.
Apostila do curso Gerenciamento de Processos e Variável Ambiental – Programa de pós-graduação em
engenharia de produção. Florianópolis: UFSC, 1998.
14
EPISTEMOLOGIA DA COMPLEXIDADE E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA:
PERSPECTIVAS EMERGENTES
Angela Regina Heinzen Amin Helou
Gerson Carlos Saiss
Francisco Antonio Pereira Fialho
1. INTRODUÇÃO
A emergência de uma sociedade organizada em rede, complexa, dinâmica e auto
organizável demanda novas maneiras e perspectivas de se conceber, perceber e agir sobre a
realidade .
Uma dessas novas perspectivas que emergem neste contexto dinâmico é a
epistemologia da complexidade que, por seus princípios norteadores, mostra-se como uma
base conceitual adequada para articular novas reflexões sobre a atualidade.
A administração pública pode ampliar o escopo de entendimento tanto de sua própria
base epistemológica, quanto de sua função social, a partir de sua fundamentação com base na
epistemologia da complexidade.
Dada a necessidade de ampliar o olhar da administração pública sobre a sociedade
contemporânea, demanda-se também um novo instrumental técnico-metodológico de
planejamento para a sua gestão. Para tanto, oportuniza-se o conceito de Planejamento
Estratégico Situacional por se fundamentar sobre as mesmas bases epistemológicas.
Assim, o objetivo deste trabalho é prover a administração pública de uma proposta
técnica e metodológica de planejamento capaz de incorporar os elementos complexos e não
lineares da sociedade atual.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1. EPISTEMOLOGIA DA COMPLEXIDADE
A epistemologia se propõe a conceituar tanto uma teoria geral do conhecimento quanto
um estudo da gênese e estrutura das ciências. Seu conceito, mesmo sem um significado único
e rigoroso, apresenta-se com nítido caráter interdisciplinar e permite ao pesquisador construir
uma ideia sobre sua própria disciplina (SERVA et al., 2010).
A epistemologia da ciência clássica apoia-se na ideia de que a complexidade do
mundo dos fenômenos pode e deve resolver-se a partir de princípios simples e leis gerais, e
seu paradigma de simplificação incorpora os princípios da generalidade, da separação e da
redução. Entretanto, esses princípios são postos em suspenso pelos próprios progressos
científicos. Autores como Morin (1998) estabeleceram, por isso, uma nova categorização dos
princípios que devem permear a inteligibilidade da ciência, a qual se denomina paradigma da
complexidade. Assim, para o autor:
A complexidade surge, é verdade, lá onde o pensamento simplificador falha, mas ela
integra em si tudo o que põe ordem, clareza, distinção, precisão no conhecimento.
Enquanto o pensamento simplificador desintegra a complexidade do real, o
pensamento complexo integra o mais possível os modos simplificadores de pensar,
mas recusa as conseqüências mutiladoras, redutoras, unidimensionais e finalmente
ofuscantes de uma simplificação que se considera reflexo do que há de real na
realidade (MORIN, 2011, p.6).
A palavra complexidade deriva de complexus, que significa o que está junto; é o tecido
formado por diferentes fios que se transformaram numa coisa só. É o atributo daquilo que está
trançado, enlaçado, cingido. O substantivo complexo deriva de plicare – dobrar com o sentido
de “o que se desdobra”. Tudo se entrecruza e se entrelaça para formar a unidade da
complexidade. A unidade do complexus não destrói a variedade e a diversidade das
complexidades que o teceram.
Para Serva (1992):
[...] a emergência do paradigma da complexidade é uma tentativa de superar os
impasses conceituais, lógicos e epistemo1ógicos que disciplinas como biologia,
cibernética, físico-química, teorias da comunicação, dentre outras, criaram a partir
dos seus próprios desenvolvimentos (SERVA, 1992, p.27).
A epistemologia da complexidade pretende ser uma motivação para pensar e sua
ambição é tratar das articulações dos conhecimentos que envolvem uma realidade que está
sendo observada. Tem como pressuposto básico que a incerteza, a desordem, a contradição e a
pluralidade fazem parte da problemática geral das ciências. Para Morin (1998, p. 178) “a
desordem e o acaso estão presentes no universo, e ativos na sua evolução”.
A esse paradigma, que está embasado em três pilares, quais sejam: ciência da
informação, cibernética e teoria dos sistemas, Morin (1998) fornece alguns princípios de
inteligibilidade: (a) validade, mas insuficiência do princípio de universalidade; (b)
necessidade de fazer intervir a história e o acontecimento em todas as descrições e
explicações; (c) o reconhecimento da impossibilidade de isolar unidades elementares simples
na base do universo físico – princípio que une a necessidade de ligar o conhecimento dos
elementos ou partes ao conhecimento dos conjuntos ou sistemas que elas constituem; (d) a
incontornabilidade da organização e da auto-organização; (e) da causalidade complexa –
causalidade mútua; (f) consideração dos fenômenos segundo uma dialógica de ordemdesordem-interações-organização; (g) distinção e não separação entre o objeto ou o ser e seu
ambiente; (h) relação entre o observador/concebedor e o objeto observado/concebido; (i)
possibilidade e necessidade de uma teoria científica do sujeito; (j) reconhecimento científico
da noção de autonomia; (l) reconhecimento dos limites da demonstração lógica nos sistemas
formais complexos; (m) pensar de maneira dialógica e por macro conceitos, ligando de
maneira complementar noções antagônicas.
Conseqüentemente, a complexidade, vista por esses princípios, não é só um fenômeno
empírico – acaso, eventualidade, desordem, complicação, é também “um problema conceitual
e lógico que confunde as demarcações e as fronteiras bem nítidas de conceitos como produto e
produto, causa e efeito e um e múltiplo” (MORIN, 1998, p. 183).
Assim, para conceituar complexidade é preciso seguir inúmeros elementos que Morin
(1998) chama de avenidas: (a) a irredutibilidade do acaso e da desordem estão presentes no
universo e ativos na sua evolução; (b) a transgressão dos limites da abstração universalista
que elimina a singularidade, a localidade e a temporalidade; (c) a complicação que surge
quando se percebe que os fenômenos biológicos e sociais apresentam um número
incalculável de interações e inter-retroações; (d) a misteriosa relação complementar entre as
noções de ordem, desordem e de organização; (e) a organização – aquilo que constitui um
sistema a partir de elementos diferentes – é, ao mesmo tempo , uma unidade e uma
multiplicidade. Trata da não transformação do múltiplo em um e nem de um em múltiplo; (f)
no princípio hologramático não só a parte está no todo, mas também o todo está na parte; (g)
a crise de conceitos fechados e claros, crise da clareza e da separação das explicações. As
verdades aparecem nas ambiguidades e numa aparente confusão; (h) a volta do observador à
observação porque é “ilusão eliminar o observador nas ciências sociais” (p.185).
Para Kuhn (2006), há inúmeras razões que justificam a adoção do paradigma da
complexidade na ciência uma vez que procura entender e discorrer sobre a natureza e o
funcionamento do mundo, surgindo com uma visão ontológica diferente do paradigma
cartesiano. A explicação ontológica sobre a complexidade é que a realidade é autoorganizável, não linear, influenciada por diferentes aspectos. E que, mesmo que os fenômenos
pareçam caóticos, formam um processo coerente. Na perspectiva da complexidade, as
2
experiências culturais humanas são complexas e dinâmicas e o espaço social é
multidimensional, não linear e interconectado. Assim, para Kuhn (2006), a perspectiva da
complexidade é apropriada para ser aplicada às ciências sociais porque é uma “poderosa teoria
social quando abre possibilidades humanas e encoraja o aprofundamento do pensamento e da
inovação” (KUHN, 2006, p.163).
Para Morin (2003), há necessidade de se adotar uma forma de pensamento que
compreenda: (a) que o conhecimento das partes depende do conhecimento do todo e que o
conhecimento do todo depende do conhecimento das partes; (b) que reconheça e examine os
fenômenos multidimensionais, em vez de isolar cada uma de suas dimensões; (c) que
reconheça e trate as realidades, que são mutuamente solidárias e conflituosas, como a própria
democracia, sistema que se alimenta de antagonismos e ao mesmo tempo os regula; (d) que
respeite a diferença, enquanto reconhece a unicidade.
Esse pensamento complexo substituirá a causalidade linear e unidimensional por outra
em círculo e multirreferenciada e se estabelecerá pelos princípios: (a) sistêmico – que liga o
conhecimento das partes ao todo; (b) hologrâmico – não apenas a parte está no todo, como o
todo está em toda a parte; (c) do circuito retroativo – permite o conhecimento dos processos
autor reguladores; (d) do circuito recursivo – ultrapassa a noção de regulação com as de
autoprodução e auto-organização; (e) da autonomia/dependência – seres vivos se
autoproduzem e despendem energia para manter sua autonomia, retirando isso do meio
ambiente; (f) dialógico – une dois princípios ou noções que deveriam excluir-se
reciprocamente, mas são indissociáveis em uma realidade; (g) da reintrodução do
conhecimento em todo conhecimento – todo conhecimento é uma reconstrução/tradução feita
por uma mente em uma cultura e época determinada (MORIN, 2003).
Na percepção de Mariotti (2007), a complexificação do pensamento sistêmico só foi
consolidada quando Morin percebeu a necessidade de se criar um método para o estudo da
complexidade que juntasse disciplinas tradicionalmente separadas em dois amplos domínios:
as ciências exatas e as ciências humanas. Disso resulta o pensamento complexo, uma ligação
entre as ciências, que tem como base o conceito de organização ou sistema. O pensamento
complexo visa juntar as coisas, pessoas e situações, para que de sua interação surjam idéias
novas. Mas, procura fazer isso sem a perda da condição de individualidade, da singularidade
de cada coisa e situação (MARIOTTI, 2007). De qualquer ângulo pelo qual a complexidade é
observada, ela é, em essência, um modo não linear de manifestação dos fenômenos. Por isso
a complexidade só pode ser adequadamente entendida por um sistema de pensamento aberto,
integrador, pluralista e flexível. Isto por que “ele aceita e procura entender as mudanças
constantes do mundo real, e não tem a pretensão de negar ou ocultar a contradição a
diversidade e a incerteza, mas procura compreendê-las e aprender a conviver com elas”
(MARIOTTI, 2007, p.123).
Para Morin (2011) complexidade não compreende apenas aquilo que não conseguimos
calcular, mas compreende incertezas, indeterminações, fenômenos aleatórios, isto é, tem
sempre relação com o acaso; a incerteza no meio de sistemas ricamente organizados.
Em função disso, Morin (1998) coloca que a complexidade não tem metodologia, mas
tem um método que pede que se pensem os conceitos como inconclusos e que se restabeleçam
as articulações entre o que foi separado, na tentativa de compreender a
multidimensionalidade, as singularidades, a localidade, a temporalidade e a totalidade
integradora.
2.2. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A Administração Pública pode ser considerada como:
3
[...] um conjunto de conhecimentos e de estratégias em ação para prover os serviços
públicos – bem comum – para o ser humano, considerado em suas múltiplas
dimensões e como cidadão partícipe de uma sociedade multicêntrica articulada
politicamente (SALM; MENEGASSO, 2009, p. 103).
De acordo com Denhardt (2011), no escopo da teoria da administração pública,
podem-se identificar algumas orientações: (a) a administração pública, vista como uma parte
do processo governamental e, portanto, tendo afinidade com a ciência política. Nesta visão, a
teoria da organização é simplesmente uma parte de uma teoria política mais ampla; (b) as
organizações públicas vistas como se fossem iguais às organizações privadas. Nesta visão, a
teoria da organização pública constitui simplesmente parte de uma teoria organizacional mais
ampla; (c) a visão de que a administração pública se distingue por sua relação com o processo
de governo, sustentada por muitos dos primeiros autores do campo (GAUS, WHITE,
DUMOCK, 1951; AMATO, 1971). Nela se reconhece que o aparato burocrático público não é
apenas um braço do governo, mas que também exerce um papel significativo no processo
governamental e político (DENHARDT, 2011).
Como modelo, a administração pública evoluiu de uma perspectiva patrimonialista
para uma perspectiva burocrática baseada nos princípios do modelo ideal de Weber (apud
RAMOS, 1983), cujas características são: o exercício do poder racional-legal; a centralização
das decisões na hierarquia traduzida no princípio da unidade de comando; a estrutura
piramidal do poder; as rotinas rígidas e com controle passo a passo dos processos
administrativos. A burocracia, em função dessas características, é a forma mais eficiente e
racional de exercício de governo se comparada a outras formas de administração
(SCHWARTZMANN, 1987).
Entre os contemporâneos e sucessores de Weber a literatura está marcada por uma
ambigüidade fundamental. De um lado, a maior parte dos autores descreve o desenvolvimento
das organizações burocráticas como um fenômeno que corresponde ao advento do mundo
contemporâneo e da racionalização, e que, por isso, é intrinsecamente superior a todas as
outras formas possíveis de organização. Por outro lado, muitos autores consideram as
organizações burocráticas verdadeiros Leviatãs através dos quais está se preparando a
escravidão da raça humana. O comportamento estandardizado que se deseja na estrutura
burocrática, por sua previsibilidade, supõe o desenvolvimento de uma atitude rígida que
desenvolve uma casta, abrindo um fosso entre o funcionário e seu público (CROZIER, 1981).
Para Bresser Pereira (1996), o modelo burocrático foi também adotado pela
necessidade de se desenvolver um tipo de administração que estabelecesse, além de uma clara
separação entre público e privado, outra entre o político e o administrador público. Entretanto,
segundo o autor, o pressuposto da eficiência em que se baseava o modelo burocrático não se
revelou real.
Nesse sentido, autores como Pinchot (1994) e Bennis (1995), afirmam que, a despeito
dos resultados positivos alcançados pela burocracia na era industrial, o modelo está em
declínio. Osborne e Gaebler (1992) corroboram com isso e referem-se a uma mudança na
concepção da palavra burocracia, que, de um sentido positivo por conotar racionalidade,
eficiência e uma forma de estrutura organizacional, foi se transformando em uma gigantesca
estrutura de controle que visava à proteção do interesse público, acabando por criar uma
obsessão pela regulamentação do processo, ao invés de focar nos resultados obtidos.
Assim, o modelo de burocracia estatal, moroso e excessivamente centralizado, mais
preocupado com regras do que com resultados, com organogramas inchados e gerador de
ineficiência e desperdício, precisava ser reinventado (OSBORNE e GAEBLER, 1992).
4
Desenvolve-se, a partir disso, a Nova Administração Pública (NAP), cujo fundamento
é a utilização de um novo paradigma como modelo para relações políticas e administrativas,
com vistas à construção de um novo perfil de estado - mais eficaz e melhor qualificado para a
prestação de serviços públicos de qualidade e com menores custos para a sociedade.
Para Paula (2007), o movimento gerencialista e a cultura do gerenciamento que era
aplicado, sobretudo no setor privado, foram incorporados ao setor público, dando origem ao
surgimento do movimento “reinventando o governo”, expressão utilizada por Osborne e
Gaebler (1992) que define, para os autores, o escopo da NAP.
Para os autores, entretanto, a NAP nascida como uma expressão reelaborada pelas
perspectivas gerencialistas, não conseguiu – apesar de seu discurso participativo – incorporar
a dimensão sociopolítica no escopo da gestão, o que estabelece um grande limite para a
metodologia.
Entretanto Denhardt (2011) argumenta que é possível se articular uma redefinição do
campo da administração pública que inclua: (a) as perspectivas das abordagens anteriores –
políticas, genéricas e profissionais; (b) a identificação da administração pública como um
processo e (c) a ênfase na natureza política desse processo.
O autor, aparentemente influenciado por uma nova perspectiva epistemológica, parte
de uma crítica sobre a teoria dominante da administração pública e aponta que a mesma
parece centrada no modelo racional de administração, que tem ao menos duas limitações
importantes: (a) baseia-se em uma visão estreita e restritiva da razão humana; (b) suporta-se
em um entendimento incompleto da aquisição do conhecimento.
O primeiro aspecto – de que o modelo racional se baseia em uma visão limitada e
restritiva da razão humana – associa o conceito de racionalidade instrumental ao crescimento
de uma economia de mercado. Para Ramos (1981), a teoria das organizações é subproduto dos
processos organizacionais que surgiram com o desenvolvimento de uma sociedade centrada
no mercado. Para satisfazer as necessidades desta, os controladores das grandes organizações
buscam maior eficiência mediante um processo racionalizado de produção que foca sua
atenção nos meios necessários para que a organização atinja determinados fins, afastando a
atenção das pessoas sobre os próprios fins.
Para Denhardt (2011), agindo desta maneira, as organizações dificilmente estariam
expressando valores societários, mas, sim, tentando atingir, a custo mínimo, os objetivos.
Segundo o autor, essas considerações devem ser discutidas nas organizações públicas, já que a
distinção cometida pelo modelo racional, entre meios e fins, tem clara conexão com a
dicotomia entre política e administração, em que “o papel das organizações públicas consiste
simplesmente em descobrir os meios mais eficientes para os fins politicamente dados”
(DENHARDT, 2011, p. 219).
Apesar de operar de forma bastante eficiente, o modelo racional omite toda a
preocupação com o contexto moral em que a ação pode ocorrer. A racionalização da
sociedade se tornou um processo em que as questões de valores humanos – liberdade, justiça e
igualdade, por exemplo – deixam de ter importância como critério de julgamento para a ação
pública, sendo substituídas pelo cálculo específico de custos e benefícios, meios e fins. Sendo
assim, quando as únicas questões discutidas são as medidas de eficiência, as funções de
deliberação, comunicação e participação parecem perder importância. No entanto, se a
administração pública deve cumprir a promessa de apoiar e promover o bem comum, “seus
membros devem ter disposição para pensar em questões mais amplas, como as que nos
tornam capazes de estabelecer senso de responsabilidade pessoal ou de ação mútua”
(DENHARDT, 2011, p. 221).
5
O segundo aspecto – entendimento incompleto sobre a aquisição do conhecimento –
pretende indicar que só existe um modo de se obter o conhecimento verdadeiro, que é por
intermédio da aplicação rigorosa dos métodos da ciência positiva nas relações sociais, o que
não considera, portanto, o papel das experiências subjetivas na vida humana. Essa crítica
assevera que os indivíduos que são os elementos centrais da ação pública têm razões
subjetivas para suas ações - valores - que não são acessíveis a quem observa de fora seu
comportamento. Enquanto as ações podem ser observadas, os valores não podem, e assim, é
limitada a capacidade da ciência positiva de obter uma visão mais completa da ação humana.
Daí decorre para Denhardt (2011) “a visão positivista vigente orienta-se para
explicações instrumentais que possibilitam a predição e, em última analise, o controle dos
assuntos humanos” (DENHARDT, 2011, p. 226). Esta linha de raciocínio revela-se um
conjunto incompleto não só porque seu poder explicativo é limitado, mas também porque é
preciso teorias que ajudem a compreender o sentido da ação humana e permitam agir com
mais clareza e habilidade na busca dos objetivos societários.
Por isso pretende-se adotar neste trabalho a concepção do autor, para quem a
administração pública “está interessada na gestão dos processos de mudança que buscam
lograr os valores societários publicamente definidos” (DENHARDT, 2011, p. 30).
2.3. EPISTEMOLOGIA DA COMPLEXIDADE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Como se viu, Ramos (1981), Serva et al. (2010) e Denhardt (2011) evidenciam a
necessidade de uma reformulação epistemológica na teoria das organizações. Para Serva et
al. (2010), “os estudos voltados para a sedimentação de paradigmas emergentes podem, então,
auxiliar significativamente a redução das dificuldades epistemológicas estruturais existentes
na teoria das organizações” (SERVA et al., 2010, p. 280).
Para Haynes (2008), a complexidade pode promover uma nova abordagem que
respeite as complexas interações entre os elementos que integram um sistema, formando uma
visão global das interações entre os seus diferentes componentes.
De acordo com Teisman (2008) e Klijn (2008) a teoria da complexidade pode
adicionar à administração pública: (a) uma atenção à dinâmica dos fenômenos que examina os
quais são frequentemente não lineares e guiados por uma variedade de forças. Por isso,
entender a não linearidade dos fenômenos é uma importante pretensão da teoria da
complexidade, que deve se estender à teoria da administração pública; (b) a percepção de que
os fenômenos não se desenvolvem somente por forças externas impostas sobre eles e não se
comportam somente de acordo com leis e princípios predefinidos, eis que têm uma capacidade
de auto-organização; (c) a importância do contexto, da situação. Muito embora os gestores
públicos tendam a focar suas próprias ambições e habilidades para fazer a diferença, a teoria
da complexidade enfatiza os impactos do contexto sobre os efeitos do comportamento.
Devido à multiplicidade de contextos e aos comportamentos dinâmicos dos agentes, a
configuração do contexto sobre o qual o gestor público irá atuar sofre constantes mudanças;
(d) que o comportamento dos atores se configura como um elemento complexo autoorganizável (TEISMAN, KLIJN, 2008).
O uso da teoria da complexidade para avaliar os sistemas políticos coloca uma ênfase
na formação de uma visão holística do sistema e das interações dos diferentes componentes
nos processos em mudança (HAYNES, 2008).
A partir das considerações acima, conclui-se que, fundamentando a gestão pública
pelas bases epistemológicas da teoria da complexidade, se contribuirá para uma abordagem
inovadora e evolucionária da administração pública. O objetivo principal é prover a
6
administração pública de conceitos da teoria da complexidade e demonstrar como podem
agregar valor à gestão. (TEISMAN, KLIJN, 2008)
A importância da teoria da complexidade para os decisores políticos reside
essencialmente nas implicações de seus pressupostos para a compreensão da dinâmica dos
sistemas e, em particular, as fontes e os padrões da mudança ambiental. No âmbito da teoria
da complexidade, o que definitivamente não é disponível para os planejadores e avaliadores é
uma imagem clara de todo o ambiente. O funcionamento dos sistemas adaptativos complexos
simplesmente não permite o conhecimento das vias de não repetição que são gerados
espontaneamente pelo comportamento de auto-organização dos sistemas. Na melhor das
hipóteses, os planejadores e estrategistas podem esperar apenas para entrar no jogo, como os
próprios jogadores, ou para participar na definição do contorno das regras em que o jogo vai
ser jogado (BOVAIRD, 2008).
Em tal contexto, é preciso conceituar a gestão estratégica como algo muito diferente
do planejamento estratégico tradicional encontrado na literatura de gestão pública isto é,
respondendo com intenções claramente formuladas sobre as mudanças no ambiente. Em vez
disso, a gestão estratégica torna-se o conjunto de reações de um agente por meio do qual
espera tanto tirar o máximo proveito das mudanças percebidas do ambiente, quanto também
para poder mudar, a longo prazo, as "regras do jogo", que modelam a evolução do próprio
ambiente. (BOVAIRD, 2008).
Deste modo, dada a complexidade que envolve o processo de planejamento na gestão
pública, oferece-se como proposta técnico-metodológica o Planejamento Estratégico
Situacional.
2.4. PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO SITUACIONAL
Para Oliveira (2004) planejamento estratégico é o processo administrativo que
proporciona sustentação metodológica para se estabelecer a melhor direção a ser seguida pela
organização, otimizando sua interação com o ambiente externo. Diz respeito tanto à
formulação dos objetivos quanto à seleção dos cursos de ação a serem seguidos pela
organização, levando-se em conta condições internas e externas.
Isso reforça a colocação de que uma grande suposição da literatura de planejamento
estratégico é de que “a formação de estratégia é um processo de planejamento, idealizado ou
apoiado por planejadores, para planejar a fim de produzir planos” (MINTZBERG, 2004, p.
41).
Nas organizações, grande parte da administração estratégica tem enfatizado o lado
racional e prescritivo do processo, enfocando os aspectos das escolas de design, do
planejamento e do posicionamento. Suas premissas são de que as estratégias devem resultar
de um processo controlado e consciente de planejamento formal, decomposto em etapas
distintas e delineadas e explicitadas para que possam ser implementadas por uma atenção
detalhada a objetivos, orçamentos, programas e planos operacionais de vários tipos
(MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL, 2010).
Matus (1997) ressalta que um enfoque metodológico sobre o planejamento é uma
forma de pensar e conceber o planejamento mediante o desenvolvimento de um conjunto de
categorias centrais, com suas inter-relações, que sejam capazes de representar as relações de
direção e causa de um problema.
Para o autor, o planejamento pode se fundamentar em várias teorias e diversos
enfoques, segundo a natureza dos problemas e os casos de aplicação, de sorte que a posição de
7
onde se planeja, as características dos líderes do processo e o conteúdo propositivo que
orienta a ação resultará em distintos métodos de planejamento.
Mesmo que em princípio, toda metodologia de planejamento refira-se ao cálculo que
precede e preside a ação, Matus ressalta que o cálculo situacional sistemático e articulado em
diferentes momentos é mais potente e eficaz que o cálculo puramente técnico definido pelo
planejamento estratégico tradicional, definido na perspectiva da estratégia como plano.
Por isso, corroborando Matus (1997, p. 71), para quem “a pobreza e rigidez do cálculo
que precede e preside a ação” dos métodos tradicionais de planejamento são deficientes e
precisam ser desmontados epistemologicamente, é que se vai descrever um novo método de
planejamento denominado Planejamento Estratégico Situacional (PES).
Para Fortis (2010), ao se tentar compreender a ruptura epistemológica proposta pela
perspectiva situacional desenvolvida por Matus (1980) e concretizada pelo Planejamento
Estratégico Situacional (PES), é preciso atentar para um contexto mais amplo: a substituição
do pensamento formulado na modernidade – aposta na capacidade racional do ser humano e
no potencial transformador da tecnologia – pelo pensamento pós-moderno, que manifesta
dúvidas sobre a objetividade e a neutralidade do conhecimento; questiona teorias
universalmente válidas; nega a separação entre sujeito e objeto, procurando destacar em todos
esses aspectos, sobretudo, a importância da dimensão social da existência.
De acordo também com Fortis (2010), Matus aponta não só as limitações das técnicas
utilizadas no planejamento estratégico governamental, mas também as deficiências teóricas
dos métodos que o envolvem - a linearidade, o mecanicismo e o reducionismo. Matus
defendia, portanto, superar a ortodoxia positivista vigente fundamentando uma epistemologia
situacional ancorada pelos conceitos de complexidade, indeterminação e incerteza (Fortis,
2010).
Para fundamentar o conceito de Planejamento Estratégico Situacional (PES), Matus
(1997, p. 72) parte de uma pergunta para iniciar sua proposta: “quem é e onde está situado o
ator que planeja?”. Em sua percepção, a resposta a essa pergunta permitirá demonstrar que
tipo de planejamento mais se adéqua ao planejamento da ação humana.
Relaciona o autor, ainda, que no planejamento estratégico tradicional, o ator que
planeja está fora ou sobre a realidade planejada, e, nesta realidade, não interage com outros
atores que também planejam. Assim, como conseqüência, pode-se inferir: (a) o sujeito é
diferenciável do objeto; (b) não pode haver mais de uma explicação verdadeira sobre a
realidade; (c) explicar é descobrir as leis que regem os objetos; (d) o poder não é um recurso
escasso; (e) não existe a incerteza mal definida; (f) os problemas a que se refere o plano são
bem estruturados e tem solução conhecida.
Assumindo uma hipótese de base mais ampla, o autor propõe que o ator que planeja
está dentro da realidade e ali se relaciona com outros atores que também planejam.
Por isso, as conseqüências que se podem inferir desse caso são: (a) o sujeito não é
distinto do objeto; (b) há mais de uma explicação verdadeira para a realidade; (c) os atores
sociais geram possibilidades em um sistema social que somente, em parte, segue leis; (d) o
poder é escasso e limita a viabilidade do deve ser; (e) a incerteza mal definida domina o
sistema social; (f) o plano refere-se a problemas quase estruturados.
Surge, a partir dessa perspectiva, um tipo de planejamento estratégico cuja
característica essencial é o uso do conceito de situação, e que do ponto de vista prático,
propõe planejar a partir das situações. Concretiza-se como Planejamento Estratégico
Situacional (PES) e refere-se à ação intencional e reflexiva, onde o produtor da ação espera
8
obter, conscientemente, determinados resultados numa situação de conflito ou cooperação
com os outros (MATUS, 1997).
De forma sintética, o que Matus (1997) pretende demonstrar é que a perspectiva
clássica baseada (a) no determinismo, (b) na desconsideração das subjetividades, (c) na
compartimentalização vertical das ciências, (d) na explicação única da realidade através do
diagnóstico, e, (e) na consideração da sociedade como um objeto sem atores, é incapaz de
enfrentar a complexidade da realidade social pós-moderna.
A ruptura que propõe está alicerçada em sua crítica aos modelos tradicionais de
planejamento que: (a) separam o sujeito e objeto, objetivando ao planejador um ponto de vista
exterior e independente; (b) presumem que a correspondência entre realidade e os fatos pode
ser representada por meio de teorias; (c) descrevem a sociedade como um fenômeno redutível
a leis que se repetem regularmente; (d) medem o desempenho da ação governamental por
critérios de eficácia econômica; (e) enfatizam os diagnósticos e predições que autorizariam a
formulação de prescrições.
Assim, o Planejamento Estratégico Situacional (PES), proposto pelo autor, surge como
uma ferramenta com fundamentos técnicos – metodológicos adequados para se planejar em
sistemas complexos, e está fundamentada no conceito de situação, fazendo uma articulação
entre o procedimento normativo e o procedimento estratégico.
Na busca pela eficácia do processo de planejamento estratégico, o método se
fundamenta em quatro âmbitos diferenciadores, também chamados dos quatro momentos do
PES.
Sucintamente, serão descritos cada um desses momentos e os elementos que os
compõem (MATUS, 1997):
 Momento explicativo – é a fase da avaliação situacional, que deve ser efetuada a
partir da compreensão do processo de inter-relação entre os problemas. Na descrição de um
problema, expressam-se os fatos que revelam sua existência na percepção de inúmeros atores.
Esses sintomas são enumerados em um conjunto de descritores do problema que passam a ser
chamados de vetor de descrição do problema (VDP) os quais, depois, serão associados aos
nós críticos do problema - pontos cruciais para a eficácia do processo.
 Momento normativo – apresenta um direcionamento que reúne a situação inicial
analisada e a situação à qual se quer chegar: situação objetivo. O vetor de descrição do
problema se torna o vetor de resultados (VDR) e irá refletir a proposta do direcionamento
dado a cada problema. Nesse momento, são construídos cenários – situações em que se
imaginam diferentes possibilidades de ação. A síntese das possibilidades é feita por uma
árvore de apostas de cada problema, que será descrita com o conjunto de orientações para a
ação em cada situação descrita. O resultado será o desenho prévio das ações que se
concretizarão na montagem de um plano direcional.
 Momento estratégico – o plano direcional será submetido à análise estratégica, a
partir da identificação das diversas interações entre os atores e das oportunidades e interações
que disso decorrem. A viabilidade do plano direcional passa a ser considerada tanto no
aspecto político, quanto econômico, tecnológico e institucional.
 Momento tático operacional – é o momento em que o plano se converte em ação e
em que acontece a mediação entre o conhecimento e a ação. Será executado por cinco
mecanismos distintos: (a) gerência por operações; (b) orçamento por programas; (c) petição e
prestação de contas; (d) planejamento da conjuntura; (e) sala de situações.
9
Ao sugerir a realização do planejamento a partir desta perspectiva, Matus concebeu
uma epistemologia de caráter situacional que tem como elementos centrais: (a) que o
planejamento deve ser estudado sob a ótica da teoria do jogo social e não apenas do
reducionismo economicista; (b) que o planejador não está dissociado da realidade que
pretende transformar, evidenciando a inseparabilidade entre sujeito e objeto; (c) a necessidade
de questionar o poder explicativo das teorias científicas, já que os modelos analíticos não
podem explicar toda a realidade social; (d) a critica à idéia de diagnóstico único, de
neutralidade do conhecimento e da verdade objetiva; (e) a percepção da natureza
eminentemente interativa do jogo social (MATUS, 1997).
O caráter situacional proposto pelo autor parte da noção de “perspectiva do ator”
(MATUS, 1997, p.72), que é entendido como portador de interesses, visões e preconceitos
não coincidentes, o que torna o planejamento um jogo social aberto, cujo resultado da
interação entre os atores não pode ser conhecido a priori.
A situacionalidade se torna, por isso, a essência do planejamento. Portanto, para Matus
(1993, p. 19), “planejamento é o cálculo situacional sistemático que relaciona o presente com
o futuro e conhecimento com a ação”. De outra parte e “a situação é percebida como a
apreciação da realidade que enfrenta um ator a partir de sua visão do problema” (MATUS,
1997, p. 181).
Conhecer a realidade, encontrando-se nela, é possuir uma explicação situacional, é
fazer uma reflexão de dentro, é a forma de conhecer do homem de ação. A situação fala por si
mesma. O significado não existe fora da ação.
Ortega e Gasset (apud MATUS, 1997, p. 206), contribuindo para a formulação do
conceito de situação, diz que:
[...] uma ideia é sempre reação de um homem a uma determinada situação de sua
vida. Isto é, só possuímos a realidade de uma ideia, o que ela é por inteiro, se a
tomarmos como reação concreta a uma situação concreta. Ela é, assim, inseparável
desta. Talvez fique ainda mais claro dizer isto: pensar é dialogar com a
circunstância. Queiramos ou não, temos sempre presente e patente nossa
circunstancia; por isso nos entendemos. Mas para entender o pensamento do outro,
temos que nos fazer presentes em sua circunstancia. Sem isso, seria como se de um
dialogo possuíssemos apenas o que diz um dos interlocutores (GASSET apud
MATUS, 1997, p. 206).
A última parte do conceito formulado por Ortega e Gasset parece tornar evidente a
diferença entre o diagnóstico tradicional e a explicação situacional. “O diagnóstico é um
monólogo feito por alguém não situado e fechado em sua própria visão do mundo que o
rodeia. Já a apreciação situacional é um diálogo entre um ator e outros atores” (MATUS,
1997, p. 207).
Este é um ponto central para o Planejamento Estratégico Situacional (PES): não há
ação à distância, atua-se apenas no presente e no local. Sendo assim, a explicação de uma
realidade não é independente de quem explica, de para quê explica, de que posição explica e
para quem explica. Portanto, se a realidade não é a mesma, não pode ter a mesma explicação
por parte dos diferentes atores sociais que ocupam situações diferentes no sistema explicado.
Em função disso o Planejamento Estratégico Situacional (PES) presume considerar uma
explicação policêntrica da realidade (MATUS, 1997).
3. METODOLOGIA
O delineamento dos procedimentos metodológicos é de natureza descritiva e
exploratória; a escolha de procedimentos sistemáticos para a descrição e explicação dos
10
fenômenos é predominantemente qualitativa, e, quanto aos procedimentos de coleta de dados,
bibliográfica.
A abordagem qualitativa se justifica, sobretudo, por tratar-se de uma forma adequada
para entender a natureza de um fenômeno social. Os estudos que empregam uma metodologia
qualitativa podem descrever a complexidade de um determinado problema, analisar a
interação de certas variáveis, compreender e classificar processos dinâmicos vividos por
grupos sociais, contribuir no processo de mudança de determinado grupo, e possibilitar em
maior nível de profundidade, o entendimento das particularidades de seus comportamentos.
Já a pesquisa descritiva busca conhecer as diversas situações e relações que ocorrem
na vida social, política, econômica e demais aspectos do comportamento humano (CERVO e
BERVIAN, 1996). A pesquisa descritiva pode assumir diversas formas, entre as quais, está o
estudo exploratório que se restringe a definir os objetivos da pesquisa e buscar maiores
informações sobre os assuntos que vão ser estudados. Tais estudos realizam descrições
precisas da situação e permitem descobrir as relações existentes entre os elementos
componentes da mesma.
A técnica de pesquisa utilizada foi a bibliográfica, que permite explicar o problema a
partir de referências teóricas publicadas. Ela pode ser realizada independentemente ou como
parte da pesquisa descritiva. Em ambos os casos, busca conhecer ou analisar as contribuições
culturais ou científicas do passado existentes sobre um determinado assunto, tema ou
problema. Constitui parte da pesquisa descritiva quando esta é feita com intuito de recolher
informações e conhecimentos prévios acerca de um problema para o qual se procura resposta
(CERVO e BERVIAN, 1996).
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
No referencial teórico utilizado para fundamentar o trabalho perceberam-se algumas
evidências da necessidade de uma nova epistemologia para pensar e explicar as singularidades
e as subjetividades das pessoas, do mundo e até das instituições.
Visto que a epistemologia clássica se utiliza de princípios simples e leis gerais, e seu
paradigma de simplificação incorpora os princípios da generalidade, da separação e da
redução, os autores referidos sugerem que se restabeleça a unidade do complexo e as
articulações entre o que foi separado, na tentativa de compreender a multidimensionalidade,
as singularidades, a localidade, a temporalidade e a totalidade integradora.
A racionalidade da epistemologia clássica apoia-se na ideia de que a complexidade dos
fenômenos pode e deve ser resolvida a partir de princípios simples e leis gerais,
desconsiderando valores humanos como liberdade, justiça e igualdade, e substituindo-os pelo
cálculo específico de custo e benefício, e considerações tipo meios - fins. Por essa razão, esse
trabalho fundamenta-se na epistemologia da complexidade como um novo paradigma o qual
considera o entendimento da incerteza, da desordem, da contradição e da pluralidade como
parte da problemática geral das ciências.
A ambição dessa epistemologia é explicar as conectividades dos conhecimentos que
envolvem a realidade observada, visto que o pensamento complexo reconhece e examina os
fenômenos por uma ótica multidimensional. Por essa razão é necessário substituir o
pensamento causal linear e unidimensional pelo pensamento causal circular e multirefenciado.
Na epistemologia da complexidade o campo de conhecimento deixa de se configurar
pelo objeto puro, e passa a ser considerado pelo objeto visto, percebido e coproduzido pelas
pessoas.
11
Levando em consideração os aspectos aqui elencados acerca da epistemologia da
complexidade, pretende-se contribuir para a administração pública com um novo olhar sobre
ela mesma e sobre a sociedade que é seu objeto e seu campo de atuação.
No campo da teoria das organizações, no qual a administração pública está inserida,
estas diferentes abordagens epistemológicas – clássica e complexa – redundam em duas
formas distintas de gestão pública.
A forma clássica de gestão evoluiu de uma perspectiva burocrática, para uma
gerencial, contudo não conseguiu incorporar a dimensão sócio - política à gestão pública por
se basear em uma visão estreita e restritiva da razão humana, além de ter um entendimento
incompleto da aquisição do conhecimento. Sua racionalidade instrumental limita as ações
públicas a um aspecto de eficiência e racionalização dos meios e fins onde os valores
humanos deixam de ser critério de julgamento para as ações.
Por essa razão, a epistemologia da complexidade pode suprir as limitações das teorias
que têm um entendimento incompleto do sentido da ação humana, além de promover uma
abordagem que respeite as complexas interações entre os elementos que compõem um
sistema, formando uma visão global das relações entre os seus diferentes componentes.
A complexidade pode adicionar à administração pública uma atenção aos fenômenos
complexos, frequentemente não lineares e guiados por uma variedade de forças, com grande
capacidade de auto-organização e situados em um contexto específico.
Devido à multiplicidade de contextos na sociedade, a configuração do ambiente sobre
o qual o gestor público irá atuar muda constantemente, por isso a importância da teoria da
complexidade para os decisores públicos.
No âmbito da teoria da complexidade, o que definitivamente não é disponível para os
planejadores e avaliadores é uma imagem clara de todo o ambiente. O funcionamento dos
sistemas adaptativos complexos simplesmente não permite o conhecimento das vias de
comportamento auto-organizável dos sistemas. Na melhor das hipóteses, os planejadores e
estrategistas podem esperar apenas para entrar no jogo, como os próprios jogadores, ou para
participar na definição do contorno das regras em que o jogo vai ser jogado (BOVAIRD,
2008).
Em tal contexto, é preciso entender a gestão estratégica como algo muito diferente
do planejamento estratégico tradicional encontrado na literatura de gestão pública, isto é,
aquela que responde com intenções claramente formuladas às mudanças no ambiente.
Em vez disso, a gestão estratégica torna-se o conjunto de reações
de um agente por meio do qual se espera tanto para tirar o máximo proveito das mudanças
percebidas no seu ambiente, quanto também para mudar, a longo prazo, as "regras do jogo",
que modelam como o ambiente evolui.
Assim, como maneira de fundamentar o planejamento na gestão da administração
pública sugere-se a adoção de um modelo técnico metodológico de planejamento,
denominado Planejamento Estratégico Situacional, que rompe com a epistemologia clássica
ao negar a separação entre sujeito e objeto, opondo-se também ao pensamento linear,
mecânico e reducionista que se fundamenta na epistemologia da complexidade.
Na perspectiva do planejamento estratégico situacional, o sujeito que planeja deve
estar dentro e em interação com a realidade sobre a qual pretende intervir, e, por isso, a
explicação de uma realidade não deve ser independente de quem explica, de para quê explica,
de que posição explica e para quem explica.
12
O Planejamento Estratégico Situacional representa uma ruptura epistemológica que
substitui o pensamento formulado na modernidade – aposta na capacidade racional do ser
humano e no potencial transformador da tecnologia – pelo pensamento pós-moderno, que
manifesta dúvidas sobre a objetividade e neutralidade do conhecimento; questiona teorias
universalmente válidas; nega a separação entre sujeito e objeto, procurando destacar em todos
esses aspectos, sobretudo, a importância da dimensão social da existência.
Em função disso, o Planejamento Estratégico Situacional (PES) presume considerar
uma explicação policêntrica da realidade, adequando-se ao pensamento embasado pela
epistemologia da complexidade.
Assim, parece pertinente aceitar–se a epistemologia da complexidade para
fundamentar perspectivas emergentes para a gestão da administração pública.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A administração pública tem como objetivo promover o bem comum. Por isso, deve
procurar dotar-se de instrumentos que lhe permitam gerir os processos que concretizem
objetivos publicamente definidos.
Um desses instrumentos, denominado planejamento estratégico, vem sendo aplicado
na gestão pública, especialmente a partir da perspectiva de estratégia como plano. Como todo
enfoque metodológico sobre o planejamento, é uma forma de pensar e conceber o
planejamento mediante o desenvolvimento de um conjunto de categorias centrais - com suas
inter-relações - que sejam capazes de representar as relações de direção e causa de um
problema. É precisamente essa perspectiva voltada para o planejamento estratégico na área
pública que se propõe substituir.
Como alternativa, apresenta-se o Planejamento Estratégico Situacional (PES), cuja
premissa enuncia que a realidade não é independente de quem explica, para que explica, de
que posição explica e para quem explica. Portanto, se a realidade não é a mesma nas várias
situações, não pode ter a mesma explicação por parte dos diferentes atores sociais que ocupam
situações diferentes no sistema explicado. Em função disso, o Planejamento Estratégico
Situacional (PES) presume considerar uma explicação policêntrica da realidade.
Parece pertinente dizer que esta visão de planejamento está fundamentada em uma
base epistemológica complexa, o que permitirá ao gestor público conhecer mais
profundamente quem são e o que desejam os sujeitos para quem a administração pública
planeja.
Assim, conclui-se que a perspectiva situacional do planejamento e sua ancoragem na
epistemologia da complexidade permitirá ao administrador público uma ação mais efetiva
sobre a realidade.
Mesmo que este trabalho apresente como limite ser de natureza bibliográfica, acreditase que a robustez dos conceitos e circunstâncias aqui reportados, fazem-no pertinente e
merecedor de reflexões coerentes com a modernidade e a atualidade presentes.
6. REFERÊNCIAS
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14
CULTURA, LINGUAGEM GRÁFICA E ALFABETISMO VISUAL
Alvaro Roberto Dias
Amanda Queiroz Campos
Richard Perassi Luiz De Sousa
CULTURA, LINGUAGEM GRÁFICA E ALFABETISMO VISUAL.
RESUMO:
Este texto defende a possibilidade de “alfabetismo visual”, como decorrência do
estudo da “sintaxe visual”, considerando-se os elementos e as relações pré-figurativas da
imagem gráfica, cuja origem pode ser artesanal, fotográfica ou digital. No nível semânticofigurativo, a denotação visual coincide com o significado denotativo das palavras, apesar de,
geralmente, a codificação visual ser analógica ou estabelecida por semelhança, enquanto a
codificação linguística é convencional. Assim, no nível sintático pré-figurativo, o alfabetismo
visual difere e assume sua singularidade, com relação ao processo de alfabetização para a
leitura e a escritura linguística, interferindo com efeitos conotativos na significação denotativa
da imagem e na semântica final do discurso imagético.
ABSTRACT
This text defends the possibility of "visual literacy" as a result of the study of "visual
syntax", considering the elements and relations of pre-figurative graphic image, whose origin
can be handmade, photographic or digital. At the level semantic-figurative, visual coincides
with the denotative meaning of words, although usually the visual encoding analog or be
established by similarity, while the coding language is conventional. Thus, at the level
syntactic pre-figurative, visual literacy is different and takes its uniqueness in relation to the
literacy process for reading and writing language, interfering with the effects connotative
denotative meaning of the image and semantics end of the discourse imagery.
PALAVRAS-CHAVE:
Percepção Visual. Sintaxe Visual. Leitura da Imagem.
1. APRESENTAÇÃO.
O ser humano simbólico-social é definido por uma tessitura complexa, sendo essa
trançada por linguagens. Além da linguagem verbal, falada ou escrita, há inúmeras outras
linguagens, inclusive visuais, cujos signos são configurados por formas e cores. As sensações
formais e cromáticas são expressas sobre superfícies, por meio de elementos gráficopictóricos, chamados de pontos, linhas, manchas e planos (PERASSI, 2010). Esses elementos
compositores de formas e cores são organizados para representar diversas figuras ou
símbolos, como números, letras, gráficos e imagens. As linguagens visuais ainda podem ser
compostas por expressões faciais, gestuais e de vestuário, entre outras. Mas, além do
repertório das linguagens visuais, há um amplo acervo de sons, aromas e sensações táteis,
compondo expressões e linguagens diversas. Assim, o ser humano é tão complexo quanto as
linguagens que utiliza para a comunicação (SANTAELLA, 2003).
No contexto sócio-cultural a existência é um processo transformador do ser humano
psíquico-biofísico em sujeito social e político. Pois, essa existência é envolvida na
simbolização e na comunicação, compondo o contexto cultural dominado pela linguagem.
Essa última é a parte central da temática deste trabalho que, mais especificamente, trata da
linguagem visual. A base de estudo é a complexidade dos estímulos ao olhar na produção
simbólica do ato de ver, configurando neste caso específico o “alfabetismo visual” 1 no
contexto da linguagem gráfica.
Este trabalho é parte do processo de pesquisa e estudos do grupo de pesquisa sobre
significação, informação e comunicação organizacional. A base conceitual é decorrente da
Teoria Semiótica, como foi primeiramente proposta por Charles Sanders Peirce (1839-1914) e,
também, da Teoria da Forma (Gestalt) e da Linguagem Visual, a partir dos estudos da área de
Psicologia sobre percepção e linguagem visual. O processo de pesquisa consistiu na descrição
do fenômeno em estudo, contextualizado na cultura ocidental, sendo representado e
interpretado, com base em terminologias, relações e conceitos extraídos das teorias adotadas.
2. A CULTURA VISUAL.
Na sociedade atual, o ser humano em sociedade vive imerso em imagens. Assim, é
permanentemente estimulado por informações visuais, desde o dia de seu nascimento. Isso
impõe um constante exercício visual, durante o período de crescimento do índivíduo e do
restante da vida do sujeito social. Portanto, neste aspecto particular, a ontogênese, como
percurso individual, reforça a filogênese, como o percurso de constituição da espécie
humana2, que selecionou a visão como o principal sentido no seu processo perceptivo.
O homem percebe, apreende e interpreta imagens e, em torno dessas, organiza suas
necessidades, preferências, prazeres e temores, com base no que vê. “A visão é natural; criar
ou compreender mensagens visuais é natural até certo ponto, mas a eficácia, em ambos os
níveis, só pode ser alcançada através do estudo” (DONDIS, 2007, p.16). Assim, o olhar parte
de uma potencialidade bioneurológica, mas é predominantemente determinado pela cultura.
Isso possibilita a educação dos sentidos e dos sentimentos, no contexto da educação estética,
e da cognição e do conhecimento lógico, no contexto da educação interpretativa dos códigos
culturais.
O ato de ver implica em aprendizado e discriminação, ou seja, passa primeiramente
por uma educação e, posteriormente, por uma alfabetização, para organização de sentidos e
significados. O domínio perceptivo-interpretativo dos dados percebidos otimiza a
compreensão das mensagens visíveis, de acordo com os padrões culturais.
Os processos de educação, estético e interpretativo, propõem denominações diferentes
à observação visual. Assim, neste texto, o verbo “olhar” assinala a ação natural, decorrente da
biologia dos seres humanos. Mas, o verbo “ver” é relacionado à ação cultural interpretativa.
Portanto, é necessário educar o olhar para que esse possa ver de acordo com os padrões
culturais.
O verbo “ver” indica a observação dos dados visuais como informações da realidade
determinadas pela cultura, participando do processo de comunicação entre o mundo e o ser
1
“Alfabetismo visual” é a expressão que indica a possibilidade de aprendizagem da leitura de imagens, tendo sido
apresentada por Jefferson Luiz Camargo, na tradução do livro A primer visual literacy , publicado no Brasil com
o título “Sintaxe da linguagem visual” (DODIS, 2001/2007).
2
Filogênese é a teoria que estuda a história da evolução humana, nomeadamente a constituição dos seres
humanos como sujeitos cognitivos. Ontogênese é a teoria que considera o conhecimento como um processo de
modificações e adaptações ao meio que ocorre em todos os seres vivos, desde o nascimento (FONSECA, 1998).
humano, sob a mediação cultural. Isso é tão envolvente que o olhar puramente natural existe
apenas como argumento teórico ou ideal.
Propõe-se aqui outra distinção didática, representada nas palavras “percepção” e
“interpretação”. Pois, a palavra “percepção” é usada para assinalar as sensações e sentimentos
e, em especial, a sensação visual, apesar de haver interpretação no ato da percepção, que não
acontece isolado da cognição e da influência cultural. A palavra “interpretação”, entretanto, é
usada aqui para assinalar a leitura ou interpretação das sensações e dos sentimentos
decorrentes.
De acordo com Munari (1997, p. 62), praticamente “tudo que se vê é comunicação
visual, seja uma flor, uma nuvem, um desenho técnico, um cartaz, uma bandeira”. Todos
esses exemplos são imagens que transmitem informações diferentes e cujo valor varia de
acordo com o contexto cultural em que estão inseridas.
Niemeyer (2003) assinala que a ocorrência de um produto, predominantemente prático
ou prioritariamente comunicativo, acontece em relação direta com o cenário cultural, sóciopolítico-econômico, estando inserido e delimitado nas dimensões geográficas e históricas. “O
produto está sujeito a interferências várias, determinadas pelas contingências do sistema em
que participa” (NIEMEYER, 2003, p. 27).
Há culturas regionais, mas existe a cultura geral, que pertence à humanidade como um
todo. Assim, também, há as linguagens regionais, mas existem linguagens que são igualmente
universais. Por exemplo, as imagens naturalistas são compostas por códigos analógicos e, sob
certos aspectos, são apreciadas e interpretadas de maneira semelhante em todo o mundo. O
mesmo ocorre com algumas imagens simbólicas, que foram codificadas por convenções
universalizadas, sendo mundialmente interpretadas de maneira semelhante.
Além das imagens antigas disseminadas pela tradição, como as representações da cruz
que simbolizam o cristianismo e da estrela de David que simbolizam o judaísmo, também, a
comunicação de massa universalizou muitos outros ícones no contexto cultural de consumo.
Por exemplo, a figura de Papai Noel e de Ronald McDonald, além dos diversos ícones do
cinema, dos esportes e das marcas comerciais. Isso decorre do compartilhamento de sentidos
e significados devido às articulações dos signos.
Sob a figurativização das imagens, há ainda códigos universais pré-figurativos da
composição das formas e de suas relações, estabelecendo a sintaxe das composições ou
representações visíveis que, em certas situações, determina ou influencia a semântica ou
significação das imagens.
3. SINTAXE E ALFABETISMO VISUAL.
A sintaxe visual é determinada por “elementos básicos que podem ser aprendidos e
compreendidos por todos os estudiosos dos meios de comunicação visual, sejam eles artistas
ou não, e que podem ser usados, em conjunto com técnicas manipulativas para a criação de
mensagens visuais claras” (DONDIS, 2007, p. 18). Assim, a sintaxe visual é composta por
relações formais e determinada por um grupo de diretrizes reguladoras da percepção dos
elementos visuais, influenciado por aspectos subjetivos e culturais, que participam do
repertório de artistas e designers no exercício da comunicação visual.
Ao longo do processo evolutivo, a percepção visual foi desenvolvida de modo
particular, como é inerente ao ser humano, por ser uma função necessária à sobrevivência da
espécie. Não há um momento que define a passagem do olhar natural para a visão cultural.
Porém, a cultura continuamente implementa o olhar como visão e esse orienta a produção de
imagens artificiais que representam sua realidade. O processo de interação entre o olhar e a
representação, inclusive com relação à imagem fotográfica, requer um tipo de educação
específica denominada “alfabetismo visual” (DONDIS, 2007).
A característica icônica das imagens garante seu amplo potencial de universalização,
muito além dos textos decorrentes das linguagens verbais, escritas ou faladas. Pois, a imagem
possibilita relações, percepções e interpretações, a partir de analogias ou semelhanças entre
sensações e sentimentos. Essa é a característica dos signos icônicos que, de acordo com Peirce
(2005) e Santaella (2003), são estabelecidos como qualidades (qualissignos), a partir do campo
estético da primeiridade, como categoria fenomenológica.
Dondis (2007) adverte que o termo visual e as imagens que são indicadas por essa
terminologia podem assumir diferentes significados, de acordo com as características dos
segmentos culturais em que estão inseridos ou sendo comunicados. Isso indica que os
conceito de imagem ou objeto visual é “produto de uma inteligência humana de enorme
complexidade, da qual temos, infelizmente, uma compreensão muito rudimentar” (DONDIS,
2007, p. 02).
Apesar da superexposição de imagens, o cotidiano dos sujeitos sociais ainda é
predominantemente preenchido por palavras. Porém, a despeito das múltiplas e complexas
interpretações regionais ou individuais, que são possibilitadas com a percepção de imagens,
essas apresentam grande amplitude de comunicação. Assim, mesmo as palavras da língua
inglesa, utilizadas internacionalmente, apresentam menor amplitude de comunicação que as
imagens. A linguagem e a comunicação visual são mais amplas e universalizadas que a
linguagem e a comunicação verbal, apesar da verbalização e da escritura dominarem a
pragmática da comunicação cotidiana entre as pessoas.
A pseudonaturalidade com a qual os sujeitos sociais lidam com as imagens impede a
percepção dos códigos ou convenções culturais que as determinam como linguagem. Porém,
foi a construção dessas codificações que, continuamente, substituíram o olhar pela visão
culturalmente demarcada. A despeito da acessibilidade geral ao uso empírico da linguagem
visual e de sua pragmática comunicativa, há uma gramática constituída sob essa
pseudonaturalidade.
Alfabetismo visual é a expressão que demarca a possibilidade de alguns e a
necessidade de outros de compreenderem e atuarem de maneira crítica com a
pseudonaturalidade da visão e da representação visual. Portanto, como na alfabetização para o
domínio das línguas naturais, por processos conscientes de leitura e escrita, o alfabetismo
visual requer o estudo e o domínio consciente da gramática visual.
O estudo começa com os elementos e as regras de sintaxe, uma vez que os códigos
que configuram as imagens abstratas ou miméticas são analógicos. Portanto, exceto nos casos
dos signos visuais codificados por convenção explícita, como os sinais de trânsito, a
semântica visual resulta diretamente das relações estético-sintáticas, ao nível da primeiridade.
Por exemplo, um desenhista amador traça linhas com lápis preto sobre o papel branco,
compondo formas que, em conjunto, compõe uma figura semelhante à visão do rosto de uma
determinada pessoa. Assim, representa, simbolizando ou significando um rosto específico,
através do desenho. O processo é sensualista ou pseudonaturalista, porque o desenhista
desenvolveu, “naturalmente”, sua habilidade de representar sensações visuais em desenhos a
lápis. Portanto, a mediação estabelecida pelo desenhista, entre o desenho e a observação do
rosto, é resultado direto da analogia visual, dispensando o uso consciente do código.
Com relação ao desenho do exemplo anterior, alguém que conhece os elementos e os
aspectos da sintaxe visual deve considerá-lo como evidência do domínio inconsciente do
código naturalista. Pois, descrito de modo consciente, o processo caracteriza o uso do rabisco
em forma de linha, como elemento pré-figurativo da linguagem visual, para estabelecer
relações visuais que, devido à imaginação do observador, sugerem semelhança ou analogia
com um determinado rosto.
Como elementos básicos, os rabiscos são realizados com um lápis, criando marcas
escuras, finas e alongadas, sobre o papel. Conceitualmente, cada uma dessas marcas é
chamada de “linha (WONG, 2008). Os movimentos da mão e do braço do desenhista foram
registrados pelo traçado das linhas. Assim, a imaginação do observador pode conceber que as
próprias linhas “expressam movimentos”, compondo “ritmos”. Pois, os movimentos
imaginários das linhas podem, ainda, ser associados aos ritmos sonoros. As linhas se fecham
para compor figuras que, imaginariamente, são associadas a partes do rosto, como olhos, nariz
e boca, entre outras. Para tanto, é necessário que o traçado das linhas expresse “ritmos
orgânicos ou ondulados”, considerando-se o desenho em estilo naturalista.
O traçado do olho (Fig. 01), por exemplo, configura uma forma aproximadamente
elíptica, ou seja, com uma “configuração” específica. Para tanto, a linha deve expressar um
movimento previsto, compondo uma figura aproximadamente elíptica, cuja “proporção” deve
seguir um padrão estabelecido pelo modelo. Assim, pode-se dizer que “movimento” e
“proporcionalidade” determinam uma configuração, a qual, por analogia, propõe a imaginação
de que se trata do formato de um olho humano específico.
Figura 01: Esquema teórico do desenho do olho - Fonte própria
A alfabetização visual implica, portanto, em relatar ou observar, por exemplo, o
desenho do contorno de um olho, como uma linha traçada com ritmo ondulado ou orgânico,
expressando um movimento aproximadamente elíptico, de acordo com determinada
proporção.
Há outros elementos básicos além do tipo de rabisco chamado linha e, também, outros
aspectos conceituais, além de movimento, ritmo e proporção. Todavia, conhecer os elementos
expressivos e os aspectos conceituais ou imaginativos, compreendendo suas inter-relações na
composição visual abstrata ou figurativa é mostrar-se visualmente alfabetizado.
O que se propõe é que a sintaxe visual depende da percepção da luz e do movimento
psicológico imaginativo. Esse último é diretamente influenciado pelo contexto cultural em que
foi construído. Portanto, é afetado pelo processo perceptivo-interpretativo do observador e
pelo ambiente imediato onde ocorre a percepção.
Não há, predominantemente, um conjunto codificado por convenções lógicas e
conscientes como há na linguagem verbal. Pois, o processo perceptivo-interpretativo (que
possibilita o reconhecimento) e o processo gráfico-representativo (que permite a comunicação
visual) ocorrem em nível de primeiridade, recorrendo à subjetividade, à intersubjetividade e
aos códigos analógicos.
4. ALFABETISMO VISUAL E ALFABETIZAÇÃO PARA LER E ESCREVER.
Com recursos do campo lógico-abstrato, o alfabetismo visual propõe nomear os
elementos expressivos e os aspectos inter-relacionais, para explicar a sintaxe ou o processo de
organização dos elementos expressivos. Pois, são esses que possibilitam a vivência estéticoanalógica do observador. Contudo, ainda considerando os exemplos anteriores, os sentidos do
desenho de um rosto ou de um olho decorrem diretamente da vivência do processo de
observação, sem a necessidade da explicação teórica sobre sintaxe visual.
O estudo da sintaxe no processo de alfabetismo visual interpreta uma mensagem com
base do nível pré-figurativo (PERASSI, 2010). Pois, a partir do nível técnico, são os elementos
expressivos pré-figurativos que oferecem a base perceptível para as representações
imaginativas, sejam essas decorrentes do nível denotativo-figurativo ou dos processos
simbólico-conotativos. Assim, no exemplo do desenho do olho (Fig. 01), a expressão e a
composição dos rabiscos, que a teoria batizou como linhas, possibilitam que a imaginação do
observador associe a figura decorrente como representação de um olho.
A palavra “imaginação” é pertinente devido à necessidade da imagem ser associada a
alguma coisa que lhe é totalmente diferente. Pois, não há nenhum indício ou relação factual
(secundidade) ou de lei convencionada (terceiridade), que justifique a relação entre um
desenho e um olho humano. É a partir de uma mera sensação de semelhança configurada
(primeiridade), que se imagina a possibilidade de representação.
Ao perceber um símbolo convencional bem codificado, o observador observa,
compara e associa a imagem vista com suas próprias memórias, que são decorrentes da
percepção de outras representações. Assim, comumente identifica a lei associativa e,
imediatamente, reconhece aquilo que, convencionalmente, o símbolo representa. Portanto,
pode identificar e explicar a convenção que determina o significado. Todavia, antes e além do
reconhecimento do significado, são propostos diversos sentidos decorrentes de sensações e
sentimentos. Esses sentidos sugerem também pensamentos, mas a origem desses não é
identificada e explicada. Por exemplo, essa dificuldade é comum nos processos intuitivos.
O aprendizado do alfabetismo visual é similar ao processo de alfabetização para a
linguagem escrita. Mas, não é igual, porque a ênfase da alfabetização para a escrita recai sobre
a semântica que, prioritariamente, é codificada por convenção. Já o alfabetismo visual é
dominado pela sintaxe. Os sentidos decorrem de relações internas ao signo visual porque, via
de regra, a codificação visual é estético-analógica, excetuando-se os sinais de trânsito e outras
imagens determinantemente simbólico-convencionais.
Para Munari (1997, p. 58), assim como aprende a ler e escrever, o sujeito social
também deveria ser alfabetizado visualmente.
Conhecer comunicação visual é como aprender uma língua, língua feita só de imagens,
mas imagens que têm o mesmo significado, para as pessoas de todas as nações, portanto de
todas as línguas. Linguagem visual é uma linguagem, talvez mais limitada do que a falada,
mas certamente mais direta.
É possível concordar com Munari (1997) sobre a pertinência do aprendizado da
linguagem visual, sua universalidade e, também, sua limitação. A universalidade decorre da
codificação analógica. Pois, a semelhança de sensações é percebida por quase todos os
habitantes do planeta. Mas, a limitação também é imposta, porque uma imagem só descreve
suas especificidades e as características do modelo que representa. Assim, a fotografia
apresenta sua materialidade, por exemplo, a qualidade do papel como brilhante ou fosco,
descrevendo também as características da luz e do objeto no momento em que foi
fotografado. Mas, não há como descrever uma imagem por meio de outra.
Deve-se, entretanto, ponderar sobre o que é “direto” na imagem. Pois, seu caráter
denotativo, decorrente da analogia ou semelhança, garante sua universalidade. Mas, isso não
precisa ser oficialmente aprendido, porque o exercício de percepção das semelhanças decorre
da continua vivência cultural, desde a infância do sujeito. Sendo assim, não é necessário
explicar, em um momento determinado, que a fotografia de um objeto, por exemplo, uma
cadeira, deve ser associada ao próprio objeto. Contudo, em um ou mais momentos
determinados, é necessário explicar para alguém que a palavra “cadeira” deve ser relacionada
à coisa “cadeira”. Por exemplo, na instalação artística One and Three Chairs (1965), Joseph
Kosuth propôs a comparação entre a percepção direta, a representação fotográfica e a
representação escrita de uma cadeira (Fig. 02).
Figura 02: - Instalação: One and Three Chairs (KOSUTH, 1965). Fonte : PERASS, 2005).
Isso diferencia a alfabetização linguística do alfabetismo visual, porque esse último
deve fazer o sujeito observar que, antes de ser a representação de um objeto, uma imagem é
um conjunto de manchas que, inclusive, pode ser graficamente representado. De modo
manual ou mecânico, esse conjunto gráfico-pictórico foi organizado no plano do suporte para
representar por semelhança um ou mais seres ou objetos. As normas de organização são
analógicas e definem um tipo específico de codificação. Portanto, os elementos básicos como
pontos, linhas, planos e manchas são propostos para expressarem cores e tonalidades e, ainda,
organizados para compor os elementos “configurativos”, como as formas geométricas ou
“orgânicas”. Por sua vez, as formas também são organizadas para compor figuras, que podem
ser abstratas ou “configurativamente” semelhantes aos seres ou objetos. Esses ainda podem
ser observados na realidade ou produzidos pela imaginação.
Diante de determinadas composições, o conjunto dos elementos básicos propõe
sensações, sugerindo movimento, ritmo, profundidade, equilíbrio visual, proporção, unidade e
outros sentidos. Portanto, além de compor formas e figuras imaginadas, como representantes
de seres e objetos, as composições gráfico-visuais planas e estáticas ainda podem ser lidas
como imagens dinâmicas e espaciais, propondo ritmos específicos e mostrando-se
visualmente equilibradas, além de outras possibilidades.
Há, portanto, um aprendizado de leitura visual que parece “natural”, porque não é
formalmente aprendido, apesar de ser culturalmente determinado. Porém, especialmente para
os profissionais que atuam com comunicação visual e, mais especificamente os designers
gráficos, o aprendizado necessário propõe a compreensão lógica do processo de representação
e leitura que, normalmente, acontece de modo intuitivo. Assim, o alfabetismo visual é um
processo de refinamento da prática.
Dondis (2007, p. 03) assinala que o “alfabetismo visual” propõe “construir um sistema
básico para a aprendizagem, a identificação, a criação e a compreensão de mensagens visuais
que sejam acessíveis a todas as pessoas”. Isso é dito no contexto mais abrangente da
comunicação, que busca a universalidade, evidenciando o que é coletivo sobre o que
particular. Portanto, no alfabetismo visual, deve-se considerar primeiramente os códigos
gerais, como os denotativos e outros, que se inserem amplamente na cultura universal.
Todavia, deve-se procurar compreender e considerar devidamente o que é igualmente
codificado, mas apenas no âmbito regional, local ou pessoal. Isso determina o que é universal
e o que é particular na comunicação por imagens. Pois, uma mesma imagem propõe muitas
possibilidades para diferentes interpretações.
Ressalta-se que, como foi proposto anteriormente, o alfabetismo implica a construção
de uma visão crítica e aprofundada da mensagem visual, indicando e identificando como a
produção de sentido ocorre a partir do nível pré-figurativo ou pré-denotativo. Para compor
uma metáfora, pode-se dizer que é necessário saber ler ou interpretar as “entrelinhas” das
imagens.
Fig. 03 – Imagens de “mulher segura criança no colo”. Fonte: Perassi, 2010.
No nível figurativo ou denotativo, a imagem já se encontra com a palavra e pode ser
descrita de acordo com a linguagem verbal. Por exemplo, nas imagens que representam a
mulher com uma criança no colo (Fig. 03), há o sujeito configurado na imagem, que pode ser
representado pela palavra “mulher”. A ação proposta pode ser representada pelo verbo
“segurar”. O objeto da ação é representado pela palavra “criança”. Por fim, a palavra “colo”
indica o advérbio de lugar. Portanto, as imagens podem ser descritas diretamente pela
linguagem verbal, como “mulher segura a criança no colo” (Fig. 03).
Há identidade no aspecto figurativo-denotativo, porque as duas imagens (fig. 2)
representam uma mulher que segura a criança no colo. Mas, apesar disso, os estilos de
representação e os sentidos expressos por cada uma das imagens são bastante divergentes.
Essa divergência diz respeito à sintaxe visual (DONDIS, 2000), demarcando a diferença da
gramática visual (PERASSI, 2010), com relação à gramática verbal. Pois, a identificação entre
essas duas gramáticas se restringe aos aspectos denotativos e aos elementos
convencionalmente simbólicos.
Na imagem apresentada à esquerda do observador (CIMABUE, séc. XV), há um
círculo, que é percebido ao redor da representação da cabeça da criança. A mesma imagem,
também, sugere a forma circular ao redor da representação da cabeça da mulher. Nessa
situação, convencionalmente, os círculos são denominados de “auréola” ou “halo” e,
convencionalmente, simbolizam a santidade das entidades representadas. Na imagem à direita
do observador (SANZIO, séc. XVI), não há convenções desse tipo, porque a imagem é
totalmente codificada por analogia.
Há, também, relações simbólicas que são extraídas diretamente do nível pré-figurativo.
Por exemplo, as figuras da imagem à esquerda do observador (CIMABUE, séc. XV) são
compostas por formas mais geometrizadas e planas, apresentando uma composição mais
esquemática. Na imagem à direita do observador (SANZIO, séc. XVI), as figuras são
compostas por formas mais orgânicas, com sugestões volumétricas, resultando em uma
composição mais naturalista. Entretanto, a composição geométrico-esquemática das imagens
ressalta seu caráter simbólico, enquanto a composição naturalista dissimula seu caráter
simbólico, sob sua pretensa naturalidade.
Além das auréolas representando a santidade, a própria composição esquemática da
imagem à esquerda do observador (CIMABUE, séc. XV) evidencia sua função simbólica,
indica seus valores idealizados ou transcendentes. Já a composição naturalista da imagem à
direita do observador (SANZIO, séc. XVI) dissimula sua função simbólica e assinala sua
dimensão materialista e humanista, porque aproxima a representação das sensações
vivenciadas pelos seres humanos diante da materialidade do mundo.
5. TEORIA DA FORMA E SEMIÓTICA: PERCEPÇÃO E INTERPRETAÇÃO.
O alfabetismo visual encaminha o sentidos decorrentes da experiência estético-afetiva
para o campo interpretativo, porque interpreta os fenômenos de primeiridade, sob a
perspectiva de sua função cognitivo-simbólica de terceiridade, que é identificada no campo do
conhecimento e na comunicação social. Isso insere a linguagem visual nas áreas de Semiótica
e Semiologia da Imagem.
Santaella (2003, p. 15) propõe “Semiótica” como: “é a ciência que tem por objeto de
investigação todas as linguagens possíveis”. Pois, a investigação das linguagens naturais ou
sociais ocorre por meio do estudo dos signos. A semiologia também investiu no estudo da
significação. Para Barthes (1987, p. 11), “Semiologia” toma por objeto “qualquer sistema de
signos”, composto por imagens, gestos ou sons melódicos, considerando que os ritos, os
protocolos ou os espetáculos “constituem, senão linguagens, pelo menos sistemas de
significação”.
Peirce (2005), em sua fenomenologia, considerou que a percepção é um processo de
intermediação entre os mundos do pensamento e da realidade exterior, que se estabelece por
três categorias: primeiridade, secundidade e terceiridade. A percepção e o pensamento
também são processos sígnicos ou de significação. Seguindo Peirce, Santaella (2003) diz que
a percepção faz a ponte entre a linguagem, o cérebro humano e o mundo fora de si.
Os processos de expressão, ordenação e relacionamento dos signos visuais entre si
caracterizam a “sintaxe visual”. Assim, os signos são expressos pelas qualidades percebidas
ou sugeridas nas formas visíveis que são basicamente as cores, as tonalidades, as texturas, a
volumetria e a configuração. Nas formas realmente volumétricas, o volume é literalmente
expresso. Mas, nas formas planas, gráfico-visuais, o volume pode ser sugerido com variações
tonais ou cromáticas. Além das texturas típicas do material que suporta as formas, essas
também podem ser compostas para sugerir texturas visuais, devido à maneira como, por
exemplo, são recobertas com grafismos ou outros efeitos decorrentes do uso de tintas.
Foi dito que a percepção relaciona o mundo (secundidade), com as sensações
(primeiridade) e com os pensamentos (terceiridade). Assim, a linguagem visual se estabelece a
partir das características que são consideradas próprias do mundo externo (secundidade).
Mas, também, se estabelece a partir das sugestões que se pode instituir com a manipulação
dos materiais do mundo, provocando sensações (primeiridade) que não correspondem às
características do mundo material. Isso propõe engodos ao pensamento (terceiridade),
obrigando-o à constante revisões dos processos perceptivos, para saber a diferença entre suas
descobertas e suas falsas impressões, porque necessita separar o que indicativo ou indicial
(secundidade), do que puramente icônico ou sensorial (primeiridade).
Além das sugestões advindas das representações compostas no mundo material, o
pensamento (terceiridade) deve alertar-se de seus próprios engodos. Pois, é característico da
mente perceber o mundo, projetando-o conforme seus conhecimentos previamente
adquiridos. A Teoria da Forma ou Gestalt foi desenvolvida ainda no século XIX, em Áustria e
Alemanha, e suas ideias evidenciaram a influência dos contextos externo e interno nos atos de
percepção. Pois, consideraram que a mente adapta o ato da percepção para privilegiar os
modelos pré-concebidos.
Os modelos mais universais foram apresentados na teoria Gestalt como leis. A
proximidade, a semelhança, a continuidade, a pregnância, as experiências passadas e a
clausura ou o fechamento são aspectos que definem as leis da percepção, sobre a divisão
proposta entre figura e fundo (GOMES FILHO, 2000). Assim, considera-se que as formas
simples e fechadas, como as formas geométricas, exercem maior atração no processo
perceptivo, destacando-se com relação a outras. As formas abertas tende a ser
complementadas e acordo com a lei da clausura e as formas próximas ou semelhantes tendem
a ser reunidas, compondo figuras que são destacadas do fundo.
Os estudos de Psicologia da Percepção e Psicologia da Forma fundamento os estudos
da sintaxe visual, porque indicam como a percepção relaciona os sinais visuais de acordo com
modelos ou signos pré-determinados. Portanto, o estudo dos princípios da percepção da
forma participa do processo de alfabetismo visual, sendo necessários aos pesquisadores,
professores e profissionais que atuam direta ou indiretamente com a comunicação visual.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
O senso comum tende a transformar ideias em mitos, promovendo a mitificação de
diversos temas, incluindo o tema “imagem”. As imagens são os elementos visuais mais
constantes e expressivos na cultura urbana da atualidade. Mas, em si mesmas, não são
capazes de definir precisamente o conjunto de informações das quais participam. Isso garante
o predomínio da linguagem verbal, como recurso imprescindível na comunicação objetiva.
Por exemplo, no outdoor que mostra uma pessoa jovem e bonita, podendo ser um
homem ou uma mulher. Via de regra, também, aparece pelo menos um nome, relacionando a
beleza do modelo a uma determinada marca. Pode haver, entretanto, duas alegações contrárias
a isso. A primeira deve considerar que pode ser apresentado apenas outra imagem, que seria o
símbolo da marca, caracterizando uma exceção perfeitamente possível. Porém, essa imagem
deve ser fortemente convencionada, equivalendo a uma palavra ou um sinal de trânsito. A
outra alegação válida considera que o nome da marca teria também um valor de imagem,
porque certamente apareceria escrito de uma maneira particular, caracterizando um logotipo.
Portanto, a palavra também seria uma imagem com valor específico.
O exemplo proposto no parágrafo anterior evidencia que, isoladamente, as imagens
são mais expressivas que comunicativas. Portanto, dizer que as imagens comunicam muita
coisa é a confirmação de sua imprecisão, que é característica imprópria para a comunicação
objetiva. No exemplo, a imagem descreve precisamente um indivíduo jovem que expressa
padrões culturais de beleza, sendo apresentado na condição de modelo. Essa descrição
permite a identificação do modelo por pessoas que o conhecem. Mas, será difícil dizer o
significado da imagem, com relação ao meio social na qual está inserida. Assim, uma imagem
sem legenda se apresenta como um retrato, para quem reconhece o modelo, ou como
expressão estética para o público em geral, estabelecendo um tipo de comunicação
predominantemente intersubjetiva.
Esse tipo de recurso que subtrai a informação escrita é comum no início de algumas
campanhas publicitárias, despertando o interesse do público ao provocar a ansiedade
decorrente da falta de sentido ou informação. Diante de um outdoor sem legenda, o público
prevê a estratégia publicitária. Porém, fica curioso com a falta de referência, porque a função
referencial é que define a comunicação em geral e, também, a comunicação publicitária.
O fato de que toda palavra escrita é, também, uma imagem, cuja aparência é
determinada por configurações, cores e outras características formais das letras, estabelece a
diferença entre o conteúdo ou significado linguístico da palavra e sua iconicidade ou aparência
formal. Isso propõe a separação entre forma e conteúdo. Portanto, pode-se escrever palavras
bonitas com letras feias ou palavras bonitas com letras bonitas, também, pode-se escrever
palavras feias com letras bonitas, entre outras possibilidades.
Além do conteúdo convencional da escrita, que é domínio da semântica, a maneira
como as palavras são escolhidas e organizadas na frase também produz sentidos e interfere na
semântica final do texto. Por exemplo, quando se escreve “homem grande” é estabelecido um
sentido diferente da expressão “grande homem”. Aliás, a palavra “homem” pode ser
substituída por “pessoa” para designar um sujeito. Porém, a expressão “grande pessoa”
também assume um sentido diferente com relação à expressão “grande homem”. É no campo
da sintaxe linguística que se estuda essa escolha de palavras e sua ordenação nas frases.
Há, portanto, um conteúdo que decorre diretamente do arranjo formal das palavras,
configurando o campo sintático ou estético da comunicação. Do mesmo modo, a escolha de
uma tipografia, o uso da forma itálica para compor a palavra ou das cores utilizadas para
expressa-la configura igualmente um campo de possibilidades de sentidos, que se estabelece
como sintaxe visual.
De modo geral, as configurações, as cores, as tonalidades, as texturas táteis ou visuais
e a representação de volumes são aspectos determinantes da sintaxe visual, que promove
diferentes sentidos nas imagens. Recuperando as ideias de Kandinsky (1866-1944), considera-
se que um triângulo colorido de amarelo sugere sentidos diferenciados com relação ao mesmo
tipo de triângulo colorido de azul. De maneira semelhante, um modelo fotográfico com
cabelos ruivos propõe sentidos diferentes quando seus cabelos são tingidos de preto.
Há variações decorrentes da percepção de mudanças de configurações, cores,
tonalidades, texturas e volumes. Há, também, os sentidos de dinamismo, ritmo, profundidade,
equilíbrio, proporcionalidade e unidade, entre outros, que são decorrentes das relações
formais e espaciais da imagem ou da composição visual. Ao ser percebido como
possibilidades de construção de sentido e significação, tudo isso define os elementos, os
aspectos e as relações que são consideradas na promoção do alfabetismo visual.
A partir dos princípios do alfabetismo visual, a interpretação das imagens prevê a
produção de discursos verbais, falados ou escritos. Portanto, propõe palavras para descrever
os aspectos compositores das imagens e as possibilidades de produção de sentido, mediada
pela cultura. A interpretação propõe compor legendas para as imagens ou os aspectos dessas
que, em princípio, não apresentam legendas.
7. REFERÊNCIAS.
BARTHES, R. Elementos de semiologia. São Paulo: Cultrix, 1987.
DONDIS, D. A. Sintaxe da linguagem visual. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
MUNARI, B. Design e Comunicação Visual. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
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WONG, W. Princípios de Forma e Desenho. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
CRIAÇÃO DE AMBIENTES COLABORATIVOS PARA TUTORES: UMA
PROPOSTA PARA O CURSO DE ADMINISTRAÇÃO DA UFSC
Marilda Todescat
Bruno César de Melo Moreira
Patrícia Battisti
Stephanie Bueno Zanichelli
1. INTRODUÇÃO
A Educação à Distância é uma modalidade de ensino que tem buscado conciliar o uso
das tecnologias ao processo educacional, com o intuito de ampliar a possibilidade de educação
(LITWIN, 2001), permitindo que alunos e professores, separados espacial e temporalmente,
possam interagir, criando um processo de ensino-aprendizagem.
As tradicionais formas presenciais de formações, não são suficientes para a grande
demanda de formação que surge a todo instante, sobretudo, em decorrência da evolução
tecnológica e do surgimento de novos processos de trabalhos. Isto tem influenciado e
motivado a ampliação da oferta do ensino, sobretudo na modalidade a distância. Relativo às
demandas de formação, quer sejam de ordem profissional, quer sejam de cunho particular, o
ensino a distância, pelas suas características, é o que poderá atender às necessidades dos
indivíduos que, por circunstâncias de outra ordem, não podem fazer uma formação presencial.
Estudar a distância ocasiona inúmeras mudanças não somente para o estudante, mas
também para o professor e instituição de ensino, assim torna-se necessário trabalhar criando
condições para que a oferta de cursos a distância não seja prejudicada em virtude de
deficiências de atendimento. Nesse sentido, a tutoria surge como peça-chave na ação de
aprendizagem (DALMAU, 2009).
A tutoria torna-se responsável, portanto, pelo processo de ensino-aprendizagem,
garantindo a orientação acadêmica, acompanhamento pedagógico e avaliação da
aprendizagem dos alunos a distância.
O tutor, por sua vez, torna-se elemento essencial neste processo, uma vez que atua
mediando o processo pedagógico junto aos estudantes geograficamente distantes da
instituição de ensino. Entre suas principais atribuições ainda destaca-se a promoção de
espaços de construção coletiva de conhecimento, seleção de material de sustentação teórica
aos conteúdos, esclarecimento de dúvidas através dos fóruns de discussão pela internet e pelo
telefone, participação em videoconferências, contribuição com os processos avaliativos ao
lado dos docentes, dentre outras (BRASIL, 2011).
Dentro deste contexto de tutoria o curso a distância se desenvolve. Assim, para garantir
efetivamente o pleno desenvolvimento das atividades dos cursos a distância e oferecer
condições, serviços adequados e suficientes para atender os professores e estudantes em suas
expectativas, demandas e necessidades, os processos dentro da tutoria precisam ser bem
projetados, gerenciados e avaliados.
Assim é o caso do Departamento de Ciências de Administração - CAD da UFSC
oferece quatro graduações em Administração e duas em Administração Pública na modalidade
a distância em cinco Estados com 25 pólos presenciais. Para atender a esse contingente de
alunos que passa de 1.500, contamos com uma tutoria composta de 70 tutores virtuais (que
fazem atendimento aos alunos através do Ambiente Virtual de Aprendizagem – AVA
Moodle) e 52 tutores presenciais, que estão nos pólos para atendimento das necessidades
administrativas e de suporte tecnológico aos alunos como disponibilização das vídeosconferência e da biblioteca existente em cada pólo, entre outras.
Sob estes enfoques emerge o presente trabalho que tem como objetivo principal
identificar ambientes colaborativos de aprendizagem que possam facilitar uma troca eficaz de
conhecimento entre os tutores virtuais dos cursos de Administração da UFSC.
Desta forma, esta pesquisa tem como público-alvo os 70 tutores virtuais que ficam
situados em Florianópolis de onde executam esse suporte acadêmico ao aluno.Ela justifica-se
pela mudança ocorrida na estrutura da tutoria virtual ocorrida no início do ano de 2011, que
alterou a forma de trabalho desses tutores deixando de ser em regime presencial, diário de 4
horas na UFSC e passou a ser realizado de maneira remota, onde cada tutor faz o atendimento
ao seu grupo de alunos de qualquer lugar onde estiver, porém respeitando os prazos já
previamente estipulados para a realização de suas tarefas. A razão dessa reestruturação se deu
em função da ampliação do número de graduações que passaram a ser ofertadas de quatro
para seis graduações. Essa mudança na forma de trabalhar gerou ganhos como a possibilidade
de selecionar tutores com um perfil mais qualificado, pois como não há a obrigatoriedade de
um cumprimento de horário fixo e diário, outros profissionais podem exercer essa função ,
por outro lado, houveram perdas principalmente no que tange ao compartilhamento do
conhecimento entre os tutores, que no modelo anterior de trabalho ocorria de maneira
informal e com o trabalho remoto ficou prejudicado, inclusive por uma falta de cultura de
registro do conhecimento.
Esse artigo está dividido em cinco sessões. A primeira apresenta a introdução, objetivo
e justificativa da pesquisa. A segunda apresenta o referencial teórico que norteou a pesquisa,
na seqüência apresentamos a metodologia. A sessão quatro apresenta os resultados e por fim a
conclusão.
CRIAÇÃO DE AMBIENTES COLABORATIVOS PARA TUTORES:
uma proposta para o Curso de Administração da UFSC
2. RESUMO: Dentro do contexto da Educação a Distância (EaD) a tutoria mostra-se
responsável pelo processo de ensino-aprendizagem, garantindo a orientação acadêmica,
acompanhamento pedagógico e avaliação da aprendizagem dos alunos a distância. Entretanto,
para garantir efetivamente o pleno desenvolvimento das atividades dos cursos a distância e
oferecer condições, serviços adequados e suficientes para atender os professores e estudantes
em suas expectativas, demandas e necessidades, os processos dentro da tutoria precisam ser
bem projetados, gerenciados e avaliados. Sob este enfoque emerge o presente trabalho que
tem como objetivo principal identificar ambientes colaborativos de aprendizagem que possam
facilitar uma troca eficaz de conhecimento entre os tutores virtuais dos cursos de
Administração da Universidade Federal de Santa Catarina. Para alcançar o objetivo proposto
esta pesquisa foi desenvolvida como uma pesquisa-ação, tendo como público alvo 70 tutores
dos Cursos de graduação em Administração e Administração Pública da UFSC. Foi possível
concluir, portanto, que a socialização e a explicitação do conhecimento precisam ser
planejadas e coordenadas nos grupos, essa transferência não ocorre automaticamente,
precisamos criar uma cultura de colaboração. Quando as equipes trabalham no mesmo tempo
e espaço essa colaboração é mais simplificada, mas quando esse trabalho acontece em espaços
distintos e tempo assíncrono requer a criação de espaços tecnológicos colaborativos que se
adéqüem a cultura do grupo, nesse caso em específico, com a utilização do próprio ambiente
de trabalho comum a todos o AVA - Moodle.
Palavra-chave: Gestão do conhecimento, Educação a Distância, Tutoria.
ABSTRACT: Within the context of distance education (DE) the tutoring is responsible for
the teaching-learning process, ensuring the academic advising, educational support and
evaluation of student learning at a distance. However, to effectively guarantee the full
development of the activities of distance learning courses and provide conditions suitable and
sufficient services to meet teachers and students in their expectations, demands and needs,
within the mentoring process must be well designed, managed and evaluated. Under this
approach emerges the present work that has as main objective to identify collaborative
learning environments that can facilitate the effective exchange of knowledge between virtual
tutors of Business Administration courses at the Federal University of Santa Catarina. To
achieve the proposed objective this research was developed as an action research, with the
target audience of 70 tutors of undergraduate courses in Business and Public Administration
at UFSC. It could be concluded, therefore, that social and explicit knowledge need to be
planned and coordinated the groups, this transfer does not occur automatically, we need to
create a culture of collaboration. When teams work in time and space this collaboration is
more simplified, but when that work happens in different spaces and time requires the
creation of asynchronous technology collaborative spaces that fit the culture of the group, in
this case in particular with the use of own work environment common to all the VLE Moodle.
Keyword: Knowledge Management, Distance Education, Tutoring.
3. A GESTÃO DO CONHECIMENTO
O século XXI caracteriza-se como uma nova era baseada no conhecimento e nas
relações estabelecida entre as pessoas. Nonaka e Kono (1998) afirmam que o “[...] local de
conhecimento pode emergir em indivíduos, grupos de trabalho, times de projetos, círculos
informais, reuniões temporárias, grupos de e-mail, e no contato de linha de frente com o
cliente.”
Para Nonaka e Takeuchi (1998) a criação de conhecimento é fundamental para a
organização, pois criar e compartilhar conhecimento são alguns dos fatores determinantes
para proporcionar vantagem competitiva nas empresas. Quanto mais especifico for esse
conhecimento, mais ele se tornará seu ativo estratégico e, portanto, o fundamento das
competências essenciais da organização, uma vez que ele pertence ao seu capital humano
existindo exclusivamente no cérebro das pessoas.
As competências essenciais configuram-se por conjuntos de conhecimento tácito e
coletivo, resultantes da aprendizagem, produzindo vantagem competitiva para a organização
(SENGE, 2005).
O processo pelo qual as organizações criam o conhecimento é denominado de
conversão do conhecimento e este se dá de duas formas: o conhecimento tácito ou o
conhecimento explícito (NONAKA E TAKEUCHI, 1997).
O conhecimento tácito é pessoal, difícil de ser formalizado, de comunicar, de
compartilhar. É um modelo mental originado das ações, vivências, ideais, valores e emoções
do homem. O conhecimento explícito pode ser expresso em palavras e números, é de fácil
comunicação e é compartilhado através de manuais, produtos, formulas científicas, programas
de computador, etc. É um conhecimento formal e sistematizado que pode ser transmitido entre
os indivíduos.
Nonaka e Takeuchi (1997) apresentam algumas características dos conhecimentos
tácito e explicito, conforme demonstrado no Quadro 1:
Quadro 1: Conhecimento Tácito e Conhecimento Explícito
Fonte: Adaptado de Nonaka e Takeuchi (1997)
Nonaka e Konno (1998) apontam que “[...] a construção do conhecimento é um
processo em espiral de interações entre conhecimento explícito e tácito”. Essa interação leva a
criação de novos conhecimentos e a combinação dessas duas categorias resulta na
conceituação de quatro padrões de conversão: a socialização, a externalização, a combinação
e interiorização, que serão comentados a seguir.
Quadro 2: Modos de conversão do conhecimento
Fonte: Adaptado de Nonaka e Takeuchi (1997)
Para Nonaka e Takeushi (1997) a socialização (tácito para o tácito) é um processo de
compartilhamento de experiências, modelos mentais, habilidades técnicas entre indivíduos. A
socialização desse conhecimento pode acontecer pela observação, imitação e prática e o
elemento chave para a aquisição é a experiência. A explicitação (tácito para o explícito) é o
processo de conversão do conhecimento tácito em conceitos explícitos que envolvem técnicas
que colaboram na expressão de idéias ou imagens. É uma tradução do aprendizado interno em
textos, curso, software, palestras. A combinação (explícito para o explícito) é a forma de
conversão do conhecimento que envolve variados conjuntos de conhecimentos explícitos
formando novos e mais complexos conjuntos deste tipo de conhecimento. A internalização
(explícito para o tácito), é a incorporação do conhecimento explícito transformando-o em
conhecimento tácito por meio de modelos mentais ou know-how, é aprender fazendo.
Esse processo de conversão do conhecimento pode ser amplamente facilitado se a
organização proporcionar condições favoráveis na criação de um ambiente adequado para
criar e compartilhar conhecimento entre todos os atores envolvidos no processo. Fazer uso do
ciclo de conversão do conhecimento tácito em explícito e posteriormente em tácito
novamente, proporcionará a organização a construção da sua base de conhecimento
organizacional.
Para organizar as informações e que possam gerar conhecimentos, sugere-se a
utilização do Modelo de Colaboração 3C, sendo baseado na Comunicação, Coordenação e
Cooperação, onde é será explicitado no item seguinte.
3.1 O MODELO DE COLABORAÇÃO 3C
O modelo 3C de colaboração é baseado na concepção de que para colaborar, os
membros de um grupo comunicam-se, coordenam-se e cooperam. O modelo 3C nasce do
artigo seminal de Ellis et al. (1991). O modelo de Ellis et al. é utilizado para classificação do
suporte computacional à colaboração. O modelo 3C é utilizado como base para a modelagem
e desenvolvimento de groupware e cada C é profundamente analisado. Há também uma
diferença de terminologia; a operação conjunta no espaço compartilhado é chamada por Ellis
de colaboração, enquanto no modelo 3C é chamada de cooperação.
Para Raposo (2001) o modelo de coordenação objetiva representar as atividades
realizadas no trabalho em grupo através de regras capturadas em um modelo de eventos,
diagramas de transição de estado e diagramas de fluxo de controle. O modelo de colaboração
é voltado à representação dos produtos manipulados na cooperação e seu mapeamento e
compartilhamento com as atividades realizadas. O modelo de comunicação está direcionado
para a troca de mensagens, tratando as notificações e requisições, as respostas possíveis, o
modo de entrega, bem com a forma de representação das mensagens.
Figura 1: O Modelo de Colaboração 3C
Fonte: Fuks et al 2005.
O diagrama do modelo 3C é apresentado na Figura 1. A comunicação envolve a troca
de mensagens e a negociação de compromissos. Através da coordenação, as pessoas, as
atividades e os recursos são gerenciados para lidar com conflitos e evitar a perda dos esforços
de comunicação e de cooperação. A cooperação é a produção conjunta dos membros do grupo
em um espaço compartilhado, gerando e manipulando objetos de cooperação na realização das
tarefas. Apesar da separação destas atividades para fins de análise, a comunicação, a
coordenação e a cooperação não são realizadas de maneira estanque e isolada; são realizadas
continuamente e iterativamente durante o trabalho em grupo (FUKS et al., 2005). As tarefas
originam-se dos compromissos negociados durante a comunicação, são gerenciadas pela
coordenação e são realizadas durante a cooperação. Através de mecanismos de percepção o
indivíduo obtém feedback de suas ações e feedthrough das ações de seus colegas. Ao
cooperar, é necessário renegociar e tomar decisões sobre situações inesperadas, o que requer
novas rodadas de comunicação e coordenação.
3.2 GESTÃO EM EAD E SISTEMA DE TUTORIA
3.2.1 – A TUTORIA NA EaD – O PAPEL DO TUTOR
O tutor a distância atua mediando o processo pedagógico junto aos estudantes
geograficamente distantes da instituição de ensino. Sua principal atribuição é promover
espaços de construção coletiva de conhecimento, selecionar material de sustentação teórica
aos conteúdos, esclarecer dúvidas através dos fóruns de discussão pela internet, pelo telefone,
participar de videoconferências, contribuir com os processos avaliativos ao lado dos docentes,
dentre outras (BRASIL, 2007).
Há diversas maneiras de definir o conceito de tutor. Para Souza et. al. (2004, p. 2):
A tutoria pode ser entendida como uma ação orientadora global, chave
para articular a instrução e o educativo. O sistema tutorial
compreende, desta forma, um conjunto de ações educativas que
contribuem para desenvolver e potencializar as capacidades básicas
dos alunos, orientando-os a obterem crescimento intelectual e
autonomia, e para ajudá-los a tomar decisões em vista de seus
desempenhos e suas circunstâncias de participação como aluno.
A etimologia da palavra tutor, segundo Ferreira (2004) refere-se ao “indivíduo
legalmente encarregado de tutelar alguém” ou “protetor, defensor” ou ainda “aluno designado
como professor de outros alunos, em formas alternativas de ensino”. Para Sá (1998), a
educação a distância ao se apropriar da terminologia, tutor passou a ser visto como um
orientador da aprendizagem do aluno isolado, que frequentemente, necessita de um
orientador ou docente para indicar o que mais lhe convém em cada situação. Pode-se admitir
plenamente que o professor-tutor seja denominado em outros sistemas similares, tais como
orientador acadêmico, mediador ou facilitador.
No sistema de EaD observa-se que o tutor, , tem papel preponderante, já que garante a
inter-relação personalizada e contínua do aluno no sistema e se viabiliza a articulação entre os
elementos do processo e execução dos objetivos propostos. Contudo, cada instituição que tem
a EaD como modalidade de ensino, busca a construção de seu modelo de tutoria, objetivando
o atendimento das especificidades locais e regionais, incorporando, como complemento, as
tecnologias de informação e comunicação.
De forma descritiva, Mill (2010) afirma que o tutor a distância (virtual) é responsável
por acompanhar os alunos em seus estudos, contribuindo, através de orientações, com seu
aprendizado. O autor destaca ainda que diante à grande quantidade de estudantes matriculados
em uma disciplina, por exemplo, o tutor vai muito além de sua atuação. Ele auxilia
diretamente o professor na função docente de formador.
No âmbito do sistema Universidade Aberta do Brasil, tutor é:
O profissional selecionado pela IPES vinculada ao Sistema UAB para
o exercício das atividades descritas a seguir. No entanto, cabe às
instituições de ensino determinar, nos processos seletivos de tutores,
as atividades a serem desenvolvidas para a execução dos Projetos
Pedagógicos, de acordo com as especificidades das áreas e dos cursos.
(BRASIL, 2011b).
As atribuições do tutor a distância são disciplinadas pelo Anexo I, da Resolução
CD/FNDE n. 26, de 5 de junho de 2009, que estabelece orientações e diretrizes para
pagamento das bolsas do Sistema Universidade Aberta do Brasil (BRASIL, 2009), conforme
segue:

Mediar a comunicação de conteúdos entre o professor e os cursistas.

Acompanhar as atividades discentes, conforme o cronograma do curso.

Apoiar o professor da disciplina no desenvolvimento das atividades docentes.

Manter regularidade de acesso ao AVA e dar retorno às solicitações do cursista no
prazo máximo de 24 horas.

Estabelecer contato permanente com os alunos e mediar as atividades discentes.

Colaborar com a coordenação do curso na avaliação dos estudantes.

Participar das atividades de capacitação e atualização promovidas pela Instituição
de Ensino.

Elaborar relatórios mensais de acompanhamento dos alunos e encaminhar à
coordenação de tutoria.

Participar do processo de avaliação da disciplina sob orientação do professor
responsável.

Apoiar operacionalmente a coordenação do curso nas atividades presenciais nos
pólos, em especial na aplicação de avaliações.
Convém destacar ainda que embora não tenha-se uma definição única para a atuação
do tutor, suas competências e funções uma aceitação generalizada sobre este pode ser
evidenciada pela sua atuação que vai além de formador, sendo um motivador e efetivador do
processo de aprendizagem.
4. METODOLOGIA
Esta pesquisa caracteriza-se como uma pesquisa-ação, pois implica na intervenção
junto a atores significativos em um processo de mudança, portanto, nessa pesquisa busca-se
juntamente com os tutores (atores significativos na EaD) uma intervenção na construção de
ambientes colaborativos de aprendizagem pois com as mudanças decorrentes na estrutura de
trabalho da tutoria muito do conhecimento que era tacitamente compartilhado se perdeu.
Segundo Thiollent (1997) esse tipo de pesquisa busca atingir dois grandes objetivos. O
primeiro deles é a descrição de uma situação problema pelos autores em sua linguagem
própria e então, detalhando esse primeiro objetivo temos a descrição da situação-problema: a
tutoria dos cursos a distância em Administração da UFSC, até fevereiro de 2011 era composta
por uma equipe de aproximadamente 50 tutores, 9 supervisores, dois coordenadores de tutoria
e dois coordenadores de curso, um coordenador do Programa UAB com 04 graduações em
Administração denominadas Projeto Piloto I, Projeto Piloto II, UAB I e a partir de abril de
2011 foi iniciado mais um curso - UAB II.
O outro coordenador de curso é responsável pelo Programa Nacional de Administração
Pública – PNAP – com duas graduações sendo oferecidas: PNAP I que iniciou em março de
2010 e PNAP II em abril de 2011.
Os organogramas dos cursos de Administração e Administração Pública são
apresentados pelas figuras 2 e 3 respectivamente.
Coordenador
do curso de
Administração
Coordenador
de Tutoria
Supervisor
Projeto Piloto I
Supervisor
Projeto Piloto II
Supervisor
Projeto UAB
Supervisor
Projeto UAB 2
Tutores PPI
Tutores PP2
Tutores UAB
Tutores UAB 2
Figura 2: Organograma do Curso de Administração, EaD/UFSC
Fonte: elaborado pelos autores
Coordenador do curso de
Administração Administração
Pública PNAP
Coordenador
de Tutoria
Supervisor
PNAP I
Supervisor
PNAP II
Tutores PNAP I
Tutores PNAP II
Figura 3: Organograma do Curso de Administração Pública, EaD/UFSC
Fonte: elaborado pelos autores
Até fevereiro de 2011, os tutores trabalhavam presencialmente em equipes fixas em
três turnos de 4 horas de trabalho, durante cinco dias da semana. A primeira equipe trabalhava
das 8:00 às 12:00h, uma segunda equipe iniciava seu trabalho de tutoria das 12:00 até às
16:00h e uma terceira iniciava às 16:00 e permanecia até às 20:00h.
As atividades desenvolvidas por esses tutores implicam diretamente no suporte as
atividades acadêmicas dos alunos, como tirar dúvidas de conteúdos, corrigir provas e
atividades e motivá-los no processo educacional, essas atividades todas feitas de forma
virtual. Essas equipes mantinham entre si, no seu período de trabalho, um forte
compartilhamento de experiências, por exemplo, quando qualquer um dos tutores daquela
equipe específica tinha dúvidas, solicitava ajuda aos colegas tutores e muitos procedimentos
eram decididos em conjunto.
No entanto, no início de 2011 a equipe de tutores foi ampliada agregando-se a essa
equipe mais 22 tutores em função do início de mais dois cursos a distância em abril de 2011.
Essa ampliação do quadro nos levou a situação de reestruturação da tutoria, pois não
dispúnhamos nem de espaço físico e nem de equipamentos (computadores) suficientes para
alocarmos os tutores iniciantes.
Nesse momento decidimos por reestruturar o processo de trabalho da tutoria. Os
tutores fariam o atendimento aos alunos de forma remota, trabalhando às 20 horas semanais
que antes eram cumpridas presencialmente na UFSC, de suas casas ou outro lugar que lhes
conviesse, vindo a UFSC apenas uma vez por semana, em sistema de escala ou quando do
momento de finalização das disciplinas (há cada dois meses) para as correções das provas e
trabalhos escritos, pois esse tipo de documento do aluno não pode sair da universidade em
função de segurança.
Esta nova forma de trabalho nos levou ao seguinte problema: o compartilhamento do
conhecimento que antes ocorria naturalmente, mas sem qualquer registro, pois as trocas eram
informais, se perdeu. Na verdade a expectativa que se tinha é que, uma vez que trabalhávamos
com pessoas que utilizavam ferramentas para auxiliar na construção do conhecimento dos
alunos (pois as mediações são através do AVA Moodle), estas haveriam de criar para si
espaços próprios de trocas de conhecimento. Esse fato não aconteceu e em reuniões de
avaliação sobre a norma forma de trabalho apareceu como ponto forte a flexibilidade do
horário de trabalho, mas como situação problema o prejuízo no compartilhamento, o que
ocasionava um sentimento de isolamento por parte dos tutores e de insegurança pois, muitas
vezes, surgiam dúvidas e estes não compartilhavam com os colegas para chegarem a uma
solução conjunta como antes era feita de maneira informal.
Nesse momento da pesquisa nos parece como fundamental o segundo grande objetivo
da pesquisa-ação proposto por Thiollent (1997), que é o objetivo de intervenção, cujos
conhecimentos derivados das inferências são inseridos na elaboração de estratégias ou ações.
Para a obtenção desse segundo objetivo buscamos a participação dos tutores em um seminário
de capacitação onde foram discutidos cases reais da tutoria e buscado soluções em conjunto,
um desses cases tratava exatamente da necessidade de se criar ambientes colaborativos de
compartilhamento do conhecimento.
Adotamos aqui o conceito de Thiollent (1997) de que a pesquisa-ação tem um caráter
participativo, embora não haja consenso entre os autores de que pesquisa-ação é também uma
pesquisa participativa. Assumimos que para o nosso caso em específico, nossa pesquisa-ação
é também participativa, principalmente na busca da resolutividade deste segundo objetivo de
intervenção, buscando colaborativamente estratégias ou ações para resolvermos nosso
problema identificado no primeiro objetivo, ou seja, a falta de compartilhamento de
conhecimentos no ambiente virtual.
Segundo Susman e Evered (1978) apesar da pesquisa-ação participante não ter uma
estrutura rígida, pode-se identificar quatro fases distintas:
a) fase exploratória: fase em que são identificados os problemas, as capacidades de
ação e a intervenção na organização. Foi nessa fase que identificamos o nosso principal
problema após a reestruturação dos nossos trabalhos que foi a interrupção do
compartilhamento do conhecimento entre as equipes, uma vez identificado o nosso problema
precisávamos identificar nossa capacidade de ação, esse segundo momento foi objeto do
seminário de capacitação com a participação de toda a equipe para a busca de soluções
compartilhadas de vários problemas entre eles a dos ambientes colaborativos para
transferência do conhecimento.
b) fase de pesquisa aprofundada: nesta fase ocorre a coleta de dados, o objetivo do
seminário de capacitação de toda a equipe foi exatamente no sentido de contemplar essa fase
de coleta de dados, que emanados das equipes pudessem ser obtidas uma gama de estratégias
possíveis de minimizar nosso problema e subsidiar o plano de ação;
c) fase de ação: nessa fase ocorre o planejamento e a execução das ações levantadas a
partir das sugestões resultantes do seminário. A pesquisa encontra-se exatamente entre a fase
2 e 3, pois estamos tratando as sugestões (fase 2), que serão apresentadas no sessão 4 deste
artigo e a fase 3, já desenvolvendo o nosso plano de ação.
d) fase de avaliação é quando deve ocorrer o feedback do processo em implantação e
as possíveis correções dos planos de ação. Na nossa pesquisa ainda não chegamos nessa fase,
conforme explicado no parágrafo anterior.
Salientamos que a pesquisa-ação tem várias limitações e, talvez a principal delas, é a
não possibilidade de replicar o mesmo experimento, pois cada nova intervenção será em um
contexto diferente, naturalmente é possível serem testadas as teorias criadas dentro desse
nosso contexto prático, mas ressalvado que essa teoria foi criada em um dado momento de
intervenção e, que possivelmente, outras condições de contexto interferirão em um novo
processo de intervenção criando novas teorias.
5. COLETA E ANÁLISE DE DADOS
O modelo que usamos para fomentar as discussões do case sobre a criação de
ambientes colaborativos foram baseada no Modelo de Colaboração 3C de Fucks et al. (2003).
Esse modelo foi criado exatamente para tratar da questão de compartilhamento entre grupos
que trabalham de forma virtual onde para compartilhar informações os tutores precisam se
“comunicar”, organizar seus papéis, isto é, coordenar-se e compartilhar em um espaço
conjunto suas experiências isto é, cooperação.
As questões propostas para a equipe foram: Diante da situação exposta quais
ambientes colaborativos de aprendizagem vocês sugerem que deveríamos adotar como forma
para retomarmos a prática de socialização das experiências dos tutores? Como seria a
comunicação nesse ambiente? Como se daria a coordenação e como seria o ambiente
colaborativo propriamente dito, lembramos aos participantes que a coordenação deve ser
oriunda dos próprios tutores e é uma coordenação daquele ambiente específico e daquela
situação específica e não um cargo formal.
5.1 UMA PROPOSTA de AMBIENTE COLABORATIVO ATRAVÉS do AVA MOODLE
O objetivo do espaço colaborativo é desenvolver a capacidade de trabalho na tutoria
dos cursos de Administração a Distância da Universidade Federal de Santa Catarina,
aumentando o grau de interação entre os tutores, exercitando suas capacidades de
comunicação, coordenação e cooperação. Para isso os tutores serão capazes de gerarem
conhecimento de forma colaborativa, selecionando e filtrando conjuntamente as informações
disponíveis.
Essa nova metodologia visa que os tutores possam trabalhar de forma colaborativa.
Eles serão levados a converter informações em conhecimento. A equipe se torna responsável
pela aprendizagem ao gerarem conteúdos didáticos argumentarem, dinamizarem as discussões
e contribuírem com o aprendizado dos colegas.
Em relação a primeira questão quais os ambientes colaborativos sugeridos, o grupo
propôs a utilização do próprio Moodle tendo em vista a familiaridade de todos com a
ferramenta e o fato de ser um facilitador pois ambos estão virtualmente ligados nessa
ferramentas várias vezes ao dia. A proposta inclui também que se insira no Moodle a
ferramenta Astor, que é uma forma de se fazer reuniões virtuais com vídeo e voz, não
requerendo aplicativos especiais, mas agregando ao próprio Moodle como pode ser visto na
figura 4.
Figura 4: Ferramenta colaborativa Astor
O trabalho colaborativo inicia-se pela comunicação, cujos tutores enviam a supervisão
(coordenação) suas dúvidas em forma de um círculo virtuoso.
A coordenação seria de responsabilidade dos supervisores que teriam a incumbência
de agendar com os tutores uma horário para as reuniões virtuais e propor uma pauta de
discussões em função de dúvidas previamente comunicadas pelos tutores. A comunicação
ocorrerá entre os tutores e supervisores de forma síncrona, pois há possibilidade de uso de
vídeo e voz e a cooperação ocorrerá nesse momento quando cada um exporá suas dúvidas e o
grupo auxiliará compartilhando experiências individuais buscando encaminhamentos
conjuntos para o grupo. Temos a representação adaptada para o Modelo 3C,conforme ilustra a
figura 5.
Figura 5: Representação adaptada do Modelo 3C
Fonte: adaptado pelos autores de Fuks et al 2005
Nesta proposta há uma formalização do processo de colaboração com a presença da
coordenação por parte da supervisão. Espera-se que no decorrer dos trabalhos novas
lideranças emirjam do grupo de tutores e o círculo passe a ser informal e de fluxo contínuo
onde cada tutor “comunique-se” com os demais exercendo uma “coordenação informal” e a
colaboração ocorra em fluxo.
Outra sugestão proposta foi de forma assíncrona com a criação de um espaço para
repositório de dúvidas e respostas com o caráter de um fórum específico por disciplina
tutorada, neste fórum serão postadas as dúvidas que os tutores tenham em relação a feedbacks
de provas e atividades ou mesmo de conteúdos e os demais tutores irão disponibilizando as
soluções utilizadas, esse repositório estará acessível a todos os tutores daquela disciplina para
consultas.
6. CONCLUSÃO
Podemos concluir nessa pesquisa-ação que a socialização e a explicitação do
conhecimento precisam ser planejadas e coordenadas nos grupos, essa transferência não
ocorre automaticamente, precisamos criar uma cultura de colaboração. Quando as equipes
trabalham no mesmo tempo e espaço essa colaboração é mais simplificada, mas quando esse
trabalho acontece em espaços distintos e tempo assíncrono requer a criação de espaços
tecnológicos colaborativos que se adéqüem a cultura do grupo, nesse caso em específico, com
a utilização do próprio ambiente de trabalho comum a todos o AVA Moodle.
Outro aspecto que precisa ser observado, o ambiente de intervenção dessa pesquisa
mostra uma cultura presencial muito forte, então se faz necessário criar ambientes blended ora
encontros presenciais como os espaços que ocorreram no seminário de capacitação, mas
fortalecendo os espaços virtuais como o proposto, pode-se observar que a proposição de
incorporar a ferramenta Astor no Moodle nada mais é do que transferir para o virtual os
encontros presenciais, isto é síncronos.
O fortalecimento da colaboração virtual precisa ser incentivada através da
incorporação de novos elementos a cultura organizacional, e um desses elementos é o
sentimento de que a liderança no curso (coordenação e supervisão) está presente e é
participante nestes ambientes virtuais de colaboração. É através dessa colaboração virtual que
ocorrerá o compartilhamento de informações e da cultura organizacional entre os tutores,
uniformização das informações e capacitações dos tutores, com o intuito de oferecer um curso
de qualidade, organizado e com informações simétricas entre todos os colaboradores
envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.
7. REFERENCIAL
BRASIL.
UAB/CAPES.
Sobre
a
UAB:
O
que
é.
Disponível
<http://www.uab.capes.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=6:o-quee&catid=6:sobre&Itemid=18>. Acesso em: 12 jun. 2011a.
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______.
UAB/CAPES.
Universidade
Aberta
do
Brasil.
Tutor.
Disponível
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A INFORMAÇÃO GRÁFICA COMO CONSTRUTORA DE IDENTIDADE
VISUAL DE MARCA E SUA COMUNICAÇÃO NOS MEIOS IMPRESSOS E
DIGITAIS
Amanda Pires Machado
Alvaro Roberto Dias
Richard Perassi Luiz de Sousa
1. INTRODUÇÃO
É fato que nós, seres humanos, somos seres relacionais. Interagimos uns com os
outros por meio da comunicação e troca de informações. Sentimos a necessidade de tornar
comum ao outro aquilo que está em nosso pensamento, sejam ideias ou sentimentos. Isso é
percebido e identificado na história humana, desde os primeiros desenhos do homem préhistórico, no interior das cavernas até a atualidade, com a humanidade envolvida e interagindo
através da Internet, possibilitando o acesso e troca de informações ao custo de um mover do
mouse, um click.
Este processo de transmissão e troca de informações não diz respeito apenas as nossas
relações afetivas, mas também as relações de consumo. Todo produto, por exemplo, nos
transmite informações, sejam estas textuais propriamente ditas, como descrição técnica,
benefícios ou modo de uso, mas a embalagem de um produto também transmite informações,
comunicando muitas coisas, através da sua forma, material, imagens e outros elementos
utilizados que a compõem. Todos estes transmitem informações acerca do produto, da marca
que o produz, e consequentemente, da organização que o detém. Estas informações ajudam a
criar uma imagem junto ao consumidor deste produto ou marca, pois os elementos utilizados
foram planejados com o intuito de comunicar ideias. Dondis (1998) diz que esse processo de
pensar, a partir de cores, formas e texturas, numa relação que gera uma composição, tendo em
vista um significado, gera o design.
Esse processo de pensar, planejar, escolher os elementos que darão forma a conceitos
e ideias, gerando a informação gráfica, que será veiculada enquanto mensagem, composta de
elementos visuais e textuais sobre determinada mídia e que configurará determinado produto
(jornal, cartaz, revista, web site), faz parte da área de Design Gráfico, que busca projetar
materiais gráficos com objetivos comunicacionais, de divulgação de marcas, bens, serviços,
produtos, organizações. Todo produto de design gráfico, como suporte para comunicação de
uma marca, busca transmitir informações pertinentes para o público, seja o estimulando a
comprar ou buscando influenciar sua maneira de pensar e agir, em se tratando de campanhas
sociais por exemplo.
Com o surgimento de novas mídias, influenciadas pelo desenvolvimento tecnológico,
têm-se inúmeras formas de se comunicar e estabelecer interação com seus públicos. É
possível atingir a geração digital, ou a também chamada geração y, conectada à rede e a
internet, conhecida como a nova mídia, assim como ao público que cresceu acompanhando o
desenvolvimento das mídias tradicionais, que englobam a mídia gráfica impressa, rádio e TV.
Um produto ou uma marca que antes se utilizava apenas da mídia impressa para se fazer
conhecer, com suas limitações em termos de abrangência e envolvendo alto custo, hoje, com
o uso da mídia digital tem maior abrangência e divulgação, estando disponível para todos que
têm acesso a um computador e à rede.
A mídia impressa e a mídia digital atuam de forma paralela no processo de
comunicação de uma marca. Ainda que com suas características específicas, em termos de
linguagem, envolvimento de sentidos diferentes no processo de percepção, cognição e
interação, são ferramentas bem eficazes de comunicação. Leonardo Lanzetta, sócio e diretor
executivo da DIA Comunicação e diretor de imagem corporativa do POPAI Brasil, em
entrevista recente a HSM Management comenta sobre os benefícios de se utilizar de
diferentes mídias para a comunicação de marca, ao comentar que “hoje, para se chegar ao
consumidor final, não basta apenas estar presente em campanhas de TV e mídia impressa,
como há algum tempo. A comunicação precisa ser integrada e contemplar os mais variados
canais, como os meios eletrônicos, pontos de venda, digital signages, entre outros.”
Neste sentido, se faz importante criar uma imagem coesa, buscando estabelecer
unidade visual entre as mídias de divulgação, dentro de um planejamento de Gestão da Marca
(Branding). Elaborar as informações para que, quando o publico a receber, saiba identificar a
quem se refere, por meio de seus elementos textuais, visuais e demais experiências associadas
a marca em questão (aspectos tangíveis e intangíveis), que corroborarão a imagem que se
constrói dela.
Este processo de coesão e unidade auxiliam no processo de construção da identidade
gráfico visual da marca. Seja qual for a mídia de divulgação que se tenha utilizado, por meio
da elaboração da informação e estruturação de seus elementos expressivos considerando a
unidade e identidade da marca ou organização, esta pode se pôr de forma forte, enquanto
imagem, na mente do consumidor, conseguindo um espaço grande diante dos concorrentes,
estimulando associações entre estes elementos e experiências vivenciadas pelo consumidor.
2. TÍTULO
A informação gráfica como construtora de identidade visual de marca e sua
comunicação nos meios impressos e digitais.
RESUMO
Este artigo tem como objetivo propor uma reflexão acerca do papel do design na
estruturação da informação gráfica que, veiculada como mensagem em produtos gráficos
impressos ou digitais diversos, atuam de forma paralela, como suporte a comunicação da
marca, corroborando para a construção da sua identidade visual de forma coesa. Isso
demonstra a importância da unidade visual em diferentes veículos de comunicação,
fortalecendo a imagem da marca, através do uso de elementos que estruturam a informação
promovendo uma identidade gráfico visual.
PALAVRAS-CHAVE
Comunicação de Marca. Informação Gráfica. Mídia. Identidade Visual.
TITLE
The graphic information as building brand identity and communication in print and
digital medias.
ABSTRACT
This article has as objective to propose a reflection concerning the paper of the
design in the structuring of the graphic information, transmitted as message in products
graphic printed or digitals, they act in a parallel way, as support the brand communication,
corroborating the construction her visual identity in an united way. That demonstrates the
importance of the visual unit in different communication vehicles, strengthening the brand
image, through the use of elements that structure the information promoting identity visual
graphic.
KEY WORDS
Brand Communication. Graphic Information. Media. Visual Identity.
1. A COMUNICAÇÃO DA MARCA NA ATUALIDADE
Uma simples parada em um corredor de um supermercado nos dá uma amostra da
situação que o consumidor enfrenta na escolha de um produto. Se procurar por café solúvel
terá, pelo menos, 04 opções de diferentes marcas para um mesmo produto (e segundo a IXP
Marketing Group, são lançadas cerca de 21 mil marcas de produtos por ano). Existem fatores
limitadores neste processo pela escolha da marca que o consumidor irá comprar, tal como o
preço, qualidade, vantagem, diferencial.
Porém, antes de se chegar ao supermercado ou mesmo antes de efetuar a compra
online, o consumidor já teve alguma experiência prévia com a marca. Todo novo produto
prevê seu lançamento no mercado: seja através de propaganda televisiva, usando muitas vezes
uma personalidade do mundo artístico para divulgá-lo; com publicidade em revista impressa,
outdoor ou mesmo busdoor; por meio da experiência e experimentação de algum amigo; por
meio de mala direta vinda pelos correios, pela internet ou através de acesso a algum site
institucional. De alguma forma, já começamos a construir uma imagem mental do produto ou
marca, seja essa positiva ou negativa, com base nas impressões que fomos percebendo e
associando a elas.
Estas impressões foram coletadas, percebidas através do contato que se teve com parte
do produto ou marca; das informações que foram transmitidas, através de diferentes meios,
como a mídia impressa, televisiva ou digital, e tantos outros que podem ser usados para a
transmissão de informações.
No século passado, a embalagem exercia papel importante no processo de divulgação
da marca. Na atualidade, esta continua tendo importância, considerando os grandes
investimentos feitos (em termos de material, qualidade e design) nas mesmas, assim como
este mercado tem crescido, mas é apenas um dos veículos de comunicação que pode ser usado
com intuito de levar informações da marca ao público. Hoje, a maioria das grandes marcas de
produtos investe construindo um web site institucional estruturado, como um das primeiras
ferramentas de comunicação e divulgação da empresa.
Visto que os meios de comunicação sofreram (e sofrem) influências da tecnologia,
hoje é quase impossível uma organização não pensar em se comunicar com seus públicos,
divulgar sua marca, torná-la conhecida, informar os consumidores a respeito desta usando
meios diferentes, como o impresso e o digital, no sentido de um ser complementar ao outro
dentro do grande processo de Gestão da Marca (Branding). Para Jaime Troiano, um dos
principais especialistas em Branding do país, a comunicação digital é imprescindível neste
século: “(…) há uma certeza absoluta de que as marcas, em qualquer área de negócio, não
poderão viver sem ela (mídia digital).”
2. O PAPEL DA MÍDIA IMPRESSA E MÍDIA DIGITAL NO PROCESSO DE
COMUNICAÇÃO
Sempre utilizamos de um meio para nos comunicarmos, nos relacionarmos uns com os
outros. Desde o princípio da nossa história temos usado diferentes mídias, diferentes
linguagens.
O homem primitivo usou a parede das cavernas para se comunicar, através de
desenhos. Na Antiguidade, através de brasões estampados em bandeiras, intentou-se
diferenciar e dizer a que grupo, sob que ‘bandeira’ se lutaria. Antes da descoberta da prensa
móvel, de Gutenberg, no século XV, todo conhecimento, toda informação era transcrita
manualmente (por pouco e para poucos). Após a invenção deste alemão, houve uma
proliferação e popularização dos livros que culminou na chamada “Era Gutenberg”, a era da
imprensa. A descoberta de Gutenberg favoreceu e propiciou mais tarde o desenvolvimento de
outros veículos de informação, tais como as revistas e os jornais, nos séculos XVIII, a
fotografia. Foi a era da mídia impressa, das letras.
A mídia impressa e seus veículos sempre tiveram grande importância para o mundo do
design, seja por seu valor histórico, seja pela função comunicacional, social, cultural que
exerciam. De certa forma, a mídia impressa sempre esteve a cargo de comunicar e divulgar,
informar sobre alguma coisa, atrelada a uma marca, um produto ou organização. Um dos
primeiros cartazes de divulgação foi encontrado no século XIV. A divulgação das marcas
começou a ocorrer de forma mais massiva a partir do século XVIII, através do uso de
embalagens, cartazes, anúncios em revistas e jornais, reclames públicos. A base para a
divulgação e transmissão de informação era a mídia impressa.
No século XIX, com a invenção da fotografia, do telégrafo, cinema e rádio, foi
instaurada a cultura da imagem e a era do consumo, que culminou com a invenção da
televisão. A invenção da TV e do rádio possibilitaram que se percebesse as outras
possibilidades de comunicação de marca. Nesta época, com a produção e consumo em massa,
começou-se a se preocupar em diferenciar uma marca da outra, gerenciando sua imagem e
construir sua identidade, sendo uma das primeiras empresas a se preocupar em construir e
gerenciar sua identidade corporativa e visual a alemã AEG. “Com essa ideia integradora, que
superava totalmente a prática exclusivamente gráfica da marca naquela época, a AEG se
antecipava numa disciplina que, não obstante, levaria ainda meio século para estabelecer-se: a
identidade corporativa (COSTA, 2006, p. 77).
Em pleno século XXI, vivemos o advento da mídia digital, da comunicação em rede,
do universo virtual. O acesso a e disponibilização das informações têm sido ampliada através
desta mídia, e a um custo bem menor, se comparado com as demais. A mídia digital se
apresenta, por meio de uma interface, tendo como suporte o computador e este, conectado à
rede, apresentando ao usuário o universo da web, da Internet. Muitos autores comentam que a
intenção da mídia digital não é tomar o espaço das demais, mas sim, trabalhar em paralelo,
sendo possível tornar papel o que está na mídia digital, e digitalizar o que faz parte da mídia
impressa.
3. SIGNOS, SÍMBOLOS, LINGUAGEM E IDENTIDADE VISUAL
A informação, do ponto de vista estrutural, é composta por elementos que lhe dão
expressividade e materialidade, transmitindo o conceito, a ideia que originou ou motivou a
'enformação' desta e que gerou a informação. Os produtos de design, entendendo-os como
portadores de ideias materializadas, expressivas, com objetivos comunicacionais, através do
uso de elementos da linguagem visual, fornecem informação do começo ao fim: por meio de
sua forma por exemplo, podemos identificar para que público se destina, seus gostos e
interesses, bem como o que além disso quer comunicar, estimulando respostas e ações.
Comentamos nos tópicos anteriores sobre as diferentes mídias e veículos que dão
suporte a informação, do ponto de vista estrutural, que o configuram. As descobertas de
novas tecnologias influenciam e geram a descoberta de novas mídias. Se no século passado a
mídia gráfica impressa era a opção para a comunicação e divulgação das marcas junto aos
seus públicos, atualmente esta divide seu espaço com a mídia digital, numa relação de
complementaridade.
Numa visão bem simplificada, evolutiva, comum dentro do campo de design,
costuma-se dizer que a identidade visual (a qual busca-se construir, afim de que seja
identificável a relação e ligação entre mídias de comunicação diferentes, mas referentes a uma
mesma marca, empresa ou produto) enquanto sinal ou símbolo dentro de uma comunicação
gráfica, faz parte do processo de evolução da linguagem.
Afirma-se que esse processo começou com as imagens (Lascaux e Altamira, na
França), avançou rumo aos pictogramas (hieróglifos) e chegou ao alfabeto, e que hoje se
percebe uma reversão, que se volta mais uma vez para a imagem. E, em nosso cotidiano
repleto de imagens, as identidades visuais representariam uma grande parte dessa realidade.
Em contato com muitas pessoas, elas estariam em um processo de comunicação permanente.
A identidade visual, enquanto desenho, faz parte deste cotidiano repleto de imagens, e
sua construção, quando considerada “bem feita” por seus autores, resolve o problema de
incompatibilidade na hora da identificação visual: não se confunde uma marca com outra.
Para Dondis (1998), a questão mais importante na construção de uma identidade
visual é sua relação com o alfabetismo e com o que este representa no contexto da linguagem,
junto com as analogias entre imagem e interpretação que podem ser extraídas e aplicadas à
informação visual. Para ser alfabetizado, em termos de linguagem, diria Dondis, primeiro nós
aprendemos um sistema de símbolos, formas abstratas que representam determinados sons.
Aprendemos nosso alfabeto letra por letra, combinamos as letras e seus sons e elegemos
representantes (palavras) para as coisas, ideias e ações. Conhecer o “significado” das palavras
equivaleria a conhecer suas definições. Alguns autores do design acreditam que é possível
atribuir este processo de conhecimento também às imagens.
Segundo os critérios do design em geral, além de ver, para se fazer uma identidade
visual é necessário pensar no que se vê e no que deve ser mostrado. Só que a visão e a
compreensão da identidade não são processos simples, muito menos passivos. Na verdade, a
visão – percepção e leitura – são processos dinâmicos, uma espécie de diálogo que envolve
leitor e objeto. Acredita-se que informações representadas estabelecem um “campo comum”
entre o observador e o que se está observando. Assim, as “interpretações” seriam frutos dessa
interação.
Os elementos estéticos utilizados pelo designer seriam, então, signos a serem
observados por um interpretante. Sobre o signo Peirce (2003) diz:
Qualquer coisa que conduz alguma coisa (seu interpretante) a referir-se a um objeto
ao qual ele mesmo se refere (seu objeto), de modo idêntico, transformando-se o
interpretante, por sua vez, em signo, e assim sucessivamente ad infinitum. Sem
dúvida, uma consciência inteligente deve entrar nessa série. Se a série de
interpretantes sucessivos vem a ter fim, em virtude desse fato o signo torna-se, pelo
menos, imperfeito. Se tendo sido determinada uma idéia interpretante numa
consciência individual, essa ideia não determina um signo subseqüente, ficando
aniquilada essa consciência ou perdendo toda lembrança ou outro efeito significante
do signo torna-se impossível saber se alguma vez existiu uma tal idéia nessa
consciência. (PEIRCE, 2003, p. 76)
Logo, as interpretações desse “campo comum” não asseguram uma única e definitiva
informação.
Um símbolo, para Peirce (2003, p.73), “não pode indicar uma coisa particular
qualquer; ele denota uma espécie de coisa.” Mas são esses os elementos em que os designers
apóiam a construção de seus projetos visuais, em geral esperando que, ao contrário, eles
pudessem indicar algo preciso e previsível: que as imagens elaboradas em um sistema
simbólico individual apresentariam sintonia com o público alvo. Dessa maneira, aquilo que se
chama de “criação” não seria outra coisa senão a capacidade de se expressar, visualmente,
com os símbolos latentes na sociedade, partindo-se do pressuposto de que isso seja possível.
O leitor de uma identidade visual usa sua imaginação, entendida segundo Flusser
(2002, p.07) como a “capacidade de codificar fenômenos de quatro dimensões em símbolos
planos e decodificar as mensagens assim codificadas.” A imaginação é utilizada tanto para se
construir imagens como para buscar compreendê-las.
Já vimos que as imagens não são conjuntos de símbolos com significados
inequívocos: elas oferecem aos seus leitores um espaço para interpretação, traduzindo essas
imagens em situações, processos em cenas de seu cotidiano, de sua experiência pessoal. Mas,
mesmo acreditando que uma imagem contenha e disponibilize informações, conceitos e
ideias, o ler, dentro de um processo de comunicação utilizado pelo design, seria só descobrir
as imagens convencionadas pelos conceitos. Uma visão reducionista.
Então, apesar desse universo de incertezas da comunicação de uma identidade visual e
sua multiplicidade de interpretações, quais são os conceitos utilizados pelo design em sua
construção e qual sua identidade técnica? Qualquer definição não responderia uma pergunta
fundamental: o que é significado?
As linguagens são símbolos puramente convencionais (Guiraud, 1975), com atribuição
de sentidos, é dado um nome a um conceito, ou seja, as coisas são nomeadas arbitrariamente.
Estes “sentidos” podem mudar, visto que a “leitura” evolui como resultado de uma
modificação na estrutura das associações psíquicas que constituem o sentido das palavras. É
óbvio que essa mudança de sentido compromete a interpretação pretensamente única de uma
identidade visual.
Os signos utilizados na comunicação têm a característica de serem convencionais, pois
pressupõem um acordo entre os que os empregam: o que transforma os signos em símbolos. É
nessa pressuposição que se apóiam os trabalhos de design em geral.
O design não tem, pelo menos por onde caminhou nossas pesquisas bibliográficas,
nenhuma definição própria para símbolo, diferente daquelas que aqui foram apresentadas e
discutidas. E isso pode ser reforçado por Lucy Niemeyer (2003, p.13), quando considera que
“ao designer cabe incorporar à sua prática profissional e investigação científica os aportes de
outras áreas que tratam de questões aplicáveis ao design.”
O design, de uma maneira geral, atribui à simbolização o aspecto abstrato da relação
do homem ao mundo, tornando-o capaz de “orientar-se em termos simbólicos”. As
regulações, como se fosse possível regular, necessárias para responder aos estímulos do meio
e integrá-los tornar-se-iam então em uma forma de construção simbólica do universo, pois
seria desta maneira que o homem se relacionaria com o mundo. Ele, então, construiria o
universo através desta “função simbólica”.
Esse raciocínio no qual o design se refere para justificar uma linguagem apoiada na
simbologia faz com que o símbolo se torne o próprio universo da humanidade. Toda
linguagem então seria simbólica na sua essência, um sistema de explicação do mundo.
Peirce (2003, pgs.73-74) diz que:
Os símbolos crescem. Retiram seu ser do desenvolvimento de outros signos,
especialmente dos ícones, ou de signos misturados que compartilham da natureza
dos ícones e símbolos. Só pensamos com signos. Estes signos mentais são de
natureza mista: denominam-se conceitos suas partes-símbolo. Se alguém cria um
novo símbolo, ele o faz por meio de pensamentos que envolvem conceitos. Assim,
é apenas a partir dos outros símbolos que um novo símbolo pode surgir. Omne
symbolum de symbolo. Um símbolo, uma vez existindo, espalha-se entre as
pessoas. No uso e na prática, seu significado cresce. (...) O símbolo pode, como a
esfinge de Emerson, dizer ao homem: De teu olho sou um olhar. (PEIRCE, 2003,
pgs.73-74)
Ao invés de sistema, preferimos denominá-lo como processo, tornando-o ágil e
dinâmico.
O olhar é uma das formas de se experimentar as diferentes representações visuais ao
seu redor e, a medida em que o homem vai crescendo, essa prática só vai aumentando. A
visão, para o ser humano, pode ser um dos principais sentidos de percepção. Assim, pelo
olhar o homem poderia passar a perceber e apreender imagens, onde, dessa maneira, a
comunicação só aconteceria se o que se vê fosse objeto de conhecimento. Mas, ao se delimitar
um conhecimento, impondo-se um certo e um errado, tira-se a potência do objeto como
possibilidade de expressão.
A linguagem visual é utilizada pelo design como uma linguagem universal, capaz de
ultrapassar as barreiras culturais, orais e até lingüísticas, com a possibilidade dos símbolos
terem o mesmo significado em diferentes lugares. O que leva o designer a uma busca do
significado dentro desse processo, ou seja, se a marca desenhada significa alguma coisa. Se
representa a empresa ou o serviço que ela presta. Se está fácil de entender. Se o grafismo
encontrado traduz o conceito que se deseja passar. Mas essa linguagem é específica, pois para
Niemeyer (2003, p.13) “a busca de uma solução formal esteticamente agradável foi uma
preocupação que acompanhou desde seus primórdios as ações de aprimoramento do produto
industrial.” Uma linguagem tecnicista e formal.
4. IDENTIDADE CULTURAL E DESIGN
André Villas-Boas faz a ponte entre o design e a identidade cultural, pois acredita que
os estudos culturais, e sua articulação, devem ser ferramentas de estudo do design gráfico.
Villas-Boas (2002, p.10) acredita que o design é um discurso, e como tal espelha a condição
cultural na qual e para a qual foi concebido, ao mesmo tempo em que contribui para produzir,
realimentar ou transformar esta mesma condição cultural. “Os estudos culturais tendem a
questionar as práticas metodológicas tradicionais ou as misturam de acordo com as
necessidades apresentadas pelo objeto de análise no curso da pesquisa.”
Qualquer pessoa não tem como olhar para qualquer coisa sem atribuir a ela um sentido
e sem que ela não se configure nas nossas relações construídas socialmente. Dessa forma,
qualquer informação, principalmente a visual, é uma expressão cultural (Villas-Boas, 2002,
p.16), ou seja, “não é um objeto em si mesmo, porque ao termos contato com ela
obrigatoriamente a estamos incluindo na nossa história – individual e socialmente falando – e,
portanto, estamos incluindo em nosso jogo individual e social, e a este jogo damos o nome de
cultura”.
O livro de Geertz (1978, p.120) também aborda o conceito de estrutura semântica,
onde
a imagem não é apenas muito mais complexa do que parece na superfície, mas uma
análise dessa estrutura força a reconstituição de uma multiplicidade de conexões
referenciais entre ela e a realidade social, de forma que o quadro final é o de uma
configuração de significados dissimilares a partir de cujo entrelaçamento se
originam tanto o poder expressivo como a força retórica do símbolo final
(GEERTZ, 1978, p. 120).
Achamos importante combinar esse conceito com a relação de símbolos cognitivos e
símbolos expressivos que são fontes extrínsecas de informações em termos das quais a vida
humana pode ser padronizada – mecanismos extra pessoais para a percepção, compreensão,
julgamento e manipulação do mundo. Os padrões culturais – religioso, filosófico, estético,
científico, ideológico – são “programas”: eles fornecem um gabarito ou diagrama para a
organização dos processos sociais e psicológicos, de forma semelhante aos sistemas genéticos
que fornecem tal gabarito para a organização dos processos orgânicos (p. 38).
Por mais que se trabalhe com símbolos, sua interpretação não é tão simples assim.
Além disso, dentro do processo de comunicação, fica muito mais indicativo de que estamos
trabalhando com pessoas, identidades construídas ao longo do tempo e sempre mutantes.
5. A PRÁTICA PROJETUAL DO DESIGN
O profissional de design gráfico tem a oportunidade de desenvolver projetos de
criação de identidade visual para vários clientes. No campo do design, criar uma identidade
visual significa desenvolver um conjunto de elementos gráficos para que estes construam
visualmente a personalidade de um nome, ideia, produto ou serviço. De forma geral, qualquer
coisa possui uma identidade visual, e esta identidade é aquilo que singulariza visualmente um
dado objeto; o que o diferencia dos demais por seus elementos visuais. Assim, para o design,
qualquer coisa que possa ser identificada visualmente possui uma identidade visual
(identificação = reconhecimento de identidade).
Os elementos de uma identidade visual, ainda dentro da metodologia de criação
desenvolvida pelo design, podem ser divididos em primários (o logotipo, o símbolo e a
marca), secundários (cores institucionais e as letras utilizadas) e acessórios (em geral também
derivados dos elementos primários e, ainda, dos secundários; são os grafismos, os símbolos e
os mascotes).
O profissional responsável pelo desenvolvimento das etapas de criação definidas na
metodologia do design para esse tipo de trabalho tem as seguintes tarefas:
1. Análise do ambiente (público-alvo, posição no mercado, níveis de consumo, políticas
internas do cliente, aplicações);
2. Geração de ideias e conceitos a serem trabalhados, por um lado mais criativo e menos
lógico-formal;
3. Definição do conceito para o desenvolvimento do layout;
4. Apresentação e explicação do conceito trabalhado para o cliente aprovar a solução;
5. Solicitar as alterações se necessárias.
Em nossa opinião, a comunicação de uma identidade visual interfere no
comportamento das pessoas que passam a percebê-lo junto com uma imagem associada. É,
em função disto, impossível que não haja influência desse comportamento na percepção dessa
marca e o que ela representa. Esses aspectos, esse movimento do elemento humano, parecem
fundamentais para a avaliação dos efeitos do trabalho de criação da identidade visual, mas nos
processos e metodologias de design, em geral, têm sido pouco valorizados. Qual o efeito
cultural e estético da associação que as pessoas fazem dos desenhos utilizados na marca no
universo simbólico?
A validação é a forma pela qual o projeto é submetido a uma amostra do público-alvo
para a confirmação de seu sucesso (tomada aqui no sentido de eficácia). São recomendáveis
duas validações: a preliminar e a validação propriamente dita.
A validação preliminar é realizada com amostra reduzida, qualitativa, e feita a partir
de perguntas abertas, geralmente em forma de entrevista. Seu objetivo é levantar questões
sobre alternativas, de modo a validar as alternativas desenvolvidas até aquele momento e
gerar possíveis aperfeiçoamentos. Mas ela tem também outro papel: o de subsidiar os dados
para a validação propriamente dita. Esta validação posterior já tem outro objetivo: não o de
levantar questões, mas o de confirmar hipóteses. Por isso, os pontos a serem abordados são
objetivos, diretos, baseados nas questões levantadas anteriormente na validação preliminar e
durante o próprio processo de projetação. A forma mais usual da validação propriamente dita
é a de questionários com perguntas fechadas. (PEÓN, 2000, p. 85-86)
O design, ao projetar uma identidade visual para um produto ou serviço, tem a
ambição de captar todos os aspectos do objeto (ou pessoa) que ele representa e transformá-los
em desenhos gráficos. E dessa forma estaria contribuindo para (e ao mesmo tempo
modificando) a percepção do objeto ou da pessoa. Um projeto de identidade visual,
geralmente, reúne identidades diferentes, formadas através da representação gráfica sob o teto
de uma única identidade.
Assim, podemos dizer que o design não cria uma identidade, na concepção cultural do
termo, e sim uma identificação, artificial, arbitrária, cultural e estética. A identidade é
construída, com o apoio da identificação, no imaginário da sociedade através da comunicação
e das relações com seus consumidores.
5.1. AS VÁRIAS LEITURAS DE UMA IDENTIDADE VISUAL
Uma identidade visual pode ser entendida como um caligrama, ou seja, um desenho
feito de letras: um texto “desenhado” que representa, com as letras dispostas num
determinado espaço: signos que evocam significações.
O design se caracteriza por uma cultura tipográfica e iconográfica, e essa relação dá
poderes à letra e à imagem. Esse uso “embaralha as regras da correspondência à distância
entre o dizível e o visível, próprias à lógica representativa. Embaralha também a partilha entre
as obras da arte pura e as decorações da arte aplicada” (Rancière, 2005, p. 20).
Rancière entende o termo “partilha” com dois significados: a participação em um
conjunto comum e, inversamente, a separação, a distribuição em quinhões. O termo partilha,
em Rancière, está bastante associado à “sensível”. Assim, o termo “partilha do sensível” seria
a relação entre um conjunto comum partilhado e a divisão de partes exclusivas. Termo esse
que consideramos bastante pertinente dentro desta discussão sobre identidade visual.
O desenho de uma identidade visual não é simplesmente uma composição geométrica
de linhas. A escolha pelo designer dos elementos que farão parte dessa composição é fruto de
sua interpretação do problema, transformando-se assim em “uma forma de partilha do
sensível” (Rancière, 2005, p. 21). O designer carrega cada um desses elementos de um
sentido, determinado pela escolha pessoal ou pelo briefing, dando vida a essa identidade. “É
ao ato da palavra ‘vivo’, conduzido pelo locutor ao seu destinatário adequado, que se opõe à
superfície muda dos signos pintados”. (Rancière, 2005, p. 21). Mas não é de agora que os
artistas gráficos, precursores dos designers gráficos, lidam com essa “vida e morte”, como
bem retrata Rancière (2005, p. 55):
A idade romântica força de fato a linguagem a penetrar na materialidade dos traços
através dos quais o mundo histórico e social se torna visível a si mesmo, ainda que
sob a forma da linguagem muda das coisas e da linguagem cifrada das imagens. É a
circulação nessa paisagem de signos que define a nova ficcionalidade: a nova
maneira de contar histórias, que é, antes de mais nada, uma maneira de dar sentido
ao universo “empírico” das ações obscuras e dos objetos banais. A ordenação
ficcional deixa de ser o encadeamento causal aristotélico das ações “segundo a
necessidade e a verossimilhança”. Torna-se a ordenação de signos. Todavia, essa
ordenação literária dos signos não é de forma alguma uma auto-referencialidade
solitária da linguagem. É a identificação dos modos da construção ficcional aos
modos de uma leitura dos signos escritos na configuração de um lugar, um grupo,
um muro, uma roupa,um rosto. É a assimilação das acelerações ou desacelerações
da linguagem, de suas profusões de imagens ou alterações de tom, de todas suas
diferenças de potencial entre o insignificante e o supersignificante, às modalidades
da viagem pela paisagem dos traços significativos dispostos na topografia dos
espaços, na fisiologia dos círculos sociais, na expressão silenciosa dos corpos. A
“ficcionalidade” própria da era estética se desdobra assim entre dois pólos: entre a
potência de significação inerente às coisas mudas e a potencialização dos discursos
e dos níveis de significação. (RANCIÈRE, 2005, p. 55).
O importante é que se pode fazer uma leitura não óbvia de uma manifestação gráfica,
de um desenho e descobrir o quanto a imagem pode ser desdobrada.
Aqui não é mais a comunicação da identidade visual que está em jogo, mas a
construção em si, construção sempre a refazer, inacabada. Mas uma construção que se faz
com comunicação e não re-design. O design terá servido de interface do seu criador com os
leitores. Perceber, olhar, ler equivale a construir-se a identidade visual independente de seu
“criador”. São muitos os “criadores” de uma identidade visual.
Os designers confiam geralmente nos processos. Essas fórmulas, esses processos, nada
tem a ver, necessariamente, com as percepções do leitor, mas contribuem para criar, recriar e
re-atualizar o mundo de significações de que dispomos para continuar construindo. Assim,
talvez, a prática do design não é a exterioridade do trabalho, mas sua forma de visibilidade
deslocada. É preciso que o designer enxergue para além de sua área de trabalho, percebendo o
gesto político que é produzir para outros.
Podemos então comparar a identidade visual a um rizoma que, segundo
Deleuze/Guatarri (1995), não se deixa reconduzir nem ao Uno nem ao múltiplo; não é o Uno
que se torna dois, nem mesmo que se tornaria diretamente três, quatro ou cinco etc.; não é um
múltiplo que deriva do Uno, nem ao qual o Uno se acrescentaria (n+1); não é feito de
unidades, mas de dimensões, ou antes, de direções movediças; não tem começo nem fim, mas
sempre um meio pelo qual ele cresce e transborda. O grafismo, o desenho ou a identidade
visual passa a ser não mais um decalque, um espelho de seu “criador”, mas um mapa que
deve ser produzido, construído, sempre desmontável, conectável, reversível, modificável, com
múltiplas entradas e saídas, com suas linhas de fuga. A identidade visual não tem como ser
uma comunicação estanque, mas uma porta para o leitor.
Pode-se concluir – de forma similar ao que se pode sugerir a partir do conceito de
continuum de Peirce – que não há controle, pois continuidade é fluidez, a fusão das partes em
partes.
Wittgenstein (1975) diz que denominar e descrever não se encontram, na verdade,
num único nível: o denominar é uma preparação para a descrição. O denominar não é ainda
nenhum lance no jogo de linguagem – tampouco o colocar uma figura de xadrez no lugar é
um lance no jogo de xadrez. “Pode-se dizer: ao se denominar uma coisa, nada está ainda feito.
Ela não tem nome, a não ser no jogo” (Wittgenstein, 1975, p. 35). Ao desenhar, o designer só
está construindo denominações, ainda não descreveu nada. Este jogo é solitário, feito apenas
entre o profissional e o cliente que o contratou.
Toda construção da identidade visual é carregada de história, de cultura, de passado,
mas isso não pode se transformar numa questão messiânica, sem questionamentos (uma
religião). Mas, como diz Geertz (1978, pgs. 96-97), a força de uma religião ao apoiar os
valores sociais repousa, pois, na capacidade dos seus símbolos de formularem o mundo no
qual esses valores, bem como as forças que se opõem à sua compreensão, são ingredientes
fundamentais. A “espécie de símbolos (ou complexos de símbolos) que os povos vêem como
sagrados varia muito amplamente.”
Como se vê, a compreensão dos símbolos, mesmo sacralizados, varia muito. E essas
variações são muito importantes para se entender as múltiplas leituras de uma identidade
visual.
Para Foucault (1987, p.22), se a interpretação não acaba nunca, não quer dizer que não
há nada a interpretar, mas que “não há nada absolutamente primário a interpretar, porque no
fundo já tudo é interpretação, cada símbolo é em si mesmo não a coisa que oferece à
interpretação, mas a interpretação de outros símbolos.” Não existe um “alfabeto” de símbolos,
primários, para o designer “escrever” uma identidade apenas para uma leitura, sem
interpretações.
O designer não precisa se apoiar na metodologia estanque, pois há muito espaço para
o jogo dentro do design. Mas o convite final deste artigo é para o jogo, e não para o resultado
dele.
6. REFERÊNCIAS
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WITTGENSTEIN, L. Investigações Filosóficas. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, Victor Civita. vol.
XLVI, 1975.
AMPLIAÇÃO INTERORGANIZACIONAL DO CONHECIMENTO:
DESAFIOS DA GESTÃO DO CONHECIMENTO EM REDES DE EMPRESAS
Ana Paula Lisboa Sohn
Nelson Casarotto Filho
Idaulo José Cunha
Neri dos Santos
Ampliação interorganizacional do conhecimento: desafios da gestão do conhecimento
em redes de empresas.
Resumo: Dado que existe uma série de conhecimentos envolvidos nas relações entre
empresas que podem ser gerenciados para otimizar a geração de ganhos coletivos o objetivo
desta pesquisa é discutir a gestão do conhecimento no contexto das redes
interorganizacionais. Para tanto foi realizada uma revisão de literatura com o objetivo de
identificar o maior número possível de estudos relacionados a gestão do conhecimento em
redes interorganizacionais. Os resultados mostram que as redes de empresas podem
proporcionar um ambiente favorável à gestão do conhecimento entretanto observou-se
desafios no tocante ao trabalho colaborativo que limitam os ganhos coletivos nos processos de
gestão do conhecimento.
Palavras-Chaves: gestão do conhecimento, redes interorganizacionais, aprendizagem
colaborativa.
Abstract: This article focus on the knowledge management in the interorganizatoinal network
scope, since there is a lot of knowledge involved in the interorganizational relationships
which can be managed in order to maximize the collective competences. The aim of this
research is to conceptualize and discuss the knowledge management in the context of the
interorganizational networks. For this a literature review was made to identify a lot of studies
related to this subject. The results of the researche show that interoganizational network can
provide a good place to the knowledge management but there are challenges with regard to
the collaborative work that limit the gains in collective processes of knowledge management.
Key-words: knowledge management, interorganizational networks, collaborative learning.
1. INTRODUÇÃO
O objetivo principal deste artigo é discutir a temática da gestão do conhecimento no
âmbito das redes interoganizacionais. Para tanto foi realizada uma revisão bibliográfica com
o objetivo de identificar o maior número possível de estudos relacionados à gestão do
conhecimento no contexto das redes interorganizacionais.
No tocante a relevância do estudo em redes interorganizacionais Cunha (2007)
observa que ainda é insuficiente conhecimento teórico e empírico sobre coleções de empresas
como: clusters, aglomerados produtivos, redes de empresa e sobre o potencial de ganhos
derivados da ação conjunta. O autor salienta que o não desenvolvimento de pesquisas na área
pode comprometer a competitividade futura dos pólos regionais, dentre eles os catarinenses,
implicando na perda de oportunidades criadas pelo novo modelo econômico, tecnológico e
organizacional que valoriza competências locais.
Enumeram-se outros motivos que justificam o estudo em redes interorganizacionais
como: (1) a emergência da nova modalidade de competição como a que está ocorrendo nos
distritos italianos (CASAROTTO, PIRES, 2001), na China (CASAROTTO, CUNHA, 2008;
SAXENIAN, 2006) e no Vale do Silício (SAXENIAN, 2006); (2) o surgimento das
tecnologias de informação e comunicação (TIC’s) que possibilitam uma maior capacidade de
inter-relações entre firmas (CHI, HOLSAPPLE, 2005); (3) e a consolidação da análise de
redes como disciplina acadêmica, não só restrita a alguns grupos sociológicos, mas expandida
para uma ampla interdisciplinaridade dos estudos organizacionais (CUNHA, 2007;
CASAROTTO, PIRES, 2001).
O acelerado processo de desverticalização das empresas, outrora integradas
verticalmente, esta criando redes e cadeias de suprimento cada vez mais estendidas, que
exigem avançados sistemas de gestão interorganizacional para gerar eficiência coletiva,
salientando-se entre eles a gestão do conhecimento.
A gestão do conhecimento é entendida como a criação de valor a partir da gestão dos
ativos intangíveis da organização por meio de processos de criação, compartilhamento e
utilização de conhecimentos (SVEIBY, 1998).
A gestão do conhecimento em redes interorganizacionais ainda é um tema pouco
explorado carecendo de estudos específicos sobre compartilhamento e aprendizagem coletiva
(GUO, GUO, 2010; GANZERT, MARTINELLI, 2009; ASPROTH, 2007; LARSSON et al.,
1998). A relevância deste tema é sinalizada pelo rápido aumento de publicações sobre o
assunto, a maior parte baseada em pesquisas empíricas sobre as dificuldades das organizações
de aprenderem por meio de suas interações. (KNIGHT, 2002). O constructo “rede de
aprendizagem” (networking learning) encontra-se em fase de validação, e refere-se à
aprendizagem por um agrupamento de empresas que opera como uma nova dimensão
organizacional.
O artigo foi estruturado em seis seções. Na primeira tem-se a introdução contendo a
delimitação do tema, objetivo e justificativa. Na segunda seção são apresentadas
considerações sobre os diferentes formatos das redes interorganizacionais. Na terceira seção
faz-se a discussão teórica a cerca dos processos de gestão do conhecimento no âmbito das
redes inteorganizacionais. A quarta seção contempla os aspectos metodológicos, seguidos das
considerações finais. A sexta e última seção apresenta as referencias utilizadas no
desenvolvimento da pesquisa.
2. REDES INTERORGANIZACIONAIS
Fatores ligados ao desenvolvimento ambiental, econômico e social sustentáveis,
mudanças demográficas, globalização da economia, desenvolvimento tecnológico,
customização da produção e o próprio conhecimento estão provocando a mudança de uma
sociedade industrial para uma sociedade do conhecimento (NAISBITT, ABURDENE, 1991).
Sinaliza-se que a era industrial já a acabou, e a era do conhecimento pode
comprometer a competitividade das empresas que não incorporarem os novos desafios e
padrões competitivos. Diferente da economia industrial que valorizava a integração vertical a
economia do conhecimento estimula e valoriza a formação de alianças interorganizacionais e
arranjos empresariais construídos em redes. Nesse sentido Castells (2003), Balestrin e
Verschoore (2008), Cunha (2007) e Porter (1998) sinalizam que a competitividade desloca-se
de um processo unidirecional, individual e endógeno no âmbito das firmas para um processo
aberto, multidirecional, colaborativo e em rede.
De acordo com Cunha (2003) há uma ampla configuração de redes de cooperação
entre empresas, e essas, usualmente estão presentes nas aglomerações industriais e ajudam a
qualificar melhor e entender as estruturas e o modus operandi dos agrupamentos ou
aglomerados de empresa.
Britto (2002, p.349-354) apresenta contribuição conceitual colocando que:
a rede de empresas pode ser referenciada a um conjunto organizado de
unidades de produção parcialmente separáveis, que operam com
rendimentos crescentes, que podem ser atribuídos tanto a externalidades
significativas de natureza técnica, pecuniária e tecnológica, assim, como as
economias de escala com a função de custos ‘subativos’ – grifo dado pelo
autor – que refletem a presença de efeitos relacionados a importantes
externalidades de demanda.
Em geral, pode-se afirmar que as redes de empresas são componentes de
aglomerações produtivas e de outras modalidades de agrupamentos de empresas (CUNHA,
2007).
A seguir apresenta-se síntese dos conceitos empregados no Brasil e no exterior para
identificar e qualificar modalidades de alianças interorganizacionais. Segundo o autor a
multiplicidade de conceitos traz dificuldades para a compreensão dos fenômenos de
aglomeração de empresas, podendo provocar problemas quando o propósito é o de fixação de
políticas ativas de fomento e mesmo para entender o fenômeno da aglomeração no mundo
real.
Quadro 01: Redes de empresa, aglomerações de produtores e SCM: especificidades dos conceitos.
ESPECIFICAÇAO
CARACTERISTICAS E VANTAGENS
Aglomerados Industriais
Proximidade geográfica, especialização produtiva e aproveitamento de
vantagens competitivas estáticas e dinâmicas.
Acrescentam-se as relações locais e fortes sinergias entre todos os atores,
incluindo os de natureza governamental; pequenas e médias empresas e divisão
de trabalho.
A ênfase transcende os objetivos econômicos, pois ela é direcionada ao
desenvolvimento sustentável no espaço local-regional, ou seja, há maior
solidariedade.
O enfoque é o dinamismo, a troca de conhecimentos para gerar inovações no
interior do aglomerado, enfatiza o aprendizado por interação e o entrelaçamento
das empresas com centros de pesquisas e universidades.
Sobressaem-se os mecanismos de articulação entre as empresas envolvidas e os
ganhos decorrentes do processo de integração e há forte influencia dos tipos de
relacionamento e dos fluxos estabelecidos e há consciência da interdependência
entre os atores.
As relações são estáveis e cooperativas; objetivam a execução de projeto
comum; e há redução das incertezas quanto ao comportamento dos mercados.
Há necessidade de organização formal de governança. Existem dois tipos de
redes quanto à finalidade: redes produtoras e criadoras ou voltadas ao
desenvolvimento de fatores.
A temporalidade e os objetivos das relações são nitidamente estabelecidos,
ocorrem por deliberação sob as formas de fomento de atividades com elevada
tecnologia e existentes em requisitos sócios-cognitivos, a presença do Estado é
determinante e sempre decorre de ação deliberada, não-espontânea, como na
maioria das ocorrências na aglomeração industrial.
O conceito de gerenciamento de cadeias de suprimento é o da integração de
diversos processos de negócios e empresas, abrangendo desde os fornecedores
originais de insumos e de serviços até os usuários finais, o que permite oferecer
vantagens aos consumidores em relação a oferta de produtos, serviços e de
informações.
Distritos Industriais Italianos
Sistemas de Produção Local
Sistemas de Inovação
Redes de empresas em geral
Redes flexíveis
Sistema de produção
Gerenciamento da cadeia de
suprimento (GCS/SCM)
Fonte: Elaborado por Cunha (2003).
Para que se possa avançar no estudo é necessário conhecer a operacionalidade (modus
operandi) das redes de empresas. Conforme Britto (2002), existem quatro elementos
morfológicos que constituem a estrutura das redes: nós, posições, ligações e fluxos.
Figura 01: Elementos morfológicos das redes de
empresas
Posições
Nós
Empresas
Atividades
Ligações
Divisão do
Trabalho
Fonte: Britto (2002, p. 359)
Bens
Fluxos
Informações
Os nós podem ser descritos como um conjunto de agentes, objetos ou eventos
presentes na rede. Existem duas perspectivas para o estabelecimento dos nós da rede: a
primeira enquadra as empresas como unidade básica de análise e a segunda considera as
atividades como os pontos focais do arranjo (BRITTO, 2002).
As posições definem as localizações das empresas ou atividades (os nós) no interior da
estrutura. A posição está diretamente associada à divisão do trabalho dos diferentes agentes
pertencentes a rede. As ligações, conexões ou linkages determinam o grau de difusão ou
densidade dos atores de uma rede. Nas redes de empresas é necessário um detalhamento dos
relacionamentos organizacionais, produtivos e tecnológicos entre os membros da rede
(BRITTO, 2002 ).
Observa-se que para o entendimento da estrutura de uma rede é necessária a análise
dos fluxos intangíveis (informações). Nesse sentido e considerando os desafios propostos pela
sociedade do conhecimento, que dá a informação e ao seu processo de gestão caráter cada vez
mais estratégico, a seguir apresenta-se considerações sobre desafios da gestão do
conhecimento no contexto interorganizacional.
3. AMPLIAÇAO INTERORGANIZACIONAL DO CONHECIMENTO
As organizações deparam-se com um cenário em que o aprendizado de novos
conhecimentos não deve ser mais protegido, uma vez que as atuais estratégias de vantagem
competitiva passam a ser desenvolvidas de forma mais rápida e sinérgica pela união dos
esforços organizacionais visando a construção de conhecimento coletivo (DAVENPORT,
PRUSAK, 1998; LARSSON et al., 1998; NONAKA, 2000; CASTELLS, 2003). Para tanto as
organizações necessitam agir cooperativamente, pois as idéias causam maior impacto quanto
amplamente compartilhadas (DAVENPORT, PRUSAK, 1998; LARSSON et al, 1998;
CASTELLS, 2003; NONAKA, TAKEUCHI, 1997).
Ressalta-se que a ação cooperativa direcionada a construção da aprendizagem coletiva
não trata apenas de buscar conhecimento externamente, mas sobretudo, de aprender a
desenvolvê-lo mediante parcerias. Deste modo desenvolve-se coletivamente conhecimentos
sociais, institucionais e da própria rede e incorpora-se, no âmbito do agrupamento de atores,
novos conhecimentos gerados coletivamente (VALENTE; PEDROZO; BEGINS, 2008;
ASPROTH, 2007).
A criação de novos conhecimentos a partir do compartilhamento de informações entre
organizações foi apresentada por Nonaka e Takeuchi (1997) ao exporem a dimensão
ontológica do conhecimento. Diante desta dimensão, o conhecimento nasce em um nível
individual, sendo expandido pela dinâmica da interação (socialização do conhecimento) para
um nível organizacional e, posteriormente, para um nível interorganizacional (Figura 02).
A geração do conhecimento surge quando a interação do conhecimento tácito e do
conhecimento explícito eleva-se dinamicamente de um nível ontológico inferior até níveis
mais altos (NONAKA; TAKEUCHI, 1997).
Figura 02: Teoria de Criação de Conhecimento Organizacional
Fonte: adaptado de Nonaka, Takeuchi (1997).
Observa-se que uma organização ou uma rede interorganizacional pode proporcionar
um espaço de relações positivas e construtivas entre os atores e entre os atores e seu ambiente
(BALESTRIN; VARGAS; FAYARD, 2005).
Nesse sentido Cunha (2007), Balestrin e Verschoore (2008), Asproth (2007) entre
outros evidenciam que as redes interorganizacionais, em seus espaços inter-relacionados,
promovem um ambiente favorável ao compartilhamento de conhecimento e aprendizagem
colaborativa. Cabendo a rede criar mecanismos para manter e reutilizar o conhecimento
desenvolvido pelos indivíduos que a ela pertençam.
Considera-se que uma rede interorganizacional pode proporcionar um ambiente
favorável à existência de uma efetiva interação entre pessoas, grupos e organizações,
ampliando o conhecimento criado inicialmente pelos indivíduos (BALESTRIN; VARGAS;
FAYARD, 2005). Para esses autores esta dinâmica promove a complementaridade de
competências por meio da qual o conhecimento, as práticas, os valores, os processos, a cultura
e as diferenças dos indivíduos são compartilhadas coletivamente em razão de um projeto
comum.
A aprendizagem interorganizacional pode ser vista como uma aquisição coletiva de
conhecimento entre um conjunto de organizações, e advém de um processo de
compartilhamento de conhecimento tendo se revelado como uma nova estratégia para
desenvolvimento de capacidades que minimizam a exposição das empresas às incertezas
impostas pelo ambiente, e a qualificam como uma dimensão representativa no sucesso das
organizações (VALENTE; PEDROZO; BEGINS, 2008)
Para Knight (2002) o aprendizado em rede é a soma do aprendizado de indivíduos,
grupos e organizações que constituem a rede, e resultam em mudanças nas características das
redes. Segundo a autora a aprendizagem pode dar-se em cinco contextos que se cruzam com
os cinco níveis: individual, de grupo, organizacional, diádica e na forma de rede
interorganizacional (Quadro 02).
Quadro 02: Tabulação níveis de aprendizagem versus contexto da aprendizagem
Níveis/ Contexto
Aprendizagem
Individual
Grupo
Individual
Grupo
Individuo aprende
sozinho
Individuo aprende
com grupo
Aprendizagem do
grupo é
influenciada por
um individuo
Grupo aprende
por meio da
integração
intragrupo
Organizacional
Individuo
aprende com a
organização
Grupo aprende
com a
organização
Diádica
Individuo
aprende com a
parceria
Grupo aprende
com a parceria
Rede
interorganizacional
Individuo aprende
com a rede
Grupo aprende com a
rede
Organizacional
Aprendizagem na
organização é
influenciada por
um individuo
Aprendizagem
organizacional
influencida por
grupo
Diádica
Aprendizagem
dos parceiros é
influenciada por
um individuo
Aprendizagem
dos parceiros é
influenciada por
um grupo
Rede
interorganizacional
Aprendizagem da
rede é
influenciada por
um indivíduo
Aprendizagem
da rede é
influenciada por
um grupo
Organização
aprende por
meio da relação
intraorganizacio
nal
Aprendizagem
dos parceiros é
influenciada por
uma
organização
Aprendizagem
da rede é
influenciada por
uma
organização
Organização
aprende com a
parceria
Organização aprende
com a rede
Parceiros
aprendem por
meio da
interação intraparceria
Aprendizagem
da rede é
influenciada por
uma parceria
Parceiros aprendem
com a rede
Rede aprende por
meio da interação
intra-rede
Fonte: adaptado de Knight (2002)
Conforme Knight (2002) existe um grupo substancial de evidencias que demonstra
que o aprendizado pode ocorrer em diferentes níveis, dado que os grupos e as organizações
podem ser considerados “sujeitos de aprendizagem” e que a rede interorganizacional seja o
próximo nível. Sob esta perspectiva a autora acredita que o importante não é discutir se as
redes podem aprender, mas sim compreender os aspectos relacionados a como elas aprendem,
buscando o entendimento sobre o processo de aprendizagem no contexto das redes.
3.1 DESAFIOS A GESTAO DO CONHECIMENTO E APRENDIZAGEM
COLABORATIVA NO CONTEXTO DAS REDES INTERORGANIZACIONAIS
Observa-se no âmbito das redes inter-organizacionais problemas relacionados a gestão
do conhecimento, mais especificamente a questões ligadas ao compartilhamento do
conhecimento e aprendizagem colaborativa. Nesse sentido Cunha et al. (2008) apontam
“miopias” por parte dos gestores de organizações que fazem parte de redes
interorganizacionais.
Segundo os autores o primeiro fator de “miopia” advém do fato de que a própria
administração de organizações em rede não costuma ser algo inerente as concepções dos
gestores. Nesse sentido Prahalad e Ramswamy (2004) observam que para a maioria dos
gestores a colaboração não é tarefa fácil, nem natural, o que revela a dificuldade de buscar
uma visão colaborativa. Assim, a adoção de comportamentos colaborativos no âmbito
interorganizacional é limitada pela resistência ao compartilhamento de conhecimento
(ASPROTH, 2007).
A formação de redes interorganizacionais pode trazer diversos ganhos às empresas
participantes, tanto no âmbito explícito quanto implicitamente. Os principais ganhos
explícitos estão ligados à obtenção de vantagens econômicas. No que tange ao caráter
implícito, tem-se como vantagens a redução de incertezas, sinergia, complementaridade entre
envolvidos, formação de especialistas e a gestão do conhecimento (CUNHA, 2007;
CASAROTTO, PIRES, 2001). Nesse sentido Cunha et al. (2008) colocam que o segundo
fator de “miopia” é decorrente de uma percepção limitada na qual os fatores implícitos não
são facilmente percebidos pelo gestor. Ante ao exposto reitera-se a existência de dificuldades
para implementação e sistematização de práticas relacionadas à gestão do conhecimento.
Nonaka (2000) salienta que os gestores de empresas ocidentais ainda possuem uma visão
muito estreita do que seja conhecimento e sobre a maneira como as empresas são capazes de
gerenciar e explorar o conhecimento.
A gestão do conhecimento traz para as organizações diversas transformações SmithEasterby, Lyles (2003) indicam mudanças de valores, na cultura organizacional, nos
comportamentos e métodos de trabalho visando facilitar o contato entre as pessoas e o acesso
aos ativos de conhecimento. No contexto das redes interorganizacionais as dificuldades
referentes as transformações advindas da gestão do conhecimento e a visão míope sobre o
próprio conhecimento limitam a efetividade dos processos ligados ao compartilhamento de
informações e aprendizagem colaborativa.
Um outro dilema da aprendizagem colaborativa é apresentado por Larsson et al. (1998
apud VALENTE; PEDROZO; BEGINS, 2008) que acredita para transferência e criação de
conhecimento no âmbito interorganizacional precisa-se de algum nível de transparência e
receptividade entre as organizações que estabelecem relações de parceria. Segundo o autor as
empresas adotam estratégias de baixa transparência e baixa receptividade podem eliminar a
possibilidade de qualquer aprendizagem interorganizacional significativa.
4. PROCEDIMENTOS METODOLOGICOS
A presente pesquisa classifica-se como académica e adota, enquanto procedimentos
técnicos, a pesquisa bibliográfica. A pesquisa acadêmica, na lavra de Santos (2000), é uma
atividade realizada no âmbito da academia com caráter pedagógico, pois busca despertar o
sentido de busca intelectual por parte dos pesquisadores, sendo conduzida por professores e
estudantes de graduação e de pós-graduação.
Por ser um trabalho de cunho teórico, o procedimento técnico utilizado é no escopo da
pesquisa bibliográfica. Tal tipo de pesquisa é caracterizado quando se utiliza publicações
efetivadas, constituído basicamente de livros, periódicos, artigos e material disponibilizado na
Internet (GIL, 1991).
Neste sentido e no caso do estudo em tela, primeiramente, realizou-se um
levantamento de artigos científicos indexados em bases de dados. De posse do material
teórico, fixou-se a problemática de pesquisa e desenvolveu-se a base conceitual. Após efetuar
análise da base conceitual, foram efetivadas considerações que buscam ampliar o
conhecimento acadêmico sobre a temática apresentada neste artigo.
5. CONSIDERAÇOES FINAIS
As teorizações delineadas neste artigo pretendem contribuir para uma abordagem mais
abrangente da gestão do conhecimento organizacional, apresentando uma visão
multidirecional e em rede.
O debate teórico apresentado ao longo do artigo evidencia o alcance do objetivo
proposto e como resultado da discussão sobre a temática da gestão do conhecimento no
âmbito das redes interorganizacionais viu-se estas podem se configurar como ambientes
propícios ao aprendizado colaborativo e a práticas de gestão do conhecimento. Nesse sentido
alguns desafios devem ser observados com atenção.
No elenco das dificuldades relacionadas aos processos de gestão do conhecimento em
redes interorganizacionais destacam-se os obstáculos encontrados pelos gestores no tocante a
colaboração, tendo em vista que a sensibilização e a abertura para o trabalho colaborativo em
rede não é tarefa fácil, nem natural. Constatou-se se também a existência de visão míope
sobre o papel e a importância do conhecimento e da sua gestão, que limitam os ganhos
coletivos nos processos de gestão do conhecimento no contexto interorganizacional.
Este artigo visa estimular o debate sobre os conceitos de gestão do conhecimento em
redes interorganizacionais junto à comunidade acadêmica. Nesse sentido, a este artigo
somam-se os trabalhos de Balestrin, Vargas e Fayard (2005); Casarotto e Pires (2001); Cunha
(2007); Knight (2002); Prange (2009); Smith-Easterby e Lyles (2003); Guo e Guo (2010)
(apenas para citar alguns) alinhados às contribuições apresentadas.
Sugere-se que a partir deste artigo outras pesquisas sobre tema sejam desenvolvidas,
como por exemplo a descrição das influências das dimensões individual, grupal e
organizacional na criação e apropriação do conhecimento no âmbito das redes, bem como
estudos relacionados à geração e apropriação de conhecimento em diferentes formatos de
redes, como aglomerações industriais constituídas por pequenas e médias empresas e em
redes e cadeias produtivas com nítida dominância de grandes empresas.
6. REFERENCIAS
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REDES SOCIAIS, EDUCAÇÃO DIGITAL E INOVAÇÃO NO CONTEXTO
TECNOLÓGICO DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Vilson Martins Filho
Francisco Antonio Pereira Fialho
1. INTRODUÇÃO
Atualmente, as pressões sobre negócios visando a inovação contínua e a crescente
capacidade das tecnologias da informação para permitir uma comunicação mais ampla e
abrangente, estão conduzindo as organizações que buscam novas formas de melhorar o
desempenho dos negócios.
O conhecimento é um dos fatores decisivos e capaz de oferecer vantagens
competitivas para as organizações (CRONE; ROPER, 2001). Costa et al. (2008) expõe que
uma das formas de atingir e adquirir tais vantagens, está intrínseca a capacidade da
organização em gerir e compartilhar o conhecimento construído pelos seus membros com
eficiência. Neste contexto, os gestores começam a compreender as necessidades e os
benefícios de explorarem e aproveitarem as redes sociais para criação, desenvolvimento,
transmissão e compartilhamento do conhecimento.
Gladwell (2000) indica que as redes podem ser usadas para alterar o comportamento
das pessoas e melhorar produtos e serviços, e que há grandes oportunidades para as
organizações promover a flexibilidade organizacional, capacidade de resposta e ganho de
vantagem competitiva.
Além disso, os conceitos de rede social combinado com um grupo de novas e
poderosas tecnologias interativas, conhecido coletivamente como peer-to-peer (P2P) de
computação, têm o potencial de mudar profundamente como as organizações trabalham e
agregam valor. P2P computação permitirá que novos tipos de conexões sejam formadas em
muitas regiões geográficas, entre pessoas que nunca se encontraram (SMITH; MCKENN,
2007).
Neste contexto, visando um melhor entendimento sobre o uso das Redes Sociais como
suporte ao processo de Gestão do Conhecimento nas empresas, realizou-se uma pesquisa de
caráter qualitativo - revisão bibliográfica, buscando responder a seguinte pergunta de
pesquisa: Como as redes sociais podem contribuir para a Gestão do Conhecimento nas
organizações?
O presente trabalho é composto por quatro itens, além da referência consultada. O
primeiro item apresenta o tema em estudo, através de sua contextualização, objetivos e a
definição do problema de pesquisa. No segundo componente é apresentada a fundamentação
teórica da investigação, dividida em dois sub-itens que abordam a gestão do conhecimento e
as redes sociais e a gestão do conhecimento. No item três é apresentada a metodologia da
pesquisa, que indica as ações que foram desencadeadas no processo bem como os o métodos
de busca e análise dos artigos levantados. No item, quatro é apresentada a análise dos dados
onde são relacionadas às práticas percebidas na pesquisa. No item cinco são apresentadas as
considerações finais, incluindo as limitações e as sugestões para estudos futuros. As
referências bibliográficas utilizadas nesta pesquisa finalizam este trabalho.
2. RESUMO:
Este trabalho tem por objetivo revisar a literatura sobre o uso das Redes Sociais nas
organizações como elementos potencializadores da Gestão do Conhecimento, abordando uma
visão geral sobre o tema. A pesquisa foi realizada na base de dados Scopus, ebsco, e emerald,
das quais foram recuperados artigos das áreas de Business, Management e Accounting.
Buscaram-se as publicações mais relevantes que tratam das aplicações das Redes Sociais nas
organizações. Por meio de análise qualitativa, foram investigados os objetivos, as aplicações
práticas e os resultados das publicações selecionadas. Percebe-se que as Redes Sociais
exercem diversas influências aplicáveis a Gestão do Conhecimento, atuando principalmente
sobre os processos de criação e compartilhamento do conhecimento.
2.1. TÍTULO:
Redes Sociais aplicadas à Gestão do Conhecimento: Uma revisão de literatura.
2.2. PALAVRAS-CHAVE
Redes Sociais. Gestão do conhecimento. Web 2.0. Enterprise 2.0. Web Social
3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Esta seção descreve conceitos de gestão do conhecimento e Redes Sociais.
3.1. GESTÃO DO CONHECIMENTO
A respeito das várias definições para conhecimento, para Sveiby (1998) o contexto é
fundamental e, por isso, seria mais razoável explicá-lo como uma capacidade humana, de
caráter tácito, orientado para a ação, baseado em regras, individual e em constante mutação.
Seu conteúdo é revelado em ações de "competência" individual, isto porque, na prática, essa
se expressa por meio de conhecimento explícito, habilidade, experiência, julgamento de valor
e rede social.
Nonaka e Takeuchi (1997) explicam que o conhecimento tem origem nas pessoas e
pode ser classificado como tácito e explícito. O conhecimento tácito é subjetivo, não expresso
por palavras, não-armazenável e não-processável pelo computador. O conhecimento explicito
apresenta-se como um conhecimento concreto, expresso nas palavras, pode ser armazenado,
estruturado, organizado e processado por computador.
A Gestão do Conhecimento (GC) envolve diferentes níveis e situações
organizacionais, mas seu foco pode ser resumido como a aplicação do conhecimento coletivo
da força de trabalho para alcançar os objetivos organizacionais. Davenport e Prusak (1998)
afirmam que a gestão do conhecimento é muito mais que tecnologia, mas a tecnologia faz
parte da gestão do conhecimento.
Na visão de Carvalho (2006) a Gestão do Conhecimento pretende ser uma área de
pesquisa e prática que aprofunda o entendimento dos processos do conhecimento nas
organizações e que desenvolva mecanismos para suportar a transformação do conhecimento
em progresso econômico e social.
As definições de GC vistas até aqui são compostas a partir dos processos, descritos por
diferentes autores, conforme quadro 1:
Quadro 1: Processos de gestão do conhecimento na literatura
Autores
Processos de GC
Alavi e Leidner (2001)
Becerra-Fernandez et al.
(2004)
Criar, armazenar e recuperar, transferir, aplicar
Descobrir, capturar, compartilhar, aplicar
Bukowitz e Williams (2003)
Adquirir, usar, aprender, contribuir, acessar, construir e suportar,
redirecionar
Daverport e Prusak (1998)
Gerar, codificar, transferir
Hoffmann (2001)
Criar, armazenar, distribuir, aplicar
Jashapara (2004)
Organizar, capturar, avaliar, compartilhar, estocar e atualizar
Maier (2004)
Descobrir, publicar, colaborar, aprender
Meyer e Zack (1996)
Adquirir, refinar, estocar e recuperar, distribuir, atualizar
Nickols (1999)
Adquirir, organizar, especializar, estocar e acessar, recuperar,
distribuir, conservar, disponibilizar
Probst et al. (2002)
Identificar, adquirir, desenvolver, partilhar/distribuir, utilizar, medir,
avaliar
Rao (2005)
Criar, codificar, recuperar, aplicar, distribuir, validar, localizar,
personalizar
Wiig (1993)
Criar, procurar, compilar, transformar, disseminar
Wong e Aspinwall (2004)
Adquirir, organizar, compartilhar, aplicar
Fonte: Adaptado de Saito et al. (2007) e Dalkir (2005)
Pode-se observar que os processos de GC são diferentes dependendo da visão do
autor. Contudo, uma das suas características comuns é que esses processos são cíclicos e
contínuos. Os trabalhos apontados no Quadro 1 identificam o conjunto de processos principais
da GC como a criação, codificação e disseminação de conhecimento, além de descrever as
tecnologias que podem ser utilizadas para apoiá-los. De acordo com Saito et al. (2007) ,
alguns deles demonstram que realmente as tecnologias podem dar apoio à GC ou ilustram
como um modelo específico de GC pode ser executado com o uso de uma tecnologia.
Significa que tais estudos fornecem uma relevante explanação de como as TIC podem ser
utilizadas para a GC.
A obra de Steil (2007), após compilar dezenove fontes, define GC como uma
estratégia organizacional baseada no conhecimento como fator de produção e vantagem
competitiva, que engloba os processos de aquisição, criação, armazenamento,
compartilhamento, utilização e reutilização do conhecimento.
Em visão genérica a GC pode ser vista como o uso de competências especializadas
através de atos, processos e performances para o benefício de outra ou da própria organização,
pessoa ou sistema. Benefício, neste caso, entendido como a potencialização de ativos
intangíveis (MANHÃES, 2010).
A Gestão do Conhecimento (GC) está na capacidade das empresas utilizarem e
combinarem diferentes fontes e tipos de conhecimento organizacional para o desenvolvimento
de competências específicas e a capacidade inovadora permanente, que se traduzem como
produtos, processos, sistemas gerenciais e liderança de mercado (TERRA, 2000).
Apesar da advertência de Dixon (2000) evidenciando que a tecnologia não substitui o
contato pessoal, deve-se ressaltar, no contexto do compartilhamento do conhecimento, a sua
importância: “a transferência de conhecimento não poderia ocorrer sem as ferramentas
propiciadas pela tecnologia da informação” (DAVENPORT e PRUSAK, 1998).
A subseção seguinte, abrange a utilização de fontes externas as organizações,
suportadas por tecnologias da informação e comunicação, como elementos para a gestão do
conhecimento.
3.2. REDES SOCIAIS E A GESTÃO DO CONHECIMENTO
Castells (1999) descreve a sociedade contemporânea como globalizada, informatizada
e tecnicista, centrada no uso e aplicação de informação e conhecimento, apoiada por uma
acelerada revolução tecnológica concentrada na tecnologia da informação, que tem provocado
sensíveis mudanças nas relações sociais.
No entendimento de Bojārs et al (2008), a internet está se tornando cada vez mais um
lugar social. Aplicações comunitárias como wikis colaborativos, blogs, compartilhamento de
fotos e de sites favoritos, e redes sociais online, recentemente tornaram-se muito populares,
tanto em nível dos domínios pessoal ou social, como profissional ou organizacional. A
maioria destas aplicações colaborativas fornece características comuns tais como: criação e
partilha de conteúdo (imagens, perfis de utilizadores, sites favoritos, artigos, etc), listas para
discussões relacionadas com o conteúdo, bem como a formação de redes de sociais por meio
de itens de conteúdo de interesse comum.
Tecnicamente os sites de redes sociais oferecem uma variedade de recursos aos seus
usuários, além do cadastramento de perfis e catalogação de lista de amigos, tais como: a
possibilidade de trocas de informação e conhecimento por meio de fóruns de discussão,
armazenamento e compartilhamento de conteúdo multimídia por meio de blogs e, em alguns
casos, permite que as interações aconteçam também por meio de dispositivos móveis, como
no caso do site MySpace.
Deve-se ressaltar o interesse empresarial acerca do uso de redes sociais como forma de
geração de novos negócios ou oportunidades de negócios. Um exemplo disto é a aplicação
desenvolvida pela empresa Amazon para a rede social Facebook. A Amazon, empresa
especializada na comercialização de produtos pela internet, desenvolveu um serviço
denominado de Amazon Giver, que permite aos usuários do site Facebook o
compartilhamento de sua lista de presentes a serem comprados na loja Amazon. Com base nas
datas de aniversários, disponíveis nas informações demográficas contidas nos perfis do
Facebook, seus amigos podem acessar os produtos (presentes) recomendados, de modo que o
sistema Amazon Giver apresenta os dados dos produtos, incluindo preços e condições de
pagamento, disponíveis no site Amazon.com.
Para Del Pozo et al. (2011) rede social é um conjunto de nós que representam as
pessoas, grupos, organizações, empresas, entre outros, que são conectados por links
mostrando as relações ou fluxos entre eles. Na visão de Staab et al. (2005), redes sociais são
mecanismos eficientes para promover uma maior interatividade entre indivíduos.
As redes podem ser entendidas como repositórios de dados que armazenam
informações sobre cada usuário (GOLBECK, 2005), bem como meio de retenção de
informações produzidas por estes, fornecendo os passos iniciais para o gerenciamento e
disseminação do conhecimento (STAAB, 2005), provendo a possibilidade de iniciativas de
Gestão do Conhecimento.
É sabido que as redes sociais desempenham um papel relevante na disseminação de
idéias e informações (LESKOVEC; ADAMIC; HUBERMAN, 2007). Para Brown e Duguid
(2000) as redes sociais eficazes envolvem mais do que o fornecimento de informações sobre
uma pessoa e suas habilidades e atributos. Elas devem reconhecer e incluir mecanismos para
lidar com as coisas "difusas" em torno das bordas do indivíduo, unidade de negócios ou
trabalho organizacional, tais como, contexto, antecedentes, história, conhecimento comum e
recursos sociais (BROWN; DUGUID, 2000).
4. METODOLOGIA
No contexto deste trabalho utilizou-se da pesquisa qualitativa - bibliográfica. Este tipo
de pesquisa tem por objetivo subsidiar e analisar a compreensão de um problema por meio de
um referencial teórico efetivado independentemente ou como parte de outras investigações.
Como método de pesquisa, utilizou-se de uma revisão da literatura estruturada, onde
recuperou-se artigos em periódicos científicos internacionais.
Como pergunta de pesquisa teve-se o seguinte questionamento: Como as redes sociais
podem contribuir para a Gestão do Conhecimento nas organizações? Para isso valeu-se de
critérios de busca e de análise de dados apontados a seguir.
4.1. BASES DE DADOS E CRITÉRIOS DE BUSCA
Como critério de recuperação da informação foram considerados para pesquisa os
artigos de periódicos referentes à utilização das redes sociais como suporte a gestão do
conhecimento. Optou-se por recuperar exclusivamente os artigos que estavam
disponibilizados na íntegra para viabilizar a completa análise de dados.
Para a recuperação dos artigos, elegeu-se as revistas indexadas pela base de dados
ebsco, scopus e emerald, relevantes e condizentes com o tema de estudo. Salienta-se que a
coleta dos dados deu-se por meio dos seguintes critérios, a saber: a) cronológico: não houve
refinamento por data, pois este critério reduz o escopo da pesquisa. Contudo os artigos
analisados compreendem o período de 2001 à 2011 b) terminologia: utilizou-se as palavraschave “social networking” e “knowledge management”; e c) área de estudo: foram
delimitadas as áreas como Business, Management e Account por representar áreas do
conhecimento relevantes à investigação.
O levantamento dos artigos utilizando esses critérios resultou no total de 15 artigos,
porém estes foram reduzidos a 8 artigos que tratavam especificamente de estudos de caso
relacionados às Redes Sociais e a Gestão do Conhecimento. Na seção 4 apresenta-se uma
análise qualitativa dos dados.
4.2. CRITÉRIOS DE ANÁLISE DOS DADOS
A análise qualitativa versou em analisar os 8 artigos, que compreendiam a aplicação das
redes sociais na Gestão do Conhecimento. Para isso analisou-se os objetivos, as práticas e os
resultados verificando os seguintes fatores: a) Como as redes sociais podem contribuir para a
GC; b) Quais práticas e respectivas funcionalidades utilizadas; e c) Os processos de GC que
são afetados pela utilização dessas ferramentas.
Ao averiguar cada artigo, mesmo sem haver explicitação das práticas de utilização das
redes sociais na Gestão do Conhecimento, são apontados os processos afetados a partir da
interpretação dos investigadores deste trabalho.
5. ANÁLISE DOS DADOS
Baseados nos critérios de busca apresentados na seção anterior, as seguintes pesquisas
encontradas são analisadas qualitativamente, delineando os indicadores deste estudo como os
objetivos e resultados.
5.1 AS REDES SOCIAIS NAS ORGANIZAÇÕES E A GESTÃO DO CONHECIMENTO
O quadro 1 expõe uma compilação, baseada na análise detalhada dos artigos
selecionados para este estudo, visando explicitar a maneira que as Redes Sociais podem
contribuir e afetar a Gestão do Conhecimento. O nomenclatura dos processos afetados foi
unificada e padronizada para facilitar o entendimento.
Quadro 2: As redes sociais aplicadas a gestão do conhecimento: compilação das obras analisadas .
Autor(es)
Explicita a
contribuiçã
o das Redes
Sociais
para a GC
Jones P.M.
(2001)
Sim
Funcionalidades
Usuários colocam seus
dados, interesses e
Características das
Redes Sociais
aplicáveis a GC
Rede de conhecimento mapeamento de
Processos da
GC afetados
ou envolvidos
Compartilhar
Relacionar
Groth, K.
(2003)
Johnson
Controls
Workplace
Innovation
Solutions and
The Smart Work
Company Ltd ,
2008
Craig R. Carter,
Rudolf
Leuschner, Dale
S. Rogers, 2007
Harald
F.O.
VonKortzfleisch,
I. M., Proll C.
(2007)
Vicedo, J. C.;
Mula J.; Capó, J.
(2011)
conhecimentos na rede
social (IKNOW) e
permitem que outros
usuários percebam
conhecimentos
complementares
Notificação e
localização de pessoas
através de dispositivos
móveis usando
bluetooth
competências
Transmitir e manter
conhecimento dentro de
uma organização
conhecimentos
Mapeamento de
competências;
Compartilhar
Descobrir
Sim
Perfis e interesses
Amigos
Comentários que
permitem interações
onde relacionamentos
são visualizados
Ferramentas de Análise
de redes sociais para
acompanhar as
conexões resultantes e o
fluxo de informação e
conhecimento
Encontrar talentos
Identificar expertises
Tornar a comunicação
mais eficiente
Criar,
compartilhar
conhecimento
Não
Aborda mais
especificamente o tema
análise de redes sociais
Mapear competências
Entender o fluxo de
conhecimento entre
atores
Como o conhecimento é
gerado e difundido
Criar e
compartilhar
conhecimento
Não aborda uma rede
social específica
apoiada por tecnologia,
porém explicita que a
TI contribui.
Acessar o conhecimento
disponível na rede (“
who knows what and
knowing who knows
whom”)
Promover a criatividade.
Estabelecer a influência
das fontes de
conhecimento
Criar,
compartilhar e
Validar
conhecimento
Aborda a adaptação da
rede
social
SN
Espanhola
para
gerenciamento
de
projetos da construção
civil. Modelagem de
projetos.
Co-petição, aumento da
produtividade
dos
parceiros
comerciais.
Desenvolver
novos
produtos e processos, e
aprender
com
as
melhores práticas de
negócio.
Menor
disperdício,
maior
eficiência nas transações
e na produção em si.
Identificar oportunidades
internas de colaboração,
aprendizagem
colaborativa e alcançar a
satisfação dos clientes.
Criar, adquirir,
compartilhar,
conhecimento.
Sim
Sim
Sim
Comunidade de prática;
Henneberg, S.
C.; Swart, J.;
Naude´, P.;
Jiang, Z.;
Mouzas, S.
(2009)
Sim
HRM Social Network.
Permite sinalizar se
gostou do que foi
postado.
Utilização das redes
sociais para analisar
dados.
Entender a criação do
conhecimento
acadêmico nas redes.
Não especifica.
Costa, R.A.;
Oliveira, R. Y.
S.; Silva, E. M.;
Meira, S. R. L.
(2008)
Sim
Rede: AMIGOS
Ambiente multi-uso:
Permite fazer
recomendação, criar
comunidade, criar
projeto, fazer relato,
Promove
compartilhamento,
disseminação e a criação
do conhecimento.
Criar, adquirir,
compartilhar e
aplicar o
conhecimento.
Fonte: Elaboração dos autores.
Conforme a tabela 2, apenas um dos artigos investigados não explicita a contribuição
das redes sociais para a gestão do conhecimento mesmo abordando intrinsicamente tal
hipótese.
Com relação às funcionalidades, nota-se uma grande variedade, que vão desde a
alimentação das redes com dados e informações, utilização de ferramentas tecnologicas
associadas, interações entre pessoas e empresas, e demais ferramentas que permitem a cocriação de projetos e até mesmo de artigos cientificos.
Observa-se ainda que além das funcionalidades básicas já descritas anteriormente,
como publicar informações relacionadas a interesses pessoais, criar comunidades e interagir
com outros atores, recursos adicionais podem contribuir para a GC. A possibilidade de
recomendar um conteúdo, por exemplo, é uma alternativa de qualificar uma informação
postada.
Outra abordagem destacada nos artigos estudados é a analise de redes sociais, a qual
permite identificar o conhecimento compartilhado, além da intensidade do relacionamento
entre os integrantes da rede social. Esta capacidade potencializa o mapeamento de
competências, prática conhecida na GC. Apesar dos benefícios gerados pela análise de redes
sociais, não há aprofundamento sobre sua forma de utilização ou exemplos de softwares e
estudos de caso.
Dentre as principais características das Redes Sociais aplicáveis a Gestão do
Conhecimento, os artigos analisados demonstram com maior ênfase o mapeamento de
competências, promoção de inovações, co-petição, e explica como acontece o processo de
descoberta, criação, compartinhamento, combinação e validação de conhecimento. Vale
ressaltar que esses, são os processos de GC afetados ou envolvidos pelas redes sociais.
A possibilidade de acessar as informações e conhecimentos veiculados na rede social
está diretamente relacionado ao processo de aquisição e armazenamento de conhecimento;
criar conhecimento a partir interpretação e combinação destes previamente disponíveis, ligado
ao processo de criação de conhecimento; identificar competëncias e permitir acesso ao
conteúdo disponibilizado, conectado ao processo de compartilhamento de conhecimento;. Por
último, a qualificação de certa informação ou conhecimento pode ser explorada através de
contestações ou recomendações dos conteúdos publicados. Essas duas ultimas características
tem conexão com os processos de compartilhar e validar conhecimento.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No conjunto dos resultados alcançados nesta pesquisa, destacam-se algumas possíveis
contribuições das Redes Sociais para a Gestão do Conhecimento, a saber: 1-) Constatou-se
que as Redes Sociais e suas características já estão sendo utilizadas em ações facilitadoras que
permeiam a GC em atividades pessoais e, de menor intensidade, nas organizações; 2-) Apesar
da gestão do conhecimento ser mais frequentemente ligada a ferramentas colaborativas como,
blogs, wikis, RSS, forúns, devido ao receio em desperdiçar tempo, tanto em organizações que
usam as redes sociais de forma abertas (dentro e fora da empresa) quanto fechadas (acesso
restrito apenas aos colaboradores e interessados diretos), a utilização de ferramentas de
análise permite mapear o conhecimento trocado, além de identificar os atores mais ativos,
possibilitando assim, fomentar suas necessidades e o repasse de conhecimento a outros
(JOHNSONS e SMART, 2008).
Por meio dos resultados, pode-se coligir que as Redes Sociais podem contribuir para
criação de um novo modo de fazer negócios, de criar, transferir e compartilhar o
conhecimento. Salienta-se a importância da concepção e utilização de técnicas e ferramentas
tecnologicas visando extrair todos os benefícios que as Redes Sociais oferecem, e que pouco
foram exploradas nos artigos analisados.
As ferramentas tecnológicas para gestão colaborativa do conhecimento, por si sós,
como as redes sociais não são suficientes; é necessário incorporar práticas sistemáticas para
sustentar o uso de maneira apropriada a monitorar a performance, antecipar, dar feedback,
medir os resultados, realizar melhoramentos e assim tornar seu uso efetivo nas organizações
(JONES, 2001).
Por meio dos artigos analisados, é possível inferir que poucas organizações estão
utilizando as Redes Sociais de forma estratégica a extraírem maior proveito possível para as
organizações e que as mesmas, ainda não se deram conta dos benefícios e vantagem
competitiva que as redes sociais aliadas a EC, possam proporcionar aos empreendimentos.
Como limitação deste estudo, pode-se citar a escassez de investigações relacionadas
ao tema em questão - contribuição das Redes Sociais para a GC nas organizações, o que
permitiria identificar de que forma as redes sociais são exploradas nas organizações e sua
relação com a gestão do conhecimento, questões técnicas, de infra-estrutura, recursos
humanos envolvidos no processo, entre outros.
Por fim, vislumbra-se investigações futuras que permitirão aprofundar a pesquisa a
partir deste artigo, podendo se destacar: a) levantamento e concepção de ferramentas
tecnologicas que podem ser associadas as redes sociais visando extrair todos os benefícios
possiveis; b) reprodução da investigação com maior aprofundamento, utilizando-se da
abordagem quali-quantitativa e contemplando um maior número de bases de dados; e c-)
estudo de casos em empresas visando identificar os passos, práticas e reais contribuições das
redes Sociais para GC nas organizações.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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A PRODUÇÃO E COMUNICAÇÃO DE EBOOKS ACADÊMICOS NA
INTERNET: O DESIGN DOS MODELOS ACADÊMICOS
Márcio B. Miranda
Richard Perassi
Fabiana Elisa Boff Silveira
Rafael Bianchini Glavam
1 INTRODUÇÃO
A validade das informações disponíveis na internet por vezes é questionada. Mesmo
assim, atualmente, ela representa uma considerável fonte de informação, seja para o meio
social, corporativo ou acadêmico. Para o meio acadêmico, uma das grandes vantagens deste
recurso é que a informação, que possui como característica a rápida perecibilidade pode ser
produzida e acessada com maior rapidez. Crê-se que a informação qualificada é de vital
importância para o desenvolvimento de pesquisas nos diversos campos do conhecimento e
que as mídias utilizadas para sua divulgação têm variados formatos, o que aumenta
consideravelmente o desafio de sua qualificação, ou seja, não apenas com relação ao
conteúdo, mas também com especial ênfase na questão de suporte, o reconhecimento das
informações publicadas tem apresentado constantes desafios para o meio acadêmico.
Tradicionalmente os suportes impressos têm sua qualificação efetivada através dos órgãos de
publicação, com conselhos editoriais que avaliam e avalizam as informações
disponibilizadas. Entretanto, suas versões eletrônicas, apesar de possibilitar maior rapidez,
acessibilidade e distribuição, ainda enfrentam contínuos desafios com relação à qualificação.
Para as revistas acadêmicas, determinados órgãos editores são a referência da qualificação.
Todavia, no caso específico dos ebooks (livros digitais) a qualificação acadêmica se constitui
num desafio claro. Embora, a possibilidade de classificação do conteúdo ou até do autor
sejam decisivas, acredita-se que o reconhecimento da qualidade das obras literárias
acadêmicas publicadas em meio exclusivamente digital ainda seja ineficiente.
Este artigo pretende apresentar uma análise dos bens culturais em formato digital,
bem como suas tecnologias de produção, seguindo a lógica geral do consumo, são
selecionados e escolhidos de acordo com apelos comunicativos e sinais de qualidade, que
configuram sua marca. Destaca-se também a utilidade deste material e o desenvolvimento
para o meio acadêmico. Isso para que se possa legitimar os produtos intelectuais publicados
na Internet com reconhecimento acadêmico, ou seja, quais os fatores que possibilitam a
utilização da marca acadêmica como expressão de qualidade para a produção e comunicação
de ebooks na Internet?
A PRODUÇÃO E COMUNICAÇÃO DE EBOOKS ACADÊMICOS NA
INTERNET:
O DESIGN DOS MODELOS ACADÊMICOS
RESUMO
Determinado pelo desconhecimento sobre providências, sinais e ambientes virtuais, que
possam legitimar os produtos intelectuais publicados na Internet com reconhecimento
acadêmico este artigo busca identificar elementos capazes de compor um ebook acadêmico e
indicar sua qualidade, tanto como marca quanto como objeto de aprendizagem. O objetivo,
portanto é estudar os fatores e elementos de design que possibilitem o conhecimento e a
comunicação do ebook como produto de qualidade quando publicados na internet. O
trabalho apresenta os processos de design, produção e divulgação ou conhecimento das
publicações digitais na Internet, como produtos detentores da marca acadêmica, visando
determinar os elementos de identificação e comunicação, que são capazes de promover o
conhecimento da marca como expressão de qualidade acadêmica em ebooks.
Palavras-Chave: Ebook Acadêmico. Design. Conhecimento. Utilidade. Desenvolvimento.
SUMMARY
Determined action by ignorance, signs and virtual environments that can legitimize the
intellectual products published on the Internet with academic recognition this article seeks
to identify elements that compose an ebook and give academic quality, both as a brand and
as a learning object. The aim the refore is to study the factors and design elements that
enable communication and knowledge as product quality ebook when published on the
Internet. The paper presents the design process, or knowledge production and
dissemination of digital
publications on
the
Internet, as
products of
the
brand holders academic, to determine the elements of identification and communication,
which are capable of promoting brand awareness as an expression of academic
quality in ebooks.
Keywords: Academic Ebook. Design. Knowledge. Utility. Development.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Para melhor compreensão das análises a serem realizadas se faz necessário algumas
considerações iniciais sobre o design dos ebooks utilizados no meio acadêmico.
2.1 Considerações Iniciais Sobre o Design de Ebooks
A Sociedade do Conhecimento caracteriza-se por um cenário de rápidas mudanças,
onde o papel e a caneta dão espaço a comunicação digital, codificada em zeros e uns. Isto
torna o contato entre as pessoas e as organizações mais rápido e prático e o processo de
aprendizagem mais dinâmico. Por esta razão, a utilização de arquivos digitais, especialmente
ebooks, em ambientes acadêmicos preconiza a utilização de uma interface diferenciada. A
menção de uma interface diferenciada para o ebook torna patente a questão do design deste
objeto. Um dos maiores obstáculos à adoção de livros eletrônicos pelas bibliotecas está
centrado na questão do design (CHONG at. al. 2009).
Ressalta-se que, em questão de design, o fenômeno do surgimento do ebook se
assemelha ao surgimento do seu predecessor, o livro impresso. Quando o primeiro livro
impresso foi criado em muito diferia do códex manuscrito. No início a invenção de
Gutenberg carecia de aspectos gráficos e artísticos, característicos do trabalho dos copistas.
Os copistas faziam verdadeiros trabalhos artísticos ao copiar obras literárias. Em alguns
casos levavam anos e os elementos que inseriam nas obras faziam delas verdadeiras obras de
arte. Alguns destes aspectos peculiarmente levaram séculos para serem recuperados ou, pelo
menos, substituídos por efeitos similares pela indústria editorial, com o auxilio dos
designers gráficos. Quando o ebook foi criado, seu primeiro formato foi o puramente
textual. A própria extensão do arquivo remetia a isso “.txt”. Os arquivos com este formato
não possuem nenhuma característica gráfica especial, seu conteúdo pode ser facilmente
manipulável e eles não admitem funções hipertextuais. Rapidamente foram desenvolvidos
softwares com aplicativos capazes de atribuir não apenas elementos gráficos diferenciáveis
como também recursos hipermidiáticos e maior segurança ao conteúdo.
Outro fator considerável é que da mesma forma que no livro impresso, o design de
um livro eletrônico leva em conta os aspectos externos, como apresentados no capítulo 2.
Elementos como capa, contracapa, orelhas informativas e outros, compõe um conjunto de
informações capazes de seduzir a percepção do leitor. O aspecto da página, o espaçamento
entrelinhas, o tipo e o tamanho da fonte são formas do texto que podem estimular ou
desestimular o usuário de um ebook. Por exemplo, letras muito pequenas podem
sobrecarregar uma página, tornando-a cansativa e desagradável. Ao mesmo tempo, letras
muito grandes podem comprometer a seriedade do conteúdo. Além da questão das fontes e
seus tamanhos, questões relativas aos hiperlinks, às cores utilizadas e possibilidades de
interação podem ter grande influência. Ao considerar a avaliação de aspectos como estes por
parte do usuário chega-se a alguns questionamentos:
- Quais os fatores fundamentais para a composição de um ebook?; e
- Como produzir ebooks, sobretudo, no meio acadêmico?
Com a forte ascendência do ebook nos últimos anos, uma verdadeira profusão de
softwares passou a oferecer recursos para a elaboração e publicação de ebooks. Templates
específicos para cada gênero literário, bem como para os mais variados gostos dos autores
podem ser encontrados tanto nos softwares quanto na Internet, onde recursos online são
disponibilizados por editoras virtuais e on demand, a baixo custo e até gratuitamente. Frente
a esta constatação, outro questionamento se apresenta:
- Quais os critérios foram utilizados para o estabelecimento destes templates?
O ambiente web tem se desenvolvido com base em recursos comunicacionais
centrados em conceitos como usabilidade e utilidade. Ao mesmo tempo, o filão de ebusiness tem crescido de forma assustadora e, por vezes, devido a forte e rápida
concorrência da grande quantidade recursos disponíveis, conta-se apenas com marcas para
avalizar a qualidade dos aplicativos. Mas, a falta de clareza com relação aos critérios
utilizados na elaboração dos mesmos traduz a incerteza na adoção de algumas marcas e de
alguns recursos. Exemplos disto são os ebooks editados com a extensão “.exe”. Eles
possibilitam a utilização dos mais diversificados recursos hipermídia. Porém, possuem a
mesma extensão executável que os vírus que se proliferam pela Internet.
Alguns estudos sobre design de ebooks foram realizados ainda no início dos anos
2000. A maior parte destes estudos estava direcionada ao desenvolvimento de diretrizes para
a estruturação de livros eletrônicos para uso em atividades educacionais e acadêmicas. Um
estudo que considera aspectos relevantes do design de livros eletrônicos é o Draft 1.0 (EBook Functionality White Paper) de 2003, realizado nos EUA por Bryan, Gibbons e Peters e
que analisou os aspectos relativos aos ebooks, softwares e hardwares de leitura, buscando
estabelecer as principais funcionalidades buscadas pelos usuários e que devem ser
características intrínsecas aos ebooks, apresentadas no capítulo 3. Mas, o estudo mais
significativo nesta área foi desenvolvido por Wilson e Landoni (2002). No período de 2000
à 2002, foi desenvolvido na Inglaterra um projeto chamado EBONI (Eletronic Books ONscreen Interface). Seu objetivo foi estabelecer um conjunto de orientação para a criação de
ebooks que atendessem as necessidades de estudantes e acadêmicos no Reino Unido. O
projeto avaliou a questão do design em obras digitais por alunos de escolas e universidades,
buscando identificar os requisitos de usabilidade que deveriam ser considerados na
concepção de livros eletrônicos (WILSON at al, 2002). Os resultados obtidos pelo EBONI
passaram a compor uma série de artigos e também um guideline para o design de ebooks.
Pesquisadores como Chong (at al, 2009), Nariani (2009) e Berg (at al, 2010) apontam este
estudo como referência ou ponto de partida para o planejamento, desenho, criação e
estruturação de livros eletrônicos, softwares, hardwares e plataformas de conteúdo.
Tomando este estudo como referência, procede-se a seguir uma descrição do projeto e,
principalmente, das diretrizes apontadas por Wilson e Landoni para a composição e o design
de ebooks, sobretudo, no meio acadêmico.
Wilson e Landoni (2002) criaram o projeto EBONI em agosto de 2000 e
desenvolveram este projeto de pesquisa sobre as melhores diretrizes de design para a
elaboração de ebooks acadêmicos até março de 2002. Tendo considerado tanto o ebook
quanto os hardwares e softwares envolvidos no processo de leitura, o projeto avaliou a
usabilidade e a acessibilidade de livros eletrônicos com um grupo de profissionais da área
acadêmica. Uma das contribuições mais significativas deste projeto foi a publicação de um
guideline contendo 22 diretrizes para o design de ebooks e hardwares de leitura. Destas
diretrizes 15 dizem respeito especificamente aos arquivos de livros eletrônicos, ebooks.
Estas orientações dizem respeito à: capa, tabelas de conteúdo, índices, ferramentas de busca,
ambiente do livro, hipertextualidade e cruzamento de dados, design tipográfico, tamanho das
páginas, uso de resumos de conteúdo, uso de seções de orientação, legibilidade dos tipos de
letra, utilização de cores, ruptura de texto, uso de itens não textuais e uso de elementos
interativos e multimídia. Destaca-se a seguir as principais contribuições do trabalho de
Wilson e Landoni (2002) para o desenvolvimento de ebooks:
- Capa: as autoras reforçam que, embora sem valor prático, este item estimula o
prazer da leitura e o a percepção de que o leitor está acessando um conjunto coeso de
páginas, fornecendo o reconhecimento do item livro. Os dois pontos citados como
importantes na criação da capa são a inclusão do nome do autor e do título e também um
link para a página de rosto, que deve servir como página de entrada do livro;
- Inclusão de tabelas de conteúdo: de acordo com Wilson e Landoni (2002) os
mecanismos de busca interna do conteúdo não devem substituir as tabelas de conteúdo e os
índices. As tabelas de conteúdo fornecem ao leitor um sentido aproximado da estrutura do
livro e podem constituir ferramentas de navegação através dos hiperlinks que guiam o leitor
aos conteúdos relevantes a partir dos títulos dos capítulos. Os pontos relevantes na inclusão
de uma tabela de conteúdo são o estabelecimento de hiperligações a partir do sumário dos
capítulos e seções, bem como o uso de ligações específicas a cada capítulo;
- Índices: acessando os hiperlinks de um índice de assuntos os leitores podem
encontrar a informação sobre um tema específico ou uma seção relevante dentro do livro. As
autoras ressaltam que no ebook, ao contrário dos livros impressos, o índice de assuntos deve
ser colocado na frente. Os pontos observados na inclusão de um índice são a caracterização
do índice como sendo “índice alfabético”, o estabelecimento de hiperlinks dos itens do
índice às seções relevantes do livro e, claro, o destaque do índice na frente do livro;
- Ferramenta de busca: as ferramentas de busca complementam as tabelas de
conteúdo e os índices de assunto, todavia não os substitui. A experiência de leitura dos
leitores pode ser extremamente melhorada a partir desta ferramenta e, embora a maioria dos
softwares de leitura já traga esta opção, deve-se atentar para a inclusão de dicas de pesquisa
e dos modos de pesquisa simples e avançado;
- Ambiente do livro: as autoras atentam para o fato de que o livro eletrônico deve
ser tratado como um ambiente fechado, não contendo, portanto, ligações externas, a menos
que estas sejam claramente identificadas. Este cuidado evita que o leitor fique perdido no
ciberespaço, sem conseguir identificar que páginas ou recursos pertencem ao ebook. Os
pontos importantes, de acordo com as autoras, são a não inclusão de links externos no corpo
do livro e quando inclusos, na seção de referência ou bibliografia, claramente identificados
como links externos;
- Hipertextualidade e cruzamento de dados: a incorporação de hipertexto para
estabelecer ligação entre os elementos estruturais do livro facilitam muito a navegação. As
autoras recomendam a divisão dos capítulos em várias páginas com tabelas de conteúdo, a
fim de minimizar o esforço de rolagem e ajudar o leitor a decidir a pertinência de cada
capítulo. Como forma de simplificar a estrutura, atribuindo-lhe usabilidade, as cores dos
links devem ser padronizadas e as funções de todos os ícones devem estar explicitadas. Os
pontos relevantes apontados por Wilson e Landoni (2002) com relação aos hiperlinks são a
criação de uma estrutura interativa, com sistema de navegação simplificado e onde as
referências e o glossário sejam separados do texto principal. Ainda estabelecer links
hipertextuais baseados em: tabelas de conteúdo eclusivas para cada capítulo, indice de itens
para as seções relevantes do livro, ligações entre o texto principal e as referencias e também
ao glossário, e entre as páginas do livro (seja frente e verso ou sumario, indice e motor de
busca). Encerrando este item, ressaltam a importância da criação das tabelas de conteúdo
exclusivas para cada capítulo, a padronização das cores dos links, o uso de icones de fácil
interpretação e de não contar com as funcionalidades dos softwares de navegação;
- Design tipográfico: a legibilidade está condicionada a forma como a digitação do
texto e sua paginação são concebidas. O cumprimento das linhas são preferidos na mesma
modalidade das páginas impressas, de 10 a 15 palavras. A abundância de pontuação e o
espaçamento atribuem uma aparência clean (estéticamente limpa) e organizada. Ao mesmo
tempo o cuidado com a justificação à esquerda indicam um ponto de partida uniforme para
cada linha ao longo do texto. O estilo de digitação também deve ser consistente ao longo do
livro;
- Tamanho das páginas: um capítulo com muitas páginas pode tornar complexa a
rolagem e o acompanhamento do texto. Desta forma, capítulos que seguem a estrutura lógica
com as interrupções naturais do texto, ficam melhores visualizados com páginas
semelhantes às do livro impresso, contendo apenas uma subseção por página e links para
fornecer ligações entre as páginas;
- Uso de resumos de conteúdo: da mesma forma que as tabelas de conteúdo e os
índices de assunto, os resumos de conteúdo caracterizados pela inclusão de títulos de seção,
palavras chaves e resumos, tornam o texto organizado, acessível e compreensível ao leitor.
Os resumos de conteúdo ficam mais bem posicionados na parte superior de cada página;
- Uso de seções de orientação: da mesma forma que o leitor do livro impresso
desenvolve o seu senso de lugar comparando o peso ou volume do livro já lido para saber
quanto falta ler para terminar, é preciso prover o leitor do livro eletrônico de indicações
precisas e visíveis de seu desempenho ou localização na leitura. Fornecer indicadores ou
marcadores de posicionamento de leitura no livro eletrônico é fundamental, na visão das
autoras;
- Legibilidade dos tipos de letra: a utilização de fontes que possibilitem a leitura por
longos períodos sem cansar ou exigir esforço excessivo do leitor é aconselhável. Assim,
fontes em tamanho grande o suficiente para ler confortavelmente, sem serifa, não itálicas e
utilizando cores que contrastem com o fundo são pontos ressaltados neste item. Ao mesmo
tempo a possibilidade de manipulação do tamanho da fonte ou do tamanho da visualização
da página é considerada de grande ajuda ao leitor;
- Utilização de cores: as cores estão relacionadas às questões de consistência de
estilo, simpatia e capacidade de atração do livro. Assim sendo, o cuidado no uso de cores,
para que não se torne distração quando excessivo ou fatigante quando ausente. O uso de
poucas cores, sendo as mesmas consistentes com todo o texto, fundos planos e a não
utilização de fundo branco puro são indicados pelas autoras;
- Ruptura de texto: a ruptura do texto em pequenos blocos facilita o
acompanhamento da leitura. Manter subtítulos recuados, parágrafos curtos, marcadores com
cores diferentes e, principalmente, intercalar o texto com imagens e diagramas, ajudam a
quebrar a uniformidade do texto, tornando-o mais agradável.
- Uso de itens não textuais: o cuidado com a utilização de itens não textuais, tais
como imagens, fórmulas e diagramas deve estar em torná-los compreensíveis e bem
localizados no corpo do livro. Sua localização no centro da página permitem que se
destaquem a partir do texto. Ao mesmo tempo, para melhor visualização, deve ser
possibilitada a ampliação e maior detalhamento destes itens em janelas separadas, o que
requer o uso de imagens, fórmulas e diagramas com boa definição;
- Uso de elementos interativos e multimídia: uma das principais vantagens do
material em formato digital, segundo as autoras, é o fato de poder explorar recursos
multimídia e interativos, tais como áudio, vídeo, questionários interativos e simulações de
testes. Atentam para o fato de que o objetivo do uso destes elementos deve ser
complementar o texto e não substituí-lo. Além disso, seu uso pode aumentar a sensação de
engajamento do leitor com a obra, além de realçar a simpatia do objeto e aumentar a
capacidade de lembrança da informação. Todavia, estes elementos podem dificultar as
questões de pesquisa e digitalização. Por este motivo, todas as informações presentes em
multimídia necessitam de equivalentes textuais, o que se traduz numa prática de
acessibilidade.
Ressalta-se que estas diretrizes de design foram apontadas ainda em 2002, quando
alguns dos recursos hoje comuns aos arquivos digitais ainda não estavam disponíveis.
Todavia, no estudo destas orientações e também das características apontadas por Bryan,
Gibbons e Peters (BRYAN at al; 2003) como intrínsecas ao ebook, destacando que alguns
pontos como usabilidade, acessibilidade e utilidade, emergem como elementos de destaque
no desenvolvimento destes objetos. Passa-se agora a dissertar mais aprofundadamente sobre
estes pontos em questão.
2.2 Usabilidade, Acessibilidade e Utilidade como Elementos Fundamentais para o
Design de Ebooks
Atendo-se não aos aspectos relativos ao conteúdo, mas aos aspectos externos,
define-se por diferenciação o design dos livros eletrônicos. Ao tratar do design de ebooks
uma das questões que se evidenciam é a da usabilidade, um requisito fundamental e
necessário no design da informação.
Nielsen (1993, p.26 apud LEITE e CRUZ, 2009, p. 16), diz que “a usabilidade não
é uma propriedade singular, unidimensional de uma interface com os usuários”. A partir da
usabilidade torna-se viável o reconhecimento e o sucesso na utilização de recursos digitais
por parte dos usuários. Para o autor, a usabilidade é uma área criada dentro do campo de
estudos da interação entre o homem e o computador e se dedica à interação entre o usuário e
o sistema. A usabilidade não diz respeito somente à interface, aparência, mas está
diretamente relacionada à eficiência, eficácia e satisfação do usuário. Sendo a usabilidade,
portanto, um determinante da qualidade. Portugal (2010) define a usabilidade como sendo:
[...] o fator que assegura que os sistemas são fáceis de usar, eficientes e agradáveis
– da perspectiva do usuário. Desta forma, para ter boa usabilidade, um sistema
interativo deve ser: 1. Eficaz; 2. Eficiente; 3. Seguro; 4. Útil; 5. Fácil de aprender;
6. Fácil de se lembrar como se usa (memorização) (PORTUGAL, 2010, p.5).
Os sistemas caracterizados pela usabilidade têm seu foco nas facilidades de uso
proporcionadas ao usuário. Esta questão está diretamente relacionada à percepção que o
design pode proporcionar. Assim, a maior parte dos designers tem seu trabalho pautado por
esta questão. Nielsen, por exemplo, caracteriza a usabilidade como possuidora de
componentes múltiplos e tradicionalmente associada a cinco atributos:
- Ser fácil de aprender: o sistema deve ter simples aprendizado para que o usuário
possa rapidamente começar a trabalhar.
- Ser eficiente na utilização: o sistema deve ser eficiente para que assim o usuário
aprenda como utilizá-lo, possa alcançar altos níveis de produtividade.
- Ser fácil de ser recordado: o sistema deve ser fácil de ser lembrado, para que o
usuário possa voltar a utilizá-lo depois de algum período inativo, sem ter que aprender tudo
novamente.
- Ter poucos erros: a taxa de erros do sistema deve ser baixa, para que os usuários
cometam poucas falhas durante a utilização e, mesmo que cometam erros, consigam
facilmente recuperar o que foi perdido. Erros incorrigíveis não devem ocorrer.
- Ser subjetivamente agradável: o sistema deve ser agradável de ser usado, para que
os usuários fiquem satisfeitos ao utilizá-lo. Eles devem gostar dele (NIELSEN, 1993, p. 26
apud LEITE e CRUZ, 2009, p. 17).
A usabilidade é utilizada no ambiente informacional para a detecção e correção de
erros antes do lançamento de um produto em sua versão final. A proposta da usabilidade
está centrada no estabelecimento de uma melhor interação entre pessoas e computadores,
facilitando o uso e aprendizado, diminuindo os esforços do usuário e proporcionando,
conseqüentemente sua satisfação. O processo tem como foco o usuário e está centrado em
sua relação com o produto final. Por este motivo envolve a criação de protótipos que
simulam o ambiente final, contando com a participação do usuário no decorrer da
implementação, ou seja, a implementação inicial do projeto contém especificações elencadas
pelo cliente e necessidades manifestadas pelos usuários. A percepção humana, as
habilidades e o seu comportamento são os fatores que decidirão como a interface deve ser e
o que o produto final, neste caso o ebook, deverá conter para que tanto a eficiência quanto a
eficácia sejam alcançadas. Dentre as várias interfaces existentes, destacam-se as interfaces
de objetos de aprendizagem para ambientes acadêmicos. Apesar de se constituir de usuários
com características aparentemente semelhantes, a preocupação com a forma de exposição do
conteúdo, com a linguagem de acesso, com as características físicas, com a disposição de
elementos e com facilidades de uso, deve fazer parte do processo, sobretudo na elaboração
de um objeto como o ebook, já que se trata de um recurso útil, mas não tão usual no
processo de ensino-aprendizagem. Vigner (1988 apud GRUSZYNSKI e CASTEDO, 2009)
aponta que:
Levando em consideração o sujeito leitor, destacamos que o nível de familiaridade
que o texto tem com o seu universo cultural permite que ele utilize o mecanismo
de antecipação, delineando a leitura a partir de hipóteses sugeridas pelo texto e
pelo contexto. A organização dos conteúdos, portanto, conformada nos signos
tipográficos que constituem a escrita, permite uma leitura “preliminar” que se
ancora em uma estrutura compreensiva elaborada de acordo com uma prática e um
reconhecimento de modos de funcionamento textuais apreendidos ao longo de
vários contatos com textos. (VIGNER, 1988, p. 32 apud GRUSZYNSKI e
CASTEDO, 2009, p. 2)
Ressalta-se que no caso das publicações acadêmicas o leitor é, normalmente, o
pesquisador que também produz e publica suas pesquisas. Todavia, os hábitos de leitura
destes usuários ainda estão ligados à cultura impressa o que pode implicar em limitações
para a leitura e pesquisa em meio digital. A decisão ou opção por adoção do meio impresso
ou eletrônico está ligada diretamente às preferências pessoais, bem como às características
dos grupos de pares dos quais fazem parte estes pesquisadores. Retifica-se, entretanto, que
atualmente estes dois meios são complementares (GRUSZYNSKI e CASTEDO, 2009).
Um ponto que se destaca no estudo deste tema é de que a coexistência dos padrões
de escrita manuscrita, impressa e digital cria um contexto multicultural de evolução da
estrutura de percepção do leitor, o que de acordo com Vigner (1988 apud GRUSZYNSKI e
CASTEDO, 2009) proporciona uma identificação deste com o padrão textual, sobretudo em
função de suas experiências e aprendizados dos “modos de funcionamento textuais”. Por
outro lado a estrutura de percepção do usuário explicita, em sua interação com o sistema, as
necessidades de usabilidade comuns ao contexto cultural em que está inserido. Desta forma
as necessidades de usabilidade podem servir como norteadores do design de objetos em um
determinado meio, neste caso, especificamente ebooks no meio acadêmico. Todavia, as
questões de utilidade e acessibilidade também são observadas, visto que mesmo se o projeto
de um objeto contemplar os critérios de usabilidade, ele ainda pode ser inútil ou inacessível.
Por este motivo vê-se relevância em observar também estes dois fundamentos.
Da mesma forma que a usabilidade, a utilidade do conteúdo pode ser expressa não
apenas pelo seu teor, mas pela forma como este conteúdo é exposto. Este aspecto do design
da informação aplicado ao ebook caracteriza também a preocupação com a percepção do
leitor e com suas necessidades especificas.
Lam (at al., 2009) aponta que a utilidade de ebooks no meio acadêmico diz respeito
a sua eficácia como ferramenta de aprendizado. Em outras palavras, é preciso que o livro
eletrônico apresente ao leitor benefícios no processo de leitura, compreensão do texto e
apreensão do conhecimento. Os autores citados desenvolveram uma pesquisa para
identificar a usabilidade e a utilidade do ebook, enquanto conjunto tecnológico (hardware,
software e arquivo eletrônico), no meio acadêmico. O estudo relata que as maiores
dificuldades identificadas na pesquisa dizem respeito à operacionalidade do software e
formato do equipamento de leitura (hardware). “The experiences we had with the students
indicated that ebooks are not yet a useful and practical tool for academic learning.
Enjoyment of the ebook reading process was not high. Comprehension of digital text was
also found to be challenging” (Lam at al., 2009, p. 41) 1 . Muitos alunos pesquisados
apontaram as questões de leitura em tela e dificuldade de utilização dos mecanismos de
leitura como principais impedimentos para a continuidade na utilização do recurso digital
em seu processo de aprendizagem. A pesquisa concluiu também que as condições
necessárias, para tornar o ebook útil como objeto eficaz de aprendizagem neste meio, estão
centradas na otimização do conjunto tecnológico, onde tanto o hardware, quanto o software
e também o design do livro eletrônico precisam estar funcionando bem. Ao mesmo tempo,
os autores apontam para o fato de que o ebook é, ainda, uma tecnologia em fase de
desenvolvimento, mas que elementos como a portabilidade do arquivo e a conveniência de
acesso são fatores de alavancagem para sua utilização. Assim sendo, verifica-se na pesquisa
de Lam (at al, 2009) que o ebook, por fatores culturais ou tecnológicos, ainda não se
constitui num objeto de aprendizagem reconhecido junto ao leitor como sendo detentor de
utilidade no processo de aprendizagem.
Para Torres e Mazzoni (2004) em projetos de conteúdo digital que representem
objetos de aprendizagem, dois critérios de qualidade devem ser considerados: usabilidade e
acessibilidade. Enquanto para as autoras, a usabilidade “pode ser mensurada, formalmente, e
compreendida, intuitivamente, como sendo o grau de facilidade de uso desse produto para
um usuário que ainda não esteja familiarizado com o mesmo” (TORRES; MAZZONI, 2004,
p. 152); a acessibilidade:
[...] consiste em considerar a diversidade de seus possíveis usuários e as
peculiaridades da interação dessas pessoas com o produto, o que pode se
manifestar tanto nas preferências do usuário (exemplo: o que prefere ler a
ouvir), quanto nas restrições à qualidade do equipamento utilizado (exemplo:
um usuário cuja impressora só trabalha com preto e branco), ou, até mesmo na
existência de necessidades educativas especiais que não podem ser ignoradas
pelos desenvolvedores do produto (exemplo: entre os usuários pode haver
alguns que não ouçam os sons, conseqüentemente, mensagens sonoras são
inadequadas para eles) (TORRES; MAZZONI, 2004, p. 152).
Possibilitar ao usuário as condições necessárias para acessar a informação que se
disponibiliza sem limitação ou prejuízo com relação ao conteúdo consiste em atribuir
acessibilidade a esta informação. A acessibilidade maximiza não apenas o acesso, mas
também a as habilidades do usuário nesse processo. Sua composição pode ser obtida através
da combinação de formas diversificadas de apresentação da informação com a utilização de
recursos técnicos de ajuda (TORRES; MAZZONI, 2004). A utilização de recursos
multimídia em objetos de aprendizagem digital, ao se apresentar como alternativa aos estilos
de percepção e processos de aprendizagem, constitui uma contribuição para a acessibilidade
deste objeto por proporcionar interação com o usuário. Nesse nível, a acessibilidade do
ebook está diretamente ligada às condições de interação do usuário com este objeto e seus
recursos. Um exemplo claro disso está no uso de recursos multimídia, como som e vídeo,
para ajudar a ilustrar e clarificar o texto. Estes recursos podem ser acessados externamente
1
As experiências que tivemos com os estudantes indicaram que os ebooks não são ainda uma ferramenta útil e prática
para o aprendizado acadêmico. O benefício do processo de leitura do ebook não era elevado. A compreensão de texto
digital também demonstrou ser um desafio.
para tornar o arquivo do livro eletrônico mais leve, mas também torna o arquivo um sistema
aberto, o que pode não ser aconselhável. Atenta-se ao fato de que o uso da multimídia não
deve se constituir num obstáculo a acessibilidade, “ao contrário, é com a utilização dos
recursos propiciados por ela que a acessibilidade em conteúdos digitais pode ser alcançada”
(TORRES; MAZZONI, 2004, p. 160).
No tocante à usabilidade, ao definir a importância do conteúdo em função do valor
de uso que este representa ao usuário, Ruiz-Velasco (2003, apud TORRES; MAZZONI,
2004, p. 152) diz que “um conteúdo é uma forma semiologicamente interpretável,
desenvolvida em determinado formato e que adquire significado devido aos antecedentes
socioculturais das pessoas que acessam”. Percebe-se, com esta afirmação, que o julgo de
valor de uso de um ebook pode estar extremamente ligado às referências culturais e ao
passado do usuário ou leitor. Ao mesmo tempo, se estas influências derivam de
antecedentes, a significância do uso é pré-estabelecida, não apenas pela necessidade, mas
também pelos critérios e referencias estéticas do indivíduo. Assim, embora a utilidade de um
livro digital ou impresso esteja condicionada à aplicabilidade do conteúdo, os parâmetros
que podem levar o leitor a definir seu valor de uso estão centrados, em primeira instância,
em critérios subjetivos da informação do conteúdo. Antes mesmo de acessar uma obra, o
leitor pode supor sua utilidade ou inutilidade em função das relações de percepção de cores,
formas, nome do autor, o nome da editora, a origem, a data de publicação e a plataforma de
conteúdo, bem como qualquer outro critério que possibilite a percepção de qualidade do
ebook, como exposto no capítulo 2. Este pode ser considerado um elemento fundamental ao
design da informação que pode e deve ser aplicado no desenho de ebooks, sobretudo no
meio acadêmico. Diante da importância do uso destes, procura-se a partir desta
fundamentação, realizar considerações sobre as pesquisas de modelos que viabilizam o
desenvolvimento de ebooks acadêmicos.
3 MÉTODO
O método ou metodologia de pesquisa refere-se à forma como o pesquisador pode
buscar as informações que necessita e desenvolver os estudos em busca do conhecimento
objetivado na pesquisa. O método representa, então, o conjunto de orientações gerais para a
investigação que estabelece os padrões para coleta e análise de dados (CRESWELL, 2007).
Para este estudo foi considerado o método de estudo de caso como a forma ideal de
aprofundamento investigativo e obtenção de informações. Esta metodologia ainda possibilita
a triangulação dos dados, onde o pesquisador pode explorar diferentes perspectivas e propor
novos testes e hipóteses (DENZIN, 1984). O método de estudo de caso pode ainda ser
aplicado a um grupo de casos, o estudo de caso coletivo (STAKE, 1995), possibilitando uma
abordagem comparativa na triangulação.
O método utilizado foi exploratório, descritivo e interpretativo. Buscou-se
identificar os fatores de conhecimento da marca acadêmica com percepção de qualidade,
descrevendo e interpretando seu papel nas relações de branding no campo acadêmico para a
comunicação de ebooks. A coleta de dados será realizada mediante revisão bibliográfica dos
temas e de observação direta aos ebooks nas plataformas de conteúdo que os disponibilizam,
para identificação do processo de comunicação da marca acadêmica no objeto.
4 A BUSCA POR MODELO PARA O DESENVOLVIMENTO DE EBOOKS
ACADÊMICOS
A busca por processos e objetos digitais que auxiliem na aprendizagem evidenciase como uma realidade no meio acadêmico. Embora ainda existam muitas reservas e
incertezas, não há como negar a influencia dos recursos digitais sobre a percepção dos
acadêmicos em seus processos de pesquisa e de aprendizagem.
Eliminar as incertezas na utilização destes recursos no meio acadêmico requer a
obtenção de garantias da qualidade e de credibilidade aos mesmos. No caso dos ebooks,
como similar do livro no fornecimento de conteúdo, uma trajetória de vinte anos aponta para
uma utilização cada vez maior. Da mesma maneira, evoluções deste recurso, seja por
interesse econômico ou por demanda social, levaram ao desenvolvimento de pesquisas para
sua utilização no meio acadêmico.
Neste cenário lança-se mão de Chong (at al., 2009) que tomando como base o
estudo sobre os parâmetros estabelecidos por Wilson e Landoni (2002), com o projeto
EBONI, realizou pesquisa para verificar como os ebooks baseados nestes parâmetros são
vistos pela população acadêmica. A motivação de Chong (2009) parte da constatação de
que, apesar de as bibliotecas acadêmicas estarem oferecendo cada vez mais serviços
relativos aos livros eletrônicos, uma barreira à adoção deste recurso pode ser a condição
insatisfatória do seu design.
Após analisar o trabalho de Wilson e Landoni, Chong afirma, acerca do papel do
design do ebook, que:
[…] studies conducted by the Electronic Books ONscreen Interface (EBONI)
project have signified that the structure and appearance of paper books are at the
forefront of readers' minds when negotiating electronic texts. Concentrating on the
appearance, rather than focusing on the technology itself, can improve the quality
of the publications. In addition, EBONI's studies have suggested that the students'
learning ability is significantly affected by the arrangement of textual and other
elements on screen, and this is heavily remarked by students who expect
typographical sophistication. [...] It is apparent that the ebook design is among the
decisive factors which contribute to the users' satisfaction and plays a crucial part
in the success of ebooks (CHONG at al, 2009, p. 213)2.
Com base em pesquisa aplicada que envolveu a avaliação de três modelos de livros
eletrônicos por alunos da Multimedia University na Malásia, Chong afirma que a aparência
de um modelo de ebook causou melhor impressão e foi, portanto, mais atrativo aos alunos,
2
[...] estudos realizados pela Electronic Books ONscreen Interface (EBONI) tem projetado que a significância da estrutura
e da aparência de livros de papel estão presentes na mente dos leitores quando acessam textos eletrônicos.
Concentrando-se na aparência, ao invés de focar na tecnologia em si, pode-se melhorar a qualidade das publicações.
Além disso, estudos do EBONI sugerem que a capacidade de aprendizagem dos alunos é afetada significativamente pelo
arranjo textual e de outros elementos na tela, e isso é muito observado pelos alunos que esperam sofisticação
tipográfica. [...] É evidente que a concepção do ebook está entre os fatores determinantes que contribuem para a de
satisfação dos utilizadores e desempenha um papel fundamental no sucesso de ebooks.
que consideraram também como fator decisivo as questões de projeto de conteúdo (fonte,
escaneabilidade e legibilidade), bom lay out e facilidade de navegação. Assim como a
impressão geral do ebook pode ser causada por sua aparência, as facilidades de usabilidade,
de uma forma geral, estão associada às facilidades de navegação e acesso (CHONG at al,
2009). Esta constatação foi retificada por Nariani (2009) que, ao constatar em sua pesquisa o
desconhecimento sobre o potencial dos ebooks, afirmou que “e-book promotion needs to
leverage on the convenience, searchability, and accessibility of e-books as a format”
(NARIANI, 2009, p. 7) 3 . Nariani verificou em cursos de graduação e pós-graduação no
Canadá que a maior parte dos professores e estudantes desconhece o funcionamento das
plataformas no fornecimento dos pacotes de ebooks e também os recursos que estes
disponibilizam. Atribui, então, a capacidade do livro eletrônico em se tornar usável a sua
condição de divulgação, ressaltando que a possibilidade de um ebook indexado em catálogo
eletrônico tem muito mais possibilidade de ser acessado do que um ebook divulgado por email.
Berg (at al, 2010), por sua vez, afirmam que ainda falta apresentar clareza sobre a
estrutura e funcionamento dos ebooks aos alunos. O desconhecimento do usuário não estaria
centrado apenas na existência do ebook, mas também na sua forma não-linear. Os
estudantes, afirmam as autoras, não parecem conectar o livro impresso ao eletrônico, visto
que o livro impresso possui uma linearidade, começo, meio e fim, ao passo que o livro
eletrônico, em função da navegabilidade se apresenta como não linear (BERG at al, 2010).
Outro fator levantado pelas autoras é a questão da intangibilidade do ebook frente ao livro
impresso, trazendo novamente à baila a discussão acerca do “senso de lugar”. Afirmam que
“such tangible characteristics of print books are difficult to simulate in electronic formats”
(BERG at al, 2010, p. 523)4. E, complementam:
Interactive features of e-book platforms, such as editing tools, hyperlinks, and
search capabilities, are an advantage that e-books have over print books, but these
features must function well and be easily understood by the user. In particular, ebook tools are expected to function like known web technologies (BERG at al,
2010, p. 523)5.
A busca por um modelo de ebook para uso na academia tem se apresentado não
apenas em função dos estudos de um design eficaz na transmissão do conhecimento, mas na
comunicação desse design dentro de uma cultura digital emergente e evolutiva, onde os
usuários criam expectativas de uso centradas nas principais tecnologias que utilizam. Neste
ponto, a comunicação de ebooks com marcas que representem qualidade acadêmica deve
estar centrada não apenas no design da informação apresentada na obra ou no design da
própria obra, mas no conjunto de fatores externos capazes de expressar essa qualidade,
3
A promoção do ebook precisa estabelecer alavancagem sobre a conveniência, pesquisabilidade, e acessibilidade dos ebooks como formato.
4
Tais características tangíveis de livros impressos são difíceis de simular em formatos eletrônicos.
5
Recursos interativos de plataformas de e-book, como ferramentas de edição, hyperlinks, e capacidades de pesquisa, são
vantagens que os e-books tem sobre os livros impressos, mas esses recursos devem funcionar bem e ser facilmente
compreendidos pelos usuários. Em particular, as ferramentas de e-books devem funcionar como as tecnologias da web
conhecidas.
sejam eles relacionados à plataforma, aos metadados, à editora, ao autor, ao título ou ao
próprio ebook.
A estruturação de um modelo para a produção de ebook, que atenda às exigências
de reconhecimento da qualidade por parte da comunidade acadêmica, pressupõe o
atendimento não apenas das necessidades de estudantes e pesquisadores em busca de
informação, para que possam conhecer, confiar e selecionar o ebook a partir de seus aspectos
externos, como também do reforço da comunicação de sua condição como objeto de
aprendizagem e publicação confiável no meio acadêmico. Para tanto, elementos como a
usabilidade, a acessibilidade e a utilidade devem servir na conflagração do processo de
identificação dos fatores que atribuam ao ebook uma marca de qualidade acadêmica.
A proposta resultante está centrada justamente no fato de que os fatores que
relacionam o ebook como publicação literária devem ser identificados, analisados e
conjugados no desenvolvimento de uma marca que os expresse como valor de qualidade
acadêmica na comunicação dos ebooks na Internet.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho apresentou um panorama das discussões acerca do design de ebooks e
de sua utilidade na transmissão do conhecimento. Pode-se verificar com a pesquisa que os
atributos do ebook tornam esta mídia um elemento de alavancagem na publicação de
trabalhos científicos, visto que possibilita a publicação integral de pesquisas, em tempo e
valores reduzidos. Prova disso é o grande volume de ebooks que pode ser encontrado na
Internet.
Todavia, mesmo sendo reconhecidamente uma mídia do conhecimento, o ebook
carece hoje de estudos interdisciplinares que o situem na cultura literária e editorial. Ainda
não existem padrões consolidados para o ebook, tanto em termos de publicação quanto em
termos do reconhecimento de sua qualidade.
Como consideração final, este estudo aponta para a emergência de pesquisas
direcionadas ao desenvolvimento de políticas específicas de publicação e reconhecimento
dos ebooks. A identificação de elementos qualificadores e composição de marcas para o
reconhecimento dos ebooks também podem se tornar importantes elementos de alicerce para
a disseminação do conhecimento e para o desenvolvimento da cultura literária digital.
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O E-BOOK COMO MÍDIA DO CONHECIMENTO
Márcio B. Miranda
Richard Perassi
Fabiana Elisa Boff Silveira
Rafael Bianchini Glavam
1 INTRODUÇÃO
Com o advento das tecnologias da informação e da comunicação (TIC) e a
consolidação da Sociedade do Conhecimento, o conhecimento tem sido reconhecido
como um novo e importante recurso produtivo. Neste sentido, as mídias que
possibilitam a sua transmissão requerem atenção e avaliação constante, de maneira a
proporcionar aos usuários acesso, interação e evolução.
Neste contexto, o ebook apresenta-se como mídia pioneira, visto que sua
criação ocorre já no início da popularização da Internet. Neste ínterim muitos recursos
lhe foram agregados, no intuito de torná-lo tão atrativo quanto o livro ou qualificável
como obra de leitura.
Os elementos que possibilitam o reconhecimento do ebook como mídia do
conhecimento e que o caracterizam como mecanismo de comunicação eficiente na
Sociedade do Conhecimento são objetos de estudos aprofundados do campo da Mídia
do Conhecimento. A prévia exploratória destes estudos é aqui apresentada como forma
de contextualizar o ebook como mídia do conhecimento.
O EBOOK COMO MÍDA DO CONHECIMENTO
RESUMO
As mudanças no contexto do desenvolvimento social, econômico e cultural trouxeram a
Sociedade do Conhecimento. Trata-se de uma sociedade baseada no conhecimento
como fator de produção e que tem por suporte a utilização de tecnologias e recursos
digitais. A produção, armazenagem e distribuição de produtos culturais, que promovem
a disseminação e o amplo acesso a todos os tipos de conhecimento têm levado à
alteração da percepção humana. Nessa sociedade o ebook ou livro eletrônico passou a
ser considerado uma evolução do livro impresso, ocupando um amplo espaço na
produção e distribuição de obras literárias. Uma ampla gama de arquivos de ebooks tem
sido criada, estabelecendo parâmetros para a indústria editorial eletrônica desenvolver
novas tecnologias, tanto para a produção, quanto para a distribuição, armazenamento e
leitura destes arquivos. O desenvolvimento do ebook tem impulsionado todo um
segmento da indústria digital e eletrônica, possibilitando o desenvolvimento de uma
cultura de leitura digital, o que o consolida como mídia do conhecimento.
Palavras-chave: Ebook. Mídia do Conhecimento. Sociedade do Conhecimento.
Comunicação.
SUMMARY
The changes in the context of social, economic and cultural brought the Knowledge
Society. It is a knowledge-based society as a production factor and that is to support the
use of digital technology and resources. The production, storage and distribution of
cultural products that promote the dissemination and wide access to all types of
knowledge have led to the change in human perception. In this society the ebook or
electronic book is now considered an evolution of the printed book, occupying a large
space in the production and distribution of literary works. A wide range of ebooks files
have been created, setting parameters for the electronic publishing industry to develop
new technologies, both for production and for distribution, storage and reading of these
files. The ebook has driven the development of a whole segment of the digital industry
and electronics, enabling the development of a culture of digital reading, which
consolidates and media knowledge.
Keywords: Ebook. Knowledge Media . Knowledge Society. Communication.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Para melhor compreensão das análises a serem realizadas se faz necessário
algumas considerações iniciais sobre as mídias do conhecimento e a contextualização
dos ebooks na Sociedade do Conhecimento.
2.1 As Mídias do Conhecimento
O contexto do desenvolvimento social, econômico e cultural caracteriza-se pela
predominância dos sistemas informacionais no suporte ao desenvolvimento do
conhecimento. A Sociedade do Conhecimento como é chamada a sociedade no contexto
atual tem o conhecimento, seus processos de geração, gestão e comunicação como
objeto de estudo. Pode-se entender por conhecimento a “informação que muda algo ou
alguém, seja por tornar-se fundamento para a ação, ou por fazer um indivíduo ou uma
organização capaz de ser diferente ou mais eficaz” (DRUCKER, 1991 apud PERASSI,
2010, p. 60). Além disso, atualmente o conhecimento pode ser tido como um dos
maiores e mais importantes ativos das organizações. As atividades intensivas de
conhecimento têm gerado mais valor do que todas as atividades produtivas antes
utilizadas. A virtualização das atividades produtivas, antes um cenário ficcional, tornouse uma realidade traduzida pela implementação de tecnologias geridas pelo
conhecimento contido no homem e também nos mecanismos por ele desenvolvido. Esta
mudança produziu significativas mudanças na forma como o homem produz e percebe
conhecimento, tendo sua capacidade de confrontar ideias expandida de forma
exponencial (MELLO JÚNIOR, 2006).
Esta reflexão evidencia o fato de que desenvolvimento de artefatos, que
propiciem a produção, o armazenamento e a transmissão do conhecimento torna-se cada
vez mais imprescindível, tanto do ponto de vista econômico quanto cultural e social. A
Internet como recurso pode ser vista também como um componente tanto como
processo como quanto resultado do mesmo. “O fenômeno da recepção também passa
por grande transformação, à medida que os mais diversos conteúdos são digitalizados
ou publicados diretamente na rede” (MELLO JUNIOR, 2006, p. 314).
Verifica-se que o homem vem, ao longo das eras, interagindo com os artefatos
por ele criados e, a partir disso, gera novos conhecimentos que o levam a uma nova
etapa de sua história e evolução. McLuhan (1987 apud. FERRÉS, 1996, p. 10) diz que
“as sociedades têm sido sempre mais modeladas pelo tipo de meios com os quais os
seus cidadãos se comunicam que pelo conteúdo da comunicação. Os meios modificam o
ambiente e, a partir desse momento, suscitam novas percepções sensoriais”. Cada
artefato ou elemento de artesania contém, portanto, conhecimento acumulado acerca de
um processo, experiência ou possibilidade. Isto se traduz pela aplicação da ciência ao
estudo de tudo o que nos cerca, tornando objeto de estudos o homem, seus produtos,
processos e também os elementos da natureza. Pode-se assumir que tudo o que existe é
passível de tradução informacional e, portanto, contém alguma forma de conhecimento.
De todos os elementos que contém e transmitem conhecimento, um tem
especial significação na formação do homem, a escrita. A escrita é um método de
comunicação criado pelo homem após a aquisição da linguagem e foi determinante para
a evolução do planeta, marcando o fim da pré-história. Flusser (2010) afirma que
etimologicamente a palavra “escrever” vem do latim “scribere” que significa riscar,
numa alusão ao fato de que no principio o ato de escrever era “fazer uma incisão sobre
um objeto para o qual se usava uma ferramenta cuneiforme (um “estilo”).” A função
fundamental da escrita no desenvolvimento do homem e de sua cultura é explicitada em
situações de comunicação onde os receptores decodificam mensagens compostas por
pessoas de outras culturas, tempos ou espaços mentais (LEVY, 2001, p.146).
A escrita estabelece-se, portanto, como tecnologia da comunicação e alicerce
da evolução humana e do seu conhecimento. O homem históricamente teve sua
percepção alterada pelo próprio processo de evolução da escrita, uma vez que o texto
lido continha mais do que apenas conteúdo, as letras manuscritas continham “todos os
níveis de significação possíveis” (MCLUHAN, 1977, p. 158). A cultura manuscrita
acabou moldando a Idade Média, com formalidades literárias em todos os níveis e, por
conseguinte, os rumos da evolução do homem. Se for admissível que todos os
elementos conhecidos pelo homem podem conter conhecimento, praticamente tudo o
que existe pode possuir uma reserva midiática relativa a um conhecimento específico,
inclusive o próprio homem.
Cabe especificar que o termo mídia provém “da expressão inglesa “media”. A
origem de “media” é latina, uma palavra indicativa do plural do termo “medium”, que
significa “meio” em português” (PERASSI, 2011, p. 4). Seu uso no Brasil foi
incorporado à cultura e se popularizou a partir da utilização e da hegemonia da “mídia
de massa” nos meios mercadológicos. Como elemento essencial dessa abordagem
ressalta-se, ainda, que o campo da mídia “desenvolve sua aptidão para a captura, o
armazenamento, a seleção, a sistematização, a produção, o resgate e a distribuição do
conhecimento, de acordo com necessidades específicas das corporações ou organizações
sociais, sejam essas, instituições ou empresas” (PERASSI, 2010, p. 47). Ao considerar
o exposto, pode-se perceber que uma mídia do conhecimento deve possibilitar não
apenas a transmissão de um dado conhecimento de forma clara e segura, como também
a interação com outros agentes e, portanto, a sua própria evolução como mídia.
Neste sentido McLuhan (1976, p. 80) estabelece que não apenas a escrita como
também os suportes e formatos de escrita manifestam e exprimem a essência do próprio
homem, “(...) todos os meios como extensões de nós mesmos servem para fornecer uma
consciência e uma visão transformadoras”. Assim, tão importantes quanto o
desenvolvimento dos códigos e sistemas de escrita, foram os suportes adotados para
cada sistema e em cada momento. O “onde escrever” tornou-se um indicador histórico
de cada transformação na civilização e de seu momento de evolução. Os suportes para a
escrita sofreram significativas transformações ao longo da história da humanidade.
Dentre as mídias utilizadas para a transmissão do conhecimento está o livro, cuja
evolução passa pela utilização de materiais de suportes como pedra, argila, ossos,
madeira, papiro e pergaminho até chegar ao formato códex impresso, idealizado por
Gutenberg e representa parte da história da própria evolução do conhecimento do
homem. O códex impresso em papal se consolidou como “livro” e nenhum outro
formato ou material de suporte que buscasse facilitar o registro e a comunicação escrita
do conhecimento humano, em sua completude, foi buscado até o final do século XX.
A partir de exposto é possível perceber que o formato e o suporte foram
decisivos para a evolução não apenas do alfabeto, mas também do conhecimento. A
palavra impressa, por exemplo, no formato livro transformou o diálogo. Num espectro
mais amplo McLuhan (1977) analisa:
Se se introduz uma tecnologia numa cultura, venha ela de fora, ou de dentro,
isto é, seja ela adotada, ou inventada pela própria cultura, e essa tecnologia
der novo acento ou ascendência a um ou outro de nossos sentidos, altera-se a
relação mútua entre todos eles (MCLUHAN, 1977, p. 48).
Nesta linha de raciocínio, verifica-se que no final da década de 1970, o
conhecimento do homem permitiu que uma profusão de elementos midiáticos traduzisse
o conhecimento contido nos livros. Surgem as tecnologias da informação e da
comunicação, popularizando não apenas a escrita como também a informação, num
novo suporte, o suporte digital e, a partir deste, diversos outros formatos que viriam
mais tarde a ser equiparados ao livro e complementá-lo. Embora nenhum destes
formatos ou suportes possua o mesmo reconhecido poder histórico de mudança, eles se
constituem na manifestação da interação do homem com as mídias do conhecimento
anteriormente existentes, principal e originalmente o livro impresso.
No final da década de 90, algumas entidades como Projeto Gutenberg, Librius
e Bartleby começaram a digitalizar livros e disponibilizar suas versões eletrônicas,
surgiu aí o ebook ou livro eletrônico. As diferenças na forma de suporte tornaram as
obras literárias não apenas portáteis, mas também interativas. Esta tecnologia
possibilitou que muitos produtores de textos e escritores, que antes não tinham acesso
aos recursos para publicação de suas obras pudessem produzi-las e disseminá-las
integralmente em meio digital, sem passar pelos crivos editoriais. Neste sentido, o livro
digital ou eletrônico pode ser considerado uma evolução “natural” do livro impresso e
passa a ocupar um amplo espaço na produção e distribuição.
2.2 Ebook – Conceitos, Características e Funcionalidades
A utilização do texto eletrônico foi um marco da explicitação da cultura digital
e sua utilização, enquanto suporte alternativo para o livro impresso trouxe discussões
sobre o fim do mesmo, sobre sua aceitação e também sobre sua definição.
Surgido na década de 1970, o ebook como publicação foi uma das primeiras
manifestações da cultura livresca na Internet e sua origem coincide com o surgimento
do Projeto Gutenberg. De acordo com Lebert (2005), em 1971, Michael Hart, um
estudante da Universidade de Illinois após receber um crédito de 100 milhões de horas
livres para utilização da Internet, concebeu o primeiro ebook ao digitalizar a Declaração
de Independência dos Estados Unidos e disponibilizá-la aos cem usuários da Internet,
naquele período ainda embrionária. A autora destaca que o arquivo, na época chamado
de e-text, foi baixado por seis pessoas, dando origem ao Projeto Gutenberg. Contando
com apenas com a atividade voluntária, inclusive do fundador, originalmente este
projeto visava a disponibilização gratuita, por meio eletrônico, de textos digitais
referentes a livros, na sua maioria de direito público. Lebeert (2008) afirma que o
crescimento da biblioteca do projeto se dá a uma taxa de 340 livros por mês, contando
com aproximadamente 25 mil livros em abril de 2008. Mas, a profusão de arquivos
digitais relativos à livros trouxe não apenas a oportunidade de maiores estudos e
definições acerca do que é um ebook.
O termo ebook é simplesmente a abreviatura de eletronic book (livro
eletrônico). Em sua pesquisa Mello Junior (2006) afirma que o ebook é definido pela
Association of American Publishers como sendo “uma Obra Literária sob a forma de
objeto digital, consistindo em um ou mais standards de identificação, metadata, e um
corpo de conteúdo monográfico, destinado a ser publicado ou acessado
eletronicamente” (FURTADO, 2006, p. 52 apud MELLO JUNIOR, 2006, p. 322). Esta
definição, segundo o autor, torna evidente a preocupação com a proteção do conteúdo.
Talvez esta situação seja resultado do fato de que a utilização do ebook se deu
inicialmente para designar os livros impressos digitalizados. Mais tarde verificou-se que
podem ser criados ebooks sem um correspondente impresso, ou seja, a obra pode ser
totalmente produzida em meio digital. Poderiam também conter recursos hipertextuais
ou multimidiáticas, o que o transformaria num complexo digital multimídia (MELLO
JUNIOR, 2006). Esta possibilidade transcende o conceito de livro e explicita as
diferenças entre os dois formatos, ebook e livro impresso, ao mesmo tempo “parece
haver uma necessidade de, ao referir-se ao texto digital compará-lo ao livro, valendo-se
deste como metáfora para esta nova configuração. Ocorre que, em muitos aspectos, o
que se convencionou chamar de ebook difere enormemente do livro impresso” (MELLO
JUNIOR, 2006, p.322). Mello Júnior estabelece que a própria interface é um diferencial,
já que o ebook é caracterizado por um conjunto de dados expressos numericamente em
código binário, que necessita tanto de uma interface gráfica, um software, quanto de
um hardware e de uma fonte de energia para que possa ser acessado pelo leitor. Por este
fato, o autor apresenta o fenômeno do ebook em suas partes, sendo o “hardware” o
conjunto de mecanismos que permitem a visualização e manipulação dos conteúdos
eletrônicos. O “software” composto pelos formatos Markup, que permitem a elaboração
do conteúdo e Layout, que permite a visualização, a leitura e a proteção do arquivo no
hardware. E, ainda, o “conteúdo”, formado pelo conjunto de textos utilizados, sejam
eles originários de livros impressos ou diretamente criados em meio digital, acrescidos
ou não de recursos hipertextuais ou multimidiáticos. Fica evidenciado que o ebook em
muito difere do livro impresso, mas que nesta transição, em termos de mídia, o que
muda é o suporte e “ao invés do conteúdo da obra ser recepcionado pelo leitor nas
páginas de papel ele o será em telas” (MELLO JUNIOR, 2006, p. 17)
As necessidades metafóricas de similaridade ao suporte impresso chamaram a
atenção da indústria eletrônica, que desenvolveu hardwares específicos para a leitura de
ebooks. Surgiram então os leitores para os livros em suporte digital, os ebook readers,
que ficaram conhecidos como ebooks. Estes equipamentos simulam o folhear dos livros
e possibilitam acesso aos recursos hipermidiáticos disponíveis nos arquivos, mas
constituem-se em mini e-bibliotecas, já que comportam vários arquivos digitais
(BRYAN at al, 2003). Há indícios de que a controvérsia sobre o que era ou não um
ebook ficou estabelecida sobre a consideração de que o arquivo digital não poderia ser
acessado sem um leitor, ao mesmo tempo em que um leitor para o livro digital pode ser
lido em computadores, desktops, laptops, smartphones, i-pads, i-pods e, claro, ebook
readers.
Embora se compreenda que o ebook deveria corresponder ao arquivo digital
juntamente com o leitor para este arquivo, convencionou-se tratar tanto o livro digital
quanto o seu leitor por ebook. Neste trabalho, assim como foi originalmente concebido,
o termo ebook ou livro eletrônico será utilizado para designar a arquivo digital referente
ao livro, seja ele produzido em versão totalmente digital ou anteriormente impressa,
como preconiza Gama Ramirez (2006):
O livro eletrônico se refere a uma publicação digital não periódica, quer
dizer, que se completa em um único volume ou em um número
predeterminado de volumes e que pode conter textos, gráficos, imagens
estáticas e em movimento, assim como sons. Também se nota que é uma
obra expressa em várias mídias (multimídia: textos, sons e imagens)
armazenadas em um sistema de computação. Em suma, o livro eletrônico se
explica como uma coleção estruturada de bits que pode ser transportada e
visualizada em diferentes dispositivos de computação (GAMA RAMÍREZ,
2006, p. 12 apud. VELASCO e ODDONE, 2007, p. 3).
A definição do ebook não se assemelha a definição do livro anteriormente
apresentada, mas na trajetória do livro como suporte da escrita e, principalmente, do
conhecimento, o ebook apresenta-se também como uma variação do suporte do livro
impresso, que hoje utiliza também suportes variados como, o áudio, o braile e o digital e
não necessariamente como seu substituto. O Artigo 2º da Lei Nacional do Livro
equipara vários formatos de arquivo ao livro, dentre eles os livros em meio digital
(BRASIL, 2003, p. 2).
O ebook não se apresenta necessariamente como um concorrente do livro.
Apesar de ser equiparado ao livro impresso, o livro eletrônico surge como uma
possibilidade de maior aproximação da cultura livresca com a sociedade do
conhecimento, onde as necessidades de acesso rápido à informação e de interação com o
conteúdo se fazem cada vez mais prementes. Prova disto é que, após o surgimento do
Projeto Gutenberg e com a consolidação da Internet, outros bancos de dados,
organizações editoriais e bibliotecas digitais passaram a disponibilizar livros em
formato digital numa ampla variação, como aponta Schell (in POLANKA, 2011):
Today, ebooks are sold in a wide variety of formats, genres, interfaces, and
pricing models, the ebooks now available include popular reading, scholarly
monographs, monographic series, reference works, downloadable
audiobooks, collections based upon scholarly bibliographies such as EEBO
(Early English Books Online), and free classic texts that are out of copyright
such as those in Project Gutenberg (SCHELL in POLANKA, 2011, p. 76)1.
Embora a variação de formato, gêneros e interfaces possa chegar à casa dos
milhões, o número de sites, bibliotecas, editoras e livrarias digitais que disponibilizem
os ebooks também não pára de crescer. Organizações como Google Books, Scribd e
Amazon Books destacam-se neste contexto. O desenvolvimento das bases de dados que
oferecem ebooks, foi seguida de perto pela evolução do ebook como formato digital,
que evoluiu de mera cópia digitalizada de livros impressos à um complexo digital
1
Hoje, ebooks são vendidos em uma ampla variedade de formatos, gêneros, interfaces e modelos de precificação,
os ebooks disponíveis agora incluem a leitura popular, monografias acadêmicas, série monográfica, obras de
referência, livros de áudio para download, coleções baseadas em bibliografias acadêmicas, tais como EEBO (Early
English Books Online), e textos clássicos livres que estão fora de copyright, como os no Projeto Gutenberg.
multimídia que alinha texto, imagem, vídeo e áudio num sistema hipertextual aberto,
possibilitando ao leitor o acesso imediato à referências e ilustrações externas. Assim, os
livros em meio digital ou eletrônico passam a ocupar cada vez mais espaço tanto na
cultura digital quanto na cultura livresca, denotando a importância do conhecimento de
suas características e benefícios como mídia no contexto digital.
O ebook apresenta-se como uma versão digital do livro impresso, mas seus
atributos hipermidiáticos representam uma tendência bem diferenciada na maneira de
ler. Ao mesmo tempo em que o livro possui atributos únicos que o diferenciam de
qualquer outro objeto e o caracterizam como uma mídia do conhecimento, o ebook traz
um conjunto de atributos que podem tanto diferenciá-lo do livro quanto complementar a
versão impressa. Um dos principais indícios de que um arquivo digital refere-se a um
ebook é o fato de o mesmo possuir um antecessor correspondente em formato impresso.
Mas o ebook pode ser totalmente produzido em formato digital e precisa ser
caracterizado como tal. Surge então o desafio, como identificar um ebook?
O ebook pode ser visto basicamente como um arquivo eletrônico, um composto
de bits e bytes que a partir de uma interface gráfica expressam um dado conteúdo. Como
tal, não permite o manuseio tátil, o abrir, o folhear e o fechar. Não é possível guardá-lo
numa estante, a menos que esteja armazenado em uma mídia, como CD ou DVD. Esta
forma de arquivo não possui cheiro e nem risco de perecibilidade física. De fato, existe
o risco de perecibilidade informacional, relacionada especificamente a obsolescência
dos aplicativos – softwares – utilizados para sua leitura.
Apesar disto, o ebook possibilita maior rapidez de acesso às páginas e ao
conteúdo, a partir de links internos. Outra questão de relevância é a facilidade de acesso
virtual a própria obra, que pode ser acessada diretamente da base de dados em que se
encontra armazenada de forma rápida e com baixo custo ou até gratuitamente.
A facilidade de transporte torna-se uma característica interessante, já que
devido ao tamanho dos arquivos, uma quantidade significativa de livros em formato
digital - em alguns casos o equivalente a uma biblioteca – pode ser facilmente
armazenada em CDs, pen drives, aparelhos celulares ou mesmo enviadas através de email. O manuseio destas obras depende apenas do acesso aos equipamentos de leitura,
hoje amplamente difundidos e que também permitem seu armazenamento.
Há também que se considerar a questão da interação possibilitada pelos ebooks.
A facilidade em pesquisar tópicos ou assuntos dentro do contexto e do conteúdo da obra
pode ser entendida como uma de suas principais vantagens. Apesar de não possibilitar o
manuseio tátil, as obras em formato digital permitem a pesquisa de informações e a
mineração de dados, através de mecanismos de busca disponíveis em seus aplicativos de
leitura. Permitem também o acesso online às referências a partir dos links externos.
Algumas configurações de ebooks permitem a ilustração e documentação com
a inclusão de imagem, áudio e vídeo, seja com acesso interno ou externo, o que o
configura como um complexo digital multimídia capaz de trabalhar diversos aspectos da
percepção sensorial humana. Ao considerar a variação tecnológica e estética que podem
compor um ebook, Pastore (2010) diz que “ebooks may be as simple as a plain text file;
or more like paper books when “design” is added; or something altogether different
when they are infused with sound or video” (PASTORE, 2010, p. 17)2.
Este conjunto de diferentes recursos estruturais que pode lhe ser adicionado faz
do livro eletrônico um arquivo mais complexo em sua identificação. Pode-se facilmente
identificar um livro impresso, mesmo fechado, a partir de seu formato e de seus outros
elementos externos. Esta facilidade não se apresenta no caso de arquivos digitais que, a
princípio, só podem ser identificados a partir de sua origem, de sua descrição e/ou de
sua extensão. A origem ou fonte de armazenamento de um arquivo pode ser uma
biblioteca digital, uma livraria virtual ou uma base de dados livre e mesmo assim,
outros arquivos poderão estar sendo igualmente disponibilizados nestas bases. Esta
descrição do arquivo digital, chamada de metadados, constitui um pré-requisito
fundamental para que se possa ter um conhecimento inicial da obra. Neste caso, o
conjunto de metadados corresponde a primeira comunicação de um ebook em um dado
servidor. A descrição do arquivo, por vezes facilita sua identificação e a verificação do
interesse do leitor. Os metadados apresentam informações como autor, título, data de
publicação e editora, bem como dados sobre o conteúdo e como acessá-lo. Muitas vezes
a descrição traz o termo “ebook” identificando prontamente ao que se refere o objeto
digital. O título é também uma informação de identificação da obra com seu
correspondente impresso. Mesmo assim, por vezes são encontrados na Internet arquivos
com título de livros que dizem respeito especificamente a resenhas, resumos ou
trabalhos escolares. Por fim, a extensão do arquivo pode ajudar a identificá-lo e também
a sua forma de acesso. Embora esteja presente nos metadados, ressalta-se a questão das
extensões de arquivos, visto que os padrões de arquivos têm sido objeto de profundas
discussões e mudanças neste meio.
Observa-se também que as propriedades de um objeto determinam suas
possibilidades (BRYAN, GIBBONS e PETERS, 2003). Neste sentido, pondera-se que,
mesmo antes de ser aberto, o ebook possui algumas características que o distinguem dos
produtos físicos. Baseados no trabalho de Sellen e Harper (2002 apud BRYAN at al.,
2003), Bryan, Gibbons e Peters determinaram atributos que consideram importantes
para o ebook em seu conjunto – hardware, software e arquivo: as capacidades de
estabelecer links internos e/ou externos no ebook capazes de trazer uma possibilidade de
navegação rápida e as informações podem ser referenciadas a partir destes links, o que
lhes atribui maior confiabilidade; As facilidades de atualização que possibilitam
revisões e ampliações rápidas às novas edições dos ebooks, resolvendo a questão da
rápida obsolescência da informação; As características de replicabilidade que afetam
2
Ebooks podem ser tão simples como um arquivo de texto, ou mais como os livros de papel quando o "design" lhe
é adicionado, ou algo completamente diferente quando a eles são agregados recursos de som ou vídeo.
diretamente o custo de produção e otimizam a qualidade em arquivos digitais, o que
nem sempre acontece nos processos de impressão; A distributabilidade que, por sua vez,
possibilita maior acesso por um custo reduzido ou, em alguns casos, custo zero; E, por
fim, a purificabilidade ou a capacidade de levar o arquivo a sua versão original, que
facilita a segurança com relação a fidelidade das informações.
Estas características fazem do ebook, enquanto produto da cultura digital, uma
ferramenta com muitas possibilidades e explicitam a existência de funcionalidades
especificas que o ebook deve conter. A pesquisa de Bryan, Gibbons e Peters (2003)
resulta no elenco de sete funcionalidades amplas que o ebook deve ter contemplado em
sua elaboração. A partir de uma análise deste estudo, apresenta-se uma síntese destas
funcionalidades e do que um ebook deve conter na visão destes autores:
1. Interação humana no nível físico – as pessoas interagem com o texto através
da interação física com o dispositivo de leitura. Deve proporcionar a customização do
conteúdo, facilidade de acesso, legibilidade, ergonomia, durabilidade, portabilidade,
entre outras.
2. Leitura e compreensão do texto – trata-se de um processo cognitivo que
evolui com a interação física e ajuda o leitor a compreender qual a informação ou
conteúdo está contido no texto, bem como sua localização. Deve proporcionar
pesquisabilidade, navegabilidade, facilidade de informação, etc.
3. Texto digital mais rico do que o livro impresso – aborda a existência e
utilização de ferramentas de melhoria dos ebooks, bem como as formas de publicação
da comunicação humana. Deve possibilitar a inclusão de multimídia, leitura eletrônica
em áudio do texto, links de referência, recomendações personalizadas para leitura
posterior, inclusão de formas de interação e auxilio as atividades de manipulação da
obra pelo leitor, conexão à comunidades virtuais e chats em torno do assunto.
4. Texto colocado em contextos variados – diz respeito a maneira como um
texto específico se relaciona com os outros, considerando as percepções do autor e do
leitor, fornecendo informações contextuais e estabelecendo links entre o ebook e outros
conteúdos eletrônicos.
5. Possibilidade de possuir, modificar e ampliar o texto – para os leitores da
“era digital” não basta ler, é preciso ter a possibilidade de navegar, marcar, coletar,
adicionar conteúdo e divulgá-lo na rede.
6. Integração ao ambiente da Biblioteca – o ebook precisa ser elaborado como
um documento amigável ao ambiente das bibliotecas, integrando-se às suas práticas e
políticas de atuação, bem como satisfazendo as necessidades específicas de seus
usuários.
7. Capacidades legais e contratuais – ter a capacidade de relacionamento
diferenciada do livro impresso, preservando os direitos autorais e de conteúdo.
Acredita-se na importância da observação da utilização do ebook no meio
científico e acadêmico, uma vez que a partir desta prática poder-se-á estruturar o
desenho de um livro eletrônico que atenda às necessidades particulares de seus usuários
e seja reconhecido como objeto de aprendizagem crível e de qualidade.
2.3 A Percepção e a Comunicação do Ebook na Sociedade do Conhecimento
Ao longo dos últimos vinte anos foram realizados estudos nas áreas de gestão
do conhecimento, sistemas da informação, engenharia da computação, lingüística,
semiótica e design com a finalidade de estabelecer modelos para a melhor gestão dos
recursos digitais e da interação do homem com estes recursos. Dentre estes recursos está
o ebook, que tem auferido significativa importância na Sociedade do Conhecimento.
Verifica-se na literatura internacional, sobretudo americana, onde autores como
Polanka (2011), Pastore (2010) e outros despontam com trabalhos inovadores, que as
questões de usabilidade e possibilidades do livro eletrônico tem sido bastante
exploradas. Destacam-se, também, trabalhos na área do design de ebooks e
gerenciamento deste recurso. Neste ínterim, autores renomados, como Eco defendem a
diferenciação clara e a permanência do livro tradicional frente ao ebook.
Embora o livro eletrônico ou digital não seja um tema novo, a atualidade deste
estudo tem se dado em função das possibilidades que representa, não apenas para os
autores e editores, enquanto produtores de conhecimento, mas, sobretudo, aos leitores a
partir da oportunidade de democratização deste conhecimento. A pesquisa de Mello
Júnior (2006) é uma referência na abordagem do tema no Brasil e expõe a metamorfose
do livro impresso ao livro digital e as dificuldades de desenvolvimento desta mídia, em
função da indústria editorial. Velasco e Odoni (2007), por sua vez, buscam estabelecer
formas de mensurar a utilização deste recurso no meio científico. Paulino (2009)
também aborda a questão dos livros eletrônicos e seus impactos na cultura livresca
tradicional.
Todavia, apesar da importância e atualidade da matéria, verifica-se que ainda
são poucos os estudiosos brasileiros que se debruçaram sobre a questão dos ebooks e
também se pode observar que o tema é no mais das vezes, muito brevemente tratado em
sites, blogs e bancos de teses e estudos científicos públicos e privados. A maior parte
dos trabalhos que abordam o tema limitam-se a descrever, definir ou explorar os
impactos desta mídia. Buscar-se, portanto identificar fatores que possibilitem a
utilização do ebook como mídia do conhecimento detentora de qualidade e credibilidade
tanto no meio cultural quanto no meio científico-acadêmico. Esta questão passa
necessariamente pela consideração do ebook como objeto de aprendizagem e, deste
modo, evidencia-se a necessidade de perceber as mudanças perpetradas pelas mídias
digitais no comportamento humano.
No final do século XX já era possível acessar informações em tempo real, com
ampla conectividade e interação. Esta condição foi suficiente para que o homem desta
era pudesse customizar seu aprendizado de forma autônoma. A interação do homem
com os textos digitais tem alterado significativamente a percepção, a maneira de ler e
até os sistemas cognitivos do homem (LÉVY, 2001). Ao mesmo tempo tem
possibilitado que os leitores, antes passivos, diante da leitura impressa, interajam
alterando as informações e produzindo, a partir de sua perspectiva, novos
conhecimentos. Mesmo os pesquisadores que atuam nesta área tem se tornado mais
habilidosos no desenvolvimento de materiais e na sistemática de suas pesquisas. Ao
mesmo tempo, para verificar como comunicar os ebooks impactam sobre a percepção
do homem. De outra forma, os ebooks apresentam-se como versões eletrônicas do livro
impresso. Guardadas as proporções históricas, cognitivas e midiáticas, avalia-se que seu
conteúdo precisa ser validado, tanto quanto o de um livro impresso. No caso dos livros
impressos, muitas vezes aspectos externos são considerados como elementos
avalizadores da qualidade da obra, tais como autor, editora, etc. No caso do ebook, por
se tratar de um arquivo eletrônico, estes elementos não ficam evidentes à primeira vista.
Ao mesmo tempo, uma ampla gama de arquivos de livros digitais tem sido criada,
estabelecendo parâmetros para a indústria editorial eletrônica desenvolver novas
tecnologias, tanto para a produção, quanto para a distribuição, armazenamento e leitura
destes arquivos.
3 MÉTODO
O método ou metodologia de pesquisa refere-se à forma como o pesquisador
pode buscar as informações que necessita e desenvolver os estudos em busca do
conhecimento objetivado na pesquisa. O método representa, então, o conjunto de
orientações gerais para a investigação que estabelece os padrões para coleta e análise de
dados (CRESWELL, 2007).
Para este estudo foi considerado o método de estudo de caso como a forma
ideal de aprofundamento investigativo e obtenção de informações. Esta metodologia
ainda possibilita a triangulação dos dados, onde o pesquisador pode explorar diferentes
perspectivas e propor novos testes e hipóteses (DENZIN, 1984). O método de estudo
de caso pode ainda ser aplicado a um grupo de casos, o estudo de caso coletivo
(STAKE, 1995), possibilitando uma abordagem comparativa na triangulação.
O método utilizado foi exploratório, descritivo e interpretativo. Buscou-se
contextualizar o ebook às práxis da Sociedade do Conhecimento, situando-o como
mídia do conhecimento. A coleta de dados será realizada mediante revisão bibliográfica
dos temas e de observação direta aos ebooks, para identificação do processo de
comunicação e reconhecimento do objeto.
4 VISÃO DO EBOOK COMO MÍDIA DO CONHECIMENTO
A cultura digital fez surgir não apenas organizações virtuais, mas novos papéis
profissionais e novos recursos produtivos. A combinação destes elementos e a utilização
da Internet como mídia de armazenagem e distribuição de produtos culturais, promove a
disseminação e o amplo acesso a todos os tipos de conhecimento. Mas, se por um lado,
esta cultura preconiza a acessibilidade ao conhecimento àqueles inseridos na cultura
digital, por outro torna mais profundo o abismo que separa os ricos dos pobres, criando
uma horda de excluídos digitais. Neste espaço surge a pirataria dos bens culturais e a
divulgação abrangente de informações falsas ou de pouco valor. Castells (1999, p. 113)
afirma que, “a comunicação de conhecimento em uma rede global de interação é, ao
mesmo tempo, a condição para acompanhar rápido progresso dos conhecimentos e o
obstáculo para o controle de sua propriedade”. Apesar facilitar o acesso ao
conhecimento, a Internet dificulta a legitimação e a escolha consciente de informações
confiáveis. Isso se deve, em grande parte, ao fluxo de dados de origem indiscriminada e
de qualidade duvidosa que, constantemente e indistintamente, estão disponíveis na rede.
Como agravante deste contexto, destaca-se a questão do valor da
informação, em função dos volumes e custos de produção e o crescente papel dos
produtos digitais na economia, tendo a informação, como elemento principal na
produção destes produtos. Choi, Stahl & Whinston (1997, p. 88) definen que, “digital
products include all goods that are already in digital format or that can be digitized”3.
Os autores ainda apontam a que algumas características intrínsecas dos produtos, tais
como indestrutibilidade, reprodutibilidade e a transmutabilidade; podem determinar o
comportamento dos produtos digitais. A indestrutibilidade está diretamente relacionada
às questões da perda de qualidade, do uso pessoal, e do modo de distribuição ou
comercialização. A transmutabilidade está relacionada às questões de modificação ou
customização instantânea e pode ser considerada como fundamental para a compreensão
do desenvolvimento de produtos, customização e estratégias de diferenciação. A
reprodutibilidade, por sua vez, está relacionada às questões mercadológicas de
produção, reprodução, armazenagem e distribuição na Internet (CHOI, STAHL &
WHINSTON, 1997). O ambiente digital proporciona o surgimento de produtos que
dotados destas características, favorecem tanto empresas, quanto consumidores.
Analisando os produtos digitais, como conhecimento e/ou mídias do
conhecimento, ressalta-se que estes produtos possuem como matéria prima o próprio
conhecimento ou informação aplicada e seu uso gera um volume ainda maior de
informações, impactando diretamente no seu valor. Considera-se, ainda, que a
velocidade da difusão na Internet tem crescido numa proporção exponencial. Esse fato
decorre do desenvolvimento e da consolidação das infovias, que aliada às constantes
inovações tecnológicas, promoveu a redução dos custos de produção e distribuição,
3
produtos digitais abrangem todos os bens que já estão em formato digital ou que podem ser digitalizados.
sobretudo e principalmente, dos produtos digitais. Além disso, a oferta em escala global
provocou a comoditização dos produtos e informações, aumentando o grau de exigência
dos consumidores e acelerando o processo de obsolescência, especialmente dos
produtos de origem eletrônica, digital ou informacional.
Cabe ressaltar que os ebooks são produtos digitais e se constituem numa mídia
com grande potencial para a transmissão do conhecimento. A rapidez na publicação de
pesquisas completas e a disponibilização de dados de forma completa e atualizada tem
levado diversos pesquisadores e instituições a adotarem este formato de publicação. Os
equipamentos digitais, como computadores ou similares, permitem aos seus usuários a
composição e a editoração de livros digitais ou ebooks para serem dispostos e
distribuídos na Internet. Isso propiciou a disposição e distribuição de livros eletrônicos
na Internet.
Os ebooks estão disponíveis e circulam pela Internet, advindos de diferentes
origens e representando gêneros diversos. O desenvolvimento do ebook tem
impulsionado todo um segmento da indústria digital e eletrônica. A criação de um
ambiente que possibilite o desenvolvimento de uma cultura de leitura digital traz a
possibilidade de comercialização com preços baixos ou com distribuição gratuita.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A evolução das tecnologias da informação e da comunicação trouxe mudanças
significativas nos modelos de informação e produção de conhecimento humanos. As
formas de viver, pensar e aprender foram significativamente afetadas pela ampla gama
de recursos midiáticos acessíveis à percepção do homem. As facilidades proporcionadas
pela tecnocultura trazem os desafios da valoração da informação aplicada ou
conhecimento, tanto em termos financeiros quanto de legitimidade ou qualidade.
Neste sentido pode-se reconhecer o ebook, a partir de suas características e
funcionalidades, como uma mídia adequada aos padrões da Sociedade do
Conhecimento. Por outro lado, considera-se que esta mídia carece ainda de estudos,
visto que, como suporte para a transmissão do conhecimento, ainda não possui um
modelo ou processo de valoração específico.
Finalizando este trabalho, aponta-se a importância da realização de estudos que
possam possibilitar a prospecção e o aproveitamento de oportunidades do ebook,
sobretudo no âmbito científico-acadêmico.
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EMOÇÃO E CRIATIVIDADE APLICADAS À LINGUAGEM
TELEJORNALÍSTICA
Kíria Meurer Matos
Telmo José Souto Maior
Francisco A.P.Fialho
EMOÇÃO E CRIATIVIDADE APLICADAS À LINGUAGEM TELEJORNALÍSTICA
Resumo
A televisão alcança 99% dos lares brasileiros. Existem muitos programas diferentes como filmes, novelas, programas
culturais, desenhos animados, entrevistas e entretenimento. Neste contexto, a multiplicidade crescente de opções e
artefatos à disposição dos programas conduz a uma maior demanda de comprometimento e criatividade dos
profissionais e produtores executivos envolvidos, para compreender e usar as novas mídias disponíveis. Também é
inegável que o telejornalismo tem se tornado, passo a passo, o principal meio de informação e de acesso às notícias
para a população como um todo. O objetivo deste artigo é identificar os caminhos propostos pelas áreas da
comunicação e da psicologia para estimular a criatividade no telejornalismo. Após a apresentação das raízes e de
algumas peculiaridades do telejornalismo, são estudadas as emoções, incluindo a estranha vida de Phineas Gage, um
caso emblemático em estudos sobre emoções, e mostrada a vinculação das emoções com o processo criativo,
passando pelo conceito de pensamento divergente e da importância da criatividade em grupos. Ao longo do estudo
são apresentados, objetivamente, alguns resultados de pesquisas efetuadas, os quais se apresentam como boas
possibilidades para aplicação no telejornalismo. Todavia, os resultados deste trabalho também podem ser úteis para
pesquisadores e profissionais de outras áreas.
Palavras-Chave:
Telejornalismo, Emoção, Criatividade, Pensamento Divergente, Phineas Gage.
Abstract
The television reaches 99% of brazilian homes. There are a lot of different programs as movies, soap operas, cultural
programs, cartoons, interviews and entertainment. At this context, the growing multiplicity of options and artifacts
available to programs leads to a bigger demand of commitment and creativity by professionals and executives
producers involved, to comprehend and use the recent Medias available. Also is evident that the telejournalism is
becoming, step-by-step, the main media of information and news access to whole population. The subject of this
article is to identify the various manners proposed by communication and psychology areas in order to stimulate the
creativity in the telejournalism. After present roots and peculiarities of telejournalism, was been analyzed the
emotions, including the estrange life of Phineas Gage, an emblematic case in studies about emotions, and was
showed the connection between emotions and creativity process, as so the concept of divergent thinking and the
importance of creativity in groups. This article presents, in an objective way, some results of realized researches,
which shows good opportunities of application in telejournalism. However, the results of this work also could be
useful to researchers and professionals from others areas.
Key-words:
Telejournalism, Emotion, Creativity, Divergent Thought, Phineas Gage
1. INTRODUÇÃO
A TV tem grande importância no Brasil, pois está presente em 99% dos lares (TEMER &
PIMENTEL, 2009 p.177) e é o principal meio de informação da maioria das pessoas (LADEIRA,
PORCELLO & VIZEU apud COUTINHO & MUSSI, 2006). Dentro da grade da programação
televisiva, onde são veiculados inúmeros programas culturais, informativos, infantis e de
entretenimento, escolhemos o telejornalismo, que é a prática do jornalismo aplicada à TV, por ser
o principal meio de informação e de acesso às notícias para a população como um todo. Em
Manssour (2003) encontramos que a “criatividade é um requisito para o trabalho jornalístico”.
Pensamos, então, refletir sobre o imenso desafio enfrentado pelos profissionais desta área diante
do objetivo de “ser criativo”. Embora inovar seja aparentemente uma necessidade, pensar e fazer
algo novo em um telejornal implica em “riscos”. Há que se submeter o “novo” à aprovação do
público uma vez que a audiência parece definir, pelo menos em grande parte, a forma e o
conteúdo dos telejornais de um modo geral. O presente estudo busca contribuir com este
segmento televisivo no sentido de identificar os caminhos propostos pelas áreas da comunicação
e da psicologia para estimular a criatividade no telejornalismo. Começamos realizando uma
pesquisa bibliográfica na Plataforma Scopus, descrita na seção 2. Na seção 3, elaboramos um
breve histórico do telejornalismo no Brasil e descrevemos suas principais características e
desafios. Na seção 4, tratamos dos conceitos relativos à emoção, ao pensamento divergente e à
criatividade, sendo abordada a estranha vida de Phineas Gage, um caso emblemático em estudos
sobre emoções. É também mostrada a vinculação das emoções com o processo criativo e alguns
resultados de pesquisas efetuadas, as quais se apresentam como boas possibilidades para
aplicação na área em questão. Com relação à criatividade, o enfoque dado é sobre a criatividade
em grupos. Na seção 5, partiu-se para a aplicação desses conceitos no telejornalismo.
2. PESQUISA BIBLIOGRÁFICA
Para a pesquisa bibliográfica, escolheu-se a Plataforma Scopus, entendendo ser ela, senão
a mais abrangente, pelo menos uma das mais completas.
Tabela 1 – Resultados da pesquisa em número de artigos
PALAVRAS PESQUISADAS
RESULTADO
“telejournalism” and “creativity”
Zero
“television” and “creativity”
87
“journalism” and “creativity”
16
“television” and “journalism” and “creativity”
3
Fonte: Plataforma Scopus, acessada em 20de junho de 2011.
Considerando todas as áreas (“All”) e utilizando os filtros de “title”, “abstract” e “keywords” (título, resumo e palavras-chave), o resultado da busca aparece na Tabela 1.
Verificou-se que, mesmo sem limitar a pesquisa às áreas da comunicação e da psicologia,
em todas as áreas só existem três artigos.
Esses artigos se referem a: criatividade jornalística em relatórios sobre climas
(BERGLEZ, 2011); foca na importância da comunicação interpessoal (MANSSOUR, 2003) e
procura descrever o pensamento jornalístico dentro das modernas tradições no Brasil (MELO,
2009). Nenhum deles atende às expectativas quanto ao objetivo pretendido.
3. TELEJORNALISMO
A construção do formato dos telejornais brasileiros teve início na década de 50 com a
inauguração da TV Tupi, a primeira emissora de televisão do Brasil e da América do Sul, que foi
ao ar como PRF-3 TV Tupi-Difusora, Canal 3, (KEHL, in SIMÕES; COSTA, 1986).
Sessenta anos depois, entre as principais emissoras do país, estão Globo, Record, SBT,
Band, RedeTV!, TV Cultura, TV Gazeta e MTV.
Nos primórdios da televisão brasileira o que predominava era o entretenimento e os
telejornais apenas preenchiam a programação. No início a narrativa televisiva de notícias sofreu
fortemente a influência do rádio, da mídia impressa e do cinema. Herbert Marshall McLuhan
(1911-1980), filósofo e educador canadense, dizia que “todos os meios andam aos pares, um
atuando como conteúdo do outro” (apud SQUIRRA, 1990). Quanto aos primeiros profissionais
do telejornalismo brasileiro, estes migraram do rádio e, em função disso, predominava, num
primeiro momento, a narração radiofônica caracterizada pela impostação vocal. O texto
telejornalístico seguiu, ainda, o modelo da mídia impressa, que suprimia artigos. Com o passar do
tempo, os artigos foram sendo inseridos nas manchetes televisivas para evitar, como define Feijó
& Kyrilos (2004), uma “narração dura”. E o telejornalismo foi conquistando, gradativamente, o
seu espaço e a sua importância social.
Sendo a TV “o veículo da conversa”, como definem Feijó & Kyrilos (2004) em seu
estudo sobre a fala na televisão, a tendência natural foi o desenvolvimento de um tom coloquial
para a veiculação da notícia. Atualmente, este ainda é um grande desafio para repórteres e
apresentadores de telejornais, pois contar uma história de forma conversada não é nada instintivo.
Bonner (2009) explica que “não somos treinados para isso” e afirma que as escolas de jornalismo
e até mesmo as redações de jornal não ensinam esta prática.
Segundo a fonoaudióloga Débora Feijó, em palestra durante o encontro dos 40 anos do
Jornal Nacional, realizado no Rio de Janeiro em 2009, pesquisas feitas pela Rede Globo mostram
que o público não sabe explicar muito bem por que, mas estabelece um grau maior de empatia
com aqueles repórteres ou apresentadores que conseguem contar uma história como se
estivessem improvisando, naturalmente, sem dar a impressão de que estão lendo.
A voz é um dos mais importantes instrumentos de trabalho dos profissionais de televisão
e, na opinião da fonoaudióloga Maria Lúcia Torres a expressividade do repórter é fundamental
para a transmissão da notícia. Ritmo, modulação e ênfase compõem a plasticidade vocal, mas o
repórter ou apresentador precisa, sobretudo, saber interpretar a notícia. Na avaliação de Torres,
para alcançar um bom nível de credibilidade o jornalista deve equilibrar técnica e expressão
emocional. “As palavras podem levar a notícia para qualquer telespectador, mas é a voz que
expõe a interpretação e a emoção verdadeira do texto, fazendo com que a voz transmita
credibilidade.” (apud FEIJÓ & KYRILOS, 2004).
Uma especificidade da linguagem telejornalística é o tempo. As reportagens televisivas
costumam ter, em média, entre um e dois minutos, mas este tempo varia muito, dependendo da
importância jornalística do fato abordado. “O tempo é muito curto para que o telespectador
consiga assimilar a informação, por isso ela precisa ser transmitida de forma simples, direta e
emotiva” (SQUIRRA, 1990). De qualquer modo, diante da fugacidade característica do
telejornalismo, há que se buscar um nível elevado de precisão e clareza da informação. Numa
análise do telejornal como um todo, se observa a necessidade de tempo para o espectador “digerir
o que é percebido”. É necessário oferecer certo “descanso” intercalado com momentos ou
“pontos de tensão”. Este “tempo”, quando adequado, mantém a atenção do telespectador e
geralmente depende da variedade de reportagens, além de uma boa edição (SQUIRRA, 1990).
A imagem é um elemento básico da narrativa telejornalística e também influencia o tempo
da reportagem. Imagens fortes costumam ocupar um espaço de tempo maior. As imagens são
selecionadas pelo chamado editor de notícia, o qual deve observar e avaliar o impacto da imagem
a partir de dois aspectos, a carga emotiva e a informativa. “Uma notícia com exagerada carga de
emoção, visual ou auditiva, pode desequilibrar o telejornal, ou ainda provocar reações
incontroláveis dos telespectadores” diz Squirra (1990).
Squirra (1990) aponta a edição como um processo que deve valorizar a realidade
capturada pela câmera, há que se ter um olhar criativo na edição para apresentar a reportagem de
modo atraente. “(...) a melhor das edições pode não alcançar seu intento se for apresentada de
forma monótona, vazia e sem criatividade”. Recursos tecnológicos de edição têm sido muito
utilizados no sentido de alcançar este intuito.
Sendo a imagem, por natureza, carregada de simbologia, é desafio do profissional de
televisão equacionar texto e cena de modo que um elemento complemente o outro. Uma
reportagem telejornalística consistente depende ainda da compreensão de que palavras também
evocam imagens.
Dez anos depois da primeira transmissão televisiva no Brasil os programas de
telejornalismo puderam expandir sua cobertura graças ao uso do vídeo-tape um gravador de áudio
e vídeo. O equipamento possibilitou a transmissão de programas pré-gravados e a realização de
produções externas (SQUIRRA, 1990). Este recurso foi de fundamental importância para a
concepção da linguagem telejornalística que conhecemos hoje e para a consolidação do veículo
televisivo como um inequívoco meio de comunicação de massa.
A expansão e abrangência desta mídia impuseram um desafio ainda maior para os
telejornalistas: falar para muitos e ao mesmo tempo se fazer entender por todos. Para ilustrar tal
desafio (BONNER, 2009) faz uma analogia e sugere o uso da seguinte imagem:
“(...) uma mesa longa como a que o florentino Leonardo Da Vinci retratou na Última
Ceia. No extremo direito da mesa estaria um pescador, aposentado, pobre, viúvo, pai de
14 filhos. Na outra ponta estaria Bartolomeu, rico, com duas filhas e duas ex-mulheres,
empresário preocupado com o efeito dos juros altos na economia do país. Como oferecer
informação para telespectadores tão distintos sem aborrecer um deles e garantindo a
compreensão de ambos? Como falar para pessoas de formação escolar distinta, de
variadas condições sócio-econômicas, de gostos e predileções diferentes, de diversas
posturas religiosas e ideológicas, de orientação sexual e idades plurais ?”
Talvez possamos pensar que, na tentativa de se fazer “entender” muitos jornalistas
estariam produzindo textos de qualidade duvidosa. Por outro lado, parece justa a preocupação em
não “elitizar” os telejornais uma vez que, sem compreensão da notícia “elitizada” o telespectador
com menor grau de instrução pode migrar para programas sensacionalistas, não porque ele goste
de “sangue”, mas porque não entende ou não consegue se ver em tais telejornais.
O desafio de inovar na forma e no conteúdo da transmissão televisiva levou ainda a
avanços tecnológicos que permitiram aos repórteres fazer as chamadas “entradas ao vivo”, ou
seja, a narração instantânea da notícia no local onde ocorre o fato. Neste contexto, atributos como
uma boa memória e autocontrole emocional são fundamentais para um bom desempenho do
jornalista. Alice Maria, jornalista e diretora do Canal GloboNews, da Rede Globo, em prefácio do
livro “Fonoaudiologia e Telejornalismo” (FEIJÓ & KYRILLOS, 2004) afirma que “ É preciso ter
credibilidade para fazer televisão, beleza não é fundamental, o que é preciso é ser forte, ter
carisma, ter alma. No jornalismo, alma e muita informação”.
4. EMOÇÃO E CRIATIVIDADE
Esta seção está dividida em três partes: emoção, pensamento divergente e criatividade.
4.1 EMOÇÃO
Em que pese a dificuldade na definição de emoção, propomos aqui a seguinte condição:
peça para alguém para definir o que seja uma “coisa fofa”. Na maioria dos casos a pessoa, ao
mesmo tempo em que expressa palavras como “algo macio”, alguma coisa “oca”, procura fazer
gestos com as duas mãos abertas, dedos curvos, aproximando-as e separando-as.
Da mesma forma, peça para alguém definir “emoção”. Ouviremos palavras várias, tais
como comoção, abalo moral, estado mental, perturbação, sentimento, surpresa, algo subjetivo.
Buscando a etimologia, encontramos que a palavra emoção vem do latim emovere, (ex
significando fora e movere movimento). Seria algo que se move de fora para dentro de nós.
Quando dizemos que “estamos emocionados” significaria que algo fora de nós se moveu para
dentro de nós e que nos afetou. Cabe observar que movere também está na origem da palavra
motivação, que, em outras palavras, significa o impulso interno que nos leva à ação.
Percebeu-se a inexistência de uma teoria universal ou aceita para as emoções. Foram
encontradas várias concepções, propostas ou idéias de diversos autores, dos quais destacamos
aqueles que consideramos que poderiam ser aplicáveis para atender ao objetivo deste estudo.
Charles Darwin (1809-1882) em seu livro “The Expression of the Emotions in Man and
Animals” (A Expressão das Emoções nos Homens e nos Animais), publicado em 1872, se
perguntava como os nativos expressavam emoções como espanto, vergonha, dor, alegria, medo,
dissimulação e mau-humor, entre outras. Para Darwin, apenas o homem expressa suas emoções
também com os músculos da face. (apud FIALHO, 2011)
Em 1954 Paul Ekman começou a estudar emoções e expressões faciais, tema de sua tese
de 1955. Após comparar a maneira como as pessoas expressam suas emoções em vários países
de todos os continentes, sua descoberta mais importante é que as expressões faciais são
universais. Fialho (2011, p.284), no entanto, observa que as conclusões de Ekman, embora
largamente aceitas, deixam questões a serem respondidas, tais como: quais expressões pertencem
à lista universal; quanto de contexto cultural é necessário para interpretá-las e quão
reflexivamente elas estão ligadas a cada emoção.
Damásio (1996, p.160), delineia seu ponto de vista sobre emoções começando com uma
perspectiva de história individual, observando as diferenças entre as emoções que experienciamos
na infância e as emoções que experienciamos como adultos, “cujos andaimes foram gradualmente
construídos sobre as fundações daquelas emoções iniciais”. E conclui (p.168) que “a emoção é a
combinação de um processo avaliatório mental, simples ou complexo, com respostas
dispositivas a esse processo, em sua maioria dirigidas ao corpo propriamente dito, resultando
num estado emocional do corpo, mas também dirigidas ao próprio cérebro, resultando em
alterações mentais adicionais”.
Para Sherer (apud FIALHO, 2011, p.293), a emoção é considerada como “uma função de
avaliação contínua dos estímulos internos e externos em função da importância que eles se
revestem para o organismo e da reação que eles provocam necessariamente”.
Em Fialho (2011, p.63), temos: “Maturana sustenta que por trás de todo o comportamento
estaria um emocionar” e (p.286) “Piaget diz que não há emoção sem cognição, nem cognição sem
emoção, são duas faces de uma mesma moeda”.
De Masi (2007, p.19) tratando da fenomenologia do criativo, destaca a importância da
emoção dizendo que “as habilidades intelectuais e a preparação rigorosa dos indivíduos são
exaltadas por um forte envolvimento emotivo e, quase sempre, por uma admirável correção
profissional, além de um forte senso de união por pertencer ao mesmo grupo”.
Com relação à influência da emoção em nossa memória, Fialho (2011) é bastante incisivo:
“Para que algum conhecimento seja armazenado na MLT (Memória de Longo Termo), é
necessário que alguma emoção esteja associada a esse tipo de conhecimento”
4.1.1 A estranha vida de Phineas P. Gage (1823-1861)
Resumindo os acontecimentos relatados por Damásio (1996), encontramos o capataz da
construção civil Phineas Gage aos 25 anos de idade, tendo sob sua responsabilidade um grande
número de homens para assentar os trilhos de uma estrada de ferro. O ano é 1848. Na detonação
de rochas, o serviço é metódico e exige tanto destreza como concentração. Gage já abriu o buraco
na rocha, que deve ser cheio até a metade com pólvora, adicionado o rastilho e a pólvora é
coberta com areia, a qual é calcada com uma barra de ferro mediante uma cuidadosa seqüência de
pancadas. São 16h30m. Gage acabou de colocar a pólvora e o rastilho e disse ao homem que o
estava ajudando para colocar a areia. Alguém atrás dele o chama e, por um breve instante, Gage
olha para trás, por cima do ombro direito. Distraído, e antes de o seu ajudante introduzir a areia,
Gage começa a calcar a pólvora diretamente com a barra de ferro. Num átimo, provoca uma
faísca na rocha, ouve-se uma explosão muito forte e a carga explosiva rebenta diretamente no
rosto de Gage. O ferro entra pela face esquerda, trespassa a base do crânio, atravessa a parte
anterior do cérebro e sai em alta velocidade pelo topo da cabeça. Cai a mais de trinta metros de
distância. Phineas Gage cai no chão, atordoado, silencioso, mas consciente. É colocado em um
carro de bois e viaja sentado por cerca de um quilômetro. Uma hora após a explosão é atendido
Figura 1: À esquerda: foto do crânio de Gage tirada no museu da Harvard Medical School, em Boston. À direita:
reconstrução do seu cérebro com o uso de modernas tecnologias de visualização. Fonte: Damásio (1996)
pelo Dr. Williams. O próprio Gage relatou ao médico os acontecimentos de forma perfeitamente
racional. Bigelow (apud DAMÁSIO, 1996) descreveu que o ferro que atravessou o crânio pesava
cerca de seis quilos, media cerca de um metro de comprimento e tinha aproximadamente três
centímetros de diâmetro. “A extremidade que penetrou primeiro era pontiaguda; o bico mede 21
centímetros de comprimento, tendo a sua ponta meio centímetro de diâmetro, são essas as
circunstâncias às quais o doente deve provavelmente a sua vida”.
Na figura 1, pode-se observar uma fotografia do crânio de Gage tirada por Albert
Galaburda, neurologista da Harvard Medical School, bem como a reconstrução em três
dimensões do cérebro de Gage e do seu ferro de calcar,
Sobreviver à explosão, falar, caminhar e permanecer coerente imediatamente após o
acidente é surpreendente. Mais ainda ser dado como são em menos de dois meses.
O espanto maior foi a extraordinária modificação da personalidade de Gage. “O corpo
pode estar vivo e são, mas tem um novo espírito a animá-lo”, conforme relato do Dr. Harlow 20
anos depois, o médico que acompanhou Gage nos primeiros anos após o acidente. Gage podia
tocar, ouvir, sentir e nem os membros nem a língua estavam paralisados. Perdeu a visão do olho
esquerdo, mas a do direito estava perfeita. Caminhava firmemente, utilizava as mãos com
destreza, sem dificuldade na fala ou na linguagem. Mostrava-se agora caprichoso, irreverente,
manifestando pouca deferência para com os colegas, impaciente e vacilante, fazendo muitos
planos para o futuro, abandonados no instante seguinte. Seus amigos observavam entristecidos
que “Gage já não era Gage”. Foi dispensado da estrada de ferro pela brusca mudança de caráter e
indisciplina, e assim continuou, de emprego em emprego, até o fim, em 21 de maio de 1861, aos
38 anos de idade.
Damásio (1996, p.31) faz a pergunta e a responde: Por que essa triste história merece ser
contada? “(...) O exemplo de Gage indicou que algo no cérebro estava envolvido especialmente
em propriedades humanas únicas e que entre elas se encontra a capacidade de antecipar o futuro e
de elaborar planos de acordo com essa antecipação no contexto de um ambiente social complexo”
e, conforme Oliver Sacks (apud DAMÁSIO, 1996) abriu “as portas para a investigação de um
campo quase inexplorado pela ciência: as relações entre razão e sentimento, emoções e
comportamento social”. “(...) Em suma, uma pessoa incapaz de sentir pode até ter o
conhecimento racional de alguma coisa, mas será incapaz de tomar decisões com base nessa
racionalidade”. É um caso emblemático para estudos sobre emoções.
4.2 PENSAMENTO DIVERGENTE
Vamos imaginar a seguinte situação: um indivíduo está diante de dois problemas. Em um
deles busca o resultado da soma de vários números. No outro, precisa saber quais os usos de uma
folha de papel tamanho A-4. Para resolver o primeiro, ele sabe que deverá somar todos os
números e sabe também que existe somente uma única solução. No outro, deverá usar a sua
imaginação e realizar uma série de associações, respondendo, por exemplo, fazer uma série de
objetos através da técnica japonesa do origami. Mesmo que apresente um número enorme de usos
para a folha de papel, sabe ele que outros usos podem ser acrescidos em sua lista por indivíduos
que tenham outras visões e perspectivas.
J. P. Guilford (1897-1987) concebeu, no final dos anos 40, a distinção que ocorre no ser
humano quando ele elabora a solução de problemas. Ele percebeu duas formas de pensar, as quais
denominou de “pensamento convergente” ou objetivo e “pensamento divergente”.
Em síntese, o pensamento convergente tem uma direção, um objetivo. É preciso. Ou está
certo ou está errado. E o pensamento divergente não tem limitações.
“Uma característica das representações divergentes é sua brevidade (sua duração média é
da ordem de 10 segundos), e o fato de que imagens visuais desempenham aí um papel
importante”. (FIALHO, 2011, p.289)
Klinger (1978) cita um objetivo não atingido, mas não abandonado e Fialho (2011,
p.290), por sua vez, fala de “(...) incubação, durante a qual um trabalho de pensamento
inconsciente estaria em obra. Mesmo quando pensamos em outra coisa, nossa mente não para de
varrer o Banco de Conhecimentos que possuímos, em busca de uma solução”.
May (1975, p.63) cita a experiência vivida pelo matemático francês Jules Henri Poincaré
(1854-1912) alguns meses depois de ter estabelecido a existência de uma classe de funções
fuchsianas: “Estava entrando num ônibus (...). Quando ia por o pé no degrau – acentua o
momento exato – sua mente foi tomada de assalto pela explicação de como as funções
matemáticas que tinha descoberto se relacionavam com a matemática convencional”.
No Brasil, em termos de educação, observamos que tem sido um processo que costuma
ficar concentrado em atividades que desenvolvem cada vez mais o pensamento objetivo. Estamos
em constante estado de aprendizagem em busca da solução correta, única, verdadeira para os
problemas que se nos apresentam. Quando alguém propõe uma nova resposta, normalmente
considerada errada, é visto como rebelde, confuso e que não aprendeu direito o que foi ensinado.
4.3 CRIATIVIDADE
Criatividade para muitos seria uma habilidade inata.
Para Mozart (1756-1791) (apud CASQUEIRA 2007 p.42) “A criatividade é o disparo da
alma”. E um exemplo deste disparo é a história de uma das mais belas composições de Frederic
François Chopin(1810-1849): Em um dia chuvoso, Chopin chega em casa e escuta uma goteira
na casa. Qualquer um procuraria sanar “o problema”, pois afinal está entrando água dentro de
casa... mas não Chopin, que imediatamente se dirige ao piano e compõe uma obra a qual
apresenta, ao fundo, uma nota constante reproduzindo pingos de chuva. Criar está associado com
tirar do nada, gerar, imaginar. Instiga ser algo novo e original.
De Masi (2007, p.13): “enquanto sabemos como se produzem os bens materiais e,
portanto, como podemos reproduzi-los a nosso gosto, sabemos muito menos como se produzem
as idéias, os símbolos e as informações”. E acrescenta: “(...) mas por enquanto as razões e as
formas de criatividade permanecem em grande parte misteriosas”.
4.3.1 Criatividade individual
Destacamos apenas um aspecto em De Masi (2005, p.153), onde ele diz que o ato criativo
necessita de instrumentos e de técnicas com as quais se podem transformar fantasias em obras
concretas. Exemplo: um compositor deve poder tocar ao piano a música que ele está inventando.
Agora, se ele não está familiarizado com as técnicas de execução ao piano, a sua mente se
distrairá na escolha das teclas certas e ele vai se distanciar da composição. Para que o conteúdo
criativo possa fluir com liberdade, é necessário que ele saiba tocar de olhos fechados. Ou seja,
“Só quando tiver as técnicas de que a sua arte precisa completamente introjetadas, o criativo terá
a mente desimpedida e poderá calcá-la no cimento da invenção”.
4.3.2 Criatividade em grupos
De Masi (2005, p.136) comenta que “surpreende a circunstância de que quase não existam
estudos sobre criatividade coletiva” e também “que a criatividade individual tenha sido estudada,
sobretudo sob o perfil psicológico e psicanalítico; que até para explicar a criatividade de grupo se
tenha recorrido mais ao inconsciente do que à sociologia”.
Do exame de 13 grupos criativos históricos, objeto de seu livro A emoção e a regra: os
grupos criativos na Europa de 1850 a 1950, Domenico De Masi (2007) apresenta como
resultados: “a freqüente convivência pacífica, na mesma equipe, (...); procura obstinada de um
ambiente físico acolhedor, bonito, digno, funcional;(...); a interdisciplinaridade e a forte
complementaridade e afinidade cultural de todos os membros;(...) objetivo comum” e observa
que “o que se destaca acima de qualquer outro aspecto é a proeminência do líder-fundador, capaz
de uma dedicação quase heróica para com o objetivo; excepcionalmente eficaz na criação de um
set psicossocial, um clima, um fervor fora do comum; (...)”. Destaca, também, ser o líder
“carismático e competente acima de qualquer expectativa; (...) atento em alimentar a memória e a
história do grupo (...)”.
Aquilo que De Masi (2007) chamou de “criação de um set psicossocial, um clima, um
fervor fora do comum”, Hill (2005) chama de “Master Mind”, “a aliança amistosa, num espírito
de harmonia, entre duas ou mais mentes”. Declara Hill “que de toda aliança mental, seja ou não
num espírito de harmonia, nasce uma outra mente, que afeta todos os participantes da aliança em
questão (...) mas acontece também que nem sempre dessa união resulta a criação de um “Master
Mind”. O “Master Mind” ocorre como nas reações químicas, nas quais da combinação de dois ou
mais elementos surge uma nova substância pela lei das afinidades. O “Master Mind”
permanecerá disponível enquanto existir essa aliança amigável e harmoniosa criada pelo líder do
grupo.
Quando um instrumento inovador entra em uma empresa surgem, naturalmente,
conseqüências e muito provavelmente um grande problema. O instrumento, segundo De Masi
(2005), “subtrai aos trabalhadores uma parte de esforço físico e intelectual, assume as suas tarefas
repetitivas (...), deixa à disposição deles apenas as tarefas mais ricas em conteúdo intelectual,
não-processáveis, ligadas à inventividade de quem os desenvolve”. O grande problema, passível
de ocorrer, é se esses “trabalhadores (...) estariam prontos para essas tarefas mais criativas e se a
sua fertilidade intelectual não fosse com muita freqüência castrada por uma organização
“industrial” (...), que ainda lhes impinge regras feitas há 100 anos”.
De Masi (2005, p.135) falando de casos problemáticos com que se deparou, afirma: “as
empresas se mostravam impotentes para resolver as situações, não tanto porque faltassem idéias
imaginativas, mas porque as propostas, (...), acabavam ficando no papel”.
De Masi (2005, p.156), ao tratar da produção de criatividade nas organizações, observa
que não é “obrigar as pessoas concretas a serem mais imaginativas, ou as pessoas imaginativas a
serem mais concretas” mas é, sim, “formar misturas equilibradas de pessoas imaginativas e de
pessoas concretas, cada uma delas coerente consigo mesma e fiel à própria vocação natural”.
Normalmente, um grupo empresarial tende a selecionar, de início, “apenas pessoas muito
concretas, com os pés muito plantados no chão, arriscando-se a cair numa atmosfera burocrática
onde nunca se dá asas à imaginação”. Diz De Masi que “(...) “não basta colocar lado a lado
mecanicamente pessoas imaginativas com pessoas concretas, nem é bastante fornecer-lhes um
suporte tecnológico adequado”. Ele, com ênfase, diz que “é preciso criar um clima de tolerância
recíproca, estima e colaboração; reforçar esse clima, dando-lhe a certeza de uma missão
compartilhada; torná-lo incandescente, graças a uma liderança carismática, capaz de derrubar as
barreiras que bloqueiam a criatividade da equipe”.
Andrew Carnegie (1835-1919), empresário que construiu e doou o Carnegie Hall à cidade
de Nova York, ao ser perguntado sobre como tinha adquirido a sua fortuna, respondeu dizendo
que “aqui na nossa empresa temos um “Master Mind” formado com mais de vinte homens, que
constitui o meu pessoal, isto é, diretores, gerentes, contadores, químicos e outras pessoas
especializadas”. Continuou, dizendo “Pessoa alguma dentre as que compõem o grupo possui, em
particular, esta mente a que acabo de me referir, mas a soma desses espíritos, coordenadas num
espírito de harmoniosa cooperação, constitui a força que realizou a minha fortuna”. E concluiu:
“Nesse grupo não há duas mentes iguais, mas cada componente desempenha a sua parte, e melhor
do que ninguém, no mundo”. (HILL, 2005, p.98)
Concluindo o item : a emoção é o elemento crítico para que o pensamento divergente gere
“criatividade”. O clima incandescente de De Masi, que é o “Master Mind” de Carnegie e Hill,
propicia o surgimento das emoções necessárias para a forja da criatividade em grupos.
5. CRIATIVIDADE E TELEJORNALISMO
Do item 4.3.1 destacamos, como fundamental, que o profissional esteja muito
familiarizado com todas as técnicas do seu ofício, pois, “Só quando tiver as técnicas de que a sua
arte precisa completamente introjetadas, o criativo terá a mente desimpedida e poderá calcá-la no
cimento da invenção”. Isto vale, igualmente, para o profissional do telejornalismo.
Embora quase não existam estudos sobre a criatividade coletiva, destacamos do item
4.3.2, os resultados das observações de 13 grupos criativos históricos, os quais, a nosso ver,
mostram um caminho que pode ser percorrido pelos profissionais do telejornalismo, em busca do
desenvolvimento da criatividade de grupo. Ainda neste item 4.3.2, destacamos a grande
importância da atenção para o preparo efetivo de todos os profissionais atingidos quando da
implantação ou chegada de novos sistemas ou equipamentos na organização.
Para o trabalho na equipe telejornalística, apesar de naturais e eventuais discordâncias,
poderíamos lembrar Henry van Dyke (apud HILL, 2005, p.89), quando disse: “A melhor roseira
não é a que tem menos espinhos, mas a que produz as rosas mais delicadas”.
Cabe lembrar, igualmente, o conceito de “pensamento divergente”, que poderia indicar
um caminho importante para o desenvolvimento do processo criativo no telejornalismo, uma vez
que este também depende da imaginação e da capacidade de associação de idéias do narrador, no
caso, o jornalista. Sem o compromisso de pensar de forma objetiva ou encontrar a “resposta certa
ou errada”, o cérebro tem mais flexibilidade para fazer as associações necessárias de forma a
encontrar respostas diferenciadas ou mesmo originais.
Sendo o telejornalismo uma prática que envolve um grau considerável de subjetividade,
uma mesma história pode ser contada das mais diversas formas. Neste aspecto, a aplicação do
pensamento divergente poderia ser considerada uma alternativa para estimular a criatividade
nesta área.
Quando se pensa em criatividade e emoção aplicadas à reportagem televisiva, e sendo esta
estruturada em forma (edição) e conteúdo (textos e imagens) há que se analisar a aplicabilidade
destes conceitos de modo efetivo. Podemos destacar a atividade de campo como um momento
importante para a fundamentação de um trabalho de reportagem mais criativo. Diante dos
entrevistados e dos fatos que se apresentam o jornalista que chegar sem preconceitos, com o olhar
aberto para o “novo” teria mais propensão a emocionar-se e envolver-se com a história.
Emoção, assim, pode ser entendida, como uma ferramenta, uma forma eficiente de ser
criativo, uma vez que ampliaria o envolvimento e a visão do jornalista em relação aos fatos. Em
uma análise etimológica, poderíamos pensar que sendo a emoção algo que vem de fora para
dentro de nós, ela está na raiz da motivação, o impulso interno que nos leva à ação.
Isto posto, podemos deduzir que a preocupação das escolas de jornalismo, e até mesmo
das redações, em evitar que o envolvimento emocional se dê durante a construção de uma
reportagem, pode estar sendo um fator limitador da criatividade.
Este estudo não visa elencar formas eficientes de estimular o pensamento divergente, mas
aponta evidências da influência deste tipo de pensamento na produção jornalística.
Bonner (2009) faz referência ao compromisso maior do jornalista que seria com “(...) a
absoluta clareza, isenção e pluralidade de opiniões”. Destaca também a tendência da naturalidade
e do improviso como elementos de humanização do telejornalista e como fator fundamental para
a conquista da simpatia do público.
Levando em consideração o argumento de De Masi (2007), que diz que a emoção pode
“exaltar” as habilidades intelectuais e que, conforme o item 4.1.1 deste artigo, sem ela não é
possível sequer tomar decisões, podemos inferir que o envolvimento emocional contribuiria,
inclusive, para uma análise mais profunda e racional dos fatos – por mais paradoxal que possa
parecer.
Fialho (2011) reforça que a memória de longo termo, ou seja, aquela que retém
informações por um longo período de tempo necessita ter emoção associada. A partir deste ponto
de vista, considerando o telejornalismo uma prática de comunicação e considerando que, para
Paulo Freire (1921-1997) não há comunicação sem diálogo, de um lado estaria o emissor da
mensagem (jornalista) e de outro o receptor (telespectador), podemos refletir sobre a importância
de estender a emoção captada pelo jornalista, no processo de produção da reportagem, até o
público alvo. Em havendo uma transferência de “sentimentos”, ou um processo de “emocionar” o
outro, podemos cogitar a hipótese de que a notícia permanecerá também por mais tempo, na
memória não apenas de quem presenciou o fato, mas também de quem assistiu à reportagem pela
televisão.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
“É inegável o papel da televisão como dinamizador cultural, formador de opinião, difusor
do conhecimento e, obviamente, de entretenimento.” (SQUIRRA, 1990). Também é inegável que
o telejornalismo é o principal meio de informação e de acesso às notícias para a população como
um todo. Considerando estes aspectos, o presente estudo faz parte de uma pesquisa mais ampla,
ainda em fase inicial, sobre alternativas que possam contribuir para tornar o telejornalismo uma
prática televisiva mais atraente, mais moderna e mais criativa do ponto de vista do telespectador
enquanto cidadão que se utiliza desta mídia como ferramenta para fazer valer, inclusive, os seus
direitos sociais.
Quanto ao objetivo de identificar caminhos propostos pelas áreas da comunicação e da
psicologia para estimular a criatividade no telejornalismo, podemos concluir que, apesar da
constatação de De Masi (2005, p.136) quando diz que “surpreende a circunstância de que quase
não existam estudos sobre criatividade coletiva”, identificamos alguns indícios positivos de
caminhos, tanto nele como em outros autores, os quais constam dos itens 4 e 5 deste artigo.
Este estudo, assim, trás uma contribuição teórica quando aponta um conjunto integrado de
teorias e conceitos consagrados nas áreas estudadas e também uma contribuição prática, ao reunir
um arcabouço objetivo de conceitos e resultados aplicáveis ao cotidiano da linguagem
telejornalística com a finalidade de estimular a criatividade neste ambiente, não deixando de
levantar a possibilidade de aplicação, igualmente, em outras áreas profissionais para o
desenvolvimento de grupos criativos.
Este é um tema que carece de mais pesquisas e o presente estudo abre possibilidades para
a identificação de lacunas e novas perguntas de pesquisa.
7. REFERÊNCIAS
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Culture & Society journal, 33 (3), p.449-465, 2011.
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MELO, J. M. Journalistic Thinking: Brazil’s Modern Tradition. SAGE Publications ISSN 1464-8849, vol.10 (1):9,
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TEMER; PIMENTEL. In: VIZEU, PORCELLO & COUTINHO. 40 Anos de Telejornalismo em Rede Nacional.
Florianópolis: Editora Insular, 2009.
A INCLUSÃO PRODUTIVA E AS POTENCIALIDADES ARTESANAIS
REGIONAIS
Ana Luisa Boavista Lustosa Cavalcanti
Seila Cibele Sitta Preto
Marina Keiko Nakayama
Francisco A. P. Fialho
Luiz Fernando Figueiredo
A Inclusão Produtiva e as Potencialidades Artesanais Regionais
Resumo:
Este artigo apresenta uma pesquisa qualitativa realizada em um Programa de Economia Solidária de uma
Prefeitura do Paraná, visando identificar mecanismos que potencializam ou fragilizam o trabalho artesanal
regional proposto pela Inclusão Produtiva. A partir do paradigma interpretativo e por meio de entrevistas semiestruturadas, suas transcrições, análises e sistematização verificou-se a existência de mecanismos
potencializadores para o trabalho artesanal regional, entretanto, os mesmos devem ser revistos e adequados em
alguns pontos para que tenham resultados eficientes.
Palavras-chaves: Artesanato; Inclusão Produtiva; Design; Economia Solidária.
Abstract:
This article presents a qualitative survey carried out in a program of a Solidarity Economy Hall of Parana, to
identify mechanisms that boost or weaken the proposed regional craftsmanship by Productive Inclusion. From
the interpretative paradigm and through semi-structured interviews, their transcripts, and systematic analysis
verified the existence of mechanisms for augmenting regional craftsmanship, however, they should be reviewed
and appropriate in some points for that test efficient.
Key-words: Crafts; Productive Inclusion; Design; Solidarity Economy.
1.INTRODUÇÃO
A realidade social do município em estudo, mesmo tendo um IDH-M1 de 0,8242 que
faz do município um dos maiores do sul do país, possui altos índices de concentração de
renda e de desigualdade social, refletidos em um coeficiente de Gini3 de 0,580. Estes e outros
estudos demonstrados no documento “Política Municipal de Assistência Social” relatam “a
situação multidimensional de vulnerabilidade social” deste município. (PML, 2010: 3-6).
Nishimura (2005: 119-120) disserta sobre os grupos de geração de trabalho e renda
deste município. Menciona que, em 2004, havia 19 grupos de produção artesanal,
configurando 67,86% do total das áreas de produção apoiadas pelo Programa de Economia
Solidária e que a concentração desses grupos se estabeleceu na periferia urbana da cidade. A
autora também ressalta que, mesmo com a percepção da produção artesanal em todo o
território nacional e com as ações do Programa de Economia Solidária, os grupos têm muita
dificuldade de atingir uma renda mensal que possibilite viver desta produção. No entanto, tal
produção se configura em um trabalho que “propicia renda, paixão, terapia, criatividade,
valorização e desenvolvimento de capacidades”, merecendo, portanto, destaque em
1
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal.
Baseado nos dados dos Censos Demográficos do IBGE, realizados a cada 10 anos. É composto pelas variáveis
de renda, escolaridade e longevidade (esperança de vida). Vai de 0 a 1 (quanto mais próximo do 1 melhor o
desempenho), sendo considerado alto a partir de 0,8.
3
Indica nível mediano de equidade e justiça social. “Este índice analisa o desempenho de gestão e ações
públicas, considerando três eixos principais: trabalho-renda, saúde e educação”. (Política..., 2010:4).
2
detrimento de um trabalho alienante e explorador, base da sociedade moderna.
(NISHIMURA, 2005: 152-153).
Conforme MDS (2011), “O Brasil sem Miséria” terá ações nacionais e regionais em
três eixos, de acordo com a figura 1, garantia de renda, inclusão produtiva e acesso a serviços
públicos. “Na cidade, qualificar a mão de obra e identificar oportunidade de geração de
trabalho e renda para os mais pobres. [...]”. (MDS, 2011). A inclusão produtiva tem como
objetivo estimular a geração de trabalho e renda via empreendedorismo e a economia
solidária, qualificação e orientação profissional4.
Figura 01 – Eixos do Brasil sem Miséria.
Fonte: própria (2011), baseado em MDS (2011). Disponível em: <
http://www.mds.gov.br/brasilsemmiseria>. Acesso em: 23 set 2011.
A origem desta proposta está em trabalhos anteriores relacionados ao
acompanhamento de pequenos grupos de produtores e de comunidades artesãs com ênfase na
contribuição do design em tais grupos no município em estudo. “A proximidade com o
fenômeno em estudo pode ser considerada uma vantagem [...]” (RICHARDSON, 2010:96).
Observamos uma possível fragilidade nos mecanismos de identificação de
potencialidades regionais por parte de projetos de assessoramento de grupos de artesãos. Por
esta razão, torna-se necessária uma abordagem qualitativa junto aos atores do poder público e
representante dessas comunidades para ampliar a compreensão sobre este fenômeno.
Neste trabalho, definimos potencialidades artesanais a cultura produtiva artesanal que
faz parte da história da região e que possui um potencial cultural a ser resgatado e
desenvolvido. Os mecanismos são as ações que possibilitam o desenvolvimento da cultura
4
Disponível em: < http://www.mds.gov.br/sobreoministerio/estrutura/secretaria-de-articulacao-para-inclusaoprodutiva/secretaria-de-articulacao-para-inclusao-produtiva-saip/?searchterm=inclus%C3%A3o%20produtiva>.
Acesso em: 23 set 2011.
artesanal da região por meio de pesquisas que abordem origens, tradições, regionalismos e
culturas formadoras. Portanto, o pressuposto por nós adotado é a existência de fragilidades
nos mecanismos para identificação de potencialidades regionais com ênfase no trabalho
artesanal.
Para tanto, desenvolvemos este estudo no Programa de Economia Solidária que,
conforme figura 2, faz parte do serviço de proteção básica da assistência social da Prefeitura
da cidade e, implantado em 2005, trabalha com os princípios de cooperação, solidariedade,
atividade econômica e auto-gestão.
Figura 2 – Sistema que insere a Economia Solidária na cidade em estudo.
Fonte: Própria (2011), baseado em Prefeitura (2011)5.
O paradigma adotado nesta pesquisa é o interpretativo em que a realidade social é
produto da experiência subjetiva e inter-subjetiva do indivíduo, de acordo com Morgan (1980:
608). O interpretativismo, conforme Tomazelli et al (2009), consiste em ordenar a reflexão
que se faz sobre os fenômenos, considerando a vida um conjunto de comportamentos sociais
onde as relações mútuas se dão de maneira consciente.
Deste modo, a questão de pesquisa é: como são desenvolvidas as ações de inclusão
produtiva no que se refere às potencialidades artesanais da região?
5
Disponível
em:
<http://www1.londrina.pr.gov.br/index.php?option=com_content&view=frontpageplus&Itemid=178>. Acesso em: 23 set 2011.
Sendo assim, esta pesquisa teve como objetivo verificar se há mecanismos que
possibilitem o desenvolvimento de uma cultura produtiva artesanal nas ações da Inclusão
Produtiva de uma Prefeitura Municipal do Norte do Paraná no que diz respeito às
potencialidades artesanais da região.
2. METODOLOGIA
A metodologia da investigação científica adotada foi a entrevista que é uma técnica de
coleta de dados, informações e evidências, cujo objetivo é “compreender o significado que os
entrevistados atribuem a questões e situações [...]”, baseadas em conjecturas do pesquisador,
de acordo com Martins e Theóphilo (2009: 88). Para Lakato e Marconi (2010: 179), “trata-se,
pois, de uma conversação efetuada face a face, de maneira metódica; proporciona ao
entrevistado, verbalmente, a informação necessária”.
O tipo de entrevista administrada foi a semiestruturada. Em sua condução aplicamos
um roteiro, entretanto com liberdade de serem acrescidas outras questões pelo entrevistador.
Tal roteiro foi ancorado ao referencial que serviu de suporte teórico ao estudo, sendo este o
documento: Política Municipal de Assistência Social (PML, 2010).
3. DESCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
Foram entrevistadas três pessoas que fazem parte da inclusão produtiva do município
com diferentes tipos de participação, a saber: uma representante da gestão pública; uma
professora colaboradora de uma Universidade local e uma artesã de um dos grupos assistidos
pelo Programa de Economia Solidária da região. Esta seleção se justifica pelo fato de
procuramos descrever a visão de cada um no processo da inclusão produtiva do município no
que se refere às potencialidades artesanais da região e inter-relacionar tais visões como se
apresenta na figura 3.
Figura 3 – Inter-relacionamento entre os entrevistados.
Fonte: própria (2011).
Os entrevistados foram convidados a participar da pesquisa e receberam um termo de
consentimento livre e esclarecido e o gravador foi usado apenas com a concordância dos
mesmos.
As entrevistas foram realizadas da seguinte forma: primeiro foram estabelecidos
contatos por email e por telefone com a coordenadora da Inclusão Produtiva do Município. A
partir da aceitação por parte da coordenação, entrou-se em contato com uma professora
universitária que participa como colaboradora em um projeto de extensão universitária junto a
um dos grupos assistidos pela Prefeitura.
Para cada uma das entrevistas foi elaborado um roteiro diferenciado em que foi
entregue e explanado ao entrevistado um resumo da proposta com explicação do objetivo do
trabalho, o roteiro e o termo de consentimento livre e esclarecido. Foi consultado sobre o uso
do gravador e neste ponto, das três entrevistas, duas foram gravadas. Conforme Taylor e
Bogdan (1994:120-126) na relação com os informantes “é relevante percebê-los como
pessoas e não como meras fontes de dados. Deve-se “manter o tema e deixar a conversação
fluir”.
No roteiro para a coordenação da inclusão produtiva (entrevistada 1) elaboramos cinco
questões. As pesquisadoras se basearam no documento “Política Municipal de Assistência
Social” (PML, 2010), buscando compreender a inclusão produtiva no município e se há
mecanismos de identificação de potencialidades artesanais na região. Esta primeira entrevista
ocorreu em dois momentos. Um encontro no Centro Público de Economia Solidária do
município em que foi apresentada a proposta da pesquisa e seu objetivo e outro no mesmo
local para a aplicação das questões. Para Richardson (2010: 216), toda “entrevista precisa de
uma introdução, que consiste, essencialmente, nas devidas explicações e solicitações exigidas
por qualquer diálogo respeitoso”. A entrevistada 1 foi bastante receptiva com a proposta e se
interessou em saber dos resultados. Apresentou-nos o Centro Público que se localiza no
centro da cidade e funciona também como local para o Comércio Justo6 dos produtos dos
Núcleos de Produção7 atendidos.
No roteiro para a professora universitária (entrevistada 2) fez-se três questões,
entretanto na transcrição contabilizou-se 22 perguntas elaboradas no momento da entrevista,
como ocorre, naturalmente, em uma entrevista semiestruturada. As questões iniciais se
pautaram na descrição de sua experiência em trabalhar no acompanhamento de núcleos de
produção e quais foram as dificuldades encontradas no trabalho de acompanhamento dos
grupos em todo o processo de desenvolvimento do produto e sua comercialização.
Ao longo da entrevista novas questões foram elencadas com foco nas potencialidades
artesanais da região. Esta entrevista ocorreu na residência da entrevistada que por falta de
tempo nos atendeu, gentilmente, em uma manhã de domingo. A entrevista durou cerca de 40
minutos, sendo que toda a conversação, contando com a preparação durou mais de uma hora.
Na entrevista com uma das assistidas (entrevistada 3) não levamos roteiro. As
questões saíram naturalmente, iniciando com uma explicação sucinta sobre o objetivo da
entrevista e como a entrevistada soube do Programa de Economia Solidária (inclusão
produtiva) da cidade e como se envolveu com o mesmo. A entrevistada 3 reside na periferia
da cidade e nos atendeu, cordialmente, em sua residência em uma manhã de sábado das 10 às
12h30min. As questões desta entrevista, formuladas no momento, se pautaram em relatos de
sua experiência desde sua entrada no Programa até o término do grupo. Tais questões tiveram
6
Comércio Justo e Solidário (CJS): é o fluxo comercial diferenciado, baseado no cumprimento de critérios de
justiça e solidariedade nas relações comerciais, que resulte na participação ativa dos Empreendimentos
Econômicos Solidários por meio de sua autonomia. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/scjs.asp>. Acesso em: 02 set 2011.
7
“Núcleos de produção” é a denominação dada aos grupos de geração de trabalho e renda do programa de
economia solidária da cidade em estudo.
uma linguagem simplificada e informal. Ressalta-se que após o término do Núcleo de
produção, a entrevistada 3 deu continuidade em sua residência com mais duas pessoas a
confecção e consertos de vestuário.
4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
As transcrições foram realizadas logo na semana das entrevistas e, posteriormente,
ouvidas em que ajustes nos textos transcritos foram realizados.
Para análise dos dados que, conforme Taylor e Bogdan (1994:155), “é um processo
em contínuo progresso na investigação qualitativa”, utilizamos o modelo mental a partir de
um mapeamento das palavras e expressões chave. O “modelo mental é um mapa, uma
representação ou uma redução, construída mentalmente, da realidade mais complexa do
“mundo exterior”. (ANDRADE et al, 2006:317).
Apresentamos a seguir o mapeamento de cada entrevista sintetizado em um modelo
mental das expressões chave. Tal modelo foi codificado por cores nas categorias gerais
estabelecidas a partir dos primeiros códigos identificados nas transcrições, a saber: Gestão do
Design (código de cor amarela); Educação continuada (código de cor magenta); Identidade
Local e valor cultural (código de cor verde); e o Enfrentamento dos Problemas
Socioeconômicos (código de cor azul).
Figura 4 - categorização e códigos de cor.
Fonte: própria (2011).
4.1 ENTREVISTA 1 – COORDENAÇÃO DA INCLUSÃO PRODUTIVA
A entrevista 1 ocorreu no dia 16/08/2011, no Centro Público de Economia Solidária da
cidade em estudo. A entrevistada tem a formação em Serviço Social e é gerente da Inclusão
Produtiva com tempo de experiência de 05 anos na mesma. Na figura 1 apresentamos o
mapeamento das expressões-chave da entrevista 1 já com a codificação por cores
demonstrada na tabela 1.
Figura 5 – Mapeamento das expressões chave da entrevistada 1.
Fonte: própria (2011).
4.2 ENTREVISTA 2 – COLABORADORA
PROFESSORA UNIVERSITÁRIA
DA
INCLUSÃO
PRODUTIVA
E
No dia 14/08/2011, em sua própria residência, a entrevistada nos recebeu. A mesma
possui formação em Estilismo e é especialista em Design. Sua função na Inclusão Produtiva é
de supervisora dos alunos e colaboradora nos acompanhamentos em um dos grupos assistidos
pelo Programa de Economia Solidária do município. Seu tempo de experiência na Inclusão
Produtiva é de 2 anos. Na figura 2 apresentamos o mapeamento das expressões-chave da
entrevista 2.
Figura 6 - Mapeamento das expressões chave da entrevistada 2.
Fonte: própria (2011).
4.3 ENTREVISTA 3 – ASSISTIDA PELA INCLUSÃO PRODUTIVA
Esta entrevista realizou-se na residência da entrevistada, no dia 20/08/2011. A mesma
faz parte da Inclusão Produtiva como assistida e participante de núcleo de produção de
confecção de lençóis pintados, artesanalmente, com tempo de atuação de 2 anos. Na figura 3,
apresentamos o mapeamento das expressões-chave da entrevista 3.
Figura 7 - Mapeamento das expressões chave da entrevistada 3.
Fonte: própria (2011).
Na tabela 1, realizamos uma análise comparativa entre as expressões chave mapeadas
e codificadas e as barreiras apontadas por Santos (2005:52-56). Tais barreiras são: a
incapacidade de compreensão do sistema, a partir da falta de informações geradas pelo
sistema político e comercial mundial; a vulnerabilidade social, pois normalmente vivem nas
periferias e sem acesso aos serviços públicos; dificuldades de acesso à educação; as questões
de gênero, nas quais as mulheres, mesmo apresentando maior facilidade de trabalho em
grupo, de expressão e de participação, não tomam parte de processos decisórios; o
imediatismo; a descapitalização que é a incapacidade de investimentos; problemas de infraestrutura produtiva; e desigualdade no mercado.
Tabela 1 – Análise comparativa entre as expressões chave e as barreiras de uma comunidade artesã.
Fonte: própria (2011).
5. DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS
Com o objetivo de verificar se há mecanismos eficazes nas ações da Inclusão
Produtiva em uma Prefeitura Municipal do Norte do Paraná buscamos responder como são
desenvolvidas tais ações no que se refere às potencialidades artesanais da região.
Consideramos a partir dos dados analisados as categorias estabelecidas (Gestão do Design;
Educação Continuada; Identidade Local e Valor Cultural; Enfrentamento dos Problemas
Socioeconômicos). Essas categorias gerais foram identificadas a partir de códigos primários
grifados, em cada mapeamento do mapa sistêmico das transcrições, em suas respectivas cores.
São apresentadas, portanto, na tabela 2, as fragilidades e potencialidades artesanais
identificadas nas transcrições.
Podemos perceber, tanto nos mapeamentos das expressões chave das transcrições
(figuras 5, 6 e 7), assim como nas barreiras de uma comunidade artesanal apontadas por
Santos (2005), que há na região um ambiente propício para o desenvolvimento desses grupos
de geração de trabalho e renda em artesanato com apoio significativo tanto da Prefeitura por
meio do Programa de Economia Solidária, como das Universidades locais que proporcionam
capacitação técnica, conceitual e de gestão, infra-estrutura de produção e comercialização
justa e assessoria continuada por meio da pesquisa e da extensão universitária.
Existem ações de enfrentamento da pobreza na qual se encontram os grupos assistidos,
no entanto tais ações se deparam com resistências nas fragilidades verificadas na
administração e execução do planejamento pelos assistidos, no comprometimento com o
empreendimento diante dos problemas socioeconômicos enfrentados por esse público. O
imediatismo verificado nas transcrições e apontado por Santos (2005) é uma barreira de tais
comunidades. Estas desanimam diante o escasso retorno financeiro e que resultam no não
reconhecimento do empreendimento como próprio.
A produtividade é outra questão verificada nos mapeamentos das transcrições que
influencia diretamente na comercialização dos produtos e na competitividade dos mesmos no
mercado. Os próprios assistidos ainda não conseguem visualizar o diferencial de seus
produtos perante os industrializados e globalizados. Eles acreditam que precisam copiar o que
há na mídia e nos grandes estabelecimentos comerciais. É preciso, por parte dos assistidos,
reconhecerem no próprio trabalho o valor cultural e a identidade local. Neste sentido, foi
mencionada pela entrevistada 1 uma palestra sobre resgate histórico e iconográfico que gerou
uma linha de produtos com iconografias da região e sua colonização. Verificamos nesta ação
um relevante mecanismo de identificação de potencialidades artesanais, entretanto, se não há
continuidade de ações de reforço e acompanhamento, este mecanismo não se sustenta nos
assistidos em sua produção com identidade local e valor cultural. Há também as assessorias e
atendimentos psicológicos que atuam nas questões de baixa auto-estima e de conflitos
internos nos grupos. Esta foi identificada como relevante ação para o funcionamento salutar
dos grupos.
A questão da articulação entre grupos apontada como uma dificuldade pela
entrevistada 2 é percebida como uma fragilidade neste estudo por ser um dos princípios
norteadores da Economia Solidária, o da Solidariedade que indica a preocupação com o
desenvolvimento de outros grupos e da comunidade. Existem ações da prefeitura e da
Universidade que inserem este princípio como as reuniões, encontros e feiras que fazem com
que os grupos se entrosem, mas esta articulação ainda é uma grande dificuldade.
Há a necessidade de, paralelamente às ações de capacitação técnica e conceitual, de
uma “capacitação intelectual”. Esta nos foi compreendida por necessidade de uma educação
continuada. Principalmente, a entrevistada 2, que trabalha no acompanhamento dos grupos,
mencionou a dificuldade em trabalhar, às vezes, com pessoas que não sabem ler, o que
dificulta sobremaneira a capacitação técnica e conceitual apontada pela entrevistada 3 com
dificuldade em novos aprendizados. Entretanto, verificamos potencialidades na linguagem
utilizada com os grupos e na aprendizagem situada8 identificada na maneira de ensinar da
entrevistada 2 quando fala “Vai aprendendo, e aplicando, aprendendo, e aplicando...”.
A Identidade Local e Valor Cultural é uma categoria que implica diretamente no
pressuposto desta pesquisa já que estamos denominando aqui de potencialidades artesanais a
cultura artesanal local que faz parte da história da região e que possui um potencial
socioeconômico e cultural a ser resgatado e desenvolvido. Esta foi identificada em um
8
A aprendizagem é uma função da atividade, do contexto e da cultura na qual ela ocorre (i.é, ela é situada).
LAVE, J., & WENGER, E., Situated Learning: Legitimate Peripheral Participation. Cambridge, UK:
Cambridge University Press, 1991.
trabalho mencionado pela entrevistada 1 sobre resgate e assessoramento de um grupo de
artesãs indígenas. Acreditamos que existem outras potencialidades artesanais na região a
serem resgatadas e trabalhadas, pois é uma região com fortes influências de colonizadores e
miscigenações étnicas. É necessária também uma conscientização na sociedade sobre o valor
cultural e social desses produtos, pois parte desta baixa auto-estima se dá nesta desvalorização
dada pela sociedade do entorno da comunidade. Entretanto, o baixo custo produtivo de um
produto artesanal em relação ao alto valor cultural é uma potencialidade existente, mas que
precisa ser explorada, principalmente quando comparada com produtos industrializados e
globalizados. São produtos exclusivos por sua originalidade, regionalidade, por serem
solidários e comunitários.
Em relação ao enfrentamento dos problemas socioeconômicos, a situação de pobreza
fragiliza, não apenas economicamente, como de oportunidades de geração de renda. Desta
forma, é visto pelos assistidos como uma fonte de renda secundária, por não visualizarem o
processo por completo, baixando a auto-estima devido a demora do retorno financeiro até
porque possuem um comportamento imediatista. Por outro lado, as pessoas que fazem parte
desta população estão buscando a Economia Solidária como alternativa à situação de miséria
em que se deparam e encontrando na prefeitura a disponibilidade para atuar neste
enfrentamento
Tabela 2 – Codificação das expressões e palavras chave identificadas nas transcrições.
Fonte: própria (2011).
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das entrevistas aplicadas, de suas transcrições, das análises e da
sistematização dos dados, foram identificados mecanismos que potencializam e que
fragilizam o trabalho artesanal regional proposto pela Inclusão Produtiva por meio do
Programa de Economia Solidária pela Prefeitura na cidade do estudo.
Estes mecanismos são as ações que possibilitam o desenvolvimento da cultura
artesanal da região por meio de pesquisas que abordassem origens, tradições, regionalismos e
culturas formadoras. Isto para a disseminação e compreensão da informação do programa de
Economia Solidária que tem como objetivo o enfrentamento da pobreza oferecendo
oportunidade de trabalho e renda aos participantes.
As ações potencializadoras identificadas nas três entrevistas posteriormente foram
codificadas e categorizadas, a saber: a gestão do design, a educação continuada, a identidade
local e valor cultural e o enfrentamento dos problemas socioeconômicos.
A maioria destas ações é trabalhada na Inclusão Produtiva, pelo Programa de
Economia Solidária, porém necessitam de atenção e melhorias em alguns pontos para que as
mesmas sejam eficientes, obtendo assim os resultados, as metas e objetivos propostos pela
assessoria do grupo produtivo. A observação das ações nos grupos produtivos deve ser
constante pela assessoria da Economia Solidária para que todos os participantes consigam
entendê-las como estratégias para a sustentação do grupo, assim como da renda gerada pela
comercialização dos produtos desenvolvidos.
A conscientização e entendimento dos participantes em relação à importância da
identidade local e a valorização da própria cultura é essencial, para isto deve ser trabalhada a
informação em linguagem adequada. Percebe-se que nas três entrevistas foram mencionadas e
evidenciadas esta questão. Portanto, uma nova formulação ou adequação de proposta deve ser
realizada, pois esta ação é base para a criação de conceitos e produção dos produtos
desenvolvidos.
Então concluímos que, existem os mecanismos potencializadores para o trabalho
artesanal regional, porém, os mesmos devem ser revistos e adequados em alguns pontos para
que tenham resultados eficientes. Sistematizar as informações de modo a facilitar,
posteriormente, o entendimento de todo processo ou sistema produtivo que se inicia na
seleção. Desenvolver um processo de conscientização do motivo que levou o assistido a
participar do Programa de Economia Solidária. É necessário também conscientizar quanto ao
processo de capacitação, desenvolvimento e produção, até a comercialização do produto, e
que somente após estas etapas os participantes terão concluído o ciclo para a geração de renda
e sustentação do grupo produtivo através de investimentos próprios.
Acreditamos que as categorias propostas poderão contribuir em implantações e
sistematizações que trabalharão, por partes, todo o processo, na obtenção de diretrizes para o
Programa de Economia Solidária, que aplicará posteriormente nos grupos produtivos,
objetivando a autogestão.
7. BIBLIOGRAFIA
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de Administração, 2009.
A COMPREENSÃO DE UMA COMUNIDADE DE PRÁTICA POR MEIO DO
PENSAMENTO SISTÊMICO
Ana Luisa Boavista Lustosa Cavalcanti
Seila Cibele Sitta Preto
Neri dos Santos
Gregório Varvakis Rados
Francisco A. P. Fialho
Luiz Fernando Figueiredo
RESUMO
As Comunidades de Prática (COPs) são grupos de indivíduos que se envolvem em um
processo coletivo e compartilham de um mesmo domínio. Este artigo visa estudar o conceito
de COPs por meio do pensamento sistêmico, possibilitando a compreensão desses grupos
diante a quantidade e complexidade de definições e características apresentadas nas pesquisas
bibliográficas. O método sistêmico se interessa pelo todo integrado e dinâmico, as interações
entre suas partes, com o intuito de estudar os fenômenos, permitindo o entendimento de uma
situação. Para tanto, realizou-se uma revisão de literatura, abordando os conceitos, definições e
características das COPs, os elementos cruciais para a identificação de uma COP e seu
relacionamento com as comunidades de aprendizagem. Ao final, propõem-se dois mapas
sistêmicos. Um sobre os Modos de Pertencimento apontados por Wenger (1998), a saber: o
engajamento, o alinhamento e a imaginação. E outro mapa uma síntese do entendimento de
uma Comunidade de Prática.
PALAVRAS-CHAVE: Comunidades de Prática; Pertencimento; Pensamento Sistêmico.
ABSTRACT
The Communities of Practice (COPs) are groups of individuals who engage in a collective
process and share the same domain. This article aims to study the concept of COPs through
systems thinking, enabling an understanding of these groups on the number and complexity of
settings and features shown in the literature searches. The systemic method is interested in the
integrated whole and dynamic interactions among its parts, in order to study the phenomena,
allowing the understanding of a situation. To this end, we carried out a review of literature
addressing the concepts, definitions and characteristics of the COPs, the crucial elements for
the identification of a COP and its relationship to learning communities. At the end, we
propose two system maps. One of the ways of belonging pointed out by Wenger (1998),
namely: engagement, alignment and imagination. And another map a synthesis of
understanding of a Community of Practice.
KEY WORDS: Communities of Practice; Belonging; Systems Thinking.
1. INTRODUÇÃO
O estudo sobre Comunidade de Prática (COP) foi desenvolvido por Ettienne Wenger1
em 1991, embora o fenômeno seja muito antigo. Este autor junto a uma equipe de cientistas
sociais cunhou o termo por meio de estudos sobre aprendizagem.
Etienne Wenger é um líder de pensamento global no campo de comunidades de prática e social dos
sistemas de aprendizagem. Ele é o autor e co-autor de livros sobre comunidades de prática, incluindo
aprendizagem situada, onde o termo foi cunhado, Comunidades de Prática: aprendizado, significado e
identidade, onde ele expõe uma teoria da aprendizagem baseada no conceito, Cultivando Comunidades de
Prática, dirigida a profissionais em organizações que querem basear a sua estratégia de conhecimento
sobre as comunidades de prática, e Habitats Digital em tecnologia para as comunidades. Etienne ajuda as
1
Este artigo visa apresentar um estudo sobre as Comunidades de Prática por meio do
pensamento sistêmico. O objetivo foi desenvolver mapas sistêmicos que organizem as
definições, características e as especificidades encontradas em diversas literaturas sobre as
COPs, delimitando-se no ciclo de uma COP e nos modos de pertencimento.
2. COMUNIDADES DE PRÁTICA – DEFINIÇÕES E CARACTERÍSTICAS
Etienne Wenger define COP como “um grupo de pessoas que compartilham um
interesse ou paixão por alguma coisa que fazem e aprendem como fazê-lo melhor à medida
que interagem regularmente”. Wenger e Snyder (2000) conceituaram COP como um grupo de
pessoas, informalmente constituído pela troca de experiências ou paixão por um
empreendimento comum. Já Lesser e Stork (2001) definem como um grupo cujos membros
estão comprometidos em compartilhar o aprendizado, baseados em um interesse comum. Os
principais elementos apresentados por esses autores são o compartilhamento de uma
preocupação, a interação contínua do grupo e o compartilhamento de informações e
experiências. (YOUNG, 2010).
McDermott (1999) inclui na definição de COPs, o aspecto da virtualidade: são mais
que simples grupos trabalhando à distância. São indivíduos com uma missão comum, baseado
em trocas regulares e mútuas de informação.
As COPs são formadas por pessoas que se envolvem em um processo de aprendizado
coletivo em um domínio compartilhado do esforço humano, tais como: artistas que
procuram novas formas de expressão; engenheiros trabalhando em problemas similares;
alunos que definem a sua identidade na escola; cirurgiões explorando novas técnicas;
novatos em alguma prática ajudando uns aos outros.
Para Fialho (2010:143), as COPs “são formadas por pessoas que desenvolvem ou
executam uma atividade em comum e se reúnem para debater sobre ela”, a saber: a principal
ocupação dos que pertencem a essa COP; alguma atividade que ocorre em sua principal
ocupação; “ou algo que fazem em suas horas livre”.
No contexto da Gestão do Conhecimento, as COPs são formadas, intencional ou
espontaneamente, para compartilhar e criar habilidades comuns, conhecimento e experiências
entre os trabalhadores. (WENGER, 1998). Para Fialho (2010:143), as COPs “são uma
inovação com potencialidade para melhorar a gestão do conhecimento nas organizações,
facilitando seu processo de criação, compartilhamento e disseminação entre pessoas e
grupos”.
As COPs possuem características a serem legitimadas, tais como: [...] partilhamento e
desenvolvimento de habilidades, conhecimentos e competências comuns e podem existir em
uma divisão ou departamento em uma organização. [...]. Algumas se concentram em gerar
novos conhecimentos e inovação [...] e seus membros podem ser homogêneos ou
heterogêneos. (YOUNG, 2010).
Para as comunidades serem consideradas de prática, elas devem possuir três elementos
cruciais. Segundo Young (2010) tais elementos são: o domínio, a comunidade e a prática que
organizações em todos os setores aplicar essas idéias através de consultoria, falar em público, ensino e
pesquisa. Disponível em: http://translate.googleusercontent.com/translate_c?hl=ptBR&prev=/search%3Fq%3Dettiene%2Bwenger%26hl%3DptBR%26rlz%3D1T4GGHP_ptBRBR436BR436%26prmd
%3Dimvnso&rurl=translate.google.com.br&sl=en&twu=1&u=http://www.ewenger.com/theory/index.ht
m&usg=ALkJrhg8By9n6NF99qj4CDfkALmDneciXw>. Acesso em 24/09/2011.
são representados na figura 1, demonstrando a interseção entre tais elementos para a
determinação de uma COP.
Figura 01 - Elementos cruciais das COPs
Fonte: Própria, 2011, baseado em Young (2010).
Deste modo, uma COP não é apenas uma rede de conexões entre pessoas. Ela tem uma
identidade definida por um domínio compartilhado de interesse. Uma associação, por
exemplo, implica um compromisso com o domínio e, portanto, uma competência
partilhada que distingue os membros de outras pessoas que estão fora da comunidade. Os
envolvidos valorizam a sua competência coletiva e aprendem uns com os outros. Na busca do
seu interesse em seu domínio, os membros se engajam em atividades e discussões conjuntas,
ajudam uns aos outros e compartilham informações. É baseada em uma relação de
confiança entre os membros que encoraja interações frequentes, partilhando e desenvolvendo
conhecimento comum. As COPs não são apenas uma comunidade de interesse, ou seja, de
pessoas que compartilham assuntos em comum e sim, são praticantes. Eles desenvolvem um
repertório compartilhado de recursos, experiências, histórias, ferramentas, formas de lidar
com problemas recorrentes, em suma, é uma prática compartilhada. Isso leva tempo e
interação sustentada. É a combinação destes três elementos (fig. 01) que constitui uma
COP. E é através do desenvolvimento desses três elementos em paralelo, que cultiva uma
comunidade. (YOUNG, 2010).
1.1.SOCIALIZAÇÃO, CONFIANÇA E LIDERANÇA DE UMA COP
Para desenvolver uma comunidade de prática é necessário iniciar por meio do
relacionamento social. Os integrantes desta comunidade devem construir a confiança uns aos
outros, e a partir da rede existente ampliá-la a partir de reunião presencial. Não existirá
compartilhamento dos interesses comuns que os levaram a comunidade de prática. Neste caso,
o hábito da reunião presencial é relevante para o compartilhamento das informações e para o
aprendizado entre os participantes da comunidade.
É de grande relevância a confiança entre os membros para a atuação de uma
comunidade de prática, obtendo a consciência dos objetivos básicos da comunidade e do seu
domínio de conhecimento. (HERNANDES e FRESNEDA, 2002).
As comunidades de prática devem ter líderes ou animadores que promovem interesse
e motivação para o trabalho em grupo. (TREMBLAY E Rolland, 2000)
Para Lévy (1998) os professores são animadores da inteligência coletiva dos grupos de
estudantes ou guias para o processo de aprendizagem individual.
Para que as comunidades de práticas (COPs) tenham resultados devem ser inseridos
em atividades que: produzam resultados; sustentem o vigor da comunidade; compartilhem o
conhecimento tácito entre os mais experientes; compartilhem histórias de sucesso.
1.2. A COLABORAÇÃO E OS POSICIONAMENTOS DOS MEMBROS DE UMA COP
Henri e Ludgren (2000), afirmam que a coesão do grupo é essencial para a
colaboração e aprendizado dos membros de uma comunidade.
Em uma COP pode-se ter diversos tipos de posicionamentos dos seus membros e
segundo Wenger (1991) e Cristoupolos (2011), esta diversidade é exemplificada “na ordem
de maior centralidade para maior periferalidade”. Esta “participação dos indivíduos no grupo
ocorre nas formas” organizadas na tabela 1.
Tabela 1: Posicionamento dos membros em uma COP.
Tipo de posicionamento
Definição
Grupo nuclear
Pequeno grupo no qual a paixão e o engajamento energizam a
comunidade.
Adesão complete
Membros que são reconhecidos como praticantes e definem a comunidade.
Periférica
Pessoas que pertencem com menos engajamento e autoridade, pelo fato de
serem novatos ou porque eles não têm muito compromisso pessoal com a
prática.
Participação transactional
Pessoas de fora da comunidade que interagem com a comunidade,
ocasionalmente, para receber ou prover um serviço sem tornar-se um
membro da comunidade.
Acesso passive
Pessoas com acesso aos artefatos produzidos pela comunidade, como suas
publicações, seu Website ou suas ferramentas.
Fonte: própria (2011), baseada em Wenger (1991) e Cristoupolos (2011).
Lave e Wenger (1991), ainda apontam para um tipo de participação denominada
„periférica legítima‟ que
“fornece uma forma de se falar sobre as relações entre novatos e veteranos e
também sobre atividades, identidades. [...] O conceito diz respeito ao
processo pelo qual novatos se tornam membros de uma comunidade de
prática” (Lave; Wenger, 1991, p.29).
Todos esses tipos de posicionamento que definem a participação e o engajamento dos
membros de uma COP são importantes para sua constituição e desenvolvimento.
2. AS COMUNIDADES DE APRENDIZAGEM E AS COPs
Todas as comunidades de prática tem como intuito o compartilhamento de interesse
em comum e, consequentemente, a aprendizagem. A COP é um ambiente ideal para a
aprendizagem organizacional. (GOUVÊA, 2005:27).
Wenger (1998) situa as quatro dimensões da aprendizagem, sendo elas: participação e
reificação, projetado e emergente, local e global e identificação e negociabilidade. Tais
dimensões são explicitadas na figura 2.
Figura 02 – Quatro dimensões da aprendizagem de Wenger 1998
Fonte: Própria, 2011.
3. DESIGN E CICLO DE VIDA DE COMUNIDADES DE PRÁTICA
Para que uma comunidade de prática (COP) seja projetada e sustentada deve haver a
forte necessidade de partilhar interesse comum por meio de oportunidades e de conexão entre
as pessoas, as quais tenham paixão, habilidades e conhecimentos a serem compartilhados.
(YOUNG, 2010).
Algumas questões-chave devem ser focadas na projeção de uma comunidade de
prática, a saber:
 Qual é o contexto estratégico da COP?
 Qual é o conhecimento fundamental para compartilhar e criar?
 Quem são os potenciais participantes que se beneficiam e contribuem para a
COP?
 Quais são as principais atividades que sustentam a COP?
 Onde é que os membros da comunidade interagem?
 Quais são os valores fundamentais para a organização e os seus participantes?
2.1. CICLO DE VIDA DAS COPS
Toda comunidade de prática tem um ciclo de vida. Primeiramente, ela é preparada,
depois de iniciada necessita de um tempo de incubação para focar, amadurecer e expandir,
para que possa se sustentar e se renovar de forma organizada para obter compartilhamento de
conhecimento em comum e seu aprendizado, deixando um legado a novos participantes e
novas comunidades de prática.
Wenger (1998) estuda a temporalidade das COPs, abordando suas dinâmicas que se
alteram em diferentes estágios e níveis de interação. Este autor classifica em 5 etapas o ciclo
de vida de uma COP e, embora sua descontinuidade seja prevista, cita o legado, a memória
que a mesma estabelece, podendo criar novas COPs e possibilitando a continuidade das ideias
desenvolvidas.
Figura 02: Fases do ciclo de vida de uma Cop.
Fonte: Adaptada de Wenger (1998).
Na tabela 2, são elencados os estágios de desenvolvimento, as questões abertas
possíveis em cada etapa e suas respectivas atividades típicas.
Tabela 2: Ciclo de Vida de uma COP.
Estágio de
desenvolvimento
1. Potencial
2. Unir
(em Coalisão)
3. Amadurecer
(Ativa)
4. Organizar
Definição
Os indivíduos se encontram
em situações similares, sem
o benefício de compartilhar
informações.
(CRISTOUPOLOS, 2011).
Membros se agrupam e
reconhecem seu potencial.
(CRISTOUPOLOS, 2011).
Atividades Típicas
Encontrando-se e
descobrindo afinidades
Explorando conectividade e
negociando a comunidade.
Questões base
Tópicos definidos?
Necessidades
compartilhadas
identificadas? Rede
encontrada?
O coordenador está pronto
para liderar? O caso de ação
está claro? Idéias sobre
como ligar os membros? As
pessoas estão se
conectando, se ajudando,
tendo algum sucesso?
Começando a compartilhar
conhecimento útil?
Membros engajam-se e
desenvolvem uma prática
engajando-se em atividades
comuns, criando artefatos,
renovando interesses,
comprometimento e
relacionamento.
(CRISTOUPOLOS, 2011).
Engajando-se em atividades
comuns, criando artefatos,
renovando interesses,
comprometimento e
relacionamento.
Desenvolvendo uma
identidade como
comunidade? Enfocando o
desenvolvimento de uma
prática comum? Tornandose visível? Crescendo?
Membros não estão mais
engajados, mas a
comunidade ainda vive
Mantendo contato,
comunicação, participando
de reuniões, solicitando
Passando por ciclos de
atividade? Ganhando
influência? Mudando a
Estágio de
desenvolvimento
(Dispersa)
5. Legado
(Memorável)
Definição
como um centro de
conhecimento.
(CRISTOUPOLOS, 2011).
A comunidade não é mais
central, mas as pessoas a
recordam como parte de
suas identidades.
(CRISTOUPOLOS, 2011).
Atividades Típicas
recomendações.
Contando histórias,
preservando artefatos,
coletando memórias.
Questões base
liderança? Mudando a
participação? Crise de meia
idade? Precisa repensar a
direção?
Pouca atividade? Passou de
sua utilidade? Ainda é um
recurso? Ainda é uma fonte
de inspiração e direção?
Fonte: própria (2011), baseada em Wenger (1998) e Cristoupolos (2011).
4. OS MODOS DE PERTENCIMENTO EM UMA COP E O PENSAMENTO
SISTÊMICO
De acordo com Wenger (1998), os componentes principais de uma infra-estrutura para
o design de aprendizagem requerem facilidades. Estas são divididas em três modos de
pertencimento de uma COP: o engajamento, o alinhamento e a imaginação. Cada um desses
modos se apresenta como um processo tríplice, a saber: uma infra-estrutura de engajamento
inclui facilidades de reciprocidade, competência e continuidade; a de imaginação considera as
facilidades de orientação, reflexão e exploração; e a infra-estrutura de alinhamento inclui
facilidades de convergência, coordenação e de decisão coletiva.
A fig.03 apresentação as infra-estruturas de facilidades apontadas por Wenger (1998)
e que estão interligadas.
Figura03 – Modos de pertencimento de uma COP.
Fonte: Própria (2011), baseada em Wenger (1998).
O engajamento é “o envolvimento ativo nos processos mútuos de negociação de
significados”. São práticas comuns, relacionamentos e compartilhamentos de aprendizagem.
A imaginação refere-se a criação da imagem do mundo, buscando conexões ao relacionar as
conexões entre tempo e espaço. Deve-se ter cuidado com o estereótipo que provoca uma
relação desconectada e ineficaz. (KIMIECK, 2002: 32-33). Cristoupolos (2011), aponta para
“a formação de trajetórias e a revelação de histórias da prática”. Este modo de pertencimento
inclui “facilidades de reciprocidade, competência e continuidade”. A reciprocidade se refere as
facilidades interacionais (espaços físicos e virtuais, as tecnologias e comunicações), as tarefas
realizadas em grupo e a localização periférica (graus de participação). A competência que
inclui a iniciativa e o conhecimento (aplicação de habilidade e tomada de decisões), a
responsabilidade em avaliações e decisões e as ferramentas que são os artefatos que dão
suporte a competências. A continuidade que se refere a memória reificativa (repositórios de
informação e mecanismos para a busca de informação) e a memória participativa (resultado
de encontros e de sistemas de aprendizagem. (CRISTOUPOLOS, 2011).
A imaginação é a criação de imagens do mundo e a busca de conexões entre espaço e
tempo, além da experiência do grupo. Pela mesma é possível localizar-se no mundo e na
história, podendo incluir novos significados, possibilidades e perspectivas de identidades.
(WENGER, 1998; KIMIECK, 2002: 32-33). Neste modo, consideram-se as facilidades de
orientação, reflexão e exploração. A orientação é a localização no espaço, no tempo, no poder
e na nas ideias. A reflexão é tempo necessário para representações de padrões e análises
comparativas. A exploração inclui a verificação e estudos de oportunidades externas e futuras.
(CRISTOUPOLOS, 2011).
O alinhamento é o modo de pertencimento em que a coordenação das atividades de
uma COP se combine em estruturas ampliadas. (WENGER, 1998; CRISTOUPOLOS, 2011).
Para Kimieck (2002: 32-33), está ligado ao poder, não o alienante, e sim aquele que
possibilita uma “ação social organizada”. Para tanto, compreendem-se as facilidades de
convergência, coordenação e de decisão coletiva. A convergência compreende o foco e o
interesse comum, a visão, a direção, os valores, osprincípios e os entendimentos mútuos, a
lealdade e a liderança. A coordenação inclui padrões, procedimentos, agenda, divisão de
trabalho, discursos. As facilidades de decisão contém a comunicação, as fronteiras da COP e
os feedbacks (relatórios...). (CRISTOUPOLOS, 2011).
Os modos de pertencimento apontados por Wenger (1998) e estudados por
Cristoupolos (2011), Kimieck (2002: 32-33), foram organizados no mapa sistêmico da figura
4.
O mapa sistêmico tem como função a construção de uma estrutura sistêmica que
determina “os padrões de comportamento da organização [ou comunidade] por meio da
identificação das relações causais entre fatores e sobre a situação de interesse” (ANDRADE,
2006, p. 112).
A utilização de mapas sistêmicos neste estudo auxiliou na compreensão de uma COP
pela quantidade de informações inter-conectadas. Cada módulo do mapa sistêmico da figura 4
possui definição e inter-relacionamento com outro módulo. São as facilidades requeridas em
uma COP para o design de aprendizagem. E segundo Wenger (1998), “esses modos de
pertencimento determinariam [...] um design ideal de aprendizagem”.
Figura 04 – Mapa sistêmico dos modos de pertencimento de uma COP.
Fonte: Própria (2011), baseada em Wenger (1998).
4.1. A COMPREENSÃO DE UMA COP POR MEIO DO PENSAMENTO SISTÊMICO
Pensar sistemicamente é uma nova maneira de perceber a realidade e resolver os
problemas com base nessa percepção. O pensamento sistêmico busca o equilíbrio das coisas,
dando maior ênfase ao todo do que a parte. (Andrade... [et al], 2006).
O pensamento sistêmico esta interessado nas características essenciais do todo
integrado e dinâmico, características essas que estão em absoluto nas partes, mas
nos relacionamentos dinâmicos entre elas, entre elas e o todo, entre o todo e outros
todos. [...] o pensamento sistêmico propõe a atenção a princípios básicos de
organização e a adoção de equilíbrio entre tendências opostas, como o reducionismo
e holismo, e análise e síntese. (Andrade... [et al], 2006:44).
O pensamento sistêmico é uma estrutura de manifestações de processos, tornando-se
um ““pensamento de processo”, que considera a natureza dinâmica da realidade”.
Para Chiavenato (1993), o pensamento sistêmico é uma teoria moderna que é focada sobre
a dinâmica de interação que ocorre dentro da estrutura de uma organização, enquanto a visão
clássica obtém seu foco apenas na estrutura estática.
De acordo com ANDRADE (2006,49) “o pensamento sistêmico tem por objetivo lidar
com fenômenos e situações que requerem explicação baseada na inter-relação de múltiplas
forças e fatores”.
Deste modo o tem-se o método sistêmico que é o conjunto de passos que permite o
entendimento de uma situação de transformação organizacional e a construção de ações
sustentáveis, segundo Seleme (2006).
Todavia, também é importante, na troca de conhecimento, um entendimento profundo,
na organização, de como o todo se inter-relaciona com as partes. O pensamento sistêmico
abrange diversos métodos, ferramentas e princípios, os quais têm como objetivo examinar a
relação entre as forças interiores a um sistema e seu ambiente externo. É importante destacar
que esse pensamento observa essas forças como partes de um processo integrado. (SENGE,
1995).
Ludwig von Bertalanffy foi o primeiro autor a introduzir a ideia de teoria geral dos
sistemas e diz que o conceito de sistema constitui um novo „paradigma‟, [...] uma „nova
filosofia da natureza‟” [...] e que a teoria geral dos sistemas é uma ciência geral da totalidade,
sendo então „uma investigação científica de “conjuntos” e “totalidades” [...]‟.
(BERTALANFFY, 2009:14)
Já para Oliveira (2002:35), sistema é um conjunto de partes interagentes e
interdependentes que, conjuntamente, formam um todo unitário com determinado objetivo e
efetuam determinada função. Sistema é um conjunto de partes coordenadas, formando um
todo complexo ou unitário.
A concepção sistêmica vê o mundo em termos de relações e integração. Os sistemas
são totalidades integradas, cujas propriedades não podem ser reduzidas ás unidades menores.
Em vez de se concentrar nos elementos ou substancias básicas, a abordagem sistêmica
enfatiza princípios básicos de organização. (CAPRA, 2006: 260).
Figura 06 – Síntese para o entendimento de uma COP. Fonte: Própria, 2011.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do pensamento sistêmico, informações sobre as Comunidades de Prática foram
organizadas, possibilitando uma visão holística de sua complexidade. Para tanto, estudou-se
suas definições, características, seu ciclo de vida, os modos de pertencimento, sua relação com
as comunidades de aprendizagem, a colaboração, a socialização, a liderança e a confiança
entre os membros. Por fim, realizou-se uma síntese para o entendimento de uma comunidade
de prática, inter-relacionando-a com a comunidade de aprendizagem, de interesse e o processo
de Gestão do Conhecimento (GC), permitindo a visualização do processo de formação de uma
COP. Esta pode se desenvolver em todas as etapas deste processo de GC, sendo a mais
significativa a de compartilhamento.
7. REFERÊNCIAS
ANDRADE, A.L.; SELEME, A.; RODRIGUES, L. H.; SOUTO, R. Pensamento Sistêmico:
caderno de campo: o desafio da mudança sustentada nas organizações e na sociedade. Porto
Alegre: Bookman, 2006.
BERTALANFFY, L. von. Teoria Geral dos Sistemas: Fundamentos, desenvolvimento e
aplicações. 5. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.
CAPRA, F. O Ponto de Mutação – a ciência, a sociedade e a cultura emergente, Trad. Alvaro
Cabral, São Paulo: Cultrix, 2006.
CHIAVENATO, I. Introdução à teoria geral da administração. 4. ed. São Paulo: Makron
Books, 1993.
CHRISTOUPOLOS, T. Estado da arte em Comunidades de Prática, Conexões Científicas Estado
da
arte
em
Comunidades
de
Prática.
Disponível
em
<http://weblab.tk/sites/default/files/bibliografia/conex-estadodaarte.pdf> Acesso em: 09 set
2011.
FIALHO, F. A. P. Psicologia das Atividades Mentais: introdução às ciências da cognição.
Florianópolis: Ed. Insular. 2011.
KIMIECK, J.L. Consolidação de Comunidades de Prática: estudo de caso no PRINFO.
Dissertação. Prog. de pós-graduação em Tecnologia. Centro Federal de Educação
Tecnológica do Paraná, Curitiba, 2002.
MACEDO, M. FIALHO, F. A. P., SANTOS, N., MITIDIERI, T.C. (2010). Gestão do
conhecimento organizacional. Florianópolis: Ed. UFSC, 2010.
OLIVEIRA, D. de P. R. Sistemas de informação gerenciais: estratégias, táticas, operacionais.
8. ed., São Paulo: Atlas, 1992.
SENGE, P.A Quinta Disciplina: caderno de campo - estratégias e ferramentas para construir
uma organização que aprende. Rio de Janeiro, Qualitymark Ed., 1995
WENGER, E. Communities of practice: a brief introduction. Disponível em: <
http://www.ewenger.com/theory/index.htm>. Acesso em 30 set 2011.
YOUNG, R. Knowledge Management Tools and Techniques Manual, Asian Productivity
Organization, 2010.
VISUALIZAÇÃO DO CONHECIMENTO POR MEIO DE IMAGENS
André s Melgar
Fabiano D. Beppler
Roberto Pacheco
1. INTRODUÇÃO
A divulgação e o compartilhamento de conhecimento são tarefas complexas para
organizações uma vez que elas, muitas vezes, não sabem o que têm e não possuem sistemas
que permitam localizar e recuperar eficientemente o conhecimento que nelas reside (Alavi e
Leidner, 2001). Uma quantidade considerável de conhecimento explícito encontra-se
espalhado em vários documentos dentro das organizações. Em muitos casos, a possibilidade
de acessar de forma eficiente (i.e., recuperar) e reutilizar este conhecimento é limitada.
Sistemas de visualização de informação podem ser usados para explorar o
conhecimento existente dentro de repositórios de informação, navegando sobre grandes
volumes, examinando os dados para fazer novas descobertas ou ganhar insights (Gershon,
Eick et al., 1998; Yi, Kang et al., 2008). Este tipo de sistema é especialmente útil quando as
pessoas necessitam de alguma informação, mas elas não conseguem traduzir essas
necessidades em termos de busca a serem postados em sistemas de recuperação de informação
(RI) tradicionais. Os sistemas de visualização de informação ajudam a restringir mais
rapidamente o domínio da busca o que torna o processo de encontrar dados específicos mais
fácil e dinâmico (Fekete et al., 2008).
Nesse contexto, o campo da visualização do conhecimento tem pesquisado como o uso
de elementos visuais pode ajudar no processo de transferência do conhecimento. O uso de
imagens que contêm representações do mundo real, ou seja, que fazem parte da visão do
mundo dos usuários permite que o conhecimento apresentado por meio destas imagens possa
facilmente ser relacionado com conhecimentos prévios, facilitando assim a disseminação do
conhecimento. Neste trabalho, este tipo de imagens é encapsulado em uma estrutura
denominada imagem semântica.
Esta pesquisa apresenta um modelo que visa facilitar a visualização do conhecimento
usando imagens semânticas. O objetivo do modelo proposto consiste na utilização de
imagens, que não apenas contenham uma representação visual do mundo, mas também
anotações semânticas que ajudam a descrever essa representação visual, como estrutura de
apoio ao processo de visualização do conhecimento. A idéia é que o usuário ao visualizar uma
imagem possa rapidamente reconhecer quais regiões possuem conhecimento associado e
possa recuperar os documentos relacionados às regiões selecionando apenas a região de
interesse. Por exemplo, dada uma imagem que represente o motor de um carro formado por
uma imagem contendo cilindros, pistões e válvulas, para recuperar os documentos
relacionados aos pistões, bastará selecionar a região que representa os pistões.
Este artigo está estruturado da seguinte maneira: após esta introdução, é apresentada a
revisão da literatura sobre os tópicos de visualização do conhecimento e anotação semântica
de imagens. Posteriormente, é descrito o modelo proposto para a visualização do
conhecimento. Nas seções seguintes, são apresentados o material e métodos usados para o
desenvolvimento do modelo e a discussão. Finalmente, na última seção, apresentam-se as
conclusões.
TÍTULO
Visualização do conhecimento por meio de imagens
RESUMO
Neste artigo apresenta-se um modelo que visa facilitar a visualização do conhecimento
armazenado em repositórios digitais usando imagens semânticas. As imagens semânticas são
estruturas que contêm representações visuais do mundo real que a priori são conhecidas pelo
grupo alvo, e que possuem estruturas semânticas que permitem identificar os conceitos do
domínio representados em cada região. O modelo proposto apóia-se no framework para
visualização do conhecimento proposto por Burkhard e descreve as interações dos usuários
com as imagens semânticas. O usuário pode meio das imagens pode recuperar e visualizar o
conhecimento relacionado aos conceitos representados nas imagens. Um protótipo foi
desenvolvido para demonstrar a viabilidade do modelo usando imagens no domínio da
anatomia, a Foundational Model of Anatomy e a Unified Medical Language System como
conhecimento do domínio e o banco de dados da Scientific Electronic Library Online como
repositório de documento. O uso das representações visuais nas imagens semânticas facilita a
divulgação do conhecimento já que ao fazer parte da visão do mundo dos usuários, podem
facilmente ser associadas a conhecimentos prévios. As representações visuais são processadas
rapidamente no cérebro requerendo menos esforço que o processamento de informação
textual.
Palavras-chave: visualização do conhecimento, recuperação do conhecimento,
anotação semântica, ontologia.
ABSTRACT
This paper presents a model that aims to facilitate the visualization of the knowledge
stored in digital repositories using visual archetypes. Archetypes are structures that contain
visual representations of the real world that are known a priori by the target group, and which
have semantic structures for identifying the entities of the domain represented in each region.
The proposed model is supported by the framework for knowledge visualization proposed by
Burkhard and describes the users’ interactions with visual archetypes. The user through the
archetypes can retrieve and view the knowledge related to the entities represented in the
archetypes’ images. A prototype was developed to demonstrate the feasibility of the model
using archetypes in the biomedical field, the Foundational Model of Anatomy and the Unified
Medical Language System as domain knowledge and the Scientific Electronic Library Online
database as a document repository. The use of visual representations in archetypes facilitates
the dissemination of knowledge, because these are part of the world view of users and can
easily be related with prior knowledge. Visual representations are processed quickly in the
brain and require less effort than the processing of textual information.
Key words: knowledge visualization, knowledge retrieval, semantic annotation,
2. REVISÃO DA LITERATURA
2.1. VISUALIZAÇÃO DO CONHECIMENTO
A visualização do conhecimento pode ser definida como o uso de representações
visuais para melhorar a transferência de conhecimentos entre pelo menos duas pessoas ou
grupo de pessoas (Burkhard, 2005; Eppler e Burkhard, 2007). Ora, tornar visível o
conhecimento para que ele possa ser acessado, discutido, avaliado, apreciado ou gerenciado, é
um objetivo de longa data na gestão do conhecimento. Devido a tais aspectos a visualização
do conhecimento tornou-se recentemente o foco de atenção nas comunidades acadêmica e de
negócios (Hou e Pai, 2009). A visualização do conhecimento analisa métodos que enfrentam
os desafios existentes dentro das organizações referentes à transferência do conhecimento,
comunicação para diferentes tipos de usuários e sobrecarga de informação (Burkhard e Meier,
2005).
Os benefícios proporcionados pela visualização parece ser que dependem do fato de
ela atuar como um frame de referência ou área de armazenamento temporária para os
processos da cognição humana. A visualização potencializa a memória ao fornecer um
extenso conjunto de trabalho para análise e reflexão, tornando-se assim um facilitador externo
da cognição (Fekete et al., 2008). Segundo Ware (2000) existem principalmente duas teorias
na psicologia que explicam como a visão pode ser usada efetivamente para perceber
elementos e formas. No baixo nível, a teoria do processamento pré-atencional explica que
alguns elementos visuais podem ser processados rapidamente. No nível mais alto, a teoria da
forma ou teoria da Gestalt descreve alguns princípios usados pelo nosso cérebro para entender
uma imagem.
O processo para visualizar informação pode ser dividido em duas etapas: na primeira
delas, a informação é processada pelo olho e pelo córtex visual primário, onde neurônios
individuais em áreas específicas (denominadas V1, V2, V3, V4, MT) são especializados para
identificar características particulares (por exemplo: orientação, cor, textura, contorno ou
movimento). Nesta fase a informação é processada de forma pré-atencional e muito
rapidamente. Na segunda fase, o processamento da informação é dividido dentro de dois
subsistemas complementares e independentes, um deles focado na identificação dos objetos
(quê) e o outro focado na localização espacial (onde) (Burkhard, 2005).
Os sistemas visualização de conhecimento são concebidos para que façam uso das
habilidades que os humanos possuem para o processamento de imagens. As imagens são
processadas pelo sistema nervoso antes do que o texto. Por outro lado, o uso de imagens que
contêm representações do mundo real, que a priori são conhecidas pelo grupo-alvo e fazem
parte da sua visão do mundo, permitem que o conhecimento apresentado por meio destas
imagens possa facilmente ser relacionado com os conhecimentos prévios dos indivíduos,
facilitando a aprendizagem e a recuperação (Burkhard, 2005).
Visando orientar a aplicação da visualização do conhecimento nas organizações
(Burkhard, 2005; Eppler e Burkhard, 2007) propõem um framework baseado em cinco
perspectivas que respondem a cinco perguntas-chave: 1) Que tipo de conhecimento precisa ser
visualizado? 2) Por que o conhecimento deve ser visualizado? 3) A quem está sendo
destinado? 4) Em que contexto deveria ser visualizado? e 5) Como pode o conhecimento ser
visualizado? A listagem de possíveis respostas a estas perguntas fundamentais leva a um
quadro conceitual que visa fornecer uma visão geral do campo de visualização do
conhecimento e orientar a sua aplicação.
2.2. ANOTAÇÃO SEMÂNTICA DE IMAGENS
A anotação pode ser definida como o processo de tornar explícita a interpretação de
um documento. A criação de metadados é uma das principais técnicas usadas para anotar
documentos. Os metadados podem ser atribuídos a uma ampla variedade de documentos, pode
ser expressa em diversas linguagens e vocabulários (Corcho, 2006), e pode ser feita de forma
manual, automática ou semi-automática (Uren, Cimiano et al., 2006).
Ontologias têm sido usadas para anotar documentos (Corcho, 2006). Estruturas
ontológicas acrescentam valor às anotações semânticas permitindo a realização de inferências
e a navegação conceptual. Quando as ontologias são usadas, os documentos são etiquetados
com descrições semânticas (i.e., informações sobre classes e instâncias) (Kiryakov et al.,
2004).
Os metadados associados às imagens podem ser classificados como: i) metadados com
conteúdo independente, quando estes se encontram relacionados à imagem, mas não a
descrevem (i.e., autores, data de criação, etc.); ii) metadados com conteúdo dependente,
quando se referem a características de baixo nível e/ou nível intermediário (i.e., cor, textura,
etc.); iii) metadados com conteúdo descritivo, quando se referem a conteúdo semântico (i.e.,
relações das entidades da imagem com entidades do mundo real) (Hanbury, 2008).
Os metadados com conteúdo descritivo podem ser especificados usando um ou mais
dos seguintes enfoques: i) descrições usando texto livre, quando nenhuma estrutura
predefinida para a anotação é proporcionada; ii) classificação usando palavras-chave, quando
palavras-chave selecionadas de forma arbitrária ou a partir de vocabulários controlados são
usadas para descrever as imagens; iii) classificação baseada em ontologias, quando conceitos
ou instância de uma ontologia são usados no processo de anotação (Müller et al., 2004;
Hanbury, 2008).
Por outro lado, os metadados com conteúdo descritivo podem ser proporcionados a
dois níveis de especificidade: i) conteúdo descritivo associado à imagem completa (Schreiber,
Dubbeldam et al., 2001) e ii) segmentação da imagem com vinculação do conteúdo descritivo
em cada região da imagem (Hsu et al., 2009; Rubin et al., 2009).
Os sistemas para anotar imagens usando metadados com conteúdo descritivo baseados
em ontologias, geralmente usam dois tipos de ontologias, uma para definir o esquema de
anotação e outra para definir os conceitos do domínio. Isto permite que os esquemas de
anotação sejam definidos de forma independentes ao domínio do conhecimento. A forma de
definir a ontologia de anotação depende dos requerimentos da aplicação. Por exemplo,
Schreiber, Dubbeldam et al. (2001) usaram uma estrutura baseada em quatro elementos
“agente – ação – objeto – cenário” para anotar imagens de macacos. Osman, Thakker et al.
(2007) usaram a estrutura “ator – ação – objeto” para anotar uma coleção de imagens no
domínio dos esportes.
3. MODELO PARA A VISUALIZAÇÃO DO CONHECIMENTO
O modelo proposto foi concebido com o objetivo de facilitar a visualização do
conhecimento usando como estruturas de apoio imagens semânticas. O modelo conceitual,
descrito na Figura 1, é composto por quatro componentes: as imagens semânticas, repositório
de documentos, repositório de conhecimento e visualização.
Para que o conhecimento vinculado às imagens seja recuperado de forma eficiente
(i.e., buscas semânticas), tanto as imagens quanto os repositórios de documentos devem ter
sido previamente enriquecido com conteúdo semântico (letras a e b na Figura 1) obtido a
partir do repositório de conhecimento (i.e., ontologias, taxonomias, tesauros). Os
mapeamentos semânticos das imagens são realizados de forma manual tendo em consideração
as necessidade e visão do mundo do grupo alvo. Os mapeamentos semânticos dos repositórios
são realizados de forma automática usando diversas abordagens como processamento
simbólico, processamento da linguagem natural ou técnicas de lingüística computacional.
Figura 1. Modelo para a Visualização do Conhecimento. Fonte: elaborado pelos autores.
O processo inicia quando o usuário precisa satisfazer alguma necessidade de
informação. O usuário seleciona a imagem (número 1 na Figura 1) a partir do qual será
visualizado o conhecimento. O critério de seleção dependerá diretamente das necessidades de
informação do usuário, levando em consideração os conceitos representados nas imagens. Por
exemplo, caso seja preciso visualizar o conhecimento associado ao coração, o usuário deverá
selecionar uma imagem na qual o coração encontre-se representado graficamente.
Uma vez selecionado a imagem, o processo de visualização é executado (número 2 na
Figura 1). O processo de visualização visa fornecer ao usuário o conhecimento armazenado
nos repositórios de documentos.
A visualização dos resultados é realizada a partir das imagens semânticas, de forma
que os usuários rapidamente percebam a quantidade de documentos associados a cada região
da imagem. Esta representação é refletida na imagem, por exemplo, alterando a coloração das
regiões nas quais se concentra a maior/menor quantidade de documentos ou incluir a
quantidade de documentos recuperados sobre as regiões.
O usuário a partir da visualização fornecida pelas imagens semânticas pode restringir o
espaço das buscas (número 3 na Figura 1) podendo usar para isto os metadados fornecidos
pelos repositórios de documentos ou os conceitos definidos nos artefatos de conhecimento,
iniciando assim um novo processo de visualização. A continuação se descreve brevemente
cada um dos componentes.
3.1. COMPONENTES DO MODELO
Imagem semântica: Uma imagem semântica pode ser definida como uma estrutura
que permite representar graficamente os conceitos de um domínio, no qual cada uma das
partes que o compõem é especificada de forma explícita e formal, como por exemplo, em uma
ontologia. É definido em três níveis, tal como pode ser apreciado na Figura 2: o nível
descritivo visa identificar e descrever as representações visuais; o nível estrutural fornece
informações sobre a estrutura interna visando explicitar as regiões das imagens; e o nível
semântico tem como objetivo descrever os mapeamentos semânticos.
Figura 2. Composição das Imagens Semânticas. Fonte: elaborado pelos autores.
Repositório de Documentos: Este componente representa os repositórios a partir dos
quais o conhecimento é recuperado. No modelo, os repositórios de documentos são
caracterizados por possuírem uma camada semântica que permite formalizar a informação
contida nos documentos (ver Figura 3). São definidos em quatro níveis: o nível descritivo visa
identificar o repositório; o nível dos metadados visa descrever a estrutura da informação; o
nível do conteúdo fornece as estruturas necessárias para armazenar os documentos e os
metadados. Semelhante as imagens semânticas, o repositório de documentos também possui
um nível semântico que visar vincular conteúdo semântico aos documentos.
Figura 3. Anotação semântica dos documentos. Fonte: elaborado pelos autores.
Repositório de Conhecimento: Este componente está conformado pelos artefatos
usados para representar o conhecimento do domínio usado para realizar tanto o mapeamento
semântico das imagens e dos documentos dos repositórios assim como para realizar as
inferências, quando possíveis, sobre os conceitos usados nos processos de visualização do
conhecimento.
Visualização: O componente de visualização é o encarregado de apresentar ao usuário
os resultados das buscas. Este componente baseia-se nas tarefas definida por Shneiderman
(Shneiderman, 1996) para visualizar informação: primeiro obter uma visão global dos dados
(overview first), concentrar-se em itens de interesse e filtrar itens irrelevantes, (zoom and
filter) e finalmente fornecer detalhes sob demanda (then details on demand). A visão global
dos dados é feita usando as imagens semânticas onde os elementos visuais são alterados
visando que o usuário facilmente identifique as regiões onde se encontra conhecimento. A
filtragem dos itens irrelevantes é facilitada pelos metadados dos repositórios e pelos
mapeamentos semânticos. Para obter os detalhes sob demanda, o componente interage com os
repositórios de documentos a fim de obter documentos específicos.
4. IMPLEMENTAÇÃO DO MODELO
Visando demonstrar a viabilidade de modelo proposto, foi desenvolvido um protótipo
aplicado ao domínio biomédico. O repositório de conhecimento foi composto pela ontologia
Foundational Model of Anatomy (FMA), uma ontologia de referencia no domínio anatômico
(Rosse e Mejino, 2003; Rosse e Mejino, 2008), e pelo metatesauro Unified Medical Language
System (UMLS), um repositório que integra vários vocabulários biomédicos (Bodenreider,
2004).
Dado que a FMA foi desenvolvida usando frames de Protégé
(http://protege.stanford.edu/) usou-se a API do Protégé para acessar as suas classes e
propriedades. A UMLS, por outro lado, foi instalada em um banco de dados relacional. Como
repositório de documentos usou-se uma cópia da base de dados SciELO (Scientific Electronic
Library Online). SciELO (http://www.scielo.br/) é uma biblioteca eletrônica que abarca uma
coleção seleta de revistas científicas brasileiras. Para anotar os artigos usou-se Metamap
(http://mmtx.nlm.nih.gov/), um programa que identifica conceitos UMLS em textos escritos
em linguagem natural. Metamap usa uma abordagem intensiva de conhecimento baseada no
processamento simbólico, processamento da linguagem natural e técnicas de lingüística
computacional. As imagens semânticas foram implementados usando a tecnologia Java 2D.
Para segmentar as regiões das imagens usou-se AnnoteImage, um software que permite anotar
imagens usando a linguagem IML (Image Markup Language). AnnotaImage
(http://sig.biostr.washington.edu/projects/AnnoteImage/), disponibiliza um XML por cada
imagem segmentada, onde as regiões segmentadas são explicitamente especificadas. A
anotação das imagens foi feita manualmente vinculando as regiões a conceitos da ontologia
FMA e do metatesauro UMLS. Visando facilitar o processo de busca, todos os artigos foram
indexados usando Lucene (http://lucene.apache.org/). Tanto o conteúdo textual (i.e., título do
artigo, resumo, palavras-chaves, etc.) quanto as anotações de 77.461 artigos foram indexadas.
Na Figura 2 pode-se observar um exemplo de uma imagem semântica usada para
visualizar conhecimento relacionado ao coração. Como elemento visual foi utilizado uma
imagem em duas dimensões onde quatro regiões foram explicitadas: a veia cava superior, a
veia cava inferior, o ventrículo direito e a aorta. Para anotar semanticamente as regiões,
utilizou-se a FMA. Cada região foi vinculada a uma classe da FMA incorporando à imagem
semântica todo o conhecimento explicitado nesta ontologia. Por exemplo, ao vincular a região
R1 (etiquetada com veia cava superior) à classe Superior vena cava, a imagem semântica
agora “entende” que aquela região é parte do sistema cardiovascular (classe Cardiovascular
system na FMA) e que também é conhecida como Anterior vena cava (sinônimo em inglês) e
Vena cava superior (nome equivalente em espanhol). Na Figura 2 mostra também como a
região R4 (etiquetada como aorta) é mapeada ao conceito C0003483 da UMLS. Usando as
relações UMLS, a imagem semântica “sabe” que Aneurysm é uma doença relacionada à aorta.
Na Figura 3 apresenta-se um exemplo de mapeamento do conteúdo de um documento
usando também a ontologia FMA. Os benefícios que o mapeamento semântico oferece aos
repositórios de documentos são os mesmos que os fornecidos às imagens semânticas (i.e.,
formalização do conhecimento, recuperação de informações relacionadas, execução de
inferências, etc.). Para o modelo, o fato das imagens e os repositórios de documentos serem
mapeados usando os mesmos artefatos permite que estes dois componentes sejam integrados
por meio das representações do conhecimento. Por exemplo, na Figura 2 a região R4
(etiquetada com aorta) encontra-se mapeada à classe Aorta da FMA, por outro lado na Figura
3, observa-se como os conceitos Abdominal aorta e suprarenal aorta foram identificados
dentro do texto de um documento. Apesar dos mapeamentos não serem feitos usando as
mesmas classes FMA, é possível inferir que o documento em questão possui conhecimento
relacionado à região R4, já que a aorta supra-renal (classe suprarenal aorta na FMA) é parte
da aorta abdominal (classe Abdominal aorta na FMA) que por sua vez é parte da aorta
descendente (classe Descending aorta na FMA) que forma parte da Aorta. Na Figura 4 podese observar a interface principal do protótipo.
Figura 4. Framework para a Recuperação do Conhecimento. Fonte: elaborado pelos autores
Para procurar as imagens o usuário ingressa os termos de busca na caixa de texto no
painel superior (Figura 4-A). A ferramenta recupera todas as imagens associadas aos termos
processando a consulta tanto no nível estrutural (i.e., busca textual pelo nome das regiões)
quanto no nível semântico (i.e., busca conceitual pelo mapeamento). Quando o processamento
é feito no nível semântico, os termos são transformados em conceitos do domínio. Esta
transformação permite que a consulta seja executada semanticamente, tornando a busca
independente da linguagem. Por exemplo, para pesquisar imagens semânticas relacionadas ao
coração, o usuário pode inserir como termos de pesquisa palavras como coração, corazón
(coração em espanhol), heart ou (coração em inglês). Em todos os casos, o processo retorna
os mesmos resultados.
Depois de recuperar a imagem, esta é colocada no painel central (Figura 4-B). O
usuário pode utilizá-lo de duas maneiras: para obter conhecimentos relacionados aos
conceitos representados nas regiões ou para recuperar os documentos que mencionam os
conceitos.
O conhecimento relacionado ao conceito é apresentado no painel direito no topo
(Figura 4-C). Nesta versão do protótipo, esta informação é apresentada usando a FMA. Neste
painel o usuário pode visualizar o nome, a identificação e a descrição da classe. Usando o
botão “View additional information”, pode obter informações adicionais como nomes em
outras línguas ou as entidades anatômicas que a constituem. Os conceitos mapeados em cada
região podem ser observados no painel direito no centro (Figura 4-D). Esta informação é
obtida a partir do nível semântico da imagem.
Ao selecionar uma região da imagem, além de apresentar ao usuário informações
sobre o conceito, também é apresentada a quantidade de documentos relacionados com os
conceitos mapeados em cada região. Esta informação está no painel direito, ao selecionar o
vínculo (Figura 4-E), é apresentado um formulário contendo uma lista de todos os
documentos do repositório relacionados a esse conceito. Na Figura 4-G pode-se visualizar
uma lista dos documentos recuperados. Como cada documento está anotado, vínculos de cada
conceito reconhecido nos documentos estão disponíveis, ao selecioná-los uma descrição do
conceito é apresentada. O usuário pode refinar os resultados da pesquisa utilizando as opções
disponíveis no painel esquerdo (Figura 4-F). Este painel apresenta duas opções, filtragem por
revistas (i.e., journals) e filtragem por anos. O usuário pode procurar por texto dentro de
documentos, ou usar os filtros para refinar a busca.
5. DISCUSSÃO
O resultado deste trabalho é um modelo que visa suportar a visualização do
conhecimento usando imagens semânticas como estruturas de apoio. Com o objetivo de
validar o modelo proposto, foi desenvolvido um protótipo usando imagens na área da
anatomia e repositórios de documentos no domínio biomédico.
No modelo proposto tanto as imagens quanto os repositórios de documentos têm sido
enriquecidos com conteúdo semântico possibilitando a integração destes dois componentes. O
conteúdo semântico permite ao modelo “entender” quais os conceitos representados tanto nas
imagens quanto nos documentos facilitando assim a busca conceitual. Uma das vantagens
disto é a recuperação de conhecimento de forma independente à linguagem da escrita dos
documentos. Devido à este “entendimento”, o modelo é capaz de recuperar os documentos
relacionados aos conceitos representados na imagem auxiliando o usuário no processo de
busca. Este mecanismo de recuperação pode ser observado no protótipo, para recuperar
documentos o usuário só precisa selecionar uma região da imagem sem necessidade de
ingressar os termos das buscas como nos sistemas de recuperação tradicionais. Entretanto, o
usuário pode ingressar termos para procurar imagens. Uma vez selecionado a imagem o
modelo “entende” quais as informações necessita recuperar usando para tal os mapeamentos
semânticos.
A idéia do modelo é que os resultados das buscas sejam apresentados de forma global
na própria imagem semântica alterando a coloração das regiões onde se concentra a maior
quantidade de documentos. Este comportamento do modelo é consistente com as tarefas de
visualização definidas por Shneiderman (Shneiderman, 1996) (i.e., primeiro apresentar a visão
global dos dados, depois concentrar-se em itens de interesse e filtrar itens irrelevantes e
finalmente fornecer a informação sob demanda).
O modelo proposto apóia-se no framework para visualização do conhecimento
proposto por (Burkhard, 2005; Eppler e Burkhard, 2007). Neste framework cinco perguntaschave são propostas para orientar a aplicação da visualização do conhecimento. As respostas a
estas perguntas, descritas na Tabela 1, forneceram o quadro conceitual que norteou o trabalho.
Tabela 1: Respostas das perguntas chaves do framework para visualização do conhecimento
Pergunta chave (framework para a visualização
do conhecimento)
Resposta
Que tipo de conhecimento precisa ser visualizado?
O conhecimento armazenado nos repositório de
documentos.
Por que o conhecimento deve ser visualizado?
Para facilitar a divulgação do conhecimento.
A quem está sendo destinado?
A um grupo de pessoas que compartilham uma mesma
visão do mundo.
Em que contexto deveria ser visualizado?
Em um entorno virtual.
Como pode o conhecimento ser visualizado?
Por meio de imagens semânticas que contêm
representações visuais que a priori são conhecidas pelo
grupo-alvo.
.
O motivo para usar imagens semânticas contendo representações do mundo real se
baseou por um lado nas habilidades que dos seres humanos em processar imagens
rapidamente e por outro lado na facilidade dos indivíduos para relacionar conhecimentos
prévios associados a uma imagem já conhecida. Ao ver uma imagem que pertence a sua visão
do mundo, as pessoas sabem o que ela representa apesar de não se lembrar dos nomes dos
conceitos nela representados.
O modelo proposto é genérico e pode ser usado em qualquer domínio que permita a
representação de conceitos em imagens. Pode, também, ser usado sobre qualquer repositório
de documentos desde que estes possam ser mapeados em representações de conhecimentos,
como, por exemplo, ontologias ou taxonomias.
Um dos requerimentos do modelo é a necessidade de mapeamento semântico das
imagens e repositórios de documentos. Os repositórios de documentos caracterizam-se por
armazenar grandes quantidades de informação fazendo com que o processo de anotação
manual seja inviável. Por outro lado, a anotação automática ou semi-automática pode ser
facilitada pelos métodos da área da extração de informação, mas a precisão destes métodos
pode variar dependendo do domínio e tipo de documento. No caso das imagens semânticas, as
anotações manuais são viáveis na maioria dos domínios já que a quantidade de conceitos que
se espera que sejam representados neles é relativamente pequena em comparação com os
conceitos representados nos documentos.
6. CONCLUSÃO
O objetivo deste trabalho consiste na proposta de um modelo destinado a visualização
do conhecimento baseado em imagens semânticas a fim de facilitar a organização ontológica
do conhecimento. Um protótipo foi desenvolvido para validar o modelo proposto.
Uma das vantagens que oferece o modelo é a facilidade para recuperação de
documentos usando apenas regiões das imagens contidas nas imagens semânticas. Nos
sistemas de RI tradicionais, os usuários traduzem suas necessidades de informação em termos
de buscas, estes retornam uma lista de itens que correspondem aos documentos mais
relevantes segundo os termos informados. No modelo proposto os usuários traduzem suas
necessidades de informação também em termos, mas estes termos não são usados para
procurar diretamente os documentos e sim para procurar as imagens semânticas que serão
usadas no processo de visualização.
Outra vantagem do modelo é a integração dos componentes por meio dos
mapeamentos semânticos. As imagens e os diferentes repositórios de informação encontramse todos integrados por meio de informação semântica, isto permite que uma mesma imagem
possa ser usada para visualizar documentos de diferentes repositórios. Por exemplo, imagem
do coração apresentado nas seções anteriores, pode ser usada para recuperar artigos
científicos, competências organizacionais, projetos, estudos clínicos, indicadores, imagens
médicas, entre outros. Esta integração semântica também permite que o modelo possa inferir
novas informações sobre um determinado conceito da imagem. Por exemplo, ao projetar o
coração, é possível recuperar informações relacionadas a conceitos que não são definidos de
forma explícita na imagem semântica, mas que podem ser inferidos, como por exemplo, certas
doenças. Na imagem do coração ao selecionar a aorta, por exemplo, e usando as relações
UMLS poderiam ser recuperados os documentos relacionados ao aneurisma, uma doença que
afeta a aorta.
Neste momento nos encontramos ampliando as imagens semânticas para acrescentar
mais fontes de informação relacionadas à área da medicina. Em uma segunda fase será
desenvolvida outra versão do protótipo aplicada a uma área diferente.
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