www.egc.ufsc.br/ciki/
Transcription
www.egc.ufsc.br/ciki/
ANAIS DO 1O. CONGRESSO INTERNACIONAL DE CONHECIMENTO E INVOAÇÃO (ciKi) (16 e 18 de Novembro de 2011, Florianópolis, Brasil) PROCEEDING OF THE 1st INTERNATIONAL CONGRESS OF KOWLEDGE AND INOVATION (ciKi) (16 and 18 of November of 2011, Florianópolis, Brasil) ACTAS DO 2 CONGRESO INTERNACIONAL DE CONOCIMIENTO E INNOVACIÓN (ciKi) (16 y 18 de Novembro de 2011, Florianópolis, Brasil) www.egc.ufsc.br/ciki/ CIKI 2011: I Congresso Internacional de Conhecimento e Inovação “GESTÃO DO CONHECIMENTO E INOVAÇÃO” Objetivo do Congresso: O evento, que tem como objetivo promover novas teorias, métodos e técnicas de Gestão do Conhecimento (GC) e Gestão da Inovação (GI), é gratuito e será realizado no bairro Canasvieiras, em Florianópolis. Em paralelo ao CIKI 2011 será realizado o VIII Workshop EGC 2011 do Programa. Esse evento agregará valor ao Congresso, pois é anualmente organizado para ser um Fórum de Debates de alto nível intelectual reunindo profissionais, estudantes e pesquisadores da área. Datas: 16, 17 e 18 de novembro de 2011. CONTEÚDO TEMMÁTICO: O tema do evento se realizará em consonância com o diagnóstico apontado pelo CONHECIMENTO E INOVAÇÃO PARA A COMPETITIVIDADE, produzido pelo BANCO MUNDIAL – Departamento do Brasil Unidade de Desenvolvimento Humano Região da América Latina e do Caribe, e editado pela CNI em 2008, onde se destacam os problemas do Brasil ao enfrentar os desafios da economia globalizada. As deficiências analisadas pelo estudo repercutem no processo de inovação nas empresas brasileiras, afetando negativamente a competitividade do País. Para inovar se faz necessário a quebra de paradigmas disciplinares, para se desenhar um caminho próprio a tensão criativa de um diálogo construtivo, permitindo inclusive a aproximação dos conhecimentos científicos, tecnológicos e teóricos empíricos. O CIKI 2011 contará com palestrantes internacionais e pesquisadores nacionais de referência. É uma iniciativa conjunta entre o Programa de Pós Graduação Engenharia e Gestão do Conhecimento da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGEGC da UFSC) e Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Para este ano, destacam-se a apresentação do plano estratégico do Programa, as suas parcerias inovadoras com empresas e instituições como o Sapiens Parque e o Encontro Doutoral sobre Conhecimento e Inovação em Pequenas e Médias Empresas. Justificativas: A realização do evento é relevante para o desenvolvimento da competitividade das organizações brasileiras, que necessitam de investimentos em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias aptas a competirem no mercado globalizado. O Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento – PPGEGC busca por meio da realização deste evento promover, a disseminação de tecnologias internacionais e nacionais para auxiliar no desenvolvimento sustentável no Brasil. COMITÉ ORGANIZADOR: Paulo Mauricio Selig (PPGEGC-UFSC) Gregorio Varvakis (PPGEGC-UFSC) Helio Aisenberg Ferenhof (PPGEP-UFSC) COMITÊ CIENTÍFICO: Klaus North (Presidente) Wiesbaden Business School (Alemania) Paulo Selig Universidade Federal de Santa Catarina (Brasil) Gregorio Varvakis Universidade Federal de Santa Catarina (Brasil) COMITÊ EDITOR: Paulo Mauricio Selig (PPGEGC-UFSC) Gregorio Varvakis (PPGEGC-UFSC) Helio Aisenberg Ferenhof (PPGEGC -UFSC) contato.ciki@egc.ufsc.br Telefone: +55-48-37212463 Departamento de Engenharia do Conhecimento Universidade Federal de Santa Catarina Centro Tecnológico – Campus Universitário – Trindade CEP: 88040-900 Florianópolis – SC Prédio SeTIC – Sala 56 Organizadores e Patrocinadores: Programa de Pós-Graduação Engenharia e Gestão do Conhecimento (PPGEGC) Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC) Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) Local: Hotel Canto da Ilha Av. Luiz Boiteux Piazza, 4810, Ponta das Canas - Cep 88056-680 - Florianópolis, SC - Brasil - Fone: 48 3261-4000 Descrição: I Congresso Internacional de Conhecimento e Inovação CIKI 2011 “Gestão do Conhecimento e Inovação” ORGANIZAÇÃO: Apoio: SUMÁRIO ID. C-3 C-6 C-11 C-13 C-14 C-17 C-19 C-21 C-22 C-24 C-25 TÍTULO AUTORIA Gestão de processos gastronômicos em restaurantes de Silvana Graudenz Muller Comidas típicas: um estudo de caso. Fabiana Mortimer Amaral Palavras Chave: Não-conformidades. Gerenciamento de Francisco A. Pereira Processos. Gastronomia regional. Fialho Epistemologia da complexidade e administração pública: Ana Claudia D. Abreu perspectivas emergentes. Angela R. H. Amin Helou Palavras chave: Administração Pública. Planejamento Gerson Carlos Saiss Estratégico Situacional. Epistemologia da Complexidade. Francisco A. P. Fialho Cultura, linguagem gráfica e alfabetismo visual. Alvaro Roberto Dias Palavras-chave: Percepção Visual. Sintaxe Visual. Leitura Amanda Queiroz Campos da Imagem. Richard P. Luiz De Sousa Criação de ambientes colaborativos para tutores: uma Marilda Todescat proposta para o Curso de Administração da UFSC Bruno C. de M. Moreira Palavra-chave: Gestão do conhecimento. Educação a Patrícia Battisti Distância. Tutoria. Stephanie B. Zanichelli A informação gráfica como construtora de identidade visual Amanda Pires Machado de marca e sua comunicação nos meios impressos e digitais Alvaro Roberto Dias Palavras-chave: Comunicação de Marca. Informação Richard P. L. de Sousa Gráfica. Mídia. Identidade Visual. Ampliação interorganizacional do conhecimento: desafios Ana Paula Lisboa Sohn da gestão do conhecimento em redes de empresas Nelson Casarotto Filho Palavras-Chaves: Gestão do conhecimento. Redes Idaulo José Cunha interorganizacionais. Aprendizagem colaborativa. Neri dos Santos Redes sociais, educação digital e inovação no contexto tecnológico da educação a distância Vilson Martins Filho Palavras-Chaves:Redes sociais. Inovação. Educação a Francisco A. P.Fialho distância. Márcio B. Miranda A produção e comunicação de e-books acadêmicos na Richard Perassi internet: o design dos modelos acadêmicos Fabiana E. Boff Silveira Palavras-Chave: E-book Acadêmico. Design. Conhecimento. Utilidade. Desenvolvimento Rafael Bianchini Glavam Márcio B. Miranda O e-book como mídia do conhecimento Richard Perassi Palavras-chave: E-book. Mídia do Conhecimento. Fabiana E. Boff Silveira Sociedade do Conhecimento. Comunicação. Rafael Bianchini Glavam Emoção e criatividade aplicadas à linguagem Kíria Meurer Matos telejornalística Telmo José Souto Maior Palavras-Chave: Telejornalismo. Emoção. Criatividade. Francisco A.P.Fialho Pensamento Divergente. Phineas Gage. Ana Luisa Boavista A Inclusão Produtiva e as Potencialidades Artesanais Lustosa Cavalcanti Regionais. Seila Cibele Sitta Preto Palavras-chaves: Artesanato. Inclusão Produtiva. Design. Marina Keiko Nakayama Economia Solidária. Francisco A. P. Fialho Luiz Fernando Figueiredo A compreensão de uma comunidade de prática por meio do Ana Luisa Boavista pensamento sistêmico Lustosa Cavalcanti C-26 Palavras-chave: Comunidades de Prática. Pertencimento. Seila Cibele Sitta Preto Pensamento Sistêmico. Neri dos Santos Gregório Varvakis Rados Francisco A. P. Fialho Luiz Fernando Figueiredo Visualização do conhecimento por meio de imagens André s Melgar C-27 Palavras-chave: Visualização do conhecimento. Fabiano D. Beppler Recuperação do conhecimento. Anotação semântica. Roberto Pacheco Ontologia GESTÃO DE PROCESSOS GASTRONÔMICOS EM RESTAURANTES DE COMIDAS TÍPICAS: UM ESTUDO DE CASO Silvana Graudenz Muller Fabiana Mortimer Amaral Francisco Antonio Pereira Fialho GESTÃO DE PROCESSOS GASTRONÔMICOS EM RESTAURANTES DE COMIDAS TÍPICAS: UM ESTUDO DE CASO RESUMO O presente artigo trata do tema mais genérico de “preservação do conhecimento” entendido, aqui, como aquele reconhecido como patrimônio cultural a ser protegido. O tema “disseminação do conhecimento” também está presente na medida em que o estudo está associado a prática pedagógica na Escola de Gastronomia do Instituto Federal de Santa Catarina. A “engenharia do conhecimento” é necessária, posto que o conhecimento citado é, sobretudo, tácito, sendo de difícil explicitação ou expressão. Trata-se de “conhecimento cultural”, transmitido de pais para filhos e em via de desaparecimento. Em particular, discutem-se os saberes e fazeres associados à gastronomia da ilha de Florianópolis, Brasil. Para tanto foi realizado um estudo de caso em um restaurante típico local, situado no Pântano do Sul, local característico da ilha por ser de colonização Açoriana. O artigo discute ainda a adequação da utilização da metodologia de “Gerenciamento de Processos”, a qual foi adaptada para permitir a avaliação de “não-conformidades” nas produções gastronômicos de restaurantes de comidas típicas. Entende-se “não-conformidades” como adulterações nas formas de se preparar e apresentar as receitas. Os resultados obtidos apontam para o sucesso na aplicação da metodologia citada. Palavras Chave: Não-conformidades; Gerenciamento de Processos; Gastronomia regional. ABSTRACT This article deals with the more general theme of "knowledge preservation" understood here as the one recognized as a cultural heritage that must be protected. The topic “knowledge dissemination" is also present as at study about pedagogical practices in Santa Catarina Federal Institute School of Gastronomy. The "knowledge engineering" theme is also required. The knowledge we are dealing with is mostly tacit and must be converted to explicit, or expressed in order to be disseminated. We are discussing here the "cultural knowledge", which are transmitted from parents to children. This knowledge is vanishing. In particular, we discuss knowledge and practices associated with the traditional cuisine of Florianopolis Island, Brazil. In order to reach this goal, we conducted a case study in a typical local restaurant, located on “Pântano do Sul”, a typical local of the island, recognized as an Azorean colonization. The article also discusses the use of "Process Management" methodology which was adapted to allow the assessment of gastronomic restaurants "nonconformities" in the production of typical foods. “Non-conformities" is understood here as adulterations in the ways to prepare and submit traditional recipes. The results points toward the possibility of using the mentioned methodology cited. Keywords: Non-compliance; Process Management; Regional gastronomy. 1 1. INTRODUÇÃO A gastronomia ocupa lugar de destaque dentro do setor turístico e também passou a ser tratada como patrimônio cultural sendo, portanto, capaz de vincular-se a imagens de um país, região ou grupo. Os restaurantes típicos são locais de propagação da identidade cultural gastronômica e para isso precisam estar em conformidade com os modos alimentares locais, com a matéria prima, técnicas e tecnologias utilizadas na produção de alimentos. Cabe aos restaurantes e as escolas de gastronomia explicitarem, sistematizarem e disseminarem o conhecimento existente nos processos gastronômicos para preservarem e valorizarem a identidade cultural. Pesquisas na área de Turismo e Alimentação e Alimentação e Cultura (Fagliari, 2005; Proença, 2010; Hernadez, 2005; Garcia, 2003; Poulain, 2006; Menashe, 2008; Maciel, 2001; Gimenes, 2006; Canesqui, 2005), observaram que a procura pela diversidade gastronômica vem ao encontro de tendências mundiais, em contraponto aos movimentos de globalização com a propensão para a homogeneização dos saberes e sabores. Questões como a descaracterização de produtos e processos nas receitas construídas ao longo da construção histórico-cultural de Florianópolis, como o peixe cozido no feijão, o camarão ensopado com chuchu, marisco lambe-lambe, caldo de camarão, tainha escalada, pirão d’água, entre outros, face à modernização das cozinhas, estão alterando de forma significativa a identidade gastronômica local, tradicionalmente desenvolvida dentro de um espectro de permanência dos valores culturais. Com o passar do tempo, se essas receitas históricas não forem mapeadas e devidamente resguardadas, pode haver a perda da identidade gastronômica local. Conforme Flandrin e Montanari (1998) a Gastronomia Típica é um elemento de valorização da cultura local, de perpetuação da memória culinária e oferece ganhos de recursos econômicos para a indústria e o comércio regional. Esta pesquisa tem como objetivo avaliar e propor melhorias para as “nãoconformidades” nas produções gastronômicas de pratos típicos regionais de Florianópolis e tem com estudo de caso um restaurante tradicional, localizado ao sul da Ilha de Santa Catarina. 2. GESTÃO DE PROCESSOS GASTRONÔMICOS O procedimento empregado na pesquisa foi baseado na metodologia de Gerenciamento de Processos, segundo o modelo do Grupo de Análise de Valor da UFSC que, de acordo com Varvakis, (et al., 2001), consiste em uma metodologia para definir, analisar e melhorar continuamente os processos, com a finalidade de atingir as condições ótimas para o cliente. 2 Trata-se de uma metodologia abrangente, que pode ser adaptada e utilizada na avaliação de processos de produção dentro de cozinhas de restaurantes e que visa facilitar e melhorar o desempenho na produção de alimentos, trazendo condições melhores para os clientes e os donos dos restaurantes. Parte de um programa que tem como objetivo fortalecer a competitividade da empresa, considerando os erros como oportunidade de melhoria, sem buscar culpados ou punições. Conforme Varvakis (et al 1998), processo produtivo é qualquer processo que entra em contato físico com o produto ou serviço oferecido a um cliente. Isto exige mudanças profundas nas pessoas que são responsáveis pelo preparo dessas comidas e que passam a ser vistas como o maior patrimônio existente em um restaurante. A busca pela melhoria contínua dos processos é fundamental para a sobrevivência de instituições como “restaurantes” e o Gerenciamento de Processos (GP) promete ser uma metodologia capaz de orientar a empresa nesta direção. Figura 01: Etapas da metodologia de G.P. Fonte: Varvakis et al, 2001 Etapa I: A etapa Base para o G.P. busca uniformizar conceitos, formar equipes de trabalho e todas as demais ações de preparação para a implementação da metodologia em uma empresa. Sua duração será maior ou menor, de acordo com o nível de organização da empresa. Aquelas onde já existem a cultura de formação de grupos de trabalhos ou que já adotem programas de qualidade ou melhoria empresarial terão o tempo necessário reduzido para esta fase inicial. Etapa II: A etapa Descrição do Processo tem como objetivo o estabelecimento das fronteiras e a descrição de todos os processos da empresa. Etapa III: A Análise do Processo, com base nos dados da segunda etapa, possibilitará o reconhecimento de oportunidades de melhoria, ou seja, atividades ou sub-processos que podem ser modificados ou até mesmo excluídos, a fim de otimizar o processo. Etapa IV: Uma vez identificados os pontos onde o processo pode ter sua eficiência aumentada, a Melhoria do Processo, quarta e última etapa, irá planejar ações para transformar estas oportunidades de melhoria em ações concretas. 3 A última etapa não significa o fim do GP, pois sendo uma ferramenta de melhoria contínua dos processos, é essencial que o processo seja analisado continuamente, através de um conjunto de indicadores, que sejam auto-adaptáveis à mudança constante das necessidades dos clientes (VARVAKIS, 1998). 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO Passaremos aos resultados e discussão com a descrição de cada uma das etapas com as respectivas fases do Gerenciamento de Processos proposto nessa pesquisa, que é um modelo para ser utilizada na avaliação de não-conformidades nas produções gastronômica de restaurantes de comidas típicas. Tabela 01: Etapas da metodologia de Gerenciamento de Processos com o detalhamento das fases modificado para a produção de comidas típicas Base para a Metodologia G.P. Etapa A Fase 1-Caracterização do que é a gastronomia típica. Definição do Processo. Análise do Processo. Melhoria do Processo. Etapa B Fase 5-Definição das entradas. Etapa D Fase 10Elaboração de tabelas (IPA.) contendo as indicações das melhorias. Fase 2-Descrição do macroprocesso. Fase 6-Definir o pessoal envolvido no processo. Etapa C Fase 8- Identificar os parâmetros que influenciam nas não conformidades e no resultado final do produto comida típica. Fase 3-Descrição dos sub-processos. Fase 7-Detalhamento dos fluxogramas Fase 9-Analise destes parâmetros. Fase 4-Estabelecer os objetivos e produtos finais do processo. Fonte: Autores, 2011, adaptado de Varvakis, et al., 2001. 3.1 ETAPA A: BASE PARA A METODOLOGIA GERENCIAMENTO PROCESSOS EM RESTAURANTES DE COMIDAS TÍPICAS DE A etapa 1 que é a base para a metodologia GP, é composta de quatro (4) fases, sendo: FASE 1. Caracterização do que é a Gastronomia Típica 4 Nesta etapa da avaliação, com a aplicação desta metodologia, é fundamental que se faça um estudo aprofundado das diferentes propostas das manifestações gastronômicas e posteriormente um levantamento dos costumes gastronômicos da cultura em questão do restaurante pretendido. O estudo de caso ocorreu em um restaurante tradicional do Pântano do Sul, um bairro de Florianópolis, assim a gastronomia típica pesquisada foi açoriana e ameríndia, que compõem a base cultural gastronômica da localidade. FASE 2. Descrição do macroprocesso de produção de Comidas Típicas Macroprocesso é um processo que geralmente envolve mais de uma função na organização (VARVAKIS et al., 2001). Nesta metodologia da avaliação das não-conformidades no preparo e nas receitas de Comidas Típicas dentro de restaurantes, temos o seguinte macroprocesso que será considerado e definido passo a passo a seguir na fase 3: Figura 02: Macroprocesso e sub-processos de produção de comida típica Fonte Autores 2011 FASE 3. Descrição dos sub-processos de produção na área da gastronomia. Dependendo da complexidade, o macroprocesso é dividido em sub-processos, que podem ser divididos pelas atividades que os compõem (VARVAKIS et al., 1998). Nessa pesquisa consideraremos os seguintes sub-processos, conforme a figura 02. Sub-Processo 1 - Entendimento do conceito fornecedor Os fornecedores são os responsáveis pelas entradas, que devem atender as especificações do processo. Estas especificações são padrões ou características de qualidade exigidas pelo processo gastronômico a ser realizado, como por exemplo, que os peixes devem estar com as guelras cor vermelho vivo e os olhos brilhantes, as ostras com as cascas lavadas, os berbigões sem cascas, os mexilhões com algas e os camarões com as cabeças. O reconhecimento dos fornecedores e suas relações são importantes e justifica-se pelo fato de que na fronteira dos processos (no contato entre um sub-processo e seu cliente 5 interno), normalmente, são encontradas oportunidades de melhorias significativas (VARVAKIS et al., 1998). Se os alimentos não forem de boa qualidade, advindo de fornecedores idôneos, podese dar entrada na cozinha, alimentos em estado duvidoso de conservação, o que poderá invalidar todo o processo de produção. Na aquisição de alimentos deve-se observar: a) Higiene do estabelecimento abastecedor; b) Métodos de condições de armazenagem; c) Condições sanitárias dos transportes; d) Hábitos e aspectos do pessoal encarregado. Um aspecto importante é relativo à capacidade de estocagem do local. De nada adiantará a compra de uma grande quantidade de camarões, quando a câmara fria já está com sua capacidade útil comprometida. Sub-Processo 2 - Desenvolvimento do produto (comida típica) Esta fase da metodologia refere-se às informações necessárias a respeito da cultura gastronômica local que o restaurante está se propondo a atuar. Para avaliar se uma comida está sendo preparada dentro dos processos culturais, é necessário fazer uma pesquisa documental, bibliográfica e de campo que abranja itens como: Conhecer profundamente o processo histórico-cultural que deu origem a gastronomia construída na localidade; • Os aspectos geoclimáticas que influenciaram na formação dos novos hábitos; • A matéria-prima utilizada na época em que nasceram os hábitos; • Processos de cocção e formas de armazenamento tradicionalmente utilizados; • Maneiras de servir e apresentar a comida; • Formas de decorações dos pratos e utensílios utilizados para apresentá-lo. Sub-Processo 3 - Processamento do produto (comida típica) Essa atividade considera: • Montagem do cardápio. • Montagem das fichas técnicas. • Preparo dos pratos. • Decoração final. Descreveremos as atividades: a) Montagem do cardápio. 6 Neste item podemos ter a seguinte divisão: 1) Comidas Típicas = para os pratos que representam o processo histórico cultural dos hábitos alimentares da região 2) Outras Especialidades = para pratos que os seus clientes apreciam, mas que não faz parte do rol de pratos típicos. É recomendável que o restaurante diferencie os tipos de comidas já na apresentação do cardápio, para não haver confusão a respeito de quais são os pratos típicos e quais não são. b) Montagem das fichas técnicas para a padronização das receitas. Todo restaurante que deseja manter a qualidade precisa manter um padrão de preparo de sues pratos, que através do tempo se mantenha inalterado. Para isso, é imprescindível que haja no estabelecimento um prontuário de fichas técnicas com fotos, onde são estabelecidas as quantidades e os modos de preparo para a elaboração dos pratos servidos. Este prontuário tem como objetivo: • • • • • • Permitir que o preparo seja sempre o mesmo, independente do funcionário; Facilitar o procedimento de gerenciamentos dos processos produtivos; Calcular a quantidade de ingredientes, proporcionando possibilidades de maior exatidão nos pedidos feitos ao almoxarifado; Otimização do espaço para armazenagem; Menor capital empatado em estoque; Rendimento da produção já calculado, com porções pré-estabelecidas, evitando sobras e permitindo um real levantamento do custo do alimento, inclusive com dados sobre o tempo de preparo, temperaturas adequadas, equipamentos e utensílios necessários. c) Preparo do alimento. A disponibilidade de equipamentos, utensílios e mão-de-obra têm atuação fundamental na seleção dos pratos a serem escolhidos para serem preparados no restaurante. De nada adiantará planejar um cardápio típico muito atraente e saboroso no papel se não houver uma infra-estrutura que permita uma execução perfeita e um serviço a contento, como por exemplo, no preparo de uma Tainha Assada na Folha da Bananeira. Para o preparo desse prato se requer uma churrasqueira dentro ou perto da cozinha e uma pronta entrega de folhas frescas de bananeiras. Esta etapa do processo é uma das mais importantes dentro de todo o contexto gastronômico, pois é justamente aí que resultará num produto final satisfatório. d) Decoração final. A decoração final inclui a forma de apresentação dos pratos, seguindo fielmente o estilo típico do restaurante em questão. 7 Cada tipo de Gastronomia Típica possui uma decoração específica, variando de uma para outra. Os utensílios utilizados para servir o prato também fazem parte do item decoração. FASE 4. Estabelecer os objetivos e produtos finais do processo Em uma organização, os participantes devem ter a possibilidade de identificar claramente o objetivo geral da empresa para qual eles trabalham, de modo a compreender qual é o foco de ação. A identificação é facilitada quando a organização define o seu objetivo. O mesmo ocorre com os processos, todos os participantes devem ter uma clara identificação de para que e por que estão executando suas atividades (VARVAKIS et al., 1998). O procedimento de misturar ingredientes inadequados nas receitas muitas vezes é uma tentativa errada de melhorar o paladar, com o aspecto inconveniente de descaracterizar o prato. Quando ocorre de um cozinheiro alterar a composição de um prato típico de alguma região, se sugere criar um novo nome para o prato, pois o que é típico já foi criado. Este é um dos principais motivos pelo qual o cozinheiro deve estudar e se familiarizar com a cultura gastronômica em questão, para saber para que e por que esta preparando o prato típico dentro de determinados padrões, evitando assim misturar os ingredientes e os métodos de preparo e cocção que resultariam em um produto descaracterizado, comprometendo todo um aspecto cultural e de desempenho do restaurante. 3.2 ETAPA B: DESCRIÇÃO DO PROCESSO Conforme Varvakis (et al., 1998), na etapa B o processo pode ser mapeado com fluxogramas. No caso de restaurantes é necessário ter o conhecimento dos processos de cocção, utilização de ervas, especiarias e temperos, métodos de conservação de alimentos, padronização de cortes, pesos e medidas e técnicas de decoração. No Gerenciamento de Processos é importante representar os procedimentos de uma forma clara e precisa. Tal representação deve mostrar não somente as atividades do processo, mas também a seqüência que é realizada, ou seja, deve representar o fluxograma, que são diagramas para a representação do fluxo de atividades em formações dentro de um procedimento. Esta etapa B é composta de três (3) fases que dão continuidade à fase anterior: FASE 5. Definição das entradas envolvidas em cada fluxograma 8 Nessa fase são definidas as entradas bem específicas para conseguir fazer os fluxogramas. As entradas são tudo aquilo que se utiliza para a realização do fluxograma, sendo necessário para que haja a realização das atividades: informações necessárias ao processo; matéria-prima (alimentos); pessoas que tomam parte do processo (recursos humanos); instalações e equipamentos usados no processo. FASE 6. Definir o pessoal envolvido no processo Nesta etapa deve-se descrever todos os profissionais envolvidos no processo. Aqui são desenvolvidas as atribuições de cada cargo. Cada restaurante tem sua brigada de cozinha. A brigada de um restaurante de médio porte, normalmente possui sua brigada de cozinha dividida da seguinte forma: cozinheiros (a), saladeiros (a) churrasqueiros (a) ou chapeiros (a) e auxiliares de cozinha. Quando a rotatividade do pessoal da produção é grande, torna-se ainda mais necessário ter os cargos, as atribuições e os tipos de treinamentos bem definidos. FASE 7. Detalhamento dos fluxogramas Através dos fluxogramas é possível acompanhar o fluxo de preparo de um prato, podendo ser indicado também os pontos críticos e outras informações relevantes. (VARVAKIS et al., 2001). O fluxograma fornece uma compreensão detalhada das partes de um processo, no qual algum tipo de fluxo ocorre. 3.3 ETAPA C: ANÁLISE DO PROCESSO A etapa C é dividida em duas fases, sendo uma de identificação e outra de análise como veremos a seguir. FASE 8. Identificar os parâmetros que podem influenciar as não conformidades no resultado final do produto desejado que é a comida típica O controle do processo se baseia numa relação de causa – efeito. Sempre que algo ocorre (efeito), existe um conjunto de causas responsáveis pela ocorrência. Portanto, controlar um processo, é controlar a sua causa. Dentro desses parâmetros, temos a matéria-prima envolvida no processo, o modo de preparo, os profissionais, os métodos de cocção e as formas de apresentação. FASE 9. Analise dos parâmetros de preparo e receituário de comidas típicas Slack (et al., 1997), apresenta o diagrama de causa – efeito (que também é conhecido como diagrama de espinha de peixe e diagrama Ishikawa), como um método, particularmente efetivo, para ajudar na resolução de problemas ou ampliar as oportunidades. 9 A seguir apresenta-se o procedimento para se desenhar uma diagrama de causa – efeito: Figura 03: Diagrama de Causa – Efeito Fonte: Autores; adaptado de Oliveira, 1996 Nessa fase é importante identificar as principais categorias para causas possíveis do efeito. Apesar de qualquer categorização poder ser usada para os ramos centrais do diagrama, há seis categorias que são comumente usadas em restaurantes: equipamento, recursos humanos, matéria-prima, métodos de cocção, métodos de armazenamento e procedimentos ou serviços. 3.4 ETAPA D: MELHORIA DO PROCESSO É a última etapa, sendo composta por uma fase. Uma vez identificados os pontos onde o processo pode ter sua eficiência aumentada, a garantia de melhoria do processo, quarta e ultima etapa, irá planejar ações para transformar estas oportunidades de melhoria em ações concretas (VARVAKIS et al, 2001). FASE 10. Elaboração de tabelas (I.P.A) com as indicações das melhorias. Para facilitar a visão integrada das não conformidades encontradas, soluções propostas e suas respectivas avaliações, foi adaptada a tabela I.P.A. (Ingrediente, Preparo e Apresentação) segundo o modelo aplicado na cozinha do Hospital Universitário. Esse modelo descreve as não-conformidades dos ingredientes utilizados na produção do prato, a autenticidade no preparo das receitas tidas como típicas e as soluções propostas. P (prato): prato oferecido no cardápio do Restaurante Não-conformidade: Serão descritas as não conformidades, conforme a pesquisa bibliográfica efetuada para a caracterização da gastronomia típica como proposto pelo passo 1 da primeira etapa do G.P. I (Ingrediente): Em conformidade ou não. Pontuação de 0 à 2. Sendo 0 em conformidade; 1 parcialmente em conformidade e 2 não conformidade. 10 P (Preparo): Em conformidade ou não. Pontuação de 0 à 2. Sendo 0 em conformidade; 1 parcialmente em conformidade e 2 não conformidade. A (Apresentação): Em conformidade ou não. Pontuação de 0 à 2. Sendo 0 em conformidade; 1 parcialmente em conformidade e 2 não conformidade. Tt -(total): o total é o produto entre G, U e T. Seu valor mínimo é 1 e o máximo é 6. O valor 6 é considerado o ponto crítico; P -(Prioridades): a prioridade indica para a administração da cozinha, quais os riscos/problemas identificados que deverão ser resolvidos/eliminados mais rapidamente. Este indicador é um elemento de suporte à decisão e solução dos riscos/problemas, possibilitando, inclusive, a projeção de investimentos em alguns casos, para a solução dos mesmos. A prioridade está dividida em dois níveis: A = Solução implementada em médio prazo com projeção de investimento. B = Solução implementada imediatamente sem projeção de investimento. Tabela 02: Modelo Tabela IPA NOME DA PRODUÇÃO NÃOCONFORMIDADE I P A Tt P SOLUÇÕES PROPOSTAS FONTE: autores 2011, adaptado do Relatório integrado do setor de cozinha do Hospital Universitário. Conforme o resultado da aplicação prática da tabela IPA, observamos que existem elaborações gastronômicas que estão em conformidade com os processos produtivos de comidas típicas e outros não estão. Recomenda-se que nesses casos as elaborações sejam colocadas em lugares diferentes na escrita do cardápio que será apresentado ao cliente. Que os pratos que foram diagnosticados como típicos sejam colocados no item: Pratos Típicos e aqueles que não são típicos sejam colocados no item: Outras especialidades. Esse diagnóstico de não-conformidades deve ser embasado, principalmente, na pesquisa documental feita a respeito de Comida Típica, possibilitando assim uma fundamentação nas soluções que serão apresentadas na tabela IPA. As soluções propostas constituem resultado da avaliação tecnológica risco/problema identificado, visando dar respostas rápidas para a administração. do O objetivo principal é identificar as soluções que possam resolver os riscos encontrados, de preferência sem custos. 11 Ao final desta avaliação, a administração da cozinha terá vislumbrado uma nova visão organizacional e produtiva de arranjo físico e de Gerenciamento dos processos produtivos, com uma estrutura que poderá ser adaptada para implantar, inicialmente, um programa de qualidade total. A tabela abaixo apresenta alguns pratos selecionados do cardápio do restaurante selecionado para o estudo de caso da aplicação do Gerenciamento de Processos e para a análise de não-conformidades na elaboração dos pratos e do cardápio (tabela 3). Tabela 3: Tabela IPA ( Ingredientes, Preparo, Apresentação) adaptada do H.U da UFSC Nome da produção Peixe frito com pirão (Postas) Não-conformidades Peixe assado na brasa (escalado) Merluza ao forno Está em conformidade Filé a moda da casa Risoto de camarão I P AT t 0 0 0 0 P Soluções Propostas B Mantê-lo no cardápio de pratos típicos 0 0 0 0 B Mantê-lo no cardápio de pratos típicos A merluza não é um 2 2 2 6 peixe nativo da Ilha A O leite de coco é um 2 2 2 6 ingrediente estranho na culinária típica da ilha O risoto é um prato 2 2 2 6 típico da Itália A Retirar esse prato do item "pratos típicos" e colocá-lo no item "outras especialidades" Retirar esse prato do item "pratos típicos" e colocá-lo no item "outras especialidades" Esta em conformidade A Retirar esse prato do item "pratos típicos" e colocá-lo no item "outras especialidades" Fonte: Autores, 2011 Foi observado que não existe uma distinção de itens no cardápio, quanto ao que pertence a cultura gastronômica de Florianópolis e as demais culturas e especialidades da casa, sendo um texto corrido sem separação por subseções, como mostra a Figura 4 mais a frente. Como resultado da aplicação do gerenciamento de processo e da tabela IPA, foi proposta ao restaurante que houvesse a distinção entre os pratos típicos de Florianópolis e outros pratos das diferentes culturas, separando-os no cardápio e facilitando deste modo, a escolha para um cliente leigo no assunto como observado na figura 5. A solução apontada e acarretada foi a separação dos itens por subtítulos mais específicos, como mostram as figuras 4 e 5. 12 Figuras 4 e 5: Cardápios de restaurante pesquisado. Antes e depois do processo Figura 4: Cardápio de restaurante antes do Gerenciamento De Processos Figura 5: Cardápio de restaurante depois do Gerenciamento De Processos Fonte: Autores Como produto final desta pesquisa foi elaborado um cardápio em conformidade com a proposta histórico-cultural do restaurante. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A aplicação do procedimento de avaliação das não conformidades mostrou que se tratando de um procedimento para o gerenciamento de processos, é possível aplicá-lo na produção de Comidas Típicas preparadas dentro de padrões documentados historicamente. Para isso é necessário ir até o plano do preparo e do receituário, para serem formulados os fluxogramas e detectadas as possibilidades de melhorias. O uso do procedimento com auxílio da tabela IPA, permitiu a identificação dos pratos típicos no restaurante pesquisado. É importante relembrar que para este trabalho, o procedimento de Gerenciamento de Processos visou a melhoria contínua dos processos produtivos, sendo necessário dar continuidade ao procedimento sempre que houver: • Preparo de alimentos; • Recepção e armazenamento de mercadoria; 13 • Troca de equipamento; • Troca de pratos do cardápio; • Mudança de pessoal; O Gerenciamento de Processos mostrou-se uma metodologia que demonstrou ser capaz de solucionar o problema da pesquisa, pois monitora o processo de preparo do alimento do início ao fim, passando por todas as etapas de recebimento, porcionamento, pré-preparo, preparo, cocção e decoração. 5. REFERÊNCIAS CANESQUI, Ana Maria. Comentários sobre os Estudos Antropológicos da Alimentação. In: CANESQUI, Ana Maria; GARCIA, Rosa Wanda Diez. Antropologia e Nutrição: um diálogo possível. 1° ed. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2005. FAGLIARI, Gabriela Scuta. Turismo e Alimentação: Análises introdutórias. Ed. Roca, São Paulo, 2005. FLANDRIN, Jean-Louis; MONTANARI, Massimo. A história da alimentação. Paris. Ed. Fayard, 1996. GARCIA, Rosa Wanda Diez. Reflexos da Globalização na cultura alimentar: considerações sobre as mudanças na alimentação urbana. Revista de Nutrição, Campinas, v.16, n°4, 2003. GIMENES, Maria Henriqueta Sperandio Garcia. Patrimônio Gastronômico, Patrimônio Turístico: uma reflexão introdutória sobre a valorização das comidas tradicionais pelo IPHAN e a atividade turística no Brasil. Apresentado no GT3, 2006. Disponível em: http://www.ucs.br/ucs. Acesso em setembro, 2010. HERNANDEZ, Jesus Contreras. Patrimônio e Globalização: o caso das culturas alimentares. In: CANESQUI, Ana Maria; GARCIA, Rosa Wanda Diez. Antropologia e Nutrição: um diálogo possível. 1.ed. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005. MACIEL, Maria Eunice. Cultura e alimentação ou o que tem a ver os macaquinhos de Koshima com Brillat-Savarin. Horizontes Antropológicos. Porto Alegre. v.7, n.16, p. 01-10, 2001 MENACHE Renata. Somos o que comemos? www.mundojovem.com.br. Acesso em Janeiro 2011. Revista Mundo Jovem, 2008. Disponível em OLIVEIRA, S. T. de. Ferramentas para o Aprimoramento da Qualidade. 2. ed. São Paulo: Pioneira, 1996. 115p. (Série Qualidade Brasil). POULAIN, Jean Pierre. Sociologia da Alimentação. Florianópolis. Editora da UFSC, 2006. PROENÇA, Rossana Pacheco da Costa. Alimentação e globalização: algumas reflexões. Ciência e Cultura, v.62 n.4 São Paulo out. 2010. SLACK, N.; CHAMBERS, S.; HARLAND, C. et al.; Administração da Produção. Tradução de Ailton Bomfim Brandão; Carmem Dolores; Henrique Corrêa et al. São Paulo: Atlas, 1997. 725p. Título original: Operations management. VARVAKIS, G. J.; DIAS, M. P.; ÑAURI, M. et al. Gerenciamento de Processos. Apostila da disciplina Gerenciamento de Processos - Programa de pós-graduação em engenharia de produção. Florianópolis: UFSC, 2001. VARVAKIS, G. J.; DIAS, M. P.; NERES, W. A. et al.; Gerenciamento de Processos e a Variável Ambiental. Apostila do curso Gerenciamento de Processos e Variável Ambiental – Programa de pós-graduação em engenharia de produção. Florianópolis: UFSC, 1998. 14 EPISTEMOLOGIA DA COMPLEXIDADE E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: PERSPECTIVAS EMERGENTES Angela Regina Heinzen Amin Helou Gerson Carlos Saiss Francisco Antonio Pereira Fialho 1. INTRODUÇÃO A emergência de uma sociedade organizada em rede, complexa, dinâmica e auto organizável demanda novas maneiras e perspectivas de se conceber, perceber e agir sobre a realidade . Uma dessas novas perspectivas que emergem neste contexto dinâmico é a epistemologia da complexidade que, por seus princípios norteadores, mostra-se como uma base conceitual adequada para articular novas reflexões sobre a atualidade. A administração pública pode ampliar o escopo de entendimento tanto de sua própria base epistemológica, quanto de sua função social, a partir de sua fundamentação com base na epistemologia da complexidade. Dada a necessidade de ampliar o olhar da administração pública sobre a sociedade contemporânea, demanda-se também um novo instrumental técnico-metodológico de planejamento para a sua gestão. Para tanto, oportuniza-se o conceito de Planejamento Estratégico Situacional por se fundamentar sobre as mesmas bases epistemológicas. Assim, o objetivo deste trabalho é prover a administração pública de uma proposta técnica e metodológica de planejamento capaz de incorporar os elementos complexos e não lineares da sociedade atual. 2. REFERENCIAL TEÓRICO 2.1. EPISTEMOLOGIA DA COMPLEXIDADE A epistemologia se propõe a conceituar tanto uma teoria geral do conhecimento quanto um estudo da gênese e estrutura das ciências. Seu conceito, mesmo sem um significado único e rigoroso, apresenta-se com nítido caráter interdisciplinar e permite ao pesquisador construir uma ideia sobre sua própria disciplina (SERVA et al., 2010). A epistemologia da ciência clássica apoia-se na ideia de que a complexidade do mundo dos fenômenos pode e deve resolver-se a partir de princípios simples e leis gerais, e seu paradigma de simplificação incorpora os princípios da generalidade, da separação e da redução. Entretanto, esses princípios são postos em suspenso pelos próprios progressos científicos. Autores como Morin (1998) estabeleceram, por isso, uma nova categorização dos princípios que devem permear a inteligibilidade da ciência, a qual se denomina paradigma da complexidade. Assim, para o autor: A complexidade surge, é verdade, lá onde o pensamento simplificador falha, mas ela integra em si tudo o que põe ordem, clareza, distinção, precisão no conhecimento. Enquanto o pensamento simplificador desintegra a complexidade do real, o pensamento complexo integra o mais possível os modos simplificadores de pensar, mas recusa as conseqüências mutiladoras, redutoras, unidimensionais e finalmente ofuscantes de uma simplificação que se considera reflexo do que há de real na realidade (MORIN, 2011, p.6). A palavra complexidade deriva de complexus, que significa o que está junto; é o tecido formado por diferentes fios que se transformaram numa coisa só. É o atributo daquilo que está trançado, enlaçado, cingido. O substantivo complexo deriva de plicare – dobrar com o sentido de “o que se desdobra”. Tudo se entrecruza e se entrelaça para formar a unidade da complexidade. A unidade do complexus não destrói a variedade e a diversidade das complexidades que o teceram. Para Serva (1992): [...] a emergência do paradigma da complexidade é uma tentativa de superar os impasses conceituais, lógicos e epistemo1ógicos que disciplinas como biologia, cibernética, físico-química, teorias da comunicação, dentre outras, criaram a partir dos seus próprios desenvolvimentos (SERVA, 1992, p.27). A epistemologia da complexidade pretende ser uma motivação para pensar e sua ambição é tratar das articulações dos conhecimentos que envolvem uma realidade que está sendo observada. Tem como pressuposto básico que a incerteza, a desordem, a contradição e a pluralidade fazem parte da problemática geral das ciências. Para Morin (1998, p. 178) “a desordem e o acaso estão presentes no universo, e ativos na sua evolução”. A esse paradigma, que está embasado em três pilares, quais sejam: ciência da informação, cibernética e teoria dos sistemas, Morin (1998) fornece alguns princípios de inteligibilidade: (a) validade, mas insuficiência do princípio de universalidade; (b) necessidade de fazer intervir a história e o acontecimento em todas as descrições e explicações; (c) o reconhecimento da impossibilidade de isolar unidades elementares simples na base do universo físico – princípio que une a necessidade de ligar o conhecimento dos elementos ou partes ao conhecimento dos conjuntos ou sistemas que elas constituem; (d) a incontornabilidade da organização e da auto-organização; (e) da causalidade complexa – causalidade mútua; (f) consideração dos fenômenos segundo uma dialógica de ordemdesordem-interações-organização; (g) distinção e não separação entre o objeto ou o ser e seu ambiente; (h) relação entre o observador/concebedor e o objeto observado/concebido; (i) possibilidade e necessidade de uma teoria científica do sujeito; (j) reconhecimento científico da noção de autonomia; (l) reconhecimento dos limites da demonstração lógica nos sistemas formais complexos; (m) pensar de maneira dialógica e por macro conceitos, ligando de maneira complementar noções antagônicas. Conseqüentemente, a complexidade, vista por esses princípios, não é só um fenômeno empírico – acaso, eventualidade, desordem, complicação, é também “um problema conceitual e lógico que confunde as demarcações e as fronteiras bem nítidas de conceitos como produto e produto, causa e efeito e um e múltiplo” (MORIN, 1998, p. 183). Assim, para conceituar complexidade é preciso seguir inúmeros elementos que Morin (1998) chama de avenidas: (a) a irredutibilidade do acaso e da desordem estão presentes no universo e ativos na sua evolução; (b) a transgressão dos limites da abstração universalista que elimina a singularidade, a localidade e a temporalidade; (c) a complicação que surge quando se percebe que os fenômenos biológicos e sociais apresentam um número incalculável de interações e inter-retroações; (d) a misteriosa relação complementar entre as noções de ordem, desordem e de organização; (e) a organização – aquilo que constitui um sistema a partir de elementos diferentes – é, ao mesmo tempo , uma unidade e uma multiplicidade. Trata da não transformação do múltiplo em um e nem de um em múltiplo; (f) no princípio hologramático não só a parte está no todo, mas também o todo está na parte; (g) a crise de conceitos fechados e claros, crise da clareza e da separação das explicações. As verdades aparecem nas ambiguidades e numa aparente confusão; (h) a volta do observador à observação porque é “ilusão eliminar o observador nas ciências sociais” (p.185). Para Kuhn (2006), há inúmeras razões que justificam a adoção do paradigma da complexidade na ciência uma vez que procura entender e discorrer sobre a natureza e o funcionamento do mundo, surgindo com uma visão ontológica diferente do paradigma cartesiano. A explicação ontológica sobre a complexidade é que a realidade é autoorganizável, não linear, influenciada por diferentes aspectos. E que, mesmo que os fenômenos pareçam caóticos, formam um processo coerente. Na perspectiva da complexidade, as 2 experiências culturais humanas são complexas e dinâmicas e o espaço social é multidimensional, não linear e interconectado. Assim, para Kuhn (2006), a perspectiva da complexidade é apropriada para ser aplicada às ciências sociais porque é uma “poderosa teoria social quando abre possibilidades humanas e encoraja o aprofundamento do pensamento e da inovação” (KUHN, 2006, p.163). Para Morin (2003), há necessidade de se adotar uma forma de pensamento que compreenda: (a) que o conhecimento das partes depende do conhecimento do todo e que o conhecimento do todo depende do conhecimento das partes; (b) que reconheça e examine os fenômenos multidimensionais, em vez de isolar cada uma de suas dimensões; (c) que reconheça e trate as realidades, que são mutuamente solidárias e conflituosas, como a própria democracia, sistema que se alimenta de antagonismos e ao mesmo tempo os regula; (d) que respeite a diferença, enquanto reconhece a unicidade. Esse pensamento complexo substituirá a causalidade linear e unidimensional por outra em círculo e multirreferenciada e se estabelecerá pelos princípios: (a) sistêmico – que liga o conhecimento das partes ao todo; (b) hologrâmico – não apenas a parte está no todo, como o todo está em toda a parte; (c) do circuito retroativo – permite o conhecimento dos processos autor reguladores; (d) do circuito recursivo – ultrapassa a noção de regulação com as de autoprodução e auto-organização; (e) da autonomia/dependência – seres vivos se autoproduzem e despendem energia para manter sua autonomia, retirando isso do meio ambiente; (f) dialógico – une dois princípios ou noções que deveriam excluir-se reciprocamente, mas são indissociáveis em uma realidade; (g) da reintrodução do conhecimento em todo conhecimento – todo conhecimento é uma reconstrução/tradução feita por uma mente em uma cultura e época determinada (MORIN, 2003). Na percepção de Mariotti (2007), a complexificação do pensamento sistêmico só foi consolidada quando Morin percebeu a necessidade de se criar um método para o estudo da complexidade que juntasse disciplinas tradicionalmente separadas em dois amplos domínios: as ciências exatas e as ciências humanas. Disso resulta o pensamento complexo, uma ligação entre as ciências, que tem como base o conceito de organização ou sistema. O pensamento complexo visa juntar as coisas, pessoas e situações, para que de sua interação surjam idéias novas. Mas, procura fazer isso sem a perda da condição de individualidade, da singularidade de cada coisa e situação (MARIOTTI, 2007). De qualquer ângulo pelo qual a complexidade é observada, ela é, em essência, um modo não linear de manifestação dos fenômenos. Por isso a complexidade só pode ser adequadamente entendida por um sistema de pensamento aberto, integrador, pluralista e flexível. Isto por que “ele aceita e procura entender as mudanças constantes do mundo real, e não tem a pretensão de negar ou ocultar a contradição a diversidade e a incerteza, mas procura compreendê-las e aprender a conviver com elas” (MARIOTTI, 2007, p.123). Para Morin (2011) complexidade não compreende apenas aquilo que não conseguimos calcular, mas compreende incertezas, indeterminações, fenômenos aleatórios, isto é, tem sempre relação com o acaso; a incerteza no meio de sistemas ricamente organizados. Em função disso, Morin (1998) coloca que a complexidade não tem metodologia, mas tem um método que pede que se pensem os conceitos como inconclusos e que se restabeleçam as articulações entre o que foi separado, na tentativa de compreender a multidimensionalidade, as singularidades, a localidade, a temporalidade e a totalidade integradora. 2.2. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A Administração Pública pode ser considerada como: 3 [...] um conjunto de conhecimentos e de estratégias em ação para prover os serviços públicos – bem comum – para o ser humano, considerado em suas múltiplas dimensões e como cidadão partícipe de uma sociedade multicêntrica articulada politicamente (SALM; MENEGASSO, 2009, p. 103). De acordo com Denhardt (2011), no escopo da teoria da administração pública, podem-se identificar algumas orientações: (a) a administração pública, vista como uma parte do processo governamental e, portanto, tendo afinidade com a ciência política. Nesta visão, a teoria da organização é simplesmente uma parte de uma teoria política mais ampla; (b) as organizações públicas vistas como se fossem iguais às organizações privadas. Nesta visão, a teoria da organização pública constitui simplesmente parte de uma teoria organizacional mais ampla; (c) a visão de que a administração pública se distingue por sua relação com o processo de governo, sustentada por muitos dos primeiros autores do campo (GAUS, WHITE, DUMOCK, 1951; AMATO, 1971). Nela se reconhece que o aparato burocrático público não é apenas um braço do governo, mas que também exerce um papel significativo no processo governamental e político (DENHARDT, 2011). Como modelo, a administração pública evoluiu de uma perspectiva patrimonialista para uma perspectiva burocrática baseada nos princípios do modelo ideal de Weber (apud RAMOS, 1983), cujas características são: o exercício do poder racional-legal; a centralização das decisões na hierarquia traduzida no princípio da unidade de comando; a estrutura piramidal do poder; as rotinas rígidas e com controle passo a passo dos processos administrativos. A burocracia, em função dessas características, é a forma mais eficiente e racional de exercício de governo se comparada a outras formas de administração (SCHWARTZMANN, 1987). Entre os contemporâneos e sucessores de Weber a literatura está marcada por uma ambigüidade fundamental. De um lado, a maior parte dos autores descreve o desenvolvimento das organizações burocráticas como um fenômeno que corresponde ao advento do mundo contemporâneo e da racionalização, e que, por isso, é intrinsecamente superior a todas as outras formas possíveis de organização. Por outro lado, muitos autores consideram as organizações burocráticas verdadeiros Leviatãs através dos quais está se preparando a escravidão da raça humana. O comportamento estandardizado que se deseja na estrutura burocrática, por sua previsibilidade, supõe o desenvolvimento de uma atitude rígida que desenvolve uma casta, abrindo um fosso entre o funcionário e seu público (CROZIER, 1981). Para Bresser Pereira (1996), o modelo burocrático foi também adotado pela necessidade de se desenvolver um tipo de administração que estabelecesse, além de uma clara separação entre público e privado, outra entre o político e o administrador público. Entretanto, segundo o autor, o pressuposto da eficiência em que se baseava o modelo burocrático não se revelou real. Nesse sentido, autores como Pinchot (1994) e Bennis (1995), afirmam que, a despeito dos resultados positivos alcançados pela burocracia na era industrial, o modelo está em declínio. Osborne e Gaebler (1992) corroboram com isso e referem-se a uma mudança na concepção da palavra burocracia, que, de um sentido positivo por conotar racionalidade, eficiência e uma forma de estrutura organizacional, foi se transformando em uma gigantesca estrutura de controle que visava à proteção do interesse público, acabando por criar uma obsessão pela regulamentação do processo, ao invés de focar nos resultados obtidos. Assim, o modelo de burocracia estatal, moroso e excessivamente centralizado, mais preocupado com regras do que com resultados, com organogramas inchados e gerador de ineficiência e desperdício, precisava ser reinventado (OSBORNE e GAEBLER, 1992). 4 Desenvolve-se, a partir disso, a Nova Administração Pública (NAP), cujo fundamento é a utilização de um novo paradigma como modelo para relações políticas e administrativas, com vistas à construção de um novo perfil de estado - mais eficaz e melhor qualificado para a prestação de serviços públicos de qualidade e com menores custos para a sociedade. Para Paula (2007), o movimento gerencialista e a cultura do gerenciamento que era aplicado, sobretudo no setor privado, foram incorporados ao setor público, dando origem ao surgimento do movimento “reinventando o governo”, expressão utilizada por Osborne e Gaebler (1992) que define, para os autores, o escopo da NAP. Para os autores, entretanto, a NAP nascida como uma expressão reelaborada pelas perspectivas gerencialistas, não conseguiu – apesar de seu discurso participativo – incorporar a dimensão sociopolítica no escopo da gestão, o que estabelece um grande limite para a metodologia. Entretanto Denhardt (2011) argumenta que é possível se articular uma redefinição do campo da administração pública que inclua: (a) as perspectivas das abordagens anteriores – políticas, genéricas e profissionais; (b) a identificação da administração pública como um processo e (c) a ênfase na natureza política desse processo. O autor, aparentemente influenciado por uma nova perspectiva epistemológica, parte de uma crítica sobre a teoria dominante da administração pública e aponta que a mesma parece centrada no modelo racional de administração, que tem ao menos duas limitações importantes: (a) baseia-se em uma visão estreita e restritiva da razão humana; (b) suporta-se em um entendimento incompleto da aquisição do conhecimento. O primeiro aspecto – de que o modelo racional se baseia em uma visão limitada e restritiva da razão humana – associa o conceito de racionalidade instrumental ao crescimento de uma economia de mercado. Para Ramos (1981), a teoria das organizações é subproduto dos processos organizacionais que surgiram com o desenvolvimento de uma sociedade centrada no mercado. Para satisfazer as necessidades desta, os controladores das grandes organizações buscam maior eficiência mediante um processo racionalizado de produção que foca sua atenção nos meios necessários para que a organização atinja determinados fins, afastando a atenção das pessoas sobre os próprios fins. Para Denhardt (2011), agindo desta maneira, as organizações dificilmente estariam expressando valores societários, mas, sim, tentando atingir, a custo mínimo, os objetivos. Segundo o autor, essas considerações devem ser discutidas nas organizações públicas, já que a distinção cometida pelo modelo racional, entre meios e fins, tem clara conexão com a dicotomia entre política e administração, em que “o papel das organizações públicas consiste simplesmente em descobrir os meios mais eficientes para os fins politicamente dados” (DENHARDT, 2011, p. 219). Apesar de operar de forma bastante eficiente, o modelo racional omite toda a preocupação com o contexto moral em que a ação pode ocorrer. A racionalização da sociedade se tornou um processo em que as questões de valores humanos – liberdade, justiça e igualdade, por exemplo – deixam de ter importância como critério de julgamento para a ação pública, sendo substituídas pelo cálculo específico de custos e benefícios, meios e fins. Sendo assim, quando as únicas questões discutidas são as medidas de eficiência, as funções de deliberação, comunicação e participação parecem perder importância. No entanto, se a administração pública deve cumprir a promessa de apoiar e promover o bem comum, “seus membros devem ter disposição para pensar em questões mais amplas, como as que nos tornam capazes de estabelecer senso de responsabilidade pessoal ou de ação mútua” (DENHARDT, 2011, p. 221). 5 O segundo aspecto – entendimento incompleto sobre a aquisição do conhecimento – pretende indicar que só existe um modo de se obter o conhecimento verdadeiro, que é por intermédio da aplicação rigorosa dos métodos da ciência positiva nas relações sociais, o que não considera, portanto, o papel das experiências subjetivas na vida humana. Essa crítica assevera que os indivíduos que são os elementos centrais da ação pública têm razões subjetivas para suas ações - valores - que não são acessíveis a quem observa de fora seu comportamento. Enquanto as ações podem ser observadas, os valores não podem, e assim, é limitada a capacidade da ciência positiva de obter uma visão mais completa da ação humana. Daí decorre para Denhardt (2011) “a visão positivista vigente orienta-se para explicações instrumentais que possibilitam a predição e, em última analise, o controle dos assuntos humanos” (DENHARDT, 2011, p. 226). Esta linha de raciocínio revela-se um conjunto incompleto não só porque seu poder explicativo é limitado, mas também porque é preciso teorias que ajudem a compreender o sentido da ação humana e permitam agir com mais clareza e habilidade na busca dos objetivos societários. Por isso pretende-se adotar neste trabalho a concepção do autor, para quem a administração pública “está interessada na gestão dos processos de mudança que buscam lograr os valores societários publicamente definidos” (DENHARDT, 2011, p. 30). 2.3. EPISTEMOLOGIA DA COMPLEXIDADE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Como se viu, Ramos (1981), Serva et al. (2010) e Denhardt (2011) evidenciam a necessidade de uma reformulação epistemológica na teoria das organizações. Para Serva et al. (2010), “os estudos voltados para a sedimentação de paradigmas emergentes podem, então, auxiliar significativamente a redução das dificuldades epistemológicas estruturais existentes na teoria das organizações” (SERVA et al., 2010, p. 280). Para Haynes (2008), a complexidade pode promover uma nova abordagem que respeite as complexas interações entre os elementos que integram um sistema, formando uma visão global das interações entre os seus diferentes componentes. De acordo com Teisman (2008) e Klijn (2008) a teoria da complexidade pode adicionar à administração pública: (a) uma atenção à dinâmica dos fenômenos que examina os quais são frequentemente não lineares e guiados por uma variedade de forças. Por isso, entender a não linearidade dos fenômenos é uma importante pretensão da teoria da complexidade, que deve se estender à teoria da administração pública; (b) a percepção de que os fenômenos não se desenvolvem somente por forças externas impostas sobre eles e não se comportam somente de acordo com leis e princípios predefinidos, eis que têm uma capacidade de auto-organização; (c) a importância do contexto, da situação. Muito embora os gestores públicos tendam a focar suas próprias ambições e habilidades para fazer a diferença, a teoria da complexidade enfatiza os impactos do contexto sobre os efeitos do comportamento. Devido à multiplicidade de contextos e aos comportamentos dinâmicos dos agentes, a configuração do contexto sobre o qual o gestor público irá atuar sofre constantes mudanças; (d) que o comportamento dos atores se configura como um elemento complexo autoorganizável (TEISMAN, KLIJN, 2008). O uso da teoria da complexidade para avaliar os sistemas políticos coloca uma ênfase na formação de uma visão holística do sistema e das interações dos diferentes componentes nos processos em mudança (HAYNES, 2008). A partir das considerações acima, conclui-se que, fundamentando a gestão pública pelas bases epistemológicas da teoria da complexidade, se contribuirá para uma abordagem inovadora e evolucionária da administração pública. O objetivo principal é prover a 6 administração pública de conceitos da teoria da complexidade e demonstrar como podem agregar valor à gestão. (TEISMAN, KLIJN, 2008) A importância da teoria da complexidade para os decisores políticos reside essencialmente nas implicações de seus pressupostos para a compreensão da dinâmica dos sistemas e, em particular, as fontes e os padrões da mudança ambiental. No âmbito da teoria da complexidade, o que definitivamente não é disponível para os planejadores e avaliadores é uma imagem clara de todo o ambiente. O funcionamento dos sistemas adaptativos complexos simplesmente não permite o conhecimento das vias de não repetição que são gerados espontaneamente pelo comportamento de auto-organização dos sistemas. Na melhor das hipóteses, os planejadores e estrategistas podem esperar apenas para entrar no jogo, como os próprios jogadores, ou para participar na definição do contorno das regras em que o jogo vai ser jogado (BOVAIRD, 2008). Em tal contexto, é preciso conceituar a gestão estratégica como algo muito diferente do planejamento estratégico tradicional encontrado na literatura de gestão pública isto é, respondendo com intenções claramente formuladas sobre as mudanças no ambiente. Em vez disso, a gestão estratégica torna-se o conjunto de reações de um agente por meio do qual espera tanto tirar o máximo proveito das mudanças percebidas do ambiente, quanto também para poder mudar, a longo prazo, as "regras do jogo", que modelam a evolução do próprio ambiente. (BOVAIRD, 2008). Deste modo, dada a complexidade que envolve o processo de planejamento na gestão pública, oferece-se como proposta técnico-metodológica o Planejamento Estratégico Situacional. 2.4. PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO SITUACIONAL Para Oliveira (2004) planejamento estratégico é o processo administrativo que proporciona sustentação metodológica para se estabelecer a melhor direção a ser seguida pela organização, otimizando sua interação com o ambiente externo. Diz respeito tanto à formulação dos objetivos quanto à seleção dos cursos de ação a serem seguidos pela organização, levando-se em conta condições internas e externas. Isso reforça a colocação de que uma grande suposição da literatura de planejamento estratégico é de que “a formação de estratégia é um processo de planejamento, idealizado ou apoiado por planejadores, para planejar a fim de produzir planos” (MINTZBERG, 2004, p. 41). Nas organizações, grande parte da administração estratégica tem enfatizado o lado racional e prescritivo do processo, enfocando os aspectos das escolas de design, do planejamento e do posicionamento. Suas premissas são de que as estratégias devem resultar de um processo controlado e consciente de planejamento formal, decomposto em etapas distintas e delineadas e explicitadas para que possam ser implementadas por uma atenção detalhada a objetivos, orçamentos, programas e planos operacionais de vários tipos (MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL, 2010). Matus (1997) ressalta que um enfoque metodológico sobre o planejamento é uma forma de pensar e conceber o planejamento mediante o desenvolvimento de um conjunto de categorias centrais, com suas inter-relações, que sejam capazes de representar as relações de direção e causa de um problema. Para o autor, o planejamento pode se fundamentar em várias teorias e diversos enfoques, segundo a natureza dos problemas e os casos de aplicação, de sorte que a posição de 7 onde se planeja, as características dos líderes do processo e o conteúdo propositivo que orienta a ação resultará em distintos métodos de planejamento. Mesmo que em princípio, toda metodologia de planejamento refira-se ao cálculo que precede e preside a ação, Matus ressalta que o cálculo situacional sistemático e articulado em diferentes momentos é mais potente e eficaz que o cálculo puramente técnico definido pelo planejamento estratégico tradicional, definido na perspectiva da estratégia como plano. Por isso, corroborando Matus (1997, p. 71), para quem “a pobreza e rigidez do cálculo que precede e preside a ação” dos métodos tradicionais de planejamento são deficientes e precisam ser desmontados epistemologicamente, é que se vai descrever um novo método de planejamento denominado Planejamento Estratégico Situacional (PES). Para Fortis (2010), ao se tentar compreender a ruptura epistemológica proposta pela perspectiva situacional desenvolvida por Matus (1980) e concretizada pelo Planejamento Estratégico Situacional (PES), é preciso atentar para um contexto mais amplo: a substituição do pensamento formulado na modernidade – aposta na capacidade racional do ser humano e no potencial transformador da tecnologia – pelo pensamento pós-moderno, que manifesta dúvidas sobre a objetividade e a neutralidade do conhecimento; questiona teorias universalmente válidas; nega a separação entre sujeito e objeto, procurando destacar em todos esses aspectos, sobretudo, a importância da dimensão social da existência. De acordo também com Fortis (2010), Matus aponta não só as limitações das técnicas utilizadas no planejamento estratégico governamental, mas também as deficiências teóricas dos métodos que o envolvem - a linearidade, o mecanicismo e o reducionismo. Matus defendia, portanto, superar a ortodoxia positivista vigente fundamentando uma epistemologia situacional ancorada pelos conceitos de complexidade, indeterminação e incerteza (Fortis, 2010). Para fundamentar o conceito de Planejamento Estratégico Situacional (PES), Matus (1997, p. 72) parte de uma pergunta para iniciar sua proposta: “quem é e onde está situado o ator que planeja?”. Em sua percepção, a resposta a essa pergunta permitirá demonstrar que tipo de planejamento mais se adéqua ao planejamento da ação humana. Relaciona o autor, ainda, que no planejamento estratégico tradicional, o ator que planeja está fora ou sobre a realidade planejada, e, nesta realidade, não interage com outros atores que também planejam. Assim, como conseqüência, pode-se inferir: (a) o sujeito é diferenciável do objeto; (b) não pode haver mais de uma explicação verdadeira sobre a realidade; (c) explicar é descobrir as leis que regem os objetos; (d) o poder não é um recurso escasso; (e) não existe a incerteza mal definida; (f) os problemas a que se refere o plano são bem estruturados e tem solução conhecida. Assumindo uma hipótese de base mais ampla, o autor propõe que o ator que planeja está dentro da realidade e ali se relaciona com outros atores que também planejam. Por isso, as conseqüências que se podem inferir desse caso são: (a) o sujeito não é distinto do objeto; (b) há mais de uma explicação verdadeira para a realidade; (c) os atores sociais geram possibilidades em um sistema social que somente, em parte, segue leis; (d) o poder é escasso e limita a viabilidade do deve ser; (e) a incerteza mal definida domina o sistema social; (f) o plano refere-se a problemas quase estruturados. Surge, a partir dessa perspectiva, um tipo de planejamento estratégico cuja característica essencial é o uso do conceito de situação, e que do ponto de vista prático, propõe planejar a partir das situações. Concretiza-se como Planejamento Estratégico Situacional (PES) e refere-se à ação intencional e reflexiva, onde o produtor da ação espera 8 obter, conscientemente, determinados resultados numa situação de conflito ou cooperação com os outros (MATUS, 1997). De forma sintética, o que Matus (1997) pretende demonstrar é que a perspectiva clássica baseada (a) no determinismo, (b) na desconsideração das subjetividades, (c) na compartimentalização vertical das ciências, (d) na explicação única da realidade através do diagnóstico, e, (e) na consideração da sociedade como um objeto sem atores, é incapaz de enfrentar a complexidade da realidade social pós-moderna. A ruptura que propõe está alicerçada em sua crítica aos modelos tradicionais de planejamento que: (a) separam o sujeito e objeto, objetivando ao planejador um ponto de vista exterior e independente; (b) presumem que a correspondência entre realidade e os fatos pode ser representada por meio de teorias; (c) descrevem a sociedade como um fenômeno redutível a leis que se repetem regularmente; (d) medem o desempenho da ação governamental por critérios de eficácia econômica; (e) enfatizam os diagnósticos e predições que autorizariam a formulação de prescrições. Assim, o Planejamento Estratégico Situacional (PES), proposto pelo autor, surge como uma ferramenta com fundamentos técnicos – metodológicos adequados para se planejar em sistemas complexos, e está fundamentada no conceito de situação, fazendo uma articulação entre o procedimento normativo e o procedimento estratégico. Na busca pela eficácia do processo de planejamento estratégico, o método se fundamenta em quatro âmbitos diferenciadores, também chamados dos quatro momentos do PES. Sucintamente, serão descritos cada um desses momentos e os elementos que os compõem (MATUS, 1997): Momento explicativo – é a fase da avaliação situacional, que deve ser efetuada a partir da compreensão do processo de inter-relação entre os problemas. Na descrição de um problema, expressam-se os fatos que revelam sua existência na percepção de inúmeros atores. Esses sintomas são enumerados em um conjunto de descritores do problema que passam a ser chamados de vetor de descrição do problema (VDP) os quais, depois, serão associados aos nós críticos do problema - pontos cruciais para a eficácia do processo. Momento normativo – apresenta um direcionamento que reúne a situação inicial analisada e a situação à qual se quer chegar: situação objetivo. O vetor de descrição do problema se torna o vetor de resultados (VDR) e irá refletir a proposta do direcionamento dado a cada problema. Nesse momento, são construídos cenários – situações em que se imaginam diferentes possibilidades de ação. A síntese das possibilidades é feita por uma árvore de apostas de cada problema, que será descrita com o conjunto de orientações para a ação em cada situação descrita. O resultado será o desenho prévio das ações que se concretizarão na montagem de um plano direcional. Momento estratégico – o plano direcional será submetido à análise estratégica, a partir da identificação das diversas interações entre os atores e das oportunidades e interações que disso decorrem. A viabilidade do plano direcional passa a ser considerada tanto no aspecto político, quanto econômico, tecnológico e institucional. Momento tático operacional – é o momento em que o plano se converte em ação e em que acontece a mediação entre o conhecimento e a ação. Será executado por cinco mecanismos distintos: (a) gerência por operações; (b) orçamento por programas; (c) petição e prestação de contas; (d) planejamento da conjuntura; (e) sala de situações. 9 Ao sugerir a realização do planejamento a partir desta perspectiva, Matus concebeu uma epistemologia de caráter situacional que tem como elementos centrais: (a) que o planejamento deve ser estudado sob a ótica da teoria do jogo social e não apenas do reducionismo economicista; (b) que o planejador não está dissociado da realidade que pretende transformar, evidenciando a inseparabilidade entre sujeito e objeto; (c) a necessidade de questionar o poder explicativo das teorias científicas, já que os modelos analíticos não podem explicar toda a realidade social; (d) a critica à idéia de diagnóstico único, de neutralidade do conhecimento e da verdade objetiva; (e) a percepção da natureza eminentemente interativa do jogo social (MATUS, 1997). O caráter situacional proposto pelo autor parte da noção de “perspectiva do ator” (MATUS, 1997, p.72), que é entendido como portador de interesses, visões e preconceitos não coincidentes, o que torna o planejamento um jogo social aberto, cujo resultado da interação entre os atores não pode ser conhecido a priori. A situacionalidade se torna, por isso, a essência do planejamento. Portanto, para Matus (1993, p. 19), “planejamento é o cálculo situacional sistemático que relaciona o presente com o futuro e conhecimento com a ação”. De outra parte e “a situação é percebida como a apreciação da realidade que enfrenta um ator a partir de sua visão do problema” (MATUS, 1997, p. 181). Conhecer a realidade, encontrando-se nela, é possuir uma explicação situacional, é fazer uma reflexão de dentro, é a forma de conhecer do homem de ação. A situação fala por si mesma. O significado não existe fora da ação. Ortega e Gasset (apud MATUS, 1997, p. 206), contribuindo para a formulação do conceito de situação, diz que: [...] uma ideia é sempre reação de um homem a uma determinada situação de sua vida. Isto é, só possuímos a realidade de uma ideia, o que ela é por inteiro, se a tomarmos como reação concreta a uma situação concreta. Ela é, assim, inseparável desta. Talvez fique ainda mais claro dizer isto: pensar é dialogar com a circunstância. Queiramos ou não, temos sempre presente e patente nossa circunstancia; por isso nos entendemos. Mas para entender o pensamento do outro, temos que nos fazer presentes em sua circunstancia. Sem isso, seria como se de um dialogo possuíssemos apenas o que diz um dos interlocutores (GASSET apud MATUS, 1997, p. 206). A última parte do conceito formulado por Ortega e Gasset parece tornar evidente a diferença entre o diagnóstico tradicional e a explicação situacional. “O diagnóstico é um monólogo feito por alguém não situado e fechado em sua própria visão do mundo que o rodeia. Já a apreciação situacional é um diálogo entre um ator e outros atores” (MATUS, 1997, p. 207). Este é um ponto central para o Planejamento Estratégico Situacional (PES): não há ação à distância, atua-se apenas no presente e no local. Sendo assim, a explicação de uma realidade não é independente de quem explica, de para quê explica, de que posição explica e para quem explica. Portanto, se a realidade não é a mesma, não pode ter a mesma explicação por parte dos diferentes atores sociais que ocupam situações diferentes no sistema explicado. Em função disso o Planejamento Estratégico Situacional (PES) presume considerar uma explicação policêntrica da realidade (MATUS, 1997). 3. METODOLOGIA O delineamento dos procedimentos metodológicos é de natureza descritiva e exploratória; a escolha de procedimentos sistemáticos para a descrição e explicação dos 10 fenômenos é predominantemente qualitativa, e, quanto aos procedimentos de coleta de dados, bibliográfica. A abordagem qualitativa se justifica, sobretudo, por tratar-se de uma forma adequada para entender a natureza de um fenômeno social. Os estudos que empregam uma metodologia qualitativa podem descrever a complexidade de um determinado problema, analisar a interação de certas variáveis, compreender e classificar processos dinâmicos vividos por grupos sociais, contribuir no processo de mudança de determinado grupo, e possibilitar em maior nível de profundidade, o entendimento das particularidades de seus comportamentos. Já a pesquisa descritiva busca conhecer as diversas situações e relações que ocorrem na vida social, política, econômica e demais aspectos do comportamento humano (CERVO e BERVIAN, 1996). A pesquisa descritiva pode assumir diversas formas, entre as quais, está o estudo exploratório que se restringe a definir os objetivos da pesquisa e buscar maiores informações sobre os assuntos que vão ser estudados. Tais estudos realizam descrições precisas da situação e permitem descobrir as relações existentes entre os elementos componentes da mesma. A técnica de pesquisa utilizada foi a bibliográfica, que permite explicar o problema a partir de referências teóricas publicadas. Ela pode ser realizada independentemente ou como parte da pesquisa descritiva. Em ambos os casos, busca conhecer ou analisar as contribuições culturais ou científicas do passado existentes sobre um determinado assunto, tema ou problema. Constitui parte da pesquisa descritiva quando esta é feita com intuito de recolher informações e conhecimentos prévios acerca de um problema para o qual se procura resposta (CERVO e BERVIAN, 1996). 4. RESULTADOS E DISCUSSÕES No referencial teórico utilizado para fundamentar o trabalho perceberam-se algumas evidências da necessidade de uma nova epistemologia para pensar e explicar as singularidades e as subjetividades das pessoas, do mundo e até das instituições. Visto que a epistemologia clássica se utiliza de princípios simples e leis gerais, e seu paradigma de simplificação incorpora os princípios da generalidade, da separação e da redução, os autores referidos sugerem que se restabeleça a unidade do complexo e as articulações entre o que foi separado, na tentativa de compreender a multidimensionalidade, as singularidades, a localidade, a temporalidade e a totalidade integradora. A racionalidade da epistemologia clássica apoia-se na ideia de que a complexidade dos fenômenos pode e deve ser resolvida a partir de princípios simples e leis gerais, desconsiderando valores humanos como liberdade, justiça e igualdade, e substituindo-os pelo cálculo específico de custo e benefício, e considerações tipo meios - fins. Por essa razão, esse trabalho fundamenta-se na epistemologia da complexidade como um novo paradigma o qual considera o entendimento da incerteza, da desordem, da contradição e da pluralidade como parte da problemática geral das ciências. A ambição dessa epistemologia é explicar as conectividades dos conhecimentos que envolvem a realidade observada, visto que o pensamento complexo reconhece e examina os fenômenos por uma ótica multidimensional. Por essa razão é necessário substituir o pensamento causal linear e unidimensional pelo pensamento causal circular e multirefenciado. Na epistemologia da complexidade o campo de conhecimento deixa de se configurar pelo objeto puro, e passa a ser considerado pelo objeto visto, percebido e coproduzido pelas pessoas. 11 Levando em consideração os aspectos aqui elencados acerca da epistemologia da complexidade, pretende-se contribuir para a administração pública com um novo olhar sobre ela mesma e sobre a sociedade que é seu objeto e seu campo de atuação. No campo da teoria das organizações, no qual a administração pública está inserida, estas diferentes abordagens epistemológicas – clássica e complexa – redundam em duas formas distintas de gestão pública. A forma clássica de gestão evoluiu de uma perspectiva burocrática, para uma gerencial, contudo não conseguiu incorporar a dimensão sócio - política à gestão pública por se basear em uma visão estreita e restritiva da razão humana, além de ter um entendimento incompleto da aquisição do conhecimento. Sua racionalidade instrumental limita as ações públicas a um aspecto de eficiência e racionalização dos meios e fins onde os valores humanos deixam de ser critério de julgamento para as ações. Por essa razão, a epistemologia da complexidade pode suprir as limitações das teorias que têm um entendimento incompleto do sentido da ação humana, além de promover uma abordagem que respeite as complexas interações entre os elementos que compõem um sistema, formando uma visão global das relações entre os seus diferentes componentes. A complexidade pode adicionar à administração pública uma atenção aos fenômenos complexos, frequentemente não lineares e guiados por uma variedade de forças, com grande capacidade de auto-organização e situados em um contexto específico. Devido à multiplicidade de contextos na sociedade, a configuração do ambiente sobre o qual o gestor público irá atuar muda constantemente, por isso a importância da teoria da complexidade para os decisores públicos. No âmbito da teoria da complexidade, o que definitivamente não é disponível para os planejadores e avaliadores é uma imagem clara de todo o ambiente. O funcionamento dos sistemas adaptativos complexos simplesmente não permite o conhecimento das vias de comportamento auto-organizável dos sistemas. Na melhor das hipóteses, os planejadores e estrategistas podem esperar apenas para entrar no jogo, como os próprios jogadores, ou para participar na definição do contorno das regras em que o jogo vai ser jogado (BOVAIRD, 2008). Em tal contexto, é preciso entender a gestão estratégica como algo muito diferente do planejamento estratégico tradicional encontrado na literatura de gestão pública, isto é, aquela que responde com intenções claramente formuladas às mudanças no ambiente. Em vez disso, a gestão estratégica torna-se o conjunto de reações de um agente por meio do qual se espera tanto para tirar o máximo proveito das mudanças percebidas no seu ambiente, quanto também para mudar, a longo prazo, as "regras do jogo", que modelam como o ambiente evolui. Assim, como maneira de fundamentar o planejamento na gestão da administração pública sugere-se a adoção de um modelo técnico metodológico de planejamento, denominado Planejamento Estratégico Situacional, que rompe com a epistemologia clássica ao negar a separação entre sujeito e objeto, opondo-se também ao pensamento linear, mecânico e reducionista que se fundamenta na epistemologia da complexidade. Na perspectiva do planejamento estratégico situacional, o sujeito que planeja deve estar dentro e em interação com a realidade sobre a qual pretende intervir, e, por isso, a explicação de uma realidade não deve ser independente de quem explica, de para quê explica, de que posição explica e para quem explica. 12 O Planejamento Estratégico Situacional representa uma ruptura epistemológica que substitui o pensamento formulado na modernidade – aposta na capacidade racional do ser humano e no potencial transformador da tecnologia – pelo pensamento pós-moderno, que manifesta dúvidas sobre a objetividade e neutralidade do conhecimento; questiona teorias universalmente válidas; nega a separação entre sujeito e objeto, procurando destacar em todos esses aspectos, sobretudo, a importância da dimensão social da existência. Em função disso, o Planejamento Estratégico Situacional (PES) presume considerar uma explicação policêntrica da realidade, adequando-se ao pensamento embasado pela epistemologia da complexidade. Assim, parece pertinente aceitar–se a epistemologia da complexidade para fundamentar perspectivas emergentes para a gestão da administração pública. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A administração pública tem como objetivo promover o bem comum. Por isso, deve procurar dotar-se de instrumentos que lhe permitam gerir os processos que concretizem objetivos publicamente definidos. Um desses instrumentos, denominado planejamento estratégico, vem sendo aplicado na gestão pública, especialmente a partir da perspectiva de estratégia como plano. Como todo enfoque metodológico sobre o planejamento, é uma forma de pensar e conceber o planejamento mediante o desenvolvimento de um conjunto de categorias centrais - com suas inter-relações - que sejam capazes de representar as relações de direção e causa de um problema. É precisamente essa perspectiva voltada para o planejamento estratégico na área pública que se propõe substituir. Como alternativa, apresenta-se o Planejamento Estratégico Situacional (PES), cuja premissa enuncia que a realidade não é independente de quem explica, para que explica, de que posição explica e para quem explica. Portanto, se a realidade não é a mesma nas várias situações, não pode ter a mesma explicação por parte dos diferentes atores sociais que ocupam situações diferentes no sistema explicado. Em função disso, o Planejamento Estratégico Situacional (PES) presume considerar uma explicação policêntrica da realidade. Parece pertinente dizer que esta visão de planejamento está fundamentada em uma base epistemológica complexa, o que permitirá ao gestor público conhecer mais profundamente quem são e o que desejam os sujeitos para quem a administração pública planeja. Assim, conclui-se que a perspectiva situacional do planejamento e sua ancoragem na epistemologia da complexidade permitirá ao administrador público uma ação mais efetiva sobre a realidade. Mesmo que este trabalho apresente como limite ser de natureza bibliográfica, acreditase que a robustez dos conceitos e circunstâncias aqui reportados, fazem-no pertinente e merecedor de reflexões coerentes com a modernidade e a atualidade presentes. 6. REFERÊNCIAS AMATO, P. Introdução a administração pública. Rio de Janeiro: FGV, 1971. BENNIS, W. A invenção de uma vida. Rio de Janeiro: Campus, 1995. BOVAIRD, T. Emergent strategic management and planning mechanisms in complex adaptive systems. Public Management Review. V. 10, N. 3, 2008, pp 319-340. 13 BRESSER PEREIRA, L. C. Crise econômica e reforma do estado no Brasil: para uma nova interpretação da América Latina. São Paulo: Atlas, 1996. CERVO, A. L.; BERVIAN, P. A. Metodologia científica. 4. ed. São Paulo: Makron Books, 1996. CROZIER, M. O fenômeno burocrático. Brasília: UNB, 1981. DENHARDT, R. Teorias da Administração Pública. São Paulo: Cengage Learning, 2011. FORTIS, M. F. A. Rumo à pós-modernidade em políticas públicas: a epistemologia situacional de Carlos Matus. RAE electron. [Online]. 2010, vol.9, n.2, pp. 0-0. ISSN 1676-5648. doi: 10.1590/S167656482010000200009. HAYNES, P. Complexity theory and evaluation in public management: a qualitative systems approach. Public Management Review. V. 10, N. 3, 2008, pp 401-419 (19). GAUS; WHITE; DUMOCK. Fronteiras da administração pública. Rio de Janeiro: RSP, 1951. KLIJN, E. H. Complexity theory and public administration: what’s new. Public Management Review. V. 10, N. 3, 2008, pp 299-317. KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2006. MARIOTTI, H. Pensamento Complexo: Suas aplicações a liderança, à aprendizagem e ao desenvolvimento sustentável. São Paulo: Editora Atlas, 2007. MATUS, C. Política, planejamento e governo. Brasília: IPEA, 1993. ______. Política, planejamento & governo. 3ª ed. Brasília: IPEA, 1997. MORIN, E. Ciência com consciência. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 1998. ______. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2011. ______. A cabeça bem feita. São Paulo: Bertrand, 2003. MINTZBERG, H.; AHLSTRAND, B.; LAMPEL, J. Safári de estratégia: um roteiro pela selva do planejamento estratégico. Porto Alegre: Bookman, 2010. MINTZBERG, H. Ascensão e Queda do Planejamento Estratégico. Porto Alegre: Bookman, 2004. OLIVEIRA, D. P. R. de. Planejamento Estratégico: conceitos, metodologia e práticas. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. OSBORNE, D.; GAEBLER, T. Reinventando o governo. Brasília: MH Comunicação, 1992. PAULA, A. P. P. Por uma Nova Gestão Pública. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007. PINCHOT, E.; PINCHOT, D. O poder das pessoas. Rio de Janeiro: Campus,1994. RAMOS, A. G. A nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das nações. Rio de Janeiro: FGV, 1981. SALM, J. F.; MENEGASSO, M. E. Os modelos de administração pública como estratégias complementares para a coprodução do bem público. Revista de Ciências da Administração, v.11, n. 25, p. 97-114, set/dez 2009. SCHWARTZMANN, S. O Estado e a administração pública. Brasília: FUNCEP, 1987. SERVA, M.; DIAS, T.; ALPERSTEDT, G. D. Paradigma da complexidade e teoria das organizações: uma reflexão epistemológica. Rev. adm. empres. [online]. 2010, vol.50, n.3, pp. 276-287. ISSN 2178-938X. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-75902010000300004. SERVA, M. O paradigma da complexidade e a análise organizacional. RAE-revista de administração de empresas, v. 32, n. 2, p. 26-35, 1992. TEISMAN, G. R. Complexity and management of improvement programmes: an evolutionary approach. Public Management Review. V. 10, N. 3, 2008, pp 341-359. 14 CULTURA, LINGUAGEM GRÁFICA E ALFABETISMO VISUAL Alvaro Roberto Dias Amanda Queiroz Campos Richard Perassi Luiz De Sousa CULTURA, LINGUAGEM GRÁFICA E ALFABETISMO VISUAL. RESUMO: Este texto defende a possibilidade de “alfabetismo visual”, como decorrência do estudo da “sintaxe visual”, considerando-se os elementos e as relações pré-figurativas da imagem gráfica, cuja origem pode ser artesanal, fotográfica ou digital. No nível semânticofigurativo, a denotação visual coincide com o significado denotativo das palavras, apesar de, geralmente, a codificação visual ser analógica ou estabelecida por semelhança, enquanto a codificação linguística é convencional. Assim, no nível sintático pré-figurativo, o alfabetismo visual difere e assume sua singularidade, com relação ao processo de alfabetização para a leitura e a escritura linguística, interferindo com efeitos conotativos na significação denotativa da imagem e na semântica final do discurso imagético. ABSTRACT This text defends the possibility of "visual literacy" as a result of the study of "visual syntax", considering the elements and relations of pre-figurative graphic image, whose origin can be handmade, photographic or digital. At the level semantic-figurative, visual coincides with the denotative meaning of words, although usually the visual encoding analog or be established by similarity, while the coding language is conventional. Thus, at the level syntactic pre-figurative, visual literacy is different and takes its uniqueness in relation to the literacy process for reading and writing language, interfering with the effects connotative denotative meaning of the image and semantics end of the discourse imagery. PALAVRAS-CHAVE: Percepção Visual. Sintaxe Visual. Leitura da Imagem. 1. APRESENTAÇÃO. O ser humano simbólico-social é definido por uma tessitura complexa, sendo essa trançada por linguagens. Além da linguagem verbal, falada ou escrita, há inúmeras outras linguagens, inclusive visuais, cujos signos são configurados por formas e cores. As sensações formais e cromáticas são expressas sobre superfícies, por meio de elementos gráficopictóricos, chamados de pontos, linhas, manchas e planos (PERASSI, 2010). Esses elementos compositores de formas e cores são organizados para representar diversas figuras ou símbolos, como números, letras, gráficos e imagens. As linguagens visuais ainda podem ser compostas por expressões faciais, gestuais e de vestuário, entre outras. Mas, além do repertório das linguagens visuais, há um amplo acervo de sons, aromas e sensações táteis, compondo expressões e linguagens diversas. Assim, o ser humano é tão complexo quanto as linguagens que utiliza para a comunicação (SANTAELLA, 2003). No contexto sócio-cultural a existência é um processo transformador do ser humano psíquico-biofísico em sujeito social e político. Pois, essa existência é envolvida na simbolização e na comunicação, compondo o contexto cultural dominado pela linguagem. Essa última é a parte central da temática deste trabalho que, mais especificamente, trata da linguagem visual. A base de estudo é a complexidade dos estímulos ao olhar na produção simbólica do ato de ver, configurando neste caso específico o “alfabetismo visual” 1 no contexto da linguagem gráfica. Este trabalho é parte do processo de pesquisa e estudos do grupo de pesquisa sobre significação, informação e comunicação organizacional. A base conceitual é decorrente da Teoria Semiótica, como foi primeiramente proposta por Charles Sanders Peirce (1839-1914) e, também, da Teoria da Forma (Gestalt) e da Linguagem Visual, a partir dos estudos da área de Psicologia sobre percepção e linguagem visual. O processo de pesquisa consistiu na descrição do fenômeno em estudo, contextualizado na cultura ocidental, sendo representado e interpretado, com base em terminologias, relações e conceitos extraídos das teorias adotadas. 2. A CULTURA VISUAL. Na sociedade atual, o ser humano em sociedade vive imerso em imagens. Assim, é permanentemente estimulado por informações visuais, desde o dia de seu nascimento. Isso impõe um constante exercício visual, durante o período de crescimento do índivíduo e do restante da vida do sujeito social. Portanto, neste aspecto particular, a ontogênese, como percurso individual, reforça a filogênese, como o percurso de constituição da espécie humana2, que selecionou a visão como o principal sentido no seu processo perceptivo. O homem percebe, apreende e interpreta imagens e, em torno dessas, organiza suas necessidades, preferências, prazeres e temores, com base no que vê. “A visão é natural; criar ou compreender mensagens visuais é natural até certo ponto, mas a eficácia, em ambos os níveis, só pode ser alcançada através do estudo” (DONDIS, 2007, p.16). Assim, o olhar parte de uma potencialidade bioneurológica, mas é predominantemente determinado pela cultura. Isso possibilita a educação dos sentidos e dos sentimentos, no contexto da educação estética, e da cognição e do conhecimento lógico, no contexto da educação interpretativa dos códigos culturais. O ato de ver implica em aprendizado e discriminação, ou seja, passa primeiramente por uma educação e, posteriormente, por uma alfabetização, para organização de sentidos e significados. O domínio perceptivo-interpretativo dos dados percebidos otimiza a compreensão das mensagens visíveis, de acordo com os padrões culturais. Os processos de educação, estético e interpretativo, propõem denominações diferentes à observação visual. Assim, neste texto, o verbo “olhar” assinala a ação natural, decorrente da biologia dos seres humanos. Mas, o verbo “ver” é relacionado à ação cultural interpretativa. Portanto, é necessário educar o olhar para que esse possa ver de acordo com os padrões culturais. O verbo “ver” indica a observação dos dados visuais como informações da realidade determinadas pela cultura, participando do processo de comunicação entre o mundo e o ser 1 “Alfabetismo visual” é a expressão que indica a possibilidade de aprendizagem da leitura de imagens, tendo sido apresentada por Jefferson Luiz Camargo, na tradução do livro A primer visual literacy , publicado no Brasil com o título “Sintaxe da linguagem visual” (DODIS, 2001/2007). 2 Filogênese é a teoria que estuda a história da evolução humana, nomeadamente a constituição dos seres humanos como sujeitos cognitivos. Ontogênese é a teoria que considera o conhecimento como um processo de modificações e adaptações ao meio que ocorre em todos os seres vivos, desde o nascimento (FONSECA, 1998). humano, sob a mediação cultural. Isso é tão envolvente que o olhar puramente natural existe apenas como argumento teórico ou ideal. Propõe-se aqui outra distinção didática, representada nas palavras “percepção” e “interpretação”. Pois, a palavra “percepção” é usada para assinalar as sensações e sentimentos e, em especial, a sensação visual, apesar de haver interpretação no ato da percepção, que não acontece isolado da cognição e da influência cultural. A palavra “interpretação”, entretanto, é usada aqui para assinalar a leitura ou interpretação das sensações e dos sentimentos decorrentes. De acordo com Munari (1997, p. 62), praticamente “tudo que se vê é comunicação visual, seja uma flor, uma nuvem, um desenho técnico, um cartaz, uma bandeira”. Todos esses exemplos são imagens que transmitem informações diferentes e cujo valor varia de acordo com o contexto cultural em que estão inseridas. Niemeyer (2003) assinala que a ocorrência de um produto, predominantemente prático ou prioritariamente comunicativo, acontece em relação direta com o cenário cultural, sóciopolítico-econômico, estando inserido e delimitado nas dimensões geográficas e históricas. “O produto está sujeito a interferências várias, determinadas pelas contingências do sistema em que participa” (NIEMEYER, 2003, p. 27). Há culturas regionais, mas existe a cultura geral, que pertence à humanidade como um todo. Assim, também, há as linguagens regionais, mas existem linguagens que são igualmente universais. Por exemplo, as imagens naturalistas são compostas por códigos analógicos e, sob certos aspectos, são apreciadas e interpretadas de maneira semelhante em todo o mundo. O mesmo ocorre com algumas imagens simbólicas, que foram codificadas por convenções universalizadas, sendo mundialmente interpretadas de maneira semelhante. Além das imagens antigas disseminadas pela tradição, como as representações da cruz que simbolizam o cristianismo e da estrela de David que simbolizam o judaísmo, também, a comunicação de massa universalizou muitos outros ícones no contexto cultural de consumo. Por exemplo, a figura de Papai Noel e de Ronald McDonald, além dos diversos ícones do cinema, dos esportes e das marcas comerciais. Isso decorre do compartilhamento de sentidos e significados devido às articulações dos signos. Sob a figurativização das imagens, há ainda códigos universais pré-figurativos da composição das formas e de suas relações, estabelecendo a sintaxe das composições ou representações visíveis que, em certas situações, determina ou influencia a semântica ou significação das imagens. 3. SINTAXE E ALFABETISMO VISUAL. A sintaxe visual é determinada por “elementos básicos que podem ser aprendidos e compreendidos por todos os estudiosos dos meios de comunicação visual, sejam eles artistas ou não, e que podem ser usados, em conjunto com técnicas manipulativas para a criação de mensagens visuais claras” (DONDIS, 2007, p. 18). Assim, a sintaxe visual é composta por relações formais e determinada por um grupo de diretrizes reguladoras da percepção dos elementos visuais, influenciado por aspectos subjetivos e culturais, que participam do repertório de artistas e designers no exercício da comunicação visual. Ao longo do processo evolutivo, a percepção visual foi desenvolvida de modo particular, como é inerente ao ser humano, por ser uma função necessária à sobrevivência da espécie. Não há um momento que define a passagem do olhar natural para a visão cultural. Porém, a cultura continuamente implementa o olhar como visão e esse orienta a produção de imagens artificiais que representam sua realidade. O processo de interação entre o olhar e a representação, inclusive com relação à imagem fotográfica, requer um tipo de educação específica denominada “alfabetismo visual” (DONDIS, 2007). A característica icônica das imagens garante seu amplo potencial de universalização, muito além dos textos decorrentes das linguagens verbais, escritas ou faladas. Pois, a imagem possibilita relações, percepções e interpretações, a partir de analogias ou semelhanças entre sensações e sentimentos. Essa é a característica dos signos icônicos que, de acordo com Peirce (2005) e Santaella (2003), são estabelecidos como qualidades (qualissignos), a partir do campo estético da primeiridade, como categoria fenomenológica. Dondis (2007) adverte que o termo visual e as imagens que são indicadas por essa terminologia podem assumir diferentes significados, de acordo com as características dos segmentos culturais em que estão inseridos ou sendo comunicados. Isso indica que os conceito de imagem ou objeto visual é “produto de uma inteligência humana de enorme complexidade, da qual temos, infelizmente, uma compreensão muito rudimentar” (DONDIS, 2007, p. 02). Apesar da superexposição de imagens, o cotidiano dos sujeitos sociais ainda é predominantemente preenchido por palavras. Porém, a despeito das múltiplas e complexas interpretações regionais ou individuais, que são possibilitadas com a percepção de imagens, essas apresentam grande amplitude de comunicação. Assim, mesmo as palavras da língua inglesa, utilizadas internacionalmente, apresentam menor amplitude de comunicação que as imagens. A linguagem e a comunicação visual são mais amplas e universalizadas que a linguagem e a comunicação verbal, apesar da verbalização e da escritura dominarem a pragmática da comunicação cotidiana entre as pessoas. A pseudonaturalidade com a qual os sujeitos sociais lidam com as imagens impede a percepção dos códigos ou convenções culturais que as determinam como linguagem. Porém, foi a construção dessas codificações que, continuamente, substituíram o olhar pela visão culturalmente demarcada. A despeito da acessibilidade geral ao uso empírico da linguagem visual e de sua pragmática comunicativa, há uma gramática constituída sob essa pseudonaturalidade. Alfabetismo visual é a expressão que demarca a possibilidade de alguns e a necessidade de outros de compreenderem e atuarem de maneira crítica com a pseudonaturalidade da visão e da representação visual. Portanto, como na alfabetização para o domínio das línguas naturais, por processos conscientes de leitura e escrita, o alfabetismo visual requer o estudo e o domínio consciente da gramática visual. O estudo começa com os elementos e as regras de sintaxe, uma vez que os códigos que configuram as imagens abstratas ou miméticas são analógicos. Portanto, exceto nos casos dos signos visuais codificados por convenção explícita, como os sinais de trânsito, a semântica visual resulta diretamente das relações estético-sintáticas, ao nível da primeiridade. Por exemplo, um desenhista amador traça linhas com lápis preto sobre o papel branco, compondo formas que, em conjunto, compõe uma figura semelhante à visão do rosto de uma determinada pessoa. Assim, representa, simbolizando ou significando um rosto específico, através do desenho. O processo é sensualista ou pseudonaturalista, porque o desenhista desenvolveu, “naturalmente”, sua habilidade de representar sensações visuais em desenhos a lápis. Portanto, a mediação estabelecida pelo desenhista, entre o desenho e a observação do rosto, é resultado direto da analogia visual, dispensando o uso consciente do código. Com relação ao desenho do exemplo anterior, alguém que conhece os elementos e os aspectos da sintaxe visual deve considerá-lo como evidência do domínio inconsciente do código naturalista. Pois, descrito de modo consciente, o processo caracteriza o uso do rabisco em forma de linha, como elemento pré-figurativo da linguagem visual, para estabelecer relações visuais que, devido à imaginação do observador, sugerem semelhança ou analogia com um determinado rosto. Como elementos básicos, os rabiscos são realizados com um lápis, criando marcas escuras, finas e alongadas, sobre o papel. Conceitualmente, cada uma dessas marcas é chamada de “linha (WONG, 2008). Os movimentos da mão e do braço do desenhista foram registrados pelo traçado das linhas. Assim, a imaginação do observador pode conceber que as próprias linhas “expressam movimentos”, compondo “ritmos”. Pois, os movimentos imaginários das linhas podem, ainda, ser associados aos ritmos sonoros. As linhas se fecham para compor figuras que, imaginariamente, são associadas a partes do rosto, como olhos, nariz e boca, entre outras. Para tanto, é necessário que o traçado das linhas expresse “ritmos orgânicos ou ondulados”, considerando-se o desenho em estilo naturalista. O traçado do olho (Fig. 01), por exemplo, configura uma forma aproximadamente elíptica, ou seja, com uma “configuração” específica. Para tanto, a linha deve expressar um movimento previsto, compondo uma figura aproximadamente elíptica, cuja “proporção” deve seguir um padrão estabelecido pelo modelo. Assim, pode-se dizer que “movimento” e “proporcionalidade” determinam uma configuração, a qual, por analogia, propõe a imaginação de que se trata do formato de um olho humano específico. Figura 01: Esquema teórico do desenho do olho - Fonte própria A alfabetização visual implica, portanto, em relatar ou observar, por exemplo, o desenho do contorno de um olho, como uma linha traçada com ritmo ondulado ou orgânico, expressando um movimento aproximadamente elíptico, de acordo com determinada proporção. Há outros elementos básicos além do tipo de rabisco chamado linha e, também, outros aspectos conceituais, além de movimento, ritmo e proporção. Todavia, conhecer os elementos expressivos e os aspectos conceituais ou imaginativos, compreendendo suas inter-relações na composição visual abstrata ou figurativa é mostrar-se visualmente alfabetizado. O que se propõe é que a sintaxe visual depende da percepção da luz e do movimento psicológico imaginativo. Esse último é diretamente influenciado pelo contexto cultural em que foi construído. Portanto, é afetado pelo processo perceptivo-interpretativo do observador e pelo ambiente imediato onde ocorre a percepção. Não há, predominantemente, um conjunto codificado por convenções lógicas e conscientes como há na linguagem verbal. Pois, o processo perceptivo-interpretativo (que possibilita o reconhecimento) e o processo gráfico-representativo (que permite a comunicação visual) ocorrem em nível de primeiridade, recorrendo à subjetividade, à intersubjetividade e aos códigos analógicos. 4. ALFABETISMO VISUAL E ALFABETIZAÇÃO PARA LER E ESCREVER. Com recursos do campo lógico-abstrato, o alfabetismo visual propõe nomear os elementos expressivos e os aspectos inter-relacionais, para explicar a sintaxe ou o processo de organização dos elementos expressivos. Pois, são esses que possibilitam a vivência estéticoanalógica do observador. Contudo, ainda considerando os exemplos anteriores, os sentidos do desenho de um rosto ou de um olho decorrem diretamente da vivência do processo de observação, sem a necessidade da explicação teórica sobre sintaxe visual. O estudo da sintaxe no processo de alfabetismo visual interpreta uma mensagem com base do nível pré-figurativo (PERASSI, 2010). Pois, a partir do nível técnico, são os elementos expressivos pré-figurativos que oferecem a base perceptível para as representações imaginativas, sejam essas decorrentes do nível denotativo-figurativo ou dos processos simbólico-conotativos. Assim, no exemplo do desenho do olho (Fig. 01), a expressão e a composição dos rabiscos, que a teoria batizou como linhas, possibilitam que a imaginação do observador associe a figura decorrente como representação de um olho. A palavra “imaginação” é pertinente devido à necessidade da imagem ser associada a alguma coisa que lhe é totalmente diferente. Pois, não há nenhum indício ou relação factual (secundidade) ou de lei convencionada (terceiridade), que justifique a relação entre um desenho e um olho humano. É a partir de uma mera sensação de semelhança configurada (primeiridade), que se imagina a possibilidade de representação. Ao perceber um símbolo convencional bem codificado, o observador observa, compara e associa a imagem vista com suas próprias memórias, que são decorrentes da percepção de outras representações. Assim, comumente identifica a lei associativa e, imediatamente, reconhece aquilo que, convencionalmente, o símbolo representa. Portanto, pode identificar e explicar a convenção que determina o significado. Todavia, antes e além do reconhecimento do significado, são propostos diversos sentidos decorrentes de sensações e sentimentos. Esses sentidos sugerem também pensamentos, mas a origem desses não é identificada e explicada. Por exemplo, essa dificuldade é comum nos processos intuitivos. O aprendizado do alfabetismo visual é similar ao processo de alfabetização para a linguagem escrita. Mas, não é igual, porque a ênfase da alfabetização para a escrita recai sobre a semântica que, prioritariamente, é codificada por convenção. Já o alfabetismo visual é dominado pela sintaxe. Os sentidos decorrem de relações internas ao signo visual porque, via de regra, a codificação visual é estético-analógica, excetuando-se os sinais de trânsito e outras imagens determinantemente simbólico-convencionais. Para Munari (1997, p. 58), assim como aprende a ler e escrever, o sujeito social também deveria ser alfabetizado visualmente. Conhecer comunicação visual é como aprender uma língua, língua feita só de imagens, mas imagens que têm o mesmo significado, para as pessoas de todas as nações, portanto de todas as línguas. Linguagem visual é uma linguagem, talvez mais limitada do que a falada, mas certamente mais direta. É possível concordar com Munari (1997) sobre a pertinência do aprendizado da linguagem visual, sua universalidade e, também, sua limitação. A universalidade decorre da codificação analógica. Pois, a semelhança de sensações é percebida por quase todos os habitantes do planeta. Mas, a limitação também é imposta, porque uma imagem só descreve suas especificidades e as características do modelo que representa. Assim, a fotografia apresenta sua materialidade, por exemplo, a qualidade do papel como brilhante ou fosco, descrevendo também as características da luz e do objeto no momento em que foi fotografado. Mas, não há como descrever uma imagem por meio de outra. Deve-se, entretanto, ponderar sobre o que é “direto” na imagem. Pois, seu caráter denotativo, decorrente da analogia ou semelhança, garante sua universalidade. Mas, isso não precisa ser oficialmente aprendido, porque o exercício de percepção das semelhanças decorre da continua vivência cultural, desde a infância do sujeito. Sendo assim, não é necessário explicar, em um momento determinado, que a fotografia de um objeto, por exemplo, uma cadeira, deve ser associada ao próprio objeto. Contudo, em um ou mais momentos determinados, é necessário explicar para alguém que a palavra “cadeira” deve ser relacionada à coisa “cadeira”. Por exemplo, na instalação artística One and Three Chairs (1965), Joseph Kosuth propôs a comparação entre a percepção direta, a representação fotográfica e a representação escrita de uma cadeira (Fig. 02). Figura 02: - Instalação: One and Three Chairs (KOSUTH, 1965). Fonte : PERASS, 2005). Isso diferencia a alfabetização linguística do alfabetismo visual, porque esse último deve fazer o sujeito observar que, antes de ser a representação de um objeto, uma imagem é um conjunto de manchas que, inclusive, pode ser graficamente representado. De modo manual ou mecânico, esse conjunto gráfico-pictórico foi organizado no plano do suporte para representar por semelhança um ou mais seres ou objetos. As normas de organização são analógicas e definem um tipo específico de codificação. Portanto, os elementos básicos como pontos, linhas, planos e manchas são propostos para expressarem cores e tonalidades e, ainda, organizados para compor os elementos “configurativos”, como as formas geométricas ou “orgânicas”. Por sua vez, as formas também são organizadas para compor figuras, que podem ser abstratas ou “configurativamente” semelhantes aos seres ou objetos. Esses ainda podem ser observados na realidade ou produzidos pela imaginação. Diante de determinadas composições, o conjunto dos elementos básicos propõe sensações, sugerindo movimento, ritmo, profundidade, equilíbrio visual, proporção, unidade e outros sentidos. Portanto, além de compor formas e figuras imaginadas, como representantes de seres e objetos, as composições gráfico-visuais planas e estáticas ainda podem ser lidas como imagens dinâmicas e espaciais, propondo ritmos específicos e mostrando-se visualmente equilibradas, além de outras possibilidades. Há, portanto, um aprendizado de leitura visual que parece “natural”, porque não é formalmente aprendido, apesar de ser culturalmente determinado. Porém, especialmente para os profissionais que atuam com comunicação visual e, mais especificamente os designers gráficos, o aprendizado necessário propõe a compreensão lógica do processo de representação e leitura que, normalmente, acontece de modo intuitivo. Assim, o alfabetismo visual é um processo de refinamento da prática. Dondis (2007, p. 03) assinala que o “alfabetismo visual” propõe “construir um sistema básico para a aprendizagem, a identificação, a criação e a compreensão de mensagens visuais que sejam acessíveis a todas as pessoas”. Isso é dito no contexto mais abrangente da comunicação, que busca a universalidade, evidenciando o que é coletivo sobre o que particular. Portanto, no alfabetismo visual, deve-se considerar primeiramente os códigos gerais, como os denotativos e outros, que se inserem amplamente na cultura universal. Todavia, deve-se procurar compreender e considerar devidamente o que é igualmente codificado, mas apenas no âmbito regional, local ou pessoal. Isso determina o que é universal e o que é particular na comunicação por imagens. Pois, uma mesma imagem propõe muitas possibilidades para diferentes interpretações. Ressalta-se que, como foi proposto anteriormente, o alfabetismo implica a construção de uma visão crítica e aprofundada da mensagem visual, indicando e identificando como a produção de sentido ocorre a partir do nível pré-figurativo ou pré-denotativo. Para compor uma metáfora, pode-se dizer que é necessário saber ler ou interpretar as “entrelinhas” das imagens. Fig. 03 – Imagens de “mulher segura criança no colo”. Fonte: Perassi, 2010. No nível figurativo ou denotativo, a imagem já se encontra com a palavra e pode ser descrita de acordo com a linguagem verbal. Por exemplo, nas imagens que representam a mulher com uma criança no colo (Fig. 03), há o sujeito configurado na imagem, que pode ser representado pela palavra “mulher”. A ação proposta pode ser representada pelo verbo “segurar”. O objeto da ação é representado pela palavra “criança”. Por fim, a palavra “colo” indica o advérbio de lugar. Portanto, as imagens podem ser descritas diretamente pela linguagem verbal, como “mulher segura a criança no colo” (Fig. 03). Há identidade no aspecto figurativo-denotativo, porque as duas imagens (fig. 2) representam uma mulher que segura a criança no colo. Mas, apesar disso, os estilos de representação e os sentidos expressos por cada uma das imagens são bastante divergentes. Essa divergência diz respeito à sintaxe visual (DONDIS, 2000), demarcando a diferença da gramática visual (PERASSI, 2010), com relação à gramática verbal. Pois, a identificação entre essas duas gramáticas se restringe aos aspectos denotativos e aos elementos convencionalmente simbólicos. Na imagem apresentada à esquerda do observador (CIMABUE, séc. XV), há um círculo, que é percebido ao redor da representação da cabeça da criança. A mesma imagem, também, sugere a forma circular ao redor da representação da cabeça da mulher. Nessa situação, convencionalmente, os círculos são denominados de “auréola” ou “halo” e, convencionalmente, simbolizam a santidade das entidades representadas. Na imagem à direita do observador (SANZIO, séc. XVI), não há convenções desse tipo, porque a imagem é totalmente codificada por analogia. Há, também, relações simbólicas que são extraídas diretamente do nível pré-figurativo. Por exemplo, as figuras da imagem à esquerda do observador (CIMABUE, séc. XV) são compostas por formas mais geometrizadas e planas, apresentando uma composição mais esquemática. Na imagem à direita do observador (SANZIO, séc. XVI), as figuras são compostas por formas mais orgânicas, com sugestões volumétricas, resultando em uma composição mais naturalista. Entretanto, a composição geométrico-esquemática das imagens ressalta seu caráter simbólico, enquanto a composição naturalista dissimula seu caráter simbólico, sob sua pretensa naturalidade. Além das auréolas representando a santidade, a própria composição esquemática da imagem à esquerda do observador (CIMABUE, séc. XV) evidencia sua função simbólica, indica seus valores idealizados ou transcendentes. Já a composição naturalista da imagem à direita do observador (SANZIO, séc. XVI) dissimula sua função simbólica e assinala sua dimensão materialista e humanista, porque aproxima a representação das sensações vivenciadas pelos seres humanos diante da materialidade do mundo. 5. TEORIA DA FORMA E SEMIÓTICA: PERCEPÇÃO E INTERPRETAÇÃO. O alfabetismo visual encaminha o sentidos decorrentes da experiência estético-afetiva para o campo interpretativo, porque interpreta os fenômenos de primeiridade, sob a perspectiva de sua função cognitivo-simbólica de terceiridade, que é identificada no campo do conhecimento e na comunicação social. Isso insere a linguagem visual nas áreas de Semiótica e Semiologia da Imagem. Santaella (2003, p. 15) propõe “Semiótica” como: “é a ciência que tem por objeto de investigação todas as linguagens possíveis”. Pois, a investigação das linguagens naturais ou sociais ocorre por meio do estudo dos signos. A semiologia também investiu no estudo da significação. Para Barthes (1987, p. 11), “Semiologia” toma por objeto “qualquer sistema de signos”, composto por imagens, gestos ou sons melódicos, considerando que os ritos, os protocolos ou os espetáculos “constituem, senão linguagens, pelo menos sistemas de significação”. Peirce (2005), em sua fenomenologia, considerou que a percepção é um processo de intermediação entre os mundos do pensamento e da realidade exterior, que se estabelece por três categorias: primeiridade, secundidade e terceiridade. A percepção e o pensamento também são processos sígnicos ou de significação. Seguindo Peirce, Santaella (2003) diz que a percepção faz a ponte entre a linguagem, o cérebro humano e o mundo fora de si. Os processos de expressão, ordenação e relacionamento dos signos visuais entre si caracterizam a “sintaxe visual”. Assim, os signos são expressos pelas qualidades percebidas ou sugeridas nas formas visíveis que são basicamente as cores, as tonalidades, as texturas, a volumetria e a configuração. Nas formas realmente volumétricas, o volume é literalmente expresso. Mas, nas formas planas, gráfico-visuais, o volume pode ser sugerido com variações tonais ou cromáticas. Além das texturas típicas do material que suporta as formas, essas também podem ser compostas para sugerir texturas visuais, devido à maneira como, por exemplo, são recobertas com grafismos ou outros efeitos decorrentes do uso de tintas. Foi dito que a percepção relaciona o mundo (secundidade), com as sensações (primeiridade) e com os pensamentos (terceiridade). Assim, a linguagem visual se estabelece a partir das características que são consideradas próprias do mundo externo (secundidade). Mas, também, se estabelece a partir das sugestões que se pode instituir com a manipulação dos materiais do mundo, provocando sensações (primeiridade) que não correspondem às características do mundo material. Isso propõe engodos ao pensamento (terceiridade), obrigando-o à constante revisões dos processos perceptivos, para saber a diferença entre suas descobertas e suas falsas impressões, porque necessita separar o que indicativo ou indicial (secundidade), do que puramente icônico ou sensorial (primeiridade). Além das sugestões advindas das representações compostas no mundo material, o pensamento (terceiridade) deve alertar-se de seus próprios engodos. Pois, é característico da mente perceber o mundo, projetando-o conforme seus conhecimentos previamente adquiridos. A Teoria da Forma ou Gestalt foi desenvolvida ainda no século XIX, em Áustria e Alemanha, e suas ideias evidenciaram a influência dos contextos externo e interno nos atos de percepção. Pois, consideraram que a mente adapta o ato da percepção para privilegiar os modelos pré-concebidos. Os modelos mais universais foram apresentados na teoria Gestalt como leis. A proximidade, a semelhança, a continuidade, a pregnância, as experiências passadas e a clausura ou o fechamento são aspectos que definem as leis da percepção, sobre a divisão proposta entre figura e fundo (GOMES FILHO, 2000). Assim, considera-se que as formas simples e fechadas, como as formas geométricas, exercem maior atração no processo perceptivo, destacando-se com relação a outras. As formas abertas tende a ser complementadas e acordo com a lei da clausura e as formas próximas ou semelhantes tendem a ser reunidas, compondo figuras que são destacadas do fundo. Os estudos de Psicologia da Percepção e Psicologia da Forma fundamento os estudos da sintaxe visual, porque indicam como a percepção relaciona os sinais visuais de acordo com modelos ou signos pré-determinados. Portanto, o estudo dos princípios da percepção da forma participa do processo de alfabetismo visual, sendo necessários aos pesquisadores, professores e profissionais que atuam direta ou indiretamente com a comunicação visual. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS. O senso comum tende a transformar ideias em mitos, promovendo a mitificação de diversos temas, incluindo o tema “imagem”. As imagens são os elementos visuais mais constantes e expressivos na cultura urbana da atualidade. Mas, em si mesmas, não são capazes de definir precisamente o conjunto de informações das quais participam. Isso garante o predomínio da linguagem verbal, como recurso imprescindível na comunicação objetiva. Por exemplo, no outdoor que mostra uma pessoa jovem e bonita, podendo ser um homem ou uma mulher. Via de regra, também, aparece pelo menos um nome, relacionando a beleza do modelo a uma determinada marca. Pode haver, entretanto, duas alegações contrárias a isso. A primeira deve considerar que pode ser apresentado apenas outra imagem, que seria o símbolo da marca, caracterizando uma exceção perfeitamente possível. Porém, essa imagem deve ser fortemente convencionada, equivalendo a uma palavra ou um sinal de trânsito. A outra alegação válida considera que o nome da marca teria também um valor de imagem, porque certamente apareceria escrito de uma maneira particular, caracterizando um logotipo. Portanto, a palavra também seria uma imagem com valor específico. O exemplo proposto no parágrafo anterior evidencia que, isoladamente, as imagens são mais expressivas que comunicativas. Portanto, dizer que as imagens comunicam muita coisa é a confirmação de sua imprecisão, que é característica imprópria para a comunicação objetiva. No exemplo, a imagem descreve precisamente um indivíduo jovem que expressa padrões culturais de beleza, sendo apresentado na condição de modelo. Essa descrição permite a identificação do modelo por pessoas que o conhecem. Mas, será difícil dizer o significado da imagem, com relação ao meio social na qual está inserida. Assim, uma imagem sem legenda se apresenta como um retrato, para quem reconhece o modelo, ou como expressão estética para o público em geral, estabelecendo um tipo de comunicação predominantemente intersubjetiva. Esse tipo de recurso que subtrai a informação escrita é comum no início de algumas campanhas publicitárias, despertando o interesse do público ao provocar a ansiedade decorrente da falta de sentido ou informação. Diante de um outdoor sem legenda, o público prevê a estratégia publicitária. Porém, fica curioso com a falta de referência, porque a função referencial é que define a comunicação em geral e, também, a comunicação publicitária. O fato de que toda palavra escrita é, também, uma imagem, cuja aparência é determinada por configurações, cores e outras características formais das letras, estabelece a diferença entre o conteúdo ou significado linguístico da palavra e sua iconicidade ou aparência formal. Isso propõe a separação entre forma e conteúdo. Portanto, pode-se escrever palavras bonitas com letras feias ou palavras bonitas com letras bonitas, também, pode-se escrever palavras feias com letras bonitas, entre outras possibilidades. Além do conteúdo convencional da escrita, que é domínio da semântica, a maneira como as palavras são escolhidas e organizadas na frase também produz sentidos e interfere na semântica final do texto. Por exemplo, quando se escreve “homem grande” é estabelecido um sentido diferente da expressão “grande homem”. Aliás, a palavra “homem” pode ser substituída por “pessoa” para designar um sujeito. Porém, a expressão “grande pessoa” também assume um sentido diferente com relação à expressão “grande homem”. É no campo da sintaxe linguística que se estuda essa escolha de palavras e sua ordenação nas frases. Há, portanto, um conteúdo que decorre diretamente do arranjo formal das palavras, configurando o campo sintático ou estético da comunicação. Do mesmo modo, a escolha de uma tipografia, o uso da forma itálica para compor a palavra ou das cores utilizadas para expressa-la configura igualmente um campo de possibilidades de sentidos, que se estabelece como sintaxe visual. De modo geral, as configurações, as cores, as tonalidades, as texturas táteis ou visuais e a representação de volumes são aspectos determinantes da sintaxe visual, que promove diferentes sentidos nas imagens. Recuperando as ideias de Kandinsky (1866-1944), considera- se que um triângulo colorido de amarelo sugere sentidos diferenciados com relação ao mesmo tipo de triângulo colorido de azul. De maneira semelhante, um modelo fotográfico com cabelos ruivos propõe sentidos diferentes quando seus cabelos são tingidos de preto. Há variações decorrentes da percepção de mudanças de configurações, cores, tonalidades, texturas e volumes. Há, também, os sentidos de dinamismo, ritmo, profundidade, equilíbrio, proporcionalidade e unidade, entre outros, que são decorrentes das relações formais e espaciais da imagem ou da composição visual. Ao ser percebido como possibilidades de construção de sentido e significação, tudo isso define os elementos, os aspectos e as relações que são consideradas na promoção do alfabetismo visual. A partir dos princípios do alfabetismo visual, a interpretação das imagens prevê a produção de discursos verbais, falados ou escritos. Portanto, propõe palavras para descrever os aspectos compositores das imagens e as possibilidades de produção de sentido, mediada pela cultura. A interpretação propõe compor legendas para as imagens ou os aspectos dessas que, em princípio, não apresentam legendas. 7. REFERÊNCIAS. BARTHES, R. Elementos de semiologia. São Paulo: Cultrix, 1987. DONDIS, D. A. Sintaxe da linguagem visual. São Paulo: Martins Fontes, 2007. MUNARI, B. Design e Comunicação Visual. São Paulo: Martins Fontes, 1997. NIEMEYER, L. Elementos de semiótica aplicados ao design. Rio de Janeiro: 2AB, 2003. PEIRCE, C. S. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 2005. PERASSI, R. Gramática Comparada da Representação Gráfica. In: Revista Convergências, v. 6, 2010. KANDINSKY, W. Do espiritual na arte. São Paulo: Martins Fontes, 2000. SANTAELLA, L. O que é semiótica.São Paulo: Brasiliense, 2003. FONSECA, V. Psicomotricidade: Filogênese, ontogênese e retrogênese. Porto Alegre, RS: Art-Med. 1998. GOMES FILHO, J. Gestalt do Objeto: Sistema de Leitura Visual da Forma. São Paulo: Escrituras, 2000. WONG, W. Princípios de Forma e Desenho. São Paulo: Martins Fontes, 2008. CRIAÇÃO DE AMBIENTES COLABORATIVOS PARA TUTORES: UMA PROPOSTA PARA O CURSO DE ADMINISTRAÇÃO DA UFSC Marilda Todescat Bruno César de Melo Moreira Patrícia Battisti Stephanie Bueno Zanichelli 1. INTRODUÇÃO A Educação à Distância é uma modalidade de ensino que tem buscado conciliar o uso das tecnologias ao processo educacional, com o intuito de ampliar a possibilidade de educação (LITWIN, 2001), permitindo que alunos e professores, separados espacial e temporalmente, possam interagir, criando um processo de ensino-aprendizagem. As tradicionais formas presenciais de formações, não são suficientes para a grande demanda de formação que surge a todo instante, sobretudo, em decorrência da evolução tecnológica e do surgimento de novos processos de trabalhos. Isto tem influenciado e motivado a ampliação da oferta do ensino, sobretudo na modalidade a distância. Relativo às demandas de formação, quer sejam de ordem profissional, quer sejam de cunho particular, o ensino a distância, pelas suas características, é o que poderá atender às necessidades dos indivíduos que, por circunstâncias de outra ordem, não podem fazer uma formação presencial. Estudar a distância ocasiona inúmeras mudanças não somente para o estudante, mas também para o professor e instituição de ensino, assim torna-se necessário trabalhar criando condições para que a oferta de cursos a distância não seja prejudicada em virtude de deficiências de atendimento. Nesse sentido, a tutoria surge como peça-chave na ação de aprendizagem (DALMAU, 2009). A tutoria torna-se responsável, portanto, pelo processo de ensino-aprendizagem, garantindo a orientação acadêmica, acompanhamento pedagógico e avaliação da aprendizagem dos alunos a distância. O tutor, por sua vez, torna-se elemento essencial neste processo, uma vez que atua mediando o processo pedagógico junto aos estudantes geograficamente distantes da instituição de ensino. Entre suas principais atribuições ainda destaca-se a promoção de espaços de construção coletiva de conhecimento, seleção de material de sustentação teórica aos conteúdos, esclarecimento de dúvidas através dos fóruns de discussão pela internet e pelo telefone, participação em videoconferências, contribuição com os processos avaliativos ao lado dos docentes, dentre outras (BRASIL, 2011). Dentro deste contexto de tutoria o curso a distância se desenvolve. Assim, para garantir efetivamente o pleno desenvolvimento das atividades dos cursos a distância e oferecer condições, serviços adequados e suficientes para atender os professores e estudantes em suas expectativas, demandas e necessidades, os processos dentro da tutoria precisam ser bem projetados, gerenciados e avaliados. Assim é o caso do Departamento de Ciências de Administração - CAD da UFSC oferece quatro graduações em Administração e duas em Administração Pública na modalidade a distância em cinco Estados com 25 pólos presenciais. Para atender a esse contingente de alunos que passa de 1.500, contamos com uma tutoria composta de 70 tutores virtuais (que fazem atendimento aos alunos através do Ambiente Virtual de Aprendizagem – AVA Moodle) e 52 tutores presenciais, que estão nos pólos para atendimento das necessidades administrativas e de suporte tecnológico aos alunos como disponibilização das vídeosconferência e da biblioteca existente em cada pólo, entre outras. Sob estes enfoques emerge o presente trabalho que tem como objetivo principal identificar ambientes colaborativos de aprendizagem que possam facilitar uma troca eficaz de conhecimento entre os tutores virtuais dos cursos de Administração da UFSC. Desta forma, esta pesquisa tem como público-alvo os 70 tutores virtuais que ficam situados em Florianópolis de onde executam esse suporte acadêmico ao aluno.Ela justifica-se pela mudança ocorrida na estrutura da tutoria virtual ocorrida no início do ano de 2011, que alterou a forma de trabalho desses tutores deixando de ser em regime presencial, diário de 4 horas na UFSC e passou a ser realizado de maneira remota, onde cada tutor faz o atendimento ao seu grupo de alunos de qualquer lugar onde estiver, porém respeitando os prazos já previamente estipulados para a realização de suas tarefas. A razão dessa reestruturação se deu em função da ampliação do número de graduações que passaram a ser ofertadas de quatro para seis graduações. Essa mudança na forma de trabalhar gerou ganhos como a possibilidade de selecionar tutores com um perfil mais qualificado, pois como não há a obrigatoriedade de um cumprimento de horário fixo e diário, outros profissionais podem exercer essa função , por outro lado, houveram perdas principalmente no que tange ao compartilhamento do conhecimento entre os tutores, que no modelo anterior de trabalho ocorria de maneira informal e com o trabalho remoto ficou prejudicado, inclusive por uma falta de cultura de registro do conhecimento. Esse artigo está dividido em cinco sessões. A primeira apresenta a introdução, objetivo e justificativa da pesquisa. A segunda apresenta o referencial teórico que norteou a pesquisa, na seqüência apresentamos a metodologia. A sessão quatro apresenta os resultados e por fim a conclusão. CRIAÇÃO DE AMBIENTES COLABORATIVOS PARA TUTORES: uma proposta para o Curso de Administração da UFSC 2. RESUMO: Dentro do contexto da Educação a Distância (EaD) a tutoria mostra-se responsável pelo processo de ensino-aprendizagem, garantindo a orientação acadêmica, acompanhamento pedagógico e avaliação da aprendizagem dos alunos a distância. Entretanto, para garantir efetivamente o pleno desenvolvimento das atividades dos cursos a distância e oferecer condições, serviços adequados e suficientes para atender os professores e estudantes em suas expectativas, demandas e necessidades, os processos dentro da tutoria precisam ser bem projetados, gerenciados e avaliados. Sob este enfoque emerge o presente trabalho que tem como objetivo principal identificar ambientes colaborativos de aprendizagem que possam facilitar uma troca eficaz de conhecimento entre os tutores virtuais dos cursos de Administração da Universidade Federal de Santa Catarina. Para alcançar o objetivo proposto esta pesquisa foi desenvolvida como uma pesquisa-ação, tendo como público alvo 70 tutores dos Cursos de graduação em Administração e Administração Pública da UFSC. Foi possível concluir, portanto, que a socialização e a explicitação do conhecimento precisam ser planejadas e coordenadas nos grupos, essa transferência não ocorre automaticamente, precisamos criar uma cultura de colaboração. Quando as equipes trabalham no mesmo tempo e espaço essa colaboração é mais simplificada, mas quando esse trabalho acontece em espaços distintos e tempo assíncrono requer a criação de espaços tecnológicos colaborativos que se adéqüem a cultura do grupo, nesse caso em específico, com a utilização do próprio ambiente de trabalho comum a todos o AVA - Moodle. Palavra-chave: Gestão do conhecimento, Educação a Distância, Tutoria. ABSTRACT: Within the context of distance education (DE) the tutoring is responsible for the teaching-learning process, ensuring the academic advising, educational support and evaluation of student learning at a distance. However, to effectively guarantee the full development of the activities of distance learning courses and provide conditions suitable and sufficient services to meet teachers and students in their expectations, demands and needs, within the mentoring process must be well designed, managed and evaluated. Under this approach emerges the present work that has as main objective to identify collaborative learning environments that can facilitate the effective exchange of knowledge between virtual tutors of Business Administration courses at the Federal University of Santa Catarina. To achieve the proposed objective this research was developed as an action research, with the target audience of 70 tutors of undergraduate courses in Business and Public Administration at UFSC. It could be concluded, therefore, that social and explicit knowledge need to be planned and coordinated the groups, this transfer does not occur automatically, we need to create a culture of collaboration. When teams work in time and space this collaboration is more simplified, but when that work happens in different spaces and time requires the creation of asynchronous technology collaborative spaces that fit the culture of the group, in this case in particular with the use of own work environment common to all the VLE Moodle. Keyword: Knowledge Management, Distance Education, Tutoring. 3. A GESTÃO DO CONHECIMENTO O século XXI caracteriza-se como uma nova era baseada no conhecimento e nas relações estabelecida entre as pessoas. Nonaka e Kono (1998) afirmam que o “[...] local de conhecimento pode emergir em indivíduos, grupos de trabalho, times de projetos, círculos informais, reuniões temporárias, grupos de e-mail, e no contato de linha de frente com o cliente.” Para Nonaka e Takeuchi (1998) a criação de conhecimento é fundamental para a organização, pois criar e compartilhar conhecimento são alguns dos fatores determinantes para proporcionar vantagem competitiva nas empresas. Quanto mais especifico for esse conhecimento, mais ele se tornará seu ativo estratégico e, portanto, o fundamento das competências essenciais da organização, uma vez que ele pertence ao seu capital humano existindo exclusivamente no cérebro das pessoas. As competências essenciais configuram-se por conjuntos de conhecimento tácito e coletivo, resultantes da aprendizagem, produzindo vantagem competitiva para a organização (SENGE, 2005). O processo pelo qual as organizações criam o conhecimento é denominado de conversão do conhecimento e este se dá de duas formas: o conhecimento tácito ou o conhecimento explícito (NONAKA E TAKEUCHI, 1997). O conhecimento tácito é pessoal, difícil de ser formalizado, de comunicar, de compartilhar. É um modelo mental originado das ações, vivências, ideais, valores e emoções do homem. O conhecimento explícito pode ser expresso em palavras e números, é de fácil comunicação e é compartilhado através de manuais, produtos, formulas científicas, programas de computador, etc. É um conhecimento formal e sistematizado que pode ser transmitido entre os indivíduos. Nonaka e Takeuchi (1997) apresentam algumas características dos conhecimentos tácito e explicito, conforme demonstrado no Quadro 1: Quadro 1: Conhecimento Tácito e Conhecimento Explícito Fonte: Adaptado de Nonaka e Takeuchi (1997) Nonaka e Konno (1998) apontam que “[...] a construção do conhecimento é um processo em espiral de interações entre conhecimento explícito e tácito”. Essa interação leva a criação de novos conhecimentos e a combinação dessas duas categorias resulta na conceituação de quatro padrões de conversão: a socialização, a externalização, a combinação e interiorização, que serão comentados a seguir. Quadro 2: Modos de conversão do conhecimento Fonte: Adaptado de Nonaka e Takeuchi (1997) Para Nonaka e Takeushi (1997) a socialização (tácito para o tácito) é um processo de compartilhamento de experiências, modelos mentais, habilidades técnicas entre indivíduos. A socialização desse conhecimento pode acontecer pela observação, imitação e prática e o elemento chave para a aquisição é a experiência. A explicitação (tácito para o explícito) é o processo de conversão do conhecimento tácito em conceitos explícitos que envolvem técnicas que colaboram na expressão de idéias ou imagens. É uma tradução do aprendizado interno em textos, curso, software, palestras. A combinação (explícito para o explícito) é a forma de conversão do conhecimento que envolve variados conjuntos de conhecimentos explícitos formando novos e mais complexos conjuntos deste tipo de conhecimento. A internalização (explícito para o tácito), é a incorporação do conhecimento explícito transformando-o em conhecimento tácito por meio de modelos mentais ou know-how, é aprender fazendo. Esse processo de conversão do conhecimento pode ser amplamente facilitado se a organização proporcionar condições favoráveis na criação de um ambiente adequado para criar e compartilhar conhecimento entre todos os atores envolvidos no processo. Fazer uso do ciclo de conversão do conhecimento tácito em explícito e posteriormente em tácito novamente, proporcionará a organização a construção da sua base de conhecimento organizacional. Para organizar as informações e que possam gerar conhecimentos, sugere-se a utilização do Modelo de Colaboração 3C, sendo baseado na Comunicação, Coordenação e Cooperação, onde é será explicitado no item seguinte. 3.1 O MODELO DE COLABORAÇÃO 3C O modelo 3C de colaboração é baseado na concepção de que para colaborar, os membros de um grupo comunicam-se, coordenam-se e cooperam. O modelo 3C nasce do artigo seminal de Ellis et al. (1991). O modelo de Ellis et al. é utilizado para classificação do suporte computacional à colaboração. O modelo 3C é utilizado como base para a modelagem e desenvolvimento de groupware e cada C é profundamente analisado. Há também uma diferença de terminologia; a operação conjunta no espaço compartilhado é chamada por Ellis de colaboração, enquanto no modelo 3C é chamada de cooperação. Para Raposo (2001) o modelo de coordenação objetiva representar as atividades realizadas no trabalho em grupo através de regras capturadas em um modelo de eventos, diagramas de transição de estado e diagramas de fluxo de controle. O modelo de colaboração é voltado à representação dos produtos manipulados na cooperação e seu mapeamento e compartilhamento com as atividades realizadas. O modelo de comunicação está direcionado para a troca de mensagens, tratando as notificações e requisições, as respostas possíveis, o modo de entrega, bem com a forma de representação das mensagens. Figura 1: O Modelo de Colaboração 3C Fonte: Fuks et al 2005. O diagrama do modelo 3C é apresentado na Figura 1. A comunicação envolve a troca de mensagens e a negociação de compromissos. Através da coordenação, as pessoas, as atividades e os recursos são gerenciados para lidar com conflitos e evitar a perda dos esforços de comunicação e de cooperação. A cooperação é a produção conjunta dos membros do grupo em um espaço compartilhado, gerando e manipulando objetos de cooperação na realização das tarefas. Apesar da separação destas atividades para fins de análise, a comunicação, a coordenação e a cooperação não são realizadas de maneira estanque e isolada; são realizadas continuamente e iterativamente durante o trabalho em grupo (FUKS et al., 2005). As tarefas originam-se dos compromissos negociados durante a comunicação, são gerenciadas pela coordenação e são realizadas durante a cooperação. Através de mecanismos de percepção o indivíduo obtém feedback de suas ações e feedthrough das ações de seus colegas. Ao cooperar, é necessário renegociar e tomar decisões sobre situações inesperadas, o que requer novas rodadas de comunicação e coordenação. 3.2 GESTÃO EM EAD E SISTEMA DE TUTORIA 3.2.1 – A TUTORIA NA EaD – O PAPEL DO TUTOR O tutor a distância atua mediando o processo pedagógico junto aos estudantes geograficamente distantes da instituição de ensino. Sua principal atribuição é promover espaços de construção coletiva de conhecimento, selecionar material de sustentação teórica aos conteúdos, esclarecer dúvidas através dos fóruns de discussão pela internet, pelo telefone, participar de videoconferências, contribuir com os processos avaliativos ao lado dos docentes, dentre outras (BRASIL, 2007). Há diversas maneiras de definir o conceito de tutor. Para Souza et. al. (2004, p. 2): A tutoria pode ser entendida como uma ação orientadora global, chave para articular a instrução e o educativo. O sistema tutorial compreende, desta forma, um conjunto de ações educativas que contribuem para desenvolver e potencializar as capacidades básicas dos alunos, orientando-os a obterem crescimento intelectual e autonomia, e para ajudá-los a tomar decisões em vista de seus desempenhos e suas circunstâncias de participação como aluno. A etimologia da palavra tutor, segundo Ferreira (2004) refere-se ao “indivíduo legalmente encarregado de tutelar alguém” ou “protetor, defensor” ou ainda “aluno designado como professor de outros alunos, em formas alternativas de ensino”. Para Sá (1998), a educação a distância ao se apropriar da terminologia, tutor passou a ser visto como um orientador da aprendizagem do aluno isolado, que frequentemente, necessita de um orientador ou docente para indicar o que mais lhe convém em cada situação. Pode-se admitir plenamente que o professor-tutor seja denominado em outros sistemas similares, tais como orientador acadêmico, mediador ou facilitador. No sistema de EaD observa-se que o tutor, , tem papel preponderante, já que garante a inter-relação personalizada e contínua do aluno no sistema e se viabiliza a articulação entre os elementos do processo e execução dos objetivos propostos. Contudo, cada instituição que tem a EaD como modalidade de ensino, busca a construção de seu modelo de tutoria, objetivando o atendimento das especificidades locais e regionais, incorporando, como complemento, as tecnologias de informação e comunicação. De forma descritiva, Mill (2010) afirma que o tutor a distância (virtual) é responsável por acompanhar os alunos em seus estudos, contribuindo, através de orientações, com seu aprendizado. O autor destaca ainda que diante à grande quantidade de estudantes matriculados em uma disciplina, por exemplo, o tutor vai muito além de sua atuação. Ele auxilia diretamente o professor na função docente de formador. No âmbito do sistema Universidade Aberta do Brasil, tutor é: O profissional selecionado pela IPES vinculada ao Sistema UAB para o exercício das atividades descritas a seguir. No entanto, cabe às instituições de ensino determinar, nos processos seletivos de tutores, as atividades a serem desenvolvidas para a execução dos Projetos Pedagógicos, de acordo com as especificidades das áreas e dos cursos. (BRASIL, 2011b). As atribuições do tutor a distância são disciplinadas pelo Anexo I, da Resolução CD/FNDE n. 26, de 5 de junho de 2009, que estabelece orientações e diretrizes para pagamento das bolsas do Sistema Universidade Aberta do Brasil (BRASIL, 2009), conforme segue: Mediar a comunicação de conteúdos entre o professor e os cursistas. Acompanhar as atividades discentes, conforme o cronograma do curso. Apoiar o professor da disciplina no desenvolvimento das atividades docentes. Manter regularidade de acesso ao AVA e dar retorno às solicitações do cursista no prazo máximo de 24 horas. Estabelecer contato permanente com os alunos e mediar as atividades discentes. Colaborar com a coordenação do curso na avaliação dos estudantes. Participar das atividades de capacitação e atualização promovidas pela Instituição de Ensino. Elaborar relatórios mensais de acompanhamento dos alunos e encaminhar à coordenação de tutoria. Participar do processo de avaliação da disciplina sob orientação do professor responsável. Apoiar operacionalmente a coordenação do curso nas atividades presenciais nos pólos, em especial na aplicação de avaliações. Convém destacar ainda que embora não tenha-se uma definição única para a atuação do tutor, suas competências e funções uma aceitação generalizada sobre este pode ser evidenciada pela sua atuação que vai além de formador, sendo um motivador e efetivador do processo de aprendizagem. 4. METODOLOGIA Esta pesquisa caracteriza-se como uma pesquisa-ação, pois implica na intervenção junto a atores significativos em um processo de mudança, portanto, nessa pesquisa busca-se juntamente com os tutores (atores significativos na EaD) uma intervenção na construção de ambientes colaborativos de aprendizagem pois com as mudanças decorrentes na estrutura de trabalho da tutoria muito do conhecimento que era tacitamente compartilhado se perdeu. Segundo Thiollent (1997) esse tipo de pesquisa busca atingir dois grandes objetivos. O primeiro deles é a descrição de uma situação problema pelos autores em sua linguagem própria e então, detalhando esse primeiro objetivo temos a descrição da situação-problema: a tutoria dos cursos a distância em Administração da UFSC, até fevereiro de 2011 era composta por uma equipe de aproximadamente 50 tutores, 9 supervisores, dois coordenadores de tutoria e dois coordenadores de curso, um coordenador do Programa UAB com 04 graduações em Administração denominadas Projeto Piloto I, Projeto Piloto II, UAB I e a partir de abril de 2011 foi iniciado mais um curso - UAB II. O outro coordenador de curso é responsável pelo Programa Nacional de Administração Pública – PNAP – com duas graduações sendo oferecidas: PNAP I que iniciou em março de 2010 e PNAP II em abril de 2011. Os organogramas dos cursos de Administração e Administração Pública são apresentados pelas figuras 2 e 3 respectivamente. Coordenador do curso de Administração Coordenador de Tutoria Supervisor Projeto Piloto I Supervisor Projeto Piloto II Supervisor Projeto UAB Supervisor Projeto UAB 2 Tutores PPI Tutores PP2 Tutores UAB Tutores UAB 2 Figura 2: Organograma do Curso de Administração, EaD/UFSC Fonte: elaborado pelos autores Coordenador do curso de Administração Administração Pública PNAP Coordenador de Tutoria Supervisor PNAP I Supervisor PNAP II Tutores PNAP I Tutores PNAP II Figura 3: Organograma do Curso de Administração Pública, EaD/UFSC Fonte: elaborado pelos autores Até fevereiro de 2011, os tutores trabalhavam presencialmente em equipes fixas em três turnos de 4 horas de trabalho, durante cinco dias da semana. A primeira equipe trabalhava das 8:00 às 12:00h, uma segunda equipe iniciava seu trabalho de tutoria das 12:00 até às 16:00h e uma terceira iniciava às 16:00 e permanecia até às 20:00h. As atividades desenvolvidas por esses tutores implicam diretamente no suporte as atividades acadêmicas dos alunos, como tirar dúvidas de conteúdos, corrigir provas e atividades e motivá-los no processo educacional, essas atividades todas feitas de forma virtual. Essas equipes mantinham entre si, no seu período de trabalho, um forte compartilhamento de experiências, por exemplo, quando qualquer um dos tutores daquela equipe específica tinha dúvidas, solicitava ajuda aos colegas tutores e muitos procedimentos eram decididos em conjunto. No entanto, no início de 2011 a equipe de tutores foi ampliada agregando-se a essa equipe mais 22 tutores em função do início de mais dois cursos a distância em abril de 2011. Essa ampliação do quadro nos levou a situação de reestruturação da tutoria, pois não dispúnhamos nem de espaço físico e nem de equipamentos (computadores) suficientes para alocarmos os tutores iniciantes. Nesse momento decidimos por reestruturar o processo de trabalho da tutoria. Os tutores fariam o atendimento aos alunos de forma remota, trabalhando às 20 horas semanais que antes eram cumpridas presencialmente na UFSC, de suas casas ou outro lugar que lhes conviesse, vindo a UFSC apenas uma vez por semana, em sistema de escala ou quando do momento de finalização das disciplinas (há cada dois meses) para as correções das provas e trabalhos escritos, pois esse tipo de documento do aluno não pode sair da universidade em função de segurança. Esta nova forma de trabalho nos levou ao seguinte problema: o compartilhamento do conhecimento que antes ocorria naturalmente, mas sem qualquer registro, pois as trocas eram informais, se perdeu. Na verdade a expectativa que se tinha é que, uma vez que trabalhávamos com pessoas que utilizavam ferramentas para auxiliar na construção do conhecimento dos alunos (pois as mediações são através do AVA Moodle), estas haveriam de criar para si espaços próprios de trocas de conhecimento. Esse fato não aconteceu e em reuniões de avaliação sobre a norma forma de trabalho apareceu como ponto forte a flexibilidade do horário de trabalho, mas como situação problema o prejuízo no compartilhamento, o que ocasionava um sentimento de isolamento por parte dos tutores e de insegurança pois, muitas vezes, surgiam dúvidas e estes não compartilhavam com os colegas para chegarem a uma solução conjunta como antes era feita de maneira informal. Nesse momento da pesquisa nos parece como fundamental o segundo grande objetivo da pesquisa-ação proposto por Thiollent (1997), que é o objetivo de intervenção, cujos conhecimentos derivados das inferências são inseridos na elaboração de estratégias ou ações. Para a obtenção desse segundo objetivo buscamos a participação dos tutores em um seminário de capacitação onde foram discutidos cases reais da tutoria e buscado soluções em conjunto, um desses cases tratava exatamente da necessidade de se criar ambientes colaborativos de compartilhamento do conhecimento. Adotamos aqui o conceito de Thiollent (1997) de que a pesquisa-ação tem um caráter participativo, embora não haja consenso entre os autores de que pesquisa-ação é também uma pesquisa participativa. Assumimos que para o nosso caso em específico, nossa pesquisa-ação é também participativa, principalmente na busca da resolutividade deste segundo objetivo de intervenção, buscando colaborativamente estratégias ou ações para resolvermos nosso problema identificado no primeiro objetivo, ou seja, a falta de compartilhamento de conhecimentos no ambiente virtual. Segundo Susman e Evered (1978) apesar da pesquisa-ação participante não ter uma estrutura rígida, pode-se identificar quatro fases distintas: a) fase exploratória: fase em que são identificados os problemas, as capacidades de ação e a intervenção na organização. Foi nessa fase que identificamos o nosso principal problema após a reestruturação dos nossos trabalhos que foi a interrupção do compartilhamento do conhecimento entre as equipes, uma vez identificado o nosso problema precisávamos identificar nossa capacidade de ação, esse segundo momento foi objeto do seminário de capacitação com a participação de toda a equipe para a busca de soluções compartilhadas de vários problemas entre eles a dos ambientes colaborativos para transferência do conhecimento. b) fase de pesquisa aprofundada: nesta fase ocorre a coleta de dados, o objetivo do seminário de capacitação de toda a equipe foi exatamente no sentido de contemplar essa fase de coleta de dados, que emanados das equipes pudessem ser obtidas uma gama de estratégias possíveis de minimizar nosso problema e subsidiar o plano de ação; c) fase de ação: nessa fase ocorre o planejamento e a execução das ações levantadas a partir das sugestões resultantes do seminário. A pesquisa encontra-se exatamente entre a fase 2 e 3, pois estamos tratando as sugestões (fase 2), que serão apresentadas no sessão 4 deste artigo e a fase 3, já desenvolvendo o nosso plano de ação. d) fase de avaliação é quando deve ocorrer o feedback do processo em implantação e as possíveis correções dos planos de ação. Na nossa pesquisa ainda não chegamos nessa fase, conforme explicado no parágrafo anterior. Salientamos que a pesquisa-ação tem várias limitações e, talvez a principal delas, é a não possibilidade de replicar o mesmo experimento, pois cada nova intervenção será em um contexto diferente, naturalmente é possível serem testadas as teorias criadas dentro desse nosso contexto prático, mas ressalvado que essa teoria foi criada em um dado momento de intervenção e, que possivelmente, outras condições de contexto interferirão em um novo processo de intervenção criando novas teorias. 5. COLETA E ANÁLISE DE DADOS O modelo que usamos para fomentar as discussões do case sobre a criação de ambientes colaborativos foram baseada no Modelo de Colaboração 3C de Fucks et al. (2003). Esse modelo foi criado exatamente para tratar da questão de compartilhamento entre grupos que trabalham de forma virtual onde para compartilhar informações os tutores precisam se “comunicar”, organizar seus papéis, isto é, coordenar-se e compartilhar em um espaço conjunto suas experiências isto é, cooperação. As questões propostas para a equipe foram: Diante da situação exposta quais ambientes colaborativos de aprendizagem vocês sugerem que deveríamos adotar como forma para retomarmos a prática de socialização das experiências dos tutores? Como seria a comunicação nesse ambiente? Como se daria a coordenação e como seria o ambiente colaborativo propriamente dito, lembramos aos participantes que a coordenação deve ser oriunda dos próprios tutores e é uma coordenação daquele ambiente específico e daquela situação específica e não um cargo formal. 5.1 UMA PROPOSTA de AMBIENTE COLABORATIVO ATRAVÉS do AVA MOODLE O objetivo do espaço colaborativo é desenvolver a capacidade de trabalho na tutoria dos cursos de Administração a Distância da Universidade Federal de Santa Catarina, aumentando o grau de interação entre os tutores, exercitando suas capacidades de comunicação, coordenação e cooperação. Para isso os tutores serão capazes de gerarem conhecimento de forma colaborativa, selecionando e filtrando conjuntamente as informações disponíveis. Essa nova metodologia visa que os tutores possam trabalhar de forma colaborativa. Eles serão levados a converter informações em conhecimento. A equipe se torna responsável pela aprendizagem ao gerarem conteúdos didáticos argumentarem, dinamizarem as discussões e contribuírem com o aprendizado dos colegas. Em relação a primeira questão quais os ambientes colaborativos sugeridos, o grupo propôs a utilização do próprio Moodle tendo em vista a familiaridade de todos com a ferramenta e o fato de ser um facilitador pois ambos estão virtualmente ligados nessa ferramentas várias vezes ao dia. A proposta inclui também que se insira no Moodle a ferramenta Astor, que é uma forma de se fazer reuniões virtuais com vídeo e voz, não requerendo aplicativos especiais, mas agregando ao próprio Moodle como pode ser visto na figura 4. Figura 4: Ferramenta colaborativa Astor O trabalho colaborativo inicia-se pela comunicação, cujos tutores enviam a supervisão (coordenação) suas dúvidas em forma de um círculo virtuoso. A coordenação seria de responsabilidade dos supervisores que teriam a incumbência de agendar com os tutores uma horário para as reuniões virtuais e propor uma pauta de discussões em função de dúvidas previamente comunicadas pelos tutores. A comunicação ocorrerá entre os tutores e supervisores de forma síncrona, pois há possibilidade de uso de vídeo e voz e a cooperação ocorrerá nesse momento quando cada um exporá suas dúvidas e o grupo auxiliará compartilhando experiências individuais buscando encaminhamentos conjuntos para o grupo. Temos a representação adaptada para o Modelo 3C,conforme ilustra a figura 5. Figura 5: Representação adaptada do Modelo 3C Fonte: adaptado pelos autores de Fuks et al 2005 Nesta proposta há uma formalização do processo de colaboração com a presença da coordenação por parte da supervisão. Espera-se que no decorrer dos trabalhos novas lideranças emirjam do grupo de tutores e o círculo passe a ser informal e de fluxo contínuo onde cada tutor “comunique-se” com os demais exercendo uma “coordenação informal” e a colaboração ocorra em fluxo. Outra sugestão proposta foi de forma assíncrona com a criação de um espaço para repositório de dúvidas e respostas com o caráter de um fórum específico por disciplina tutorada, neste fórum serão postadas as dúvidas que os tutores tenham em relação a feedbacks de provas e atividades ou mesmo de conteúdos e os demais tutores irão disponibilizando as soluções utilizadas, esse repositório estará acessível a todos os tutores daquela disciplina para consultas. 6. CONCLUSÃO Podemos concluir nessa pesquisa-ação que a socialização e a explicitação do conhecimento precisam ser planejadas e coordenadas nos grupos, essa transferência não ocorre automaticamente, precisamos criar uma cultura de colaboração. Quando as equipes trabalham no mesmo tempo e espaço essa colaboração é mais simplificada, mas quando esse trabalho acontece em espaços distintos e tempo assíncrono requer a criação de espaços tecnológicos colaborativos que se adéqüem a cultura do grupo, nesse caso em específico, com a utilização do próprio ambiente de trabalho comum a todos o AVA Moodle. Outro aspecto que precisa ser observado, o ambiente de intervenção dessa pesquisa mostra uma cultura presencial muito forte, então se faz necessário criar ambientes blended ora encontros presenciais como os espaços que ocorreram no seminário de capacitação, mas fortalecendo os espaços virtuais como o proposto, pode-se observar que a proposição de incorporar a ferramenta Astor no Moodle nada mais é do que transferir para o virtual os encontros presenciais, isto é síncronos. O fortalecimento da colaboração virtual precisa ser incentivada através da incorporação de novos elementos a cultura organizacional, e um desses elementos é o sentimento de que a liderança no curso (coordenação e supervisão) está presente e é participante nestes ambientes virtuais de colaboração. É através dessa colaboração virtual que ocorrerá o compartilhamento de informações e da cultura organizacional entre os tutores, uniformização das informações e capacitações dos tutores, com o intuito de oferecer um curso de qualidade, organizado e com informações simétricas entre todos os colaboradores envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. 7. REFERENCIAL BRASIL. UAB/CAPES. Sobre a UAB: O que é. Disponível <http://www.uab.capes.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=6:o-quee&catid=6:sobre&Itemid=18>. Acesso em: 12 jun. 2011a. em: ______. UAB/CAPES. Universidade Aberta do Brasil. Tutor. Disponível em: <http://www.uab.capes.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=50%3Atutor&catid=11%3Aco nteudo&Itemid=29>. Acesso em: 12 jun. 2011b. ______. UAB/CAPES. Resolução CD/FNDE n. 26, de 5 de junho de 2009. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 8 jun. seção 1, p.12. ______. Ministério da Educação, Secretaria de Educação a Distância. Referenciais de qualidade para educação a distância, Brasília, ago 2007. <http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/legislacao/refead1.pdf>. Acesso em: 12 jun. 2011. DALMAU, Marcos Baptista Lopez. Introdução à educação a distância. Florianópolis: Departamento de Ciências Administração/UFSC, 2009. ELLIS, C. A., Gibbs, S. J., and Rein, G. (1991). Groupware: some issues and experiences. ACM Communications Vol.34, No. 1 , 39-58. FERREIRA, A.B.H. Novo Dicionário Aurélio da Lingua Portuguesa. 3ª ed. Curitiba: Positivo, 2004. FUKS, H., RAPOSO, A, GEROSA, M. “Do Modelo de Colaboração 3C à Engenharia de Groupware”. Simpósio Brasileiro de Sistemas Multimídia e Web – WEBMIDIA, 2005 LITWIN, Edith. Das tradições à virtualidade. In: Litwin, Edith (Org.). Educação a distância: temas para o debate de uma nova agenda educativa. Porto Alegre: Artmed, 2001. p. 13-22. MILL, Daniel. Sobre o conceito de polidocência ou sobre a natureza do processo de trabalho pedagógico na Educação a Distância. IN: Polidocência na educação a distância: múltiplos enfoques. São Carlos: EdUFSCar, 2010. NONAKA;I.,KONNO. N. The concept of "ba": Building a foundation for knowledge creation California Management Review; Spring 1998; 40, 3; ABI/INFORM Global NONAKA, I;TAKEUCHI, H. The knowledgecreating company: how Japonese companies create the dynamics of innovation. Oxford: University Press, 1995. _________, I;. TAKEUCHI, H. Criação do conhecimento organizacional. Tradução de Ana Beatriz Rodrigues, Pricilla Martins Celeste. Rio de Janeiro: Campus, 1997. RAPOSO, A.B., MAGALHÃES, L.P., RICARTE, I.L.M., AND FUKS, H. Coordination of collaborative activities: A framework for the definition of tasks interdependencies. In Proceedings of the 7th International Workshop on Groupware - CRIWG, Darmstadt, Germany, September 2001, M. R. S. BORGES, J. M. HAAKE AND U. HOPPE, Eds. IEEE Computer Society, USA, 170-179, 2001 SÁ, I. M. A. A educação a distância: processo contínuo de inclusão social. Fortaleza: CEC, 1998. SENGE, Peter M. A Quinta disciplina: arte e prática da organização que aprende. 16 ed. (Tradução: OP Traduções). São Paulo: Editora Nova Cultural, 2005. SOUZA, C. A. et al. Tutoria na Educação a Distância. XI Congresso Internacional de Educação a Distância (ABED). Salvador. 2004. SUSMAN, G. EVERED, R. D. An assessment of the scientific merits of action research. Administrativive Science Quaterly, v. 23, p. 582-603, Dec. 1978 THIOLLENT, M. Pesquisa-ação nas Organizações. São Paulo: Atlas, 1997. A INFORMAÇÃO GRÁFICA COMO CONSTRUTORA DE IDENTIDADE VISUAL DE MARCA E SUA COMUNICAÇÃO NOS MEIOS IMPRESSOS E DIGITAIS Amanda Pires Machado Alvaro Roberto Dias Richard Perassi Luiz de Sousa 1. INTRODUÇÃO É fato que nós, seres humanos, somos seres relacionais. Interagimos uns com os outros por meio da comunicação e troca de informações. Sentimos a necessidade de tornar comum ao outro aquilo que está em nosso pensamento, sejam ideias ou sentimentos. Isso é percebido e identificado na história humana, desde os primeiros desenhos do homem préhistórico, no interior das cavernas até a atualidade, com a humanidade envolvida e interagindo através da Internet, possibilitando o acesso e troca de informações ao custo de um mover do mouse, um click. Este processo de transmissão e troca de informações não diz respeito apenas as nossas relações afetivas, mas também as relações de consumo. Todo produto, por exemplo, nos transmite informações, sejam estas textuais propriamente ditas, como descrição técnica, benefícios ou modo de uso, mas a embalagem de um produto também transmite informações, comunicando muitas coisas, através da sua forma, material, imagens e outros elementos utilizados que a compõem. Todos estes transmitem informações acerca do produto, da marca que o produz, e consequentemente, da organização que o detém. Estas informações ajudam a criar uma imagem junto ao consumidor deste produto ou marca, pois os elementos utilizados foram planejados com o intuito de comunicar ideias. Dondis (1998) diz que esse processo de pensar, a partir de cores, formas e texturas, numa relação que gera uma composição, tendo em vista um significado, gera o design. Esse processo de pensar, planejar, escolher os elementos que darão forma a conceitos e ideias, gerando a informação gráfica, que será veiculada enquanto mensagem, composta de elementos visuais e textuais sobre determinada mídia e que configurará determinado produto (jornal, cartaz, revista, web site), faz parte da área de Design Gráfico, que busca projetar materiais gráficos com objetivos comunicacionais, de divulgação de marcas, bens, serviços, produtos, organizações. Todo produto de design gráfico, como suporte para comunicação de uma marca, busca transmitir informações pertinentes para o público, seja o estimulando a comprar ou buscando influenciar sua maneira de pensar e agir, em se tratando de campanhas sociais por exemplo. Com o surgimento de novas mídias, influenciadas pelo desenvolvimento tecnológico, têm-se inúmeras formas de se comunicar e estabelecer interação com seus públicos. É possível atingir a geração digital, ou a também chamada geração y, conectada à rede e a internet, conhecida como a nova mídia, assim como ao público que cresceu acompanhando o desenvolvimento das mídias tradicionais, que englobam a mídia gráfica impressa, rádio e TV. Um produto ou uma marca que antes se utilizava apenas da mídia impressa para se fazer conhecer, com suas limitações em termos de abrangência e envolvendo alto custo, hoje, com o uso da mídia digital tem maior abrangência e divulgação, estando disponível para todos que têm acesso a um computador e à rede. A mídia impressa e a mídia digital atuam de forma paralela no processo de comunicação de uma marca. Ainda que com suas características específicas, em termos de linguagem, envolvimento de sentidos diferentes no processo de percepção, cognição e interação, são ferramentas bem eficazes de comunicação. Leonardo Lanzetta, sócio e diretor executivo da DIA Comunicação e diretor de imagem corporativa do POPAI Brasil, em entrevista recente a HSM Management comenta sobre os benefícios de se utilizar de diferentes mídias para a comunicação de marca, ao comentar que “hoje, para se chegar ao consumidor final, não basta apenas estar presente em campanhas de TV e mídia impressa, como há algum tempo. A comunicação precisa ser integrada e contemplar os mais variados canais, como os meios eletrônicos, pontos de venda, digital signages, entre outros.” Neste sentido, se faz importante criar uma imagem coesa, buscando estabelecer unidade visual entre as mídias de divulgação, dentro de um planejamento de Gestão da Marca (Branding). Elaborar as informações para que, quando o publico a receber, saiba identificar a quem se refere, por meio de seus elementos textuais, visuais e demais experiências associadas a marca em questão (aspectos tangíveis e intangíveis), que corroborarão a imagem que se constrói dela. Este processo de coesão e unidade auxiliam no processo de construção da identidade gráfico visual da marca. Seja qual for a mídia de divulgação que se tenha utilizado, por meio da elaboração da informação e estruturação de seus elementos expressivos considerando a unidade e identidade da marca ou organização, esta pode se pôr de forma forte, enquanto imagem, na mente do consumidor, conseguindo um espaço grande diante dos concorrentes, estimulando associações entre estes elementos e experiências vivenciadas pelo consumidor. 2. TÍTULO A informação gráfica como construtora de identidade visual de marca e sua comunicação nos meios impressos e digitais. RESUMO Este artigo tem como objetivo propor uma reflexão acerca do papel do design na estruturação da informação gráfica que, veiculada como mensagem em produtos gráficos impressos ou digitais diversos, atuam de forma paralela, como suporte a comunicação da marca, corroborando para a construção da sua identidade visual de forma coesa. Isso demonstra a importância da unidade visual em diferentes veículos de comunicação, fortalecendo a imagem da marca, através do uso de elementos que estruturam a informação promovendo uma identidade gráfico visual. PALAVRAS-CHAVE Comunicação de Marca. Informação Gráfica. Mídia. Identidade Visual. TITLE The graphic information as building brand identity and communication in print and digital medias. ABSTRACT This article has as objective to propose a reflection concerning the paper of the design in the structuring of the graphic information, transmitted as message in products graphic printed or digitals, they act in a parallel way, as support the brand communication, corroborating the construction her visual identity in an united way. That demonstrates the importance of the visual unit in different communication vehicles, strengthening the brand image, through the use of elements that structure the information promoting identity visual graphic. KEY WORDS Brand Communication. Graphic Information. Media. Visual Identity. 1. A COMUNICAÇÃO DA MARCA NA ATUALIDADE Uma simples parada em um corredor de um supermercado nos dá uma amostra da situação que o consumidor enfrenta na escolha de um produto. Se procurar por café solúvel terá, pelo menos, 04 opções de diferentes marcas para um mesmo produto (e segundo a IXP Marketing Group, são lançadas cerca de 21 mil marcas de produtos por ano). Existem fatores limitadores neste processo pela escolha da marca que o consumidor irá comprar, tal como o preço, qualidade, vantagem, diferencial. Porém, antes de se chegar ao supermercado ou mesmo antes de efetuar a compra online, o consumidor já teve alguma experiência prévia com a marca. Todo novo produto prevê seu lançamento no mercado: seja através de propaganda televisiva, usando muitas vezes uma personalidade do mundo artístico para divulgá-lo; com publicidade em revista impressa, outdoor ou mesmo busdoor; por meio da experiência e experimentação de algum amigo; por meio de mala direta vinda pelos correios, pela internet ou através de acesso a algum site institucional. De alguma forma, já começamos a construir uma imagem mental do produto ou marca, seja essa positiva ou negativa, com base nas impressões que fomos percebendo e associando a elas. Estas impressões foram coletadas, percebidas através do contato que se teve com parte do produto ou marca; das informações que foram transmitidas, através de diferentes meios, como a mídia impressa, televisiva ou digital, e tantos outros que podem ser usados para a transmissão de informações. No século passado, a embalagem exercia papel importante no processo de divulgação da marca. Na atualidade, esta continua tendo importância, considerando os grandes investimentos feitos (em termos de material, qualidade e design) nas mesmas, assim como este mercado tem crescido, mas é apenas um dos veículos de comunicação que pode ser usado com intuito de levar informações da marca ao público. Hoje, a maioria das grandes marcas de produtos investe construindo um web site institucional estruturado, como um das primeiras ferramentas de comunicação e divulgação da empresa. Visto que os meios de comunicação sofreram (e sofrem) influências da tecnologia, hoje é quase impossível uma organização não pensar em se comunicar com seus públicos, divulgar sua marca, torná-la conhecida, informar os consumidores a respeito desta usando meios diferentes, como o impresso e o digital, no sentido de um ser complementar ao outro dentro do grande processo de Gestão da Marca (Branding). Para Jaime Troiano, um dos principais especialistas em Branding do país, a comunicação digital é imprescindível neste século: “(…) há uma certeza absoluta de que as marcas, em qualquer área de negócio, não poderão viver sem ela (mídia digital).” 2. O PAPEL DA MÍDIA IMPRESSA E MÍDIA DIGITAL NO PROCESSO DE COMUNICAÇÃO Sempre utilizamos de um meio para nos comunicarmos, nos relacionarmos uns com os outros. Desde o princípio da nossa história temos usado diferentes mídias, diferentes linguagens. O homem primitivo usou a parede das cavernas para se comunicar, através de desenhos. Na Antiguidade, através de brasões estampados em bandeiras, intentou-se diferenciar e dizer a que grupo, sob que ‘bandeira’ se lutaria. Antes da descoberta da prensa móvel, de Gutenberg, no século XV, todo conhecimento, toda informação era transcrita manualmente (por pouco e para poucos). Após a invenção deste alemão, houve uma proliferação e popularização dos livros que culminou na chamada “Era Gutenberg”, a era da imprensa. A descoberta de Gutenberg favoreceu e propiciou mais tarde o desenvolvimento de outros veículos de informação, tais como as revistas e os jornais, nos séculos XVIII, a fotografia. Foi a era da mídia impressa, das letras. A mídia impressa e seus veículos sempre tiveram grande importância para o mundo do design, seja por seu valor histórico, seja pela função comunicacional, social, cultural que exerciam. De certa forma, a mídia impressa sempre esteve a cargo de comunicar e divulgar, informar sobre alguma coisa, atrelada a uma marca, um produto ou organização. Um dos primeiros cartazes de divulgação foi encontrado no século XIV. A divulgação das marcas começou a ocorrer de forma mais massiva a partir do século XVIII, através do uso de embalagens, cartazes, anúncios em revistas e jornais, reclames públicos. A base para a divulgação e transmissão de informação era a mídia impressa. No século XIX, com a invenção da fotografia, do telégrafo, cinema e rádio, foi instaurada a cultura da imagem e a era do consumo, que culminou com a invenção da televisão. A invenção da TV e do rádio possibilitaram que se percebesse as outras possibilidades de comunicação de marca. Nesta época, com a produção e consumo em massa, começou-se a se preocupar em diferenciar uma marca da outra, gerenciando sua imagem e construir sua identidade, sendo uma das primeiras empresas a se preocupar em construir e gerenciar sua identidade corporativa e visual a alemã AEG. “Com essa ideia integradora, que superava totalmente a prática exclusivamente gráfica da marca naquela época, a AEG se antecipava numa disciplina que, não obstante, levaria ainda meio século para estabelecer-se: a identidade corporativa (COSTA, 2006, p. 77). Em pleno século XXI, vivemos o advento da mídia digital, da comunicação em rede, do universo virtual. O acesso a e disponibilização das informações têm sido ampliada através desta mídia, e a um custo bem menor, se comparado com as demais. A mídia digital se apresenta, por meio de uma interface, tendo como suporte o computador e este, conectado à rede, apresentando ao usuário o universo da web, da Internet. Muitos autores comentam que a intenção da mídia digital não é tomar o espaço das demais, mas sim, trabalhar em paralelo, sendo possível tornar papel o que está na mídia digital, e digitalizar o que faz parte da mídia impressa. 3. SIGNOS, SÍMBOLOS, LINGUAGEM E IDENTIDADE VISUAL A informação, do ponto de vista estrutural, é composta por elementos que lhe dão expressividade e materialidade, transmitindo o conceito, a ideia que originou ou motivou a 'enformação' desta e que gerou a informação. Os produtos de design, entendendo-os como portadores de ideias materializadas, expressivas, com objetivos comunicacionais, através do uso de elementos da linguagem visual, fornecem informação do começo ao fim: por meio de sua forma por exemplo, podemos identificar para que público se destina, seus gostos e interesses, bem como o que além disso quer comunicar, estimulando respostas e ações. Comentamos nos tópicos anteriores sobre as diferentes mídias e veículos que dão suporte a informação, do ponto de vista estrutural, que o configuram. As descobertas de novas tecnologias influenciam e geram a descoberta de novas mídias. Se no século passado a mídia gráfica impressa era a opção para a comunicação e divulgação das marcas junto aos seus públicos, atualmente esta divide seu espaço com a mídia digital, numa relação de complementaridade. Numa visão bem simplificada, evolutiva, comum dentro do campo de design, costuma-se dizer que a identidade visual (a qual busca-se construir, afim de que seja identificável a relação e ligação entre mídias de comunicação diferentes, mas referentes a uma mesma marca, empresa ou produto) enquanto sinal ou símbolo dentro de uma comunicação gráfica, faz parte do processo de evolução da linguagem. Afirma-se que esse processo começou com as imagens (Lascaux e Altamira, na França), avançou rumo aos pictogramas (hieróglifos) e chegou ao alfabeto, e que hoje se percebe uma reversão, que se volta mais uma vez para a imagem. E, em nosso cotidiano repleto de imagens, as identidades visuais representariam uma grande parte dessa realidade. Em contato com muitas pessoas, elas estariam em um processo de comunicação permanente. A identidade visual, enquanto desenho, faz parte deste cotidiano repleto de imagens, e sua construção, quando considerada “bem feita” por seus autores, resolve o problema de incompatibilidade na hora da identificação visual: não se confunde uma marca com outra. Para Dondis (1998), a questão mais importante na construção de uma identidade visual é sua relação com o alfabetismo e com o que este representa no contexto da linguagem, junto com as analogias entre imagem e interpretação que podem ser extraídas e aplicadas à informação visual. Para ser alfabetizado, em termos de linguagem, diria Dondis, primeiro nós aprendemos um sistema de símbolos, formas abstratas que representam determinados sons. Aprendemos nosso alfabeto letra por letra, combinamos as letras e seus sons e elegemos representantes (palavras) para as coisas, ideias e ações. Conhecer o “significado” das palavras equivaleria a conhecer suas definições. Alguns autores do design acreditam que é possível atribuir este processo de conhecimento também às imagens. Segundo os critérios do design em geral, além de ver, para se fazer uma identidade visual é necessário pensar no que se vê e no que deve ser mostrado. Só que a visão e a compreensão da identidade não são processos simples, muito menos passivos. Na verdade, a visão – percepção e leitura – são processos dinâmicos, uma espécie de diálogo que envolve leitor e objeto. Acredita-se que informações representadas estabelecem um “campo comum” entre o observador e o que se está observando. Assim, as “interpretações” seriam frutos dessa interação. Os elementos estéticos utilizados pelo designer seriam, então, signos a serem observados por um interpretante. Sobre o signo Peirce (2003) diz: Qualquer coisa que conduz alguma coisa (seu interpretante) a referir-se a um objeto ao qual ele mesmo se refere (seu objeto), de modo idêntico, transformando-se o interpretante, por sua vez, em signo, e assim sucessivamente ad infinitum. Sem dúvida, uma consciência inteligente deve entrar nessa série. Se a série de interpretantes sucessivos vem a ter fim, em virtude desse fato o signo torna-se, pelo menos, imperfeito. Se tendo sido determinada uma idéia interpretante numa consciência individual, essa ideia não determina um signo subseqüente, ficando aniquilada essa consciência ou perdendo toda lembrança ou outro efeito significante do signo torna-se impossível saber se alguma vez existiu uma tal idéia nessa consciência. (PEIRCE, 2003, p. 76) Logo, as interpretações desse “campo comum” não asseguram uma única e definitiva informação. Um símbolo, para Peirce (2003, p.73), “não pode indicar uma coisa particular qualquer; ele denota uma espécie de coisa.” Mas são esses os elementos em que os designers apóiam a construção de seus projetos visuais, em geral esperando que, ao contrário, eles pudessem indicar algo preciso e previsível: que as imagens elaboradas em um sistema simbólico individual apresentariam sintonia com o público alvo. Dessa maneira, aquilo que se chama de “criação” não seria outra coisa senão a capacidade de se expressar, visualmente, com os símbolos latentes na sociedade, partindo-se do pressuposto de que isso seja possível. O leitor de uma identidade visual usa sua imaginação, entendida segundo Flusser (2002, p.07) como a “capacidade de codificar fenômenos de quatro dimensões em símbolos planos e decodificar as mensagens assim codificadas.” A imaginação é utilizada tanto para se construir imagens como para buscar compreendê-las. Já vimos que as imagens não são conjuntos de símbolos com significados inequívocos: elas oferecem aos seus leitores um espaço para interpretação, traduzindo essas imagens em situações, processos em cenas de seu cotidiano, de sua experiência pessoal. Mas, mesmo acreditando que uma imagem contenha e disponibilize informações, conceitos e ideias, o ler, dentro de um processo de comunicação utilizado pelo design, seria só descobrir as imagens convencionadas pelos conceitos. Uma visão reducionista. Então, apesar desse universo de incertezas da comunicação de uma identidade visual e sua multiplicidade de interpretações, quais são os conceitos utilizados pelo design em sua construção e qual sua identidade técnica? Qualquer definição não responderia uma pergunta fundamental: o que é significado? As linguagens são símbolos puramente convencionais (Guiraud, 1975), com atribuição de sentidos, é dado um nome a um conceito, ou seja, as coisas são nomeadas arbitrariamente. Estes “sentidos” podem mudar, visto que a “leitura” evolui como resultado de uma modificação na estrutura das associações psíquicas que constituem o sentido das palavras. É óbvio que essa mudança de sentido compromete a interpretação pretensamente única de uma identidade visual. Os signos utilizados na comunicação têm a característica de serem convencionais, pois pressupõem um acordo entre os que os empregam: o que transforma os signos em símbolos. É nessa pressuposição que se apóiam os trabalhos de design em geral. O design não tem, pelo menos por onde caminhou nossas pesquisas bibliográficas, nenhuma definição própria para símbolo, diferente daquelas que aqui foram apresentadas e discutidas. E isso pode ser reforçado por Lucy Niemeyer (2003, p.13), quando considera que “ao designer cabe incorporar à sua prática profissional e investigação científica os aportes de outras áreas que tratam de questões aplicáveis ao design.” O design, de uma maneira geral, atribui à simbolização o aspecto abstrato da relação do homem ao mundo, tornando-o capaz de “orientar-se em termos simbólicos”. As regulações, como se fosse possível regular, necessárias para responder aos estímulos do meio e integrá-los tornar-se-iam então em uma forma de construção simbólica do universo, pois seria desta maneira que o homem se relacionaria com o mundo. Ele, então, construiria o universo através desta “função simbólica”. Esse raciocínio no qual o design se refere para justificar uma linguagem apoiada na simbologia faz com que o símbolo se torne o próprio universo da humanidade. Toda linguagem então seria simbólica na sua essência, um sistema de explicação do mundo. Peirce (2003, pgs.73-74) diz que: Os símbolos crescem. Retiram seu ser do desenvolvimento de outros signos, especialmente dos ícones, ou de signos misturados que compartilham da natureza dos ícones e símbolos. Só pensamos com signos. Estes signos mentais são de natureza mista: denominam-se conceitos suas partes-símbolo. Se alguém cria um novo símbolo, ele o faz por meio de pensamentos que envolvem conceitos. Assim, é apenas a partir dos outros símbolos que um novo símbolo pode surgir. Omne symbolum de symbolo. Um símbolo, uma vez existindo, espalha-se entre as pessoas. No uso e na prática, seu significado cresce. (...) O símbolo pode, como a esfinge de Emerson, dizer ao homem: De teu olho sou um olhar. (PEIRCE, 2003, pgs.73-74) Ao invés de sistema, preferimos denominá-lo como processo, tornando-o ágil e dinâmico. O olhar é uma das formas de se experimentar as diferentes representações visuais ao seu redor e, a medida em que o homem vai crescendo, essa prática só vai aumentando. A visão, para o ser humano, pode ser um dos principais sentidos de percepção. Assim, pelo olhar o homem poderia passar a perceber e apreender imagens, onde, dessa maneira, a comunicação só aconteceria se o que se vê fosse objeto de conhecimento. Mas, ao se delimitar um conhecimento, impondo-se um certo e um errado, tira-se a potência do objeto como possibilidade de expressão. A linguagem visual é utilizada pelo design como uma linguagem universal, capaz de ultrapassar as barreiras culturais, orais e até lingüísticas, com a possibilidade dos símbolos terem o mesmo significado em diferentes lugares. O que leva o designer a uma busca do significado dentro desse processo, ou seja, se a marca desenhada significa alguma coisa. Se representa a empresa ou o serviço que ela presta. Se está fácil de entender. Se o grafismo encontrado traduz o conceito que se deseja passar. Mas essa linguagem é específica, pois para Niemeyer (2003, p.13) “a busca de uma solução formal esteticamente agradável foi uma preocupação que acompanhou desde seus primórdios as ações de aprimoramento do produto industrial.” Uma linguagem tecnicista e formal. 4. IDENTIDADE CULTURAL E DESIGN André Villas-Boas faz a ponte entre o design e a identidade cultural, pois acredita que os estudos culturais, e sua articulação, devem ser ferramentas de estudo do design gráfico. Villas-Boas (2002, p.10) acredita que o design é um discurso, e como tal espelha a condição cultural na qual e para a qual foi concebido, ao mesmo tempo em que contribui para produzir, realimentar ou transformar esta mesma condição cultural. “Os estudos culturais tendem a questionar as práticas metodológicas tradicionais ou as misturam de acordo com as necessidades apresentadas pelo objeto de análise no curso da pesquisa.” Qualquer pessoa não tem como olhar para qualquer coisa sem atribuir a ela um sentido e sem que ela não se configure nas nossas relações construídas socialmente. Dessa forma, qualquer informação, principalmente a visual, é uma expressão cultural (Villas-Boas, 2002, p.16), ou seja, “não é um objeto em si mesmo, porque ao termos contato com ela obrigatoriamente a estamos incluindo na nossa história – individual e socialmente falando – e, portanto, estamos incluindo em nosso jogo individual e social, e a este jogo damos o nome de cultura”. O livro de Geertz (1978, p.120) também aborda o conceito de estrutura semântica, onde a imagem não é apenas muito mais complexa do que parece na superfície, mas uma análise dessa estrutura força a reconstituição de uma multiplicidade de conexões referenciais entre ela e a realidade social, de forma que o quadro final é o de uma configuração de significados dissimilares a partir de cujo entrelaçamento se originam tanto o poder expressivo como a força retórica do símbolo final (GEERTZ, 1978, p. 120). Achamos importante combinar esse conceito com a relação de símbolos cognitivos e símbolos expressivos que são fontes extrínsecas de informações em termos das quais a vida humana pode ser padronizada – mecanismos extra pessoais para a percepção, compreensão, julgamento e manipulação do mundo. Os padrões culturais – religioso, filosófico, estético, científico, ideológico – são “programas”: eles fornecem um gabarito ou diagrama para a organização dos processos sociais e psicológicos, de forma semelhante aos sistemas genéticos que fornecem tal gabarito para a organização dos processos orgânicos (p. 38). Por mais que se trabalhe com símbolos, sua interpretação não é tão simples assim. Além disso, dentro do processo de comunicação, fica muito mais indicativo de que estamos trabalhando com pessoas, identidades construídas ao longo do tempo e sempre mutantes. 5. A PRÁTICA PROJETUAL DO DESIGN O profissional de design gráfico tem a oportunidade de desenvolver projetos de criação de identidade visual para vários clientes. No campo do design, criar uma identidade visual significa desenvolver um conjunto de elementos gráficos para que estes construam visualmente a personalidade de um nome, ideia, produto ou serviço. De forma geral, qualquer coisa possui uma identidade visual, e esta identidade é aquilo que singulariza visualmente um dado objeto; o que o diferencia dos demais por seus elementos visuais. Assim, para o design, qualquer coisa que possa ser identificada visualmente possui uma identidade visual (identificação = reconhecimento de identidade). Os elementos de uma identidade visual, ainda dentro da metodologia de criação desenvolvida pelo design, podem ser divididos em primários (o logotipo, o símbolo e a marca), secundários (cores institucionais e as letras utilizadas) e acessórios (em geral também derivados dos elementos primários e, ainda, dos secundários; são os grafismos, os símbolos e os mascotes). O profissional responsável pelo desenvolvimento das etapas de criação definidas na metodologia do design para esse tipo de trabalho tem as seguintes tarefas: 1. Análise do ambiente (público-alvo, posição no mercado, níveis de consumo, políticas internas do cliente, aplicações); 2. Geração de ideias e conceitos a serem trabalhados, por um lado mais criativo e menos lógico-formal; 3. Definição do conceito para o desenvolvimento do layout; 4. Apresentação e explicação do conceito trabalhado para o cliente aprovar a solução; 5. Solicitar as alterações se necessárias. Em nossa opinião, a comunicação de uma identidade visual interfere no comportamento das pessoas que passam a percebê-lo junto com uma imagem associada. É, em função disto, impossível que não haja influência desse comportamento na percepção dessa marca e o que ela representa. Esses aspectos, esse movimento do elemento humano, parecem fundamentais para a avaliação dos efeitos do trabalho de criação da identidade visual, mas nos processos e metodologias de design, em geral, têm sido pouco valorizados. Qual o efeito cultural e estético da associação que as pessoas fazem dos desenhos utilizados na marca no universo simbólico? A validação é a forma pela qual o projeto é submetido a uma amostra do público-alvo para a confirmação de seu sucesso (tomada aqui no sentido de eficácia). São recomendáveis duas validações: a preliminar e a validação propriamente dita. A validação preliminar é realizada com amostra reduzida, qualitativa, e feita a partir de perguntas abertas, geralmente em forma de entrevista. Seu objetivo é levantar questões sobre alternativas, de modo a validar as alternativas desenvolvidas até aquele momento e gerar possíveis aperfeiçoamentos. Mas ela tem também outro papel: o de subsidiar os dados para a validação propriamente dita. Esta validação posterior já tem outro objetivo: não o de levantar questões, mas o de confirmar hipóteses. Por isso, os pontos a serem abordados são objetivos, diretos, baseados nas questões levantadas anteriormente na validação preliminar e durante o próprio processo de projetação. A forma mais usual da validação propriamente dita é a de questionários com perguntas fechadas. (PEÓN, 2000, p. 85-86) O design, ao projetar uma identidade visual para um produto ou serviço, tem a ambição de captar todos os aspectos do objeto (ou pessoa) que ele representa e transformá-los em desenhos gráficos. E dessa forma estaria contribuindo para (e ao mesmo tempo modificando) a percepção do objeto ou da pessoa. Um projeto de identidade visual, geralmente, reúne identidades diferentes, formadas através da representação gráfica sob o teto de uma única identidade. Assim, podemos dizer que o design não cria uma identidade, na concepção cultural do termo, e sim uma identificação, artificial, arbitrária, cultural e estética. A identidade é construída, com o apoio da identificação, no imaginário da sociedade através da comunicação e das relações com seus consumidores. 5.1. AS VÁRIAS LEITURAS DE UMA IDENTIDADE VISUAL Uma identidade visual pode ser entendida como um caligrama, ou seja, um desenho feito de letras: um texto “desenhado” que representa, com as letras dispostas num determinado espaço: signos que evocam significações. O design se caracteriza por uma cultura tipográfica e iconográfica, e essa relação dá poderes à letra e à imagem. Esse uso “embaralha as regras da correspondência à distância entre o dizível e o visível, próprias à lógica representativa. Embaralha também a partilha entre as obras da arte pura e as decorações da arte aplicada” (Rancière, 2005, p. 20). Rancière entende o termo “partilha” com dois significados: a participação em um conjunto comum e, inversamente, a separação, a distribuição em quinhões. O termo partilha, em Rancière, está bastante associado à “sensível”. Assim, o termo “partilha do sensível” seria a relação entre um conjunto comum partilhado e a divisão de partes exclusivas. Termo esse que consideramos bastante pertinente dentro desta discussão sobre identidade visual. O desenho de uma identidade visual não é simplesmente uma composição geométrica de linhas. A escolha pelo designer dos elementos que farão parte dessa composição é fruto de sua interpretação do problema, transformando-se assim em “uma forma de partilha do sensível” (Rancière, 2005, p. 21). O designer carrega cada um desses elementos de um sentido, determinado pela escolha pessoal ou pelo briefing, dando vida a essa identidade. “É ao ato da palavra ‘vivo’, conduzido pelo locutor ao seu destinatário adequado, que se opõe à superfície muda dos signos pintados”. (Rancière, 2005, p. 21). Mas não é de agora que os artistas gráficos, precursores dos designers gráficos, lidam com essa “vida e morte”, como bem retrata Rancière (2005, p. 55): A idade romântica força de fato a linguagem a penetrar na materialidade dos traços através dos quais o mundo histórico e social se torna visível a si mesmo, ainda que sob a forma da linguagem muda das coisas e da linguagem cifrada das imagens. É a circulação nessa paisagem de signos que define a nova ficcionalidade: a nova maneira de contar histórias, que é, antes de mais nada, uma maneira de dar sentido ao universo “empírico” das ações obscuras e dos objetos banais. A ordenação ficcional deixa de ser o encadeamento causal aristotélico das ações “segundo a necessidade e a verossimilhança”. Torna-se a ordenação de signos. Todavia, essa ordenação literária dos signos não é de forma alguma uma auto-referencialidade solitária da linguagem. É a identificação dos modos da construção ficcional aos modos de uma leitura dos signos escritos na configuração de um lugar, um grupo, um muro, uma roupa,um rosto. É a assimilação das acelerações ou desacelerações da linguagem, de suas profusões de imagens ou alterações de tom, de todas suas diferenças de potencial entre o insignificante e o supersignificante, às modalidades da viagem pela paisagem dos traços significativos dispostos na topografia dos espaços, na fisiologia dos círculos sociais, na expressão silenciosa dos corpos. A “ficcionalidade” própria da era estética se desdobra assim entre dois pólos: entre a potência de significação inerente às coisas mudas e a potencialização dos discursos e dos níveis de significação. (RANCIÈRE, 2005, p. 55). O importante é que se pode fazer uma leitura não óbvia de uma manifestação gráfica, de um desenho e descobrir o quanto a imagem pode ser desdobrada. Aqui não é mais a comunicação da identidade visual que está em jogo, mas a construção em si, construção sempre a refazer, inacabada. Mas uma construção que se faz com comunicação e não re-design. O design terá servido de interface do seu criador com os leitores. Perceber, olhar, ler equivale a construir-se a identidade visual independente de seu “criador”. São muitos os “criadores” de uma identidade visual. Os designers confiam geralmente nos processos. Essas fórmulas, esses processos, nada tem a ver, necessariamente, com as percepções do leitor, mas contribuem para criar, recriar e re-atualizar o mundo de significações de que dispomos para continuar construindo. Assim, talvez, a prática do design não é a exterioridade do trabalho, mas sua forma de visibilidade deslocada. É preciso que o designer enxergue para além de sua área de trabalho, percebendo o gesto político que é produzir para outros. Podemos então comparar a identidade visual a um rizoma que, segundo Deleuze/Guatarri (1995), não se deixa reconduzir nem ao Uno nem ao múltiplo; não é o Uno que se torna dois, nem mesmo que se tornaria diretamente três, quatro ou cinco etc.; não é um múltiplo que deriva do Uno, nem ao qual o Uno se acrescentaria (n+1); não é feito de unidades, mas de dimensões, ou antes, de direções movediças; não tem começo nem fim, mas sempre um meio pelo qual ele cresce e transborda. O grafismo, o desenho ou a identidade visual passa a ser não mais um decalque, um espelho de seu “criador”, mas um mapa que deve ser produzido, construído, sempre desmontável, conectável, reversível, modificável, com múltiplas entradas e saídas, com suas linhas de fuga. A identidade visual não tem como ser uma comunicação estanque, mas uma porta para o leitor. Pode-se concluir – de forma similar ao que se pode sugerir a partir do conceito de continuum de Peirce – que não há controle, pois continuidade é fluidez, a fusão das partes em partes. Wittgenstein (1975) diz que denominar e descrever não se encontram, na verdade, num único nível: o denominar é uma preparação para a descrição. O denominar não é ainda nenhum lance no jogo de linguagem – tampouco o colocar uma figura de xadrez no lugar é um lance no jogo de xadrez. “Pode-se dizer: ao se denominar uma coisa, nada está ainda feito. Ela não tem nome, a não ser no jogo” (Wittgenstein, 1975, p. 35). Ao desenhar, o designer só está construindo denominações, ainda não descreveu nada. Este jogo é solitário, feito apenas entre o profissional e o cliente que o contratou. Toda construção da identidade visual é carregada de história, de cultura, de passado, mas isso não pode se transformar numa questão messiânica, sem questionamentos (uma religião). Mas, como diz Geertz (1978, pgs. 96-97), a força de uma religião ao apoiar os valores sociais repousa, pois, na capacidade dos seus símbolos de formularem o mundo no qual esses valores, bem como as forças que se opõem à sua compreensão, são ingredientes fundamentais. A “espécie de símbolos (ou complexos de símbolos) que os povos vêem como sagrados varia muito amplamente.” Como se vê, a compreensão dos símbolos, mesmo sacralizados, varia muito. E essas variações são muito importantes para se entender as múltiplas leituras de uma identidade visual. Para Foucault (1987, p.22), se a interpretação não acaba nunca, não quer dizer que não há nada a interpretar, mas que “não há nada absolutamente primário a interpretar, porque no fundo já tudo é interpretação, cada símbolo é em si mesmo não a coisa que oferece à interpretação, mas a interpretação de outros símbolos.” Não existe um “alfabeto” de símbolos, primários, para o designer “escrever” uma identidade apenas para uma leitura, sem interpretações. O designer não precisa se apoiar na metodologia estanque, pois há muito espaço para o jogo dentro do design. Mas o convite final deste artigo é para o jogo, e não para o resultado dele. 6. REFERÊNCIAS ANTELO, R. Valor e pós-critica. (texto fotocopiado) ASSAD IBRI, I. Kósmos Noetós: arquitetura metafísica de Charles S. Peirce. São Paulo: Ed. Perspectiva/Hólon, 1992. BARTHES, R. A câmara clara. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1984. ____________. A morte do autor in O rumor da língua. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988. COSTA, J. A imagem da marca: um fenômeno social, Rio de Janeiro, Rosari: 2006. DELEUZE, G. / GUATARRI, F. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia Vol. 1 – trad. Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa – Rio de Janeiro: Editora 34 – coleção Trans. 1995. DONDIS, D. A. Sintaxe da linguagem visual. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. FLUSSER, V. Filosofia da Caixa Preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002 – (Conexões; 15) FOUCAULT, M. Isto não é um cachimbo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. _________________ O que é um autor. São Paulo: Vega, 1992 _________________ Nietzche, Freud e Marx. Theatrum Philosoficum. São Paulo: Editora Princípio, 1987 GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1978. GUIRAUD, P. A Semântica. São Paulo: Difel, 1975. HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1998. LANZETTA, L. Comunicação integrada x mídia. HSM Management online. Disponível em: http://www.hsm.com.br/editorias/comunicacao/comunicacao-integrada-x-midia Acesso em 19 set 2011. NIEMEYER, L. Elementos de semiótica aplicados ao design. Rio de Janeiro: 2AB, 2003. PEÓN, M L.. Sistemas de Identidade Visual. Rio de Janeiro: 2AB, 2000. PEIRCE, C. S. Semiótica. São Paulo: Editora Perspectiva, 2003 RANCIÈRE, J. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: EXO Experimental org.; Ed. 34, 2005. SLOTERDIJK, P. O quinto “evangelho” de Nietzsche. São Paulo: Tempo Brasileiro, 2003. TROIANO, J. Marca não é uma entidade que paira no vazio. HSM Management online. Disponível em: http://www.hsm.com.br/artigos/marca-nao-e-uma-entidade-que-paira-no-vazio Acesso 20 set 2011. VILLAS-BOAS, A. Identidade e Cultura. Rio de Janeiro: 2AB, 2002. WITTGENSTEIN, L. Investigações Filosóficas. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, Victor Civita. vol. XLVI, 1975. AMPLIAÇÃO INTERORGANIZACIONAL DO CONHECIMENTO: DESAFIOS DA GESTÃO DO CONHECIMENTO EM REDES DE EMPRESAS Ana Paula Lisboa Sohn Nelson Casarotto Filho Idaulo José Cunha Neri dos Santos Ampliação interorganizacional do conhecimento: desafios da gestão do conhecimento em redes de empresas. Resumo: Dado que existe uma série de conhecimentos envolvidos nas relações entre empresas que podem ser gerenciados para otimizar a geração de ganhos coletivos o objetivo desta pesquisa é discutir a gestão do conhecimento no contexto das redes interorganizacionais. Para tanto foi realizada uma revisão de literatura com o objetivo de identificar o maior número possível de estudos relacionados a gestão do conhecimento em redes interorganizacionais. Os resultados mostram que as redes de empresas podem proporcionar um ambiente favorável à gestão do conhecimento entretanto observou-se desafios no tocante ao trabalho colaborativo que limitam os ganhos coletivos nos processos de gestão do conhecimento. Palavras-Chaves: gestão do conhecimento, redes interorganizacionais, aprendizagem colaborativa. Abstract: This article focus on the knowledge management in the interorganizatoinal network scope, since there is a lot of knowledge involved in the interorganizational relationships which can be managed in order to maximize the collective competences. The aim of this research is to conceptualize and discuss the knowledge management in the context of the interorganizational networks. For this a literature review was made to identify a lot of studies related to this subject. The results of the researche show that interoganizational network can provide a good place to the knowledge management but there are challenges with regard to the collaborative work that limit the gains in collective processes of knowledge management. Key-words: knowledge management, interorganizational networks, collaborative learning. 1. INTRODUÇÃO O objetivo principal deste artigo é discutir a temática da gestão do conhecimento no âmbito das redes interoganizacionais. Para tanto foi realizada uma revisão bibliográfica com o objetivo de identificar o maior número possível de estudos relacionados à gestão do conhecimento no contexto das redes interorganizacionais. No tocante a relevância do estudo em redes interorganizacionais Cunha (2007) observa que ainda é insuficiente conhecimento teórico e empírico sobre coleções de empresas como: clusters, aglomerados produtivos, redes de empresa e sobre o potencial de ganhos derivados da ação conjunta. O autor salienta que o não desenvolvimento de pesquisas na área pode comprometer a competitividade futura dos pólos regionais, dentre eles os catarinenses, implicando na perda de oportunidades criadas pelo novo modelo econômico, tecnológico e organizacional que valoriza competências locais. Enumeram-se outros motivos que justificam o estudo em redes interorganizacionais como: (1) a emergência da nova modalidade de competição como a que está ocorrendo nos distritos italianos (CASAROTTO, PIRES, 2001), na China (CASAROTTO, CUNHA, 2008; SAXENIAN, 2006) e no Vale do Silício (SAXENIAN, 2006); (2) o surgimento das tecnologias de informação e comunicação (TIC’s) que possibilitam uma maior capacidade de inter-relações entre firmas (CHI, HOLSAPPLE, 2005); (3) e a consolidação da análise de redes como disciplina acadêmica, não só restrita a alguns grupos sociológicos, mas expandida para uma ampla interdisciplinaridade dos estudos organizacionais (CUNHA, 2007; CASAROTTO, PIRES, 2001). O acelerado processo de desverticalização das empresas, outrora integradas verticalmente, esta criando redes e cadeias de suprimento cada vez mais estendidas, que exigem avançados sistemas de gestão interorganizacional para gerar eficiência coletiva, salientando-se entre eles a gestão do conhecimento. A gestão do conhecimento é entendida como a criação de valor a partir da gestão dos ativos intangíveis da organização por meio de processos de criação, compartilhamento e utilização de conhecimentos (SVEIBY, 1998). A gestão do conhecimento em redes interorganizacionais ainda é um tema pouco explorado carecendo de estudos específicos sobre compartilhamento e aprendizagem coletiva (GUO, GUO, 2010; GANZERT, MARTINELLI, 2009; ASPROTH, 2007; LARSSON et al., 1998). A relevância deste tema é sinalizada pelo rápido aumento de publicações sobre o assunto, a maior parte baseada em pesquisas empíricas sobre as dificuldades das organizações de aprenderem por meio de suas interações. (KNIGHT, 2002). O constructo “rede de aprendizagem” (networking learning) encontra-se em fase de validação, e refere-se à aprendizagem por um agrupamento de empresas que opera como uma nova dimensão organizacional. O artigo foi estruturado em seis seções. Na primeira tem-se a introdução contendo a delimitação do tema, objetivo e justificativa. Na segunda seção são apresentadas considerações sobre os diferentes formatos das redes interorganizacionais. Na terceira seção faz-se a discussão teórica a cerca dos processos de gestão do conhecimento no âmbito das redes inteorganizacionais. A quarta seção contempla os aspectos metodológicos, seguidos das considerações finais. A sexta e última seção apresenta as referencias utilizadas no desenvolvimento da pesquisa. 2. REDES INTERORGANIZACIONAIS Fatores ligados ao desenvolvimento ambiental, econômico e social sustentáveis, mudanças demográficas, globalização da economia, desenvolvimento tecnológico, customização da produção e o próprio conhecimento estão provocando a mudança de uma sociedade industrial para uma sociedade do conhecimento (NAISBITT, ABURDENE, 1991). Sinaliza-se que a era industrial já a acabou, e a era do conhecimento pode comprometer a competitividade das empresas que não incorporarem os novos desafios e padrões competitivos. Diferente da economia industrial que valorizava a integração vertical a economia do conhecimento estimula e valoriza a formação de alianças interorganizacionais e arranjos empresariais construídos em redes. Nesse sentido Castells (2003), Balestrin e Verschoore (2008), Cunha (2007) e Porter (1998) sinalizam que a competitividade desloca-se de um processo unidirecional, individual e endógeno no âmbito das firmas para um processo aberto, multidirecional, colaborativo e em rede. De acordo com Cunha (2003) há uma ampla configuração de redes de cooperação entre empresas, e essas, usualmente estão presentes nas aglomerações industriais e ajudam a qualificar melhor e entender as estruturas e o modus operandi dos agrupamentos ou aglomerados de empresa. Britto (2002, p.349-354) apresenta contribuição conceitual colocando que: a rede de empresas pode ser referenciada a um conjunto organizado de unidades de produção parcialmente separáveis, que operam com rendimentos crescentes, que podem ser atribuídos tanto a externalidades significativas de natureza técnica, pecuniária e tecnológica, assim, como as economias de escala com a função de custos ‘subativos’ – grifo dado pelo autor – que refletem a presença de efeitos relacionados a importantes externalidades de demanda. Em geral, pode-se afirmar que as redes de empresas são componentes de aglomerações produtivas e de outras modalidades de agrupamentos de empresas (CUNHA, 2007). A seguir apresenta-se síntese dos conceitos empregados no Brasil e no exterior para identificar e qualificar modalidades de alianças interorganizacionais. Segundo o autor a multiplicidade de conceitos traz dificuldades para a compreensão dos fenômenos de aglomeração de empresas, podendo provocar problemas quando o propósito é o de fixação de políticas ativas de fomento e mesmo para entender o fenômeno da aglomeração no mundo real. Quadro 01: Redes de empresa, aglomerações de produtores e SCM: especificidades dos conceitos. ESPECIFICAÇAO CARACTERISTICAS E VANTAGENS Aglomerados Industriais Proximidade geográfica, especialização produtiva e aproveitamento de vantagens competitivas estáticas e dinâmicas. Acrescentam-se as relações locais e fortes sinergias entre todos os atores, incluindo os de natureza governamental; pequenas e médias empresas e divisão de trabalho. A ênfase transcende os objetivos econômicos, pois ela é direcionada ao desenvolvimento sustentável no espaço local-regional, ou seja, há maior solidariedade. O enfoque é o dinamismo, a troca de conhecimentos para gerar inovações no interior do aglomerado, enfatiza o aprendizado por interação e o entrelaçamento das empresas com centros de pesquisas e universidades. Sobressaem-se os mecanismos de articulação entre as empresas envolvidas e os ganhos decorrentes do processo de integração e há forte influencia dos tipos de relacionamento e dos fluxos estabelecidos e há consciência da interdependência entre os atores. As relações são estáveis e cooperativas; objetivam a execução de projeto comum; e há redução das incertezas quanto ao comportamento dos mercados. Há necessidade de organização formal de governança. Existem dois tipos de redes quanto à finalidade: redes produtoras e criadoras ou voltadas ao desenvolvimento de fatores. A temporalidade e os objetivos das relações são nitidamente estabelecidos, ocorrem por deliberação sob as formas de fomento de atividades com elevada tecnologia e existentes em requisitos sócios-cognitivos, a presença do Estado é determinante e sempre decorre de ação deliberada, não-espontânea, como na maioria das ocorrências na aglomeração industrial. O conceito de gerenciamento de cadeias de suprimento é o da integração de diversos processos de negócios e empresas, abrangendo desde os fornecedores originais de insumos e de serviços até os usuários finais, o que permite oferecer vantagens aos consumidores em relação a oferta de produtos, serviços e de informações. Distritos Industriais Italianos Sistemas de Produção Local Sistemas de Inovação Redes de empresas em geral Redes flexíveis Sistema de produção Gerenciamento da cadeia de suprimento (GCS/SCM) Fonte: Elaborado por Cunha (2003). Para que se possa avançar no estudo é necessário conhecer a operacionalidade (modus operandi) das redes de empresas. Conforme Britto (2002), existem quatro elementos morfológicos que constituem a estrutura das redes: nós, posições, ligações e fluxos. Figura 01: Elementos morfológicos das redes de empresas Posições Nós Empresas Atividades Ligações Divisão do Trabalho Fonte: Britto (2002, p. 359) Bens Fluxos Informações Os nós podem ser descritos como um conjunto de agentes, objetos ou eventos presentes na rede. Existem duas perspectivas para o estabelecimento dos nós da rede: a primeira enquadra as empresas como unidade básica de análise e a segunda considera as atividades como os pontos focais do arranjo (BRITTO, 2002). As posições definem as localizações das empresas ou atividades (os nós) no interior da estrutura. A posição está diretamente associada à divisão do trabalho dos diferentes agentes pertencentes a rede. As ligações, conexões ou linkages determinam o grau de difusão ou densidade dos atores de uma rede. Nas redes de empresas é necessário um detalhamento dos relacionamentos organizacionais, produtivos e tecnológicos entre os membros da rede (BRITTO, 2002 ). Observa-se que para o entendimento da estrutura de uma rede é necessária a análise dos fluxos intangíveis (informações). Nesse sentido e considerando os desafios propostos pela sociedade do conhecimento, que dá a informação e ao seu processo de gestão caráter cada vez mais estratégico, a seguir apresenta-se considerações sobre desafios da gestão do conhecimento no contexto interorganizacional. 3. AMPLIAÇAO INTERORGANIZACIONAL DO CONHECIMENTO As organizações deparam-se com um cenário em que o aprendizado de novos conhecimentos não deve ser mais protegido, uma vez que as atuais estratégias de vantagem competitiva passam a ser desenvolvidas de forma mais rápida e sinérgica pela união dos esforços organizacionais visando a construção de conhecimento coletivo (DAVENPORT, PRUSAK, 1998; LARSSON et al., 1998; NONAKA, 2000; CASTELLS, 2003). Para tanto as organizações necessitam agir cooperativamente, pois as idéias causam maior impacto quanto amplamente compartilhadas (DAVENPORT, PRUSAK, 1998; LARSSON et al, 1998; CASTELLS, 2003; NONAKA, TAKEUCHI, 1997). Ressalta-se que a ação cooperativa direcionada a construção da aprendizagem coletiva não trata apenas de buscar conhecimento externamente, mas sobretudo, de aprender a desenvolvê-lo mediante parcerias. Deste modo desenvolve-se coletivamente conhecimentos sociais, institucionais e da própria rede e incorpora-se, no âmbito do agrupamento de atores, novos conhecimentos gerados coletivamente (VALENTE; PEDROZO; BEGINS, 2008; ASPROTH, 2007). A criação de novos conhecimentos a partir do compartilhamento de informações entre organizações foi apresentada por Nonaka e Takeuchi (1997) ao exporem a dimensão ontológica do conhecimento. Diante desta dimensão, o conhecimento nasce em um nível individual, sendo expandido pela dinâmica da interação (socialização do conhecimento) para um nível organizacional e, posteriormente, para um nível interorganizacional (Figura 02). A geração do conhecimento surge quando a interação do conhecimento tácito e do conhecimento explícito eleva-se dinamicamente de um nível ontológico inferior até níveis mais altos (NONAKA; TAKEUCHI, 1997). Figura 02: Teoria de Criação de Conhecimento Organizacional Fonte: adaptado de Nonaka, Takeuchi (1997). Observa-se que uma organização ou uma rede interorganizacional pode proporcionar um espaço de relações positivas e construtivas entre os atores e entre os atores e seu ambiente (BALESTRIN; VARGAS; FAYARD, 2005). Nesse sentido Cunha (2007), Balestrin e Verschoore (2008), Asproth (2007) entre outros evidenciam que as redes interorganizacionais, em seus espaços inter-relacionados, promovem um ambiente favorável ao compartilhamento de conhecimento e aprendizagem colaborativa. Cabendo a rede criar mecanismos para manter e reutilizar o conhecimento desenvolvido pelos indivíduos que a ela pertençam. Considera-se que uma rede interorganizacional pode proporcionar um ambiente favorável à existência de uma efetiva interação entre pessoas, grupos e organizações, ampliando o conhecimento criado inicialmente pelos indivíduos (BALESTRIN; VARGAS; FAYARD, 2005). Para esses autores esta dinâmica promove a complementaridade de competências por meio da qual o conhecimento, as práticas, os valores, os processos, a cultura e as diferenças dos indivíduos são compartilhadas coletivamente em razão de um projeto comum. A aprendizagem interorganizacional pode ser vista como uma aquisição coletiva de conhecimento entre um conjunto de organizações, e advém de um processo de compartilhamento de conhecimento tendo se revelado como uma nova estratégia para desenvolvimento de capacidades que minimizam a exposição das empresas às incertezas impostas pelo ambiente, e a qualificam como uma dimensão representativa no sucesso das organizações (VALENTE; PEDROZO; BEGINS, 2008) Para Knight (2002) o aprendizado em rede é a soma do aprendizado de indivíduos, grupos e organizações que constituem a rede, e resultam em mudanças nas características das redes. Segundo a autora a aprendizagem pode dar-se em cinco contextos que se cruzam com os cinco níveis: individual, de grupo, organizacional, diádica e na forma de rede interorganizacional (Quadro 02). Quadro 02: Tabulação níveis de aprendizagem versus contexto da aprendizagem Níveis/ Contexto Aprendizagem Individual Grupo Individual Grupo Individuo aprende sozinho Individuo aprende com grupo Aprendizagem do grupo é influenciada por um individuo Grupo aprende por meio da integração intragrupo Organizacional Individuo aprende com a organização Grupo aprende com a organização Diádica Individuo aprende com a parceria Grupo aprende com a parceria Rede interorganizacional Individuo aprende com a rede Grupo aprende com a rede Organizacional Aprendizagem na organização é influenciada por um individuo Aprendizagem organizacional influencida por grupo Diádica Aprendizagem dos parceiros é influenciada por um individuo Aprendizagem dos parceiros é influenciada por um grupo Rede interorganizacional Aprendizagem da rede é influenciada por um indivíduo Aprendizagem da rede é influenciada por um grupo Organização aprende por meio da relação intraorganizacio nal Aprendizagem dos parceiros é influenciada por uma organização Aprendizagem da rede é influenciada por uma organização Organização aprende com a parceria Organização aprende com a rede Parceiros aprendem por meio da interação intraparceria Aprendizagem da rede é influenciada por uma parceria Parceiros aprendem com a rede Rede aprende por meio da interação intra-rede Fonte: adaptado de Knight (2002) Conforme Knight (2002) existe um grupo substancial de evidencias que demonstra que o aprendizado pode ocorrer em diferentes níveis, dado que os grupos e as organizações podem ser considerados “sujeitos de aprendizagem” e que a rede interorganizacional seja o próximo nível. Sob esta perspectiva a autora acredita que o importante não é discutir se as redes podem aprender, mas sim compreender os aspectos relacionados a como elas aprendem, buscando o entendimento sobre o processo de aprendizagem no contexto das redes. 3.1 DESAFIOS A GESTAO DO CONHECIMENTO E APRENDIZAGEM COLABORATIVA NO CONTEXTO DAS REDES INTERORGANIZACIONAIS Observa-se no âmbito das redes inter-organizacionais problemas relacionados a gestão do conhecimento, mais especificamente a questões ligadas ao compartilhamento do conhecimento e aprendizagem colaborativa. Nesse sentido Cunha et al. (2008) apontam “miopias” por parte dos gestores de organizações que fazem parte de redes interorganizacionais. Segundo os autores o primeiro fator de “miopia” advém do fato de que a própria administração de organizações em rede não costuma ser algo inerente as concepções dos gestores. Nesse sentido Prahalad e Ramswamy (2004) observam que para a maioria dos gestores a colaboração não é tarefa fácil, nem natural, o que revela a dificuldade de buscar uma visão colaborativa. Assim, a adoção de comportamentos colaborativos no âmbito interorganizacional é limitada pela resistência ao compartilhamento de conhecimento (ASPROTH, 2007). A formação de redes interorganizacionais pode trazer diversos ganhos às empresas participantes, tanto no âmbito explícito quanto implicitamente. Os principais ganhos explícitos estão ligados à obtenção de vantagens econômicas. No que tange ao caráter implícito, tem-se como vantagens a redução de incertezas, sinergia, complementaridade entre envolvidos, formação de especialistas e a gestão do conhecimento (CUNHA, 2007; CASAROTTO, PIRES, 2001). Nesse sentido Cunha et al. (2008) colocam que o segundo fator de “miopia” é decorrente de uma percepção limitada na qual os fatores implícitos não são facilmente percebidos pelo gestor. Ante ao exposto reitera-se a existência de dificuldades para implementação e sistematização de práticas relacionadas à gestão do conhecimento. Nonaka (2000) salienta que os gestores de empresas ocidentais ainda possuem uma visão muito estreita do que seja conhecimento e sobre a maneira como as empresas são capazes de gerenciar e explorar o conhecimento. A gestão do conhecimento traz para as organizações diversas transformações SmithEasterby, Lyles (2003) indicam mudanças de valores, na cultura organizacional, nos comportamentos e métodos de trabalho visando facilitar o contato entre as pessoas e o acesso aos ativos de conhecimento. No contexto das redes interorganizacionais as dificuldades referentes as transformações advindas da gestão do conhecimento e a visão míope sobre o próprio conhecimento limitam a efetividade dos processos ligados ao compartilhamento de informações e aprendizagem colaborativa. Um outro dilema da aprendizagem colaborativa é apresentado por Larsson et al. (1998 apud VALENTE; PEDROZO; BEGINS, 2008) que acredita para transferência e criação de conhecimento no âmbito interorganizacional precisa-se de algum nível de transparência e receptividade entre as organizações que estabelecem relações de parceria. Segundo o autor as empresas adotam estratégias de baixa transparência e baixa receptividade podem eliminar a possibilidade de qualquer aprendizagem interorganizacional significativa. 4. PROCEDIMENTOS METODOLOGICOS A presente pesquisa classifica-se como académica e adota, enquanto procedimentos técnicos, a pesquisa bibliográfica. A pesquisa acadêmica, na lavra de Santos (2000), é uma atividade realizada no âmbito da academia com caráter pedagógico, pois busca despertar o sentido de busca intelectual por parte dos pesquisadores, sendo conduzida por professores e estudantes de graduação e de pós-graduação. Por ser um trabalho de cunho teórico, o procedimento técnico utilizado é no escopo da pesquisa bibliográfica. Tal tipo de pesquisa é caracterizado quando se utiliza publicações efetivadas, constituído basicamente de livros, periódicos, artigos e material disponibilizado na Internet (GIL, 1991). Neste sentido e no caso do estudo em tela, primeiramente, realizou-se um levantamento de artigos científicos indexados em bases de dados. De posse do material teórico, fixou-se a problemática de pesquisa e desenvolveu-se a base conceitual. Após efetuar análise da base conceitual, foram efetivadas considerações que buscam ampliar o conhecimento acadêmico sobre a temática apresentada neste artigo. 5. CONSIDERAÇOES FINAIS As teorizações delineadas neste artigo pretendem contribuir para uma abordagem mais abrangente da gestão do conhecimento organizacional, apresentando uma visão multidirecional e em rede. O debate teórico apresentado ao longo do artigo evidencia o alcance do objetivo proposto e como resultado da discussão sobre a temática da gestão do conhecimento no âmbito das redes interorganizacionais viu-se estas podem se configurar como ambientes propícios ao aprendizado colaborativo e a práticas de gestão do conhecimento. Nesse sentido alguns desafios devem ser observados com atenção. No elenco das dificuldades relacionadas aos processos de gestão do conhecimento em redes interorganizacionais destacam-se os obstáculos encontrados pelos gestores no tocante a colaboração, tendo em vista que a sensibilização e a abertura para o trabalho colaborativo em rede não é tarefa fácil, nem natural. Constatou-se se também a existência de visão míope sobre o papel e a importância do conhecimento e da sua gestão, que limitam os ganhos coletivos nos processos de gestão do conhecimento no contexto interorganizacional. Este artigo visa estimular o debate sobre os conceitos de gestão do conhecimento em redes interorganizacionais junto à comunidade acadêmica. Nesse sentido, a este artigo somam-se os trabalhos de Balestrin, Vargas e Fayard (2005); Casarotto e Pires (2001); Cunha (2007); Knight (2002); Prange (2009); Smith-Easterby e Lyles (2003); Guo e Guo (2010) (apenas para citar alguns) alinhados às contribuições apresentadas. Sugere-se que a partir deste artigo outras pesquisas sobre tema sejam desenvolvidas, como por exemplo a descrição das influências das dimensões individual, grupal e organizacional na criação e apropriação do conhecimento no âmbito das redes, bem como estudos relacionados à geração e apropriação de conhecimento em diferentes formatos de redes, como aglomerações industriais constituídas por pequenas e médias empresas e em redes e cadeias produtivas com nítida dominância de grandes empresas. 6. REFERENCIAS ASPROTH, V. Organizational learning in inter-organizations. In: Proceedings of the 4th Iternational Conference on Intellectual Capital, Knowledge Management and Organizational Learning. South África: University of Stellebosch Business School, 2007. BALESTRIN, A.; VARGAS, L. M.; FAYARD, P. Ampliação interorganizacional do conhecimento: o caso das redes de cooperação. In: READ, Ed. 43, v. 11, n. 1, jan.-fev. 2005. BALESTRIN, A.; VERSCHOORE, J. Redes de cooperação empresarial: estratégias de gestão na nova economia. Porto Alegre: Bookman, 2008. BRITTO, Jorge. Características estruturais e modus operandi das redes de firmas em condições de diversidade tecnológica. 2002. Mimeografado. BUONO, A. (ed.). Enhancing inter-fim network and inter-organizational strategies. EUA: Information Age Publishing, 2003. CASAROTTO, N. F.; PIRES, L. H. Redes de pequenas e médias empresas e desenvolvimento local: estratégias para conquista de competitividade global com base na experiência italiana. São Paulo: Atlas, 2001. CASTELLS, M. Sociedade em rede: a era da informação: economia, sociedade e cultura. Vol. 1. 6 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2003. CEN – EUROPEAN COMMITTEE FOR STANDARDIZATION. European Guide to good Practice in Knowledge Management. Part 1: Knowledge Management Framework, 2004. CHI, L.; HOLSAPPE, C. W. Understanding computer-mediated inter organizational collaboration: a model and framework. In: Journal of Knowledge Management. V. 9, n. 1, 2005. CROPPER, S.; EBERS, M.; HUXHAM, C. The Oxford handbook of inter-organizational relations. Oxford University Press, 2008. CUNHA, I. J. Governança, internacionalização e competitividade de aglomerados produtivos de móveis no Sul do Brasil, Portugal e Espanha. Chapecó: Arcus Ind. Gráfica, 2007. CUNHA, I. J.; CASAROTTO, N. F. Aglomerados produtivos na China. In: CUNHA, Idaulo José. China: o passado e o presente de um gigante. Florianópolis: Visual Books, 2008. CUNHA, J. A. C.; PASSADOR, J. L. S.; PASSADOR, C. S. Aprendendo a Aprender Coletivamente: novos paradigmas sobre Gestão do Conhecimento em Ambientes de Rede. In: Desenvolvimento em Questão. Editora Ijuí, ano 5, n. 10, jul./dez. 2007. p. 43-73. DAVENPORT, T.; PRUSAK, L. Conhecimento empresarial. Rio de Janeiro: Campus, 1998. ESTIVALETE, V.; PEDROZO, E.; BEGINS, H. Em busca da ação coletiva: estratégias de aprendizagem interorganizacionais adotadas pelas organizações que estabelecem relacionamentos horizontais em redes. In: BASE – Revista de Administração e Contabilidade da Unisinos, setembro/dezembro, 2008. p. 224-235. FIALHO, F. A. P.; MACEDO, M.; SANTOS, N.; MITIDIERI, T. C. Gestão do conhecimento e aprendizagem: as estratégias competitivas da sociedade pós-industrial. Florianópolis: Visual Books, 2006. GANZERT, C. C.; MARTINELLI, D. P. Transferência de conhecimento em sistemas regionais de inovação: a perspectiva do caso do Vale do Silício Californiano. Interações, Campo Grande, v. 10, n. 2, Dec. 2009 . GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Editora Atlas, 1991. GUO, B.; GUO, J. Patterns of technological learning within the knowledge systems of industrial clusters in emerging economies: Evidence from China. In: Technovation. Novembro, 2010. KNIGHT, L. Network learning: exploring learning by interorganizational networks. In: Human Relations, v. 5, 2002. KROUGH, G.; ICHIJO, K.; NONAKA, I. Facilitando a criação do conhecimento: reinventando a empresa com o poder da inovação contínua. Rio de Janeiro: Campus, 2001. NAISBITT, J.; ABURDENE, P. Megatrends 2000: new directions for tomorrow. Avon Books, 1991. NONAKA, I. A empresa criadora de conhecimento. In: Gestão do Conhecimento. Harvard Business Review. Rio de Janeiro: Campus, 2000. NONAKA, I.; TAKEUCHI, H. Criação de conhecimento na empresa. Rio de Janeiro: Campus, 1997. OECD. Knowledge Management: new challenges for educational research, 2003. PORTER, M. Cluster and the new economics of competition. In: Harvard Business Review. v.76, nov./dez. 1998. ______. Competição = on competition: estratégias competitivas essenciais. Rio de Janeiro: Campus, 1999. ______; KRAMER, Mark R. Criação de valor compartilhado: como reinventar o capitalismo – e desencadear uma onda de inovação e crescimento. In: Harvard Business Review. v. 89, janeiro, 2011. PRAHALAD, C.K.; RAMASWAMY, V. O futuro da competição: como desenvolver diferenciais inovadores em parceria com os clientes. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. PRANGE, C. Managing business networks: an inquiry into managerial knowledge in the multimedia industry, Peter Lang, 1999. _____. Strategic alliance capability: bringing the individual back into inter-organzitional collaboration. In: JEMIELNIAK, Dariusz; KOCIATKIEWICZ, Jerzy (ed.). Handbook of research on knowledge-intensive organizations. United States of America: Information Science Reference, 2009. PROBST, G.; RAUB, S.; ROMHARDT, K. Gestão do conhecimento: os elementos construtivos do sucesso. Porto Alegre: Bookman, 2002. ROSSETI, A. et al., A organização baseada no conhecimento: novas estruturas, estratégias e redes de relacionamento. Ciência da Informação, Brasília, v. 37, n. 1, p. 61-72, jan./abr. 2008. SMITH-EASTERBY, M.; LYLES, M. The Blackwell handbook of organizational learning and knowledge management. London: Blackwell, 2003. SANTOS, A. R. Metodologia científica: a construção do conhecimento. 3. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. SAXENIAN, A. The new argonauts: regional advantage in a global economy Cambridge: Harvard University Press, 2006. ____. Sillicon Valley’s new immigrant entrepreuneurs. San Francisco: Public Policy Institute of Califórnia, 1999. STEWART, T. A. Riqueza do Conhecimento: o capital intelectual e a organização do século XXI. Rio de Janeiro: Campus, 2002. SVEIBY, K. E. A nova riqueza das organizações: gerenciando e avaliando patrimônios de conhecimento. Rio de Janeiro: Campus, 1998. REDES SOCIAIS, EDUCAÇÃO DIGITAL E INOVAÇÃO NO CONTEXTO TECNOLÓGICO DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Vilson Martins Filho Francisco Antonio Pereira Fialho 1. INTRODUÇÃO Atualmente, as pressões sobre negócios visando a inovação contínua e a crescente capacidade das tecnologias da informação para permitir uma comunicação mais ampla e abrangente, estão conduzindo as organizações que buscam novas formas de melhorar o desempenho dos negócios. O conhecimento é um dos fatores decisivos e capaz de oferecer vantagens competitivas para as organizações (CRONE; ROPER, 2001). Costa et al. (2008) expõe que uma das formas de atingir e adquirir tais vantagens, está intrínseca a capacidade da organização em gerir e compartilhar o conhecimento construído pelos seus membros com eficiência. Neste contexto, os gestores começam a compreender as necessidades e os benefícios de explorarem e aproveitarem as redes sociais para criação, desenvolvimento, transmissão e compartilhamento do conhecimento. Gladwell (2000) indica que as redes podem ser usadas para alterar o comportamento das pessoas e melhorar produtos e serviços, e que há grandes oportunidades para as organizações promover a flexibilidade organizacional, capacidade de resposta e ganho de vantagem competitiva. Além disso, os conceitos de rede social combinado com um grupo de novas e poderosas tecnologias interativas, conhecido coletivamente como peer-to-peer (P2P) de computação, têm o potencial de mudar profundamente como as organizações trabalham e agregam valor. P2P computação permitirá que novos tipos de conexões sejam formadas em muitas regiões geográficas, entre pessoas que nunca se encontraram (SMITH; MCKENN, 2007). Neste contexto, visando um melhor entendimento sobre o uso das Redes Sociais como suporte ao processo de Gestão do Conhecimento nas empresas, realizou-se uma pesquisa de caráter qualitativo - revisão bibliográfica, buscando responder a seguinte pergunta de pesquisa: Como as redes sociais podem contribuir para a Gestão do Conhecimento nas organizações? O presente trabalho é composto por quatro itens, além da referência consultada. O primeiro item apresenta o tema em estudo, através de sua contextualização, objetivos e a definição do problema de pesquisa. No segundo componente é apresentada a fundamentação teórica da investigação, dividida em dois sub-itens que abordam a gestão do conhecimento e as redes sociais e a gestão do conhecimento. No item três é apresentada a metodologia da pesquisa, que indica as ações que foram desencadeadas no processo bem como os o métodos de busca e análise dos artigos levantados. No item, quatro é apresentada a análise dos dados onde são relacionadas às práticas percebidas na pesquisa. No item cinco são apresentadas as considerações finais, incluindo as limitações e as sugestões para estudos futuros. As referências bibliográficas utilizadas nesta pesquisa finalizam este trabalho. 2. RESUMO: Este trabalho tem por objetivo revisar a literatura sobre o uso das Redes Sociais nas organizações como elementos potencializadores da Gestão do Conhecimento, abordando uma visão geral sobre o tema. A pesquisa foi realizada na base de dados Scopus, ebsco, e emerald, das quais foram recuperados artigos das áreas de Business, Management e Accounting. Buscaram-se as publicações mais relevantes que tratam das aplicações das Redes Sociais nas organizações. Por meio de análise qualitativa, foram investigados os objetivos, as aplicações práticas e os resultados das publicações selecionadas. Percebe-se que as Redes Sociais exercem diversas influências aplicáveis a Gestão do Conhecimento, atuando principalmente sobre os processos de criação e compartilhamento do conhecimento. 2.1. TÍTULO: Redes Sociais aplicadas à Gestão do Conhecimento: Uma revisão de literatura. 2.2. PALAVRAS-CHAVE Redes Sociais. Gestão do conhecimento. Web 2.0. Enterprise 2.0. Web Social 3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Esta seção descreve conceitos de gestão do conhecimento e Redes Sociais. 3.1. GESTÃO DO CONHECIMENTO A respeito das várias definições para conhecimento, para Sveiby (1998) o contexto é fundamental e, por isso, seria mais razoável explicá-lo como uma capacidade humana, de caráter tácito, orientado para a ação, baseado em regras, individual e em constante mutação. Seu conteúdo é revelado em ações de "competência" individual, isto porque, na prática, essa se expressa por meio de conhecimento explícito, habilidade, experiência, julgamento de valor e rede social. Nonaka e Takeuchi (1997) explicam que o conhecimento tem origem nas pessoas e pode ser classificado como tácito e explícito. O conhecimento tácito é subjetivo, não expresso por palavras, não-armazenável e não-processável pelo computador. O conhecimento explicito apresenta-se como um conhecimento concreto, expresso nas palavras, pode ser armazenado, estruturado, organizado e processado por computador. A Gestão do Conhecimento (GC) envolve diferentes níveis e situações organizacionais, mas seu foco pode ser resumido como a aplicação do conhecimento coletivo da força de trabalho para alcançar os objetivos organizacionais. Davenport e Prusak (1998) afirmam que a gestão do conhecimento é muito mais que tecnologia, mas a tecnologia faz parte da gestão do conhecimento. Na visão de Carvalho (2006) a Gestão do Conhecimento pretende ser uma área de pesquisa e prática que aprofunda o entendimento dos processos do conhecimento nas organizações e que desenvolva mecanismos para suportar a transformação do conhecimento em progresso econômico e social. As definições de GC vistas até aqui são compostas a partir dos processos, descritos por diferentes autores, conforme quadro 1: Quadro 1: Processos de gestão do conhecimento na literatura Autores Processos de GC Alavi e Leidner (2001) Becerra-Fernandez et al. (2004) Criar, armazenar e recuperar, transferir, aplicar Descobrir, capturar, compartilhar, aplicar Bukowitz e Williams (2003) Adquirir, usar, aprender, contribuir, acessar, construir e suportar, redirecionar Daverport e Prusak (1998) Gerar, codificar, transferir Hoffmann (2001) Criar, armazenar, distribuir, aplicar Jashapara (2004) Organizar, capturar, avaliar, compartilhar, estocar e atualizar Maier (2004) Descobrir, publicar, colaborar, aprender Meyer e Zack (1996) Adquirir, refinar, estocar e recuperar, distribuir, atualizar Nickols (1999) Adquirir, organizar, especializar, estocar e acessar, recuperar, distribuir, conservar, disponibilizar Probst et al. (2002) Identificar, adquirir, desenvolver, partilhar/distribuir, utilizar, medir, avaliar Rao (2005) Criar, codificar, recuperar, aplicar, distribuir, validar, localizar, personalizar Wiig (1993) Criar, procurar, compilar, transformar, disseminar Wong e Aspinwall (2004) Adquirir, organizar, compartilhar, aplicar Fonte: Adaptado de Saito et al. (2007) e Dalkir (2005) Pode-se observar que os processos de GC são diferentes dependendo da visão do autor. Contudo, uma das suas características comuns é que esses processos são cíclicos e contínuos. Os trabalhos apontados no Quadro 1 identificam o conjunto de processos principais da GC como a criação, codificação e disseminação de conhecimento, além de descrever as tecnologias que podem ser utilizadas para apoiá-los. De acordo com Saito et al. (2007) , alguns deles demonstram que realmente as tecnologias podem dar apoio à GC ou ilustram como um modelo específico de GC pode ser executado com o uso de uma tecnologia. Significa que tais estudos fornecem uma relevante explanação de como as TIC podem ser utilizadas para a GC. A obra de Steil (2007), após compilar dezenove fontes, define GC como uma estratégia organizacional baseada no conhecimento como fator de produção e vantagem competitiva, que engloba os processos de aquisição, criação, armazenamento, compartilhamento, utilização e reutilização do conhecimento. Em visão genérica a GC pode ser vista como o uso de competências especializadas através de atos, processos e performances para o benefício de outra ou da própria organização, pessoa ou sistema. Benefício, neste caso, entendido como a potencialização de ativos intangíveis (MANHÃES, 2010). A Gestão do Conhecimento (GC) está na capacidade das empresas utilizarem e combinarem diferentes fontes e tipos de conhecimento organizacional para o desenvolvimento de competências específicas e a capacidade inovadora permanente, que se traduzem como produtos, processos, sistemas gerenciais e liderança de mercado (TERRA, 2000). Apesar da advertência de Dixon (2000) evidenciando que a tecnologia não substitui o contato pessoal, deve-se ressaltar, no contexto do compartilhamento do conhecimento, a sua importância: “a transferência de conhecimento não poderia ocorrer sem as ferramentas propiciadas pela tecnologia da informação” (DAVENPORT e PRUSAK, 1998). A subseção seguinte, abrange a utilização de fontes externas as organizações, suportadas por tecnologias da informação e comunicação, como elementos para a gestão do conhecimento. 3.2. REDES SOCIAIS E A GESTÃO DO CONHECIMENTO Castells (1999) descreve a sociedade contemporânea como globalizada, informatizada e tecnicista, centrada no uso e aplicação de informação e conhecimento, apoiada por uma acelerada revolução tecnológica concentrada na tecnologia da informação, que tem provocado sensíveis mudanças nas relações sociais. No entendimento de Bojārs et al (2008), a internet está se tornando cada vez mais um lugar social. Aplicações comunitárias como wikis colaborativos, blogs, compartilhamento de fotos e de sites favoritos, e redes sociais online, recentemente tornaram-se muito populares, tanto em nível dos domínios pessoal ou social, como profissional ou organizacional. A maioria destas aplicações colaborativas fornece características comuns tais como: criação e partilha de conteúdo (imagens, perfis de utilizadores, sites favoritos, artigos, etc), listas para discussões relacionadas com o conteúdo, bem como a formação de redes de sociais por meio de itens de conteúdo de interesse comum. Tecnicamente os sites de redes sociais oferecem uma variedade de recursos aos seus usuários, além do cadastramento de perfis e catalogação de lista de amigos, tais como: a possibilidade de trocas de informação e conhecimento por meio de fóruns de discussão, armazenamento e compartilhamento de conteúdo multimídia por meio de blogs e, em alguns casos, permite que as interações aconteçam também por meio de dispositivos móveis, como no caso do site MySpace. Deve-se ressaltar o interesse empresarial acerca do uso de redes sociais como forma de geração de novos negócios ou oportunidades de negócios. Um exemplo disto é a aplicação desenvolvida pela empresa Amazon para a rede social Facebook. A Amazon, empresa especializada na comercialização de produtos pela internet, desenvolveu um serviço denominado de Amazon Giver, que permite aos usuários do site Facebook o compartilhamento de sua lista de presentes a serem comprados na loja Amazon. Com base nas datas de aniversários, disponíveis nas informações demográficas contidas nos perfis do Facebook, seus amigos podem acessar os produtos (presentes) recomendados, de modo que o sistema Amazon Giver apresenta os dados dos produtos, incluindo preços e condições de pagamento, disponíveis no site Amazon.com. Para Del Pozo et al. (2011) rede social é um conjunto de nós que representam as pessoas, grupos, organizações, empresas, entre outros, que são conectados por links mostrando as relações ou fluxos entre eles. Na visão de Staab et al. (2005), redes sociais são mecanismos eficientes para promover uma maior interatividade entre indivíduos. As redes podem ser entendidas como repositórios de dados que armazenam informações sobre cada usuário (GOLBECK, 2005), bem como meio de retenção de informações produzidas por estes, fornecendo os passos iniciais para o gerenciamento e disseminação do conhecimento (STAAB, 2005), provendo a possibilidade de iniciativas de Gestão do Conhecimento. É sabido que as redes sociais desempenham um papel relevante na disseminação de idéias e informações (LESKOVEC; ADAMIC; HUBERMAN, 2007). Para Brown e Duguid (2000) as redes sociais eficazes envolvem mais do que o fornecimento de informações sobre uma pessoa e suas habilidades e atributos. Elas devem reconhecer e incluir mecanismos para lidar com as coisas "difusas" em torno das bordas do indivíduo, unidade de negócios ou trabalho organizacional, tais como, contexto, antecedentes, história, conhecimento comum e recursos sociais (BROWN; DUGUID, 2000). 4. METODOLOGIA No contexto deste trabalho utilizou-se da pesquisa qualitativa - bibliográfica. Este tipo de pesquisa tem por objetivo subsidiar e analisar a compreensão de um problema por meio de um referencial teórico efetivado independentemente ou como parte de outras investigações. Como método de pesquisa, utilizou-se de uma revisão da literatura estruturada, onde recuperou-se artigos em periódicos científicos internacionais. Como pergunta de pesquisa teve-se o seguinte questionamento: Como as redes sociais podem contribuir para a Gestão do Conhecimento nas organizações? Para isso valeu-se de critérios de busca e de análise de dados apontados a seguir. 4.1. BASES DE DADOS E CRITÉRIOS DE BUSCA Como critério de recuperação da informação foram considerados para pesquisa os artigos de periódicos referentes à utilização das redes sociais como suporte a gestão do conhecimento. Optou-se por recuperar exclusivamente os artigos que estavam disponibilizados na íntegra para viabilizar a completa análise de dados. Para a recuperação dos artigos, elegeu-se as revistas indexadas pela base de dados ebsco, scopus e emerald, relevantes e condizentes com o tema de estudo. Salienta-se que a coleta dos dados deu-se por meio dos seguintes critérios, a saber: a) cronológico: não houve refinamento por data, pois este critério reduz o escopo da pesquisa. Contudo os artigos analisados compreendem o período de 2001 à 2011 b) terminologia: utilizou-se as palavraschave “social networking” e “knowledge management”; e c) área de estudo: foram delimitadas as áreas como Business, Management e Account por representar áreas do conhecimento relevantes à investigação. O levantamento dos artigos utilizando esses critérios resultou no total de 15 artigos, porém estes foram reduzidos a 8 artigos que tratavam especificamente de estudos de caso relacionados às Redes Sociais e a Gestão do Conhecimento. Na seção 4 apresenta-se uma análise qualitativa dos dados. 4.2. CRITÉRIOS DE ANÁLISE DOS DADOS A análise qualitativa versou em analisar os 8 artigos, que compreendiam a aplicação das redes sociais na Gestão do Conhecimento. Para isso analisou-se os objetivos, as práticas e os resultados verificando os seguintes fatores: a) Como as redes sociais podem contribuir para a GC; b) Quais práticas e respectivas funcionalidades utilizadas; e c) Os processos de GC que são afetados pela utilização dessas ferramentas. Ao averiguar cada artigo, mesmo sem haver explicitação das práticas de utilização das redes sociais na Gestão do Conhecimento, são apontados os processos afetados a partir da interpretação dos investigadores deste trabalho. 5. ANÁLISE DOS DADOS Baseados nos critérios de busca apresentados na seção anterior, as seguintes pesquisas encontradas são analisadas qualitativamente, delineando os indicadores deste estudo como os objetivos e resultados. 5.1 AS REDES SOCIAIS NAS ORGANIZAÇÕES E A GESTÃO DO CONHECIMENTO O quadro 1 expõe uma compilação, baseada na análise detalhada dos artigos selecionados para este estudo, visando explicitar a maneira que as Redes Sociais podem contribuir e afetar a Gestão do Conhecimento. O nomenclatura dos processos afetados foi unificada e padronizada para facilitar o entendimento. Quadro 2: As redes sociais aplicadas a gestão do conhecimento: compilação das obras analisadas . Autor(es) Explicita a contribuiçã o das Redes Sociais para a GC Jones P.M. (2001) Sim Funcionalidades Usuários colocam seus dados, interesses e Características das Redes Sociais aplicáveis a GC Rede de conhecimento mapeamento de Processos da GC afetados ou envolvidos Compartilhar Relacionar Groth, K. (2003) Johnson Controls Workplace Innovation Solutions and The Smart Work Company Ltd , 2008 Craig R. Carter, Rudolf Leuschner, Dale S. Rogers, 2007 Harald F.O. VonKortzfleisch, I. M., Proll C. (2007) Vicedo, J. C.; Mula J.; Capó, J. (2011) conhecimentos na rede social (IKNOW) e permitem que outros usuários percebam conhecimentos complementares Notificação e localização de pessoas através de dispositivos móveis usando bluetooth competências Transmitir e manter conhecimento dentro de uma organização conhecimentos Mapeamento de competências; Compartilhar Descobrir Sim Perfis e interesses Amigos Comentários que permitem interações onde relacionamentos são visualizados Ferramentas de Análise de redes sociais para acompanhar as conexões resultantes e o fluxo de informação e conhecimento Encontrar talentos Identificar expertises Tornar a comunicação mais eficiente Criar, compartilhar conhecimento Não Aborda mais especificamente o tema análise de redes sociais Mapear competências Entender o fluxo de conhecimento entre atores Como o conhecimento é gerado e difundido Criar e compartilhar conhecimento Não aborda uma rede social específica apoiada por tecnologia, porém explicita que a TI contribui. Acessar o conhecimento disponível na rede (“ who knows what and knowing who knows whom”) Promover a criatividade. Estabelecer a influência das fontes de conhecimento Criar, compartilhar e Validar conhecimento Aborda a adaptação da rede social SN Espanhola para gerenciamento de projetos da construção civil. Modelagem de projetos. Co-petição, aumento da produtividade dos parceiros comerciais. Desenvolver novos produtos e processos, e aprender com as melhores práticas de negócio. Menor disperdício, maior eficiência nas transações e na produção em si. Identificar oportunidades internas de colaboração, aprendizagem colaborativa e alcançar a satisfação dos clientes. Criar, adquirir, compartilhar, conhecimento. Sim Sim Sim Comunidade de prática; Henneberg, S. C.; Swart, J.; Naude´, P.; Jiang, Z.; Mouzas, S. (2009) Sim HRM Social Network. Permite sinalizar se gostou do que foi postado. Utilização das redes sociais para analisar dados. Entender a criação do conhecimento acadêmico nas redes. Não especifica. Costa, R.A.; Oliveira, R. Y. S.; Silva, E. M.; Meira, S. R. L. (2008) Sim Rede: AMIGOS Ambiente multi-uso: Permite fazer recomendação, criar comunidade, criar projeto, fazer relato, Promove compartilhamento, disseminação e a criação do conhecimento. Criar, adquirir, compartilhar e aplicar o conhecimento. Fonte: Elaboração dos autores. Conforme a tabela 2, apenas um dos artigos investigados não explicita a contribuição das redes sociais para a gestão do conhecimento mesmo abordando intrinsicamente tal hipótese. Com relação às funcionalidades, nota-se uma grande variedade, que vão desde a alimentação das redes com dados e informações, utilização de ferramentas tecnologicas associadas, interações entre pessoas e empresas, e demais ferramentas que permitem a cocriação de projetos e até mesmo de artigos cientificos. Observa-se ainda que além das funcionalidades básicas já descritas anteriormente, como publicar informações relacionadas a interesses pessoais, criar comunidades e interagir com outros atores, recursos adicionais podem contribuir para a GC. A possibilidade de recomendar um conteúdo, por exemplo, é uma alternativa de qualificar uma informação postada. Outra abordagem destacada nos artigos estudados é a analise de redes sociais, a qual permite identificar o conhecimento compartilhado, além da intensidade do relacionamento entre os integrantes da rede social. Esta capacidade potencializa o mapeamento de competências, prática conhecida na GC. Apesar dos benefícios gerados pela análise de redes sociais, não há aprofundamento sobre sua forma de utilização ou exemplos de softwares e estudos de caso. Dentre as principais características das Redes Sociais aplicáveis a Gestão do Conhecimento, os artigos analisados demonstram com maior ênfase o mapeamento de competências, promoção de inovações, co-petição, e explica como acontece o processo de descoberta, criação, compartinhamento, combinação e validação de conhecimento. Vale ressaltar que esses, são os processos de GC afetados ou envolvidos pelas redes sociais. A possibilidade de acessar as informações e conhecimentos veiculados na rede social está diretamente relacionado ao processo de aquisição e armazenamento de conhecimento; criar conhecimento a partir interpretação e combinação destes previamente disponíveis, ligado ao processo de criação de conhecimento; identificar competëncias e permitir acesso ao conteúdo disponibilizado, conectado ao processo de compartilhamento de conhecimento;. Por último, a qualificação de certa informação ou conhecimento pode ser explorada através de contestações ou recomendações dos conteúdos publicados. Essas duas ultimas características tem conexão com os processos de compartilhar e validar conhecimento. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS No conjunto dos resultados alcançados nesta pesquisa, destacam-se algumas possíveis contribuições das Redes Sociais para a Gestão do Conhecimento, a saber: 1-) Constatou-se que as Redes Sociais e suas características já estão sendo utilizadas em ações facilitadoras que permeiam a GC em atividades pessoais e, de menor intensidade, nas organizações; 2-) Apesar da gestão do conhecimento ser mais frequentemente ligada a ferramentas colaborativas como, blogs, wikis, RSS, forúns, devido ao receio em desperdiçar tempo, tanto em organizações que usam as redes sociais de forma abertas (dentro e fora da empresa) quanto fechadas (acesso restrito apenas aos colaboradores e interessados diretos), a utilização de ferramentas de análise permite mapear o conhecimento trocado, além de identificar os atores mais ativos, possibilitando assim, fomentar suas necessidades e o repasse de conhecimento a outros (JOHNSONS e SMART, 2008). Por meio dos resultados, pode-se coligir que as Redes Sociais podem contribuir para criação de um novo modo de fazer negócios, de criar, transferir e compartilhar o conhecimento. Salienta-se a importância da concepção e utilização de técnicas e ferramentas tecnologicas visando extrair todos os benefícios que as Redes Sociais oferecem, e que pouco foram exploradas nos artigos analisados. As ferramentas tecnológicas para gestão colaborativa do conhecimento, por si sós, como as redes sociais não são suficientes; é necessário incorporar práticas sistemáticas para sustentar o uso de maneira apropriada a monitorar a performance, antecipar, dar feedback, medir os resultados, realizar melhoramentos e assim tornar seu uso efetivo nas organizações (JONES, 2001). Por meio dos artigos analisados, é possível inferir que poucas organizações estão utilizando as Redes Sociais de forma estratégica a extraírem maior proveito possível para as organizações e que as mesmas, ainda não se deram conta dos benefícios e vantagem competitiva que as redes sociais aliadas a EC, possam proporcionar aos empreendimentos. Como limitação deste estudo, pode-se citar a escassez de investigações relacionadas ao tema em questão - contribuição das Redes Sociais para a GC nas organizações, o que permitiria identificar de que forma as redes sociais são exploradas nas organizações e sua relação com a gestão do conhecimento, questões técnicas, de infra-estrutura, recursos humanos envolvidos no processo, entre outros. Por fim, vislumbra-se investigações futuras que permitirão aprofundar a pesquisa a partir deste artigo, podendo se destacar: a) levantamento e concepção de ferramentas tecnologicas que podem ser associadas as redes sociais visando extrair todos os benefícios possiveis; b) reprodução da investigação com maior aprofundamento, utilizando-se da abordagem quali-quantitativa e contemplando um maior número de bases de dados; e c-) estudo de casos em empresas visando identificar os passos, práticas e reais contribuições das redes Sociais para GC nas organizações. 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADEBANJO, D.; MICHAELIDES, R.. Analysis of Web 2.0 enabled e-clusters: A case study. Technovation, v. 30, nº 4, p. 238-248, 2010. ANTOUN, H.. As transformações na sociedade hiperconectada. In: ANTOUN, H. Web 2.0: participação e vigilância na era da comunicação distribuída. Rio de Janeiro: Mauad, 2008. cap. 1, p.11-27. BOJĀRS, U.; BRESLIN, J.G.; FINN, A.; DECKER, S. Using the Semantic Web for linking and reusing data across Web 2.0 communities. Web Semantics: Science, Services and Agents on the World Wide Web, v. 6, nº.1, p. 21-28, 2008. BOYD, D. M., ELLISON, N. B. Social Network Sites: Definition, History, and Scholarship. Journal of Computer-Mediated Communication, 2007. BROWN, J. S.; DUGUID, P. The social life of information. Harvard Business School Press, 2000. CASTELLS, M. A Era da Informação: economia, sociedade e cultura. v. 3, São Paulo: Paz e terra, 1999, p. 411-439 CARVALHO, R. B. Intranets, portais corporativos e gestão do conhecimento: análise das experiências de organizações brasileiras e portuguesas: tipologia e usos. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) – Escola de Ciência da Informação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006. COSTA, R. A.; OLIVEIRA, R. Y. S.; SILVA, E. M.; MEIRA, S.R.L. A.M.I.G.O.S: Knowledge management and social networks. SIGDOC 2008 - Proceedings of the 26th ACM International Conference on Design of Communication, p. 235-241, 2008. CRAIG, R.; CARTER, R. L.; DALE, S. R.. A Social Network Analysis of the Journal of Supply Chain Management: Knowledge Generation. Knowledge Diffusion and Thought Leadership, v. 43, nº 2, p. 15–28, 2007. CRONE, M.; ROPER, S. Local learning from multinational plants: knowledge transfers in the supply chain. Regional Studies, v. 35, n° 6, p. 535-548, 2001. DALKIR, K. Knowledge management in theory and practice. Oxford: Elsevier Butterworth-Heinemann, 2005. DAVENPORT, T. H. ; PRUSAK, L. Conhecimento Empresarial. Rio de Janeiro: Campus, p. 256, 1998. DEL POZO et al.. Centrality in directed social networks. A game theoretic approach. Social Networks, v. 33 p. 191-200, 2011. GLADWELLl, M. The Tipping Point. New York: Little, Brown and Company, 2000. GOLBECK, J. Computing and Applying Trust in Web-based Social Networks. (Dissertation), University of Maryland, College Park, Marylan, 2005. GROTH K. Using social networks for knowledge management, ECSCW'03 Workshop on Social Networks, Helsinki, Finland (W5 Moving From Analysis to Design: Social Networks in the CSCW Context), p. 14-18, 2003. HARALD F.O. VONKORTZFLEISCH, I. M., PROLL C. Potentials of Social Networks for Knowledge Management with Regard to the Development of Stable Competences and Dynamic Capabilities - Conceptualization and Case Study Results. 40th Annual Hawaii International Conference on System Sciences (HICSS'07), p. 201, 2007. HENNEBERG, S.C.; SWART, J. NAUDÉ, P.; JIANG, Z.; MOUZAS, S. Mobilizing ideas in knowledge networks: A social network analysis of the human resource management community 1990-2005. Learning Organization, v. 16, nº 6, p. 443-459, 2009. JOHNSON CONTROLS WORKPLACE INNOVATION SOLUTIONS ANF THE SMART WORK COMPANY LTD. Knowledge Management and Enterprise Social Networking. Global Mobility Network, 24 th. p. 15, 2008. JONES P.M.. Collaborative knowledge management, social networks, and organizational learning. In Usability Evaluation and Interface Design. v. 1. M. J. Smith, G. Salvendy, D. Harris and R.J. Koubek (eds). Lawrence Erlbaum & Associates: Mahwah, NJ, 2001. LESKOVEC, J.; ADAMIC, L. A.; HUBERMAN, B. A. The Dynamics of Viral Marketing. ACM Transactions on the Web, v. 1, nº 1, 2007. MANHÃES, M. C. A inovação em serviços e o processo de criação do conhecimento: uma proposta de método para o design de serviço. (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal de Santa Catarina, 2010. NONAKA, I.; TAKEUCHI, H.. Criação de conhecimento na empresa: como as empresas japonesas geram a dinâmica da inovação. 2 ed. Rio de Janeiro: Campus, p. 358, 1997. SAITO, A.; UMEMOTO, K; IKEDA, M.. A strategy-based ontology of knowledge management technologies. Journal of Knowledge Management, v. 11, nº 1, p. 97-114, 2007. SMITH, H.A; MCKEEN, J. D. Social Networks: KM’s Killer App? Communications of the Association of Information Systems, v. 19, nº 27, p. 611-621, 2007. STEIL, A. V. Estado da arte das definições de gestão do conhecimento e seus subsistemas. Florianópolis: Instituto Stela, Technical Repor, t2007. STAAB, S. et al.. Social Networks Applied. IEEE Intelligent Systems, v. 20, nº 1, p. 80-93, 2005. SVEIBY, K. E.. A nova riqueza das organizações: gerenciando e avaliando patrimônios de conhecimento. Rio de Janeiro: Campus, p. 260, 1998. TERRA, J. C.. Gestão do Conhecimento: o grande desafio empresarial. São Paulo: Negócio, 2000. TERRA, J. C. Gestão 2.0: como integrar a colaboração e a participação em massa para o sucesso nos negócios. Elsevier Editora, Brasil, 2010. VICEDO, C. J.; MULA, J., CAPÓ, J. A social network-based organizational model for improving knowledge management in supply chains. Supply Chain Management, v. 16, nº 5, p. 379-388, 2011. WANG, C.-Y.; YANG, H.-Y.; CHOU, S.-C. T. Using peer-to-peer technology for knowledge sharing in communities of practices. Decision Support Systems, v. 45, nº 3, p. 528-540, 2008. A PRODUÇÃO E COMUNICAÇÃO DE EBOOKS ACADÊMICOS NA INTERNET: O DESIGN DOS MODELOS ACADÊMICOS Márcio B. Miranda Richard Perassi Fabiana Elisa Boff Silveira Rafael Bianchini Glavam 1 INTRODUÇÃO A validade das informações disponíveis na internet por vezes é questionada. Mesmo assim, atualmente, ela representa uma considerável fonte de informação, seja para o meio social, corporativo ou acadêmico. Para o meio acadêmico, uma das grandes vantagens deste recurso é que a informação, que possui como característica a rápida perecibilidade pode ser produzida e acessada com maior rapidez. Crê-se que a informação qualificada é de vital importância para o desenvolvimento de pesquisas nos diversos campos do conhecimento e que as mídias utilizadas para sua divulgação têm variados formatos, o que aumenta consideravelmente o desafio de sua qualificação, ou seja, não apenas com relação ao conteúdo, mas também com especial ênfase na questão de suporte, o reconhecimento das informações publicadas tem apresentado constantes desafios para o meio acadêmico. Tradicionalmente os suportes impressos têm sua qualificação efetivada através dos órgãos de publicação, com conselhos editoriais que avaliam e avalizam as informações disponibilizadas. Entretanto, suas versões eletrônicas, apesar de possibilitar maior rapidez, acessibilidade e distribuição, ainda enfrentam contínuos desafios com relação à qualificação. Para as revistas acadêmicas, determinados órgãos editores são a referência da qualificação. Todavia, no caso específico dos ebooks (livros digitais) a qualificação acadêmica se constitui num desafio claro. Embora, a possibilidade de classificação do conteúdo ou até do autor sejam decisivas, acredita-se que o reconhecimento da qualidade das obras literárias acadêmicas publicadas em meio exclusivamente digital ainda seja ineficiente. Este artigo pretende apresentar uma análise dos bens culturais em formato digital, bem como suas tecnologias de produção, seguindo a lógica geral do consumo, são selecionados e escolhidos de acordo com apelos comunicativos e sinais de qualidade, que configuram sua marca. Destaca-se também a utilidade deste material e o desenvolvimento para o meio acadêmico. Isso para que se possa legitimar os produtos intelectuais publicados na Internet com reconhecimento acadêmico, ou seja, quais os fatores que possibilitam a utilização da marca acadêmica como expressão de qualidade para a produção e comunicação de ebooks na Internet? A PRODUÇÃO E COMUNICAÇÃO DE EBOOKS ACADÊMICOS NA INTERNET: O DESIGN DOS MODELOS ACADÊMICOS RESUMO Determinado pelo desconhecimento sobre providências, sinais e ambientes virtuais, que possam legitimar os produtos intelectuais publicados na Internet com reconhecimento acadêmico este artigo busca identificar elementos capazes de compor um ebook acadêmico e indicar sua qualidade, tanto como marca quanto como objeto de aprendizagem. O objetivo, portanto é estudar os fatores e elementos de design que possibilitem o conhecimento e a comunicação do ebook como produto de qualidade quando publicados na internet. O trabalho apresenta os processos de design, produção e divulgação ou conhecimento das publicações digitais na Internet, como produtos detentores da marca acadêmica, visando determinar os elementos de identificação e comunicação, que são capazes de promover o conhecimento da marca como expressão de qualidade acadêmica em ebooks. Palavras-Chave: Ebook Acadêmico. Design. Conhecimento. Utilidade. Desenvolvimento. SUMMARY Determined action by ignorance, signs and virtual environments that can legitimize the intellectual products published on the Internet with academic recognition this article seeks to identify elements that compose an ebook and give academic quality, both as a brand and as a learning object. The aim the refore is to study the factors and design elements that enable communication and knowledge as product quality ebook when published on the Internet. The paper presents the design process, or knowledge production and dissemination of digital publications on the Internet, as products of the brand holders academic, to determine the elements of identification and communication, which are capable of promoting brand awareness as an expression of academic quality in ebooks. Keywords: Academic Ebook. Design. Knowledge. Utility. Development. 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Para melhor compreensão das análises a serem realizadas se faz necessário algumas considerações iniciais sobre o design dos ebooks utilizados no meio acadêmico. 2.1 Considerações Iniciais Sobre o Design de Ebooks A Sociedade do Conhecimento caracteriza-se por um cenário de rápidas mudanças, onde o papel e a caneta dão espaço a comunicação digital, codificada em zeros e uns. Isto torna o contato entre as pessoas e as organizações mais rápido e prático e o processo de aprendizagem mais dinâmico. Por esta razão, a utilização de arquivos digitais, especialmente ebooks, em ambientes acadêmicos preconiza a utilização de uma interface diferenciada. A menção de uma interface diferenciada para o ebook torna patente a questão do design deste objeto. Um dos maiores obstáculos à adoção de livros eletrônicos pelas bibliotecas está centrado na questão do design (CHONG at. al. 2009). Ressalta-se que, em questão de design, o fenômeno do surgimento do ebook se assemelha ao surgimento do seu predecessor, o livro impresso. Quando o primeiro livro impresso foi criado em muito diferia do códex manuscrito. No início a invenção de Gutenberg carecia de aspectos gráficos e artísticos, característicos do trabalho dos copistas. Os copistas faziam verdadeiros trabalhos artísticos ao copiar obras literárias. Em alguns casos levavam anos e os elementos que inseriam nas obras faziam delas verdadeiras obras de arte. Alguns destes aspectos peculiarmente levaram séculos para serem recuperados ou, pelo menos, substituídos por efeitos similares pela indústria editorial, com o auxilio dos designers gráficos. Quando o ebook foi criado, seu primeiro formato foi o puramente textual. A própria extensão do arquivo remetia a isso “.txt”. Os arquivos com este formato não possuem nenhuma característica gráfica especial, seu conteúdo pode ser facilmente manipulável e eles não admitem funções hipertextuais. Rapidamente foram desenvolvidos softwares com aplicativos capazes de atribuir não apenas elementos gráficos diferenciáveis como também recursos hipermidiáticos e maior segurança ao conteúdo. Outro fator considerável é que da mesma forma que no livro impresso, o design de um livro eletrônico leva em conta os aspectos externos, como apresentados no capítulo 2. Elementos como capa, contracapa, orelhas informativas e outros, compõe um conjunto de informações capazes de seduzir a percepção do leitor. O aspecto da página, o espaçamento entrelinhas, o tipo e o tamanho da fonte são formas do texto que podem estimular ou desestimular o usuário de um ebook. Por exemplo, letras muito pequenas podem sobrecarregar uma página, tornando-a cansativa e desagradável. Ao mesmo tempo, letras muito grandes podem comprometer a seriedade do conteúdo. Além da questão das fontes e seus tamanhos, questões relativas aos hiperlinks, às cores utilizadas e possibilidades de interação podem ter grande influência. Ao considerar a avaliação de aspectos como estes por parte do usuário chega-se a alguns questionamentos: - Quais os fatores fundamentais para a composição de um ebook?; e - Como produzir ebooks, sobretudo, no meio acadêmico? Com a forte ascendência do ebook nos últimos anos, uma verdadeira profusão de softwares passou a oferecer recursos para a elaboração e publicação de ebooks. Templates específicos para cada gênero literário, bem como para os mais variados gostos dos autores podem ser encontrados tanto nos softwares quanto na Internet, onde recursos online são disponibilizados por editoras virtuais e on demand, a baixo custo e até gratuitamente. Frente a esta constatação, outro questionamento se apresenta: - Quais os critérios foram utilizados para o estabelecimento destes templates? O ambiente web tem se desenvolvido com base em recursos comunicacionais centrados em conceitos como usabilidade e utilidade. Ao mesmo tempo, o filão de ebusiness tem crescido de forma assustadora e, por vezes, devido a forte e rápida concorrência da grande quantidade recursos disponíveis, conta-se apenas com marcas para avalizar a qualidade dos aplicativos. Mas, a falta de clareza com relação aos critérios utilizados na elaboração dos mesmos traduz a incerteza na adoção de algumas marcas e de alguns recursos. Exemplos disto são os ebooks editados com a extensão “.exe”. Eles possibilitam a utilização dos mais diversificados recursos hipermídia. Porém, possuem a mesma extensão executável que os vírus que se proliferam pela Internet. Alguns estudos sobre design de ebooks foram realizados ainda no início dos anos 2000. A maior parte destes estudos estava direcionada ao desenvolvimento de diretrizes para a estruturação de livros eletrônicos para uso em atividades educacionais e acadêmicas. Um estudo que considera aspectos relevantes do design de livros eletrônicos é o Draft 1.0 (EBook Functionality White Paper) de 2003, realizado nos EUA por Bryan, Gibbons e Peters e que analisou os aspectos relativos aos ebooks, softwares e hardwares de leitura, buscando estabelecer as principais funcionalidades buscadas pelos usuários e que devem ser características intrínsecas aos ebooks, apresentadas no capítulo 3. Mas, o estudo mais significativo nesta área foi desenvolvido por Wilson e Landoni (2002). No período de 2000 à 2002, foi desenvolvido na Inglaterra um projeto chamado EBONI (Eletronic Books ONscreen Interface). Seu objetivo foi estabelecer um conjunto de orientação para a criação de ebooks que atendessem as necessidades de estudantes e acadêmicos no Reino Unido. O projeto avaliou a questão do design em obras digitais por alunos de escolas e universidades, buscando identificar os requisitos de usabilidade que deveriam ser considerados na concepção de livros eletrônicos (WILSON at al, 2002). Os resultados obtidos pelo EBONI passaram a compor uma série de artigos e também um guideline para o design de ebooks. Pesquisadores como Chong (at al, 2009), Nariani (2009) e Berg (at al, 2010) apontam este estudo como referência ou ponto de partida para o planejamento, desenho, criação e estruturação de livros eletrônicos, softwares, hardwares e plataformas de conteúdo. Tomando este estudo como referência, procede-se a seguir uma descrição do projeto e, principalmente, das diretrizes apontadas por Wilson e Landoni para a composição e o design de ebooks, sobretudo, no meio acadêmico. Wilson e Landoni (2002) criaram o projeto EBONI em agosto de 2000 e desenvolveram este projeto de pesquisa sobre as melhores diretrizes de design para a elaboração de ebooks acadêmicos até março de 2002. Tendo considerado tanto o ebook quanto os hardwares e softwares envolvidos no processo de leitura, o projeto avaliou a usabilidade e a acessibilidade de livros eletrônicos com um grupo de profissionais da área acadêmica. Uma das contribuições mais significativas deste projeto foi a publicação de um guideline contendo 22 diretrizes para o design de ebooks e hardwares de leitura. Destas diretrizes 15 dizem respeito especificamente aos arquivos de livros eletrônicos, ebooks. Estas orientações dizem respeito à: capa, tabelas de conteúdo, índices, ferramentas de busca, ambiente do livro, hipertextualidade e cruzamento de dados, design tipográfico, tamanho das páginas, uso de resumos de conteúdo, uso de seções de orientação, legibilidade dos tipos de letra, utilização de cores, ruptura de texto, uso de itens não textuais e uso de elementos interativos e multimídia. Destaca-se a seguir as principais contribuições do trabalho de Wilson e Landoni (2002) para o desenvolvimento de ebooks: - Capa: as autoras reforçam que, embora sem valor prático, este item estimula o prazer da leitura e o a percepção de que o leitor está acessando um conjunto coeso de páginas, fornecendo o reconhecimento do item livro. Os dois pontos citados como importantes na criação da capa são a inclusão do nome do autor e do título e também um link para a página de rosto, que deve servir como página de entrada do livro; - Inclusão de tabelas de conteúdo: de acordo com Wilson e Landoni (2002) os mecanismos de busca interna do conteúdo não devem substituir as tabelas de conteúdo e os índices. As tabelas de conteúdo fornecem ao leitor um sentido aproximado da estrutura do livro e podem constituir ferramentas de navegação através dos hiperlinks que guiam o leitor aos conteúdos relevantes a partir dos títulos dos capítulos. Os pontos relevantes na inclusão de uma tabela de conteúdo são o estabelecimento de hiperligações a partir do sumário dos capítulos e seções, bem como o uso de ligações específicas a cada capítulo; - Índices: acessando os hiperlinks de um índice de assuntos os leitores podem encontrar a informação sobre um tema específico ou uma seção relevante dentro do livro. As autoras ressaltam que no ebook, ao contrário dos livros impressos, o índice de assuntos deve ser colocado na frente. Os pontos observados na inclusão de um índice são a caracterização do índice como sendo “índice alfabético”, o estabelecimento de hiperlinks dos itens do índice às seções relevantes do livro e, claro, o destaque do índice na frente do livro; - Ferramenta de busca: as ferramentas de busca complementam as tabelas de conteúdo e os índices de assunto, todavia não os substitui. A experiência de leitura dos leitores pode ser extremamente melhorada a partir desta ferramenta e, embora a maioria dos softwares de leitura já traga esta opção, deve-se atentar para a inclusão de dicas de pesquisa e dos modos de pesquisa simples e avançado; - Ambiente do livro: as autoras atentam para o fato de que o livro eletrônico deve ser tratado como um ambiente fechado, não contendo, portanto, ligações externas, a menos que estas sejam claramente identificadas. Este cuidado evita que o leitor fique perdido no ciberespaço, sem conseguir identificar que páginas ou recursos pertencem ao ebook. Os pontos importantes, de acordo com as autoras, são a não inclusão de links externos no corpo do livro e quando inclusos, na seção de referência ou bibliografia, claramente identificados como links externos; - Hipertextualidade e cruzamento de dados: a incorporação de hipertexto para estabelecer ligação entre os elementos estruturais do livro facilitam muito a navegação. As autoras recomendam a divisão dos capítulos em várias páginas com tabelas de conteúdo, a fim de minimizar o esforço de rolagem e ajudar o leitor a decidir a pertinência de cada capítulo. Como forma de simplificar a estrutura, atribuindo-lhe usabilidade, as cores dos links devem ser padronizadas e as funções de todos os ícones devem estar explicitadas. Os pontos relevantes apontados por Wilson e Landoni (2002) com relação aos hiperlinks são a criação de uma estrutura interativa, com sistema de navegação simplificado e onde as referências e o glossário sejam separados do texto principal. Ainda estabelecer links hipertextuais baseados em: tabelas de conteúdo eclusivas para cada capítulo, indice de itens para as seções relevantes do livro, ligações entre o texto principal e as referencias e também ao glossário, e entre as páginas do livro (seja frente e verso ou sumario, indice e motor de busca). Encerrando este item, ressaltam a importância da criação das tabelas de conteúdo exclusivas para cada capítulo, a padronização das cores dos links, o uso de icones de fácil interpretação e de não contar com as funcionalidades dos softwares de navegação; - Design tipográfico: a legibilidade está condicionada a forma como a digitação do texto e sua paginação são concebidas. O cumprimento das linhas são preferidos na mesma modalidade das páginas impressas, de 10 a 15 palavras. A abundância de pontuação e o espaçamento atribuem uma aparência clean (estéticamente limpa) e organizada. Ao mesmo tempo o cuidado com a justificação à esquerda indicam um ponto de partida uniforme para cada linha ao longo do texto. O estilo de digitação também deve ser consistente ao longo do livro; - Tamanho das páginas: um capítulo com muitas páginas pode tornar complexa a rolagem e o acompanhamento do texto. Desta forma, capítulos que seguem a estrutura lógica com as interrupções naturais do texto, ficam melhores visualizados com páginas semelhantes às do livro impresso, contendo apenas uma subseção por página e links para fornecer ligações entre as páginas; - Uso de resumos de conteúdo: da mesma forma que as tabelas de conteúdo e os índices de assunto, os resumos de conteúdo caracterizados pela inclusão de títulos de seção, palavras chaves e resumos, tornam o texto organizado, acessível e compreensível ao leitor. Os resumos de conteúdo ficam mais bem posicionados na parte superior de cada página; - Uso de seções de orientação: da mesma forma que o leitor do livro impresso desenvolve o seu senso de lugar comparando o peso ou volume do livro já lido para saber quanto falta ler para terminar, é preciso prover o leitor do livro eletrônico de indicações precisas e visíveis de seu desempenho ou localização na leitura. Fornecer indicadores ou marcadores de posicionamento de leitura no livro eletrônico é fundamental, na visão das autoras; - Legibilidade dos tipos de letra: a utilização de fontes que possibilitem a leitura por longos períodos sem cansar ou exigir esforço excessivo do leitor é aconselhável. Assim, fontes em tamanho grande o suficiente para ler confortavelmente, sem serifa, não itálicas e utilizando cores que contrastem com o fundo são pontos ressaltados neste item. Ao mesmo tempo a possibilidade de manipulação do tamanho da fonte ou do tamanho da visualização da página é considerada de grande ajuda ao leitor; - Utilização de cores: as cores estão relacionadas às questões de consistência de estilo, simpatia e capacidade de atração do livro. Assim sendo, o cuidado no uso de cores, para que não se torne distração quando excessivo ou fatigante quando ausente. O uso de poucas cores, sendo as mesmas consistentes com todo o texto, fundos planos e a não utilização de fundo branco puro são indicados pelas autoras; - Ruptura de texto: a ruptura do texto em pequenos blocos facilita o acompanhamento da leitura. Manter subtítulos recuados, parágrafos curtos, marcadores com cores diferentes e, principalmente, intercalar o texto com imagens e diagramas, ajudam a quebrar a uniformidade do texto, tornando-o mais agradável. - Uso de itens não textuais: o cuidado com a utilização de itens não textuais, tais como imagens, fórmulas e diagramas deve estar em torná-los compreensíveis e bem localizados no corpo do livro. Sua localização no centro da página permitem que se destaquem a partir do texto. Ao mesmo tempo, para melhor visualização, deve ser possibilitada a ampliação e maior detalhamento destes itens em janelas separadas, o que requer o uso de imagens, fórmulas e diagramas com boa definição; - Uso de elementos interativos e multimídia: uma das principais vantagens do material em formato digital, segundo as autoras, é o fato de poder explorar recursos multimídia e interativos, tais como áudio, vídeo, questionários interativos e simulações de testes. Atentam para o fato de que o objetivo do uso destes elementos deve ser complementar o texto e não substituí-lo. Além disso, seu uso pode aumentar a sensação de engajamento do leitor com a obra, além de realçar a simpatia do objeto e aumentar a capacidade de lembrança da informação. Todavia, estes elementos podem dificultar as questões de pesquisa e digitalização. Por este motivo, todas as informações presentes em multimídia necessitam de equivalentes textuais, o que se traduz numa prática de acessibilidade. Ressalta-se que estas diretrizes de design foram apontadas ainda em 2002, quando alguns dos recursos hoje comuns aos arquivos digitais ainda não estavam disponíveis. Todavia, no estudo destas orientações e também das características apontadas por Bryan, Gibbons e Peters (BRYAN at al; 2003) como intrínsecas ao ebook, destacando que alguns pontos como usabilidade, acessibilidade e utilidade, emergem como elementos de destaque no desenvolvimento destes objetos. Passa-se agora a dissertar mais aprofundadamente sobre estes pontos em questão. 2.2 Usabilidade, Acessibilidade e Utilidade como Elementos Fundamentais para o Design de Ebooks Atendo-se não aos aspectos relativos ao conteúdo, mas aos aspectos externos, define-se por diferenciação o design dos livros eletrônicos. Ao tratar do design de ebooks uma das questões que se evidenciam é a da usabilidade, um requisito fundamental e necessário no design da informação. Nielsen (1993, p.26 apud LEITE e CRUZ, 2009, p. 16), diz que “a usabilidade não é uma propriedade singular, unidimensional de uma interface com os usuários”. A partir da usabilidade torna-se viável o reconhecimento e o sucesso na utilização de recursos digitais por parte dos usuários. Para o autor, a usabilidade é uma área criada dentro do campo de estudos da interação entre o homem e o computador e se dedica à interação entre o usuário e o sistema. A usabilidade não diz respeito somente à interface, aparência, mas está diretamente relacionada à eficiência, eficácia e satisfação do usuário. Sendo a usabilidade, portanto, um determinante da qualidade. Portugal (2010) define a usabilidade como sendo: [...] o fator que assegura que os sistemas são fáceis de usar, eficientes e agradáveis – da perspectiva do usuário. Desta forma, para ter boa usabilidade, um sistema interativo deve ser: 1. Eficaz; 2. Eficiente; 3. Seguro; 4. Útil; 5. Fácil de aprender; 6. Fácil de se lembrar como se usa (memorização) (PORTUGAL, 2010, p.5). Os sistemas caracterizados pela usabilidade têm seu foco nas facilidades de uso proporcionadas ao usuário. Esta questão está diretamente relacionada à percepção que o design pode proporcionar. Assim, a maior parte dos designers tem seu trabalho pautado por esta questão. Nielsen, por exemplo, caracteriza a usabilidade como possuidora de componentes múltiplos e tradicionalmente associada a cinco atributos: - Ser fácil de aprender: o sistema deve ter simples aprendizado para que o usuário possa rapidamente começar a trabalhar. - Ser eficiente na utilização: o sistema deve ser eficiente para que assim o usuário aprenda como utilizá-lo, possa alcançar altos níveis de produtividade. - Ser fácil de ser recordado: o sistema deve ser fácil de ser lembrado, para que o usuário possa voltar a utilizá-lo depois de algum período inativo, sem ter que aprender tudo novamente. - Ter poucos erros: a taxa de erros do sistema deve ser baixa, para que os usuários cometam poucas falhas durante a utilização e, mesmo que cometam erros, consigam facilmente recuperar o que foi perdido. Erros incorrigíveis não devem ocorrer. - Ser subjetivamente agradável: o sistema deve ser agradável de ser usado, para que os usuários fiquem satisfeitos ao utilizá-lo. Eles devem gostar dele (NIELSEN, 1993, p. 26 apud LEITE e CRUZ, 2009, p. 17). A usabilidade é utilizada no ambiente informacional para a detecção e correção de erros antes do lançamento de um produto em sua versão final. A proposta da usabilidade está centrada no estabelecimento de uma melhor interação entre pessoas e computadores, facilitando o uso e aprendizado, diminuindo os esforços do usuário e proporcionando, conseqüentemente sua satisfação. O processo tem como foco o usuário e está centrado em sua relação com o produto final. Por este motivo envolve a criação de protótipos que simulam o ambiente final, contando com a participação do usuário no decorrer da implementação, ou seja, a implementação inicial do projeto contém especificações elencadas pelo cliente e necessidades manifestadas pelos usuários. A percepção humana, as habilidades e o seu comportamento são os fatores que decidirão como a interface deve ser e o que o produto final, neste caso o ebook, deverá conter para que tanto a eficiência quanto a eficácia sejam alcançadas. Dentre as várias interfaces existentes, destacam-se as interfaces de objetos de aprendizagem para ambientes acadêmicos. Apesar de se constituir de usuários com características aparentemente semelhantes, a preocupação com a forma de exposição do conteúdo, com a linguagem de acesso, com as características físicas, com a disposição de elementos e com facilidades de uso, deve fazer parte do processo, sobretudo na elaboração de um objeto como o ebook, já que se trata de um recurso útil, mas não tão usual no processo de ensino-aprendizagem. Vigner (1988 apud GRUSZYNSKI e CASTEDO, 2009) aponta que: Levando em consideração o sujeito leitor, destacamos que o nível de familiaridade que o texto tem com o seu universo cultural permite que ele utilize o mecanismo de antecipação, delineando a leitura a partir de hipóteses sugeridas pelo texto e pelo contexto. A organização dos conteúdos, portanto, conformada nos signos tipográficos que constituem a escrita, permite uma leitura “preliminar” que se ancora em uma estrutura compreensiva elaborada de acordo com uma prática e um reconhecimento de modos de funcionamento textuais apreendidos ao longo de vários contatos com textos. (VIGNER, 1988, p. 32 apud GRUSZYNSKI e CASTEDO, 2009, p. 2) Ressalta-se que no caso das publicações acadêmicas o leitor é, normalmente, o pesquisador que também produz e publica suas pesquisas. Todavia, os hábitos de leitura destes usuários ainda estão ligados à cultura impressa o que pode implicar em limitações para a leitura e pesquisa em meio digital. A decisão ou opção por adoção do meio impresso ou eletrônico está ligada diretamente às preferências pessoais, bem como às características dos grupos de pares dos quais fazem parte estes pesquisadores. Retifica-se, entretanto, que atualmente estes dois meios são complementares (GRUSZYNSKI e CASTEDO, 2009). Um ponto que se destaca no estudo deste tema é de que a coexistência dos padrões de escrita manuscrita, impressa e digital cria um contexto multicultural de evolução da estrutura de percepção do leitor, o que de acordo com Vigner (1988 apud GRUSZYNSKI e CASTEDO, 2009) proporciona uma identificação deste com o padrão textual, sobretudo em função de suas experiências e aprendizados dos “modos de funcionamento textuais”. Por outro lado a estrutura de percepção do usuário explicita, em sua interação com o sistema, as necessidades de usabilidade comuns ao contexto cultural em que está inserido. Desta forma as necessidades de usabilidade podem servir como norteadores do design de objetos em um determinado meio, neste caso, especificamente ebooks no meio acadêmico. Todavia, as questões de utilidade e acessibilidade também são observadas, visto que mesmo se o projeto de um objeto contemplar os critérios de usabilidade, ele ainda pode ser inútil ou inacessível. Por este motivo vê-se relevância em observar também estes dois fundamentos. Da mesma forma que a usabilidade, a utilidade do conteúdo pode ser expressa não apenas pelo seu teor, mas pela forma como este conteúdo é exposto. Este aspecto do design da informação aplicado ao ebook caracteriza também a preocupação com a percepção do leitor e com suas necessidades especificas. Lam (at al., 2009) aponta que a utilidade de ebooks no meio acadêmico diz respeito a sua eficácia como ferramenta de aprendizado. Em outras palavras, é preciso que o livro eletrônico apresente ao leitor benefícios no processo de leitura, compreensão do texto e apreensão do conhecimento. Os autores citados desenvolveram uma pesquisa para identificar a usabilidade e a utilidade do ebook, enquanto conjunto tecnológico (hardware, software e arquivo eletrônico), no meio acadêmico. O estudo relata que as maiores dificuldades identificadas na pesquisa dizem respeito à operacionalidade do software e formato do equipamento de leitura (hardware). “The experiences we had with the students indicated that ebooks are not yet a useful and practical tool for academic learning. Enjoyment of the ebook reading process was not high. Comprehension of digital text was also found to be challenging” (Lam at al., 2009, p. 41) 1 . Muitos alunos pesquisados apontaram as questões de leitura em tela e dificuldade de utilização dos mecanismos de leitura como principais impedimentos para a continuidade na utilização do recurso digital em seu processo de aprendizagem. A pesquisa concluiu também que as condições necessárias, para tornar o ebook útil como objeto eficaz de aprendizagem neste meio, estão centradas na otimização do conjunto tecnológico, onde tanto o hardware, quanto o software e também o design do livro eletrônico precisam estar funcionando bem. Ao mesmo tempo, os autores apontam para o fato de que o ebook é, ainda, uma tecnologia em fase de desenvolvimento, mas que elementos como a portabilidade do arquivo e a conveniência de acesso são fatores de alavancagem para sua utilização. Assim sendo, verifica-se na pesquisa de Lam (at al, 2009) que o ebook, por fatores culturais ou tecnológicos, ainda não se constitui num objeto de aprendizagem reconhecido junto ao leitor como sendo detentor de utilidade no processo de aprendizagem. Para Torres e Mazzoni (2004) em projetos de conteúdo digital que representem objetos de aprendizagem, dois critérios de qualidade devem ser considerados: usabilidade e acessibilidade. Enquanto para as autoras, a usabilidade “pode ser mensurada, formalmente, e compreendida, intuitivamente, como sendo o grau de facilidade de uso desse produto para um usuário que ainda não esteja familiarizado com o mesmo” (TORRES; MAZZONI, 2004, p. 152); a acessibilidade: [...] consiste em considerar a diversidade de seus possíveis usuários e as peculiaridades da interação dessas pessoas com o produto, o que pode se manifestar tanto nas preferências do usuário (exemplo: o que prefere ler a ouvir), quanto nas restrições à qualidade do equipamento utilizado (exemplo: um usuário cuja impressora só trabalha com preto e branco), ou, até mesmo na existência de necessidades educativas especiais que não podem ser ignoradas pelos desenvolvedores do produto (exemplo: entre os usuários pode haver alguns que não ouçam os sons, conseqüentemente, mensagens sonoras são inadequadas para eles) (TORRES; MAZZONI, 2004, p. 152). Possibilitar ao usuário as condições necessárias para acessar a informação que se disponibiliza sem limitação ou prejuízo com relação ao conteúdo consiste em atribuir acessibilidade a esta informação. A acessibilidade maximiza não apenas o acesso, mas também a as habilidades do usuário nesse processo. Sua composição pode ser obtida através da combinação de formas diversificadas de apresentação da informação com a utilização de recursos técnicos de ajuda (TORRES; MAZZONI, 2004). A utilização de recursos multimídia em objetos de aprendizagem digital, ao se apresentar como alternativa aos estilos de percepção e processos de aprendizagem, constitui uma contribuição para a acessibilidade deste objeto por proporcionar interação com o usuário. Nesse nível, a acessibilidade do ebook está diretamente ligada às condições de interação do usuário com este objeto e seus recursos. Um exemplo claro disso está no uso de recursos multimídia, como som e vídeo, para ajudar a ilustrar e clarificar o texto. Estes recursos podem ser acessados externamente 1 As experiências que tivemos com os estudantes indicaram que os ebooks não são ainda uma ferramenta útil e prática para o aprendizado acadêmico. O benefício do processo de leitura do ebook não era elevado. A compreensão de texto digital também demonstrou ser um desafio. para tornar o arquivo do livro eletrônico mais leve, mas também torna o arquivo um sistema aberto, o que pode não ser aconselhável. Atenta-se ao fato de que o uso da multimídia não deve se constituir num obstáculo a acessibilidade, “ao contrário, é com a utilização dos recursos propiciados por ela que a acessibilidade em conteúdos digitais pode ser alcançada” (TORRES; MAZZONI, 2004, p. 160). No tocante à usabilidade, ao definir a importância do conteúdo em função do valor de uso que este representa ao usuário, Ruiz-Velasco (2003, apud TORRES; MAZZONI, 2004, p. 152) diz que “um conteúdo é uma forma semiologicamente interpretável, desenvolvida em determinado formato e que adquire significado devido aos antecedentes socioculturais das pessoas que acessam”. Percebe-se, com esta afirmação, que o julgo de valor de uso de um ebook pode estar extremamente ligado às referências culturais e ao passado do usuário ou leitor. Ao mesmo tempo, se estas influências derivam de antecedentes, a significância do uso é pré-estabelecida, não apenas pela necessidade, mas também pelos critérios e referencias estéticas do indivíduo. Assim, embora a utilidade de um livro digital ou impresso esteja condicionada à aplicabilidade do conteúdo, os parâmetros que podem levar o leitor a definir seu valor de uso estão centrados, em primeira instância, em critérios subjetivos da informação do conteúdo. Antes mesmo de acessar uma obra, o leitor pode supor sua utilidade ou inutilidade em função das relações de percepção de cores, formas, nome do autor, o nome da editora, a origem, a data de publicação e a plataforma de conteúdo, bem como qualquer outro critério que possibilite a percepção de qualidade do ebook, como exposto no capítulo 2. Este pode ser considerado um elemento fundamental ao design da informação que pode e deve ser aplicado no desenho de ebooks, sobretudo no meio acadêmico. Diante da importância do uso destes, procura-se a partir desta fundamentação, realizar considerações sobre as pesquisas de modelos que viabilizam o desenvolvimento de ebooks acadêmicos. 3 MÉTODO O método ou metodologia de pesquisa refere-se à forma como o pesquisador pode buscar as informações que necessita e desenvolver os estudos em busca do conhecimento objetivado na pesquisa. O método representa, então, o conjunto de orientações gerais para a investigação que estabelece os padrões para coleta e análise de dados (CRESWELL, 2007). Para este estudo foi considerado o método de estudo de caso como a forma ideal de aprofundamento investigativo e obtenção de informações. Esta metodologia ainda possibilita a triangulação dos dados, onde o pesquisador pode explorar diferentes perspectivas e propor novos testes e hipóteses (DENZIN, 1984). O método de estudo de caso pode ainda ser aplicado a um grupo de casos, o estudo de caso coletivo (STAKE, 1995), possibilitando uma abordagem comparativa na triangulação. O método utilizado foi exploratório, descritivo e interpretativo. Buscou-se identificar os fatores de conhecimento da marca acadêmica com percepção de qualidade, descrevendo e interpretando seu papel nas relações de branding no campo acadêmico para a comunicação de ebooks. A coleta de dados será realizada mediante revisão bibliográfica dos temas e de observação direta aos ebooks nas plataformas de conteúdo que os disponibilizam, para identificação do processo de comunicação da marca acadêmica no objeto. 4 A BUSCA POR MODELO PARA O DESENVOLVIMENTO DE EBOOKS ACADÊMICOS A busca por processos e objetos digitais que auxiliem na aprendizagem evidenciase como uma realidade no meio acadêmico. Embora ainda existam muitas reservas e incertezas, não há como negar a influencia dos recursos digitais sobre a percepção dos acadêmicos em seus processos de pesquisa e de aprendizagem. Eliminar as incertezas na utilização destes recursos no meio acadêmico requer a obtenção de garantias da qualidade e de credibilidade aos mesmos. No caso dos ebooks, como similar do livro no fornecimento de conteúdo, uma trajetória de vinte anos aponta para uma utilização cada vez maior. Da mesma maneira, evoluções deste recurso, seja por interesse econômico ou por demanda social, levaram ao desenvolvimento de pesquisas para sua utilização no meio acadêmico. Neste cenário lança-se mão de Chong (at al., 2009) que tomando como base o estudo sobre os parâmetros estabelecidos por Wilson e Landoni (2002), com o projeto EBONI, realizou pesquisa para verificar como os ebooks baseados nestes parâmetros são vistos pela população acadêmica. A motivação de Chong (2009) parte da constatação de que, apesar de as bibliotecas acadêmicas estarem oferecendo cada vez mais serviços relativos aos livros eletrônicos, uma barreira à adoção deste recurso pode ser a condição insatisfatória do seu design. Após analisar o trabalho de Wilson e Landoni, Chong afirma, acerca do papel do design do ebook, que: […] studies conducted by the Electronic Books ONscreen Interface (EBONI) project have signified that the structure and appearance of paper books are at the forefront of readers' minds when negotiating electronic texts. Concentrating on the appearance, rather than focusing on the technology itself, can improve the quality of the publications. In addition, EBONI's studies have suggested that the students' learning ability is significantly affected by the arrangement of textual and other elements on screen, and this is heavily remarked by students who expect typographical sophistication. [...] It is apparent that the ebook design is among the decisive factors which contribute to the users' satisfaction and plays a crucial part in the success of ebooks (CHONG at al, 2009, p. 213)2. Com base em pesquisa aplicada que envolveu a avaliação de três modelos de livros eletrônicos por alunos da Multimedia University na Malásia, Chong afirma que a aparência de um modelo de ebook causou melhor impressão e foi, portanto, mais atrativo aos alunos, 2 [...] estudos realizados pela Electronic Books ONscreen Interface (EBONI) tem projetado que a significância da estrutura e da aparência de livros de papel estão presentes na mente dos leitores quando acessam textos eletrônicos. Concentrando-se na aparência, ao invés de focar na tecnologia em si, pode-se melhorar a qualidade das publicações. Além disso, estudos do EBONI sugerem que a capacidade de aprendizagem dos alunos é afetada significativamente pelo arranjo textual e de outros elementos na tela, e isso é muito observado pelos alunos que esperam sofisticação tipográfica. [...] É evidente que a concepção do ebook está entre os fatores determinantes que contribuem para a de satisfação dos utilizadores e desempenha um papel fundamental no sucesso de ebooks. que consideraram também como fator decisivo as questões de projeto de conteúdo (fonte, escaneabilidade e legibilidade), bom lay out e facilidade de navegação. Assim como a impressão geral do ebook pode ser causada por sua aparência, as facilidades de usabilidade, de uma forma geral, estão associada às facilidades de navegação e acesso (CHONG at al, 2009). Esta constatação foi retificada por Nariani (2009) que, ao constatar em sua pesquisa o desconhecimento sobre o potencial dos ebooks, afirmou que “e-book promotion needs to leverage on the convenience, searchability, and accessibility of e-books as a format” (NARIANI, 2009, p. 7) 3 . Nariani verificou em cursos de graduação e pós-graduação no Canadá que a maior parte dos professores e estudantes desconhece o funcionamento das plataformas no fornecimento dos pacotes de ebooks e também os recursos que estes disponibilizam. Atribui, então, a capacidade do livro eletrônico em se tornar usável a sua condição de divulgação, ressaltando que a possibilidade de um ebook indexado em catálogo eletrônico tem muito mais possibilidade de ser acessado do que um ebook divulgado por email. Berg (at al, 2010), por sua vez, afirmam que ainda falta apresentar clareza sobre a estrutura e funcionamento dos ebooks aos alunos. O desconhecimento do usuário não estaria centrado apenas na existência do ebook, mas também na sua forma não-linear. Os estudantes, afirmam as autoras, não parecem conectar o livro impresso ao eletrônico, visto que o livro impresso possui uma linearidade, começo, meio e fim, ao passo que o livro eletrônico, em função da navegabilidade se apresenta como não linear (BERG at al, 2010). Outro fator levantado pelas autoras é a questão da intangibilidade do ebook frente ao livro impresso, trazendo novamente à baila a discussão acerca do “senso de lugar”. Afirmam que “such tangible characteristics of print books are difficult to simulate in electronic formats” (BERG at al, 2010, p. 523)4. E, complementam: Interactive features of e-book platforms, such as editing tools, hyperlinks, and search capabilities, are an advantage that e-books have over print books, but these features must function well and be easily understood by the user. In particular, ebook tools are expected to function like known web technologies (BERG at al, 2010, p. 523)5. A busca por um modelo de ebook para uso na academia tem se apresentado não apenas em função dos estudos de um design eficaz na transmissão do conhecimento, mas na comunicação desse design dentro de uma cultura digital emergente e evolutiva, onde os usuários criam expectativas de uso centradas nas principais tecnologias que utilizam. Neste ponto, a comunicação de ebooks com marcas que representem qualidade acadêmica deve estar centrada não apenas no design da informação apresentada na obra ou no design da própria obra, mas no conjunto de fatores externos capazes de expressar essa qualidade, 3 A promoção do ebook precisa estabelecer alavancagem sobre a conveniência, pesquisabilidade, e acessibilidade dos ebooks como formato. 4 Tais características tangíveis de livros impressos são difíceis de simular em formatos eletrônicos. 5 Recursos interativos de plataformas de e-book, como ferramentas de edição, hyperlinks, e capacidades de pesquisa, são vantagens que os e-books tem sobre os livros impressos, mas esses recursos devem funcionar bem e ser facilmente compreendidos pelos usuários. Em particular, as ferramentas de e-books devem funcionar como as tecnologias da web conhecidas. sejam eles relacionados à plataforma, aos metadados, à editora, ao autor, ao título ou ao próprio ebook. A estruturação de um modelo para a produção de ebook, que atenda às exigências de reconhecimento da qualidade por parte da comunidade acadêmica, pressupõe o atendimento não apenas das necessidades de estudantes e pesquisadores em busca de informação, para que possam conhecer, confiar e selecionar o ebook a partir de seus aspectos externos, como também do reforço da comunicação de sua condição como objeto de aprendizagem e publicação confiável no meio acadêmico. Para tanto, elementos como a usabilidade, a acessibilidade e a utilidade devem servir na conflagração do processo de identificação dos fatores que atribuam ao ebook uma marca de qualidade acadêmica. A proposta resultante está centrada justamente no fato de que os fatores que relacionam o ebook como publicação literária devem ser identificados, analisados e conjugados no desenvolvimento de uma marca que os expresse como valor de qualidade acadêmica na comunicação dos ebooks na Internet. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho apresentou um panorama das discussões acerca do design de ebooks e de sua utilidade na transmissão do conhecimento. Pode-se verificar com a pesquisa que os atributos do ebook tornam esta mídia um elemento de alavancagem na publicação de trabalhos científicos, visto que possibilita a publicação integral de pesquisas, em tempo e valores reduzidos. Prova disso é o grande volume de ebooks que pode ser encontrado na Internet. Todavia, mesmo sendo reconhecidamente uma mídia do conhecimento, o ebook carece hoje de estudos interdisciplinares que o situem na cultura literária e editorial. Ainda não existem padrões consolidados para o ebook, tanto em termos de publicação quanto em termos do reconhecimento de sua qualidade. Como consideração final, este estudo aponta para a emergência de pesquisas direcionadas ao desenvolvimento de políticas específicas de publicação e reconhecimento dos ebooks. A identificação de elementos qualificadores e composição de marcas para o reconhecimento dos ebooks também podem se tornar importantes elementos de alicerce para a disseminação do conhecimento e para o desenvolvimento da cultura literária digital. REFERÊNCIAS BERG, S. A.; HOFFMANN, Kristin; DAWSON, Diane. Not on the same page: undergraduates' information retrieval in electronic and print books. Journal of Academic Librarianship, 2010; 36(6): 518-525. In http://hdl.handle.net/10388/336, acesso em 20/05/2011. BRYAN, R.; GIBBONS, S.; PETERS, T.. Draft 1.0: ebook functionality white paper. Ebook Functionality Working Group. Working Group of the American Library Association, Ebook Task Force. 21 Jan 03. In http://www.lib.rochester.edu/main/ebooks/ebookwg/white.pdf, acesso em 11/10/2009. CHONG, P.F; LIM, Y. P; LING, S. W. On the design preferences for ebooks. IETE Tech Rev, 2009; 26:21322. In http://tr.ietejournals.org/text.asp?2009/26/3/213/50706; acesso em 25/05/2011. CRESWELL, J. W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2007. DENZIN, N. The research act. Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall, 1984. GRUSZYNSKI, A. C.; CASTEDO, R.. O design de periódicos científicos on-line e a visibilidade da ciência na web. InfoDesign | Revista Brasileira de Design da Informação / Brazilian Journal Information Design v. 6 | n. 3 [2009], p. 1 – 11. In http://www.infodesign.org.br/revista/index.php/infodesign/article/view/80, acesso em 24/01/2011. LEITE, A. L. N; CRUZ, S. J. A. S. Requisitos não funcionais de usabilidade e interação humanocomputador. Recife: UFPE, 2009. In http://www.cin.ufpe.br/~in1020/arquivos/monografias/2009_1/SIMONE_ANA.pdf, acesso em 03/07/2010. NARIANI, R.. E-books in the sciences: if we buy it will they use it? Issues in Science & Technology Librarianship No. 59, 2009. In http://pi.library.yorku.ca/dspace/bitstream/handle/10315/2905/ISTL_Fall%202009-RN.pdf?sequence=1, acesso em 20/05/2011. NIELSEN, J.. Projetando websites: a prática da simplicidade. Rio de Janeiro: Campus, 2000. PORTUGAL, C.. Questões complexas do design da informação e de interação. InfoDesign: Revista Brasileira de Design da Informação, v. 7, n. 2, 2010. In http://www.infodesign.org.br/conteudo/artigos/424/ing/ID_v7_n2_2010_01_06_Portugal.pdf; acesso em 25/03/2011. STAKE, R.. The art of case research. Newbury Park, CA: Sage Publications, 1995. TORRES, Elizabeth Fátima; MAZZONI, Alberto Angel. Conteúdos digitais multimídia: o foco na usabilidade e acessibilidade. Ci. Inf., Brasília, v. 33, n. 2, p. 152-160, maio/ago. 2004. In http://www.scielo.br/pdf/ci/v33n2/a16v33n2.pdf, acesso em 20/05/2011. WILSON, R.; LANDONI, M.. EBONI: electronic design diretrizes textbook. Department of Computer and Information Science, University of Strathclyde, UK, 23/03/2002. In http://ebooks.strath.ac.uk/eboni/guidelines/index.html, acesso em 02/03/2011. O E-BOOK COMO MÍDIA DO CONHECIMENTO Márcio B. Miranda Richard Perassi Fabiana Elisa Boff Silveira Rafael Bianchini Glavam 1 INTRODUÇÃO Com o advento das tecnologias da informação e da comunicação (TIC) e a consolidação da Sociedade do Conhecimento, o conhecimento tem sido reconhecido como um novo e importante recurso produtivo. Neste sentido, as mídias que possibilitam a sua transmissão requerem atenção e avaliação constante, de maneira a proporcionar aos usuários acesso, interação e evolução. Neste contexto, o ebook apresenta-se como mídia pioneira, visto que sua criação ocorre já no início da popularização da Internet. Neste ínterim muitos recursos lhe foram agregados, no intuito de torná-lo tão atrativo quanto o livro ou qualificável como obra de leitura. Os elementos que possibilitam o reconhecimento do ebook como mídia do conhecimento e que o caracterizam como mecanismo de comunicação eficiente na Sociedade do Conhecimento são objetos de estudos aprofundados do campo da Mídia do Conhecimento. A prévia exploratória destes estudos é aqui apresentada como forma de contextualizar o ebook como mídia do conhecimento. O EBOOK COMO MÍDA DO CONHECIMENTO RESUMO As mudanças no contexto do desenvolvimento social, econômico e cultural trouxeram a Sociedade do Conhecimento. Trata-se de uma sociedade baseada no conhecimento como fator de produção e que tem por suporte a utilização de tecnologias e recursos digitais. A produção, armazenagem e distribuição de produtos culturais, que promovem a disseminação e o amplo acesso a todos os tipos de conhecimento têm levado à alteração da percepção humana. Nessa sociedade o ebook ou livro eletrônico passou a ser considerado uma evolução do livro impresso, ocupando um amplo espaço na produção e distribuição de obras literárias. Uma ampla gama de arquivos de ebooks tem sido criada, estabelecendo parâmetros para a indústria editorial eletrônica desenvolver novas tecnologias, tanto para a produção, quanto para a distribuição, armazenamento e leitura destes arquivos. O desenvolvimento do ebook tem impulsionado todo um segmento da indústria digital e eletrônica, possibilitando o desenvolvimento de uma cultura de leitura digital, o que o consolida como mídia do conhecimento. Palavras-chave: Ebook. Mídia do Conhecimento. Sociedade do Conhecimento. Comunicação. SUMMARY The changes in the context of social, economic and cultural brought the Knowledge Society. It is a knowledge-based society as a production factor and that is to support the use of digital technology and resources. The production, storage and distribution of cultural products that promote the dissemination and wide access to all types of knowledge have led to the change in human perception. In this society the ebook or electronic book is now considered an evolution of the printed book, occupying a large space in the production and distribution of literary works. A wide range of ebooks files have been created, setting parameters for the electronic publishing industry to develop new technologies, both for production and for distribution, storage and reading of these files. The ebook has driven the development of a whole segment of the digital industry and electronics, enabling the development of a culture of digital reading, which consolidates and media knowledge. Keywords: Ebook. Knowledge Media . Knowledge Society. Communication. 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Para melhor compreensão das análises a serem realizadas se faz necessário algumas considerações iniciais sobre as mídias do conhecimento e a contextualização dos ebooks na Sociedade do Conhecimento. 2.1 As Mídias do Conhecimento O contexto do desenvolvimento social, econômico e cultural caracteriza-se pela predominância dos sistemas informacionais no suporte ao desenvolvimento do conhecimento. A Sociedade do Conhecimento como é chamada a sociedade no contexto atual tem o conhecimento, seus processos de geração, gestão e comunicação como objeto de estudo. Pode-se entender por conhecimento a “informação que muda algo ou alguém, seja por tornar-se fundamento para a ação, ou por fazer um indivíduo ou uma organização capaz de ser diferente ou mais eficaz” (DRUCKER, 1991 apud PERASSI, 2010, p. 60). Além disso, atualmente o conhecimento pode ser tido como um dos maiores e mais importantes ativos das organizações. As atividades intensivas de conhecimento têm gerado mais valor do que todas as atividades produtivas antes utilizadas. A virtualização das atividades produtivas, antes um cenário ficcional, tornouse uma realidade traduzida pela implementação de tecnologias geridas pelo conhecimento contido no homem e também nos mecanismos por ele desenvolvido. Esta mudança produziu significativas mudanças na forma como o homem produz e percebe conhecimento, tendo sua capacidade de confrontar ideias expandida de forma exponencial (MELLO JÚNIOR, 2006). Esta reflexão evidencia o fato de que desenvolvimento de artefatos, que propiciem a produção, o armazenamento e a transmissão do conhecimento torna-se cada vez mais imprescindível, tanto do ponto de vista econômico quanto cultural e social. A Internet como recurso pode ser vista também como um componente tanto como processo como quanto resultado do mesmo. “O fenômeno da recepção também passa por grande transformação, à medida que os mais diversos conteúdos são digitalizados ou publicados diretamente na rede” (MELLO JUNIOR, 2006, p. 314). Verifica-se que o homem vem, ao longo das eras, interagindo com os artefatos por ele criados e, a partir disso, gera novos conhecimentos que o levam a uma nova etapa de sua história e evolução. McLuhan (1987 apud. FERRÉS, 1996, p. 10) diz que “as sociedades têm sido sempre mais modeladas pelo tipo de meios com os quais os seus cidadãos se comunicam que pelo conteúdo da comunicação. Os meios modificam o ambiente e, a partir desse momento, suscitam novas percepções sensoriais”. Cada artefato ou elemento de artesania contém, portanto, conhecimento acumulado acerca de um processo, experiência ou possibilidade. Isto se traduz pela aplicação da ciência ao estudo de tudo o que nos cerca, tornando objeto de estudos o homem, seus produtos, processos e também os elementos da natureza. Pode-se assumir que tudo o que existe é passível de tradução informacional e, portanto, contém alguma forma de conhecimento. De todos os elementos que contém e transmitem conhecimento, um tem especial significação na formação do homem, a escrita. A escrita é um método de comunicação criado pelo homem após a aquisição da linguagem e foi determinante para a evolução do planeta, marcando o fim da pré-história. Flusser (2010) afirma que etimologicamente a palavra “escrever” vem do latim “scribere” que significa riscar, numa alusão ao fato de que no principio o ato de escrever era “fazer uma incisão sobre um objeto para o qual se usava uma ferramenta cuneiforme (um “estilo”).” A função fundamental da escrita no desenvolvimento do homem e de sua cultura é explicitada em situações de comunicação onde os receptores decodificam mensagens compostas por pessoas de outras culturas, tempos ou espaços mentais (LEVY, 2001, p.146). A escrita estabelece-se, portanto, como tecnologia da comunicação e alicerce da evolução humana e do seu conhecimento. O homem históricamente teve sua percepção alterada pelo próprio processo de evolução da escrita, uma vez que o texto lido continha mais do que apenas conteúdo, as letras manuscritas continham “todos os níveis de significação possíveis” (MCLUHAN, 1977, p. 158). A cultura manuscrita acabou moldando a Idade Média, com formalidades literárias em todos os níveis e, por conseguinte, os rumos da evolução do homem. Se for admissível que todos os elementos conhecidos pelo homem podem conter conhecimento, praticamente tudo o que existe pode possuir uma reserva midiática relativa a um conhecimento específico, inclusive o próprio homem. Cabe especificar que o termo mídia provém “da expressão inglesa “media”. A origem de “media” é latina, uma palavra indicativa do plural do termo “medium”, que significa “meio” em português” (PERASSI, 2011, p. 4). Seu uso no Brasil foi incorporado à cultura e se popularizou a partir da utilização e da hegemonia da “mídia de massa” nos meios mercadológicos. Como elemento essencial dessa abordagem ressalta-se, ainda, que o campo da mídia “desenvolve sua aptidão para a captura, o armazenamento, a seleção, a sistematização, a produção, o resgate e a distribuição do conhecimento, de acordo com necessidades específicas das corporações ou organizações sociais, sejam essas, instituições ou empresas” (PERASSI, 2010, p. 47). Ao considerar o exposto, pode-se perceber que uma mídia do conhecimento deve possibilitar não apenas a transmissão de um dado conhecimento de forma clara e segura, como também a interação com outros agentes e, portanto, a sua própria evolução como mídia. Neste sentido McLuhan (1976, p. 80) estabelece que não apenas a escrita como também os suportes e formatos de escrita manifestam e exprimem a essência do próprio homem, “(...) todos os meios como extensões de nós mesmos servem para fornecer uma consciência e uma visão transformadoras”. Assim, tão importantes quanto o desenvolvimento dos códigos e sistemas de escrita, foram os suportes adotados para cada sistema e em cada momento. O “onde escrever” tornou-se um indicador histórico de cada transformação na civilização e de seu momento de evolução. Os suportes para a escrita sofreram significativas transformações ao longo da história da humanidade. Dentre as mídias utilizadas para a transmissão do conhecimento está o livro, cuja evolução passa pela utilização de materiais de suportes como pedra, argila, ossos, madeira, papiro e pergaminho até chegar ao formato códex impresso, idealizado por Gutenberg e representa parte da história da própria evolução do conhecimento do homem. O códex impresso em papal se consolidou como “livro” e nenhum outro formato ou material de suporte que buscasse facilitar o registro e a comunicação escrita do conhecimento humano, em sua completude, foi buscado até o final do século XX. A partir de exposto é possível perceber que o formato e o suporte foram decisivos para a evolução não apenas do alfabeto, mas também do conhecimento. A palavra impressa, por exemplo, no formato livro transformou o diálogo. Num espectro mais amplo McLuhan (1977) analisa: Se se introduz uma tecnologia numa cultura, venha ela de fora, ou de dentro, isto é, seja ela adotada, ou inventada pela própria cultura, e essa tecnologia der novo acento ou ascendência a um ou outro de nossos sentidos, altera-se a relação mútua entre todos eles (MCLUHAN, 1977, p. 48). Nesta linha de raciocínio, verifica-se que no final da década de 1970, o conhecimento do homem permitiu que uma profusão de elementos midiáticos traduzisse o conhecimento contido nos livros. Surgem as tecnologias da informação e da comunicação, popularizando não apenas a escrita como também a informação, num novo suporte, o suporte digital e, a partir deste, diversos outros formatos que viriam mais tarde a ser equiparados ao livro e complementá-lo. Embora nenhum destes formatos ou suportes possua o mesmo reconhecido poder histórico de mudança, eles se constituem na manifestação da interação do homem com as mídias do conhecimento anteriormente existentes, principal e originalmente o livro impresso. No final da década de 90, algumas entidades como Projeto Gutenberg, Librius e Bartleby começaram a digitalizar livros e disponibilizar suas versões eletrônicas, surgiu aí o ebook ou livro eletrônico. As diferenças na forma de suporte tornaram as obras literárias não apenas portáteis, mas também interativas. Esta tecnologia possibilitou que muitos produtores de textos e escritores, que antes não tinham acesso aos recursos para publicação de suas obras pudessem produzi-las e disseminá-las integralmente em meio digital, sem passar pelos crivos editoriais. Neste sentido, o livro digital ou eletrônico pode ser considerado uma evolução “natural” do livro impresso e passa a ocupar um amplo espaço na produção e distribuição. 2.2 Ebook – Conceitos, Características e Funcionalidades A utilização do texto eletrônico foi um marco da explicitação da cultura digital e sua utilização, enquanto suporte alternativo para o livro impresso trouxe discussões sobre o fim do mesmo, sobre sua aceitação e também sobre sua definição. Surgido na década de 1970, o ebook como publicação foi uma das primeiras manifestações da cultura livresca na Internet e sua origem coincide com o surgimento do Projeto Gutenberg. De acordo com Lebert (2005), em 1971, Michael Hart, um estudante da Universidade de Illinois após receber um crédito de 100 milhões de horas livres para utilização da Internet, concebeu o primeiro ebook ao digitalizar a Declaração de Independência dos Estados Unidos e disponibilizá-la aos cem usuários da Internet, naquele período ainda embrionária. A autora destaca que o arquivo, na época chamado de e-text, foi baixado por seis pessoas, dando origem ao Projeto Gutenberg. Contando com apenas com a atividade voluntária, inclusive do fundador, originalmente este projeto visava a disponibilização gratuita, por meio eletrônico, de textos digitais referentes a livros, na sua maioria de direito público. Lebeert (2008) afirma que o crescimento da biblioteca do projeto se dá a uma taxa de 340 livros por mês, contando com aproximadamente 25 mil livros em abril de 2008. Mas, a profusão de arquivos digitais relativos à livros trouxe não apenas a oportunidade de maiores estudos e definições acerca do que é um ebook. O termo ebook é simplesmente a abreviatura de eletronic book (livro eletrônico). Em sua pesquisa Mello Junior (2006) afirma que o ebook é definido pela Association of American Publishers como sendo “uma Obra Literária sob a forma de objeto digital, consistindo em um ou mais standards de identificação, metadata, e um corpo de conteúdo monográfico, destinado a ser publicado ou acessado eletronicamente” (FURTADO, 2006, p. 52 apud MELLO JUNIOR, 2006, p. 322). Esta definição, segundo o autor, torna evidente a preocupação com a proteção do conteúdo. Talvez esta situação seja resultado do fato de que a utilização do ebook se deu inicialmente para designar os livros impressos digitalizados. Mais tarde verificou-se que podem ser criados ebooks sem um correspondente impresso, ou seja, a obra pode ser totalmente produzida em meio digital. Poderiam também conter recursos hipertextuais ou multimidiáticas, o que o transformaria num complexo digital multimídia (MELLO JUNIOR, 2006). Esta possibilidade transcende o conceito de livro e explicita as diferenças entre os dois formatos, ebook e livro impresso, ao mesmo tempo “parece haver uma necessidade de, ao referir-se ao texto digital compará-lo ao livro, valendo-se deste como metáfora para esta nova configuração. Ocorre que, em muitos aspectos, o que se convencionou chamar de ebook difere enormemente do livro impresso” (MELLO JUNIOR, 2006, p.322). Mello Júnior estabelece que a própria interface é um diferencial, já que o ebook é caracterizado por um conjunto de dados expressos numericamente em código binário, que necessita tanto de uma interface gráfica, um software, quanto de um hardware e de uma fonte de energia para que possa ser acessado pelo leitor. Por este fato, o autor apresenta o fenômeno do ebook em suas partes, sendo o “hardware” o conjunto de mecanismos que permitem a visualização e manipulação dos conteúdos eletrônicos. O “software” composto pelos formatos Markup, que permitem a elaboração do conteúdo e Layout, que permite a visualização, a leitura e a proteção do arquivo no hardware. E, ainda, o “conteúdo”, formado pelo conjunto de textos utilizados, sejam eles originários de livros impressos ou diretamente criados em meio digital, acrescidos ou não de recursos hipertextuais ou multimidiáticos. Fica evidenciado que o ebook em muito difere do livro impresso, mas que nesta transição, em termos de mídia, o que muda é o suporte e “ao invés do conteúdo da obra ser recepcionado pelo leitor nas páginas de papel ele o será em telas” (MELLO JUNIOR, 2006, p. 17) As necessidades metafóricas de similaridade ao suporte impresso chamaram a atenção da indústria eletrônica, que desenvolveu hardwares específicos para a leitura de ebooks. Surgiram então os leitores para os livros em suporte digital, os ebook readers, que ficaram conhecidos como ebooks. Estes equipamentos simulam o folhear dos livros e possibilitam acesso aos recursos hipermidiáticos disponíveis nos arquivos, mas constituem-se em mini e-bibliotecas, já que comportam vários arquivos digitais (BRYAN at al, 2003). Há indícios de que a controvérsia sobre o que era ou não um ebook ficou estabelecida sobre a consideração de que o arquivo digital não poderia ser acessado sem um leitor, ao mesmo tempo em que um leitor para o livro digital pode ser lido em computadores, desktops, laptops, smartphones, i-pads, i-pods e, claro, ebook readers. Embora se compreenda que o ebook deveria corresponder ao arquivo digital juntamente com o leitor para este arquivo, convencionou-se tratar tanto o livro digital quanto o seu leitor por ebook. Neste trabalho, assim como foi originalmente concebido, o termo ebook ou livro eletrônico será utilizado para designar a arquivo digital referente ao livro, seja ele produzido em versão totalmente digital ou anteriormente impressa, como preconiza Gama Ramirez (2006): O livro eletrônico se refere a uma publicação digital não periódica, quer dizer, que se completa em um único volume ou em um número predeterminado de volumes e que pode conter textos, gráficos, imagens estáticas e em movimento, assim como sons. Também se nota que é uma obra expressa em várias mídias (multimídia: textos, sons e imagens) armazenadas em um sistema de computação. Em suma, o livro eletrônico se explica como uma coleção estruturada de bits que pode ser transportada e visualizada em diferentes dispositivos de computação (GAMA RAMÍREZ, 2006, p. 12 apud. VELASCO e ODDONE, 2007, p. 3). A definição do ebook não se assemelha a definição do livro anteriormente apresentada, mas na trajetória do livro como suporte da escrita e, principalmente, do conhecimento, o ebook apresenta-se também como uma variação do suporte do livro impresso, que hoje utiliza também suportes variados como, o áudio, o braile e o digital e não necessariamente como seu substituto. O Artigo 2º da Lei Nacional do Livro equipara vários formatos de arquivo ao livro, dentre eles os livros em meio digital (BRASIL, 2003, p. 2). O ebook não se apresenta necessariamente como um concorrente do livro. Apesar de ser equiparado ao livro impresso, o livro eletrônico surge como uma possibilidade de maior aproximação da cultura livresca com a sociedade do conhecimento, onde as necessidades de acesso rápido à informação e de interação com o conteúdo se fazem cada vez mais prementes. Prova disto é que, após o surgimento do Projeto Gutenberg e com a consolidação da Internet, outros bancos de dados, organizações editoriais e bibliotecas digitais passaram a disponibilizar livros em formato digital numa ampla variação, como aponta Schell (in POLANKA, 2011): Today, ebooks are sold in a wide variety of formats, genres, interfaces, and pricing models, the ebooks now available include popular reading, scholarly monographs, monographic series, reference works, downloadable audiobooks, collections based upon scholarly bibliographies such as EEBO (Early English Books Online), and free classic texts that are out of copyright such as those in Project Gutenberg (SCHELL in POLANKA, 2011, p. 76)1. Embora a variação de formato, gêneros e interfaces possa chegar à casa dos milhões, o número de sites, bibliotecas, editoras e livrarias digitais que disponibilizem os ebooks também não pára de crescer. Organizações como Google Books, Scribd e Amazon Books destacam-se neste contexto. O desenvolvimento das bases de dados que oferecem ebooks, foi seguida de perto pela evolução do ebook como formato digital, que evoluiu de mera cópia digitalizada de livros impressos à um complexo digital 1 Hoje, ebooks são vendidos em uma ampla variedade de formatos, gêneros, interfaces e modelos de precificação, os ebooks disponíveis agora incluem a leitura popular, monografias acadêmicas, série monográfica, obras de referência, livros de áudio para download, coleções baseadas em bibliografias acadêmicas, tais como EEBO (Early English Books Online), e textos clássicos livres que estão fora de copyright, como os no Projeto Gutenberg. multimídia que alinha texto, imagem, vídeo e áudio num sistema hipertextual aberto, possibilitando ao leitor o acesso imediato à referências e ilustrações externas. Assim, os livros em meio digital ou eletrônico passam a ocupar cada vez mais espaço tanto na cultura digital quanto na cultura livresca, denotando a importância do conhecimento de suas características e benefícios como mídia no contexto digital. O ebook apresenta-se como uma versão digital do livro impresso, mas seus atributos hipermidiáticos representam uma tendência bem diferenciada na maneira de ler. Ao mesmo tempo em que o livro possui atributos únicos que o diferenciam de qualquer outro objeto e o caracterizam como uma mídia do conhecimento, o ebook traz um conjunto de atributos que podem tanto diferenciá-lo do livro quanto complementar a versão impressa. Um dos principais indícios de que um arquivo digital refere-se a um ebook é o fato de o mesmo possuir um antecessor correspondente em formato impresso. Mas o ebook pode ser totalmente produzido em formato digital e precisa ser caracterizado como tal. Surge então o desafio, como identificar um ebook? O ebook pode ser visto basicamente como um arquivo eletrônico, um composto de bits e bytes que a partir de uma interface gráfica expressam um dado conteúdo. Como tal, não permite o manuseio tátil, o abrir, o folhear e o fechar. Não é possível guardá-lo numa estante, a menos que esteja armazenado em uma mídia, como CD ou DVD. Esta forma de arquivo não possui cheiro e nem risco de perecibilidade física. De fato, existe o risco de perecibilidade informacional, relacionada especificamente a obsolescência dos aplicativos – softwares – utilizados para sua leitura. Apesar disto, o ebook possibilita maior rapidez de acesso às páginas e ao conteúdo, a partir de links internos. Outra questão de relevância é a facilidade de acesso virtual a própria obra, que pode ser acessada diretamente da base de dados em que se encontra armazenada de forma rápida e com baixo custo ou até gratuitamente. A facilidade de transporte torna-se uma característica interessante, já que devido ao tamanho dos arquivos, uma quantidade significativa de livros em formato digital - em alguns casos o equivalente a uma biblioteca – pode ser facilmente armazenada em CDs, pen drives, aparelhos celulares ou mesmo enviadas através de email. O manuseio destas obras depende apenas do acesso aos equipamentos de leitura, hoje amplamente difundidos e que também permitem seu armazenamento. Há também que se considerar a questão da interação possibilitada pelos ebooks. A facilidade em pesquisar tópicos ou assuntos dentro do contexto e do conteúdo da obra pode ser entendida como uma de suas principais vantagens. Apesar de não possibilitar o manuseio tátil, as obras em formato digital permitem a pesquisa de informações e a mineração de dados, através de mecanismos de busca disponíveis em seus aplicativos de leitura. Permitem também o acesso online às referências a partir dos links externos. Algumas configurações de ebooks permitem a ilustração e documentação com a inclusão de imagem, áudio e vídeo, seja com acesso interno ou externo, o que o configura como um complexo digital multimídia capaz de trabalhar diversos aspectos da percepção sensorial humana. Ao considerar a variação tecnológica e estética que podem compor um ebook, Pastore (2010) diz que “ebooks may be as simple as a plain text file; or more like paper books when “design” is added; or something altogether different when they are infused with sound or video” (PASTORE, 2010, p. 17)2. Este conjunto de diferentes recursos estruturais que pode lhe ser adicionado faz do livro eletrônico um arquivo mais complexo em sua identificação. Pode-se facilmente identificar um livro impresso, mesmo fechado, a partir de seu formato e de seus outros elementos externos. Esta facilidade não se apresenta no caso de arquivos digitais que, a princípio, só podem ser identificados a partir de sua origem, de sua descrição e/ou de sua extensão. A origem ou fonte de armazenamento de um arquivo pode ser uma biblioteca digital, uma livraria virtual ou uma base de dados livre e mesmo assim, outros arquivos poderão estar sendo igualmente disponibilizados nestas bases. Esta descrição do arquivo digital, chamada de metadados, constitui um pré-requisito fundamental para que se possa ter um conhecimento inicial da obra. Neste caso, o conjunto de metadados corresponde a primeira comunicação de um ebook em um dado servidor. A descrição do arquivo, por vezes facilita sua identificação e a verificação do interesse do leitor. Os metadados apresentam informações como autor, título, data de publicação e editora, bem como dados sobre o conteúdo e como acessá-lo. Muitas vezes a descrição traz o termo “ebook” identificando prontamente ao que se refere o objeto digital. O título é também uma informação de identificação da obra com seu correspondente impresso. Mesmo assim, por vezes são encontrados na Internet arquivos com título de livros que dizem respeito especificamente a resenhas, resumos ou trabalhos escolares. Por fim, a extensão do arquivo pode ajudar a identificá-lo e também a sua forma de acesso. Embora esteja presente nos metadados, ressalta-se a questão das extensões de arquivos, visto que os padrões de arquivos têm sido objeto de profundas discussões e mudanças neste meio. Observa-se também que as propriedades de um objeto determinam suas possibilidades (BRYAN, GIBBONS e PETERS, 2003). Neste sentido, pondera-se que, mesmo antes de ser aberto, o ebook possui algumas características que o distinguem dos produtos físicos. Baseados no trabalho de Sellen e Harper (2002 apud BRYAN at al., 2003), Bryan, Gibbons e Peters determinaram atributos que consideram importantes para o ebook em seu conjunto – hardware, software e arquivo: as capacidades de estabelecer links internos e/ou externos no ebook capazes de trazer uma possibilidade de navegação rápida e as informações podem ser referenciadas a partir destes links, o que lhes atribui maior confiabilidade; As facilidades de atualização que possibilitam revisões e ampliações rápidas às novas edições dos ebooks, resolvendo a questão da rápida obsolescência da informação; As características de replicabilidade que afetam 2 Ebooks podem ser tão simples como um arquivo de texto, ou mais como os livros de papel quando o "design" lhe é adicionado, ou algo completamente diferente quando a eles são agregados recursos de som ou vídeo. diretamente o custo de produção e otimizam a qualidade em arquivos digitais, o que nem sempre acontece nos processos de impressão; A distributabilidade que, por sua vez, possibilita maior acesso por um custo reduzido ou, em alguns casos, custo zero; E, por fim, a purificabilidade ou a capacidade de levar o arquivo a sua versão original, que facilita a segurança com relação a fidelidade das informações. Estas características fazem do ebook, enquanto produto da cultura digital, uma ferramenta com muitas possibilidades e explicitam a existência de funcionalidades especificas que o ebook deve conter. A pesquisa de Bryan, Gibbons e Peters (2003) resulta no elenco de sete funcionalidades amplas que o ebook deve ter contemplado em sua elaboração. A partir de uma análise deste estudo, apresenta-se uma síntese destas funcionalidades e do que um ebook deve conter na visão destes autores: 1. Interação humana no nível físico – as pessoas interagem com o texto através da interação física com o dispositivo de leitura. Deve proporcionar a customização do conteúdo, facilidade de acesso, legibilidade, ergonomia, durabilidade, portabilidade, entre outras. 2. Leitura e compreensão do texto – trata-se de um processo cognitivo que evolui com a interação física e ajuda o leitor a compreender qual a informação ou conteúdo está contido no texto, bem como sua localização. Deve proporcionar pesquisabilidade, navegabilidade, facilidade de informação, etc. 3. Texto digital mais rico do que o livro impresso – aborda a existência e utilização de ferramentas de melhoria dos ebooks, bem como as formas de publicação da comunicação humana. Deve possibilitar a inclusão de multimídia, leitura eletrônica em áudio do texto, links de referência, recomendações personalizadas para leitura posterior, inclusão de formas de interação e auxilio as atividades de manipulação da obra pelo leitor, conexão à comunidades virtuais e chats em torno do assunto. 4. Texto colocado em contextos variados – diz respeito a maneira como um texto específico se relaciona com os outros, considerando as percepções do autor e do leitor, fornecendo informações contextuais e estabelecendo links entre o ebook e outros conteúdos eletrônicos. 5. Possibilidade de possuir, modificar e ampliar o texto – para os leitores da “era digital” não basta ler, é preciso ter a possibilidade de navegar, marcar, coletar, adicionar conteúdo e divulgá-lo na rede. 6. Integração ao ambiente da Biblioteca – o ebook precisa ser elaborado como um documento amigável ao ambiente das bibliotecas, integrando-se às suas práticas e políticas de atuação, bem como satisfazendo as necessidades específicas de seus usuários. 7. Capacidades legais e contratuais – ter a capacidade de relacionamento diferenciada do livro impresso, preservando os direitos autorais e de conteúdo. Acredita-se na importância da observação da utilização do ebook no meio científico e acadêmico, uma vez que a partir desta prática poder-se-á estruturar o desenho de um livro eletrônico que atenda às necessidades particulares de seus usuários e seja reconhecido como objeto de aprendizagem crível e de qualidade. 2.3 A Percepção e a Comunicação do Ebook na Sociedade do Conhecimento Ao longo dos últimos vinte anos foram realizados estudos nas áreas de gestão do conhecimento, sistemas da informação, engenharia da computação, lingüística, semiótica e design com a finalidade de estabelecer modelos para a melhor gestão dos recursos digitais e da interação do homem com estes recursos. Dentre estes recursos está o ebook, que tem auferido significativa importância na Sociedade do Conhecimento. Verifica-se na literatura internacional, sobretudo americana, onde autores como Polanka (2011), Pastore (2010) e outros despontam com trabalhos inovadores, que as questões de usabilidade e possibilidades do livro eletrônico tem sido bastante exploradas. Destacam-se, também, trabalhos na área do design de ebooks e gerenciamento deste recurso. Neste ínterim, autores renomados, como Eco defendem a diferenciação clara e a permanência do livro tradicional frente ao ebook. Embora o livro eletrônico ou digital não seja um tema novo, a atualidade deste estudo tem se dado em função das possibilidades que representa, não apenas para os autores e editores, enquanto produtores de conhecimento, mas, sobretudo, aos leitores a partir da oportunidade de democratização deste conhecimento. A pesquisa de Mello Júnior (2006) é uma referência na abordagem do tema no Brasil e expõe a metamorfose do livro impresso ao livro digital e as dificuldades de desenvolvimento desta mídia, em função da indústria editorial. Velasco e Odoni (2007), por sua vez, buscam estabelecer formas de mensurar a utilização deste recurso no meio científico. Paulino (2009) também aborda a questão dos livros eletrônicos e seus impactos na cultura livresca tradicional. Todavia, apesar da importância e atualidade da matéria, verifica-se que ainda são poucos os estudiosos brasileiros que se debruçaram sobre a questão dos ebooks e também se pode observar que o tema é no mais das vezes, muito brevemente tratado em sites, blogs e bancos de teses e estudos científicos públicos e privados. A maior parte dos trabalhos que abordam o tema limitam-se a descrever, definir ou explorar os impactos desta mídia. Buscar-se, portanto identificar fatores que possibilitem a utilização do ebook como mídia do conhecimento detentora de qualidade e credibilidade tanto no meio cultural quanto no meio científico-acadêmico. Esta questão passa necessariamente pela consideração do ebook como objeto de aprendizagem e, deste modo, evidencia-se a necessidade de perceber as mudanças perpetradas pelas mídias digitais no comportamento humano. No final do século XX já era possível acessar informações em tempo real, com ampla conectividade e interação. Esta condição foi suficiente para que o homem desta era pudesse customizar seu aprendizado de forma autônoma. A interação do homem com os textos digitais tem alterado significativamente a percepção, a maneira de ler e até os sistemas cognitivos do homem (LÉVY, 2001). Ao mesmo tempo tem possibilitado que os leitores, antes passivos, diante da leitura impressa, interajam alterando as informações e produzindo, a partir de sua perspectiva, novos conhecimentos. Mesmo os pesquisadores que atuam nesta área tem se tornado mais habilidosos no desenvolvimento de materiais e na sistemática de suas pesquisas. Ao mesmo tempo, para verificar como comunicar os ebooks impactam sobre a percepção do homem. De outra forma, os ebooks apresentam-se como versões eletrônicas do livro impresso. Guardadas as proporções históricas, cognitivas e midiáticas, avalia-se que seu conteúdo precisa ser validado, tanto quanto o de um livro impresso. No caso dos livros impressos, muitas vezes aspectos externos são considerados como elementos avalizadores da qualidade da obra, tais como autor, editora, etc. No caso do ebook, por se tratar de um arquivo eletrônico, estes elementos não ficam evidentes à primeira vista. Ao mesmo tempo, uma ampla gama de arquivos de livros digitais tem sido criada, estabelecendo parâmetros para a indústria editorial eletrônica desenvolver novas tecnologias, tanto para a produção, quanto para a distribuição, armazenamento e leitura destes arquivos. 3 MÉTODO O método ou metodologia de pesquisa refere-se à forma como o pesquisador pode buscar as informações que necessita e desenvolver os estudos em busca do conhecimento objetivado na pesquisa. O método representa, então, o conjunto de orientações gerais para a investigação que estabelece os padrões para coleta e análise de dados (CRESWELL, 2007). Para este estudo foi considerado o método de estudo de caso como a forma ideal de aprofundamento investigativo e obtenção de informações. Esta metodologia ainda possibilita a triangulação dos dados, onde o pesquisador pode explorar diferentes perspectivas e propor novos testes e hipóteses (DENZIN, 1984). O método de estudo de caso pode ainda ser aplicado a um grupo de casos, o estudo de caso coletivo (STAKE, 1995), possibilitando uma abordagem comparativa na triangulação. O método utilizado foi exploratório, descritivo e interpretativo. Buscou-se contextualizar o ebook às práxis da Sociedade do Conhecimento, situando-o como mídia do conhecimento. A coleta de dados será realizada mediante revisão bibliográfica dos temas e de observação direta aos ebooks, para identificação do processo de comunicação e reconhecimento do objeto. 4 VISÃO DO EBOOK COMO MÍDIA DO CONHECIMENTO A cultura digital fez surgir não apenas organizações virtuais, mas novos papéis profissionais e novos recursos produtivos. A combinação destes elementos e a utilização da Internet como mídia de armazenagem e distribuição de produtos culturais, promove a disseminação e o amplo acesso a todos os tipos de conhecimento. Mas, se por um lado, esta cultura preconiza a acessibilidade ao conhecimento àqueles inseridos na cultura digital, por outro torna mais profundo o abismo que separa os ricos dos pobres, criando uma horda de excluídos digitais. Neste espaço surge a pirataria dos bens culturais e a divulgação abrangente de informações falsas ou de pouco valor. Castells (1999, p. 113) afirma que, “a comunicação de conhecimento em uma rede global de interação é, ao mesmo tempo, a condição para acompanhar rápido progresso dos conhecimentos e o obstáculo para o controle de sua propriedade”. Apesar facilitar o acesso ao conhecimento, a Internet dificulta a legitimação e a escolha consciente de informações confiáveis. Isso se deve, em grande parte, ao fluxo de dados de origem indiscriminada e de qualidade duvidosa que, constantemente e indistintamente, estão disponíveis na rede. Como agravante deste contexto, destaca-se a questão do valor da informação, em função dos volumes e custos de produção e o crescente papel dos produtos digitais na economia, tendo a informação, como elemento principal na produção destes produtos. Choi, Stahl & Whinston (1997, p. 88) definen que, “digital products include all goods that are already in digital format or that can be digitized”3. Os autores ainda apontam a que algumas características intrínsecas dos produtos, tais como indestrutibilidade, reprodutibilidade e a transmutabilidade; podem determinar o comportamento dos produtos digitais. A indestrutibilidade está diretamente relacionada às questões da perda de qualidade, do uso pessoal, e do modo de distribuição ou comercialização. A transmutabilidade está relacionada às questões de modificação ou customização instantânea e pode ser considerada como fundamental para a compreensão do desenvolvimento de produtos, customização e estratégias de diferenciação. A reprodutibilidade, por sua vez, está relacionada às questões mercadológicas de produção, reprodução, armazenagem e distribuição na Internet (CHOI, STAHL & WHINSTON, 1997). O ambiente digital proporciona o surgimento de produtos que dotados destas características, favorecem tanto empresas, quanto consumidores. Analisando os produtos digitais, como conhecimento e/ou mídias do conhecimento, ressalta-se que estes produtos possuem como matéria prima o próprio conhecimento ou informação aplicada e seu uso gera um volume ainda maior de informações, impactando diretamente no seu valor. Considera-se, ainda, que a velocidade da difusão na Internet tem crescido numa proporção exponencial. Esse fato decorre do desenvolvimento e da consolidação das infovias, que aliada às constantes inovações tecnológicas, promoveu a redução dos custos de produção e distribuição, 3 produtos digitais abrangem todos os bens que já estão em formato digital ou que podem ser digitalizados. sobretudo e principalmente, dos produtos digitais. Além disso, a oferta em escala global provocou a comoditização dos produtos e informações, aumentando o grau de exigência dos consumidores e acelerando o processo de obsolescência, especialmente dos produtos de origem eletrônica, digital ou informacional. Cabe ressaltar que os ebooks são produtos digitais e se constituem numa mídia com grande potencial para a transmissão do conhecimento. A rapidez na publicação de pesquisas completas e a disponibilização de dados de forma completa e atualizada tem levado diversos pesquisadores e instituições a adotarem este formato de publicação. Os equipamentos digitais, como computadores ou similares, permitem aos seus usuários a composição e a editoração de livros digitais ou ebooks para serem dispostos e distribuídos na Internet. Isso propiciou a disposição e distribuição de livros eletrônicos na Internet. Os ebooks estão disponíveis e circulam pela Internet, advindos de diferentes origens e representando gêneros diversos. O desenvolvimento do ebook tem impulsionado todo um segmento da indústria digital e eletrônica. A criação de um ambiente que possibilite o desenvolvimento de uma cultura de leitura digital traz a possibilidade de comercialização com preços baixos ou com distribuição gratuita. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A evolução das tecnologias da informação e da comunicação trouxe mudanças significativas nos modelos de informação e produção de conhecimento humanos. As formas de viver, pensar e aprender foram significativamente afetadas pela ampla gama de recursos midiáticos acessíveis à percepção do homem. As facilidades proporcionadas pela tecnocultura trazem os desafios da valoração da informação aplicada ou conhecimento, tanto em termos financeiros quanto de legitimidade ou qualidade. Neste sentido pode-se reconhecer o ebook, a partir de suas características e funcionalidades, como uma mídia adequada aos padrões da Sociedade do Conhecimento. Por outro lado, considera-se que esta mídia carece ainda de estudos, visto que, como suporte para a transmissão do conhecimento, ainda não possui um modelo ou processo de valoração específico. Finalizando este trabalho, aponta-se a importância da realização de estudos que possam possibilitar a prospecção e o aproveitamento de oportunidades do ebook, sobretudo no âmbito científico-acadêmico. REFERÊNCIAS BRASIL. Política nacional do livro: lei nº 10.753. Brasília: Presidência da República, 2003. In http://www.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2007/11/lei-10753-de-2003.pdf. BRYAN, R.; GIBBONS, S.; PETERS, T.. Draft 1.0: ebook functionality white paper. Ebook Functionality Working Group. Working Group of the American Library Association, Ebook Task Force. 21 Jan 03. In http://www.lib.rochester.edu/main/ebooks/ebookwg/white.pdf, acesso em 11/10/2009. CASTELLS, M.. A sociedade em rede. São Paulo. Paz e Terra, 1999. CHOI, S. Y; STAHL, D. O; WHINSTON, A. B. The economics of electronic commerce. Indianapolis: Macmillan Technical Publishing, 1997. CRESWELL, J. W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2007. DENZIN, N. The research act. Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall, 1984. FERRÉS, J.. Televisão e educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. FLUSSER, V.. A escrita – há futuro para a escrita? São Paulo: Annablume, 2010. LEBERT, M.. Project Gutenberg, 1971-2005. NEF (des études françaises Net) -Dossiers du NEF. Toronto: York University, October, 2005. In http://www.etudesfrancaises.net/dossiers/gutenberg_eng.htm, acesso em 02/03/2011. LEBERT, M.. Project Gutenberg, 1971-2008. NEF, University of Toronto & Project Gutenberg, May, 2008. In http://www.gutenberg.org/cache/epub/27045/pg27045.html, acesso em 02/03/2011. LÉVY. P.. A conexão planetária: o mercado, o ciberespaço, a consciência. São Paulo: Ed. 34, 2001. MCLUHAN, M.. A galáxia de Gutenberg: a formação do homem tipográfico. São Paulo: Editora Nacional, 1977. MCLUHAN, M.. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo: Cultrix, 1976. MELLO JR, J.. Do codex ao ebook: metamorfoses do livro na era da informação. Dissertação (Mestrado em Ciências da Comunicação) – Universidade de São Paulo, Escola de Comunicação e Artes, São Paulo, 2006. PASTORE, M.. 50 benefits of ebooks. Ithaca, New York: Zorba Press, 2010. PAULINO, S.. Livro tradicional x livro eletrônico: a revolução do livro ou uma ruptura definitiva? Hipertextus Revista Digital, n. 3, Jun. 2009. In www.hipertextus.net/volume3/Suzana-FerreiraPAULINO.pdf, acesso em 11/10/2009. PERASSI. R. L. S. Conhecimento, mídia e semiótica na área de mídia do conhecimento. EGC/UFSC. Florianópolis, SC: EGC/UFSC. 2010. PERASSI. R. L. S. Semiótica, estética e conhecimento. EGC/UFSC. Florianópolis, SC: EGC/UFSC. 2011. POLANKA, S.. 66% of public libraries in US offering ebooks. Blog No Shelf Required, 2010. In http://www.libraries.wright.edu/noshelfrequired/?p=1353. Acesso em 25/03/2011. POLANKA, S.. No shelf required: ebooks in libraries. Chicago: American Library Association, 2011. STAKE, R.. The art of case research. Newbury Park, CA: Sage Publications, 1995. VELASCO, J.; ODDONE, N.. O livro eletrônico na prática científica: estratégia metodológica. Anais do VIII ENANCIB – Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação – UFBA, out/2007. In http://www.enancib.ppgci.ufba.br/artigos/GT7--069.pdf, acesso em 11/10/2009. EMOÇÃO E CRIATIVIDADE APLICADAS À LINGUAGEM TELEJORNALÍSTICA Kíria Meurer Matos Telmo José Souto Maior Francisco A.P.Fialho EMOÇÃO E CRIATIVIDADE APLICADAS À LINGUAGEM TELEJORNALÍSTICA Resumo A televisão alcança 99% dos lares brasileiros. Existem muitos programas diferentes como filmes, novelas, programas culturais, desenhos animados, entrevistas e entretenimento. Neste contexto, a multiplicidade crescente de opções e artefatos à disposição dos programas conduz a uma maior demanda de comprometimento e criatividade dos profissionais e produtores executivos envolvidos, para compreender e usar as novas mídias disponíveis. Também é inegável que o telejornalismo tem se tornado, passo a passo, o principal meio de informação e de acesso às notícias para a população como um todo. O objetivo deste artigo é identificar os caminhos propostos pelas áreas da comunicação e da psicologia para estimular a criatividade no telejornalismo. Após a apresentação das raízes e de algumas peculiaridades do telejornalismo, são estudadas as emoções, incluindo a estranha vida de Phineas Gage, um caso emblemático em estudos sobre emoções, e mostrada a vinculação das emoções com o processo criativo, passando pelo conceito de pensamento divergente e da importância da criatividade em grupos. Ao longo do estudo são apresentados, objetivamente, alguns resultados de pesquisas efetuadas, os quais se apresentam como boas possibilidades para aplicação no telejornalismo. Todavia, os resultados deste trabalho também podem ser úteis para pesquisadores e profissionais de outras áreas. Palavras-Chave: Telejornalismo, Emoção, Criatividade, Pensamento Divergente, Phineas Gage. Abstract The television reaches 99% of brazilian homes. There are a lot of different programs as movies, soap operas, cultural programs, cartoons, interviews and entertainment. At this context, the growing multiplicity of options and artifacts available to programs leads to a bigger demand of commitment and creativity by professionals and executives producers involved, to comprehend and use the recent Medias available. Also is evident that the telejournalism is becoming, step-by-step, the main media of information and news access to whole population. The subject of this article is to identify the various manners proposed by communication and psychology areas in order to stimulate the creativity in the telejournalism. After present roots and peculiarities of telejournalism, was been analyzed the emotions, including the estrange life of Phineas Gage, an emblematic case in studies about emotions, and was showed the connection between emotions and creativity process, as so the concept of divergent thinking and the importance of creativity in groups. This article presents, in an objective way, some results of realized researches, which shows good opportunities of application in telejournalism. However, the results of this work also could be useful to researchers and professionals from others areas. Key-words: Telejournalism, Emotion, Creativity, Divergent Thought, Phineas Gage 1. INTRODUÇÃO A TV tem grande importância no Brasil, pois está presente em 99% dos lares (TEMER & PIMENTEL, 2009 p.177) e é o principal meio de informação da maioria das pessoas (LADEIRA, PORCELLO & VIZEU apud COUTINHO & MUSSI, 2006). Dentro da grade da programação televisiva, onde são veiculados inúmeros programas culturais, informativos, infantis e de entretenimento, escolhemos o telejornalismo, que é a prática do jornalismo aplicada à TV, por ser o principal meio de informação e de acesso às notícias para a população como um todo. Em Manssour (2003) encontramos que a “criatividade é um requisito para o trabalho jornalístico”. Pensamos, então, refletir sobre o imenso desafio enfrentado pelos profissionais desta área diante do objetivo de “ser criativo”. Embora inovar seja aparentemente uma necessidade, pensar e fazer algo novo em um telejornal implica em “riscos”. Há que se submeter o “novo” à aprovação do público uma vez que a audiência parece definir, pelo menos em grande parte, a forma e o conteúdo dos telejornais de um modo geral. O presente estudo busca contribuir com este segmento televisivo no sentido de identificar os caminhos propostos pelas áreas da comunicação e da psicologia para estimular a criatividade no telejornalismo. Começamos realizando uma pesquisa bibliográfica na Plataforma Scopus, descrita na seção 2. Na seção 3, elaboramos um breve histórico do telejornalismo no Brasil e descrevemos suas principais características e desafios. Na seção 4, tratamos dos conceitos relativos à emoção, ao pensamento divergente e à criatividade, sendo abordada a estranha vida de Phineas Gage, um caso emblemático em estudos sobre emoções. É também mostrada a vinculação das emoções com o processo criativo e alguns resultados de pesquisas efetuadas, as quais se apresentam como boas possibilidades para aplicação na área em questão. Com relação à criatividade, o enfoque dado é sobre a criatividade em grupos. Na seção 5, partiu-se para a aplicação desses conceitos no telejornalismo. 2. PESQUISA BIBLIOGRÁFICA Para a pesquisa bibliográfica, escolheu-se a Plataforma Scopus, entendendo ser ela, senão a mais abrangente, pelo menos uma das mais completas. Tabela 1 – Resultados da pesquisa em número de artigos PALAVRAS PESQUISADAS RESULTADO “telejournalism” and “creativity” Zero “television” and “creativity” 87 “journalism” and “creativity” 16 “television” and “journalism” and “creativity” 3 Fonte: Plataforma Scopus, acessada em 20de junho de 2011. Considerando todas as áreas (“All”) e utilizando os filtros de “title”, “abstract” e “keywords” (título, resumo e palavras-chave), o resultado da busca aparece na Tabela 1. Verificou-se que, mesmo sem limitar a pesquisa às áreas da comunicação e da psicologia, em todas as áreas só existem três artigos. Esses artigos se referem a: criatividade jornalística em relatórios sobre climas (BERGLEZ, 2011); foca na importância da comunicação interpessoal (MANSSOUR, 2003) e procura descrever o pensamento jornalístico dentro das modernas tradições no Brasil (MELO, 2009). Nenhum deles atende às expectativas quanto ao objetivo pretendido. 3. TELEJORNALISMO A construção do formato dos telejornais brasileiros teve início na década de 50 com a inauguração da TV Tupi, a primeira emissora de televisão do Brasil e da América do Sul, que foi ao ar como PRF-3 TV Tupi-Difusora, Canal 3, (KEHL, in SIMÕES; COSTA, 1986). Sessenta anos depois, entre as principais emissoras do país, estão Globo, Record, SBT, Band, RedeTV!, TV Cultura, TV Gazeta e MTV. Nos primórdios da televisão brasileira o que predominava era o entretenimento e os telejornais apenas preenchiam a programação. No início a narrativa televisiva de notícias sofreu fortemente a influência do rádio, da mídia impressa e do cinema. Herbert Marshall McLuhan (1911-1980), filósofo e educador canadense, dizia que “todos os meios andam aos pares, um atuando como conteúdo do outro” (apud SQUIRRA, 1990). Quanto aos primeiros profissionais do telejornalismo brasileiro, estes migraram do rádio e, em função disso, predominava, num primeiro momento, a narração radiofônica caracterizada pela impostação vocal. O texto telejornalístico seguiu, ainda, o modelo da mídia impressa, que suprimia artigos. Com o passar do tempo, os artigos foram sendo inseridos nas manchetes televisivas para evitar, como define Feijó & Kyrilos (2004), uma “narração dura”. E o telejornalismo foi conquistando, gradativamente, o seu espaço e a sua importância social. Sendo a TV “o veículo da conversa”, como definem Feijó & Kyrilos (2004) em seu estudo sobre a fala na televisão, a tendência natural foi o desenvolvimento de um tom coloquial para a veiculação da notícia. Atualmente, este ainda é um grande desafio para repórteres e apresentadores de telejornais, pois contar uma história de forma conversada não é nada instintivo. Bonner (2009) explica que “não somos treinados para isso” e afirma que as escolas de jornalismo e até mesmo as redações de jornal não ensinam esta prática. Segundo a fonoaudióloga Débora Feijó, em palestra durante o encontro dos 40 anos do Jornal Nacional, realizado no Rio de Janeiro em 2009, pesquisas feitas pela Rede Globo mostram que o público não sabe explicar muito bem por que, mas estabelece um grau maior de empatia com aqueles repórteres ou apresentadores que conseguem contar uma história como se estivessem improvisando, naturalmente, sem dar a impressão de que estão lendo. A voz é um dos mais importantes instrumentos de trabalho dos profissionais de televisão e, na opinião da fonoaudióloga Maria Lúcia Torres a expressividade do repórter é fundamental para a transmissão da notícia. Ritmo, modulação e ênfase compõem a plasticidade vocal, mas o repórter ou apresentador precisa, sobretudo, saber interpretar a notícia. Na avaliação de Torres, para alcançar um bom nível de credibilidade o jornalista deve equilibrar técnica e expressão emocional. “As palavras podem levar a notícia para qualquer telespectador, mas é a voz que expõe a interpretação e a emoção verdadeira do texto, fazendo com que a voz transmita credibilidade.” (apud FEIJÓ & KYRILOS, 2004). Uma especificidade da linguagem telejornalística é o tempo. As reportagens televisivas costumam ter, em média, entre um e dois minutos, mas este tempo varia muito, dependendo da importância jornalística do fato abordado. “O tempo é muito curto para que o telespectador consiga assimilar a informação, por isso ela precisa ser transmitida de forma simples, direta e emotiva” (SQUIRRA, 1990). De qualquer modo, diante da fugacidade característica do telejornalismo, há que se buscar um nível elevado de precisão e clareza da informação. Numa análise do telejornal como um todo, se observa a necessidade de tempo para o espectador “digerir o que é percebido”. É necessário oferecer certo “descanso” intercalado com momentos ou “pontos de tensão”. Este “tempo”, quando adequado, mantém a atenção do telespectador e geralmente depende da variedade de reportagens, além de uma boa edição (SQUIRRA, 1990). A imagem é um elemento básico da narrativa telejornalística e também influencia o tempo da reportagem. Imagens fortes costumam ocupar um espaço de tempo maior. As imagens são selecionadas pelo chamado editor de notícia, o qual deve observar e avaliar o impacto da imagem a partir de dois aspectos, a carga emotiva e a informativa. “Uma notícia com exagerada carga de emoção, visual ou auditiva, pode desequilibrar o telejornal, ou ainda provocar reações incontroláveis dos telespectadores” diz Squirra (1990). Squirra (1990) aponta a edição como um processo que deve valorizar a realidade capturada pela câmera, há que se ter um olhar criativo na edição para apresentar a reportagem de modo atraente. “(...) a melhor das edições pode não alcançar seu intento se for apresentada de forma monótona, vazia e sem criatividade”. Recursos tecnológicos de edição têm sido muito utilizados no sentido de alcançar este intuito. Sendo a imagem, por natureza, carregada de simbologia, é desafio do profissional de televisão equacionar texto e cena de modo que um elemento complemente o outro. Uma reportagem telejornalística consistente depende ainda da compreensão de que palavras também evocam imagens. Dez anos depois da primeira transmissão televisiva no Brasil os programas de telejornalismo puderam expandir sua cobertura graças ao uso do vídeo-tape um gravador de áudio e vídeo. O equipamento possibilitou a transmissão de programas pré-gravados e a realização de produções externas (SQUIRRA, 1990). Este recurso foi de fundamental importância para a concepção da linguagem telejornalística que conhecemos hoje e para a consolidação do veículo televisivo como um inequívoco meio de comunicação de massa. A expansão e abrangência desta mídia impuseram um desafio ainda maior para os telejornalistas: falar para muitos e ao mesmo tempo se fazer entender por todos. Para ilustrar tal desafio (BONNER, 2009) faz uma analogia e sugere o uso da seguinte imagem: “(...) uma mesa longa como a que o florentino Leonardo Da Vinci retratou na Última Ceia. No extremo direito da mesa estaria um pescador, aposentado, pobre, viúvo, pai de 14 filhos. Na outra ponta estaria Bartolomeu, rico, com duas filhas e duas ex-mulheres, empresário preocupado com o efeito dos juros altos na economia do país. Como oferecer informação para telespectadores tão distintos sem aborrecer um deles e garantindo a compreensão de ambos? Como falar para pessoas de formação escolar distinta, de variadas condições sócio-econômicas, de gostos e predileções diferentes, de diversas posturas religiosas e ideológicas, de orientação sexual e idades plurais ?” Talvez possamos pensar que, na tentativa de se fazer “entender” muitos jornalistas estariam produzindo textos de qualidade duvidosa. Por outro lado, parece justa a preocupação em não “elitizar” os telejornais uma vez que, sem compreensão da notícia “elitizada” o telespectador com menor grau de instrução pode migrar para programas sensacionalistas, não porque ele goste de “sangue”, mas porque não entende ou não consegue se ver em tais telejornais. O desafio de inovar na forma e no conteúdo da transmissão televisiva levou ainda a avanços tecnológicos que permitiram aos repórteres fazer as chamadas “entradas ao vivo”, ou seja, a narração instantânea da notícia no local onde ocorre o fato. Neste contexto, atributos como uma boa memória e autocontrole emocional são fundamentais para um bom desempenho do jornalista. Alice Maria, jornalista e diretora do Canal GloboNews, da Rede Globo, em prefácio do livro “Fonoaudiologia e Telejornalismo” (FEIJÓ & KYRILLOS, 2004) afirma que “ É preciso ter credibilidade para fazer televisão, beleza não é fundamental, o que é preciso é ser forte, ter carisma, ter alma. No jornalismo, alma e muita informação”. 4. EMOÇÃO E CRIATIVIDADE Esta seção está dividida em três partes: emoção, pensamento divergente e criatividade. 4.1 EMOÇÃO Em que pese a dificuldade na definição de emoção, propomos aqui a seguinte condição: peça para alguém para definir o que seja uma “coisa fofa”. Na maioria dos casos a pessoa, ao mesmo tempo em que expressa palavras como “algo macio”, alguma coisa “oca”, procura fazer gestos com as duas mãos abertas, dedos curvos, aproximando-as e separando-as. Da mesma forma, peça para alguém definir “emoção”. Ouviremos palavras várias, tais como comoção, abalo moral, estado mental, perturbação, sentimento, surpresa, algo subjetivo. Buscando a etimologia, encontramos que a palavra emoção vem do latim emovere, (ex significando fora e movere movimento). Seria algo que se move de fora para dentro de nós. Quando dizemos que “estamos emocionados” significaria que algo fora de nós se moveu para dentro de nós e que nos afetou. Cabe observar que movere também está na origem da palavra motivação, que, em outras palavras, significa o impulso interno que nos leva à ação. Percebeu-se a inexistência de uma teoria universal ou aceita para as emoções. Foram encontradas várias concepções, propostas ou idéias de diversos autores, dos quais destacamos aqueles que consideramos que poderiam ser aplicáveis para atender ao objetivo deste estudo. Charles Darwin (1809-1882) em seu livro “The Expression of the Emotions in Man and Animals” (A Expressão das Emoções nos Homens e nos Animais), publicado em 1872, se perguntava como os nativos expressavam emoções como espanto, vergonha, dor, alegria, medo, dissimulação e mau-humor, entre outras. Para Darwin, apenas o homem expressa suas emoções também com os músculos da face. (apud FIALHO, 2011) Em 1954 Paul Ekman começou a estudar emoções e expressões faciais, tema de sua tese de 1955. Após comparar a maneira como as pessoas expressam suas emoções em vários países de todos os continentes, sua descoberta mais importante é que as expressões faciais são universais. Fialho (2011, p.284), no entanto, observa que as conclusões de Ekman, embora largamente aceitas, deixam questões a serem respondidas, tais como: quais expressões pertencem à lista universal; quanto de contexto cultural é necessário para interpretá-las e quão reflexivamente elas estão ligadas a cada emoção. Damásio (1996, p.160), delineia seu ponto de vista sobre emoções começando com uma perspectiva de história individual, observando as diferenças entre as emoções que experienciamos na infância e as emoções que experienciamos como adultos, “cujos andaimes foram gradualmente construídos sobre as fundações daquelas emoções iniciais”. E conclui (p.168) que “a emoção é a combinação de um processo avaliatório mental, simples ou complexo, com respostas dispositivas a esse processo, em sua maioria dirigidas ao corpo propriamente dito, resultando num estado emocional do corpo, mas também dirigidas ao próprio cérebro, resultando em alterações mentais adicionais”. Para Sherer (apud FIALHO, 2011, p.293), a emoção é considerada como “uma função de avaliação contínua dos estímulos internos e externos em função da importância que eles se revestem para o organismo e da reação que eles provocam necessariamente”. Em Fialho (2011, p.63), temos: “Maturana sustenta que por trás de todo o comportamento estaria um emocionar” e (p.286) “Piaget diz que não há emoção sem cognição, nem cognição sem emoção, são duas faces de uma mesma moeda”. De Masi (2007, p.19) tratando da fenomenologia do criativo, destaca a importância da emoção dizendo que “as habilidades intelectuais e a preparação rigorosa dos indivíduos são exaltadas por um forte envolvimento emotivo e, quase sempre, por uma admirável correção profissional, além de um forte senso de união por pertencer ao mesmo grupo”. Com relação à influência da emoção em nossa memória, Fialho (2011) é bastante incisivo: “Para que algum conhecimento seja armazenado na MLT (Memória de Longo Termo), é necessário que alguma emoção esteja associada a esse tipo de conhecimento” 4.1.1 A estranha vida de Phineas P. Gage (1823-1861) Resumindo os acontecimentos relatados por Damásio (1996), encontramos o capataz da construção civil Phineas Gage aos 25 anos de idade, tendo sob sua responsabilidade um grande número de homens para assentar os trilhos de uma estrada de ferro. O ano é 1848. Na detonação de rochas, o serviço é metódico e exige tanto destreza como concentração. Gage já abriu o buraco na rocha, que deve ser cheio até a metade com pólvora, adicionado o rastilho e a pólvora é coberta com areia, a qual é calcada com uma barra de ferro mediante uma cuidadosa seqüência de pancadas. São 16h30m. Gage acabou de colocar a pólvora e o rastilho e disse ao homem que o estava ajudando para colocar a areia. Alguém atrás dele o chama e, por um breve instante, Gage olha para trás, por cima do ombro direito. Distraído, e antes de o seu ajudante introduzir a areia, Gage começa a calcar a pólvora diretamente com a barra de ferro. Num átimo, provoca uma faísca na rocha, ouve-se uma explosão muito forte e a carga explosiva rebenta diretamente no rosto de Gage. O ferro entra pela face esquerda, trespassa a base do crânio, atravessa a parte anterior do cérebro e sai em alta velocidade pelo topo da cabeça. Cai a mais de trinta metros de distância. Phineas Gage cai no chão, atordoado, silencioso, mas consciente. É colocado em um carro de bois e viaja sentado por cerca de um quilômetro. Uma hora após a explosão é atendido Figura 1: À esquerda: foto do crânio de Gage tirada no museu da Harvard Medical School, em Boston. À direita: reconstrução do seu cérebro com o uso de modernas tecnologias de visualização. Fonte: Damásio (1996) pelo Dr. Williams. O próprio Gage relatou ao médico os acontecimentos de forma perfeitamente racional. Bigelow (apud DAMÁSIO, 1996) descreveu que o ferro que atravessou o crânio pesava cerca de seis quilos, media cerca de um metro de comprimento e tinha aproximadamente três centímetros de diâmetro. “A extremidade que penetrou primeiro era pontiaguda; o bico mede 21 centímetros de comprimento, tendo a sua ponta meio centímetro de diâmetro, são essas as circunstâncias às quais o doente deve provavelmente a sua vida”. Na figura 1, pode-se observar uma fotografia do crânio de Gage tirada por Albert Galaburda, neurologista da Harvard Medical School, bem como a reconstrução em três dimensões do cérebro de Gage e do seu ferro de calcar, Sobreviver à explosão, falar, caminhar e permanecer coerente imediatamente após o acidente é surpreendente. Mais ainda ser dado como são em menos de dois meses. O espanto maior foi a extraordinária modificação da personalidade de Gage. “O corpo pode estar vivo e são, mas tem um novo espírito a animá-lo”, conforme relato do Dr. Harlow 20 anos depois, o médico que acompanhou Gage nos primeiros anos após o acidente. Gage podia tocar, ouvir, sentir e nem os membros nem a língua estavam paralisados. Perdeu a visão do olho esquerdo, mas a do direito estava perfeita. Caminhava firmemente, utilizava as mãos com destreza, sem dificuldade na fala ou na linguagem. Mostrava-se agora caprichoso, irreverente, manifestando pouca deferência para com os colegas, impaciente e vacilante, fazendo muitos planos para o futuro, abandonados no instante seguinte. Seus amigos observavam entristecidos que “Gage já não era Gage”. Foi dispensado da estrada de ferro pela brusca mudança de caráter e indisciplina, e assim continuou, de emprego em emprego, até o fim, em 21 de maio de 1861, aos 38 anos de idade. Damásio (1996, p.31) faz a pergunta e a responde: Por que essa triste história merece ser contada? “(...) O exemplo de Gage indicou que algo no cérebro estava envolvido especialmente em propriedades humanas únicas e que entre elas se encontra a capacidade de antecipar o futuro e de elaborar planos de acordo com essa antecipação no contexto de um ambiente social complexo” e, conforme Oliver Sacks (apud DAMÁSIO, 1996) abriu “as portas para a investigação de um campo quase inexplorado pela ciência: as relações entre razão e sentimento, emoções e comportamento social”. “(...) Em suma, uma pessoa incapaz de sentir pode até ter o conhecimento racional de alguma coisa, mas será incapaz de tomar decisões com base nessa racionalidade”. É um caso emblemático para estudos sobre emoções. 4.2 PENSAMENTO DIVERGENTE Vamos imaginar a seguinte situação: um indivíduo está diante de dois problemas. Em um deles busca o resultado da soma de vários números. No outro, precisa saber quais os usos de uma folha de papel tamanho A-4. Para resolver o primeiro, ele sabe que deverá somar todos os números e sabe também que existe somente uma única solução. No outro, deverá usar a sua imaginação e realizar uma série de associações, respondendo, por exemplo, fazer uma série de objetos através da técnica japonesa do origami. Mesmo que apresente um número enorme de usos para a folha de papel, sabe ele que outros usos podem ser acrescidos em sua lista por indivíduos que tenham outras visões e perspectivas. J. P. Guilford (1897-1987) concebeu, no final dos anos 40, a distinção que ocorre no ser humano quando ele elabora a solução de problemas. Ele percebeu duas formas de pensar, as quais denominou de “pensamento convergente” ou objetivo e “pensamento divergente”. Em síntese, o pensamento convergente tem uma direção, um objetivo. É preciso. Ou está certo ou está errado. E o pensamento divergente não tem limitações. “Uma característica das representações divergentes é sua brevidade (sua duração média é da ordem de 10 segundos), e o fato de que imagens visuais desempenham aí um papel importante”. (FIALHO, 2011, p.289) Klinger (1978) cita um objetivo não atingido, mas não abandonado e Fialho (2011, p.290), por sua vez, fala de “(...) incubação, durante a qual um trabalho de pensamento inconsciente estaria em obra. Mesmo quando pensamos em outra coisa, nossa mente não para de varrer o Banco de Conhecimentos que possuímos, em busca de uma solução”. May (1975, p.63) cita a experiência vivida pelo matemático francês Jules Henri Poincaré (1854-1912) alguns meses depois de ter estabelecido a existência de uma classe de funções fuchsianas: “Estava entrando num ônibus (...). Quando ia por o pé no degrau – acentua o momento exato – sua mente foi tomada de assalto pela explicação de como as funções matemáticas que tinha descoberto se relacionavam com a matemática convencional”. No Brasil, em termos de educação, observamos que tem sido um processo que costuma ficar concentrado em atividades que desenvolvem cada vez mais o pensamento objetivo. Estamos em constante estado de aprendizagem em busca da solução correta, única, verdadeira para os problemas que se nos apresentam. Quando alguém propõe uma nova resposta, normalmente considerada errada, é visto como rebelde, confuso e que não aprendeu direito o que foi ensinado. 4.3 CRIATIVIDADE Criatividade para muitos seria uma habilidade inata. Para Mozart (1756-1791) (apud CASQUEIRA 2007 p.42) “A criatividade é o disparo da alma”. E um exemplo deste disparo é a história de uma das mais belas composições de Frederic François Chopin(1810-1849): Em um dia chuvoso, Chopin chega em casa e escuta uma goteira na casa. Qualquer um procuraria sanar “o problema”, pois afinal está entrando água dentro de casa... mas não Chopin, que imediatamente se dirige ao piano e compõe uma obra a qual apresenta, ao fundo, uma nota constante reproduzindo pingos de chuva. Criar está associado com tirar do nada, gerar, imaginar. Instiga ser algo novo e original. De Masi (2007, p.13): “enquanto sabemos como se produzem os bens materiais e, portanto, como podemos reproduzi-los a nosso gosto, sabemos muito menos como se produzem as idéias, os símbolos e as informações”. E acrescenta: “(...) mas por enquanto as razões e as formas de criatividade permanecem em grande parte misteriosas”. 4.3.1 Criatividade individual Destacamos apenas um aspecto em De Masi (2005, p.153), onde ele diz que o ato criativo necessita de instrumentos e de técnicas com as quais se podem transformar fantasias em obras concretas. Exemplo: um compositor deve poder tocar ao piano a música que ele está inventando. Agora, se ele não está familiarizado com as técnicas de execução ao piano, a sua mente se distrairá na escolha das teclas certas e ele vai se distanciar da composição. Para que o conteúdo criativo possa fluir com liberdade, é necessário que ele saiba tocar de olhos fechados. Ou seja, “Só quando tiver as técnicas de que a sua arte precisa completamente introjetadas, o criativo terá a mente desimpedida e poderá calcá-la no cimento da invenção”. 4.3.2 Criatividade em grupos De Masi (2005, p.136) comenta que “surpreende a circunstância de que quase não existam estudos sobre criatividade coletiva” e também “que a criatividade individual tenha sido estudada, sobretudo sob o perfil psicológico e psicanalítico; que até para explicar a criatividade de grupo se tenha recorrido mais ao inconsciente do que à sociologia”. Do exame de 13 grupos criativos históricos, objeto de seu livro A emoção e a regra: os grupos criativos na Europa de 1850 a 1950, Domenico De Masi (2007) apresenta como resultados: “a freqüente convivência pacífica, na mesma equipe, (...); procura obstinada de um ambiente físico acolhedor, bonito, digno, funcional;(...); a interdisciplinaridade e a forte complementaridade e afinidade cultural de todos os membros;(...) objetivo comum” e observa que “o que se destaca acima de qualquer outro aspecto é a proeminência do líder-fundador, capaz de uma dedicação quase heróica para com o objetivo; excepcionalmente eficaz na criação de um set psicossocial, um clima, um fervor fora do comum; (...)”. Destaca, também, ser o líder “carismático e competente acima de qualquer expectativa; (...) atento em alimentar a memória e a história do grupo (...)”. Aquilo que De Masi (2007) chamou de “criação de um set psicossocial, um clima, um fervor fora do comum”, Hill (2005) chama de “Master Mind”, “a aliança amistosa, num espírito de harmonia, entre duas ou mais mentes”. Declara Hill “que de toda aliança mental, seja ou não num espírito de harmonia, nasce uma outra mente, que afeta todos os participantes da aliança em questão (...) mas acontece também que nem sempre dessa união resulta a criação de um “Master Mind”. O “Master Mind” ocorre como nas reações químicas, nas quais da combinação de dois ou mais elementos surge uma nova substância pela lei das afinidades. O “Master Mind” permanecerá disponível enquanto existir essa aliança amigável e harmoniosa criada pelo líder do grupo. Quando um instrumento inovador entra em uma empresa surgem, naturalmente, conseqüências e muito provavelmente um grande problema. O instrumento, segundo De Masi (2005), “subtrai aos trabalhadores uma parte de esforço físico e intelectual, assume as suas tarefas repetitivas (...), deixa à disposição deles apenas as tarefas mais ricas em conteúdo intelectual, não-processáveis, ligadas à inventividade de quem os desenvolve”. O grande problema, passível de ocorrer, é se esses “trabalhadores (...) estariam prontos para essas tarefas mais criativas e se a sua fertilidade intelectual não fosse com muita freqüência castrada por uma organização “industrial” (...), que ainda lhes impinge regras feitas há 100 anos”. De Masi (2005, p.135) falando de casos problemáticos com que se deparou, afirma: “as empresas se mostravam impotentes para resolver as situações, não tanto porque faltassem idéias imaginativas, mas porque as propostas, (...), acabavam ficando no papel”. De Masi (2005, p.156), ao tratar da produção de criatividade nas organizações, observa que não é “obrigar as pessoas concretas a serem mais imaginativas, ou as pessoas imaginativas a serem mais concretas” mas é, sim, “formar misturas equilibradas de pessoas imaginativas e de pessoas concretas, cada uma delas coerente consigo mesma e fiel à própria vocação natural”. Normalmente, um grupo empresarial tende a selecionar, de início, “apenas pessoas muito concretas, com os pés muito plantados no chão, arriscando-se a cair numa atmosfera burocrática onde nunca se dá asas à imaginação”. Diz De Masi que “(...) “não basta colocar lado a lado mecanicamente pessoas imaginativas com pessoas concretas, nem é bastante fornecer-lhes um suporte tecnológico adequado”. Ele, com ênfase, diz que “é preciso criar um clima de tolerância recíproca, estima e colaboração; reforçar esse clima, dando-lhe a certeza de uma missão compartilhada; torná-lo incandescente, graças a uma liderança carismática, capaz de derrubar as barreiras que bloqueiam a criatividade da equipe”. Andrew Carnegie (1835-1919), empresário que construiu e doou o Carnegie Hall à cidade de Nova York, ao ser perguntado sobre como tinha adquirido a sua fortuna, respondeu dizendo que “aqui na nossa empresa temos um “Master Mind” formado com mais de vinte homens, que constitui o meu pessoal, isto é, diretores, gerentes, contadores, químicos e outras pessoas especializadas”. Continuou, dizendo “Pessoa alguma dentre as que compõem o grupo possui, em particular, esta mente a que acabo de me referir, mas a soma desses espíritos, coordenadas num espírito de harmoniosa cooperação, constitui a força que realizou a minha fortuna”. E concluiu: “Nesse grupo não há duas mentes iguais, mas cada componente desempenha a sua parte, e melhor do que ninguém, no mundo”. (HILL, 2005, p.98) Concluindo o item : a emoção é o elemento crítico para que o pensamento divergente gere “criatividade”. O clima incandescente de De Masi, que é o “Master Mind” de Carnegie e Hill, propicia o surgimento das emoções necessárias para a forja da criatividade em grupos. 5. CRIATIVIDADE E TELEJORNALISMO Do item 4.3.1 destacamos, como fundamental, que o profissional esteja muito familiarizado com todas as técnicas do seu ofício, pois, “Só quando tiver as técnicas de que a sua arte precisa completamente introjetadas, o criativo terá a mente desimpedida e poderá calcá-la no cimento da invenção”. Isto vale, igualmente, para o profissional do telejornalismo. Embora quase não existam estudos sobre a criatividade coletiva, destacamos do item 4.3.2, os resultados das observações de 13 grupos criativos históricos, os quais, a nosso ver, mostram um caminho que pode ser percorrido pelos profissionais do telejornalismo, em busca do desenvolvimento da criatividade de grupo. Ainda neste item 4.3.2, destacamos a grande importância da atenção para o preparo efetivo de todos os profissionais atingidos quando da implantação ou chegada de novos sistemas ou equipamentos na organização. Para o trabalho na equipe telejornalística, apesar de naturais e eventuais discordâncias, poderíamos lembrar Henry van Dyke (apud HILL, 2005, p.89), quando disse: “A melhor roseira não é a que tem menos espinhos, mas a que produz as rosas mais delicadas”. Cabe lembrar, igualmente, o conceito de “pensamento divergente”, que poderia indicar um caminho importante para o desenvolvimento do processo criativo no telejornalismo, uma vez que este também depende da imaginação e da capacidade de associação de idéias do narrador, no caso, o jornalista. Sem o compromisso de pensar de forma objetiva ou encontrar a “resposta certa ou errada”, o cérebro tem mais flexibilidade para fazer as associações necessárias de forma a encontrar respostas diferenciadas ou mesmo originais. Sendo o telejornalismo uma prática que envolve um grau considerável de subjetividade, uma mesma história pode ser contada das mais diversas formas. Neste aspecto, a aplicação do pensamento divergente poderia ser considerada uma alternativa para estimular a criatividade nesta área. Quando se pensa em criatividade e emoção aplicadas à reportagem televisiva, e sendo esta estruturada em forma (edição) e conteúdo (textos e imagens) há que se analisar a aplicabilidade destes conceitos de modo efetivo. Podemos destacar a atividade de campo como um momento importante para a fundamentação de um trabalho de reportagem mais criativo. Diante dos entrevistados e dos fatos que se apresentam o jornalista que chegar sem preconceitos, com o olhar aberto para o “novo” teria mais propensão a emocionar-se e envolver-se com a história. Emoção, assim, pode ser entendida, como uma ferramenta, uma forma eficiente de ser criativo, uma vez que ampliaria o envolvimento e a visão do jornalista em relação aos fatos. Em uma análise etimológica, poderíamos pensar que sendo a emoção algo que vem de fora para dentro de nós, ela está na raiz da motivação, o impulso interno que nos leva à ação. Isto posto, podemos deduzir que a preocupação das escolas de jornalismo, e até mesmo das redações, em evitar que o envolvimento emocional se dê durante a construção de uma reportagem, pode estar sendo um fator limitador da criatividade. Este estudo não visa elencar formas eficientes de estimular o pensamento divergente, mas aponta evidências da influência deste tipo de pensamento na produção jornalística. Bonner (2009) faz referência ao compromisso maior do jornalista que seria com “(...) a absoluta clareza, isenção e pluralidade de opiniões”. Destaca também a tendência da naturalidade e do improviso como elementos de humanização do telejornalista e como fator fundamental para a conquista da simpatia do público. Levando em consideração o argumento de De Masi (2007), que diz que a emoção pode “exaltar” as habilidades intelectuais e que, conforme o item 4.1.1 deste artigo, sem ela não é possível sequer tomar decisões, podemos inferir que o envolvimento emocional contribuiria, inclusive, para uma análise mais profunda e racional dos fatos – por mais paradoxal que possa parecer. Fialho (2011) reforça que a memória de longo termo, ou seja, aquela que retém informações por um longo período de tempo necessita ter emoção associada. A partir deste ponto de vista, considerando o telejornalismo uma prática de comunicação e considerando que, para Paulo Freire (1921-1997) não há comunicação sem diálogo, de um lado estaria o emissor da mensagem (jornalista) e de outro o receptor (telespectador), podemos refletir sobre a importância de estender a emoção captada pelo jornalista, no processo de produção da reportagem, até o público alvo. Em havendo uma transferência de “sentimentos”, ou um processo de “emocionar” o outro, podemos cogitar a hipótese de que a notícia permanecerá também por mais tempo, na memória não apenas de quem presenciou o fato, mas também de quem assistiu à reportagem pela televisão. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS “É inegável o papel da televisão como dinamizador cultural, formador de opinião, difusor do conhecimento e, obviamente, de entretenimento.” (SQUIRRA, 1990). Também é inegável que o telejornalismo é o principal meio de informação e de acesso às notícias para a população como um todo. Considerando estes aspectos, o presente estudo faz parte de uma pesquisa mais ampla, ainda em fase inicial, sobre alternativas que possam contribuir para tornar o telejornalismo uma prática televisiva mais atraente, mais moderna e mais criativa do ponto de vista do telespectador enquanto cidadão que se utiliza desta mídia como ferramenta para fazer valer, inclusive, os seus direitos sociais. Quanto ao objetivo de identificar caminhos propostos pelas áreas da comunicação e da psicologia para estimular a criatividade no telejornalismo, podemos concluir que, apesar da constatação de De Masi (2005, p.136) quando diz que “surpreende a circunstância de que quase não existam estudos sobre criatividade coletiva”, identificamos alguns indícios positivos de caminhos, tanto nele como em outros autores, os quais constam dos itens 4 e 5 deste artigo. Este estudo, assim, trás uma contribuição teórica quando aponta um conjunto integrado de teorias e conceitos consagrados nas áreas estudadas e também uma contribuição prática, ao reunir um arcabouço objetivo de conceitos e resultados aplicáveis ao cotidiano da linguagem telejornalística com a finalidade de estimular a criatividade neste ambiente, não deixando de levantar a possibilidade de aplicação, igualmente, em outras áreas profissionais para o desenvolvimento de grupos criativos. Este é um tema que carece de mais pesquisas e o presente estudo abre possibilidades para a identificação de lacunas e novas perguntas de pesquisa. 7. REFERÊNCIAS BERGLEZ, P. Inside, Outside and Beyond Media Logic: journalistic creativity in climate reporting. In: Media Culture & Society journal, 33 (3), p.449-465, 2011. BONNER, W. Jornal Nacional: Modo de Fazer. Rio de Janeiro: Editora Globo, 2009. CASQUEIRA, J. M. S. C. Criatividade. Trabalho de Licenciatura da Universidade de Coimbra, Portugal, 2007. KEHL, M. R. Eu vi um Brasil na TV. In: SIMÕES, Inamá F; COSTA, Alcir H. Um país no Ar: História da TV brasileira em três canais. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1986. LADEIRA; PORCELLO; VIZEU apud COUTINHO; MUSSE, 2006. In: VIZEU; PORCELLO; COUTINHO. 40 Anos de Telejornalismo em Rede Nacional. Florianópolis: Editora Insular, 2009. DAMÁSIO, A. R. O Erro de Descartes. São Paulo: Cia das Letras, 1996. DE MASI, D. Fantasia e Concretude, vol.2 de Criatividade e Grupos Criativos. Rio de Janeiro: Sextante, 2005. DE MASI, D. A Emoção e a Regra: Os grupos criativos na Europa de 1850 a 1950. Rio de Janeiro: José Olympio, 2007. ECO, U. Cinco Escritos Morais. Rio de Janeiro: Record, 1998. FEIJÓ, D.; KYRILLOS, L. Fonoaudiologia e Telejornalismo. Rio de Janeiro: Livraria e Editora REVINTER Ltda., 2004. FIALHO, F. A. P. Psicologia das Atividades Mentais: Introdução às Ciências da Cognição. Florianópolis: Editora Insular, 2011. HILL, N. A Lei do Triunfo. Rio de Janeiro: José Olympio, 2005 KLINGER, E. Modes of normal consciousness flow. In: POPE, K.S., SINGER, J.L., (Eds.) The stream of consciousness. New York: Wiley, 1978. MANSSOUR, A. B. B. Interpersonal Communication and Creativity in Journalistic Telework. In: Cyber Psychology and Behaviour, vol.6, number 1, p.41-48, 2003. MAY, R. A Coragem de Criar. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975. MELO, J. M. Journalistic Thinking: Brazil’s Modern Tradition. SAGE Publications ISSN 1464-8849, vol.10 (1):9, 2009. SQUIRRA, S. Aprender Telejornalismo: Produção e Técnica. São Paulo: Editora Brasiliense, 1990. TEMER; PIMENTEL. In: VIZEU, PORCELLO & COUTINHO. 40 Anos de Telejornalismo em Rede Nacional. Florianópolis: Editora Insular, 2009. A INCLUSÃO PRODUTIVA E AS POTENCIALIDADES ARTESANAIS REGIONAIS Ana Luisa Boavista Lustosa Cavalcanti Seila Cibele Sitta Preto Marina Keiko Nakayama Francisco A. P. Fialho Luiz Fernando Figueiredo A Inclusão Produtiva e as Potencialidades Artesanais Regionais Resumo: Este artigo apresenta uma pesquisa qualitativa realizada em um Programa de Economia Solidária de uma Prefeitura do Paraná, visando identificar mecanismos que potencializam ou fragilizam o trabalho artesanal regional proposto pela Inclusão Produtiva. A partir do paradigma interpretativo e por meio de entrevistas semiestruturadas, suas transcrições, análises e sistematização verificou-se a existência de mecanismos potencializadores para o trabalho artesanal regional, entretanto, os mesmos devem ser revistos e adequados em alguns pontos para que tenham resultados eficientes. Palavras-chaves: Artesanato; Inclusão Produtiva; Design; Economia Solidária. Abstract: This article presents a qualitative survey carried out in a program of a Solidarity Economy Hall of Parana, to identify mechanisms that boost or weaken the proposed regional craftsmanship by Productive Inclusion. From the interpretative paradigm and through semi-structured interviews, their transcripts, and systematic analysis verified the existence of mechanisms for augmenting regional craftsmanship, however, they should be reviewed and appropriate in some points for that test efficient. Key-words: Crafts; Productive Inclusion; Design; Solidarity Economy. 1.INTRODUÇÃO A realidade social do município em estudo, mesmo tendo um IDH-M1 de 0,8242 que faz do município um dos maiores do sul do país, possui altos índices de concentração de renda e de desigualdade social, refletidos em um coeficiente de Gini3 de 0,580. Estes e outros estudos demonstrados no documento “Política Municipal de Assistência Social” relatam “a situação multidimensional de vulnerabilidade social” deste município. (PML, 2010: 3-6). Nishimura (2005: 119-120) disserta sobre os grupos de geração de trabalho e renda deste município. Menciona que, em 2004, havia 19 grupos de produção artesanal, configurando 67,86% do total das áreas de produção apoiadas pelo Programa de Economia Solidária e que a concentração desses grupos se estabeleceu na periferia urbana da cidade. A autora também ressalta que, mesmo com a percepção da produção artesanal em todo o território nacional e com as ações do Programa de Economia Solidária, os grupos têm muita dificuldade de atingir uma renda mensal que possibilite viver desta produção. No entanto, tal produção se configura em um trabalho que “propicia renda, paixão, terapia, criatividade, valorização e desenvolvimento de capacidades”, merecendo, portanto, destaque em 1 Índice de Desenvolvimento Humano Municipal. Baseado nos dados dos Censos Demográficos do IBGE, realizados a cada 10 anos. É composto pelas variáveis de renda, escolaridade e longevidade (esperança de vida). Vai de 0 a 1 (quanto mais próximo do 1 melhor o desempenho), sendo considerado alto a partir de 0,8. 3 Indica nível mediano de equidade e justiça social. “Este índice analisa o desempenho de gestão e ações públicas, considerando três eixos principais: trabalho-renda, saúde e educação”. (Política..., 2010:4). 2 detrimento de um trabalho alienante e explorador, base da sociedade moderna. (NISHIMURA, 2005: 152-153). Conforme MDS (2011), “O Brasil sem Miséria” terá ações nacionais e regionais em três eixos, de acordo com a figura 1, garantia de renda, inclusão produtiva e acesso a serviços públicos. “Na cidade, qualificar a mão de obra e identificar oportunidade de geração de trabalho e renda para os mais pobres. [...]”. (MDS, 2011). A inclusão produtiva tem como objetivo estimular a geração de trabalho e renda via empreendedorismo e a economia solidária, qualificação e orientação profissional4. Figura 01 – Eixos do Brasil sem Miséria. Fonte: própria (2011), baseado em MDS (2011). Disponível em: < http://www.mds.gov.br/brasilsemmiseria>. Acesso em: 23 set 2011. A origem desta proposta está em trabalhos anteriores relacionados ao acompanhamento de pequenos grupos de produtores e de comunidades artesãs com ênfase na contribuição do design em tais grupos no município em estudo. “A proximidade com o fenômeno em estudo pode ser considerada uma vantagem [...]” (RICHARDSON, 2010:96). Observamos uma possível fragilidade nos mecanismos de identificação de potencialidades regionais por parte de projetos de assessoramento de grupos de artesãos. Por esta razão, torna-se necessária uma abordagem qualitativa junto aos atores do poder público e representante dessas comunidades para ampliar a compreensão sobre este fenômeno. Neste trabalho, definimos potencialidades artesanais a cultura produtiva artesanal que faz parte da história da região e que possui um potencial cultural a ser resgatado e desenvolvido. Os mecanismos são as ações que possibilitam o desenvolvimento da cultura 4 Disponível em: < http://www.mds.gov.br/sobreoministerio/estrutura/secretaria-de-articulacao-para-inclusaoprodutiva/secretaria-de-articulacao-para-inclusao-produtiva-saip/?searchterm=inclus%C3%A3o%20produtiva>. Acesso em: 23 set 2011. artesanal da região por meio de pesquisas que abordem origens, tradições, regionalismos e culturas formadoras. Portanto, o pressuposto por nós adotado é a existência de fragilidades nos mecanismos para identificação de potencialidades regionais com ênfase no trabalho artesanal. Para tanto, desenvolvemos este estudo no Programa de Economia Solidária que, conforme figura 2, faz parte do serviço de proteção básica da assistência social da Prefeitura da cidade e, implantado em 2005, trabalha com os princípios de cooperação, solidariedade, atividade econômica e auto-gestão. Figura 2 – Sistema que insere a Economia Solidária na cidade em estudo. Fonte: Própria (2011), baseado em Prefeitura (2011)5. O paradigma adotado nesta pesquisa é o interpretativo em que a realidade social é produto da experiência subjetiva e inter-subjetiva do indivíduo, de acordo com Morgan (1980: 608). O interpretativismo, conforme Tomazelli et al (2009), consiste em ordenar a reflexão que se faz sobre os fenômenos, considerando a vida um conjunto de comportamentos sociais onde as relações mútuas se dão de maneira consciente. Deste modo, a questão de pesquisa é: como são desenvolvidas as ações de inclusão produtiva no que se refere às potencialidades artesanais da região? 5 Disponível em: <http://www1.londrina.pr.gov.br/index.php?option=com_content&view=frontpageplus&Itemid=178>. Acesso em: 23 set 2011. Sendo assim, esta pesquisa teve como objetivo verificar se há mecanismos que possibilitem o desenvolvimento de uma cultura produtiva artesanal nas ações da Inclusão Produtiva de uma Prefeitura Municipal do Norte do Paraná no que diz respeito às potencialidades artesanais da região. 2. METODOLOGIA A metodologia da investigação científica adotada foi a entrevista que é uma técnica de coleta de dados, informações e evidências, cujo objetivo é “compreender o significado que os entrevistados atribuem a questões e situações [...]”, baseadas em conjecturas do pesquisador, de acordo com Martins e Theóphilo (2009: 88). Para Lakato e Marconi (2010: 179), “trata-se, pois, de uma conversação efetuada face a face, de maneira metódica; proporciona ao entrevistado, verbalmente, a informação necessária”. O tipo de entrevista administrada foi a semiestruturada. Em sua condução aplicamos um roteiro, entretanto com liberdade de serem acrescidas outras questões pelo entrevistador. Tal roteiro foi ancorado ao referencial que serviu de suporte teórico ao estudo, sendo este o documento: Política Municipal de Assistência Social (PML, 2010). 3. DESCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS Foram entrevistadas três pessoas que fazem parte da inclusão produtiva do município com diferentes tipos de participação, a saber: uma representante da gestão pública; uma professora colaboradora de uma Universidade local e uma artesã de um dos grupos assistidos pelo Programa de Economia Solidária da região. Esta seleção se justifica pelo fato de procuramos descrever a visão de cada um no processo da inclusão produtiva do município no que se refere às potencialidades artesanais da região e inter-relacionar tais visões como se apresenta na figura 3. Figura 3 – Inter-relacionamento entre os entrevistados. Fonte: própria (2011). Os entrevistados foram convidados a participar da pesquisa e receberam um termo de consentimento livre e esclarecido e o gravador foi usado apenas com a concordância dos mesmos. As entrevistas foram realizadas da seguinte forma: primeiro foram estabelecidos contatos por email e por telefone com a coordenadora da Inclusão Produtiva do Município. A partir da aceitação por parte da coordenação, entrou-se em contato com uma professora universitária que participa como colaboradora em um projeto de extensão universitária junto a um dos grupos assistidos pela Prefeitura. Para cada uma das entrevistas foi elaborado um roteiro diferenciado em que foi entregue e explanado ao entrevistado um resumo da proposta com explicação do objetivo do trabalho, o roteiro e o termo de consentimento livre e esclarecido. Foi consultado sobre o uso do gravador e neste ponto, das três entrevistas, duas foram gravadas. Conforme Taylor e Bogdan (1994:120-126) na relação com os informantes “é relevante percebê-los como pessoas e não como meras fontes de dados. Deve-se “manter o tema e deixar a conversação fluir”. No roteiro para a coordenação da inclusão produtiva (entrevistada 1) elaboramos cinco questões. As pesquisadoras se basearam no documento “Política Municipal de Assistência Social” (PML, 2010), buscando compreender a inclusão produtiva no município e se há mecanismos de identificação de potencialidades artesanais na região. Esta primeira entrevista ocorreu em dois momentos. Um encontro no Centro Público de Economia Solidária do município em que foi apresentada a proposta da pesquisa e seu objetivo e outro no mesmo local para a aplicação das questões. Para Richardson (2010: 216), toda “entrevista precisa de uma introdução, que consiste, essencialmente, nas devidas explicações e solicitações exigidas por qualquer diálogo respeitoso”. A entrevistada 1 foi bastante receptiva com a proposta e se interessou em saber dos resultados. Apresentou-nos o Centro Público que se localiza no centro da cidade e funciona também como local para o Comércio Justo6 dos produtos dos Núcleos de Produção7 atendidos. No roteiro para a professora universitária (entrevistada 2) fez-se três questões, entretanto na transcrição contabilizou-se 22 perguntas elaboradas no momento da entrevista, como ocorre, naturalmente, em uma entrevista semiestruturada. As questões iniciais se pautaram na descrição de sua experiência em trabalhar no acompanhamento de núcleos de produção e quais foram as dificuldades encontradas no trabalho de acompanhamento dos grupos em todo o processo de desenvolvimento do produto e sua comercialização. Ao longo da entrevista novas questões foram elencadas com foco nas potencialidades artesanais da região. Esta entrevista ocorreu na residência da entrevistada que por falta de tempo nos atendeu, gentilmente, em uma manhã de domingo. A entrevista durou cerca de 40 minutos, sendo que toda a conversação, contando com a preparação durou mais de uma hora. Na entrevista com uma das assistidas (entrevistada 3) não levamos roteiro. As questões saíram naturalmente, iniciando com uma explicação sucinta sobre o objetivo da entrevista e como a entrevistada soube do Programa de Economia Solidária (inclusão produtiva) da cidade e como se envolveu com o mesmo. A entrevistada 3 reside na periferia da cidade e nos atendeu, cordialmente, em sua residência em uma manhã de sábado das 10 às 12h30min. As questões desta entrevista, formuladas no momento, se pautaram em relatos de sua experiência desde sua entrada no Programa até o término do grupo. Tais questões tiveram 6 Comércio Justo e Solidário (CJS): é o fluxo comercial diferenciado, baseado no cumprimento de critérios de justiça e solidariedade nas relações comerciais, que resulte na participação ativa dos Empreendimentos Econômicos Solidários por meio de sua autonomia. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/scjs.asp>. Acesso em: 02 set 2011. 7 “Núcleos de produção” é a denominação dada aos grupos de geração de trabalho e renda do programa de economia solidária da cidade em estudo. uma linguagem simplificada e informal. Ressalta-se que após o término do Núcleo de produção, a entrevistada 3 deu continuidade em sua residência com mais duas pessoas a confecção e consertos de vestuário. 4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS As transcrições foram realizadas logo na semana das entrevistas e, posteriormente, ouvidas em que ajustes nos textos transcritos foram realizados. Para análise dos dados que, conforme Taylor e Bogdan (1994:155), “é um processo em contínuo progresso na investigação qualitativa”, utilizamos o modelo mental a partir de um mapeamento das palavras e expressões chave. O “modelo mental é um mapa, uma representação ou uma redução, construída mentalmente, da realidade mais complexa do “mundo exterior”. (ANDRADE et al, 2006:317). Apresentamos a seguir o mapeamento de cada entrevista sintetizado em um modelo mental das expressões chave. Tal modelo foi codificado por cores nas categorias gerais estabelecidas a partir dos primeiros códigos identificados nas transcrições, a saber: Gestão do Design (código de cor amarela); Educação continuada (código de cor magenta); Identidade Local e valor cultural (código de cor verde); e o Enfrentamento dos Problemas Socioeconômicos (código de cor azul). Figura 4 - categorização e códigos de cor. Fonte: própria (2011). 4.1 ENTREVISTA 1 – COORDENAÇÃO DA INCLUSÃO PRODUTIVA A entrevista 1 ocorreu no dia 16/08/2011, no Centro Público de Economia Solidária da cidade em estudo. A entrevistada tem a formação em Serviço Social e é gerente da Inclusão Produtiva com tempo de experiência de 05 anos na mesma. Na figura 1 apresentamos o mapeamento das expressões-chave da entrevista 1 já com a codificação por cores demonstrada na tabela 1. Figura 5 – Mapeamento das expressões chave da entrevistada 1. Fonte: própria (2011). 4.2 ENTREVISTA 2 – COLABORADORA PROFESSORA UNIVERSITÁRIA DA INCLUSÃO PRODUTIVA E No dia 14/08/2011, em sua própria residência, a entrevistada nos recebeu. A mesma possui formação em Estilismo e é especialista em Design. Sua função na Inclusão Produtiva é de supervisora dos alunos e colaboradora nos acompanhamentos em um dos grupos assistidos pelo Programa de Economia Solidária do município. Seu tempo de experiência na Inclusão Produtiva é de 2 anos. Na figura 2 apresentamos o mapeamento das expressões-chave da entrevista 2. Figura 6 - Mapeamento das expressões chave da entrevistada 2. Fonte: própria (2011). 4.3 ENTREVISTA 3 – ASSISTIDA PELA INCLUSÃO PRODUTIVA Esta entrevista realizou-se na residência da entrevistada, no dia 20/08/2011. A mesma faz parte da Inclusão Produtiva como assistida e participante de núcleo de produção de confecção de lençóis pintados, artesanalmente, com tempo de atuação de 2 anos. Na figura 3, apresentamos o mapeamento das expressões-chave da entrevista 3. Figura 7 - Mapeamento das expressões chave da entrevistada 3. Fonte: própria (2011). Na tabela 1, realizamos uma análise comparativa entre as expressões chave mapeadas e codificadas e as barreiras apontadas por Santos (2005:52-56). Tais barreiras são: a incapacidade de compreensão do sistema, a partir da falta de informações geradas pelo sistema político e comercial mundial; a vulnerabilidade social, pois normalmente vivem nas periferias e sem acesso aos serviços públicos; dificuldades de acesso à educação; as questões de gênero, nas quais as mulheres, mesmo apresentando maior facilidade de trabalho em grupo, de expressão e de participação, não tomam parte de processos decisórios; o imediatismo; a descapitalização que é a incapacidade de investimentos; problemas de infraestrutura produtiva; e desigualdade no mercado. Tabela 1 – Análise comparativa entre as expressões chave e as barreiras de uma comunidade artesã. Fonte: própria (2011). 5. DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS Com o objetivo de verificar se há mecanismos eficazes nas ações da Inclusão Produtiva em uma Prefeitura Municipal do Norte do Paraná buscamos responder como são desenvolvidas tais ações no que se refere às potencialidades artesanais da região. Consideramos a partir dos dados analisados as categorias estabelecidas (Gestão do Design; Educação Continuada; Identidade Local e Valor Cultural; Enfrentamento dos Problemas Socioeconômicos). Essas categorias gerais foram identificadas a partir de códigos primários grifados, em cada mapeamento do mapa sistêmico das transcrições, em suas respectivas cores. São apresentadas, portanto, na tabela 2, as fragilidades e potencialidades artesanais identificadas nas transcrições. Podemos perceber, tanto nos mapeamentos das expressões chave das transcrições (figuras 5, 6 e 7), assim como nas barreiras de uma comunidade artesanal apontadas por Santos (2005), que há na região um ambiente propício para o desenvolvimento desses grupos de geração de trabalho e renda em artesanato com apoio significativo tanto da Prefeitura por meio do Programa de Economia Solidária, como das Universidades locais que proporcionam capacitação técnica, conceitual e de gestão, infra-estrutura de produção e comercialização justa e assessoria continuada por meio da pesquisa e da extensão universitária. Existem ações de enfrentamento da pobreza na qual se encontram os grupos assistidos, no entanto tais ações se deparam com resistências nas fragilidades verificadas na administração e execução do planejamento pelos assistidos, no comprometimento com o empreendimento diante dos problemas socioeconômicos enfrentados por esse público. O imediatismo verificado nas transcrições e apontado por Santos (2005) é uma barreira de tais comunidades. Estas desanimam diante o escasso retorno financeiro e que resultam no não reconhecimento do empreendimento como próprio. A produtividade é outra questão verificada nos mapeamentos das transcrições que influencia diretamente na comercialização dos produtos e na competitividade dos mesmos no mercado. Os próprios assistidos ainda não conseguem visualizar o diferencial de seus produtos perante os industrializados e globalizados. Eles acreditam que precisam copiar o que há na mídia e nos grandes estabelecimentos comerciais. É preciso, por parte dos assistidos, reconhecerem no próprio trabalho o valor cultural e a identidade local. Neste sentido, foi mencionada pela entrevistada 1 uma palestra sobre resgate histórico e iconográfico que gerou uma linha de produtos com iconografias da região e sua colonização. Verificamos nesta ação um relevante mecanismo de identificação de potencialidades artesanais, entretanto, se não há continuidade de ações de reforço e acompanhamento, este mecanismo não se sustenta nos assistidos em sua produção com identidade local e valor cultural. Há também as assessorias e atendimentos psicológicos que atuam nas questões de baixa auto-estima e de conflitos internos nos grupos. Esta foi identificada como relevante ação para o funcionamento salutar dos grupos. A questão da articulação entre grupos apontada como uma dificuldade pela entrevistada 2 é percebida como uma fragilidade neste estudo por ser um dos princípios norteadores da Economia Solidária, o da Solidariedade que indica a preocupação com o desenvolvimento de outros grupos e da comunidade. Existem ações da prefeitura e da Universidade que inserem este princípio como as reuniões, encontros e feiras que fazem com que os grupos se entrosem, mas esta articulação ainda é uma grande dificuldade. Há a necessidade de, paralelamente às ações de capacitação técnica e conceitual, de uma “capacitação intelectual”. Esta nos foi compreendida por necessidade de uma educação continuada. Principalmente, a entrevistada 2, que trabalha no acompanhamento dos grupos, mencionou a dificuldade em trabalhar, às vezes, com pessoas que não sabem ler, o que dificulta sobremaneira a capacitação técnica e conceitual apontada pela entrevistada 3 com dificuldade em novos aprendizados. Entretanto, verificamos potencialidades na linguagem utilizada com os grupos e na aprendizagem situada8 identificada na maneira de ensinar da entrevistada 2 quando fala “Vai aprendendo, e aplicando, aprendendo, e aplicando...”. A Identidade Local e Valor Cultural é uma categoria que implica diretamente no pressuposto desta pesquisa já que estamos denominando aqui de potencialidades artesanais a cultura artesanal local que faz parte da história da região e que possui um potencial socioeconômico e cultural a ser resgatado e desenvolvido. Esta foi identificada em um 8 A aprendizagem é uma função da atividade, do contexto e da cultura na qual ela ocorre (i.é, ela é situada). LAVE, J., & WENGER, E., Situated Learning: Legitimate Peripheral Participation. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1991. trabalho mencionado pela entrevistada 1 sobre resgate e assessoramento de um grupo de artesãs indígenas. Acreditamos que existem outras potencialidades artesanais na região a serem resgatadas e trabalhadas, pois é uma região com fortes influências de colonizadores e miscigenações étnicas. É necessária também uma conscientização na sociedade sobre o valor cultural e social desses produtos, pois parte desta baixa auto-estima se dá nesta desvalorização dada pela sociedade do entorno da comunidade. Entretanto, o baixo custo produtivo de um produto artesanal em relação ao alto valor cultural é uma potencialidade existente, mas que precisa ser explorada, principalmente quando comparada com produtos industrializados e globalizados. São produtos exclusivos por sua originalidade, regionalidade, por serem solidários e comunitários. Em relação ao enfrentamento dos problemas socioeconômicos, a situação de pobreza fragiliza, não apenas economicamente, como de oportunidades de geração de renda. Desta forma, é visto pelos assistidos como uma fonte de renda secundária, por não visualizarem o processo por completo, baixando a auto-estima devido a demora do retorno financeiro até porque possuem um comportamento imediatista. Por outro lado, as pessoas que fazem parte desta população estão buscando a Economia Solidária como alternativa à situação de miséria em que se deparam e encontrando na prefeitura a disponibilidade para atuar neste enfrentamento Tabela 2 – Codificação das expressões e palavras chave identificadas nas transcrições. Fonte: própria (2011). 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir das entrevistas aplicadas, de suas transcrições, das análises e da sistematização dos dados, foram identificados mecanismos que potencializam e que fragilizam o trabalho artesanal regional proposto pela Inclusão Produtiva por meio do Programa de Economia Solidária pela Prefeitura na cidade do estudo. Estes mecanismos são as ações que possibilitam o desenvolvimento da cultura artesanal da região por meio de pesquisas que abordassem origens, tradições, regionalismos e culturas formadoras. Isto para a disseminação e compreensão da informação do programa de Economia Solidária que tem como objetivo o enfrentamento da pobreza oferecendo oportunidade de trabalho e renda aos participantes. As ações potencializadoras identificadas nas três entrevistas posteriormente foram codificadas e categorizadas, a saber: a gestão do design, a educação continuada, a identidade local e valor cultural e o enfrentamento dos problemas socioeconômicos. A maioria destas ações é trabalhada na Inclusão Produtiva, pelo Programa de Economia Solidária, porém necessitam de atenção e melhorias em alguns pontos para que as mesmas sejam eficientes, obtendo assim os resultados, as metas e objetivos propostos pela assessoria do grupo produtivo. A observação das ações nos grupos produtivos deve ser constante pela assessoria da Economia Solidária para que todos os participantes consigam entendê-las como estratégias para a sustentação do grupo, assim como da renda gerada pela comercialização dos produtos desenvolvidos. A conscientização e entendimento dos participantes em relação à importância da identidade local e a valorização da própria cultura é essencial, para isto deve ser trabalhada a informação em linguagem adequada. Percebe-se que nas três entrevistas foram mencionadas e evidenciadas esta questão. Portanto, uma nova formulação ou adequação de proposta deve ser realizada, pois esta ação é base para a criação de conceitos e produção dos produtos desenvolvidos. Então concluímos que, existem os mecanismos potencializadores para o trabalho artesanal regional, porém, os mesmos devem ser revistos e adequados em alguns pontos para que tenham resultados eficientes. Sistematizar as informações de modo a facilitar, posteriormente, o entendimento de todo processo ou sistema produtivo que se inicia na seleção. Desenvolver um processo de conscientização do motivo que levou o assistido a participar do Programa de Economia Solidária. É necessário também conscientizar quanto ao processo de capacitação, desenvolvimento e produção, até a comercialização do produto, e que somente após estas etapas os participantes terão concluído o ciclo para a geração de renda e sustentação do grupo produtivo através de investimentos próprios. Acreditamos que as categorias propostas poderão contribuir em implantações e sistematizações que trabalharão, por partes, todo o processo, na obtenção de diretrizes para o Programa de Economia Solidária, que aplicará posteriormente nos grupos produtivos, objetivando a autogestão. 7. BIBLIOGRAFIA ANDRADE, A.L.; SELEME, A.; RODRIGUES, L. H.; SOUTO, R. Pensamento Sistêmico: caderno de campo: o desafio da mudança sustentada nas organizações e na sociedade. Porto Alegre: Bookman, 2006. LAKATO, E.M.; MARCONI, M.A. Fundamentos de Metodologia Científica. São Paulo: Atlas, 2010. MARTINS, G. de A. & THEÓPHILO, C. R. Metodologia da Investigação Científica para Ciências Sociais Aplicadas, São Paulo: Atlas, 2009. MORGAN, G. Paradigms, Metaphors, and Puzzle Solving in Organization Theory. Administrative Science Quarterly, v. 25, 1980. NISHIMURA, S. R. Grupos de Geração de Trabalho e Renda na Construção da Economia Solidária de Londrina – PR. Londrina, 2005. Dissertação (Mestrado em Serviço Social e Política Social) – Programa de Pósgraduação em Serviço Social e Política Social. Universidade Estadual de Londrina. PREFEITURA MUNICIPAL DE LONDRINA - PML. Política Municipal de Assistência Social. Londrina, 2010. Disponível em: <http://www1.londrina.pr.gov.br/images/stories/-Poltica_Municipal.pdf>. Acesso em: 14 jul 2011. RICHARDSON, R.J. Pesquisa Social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 2010. SANTOS, G. F. dos, Negócios Sustentáveis e Desenvolvimento – Uma relação de causa e efeito, organizado por Rocha, M.T., Dorresteijn, H. & Gontijo M.J. Empreendedorismo em Negócios Sustentáveis – plano de negócios como ferramenta de desenvolvimento, São Paulo: Peirópolis; Brasília, DF: IEB – Instituto Internacional de Educação do Brasil, 2005. STAKE, R.E. Pesquisa Qualitativa: estudando como as coisas funcionam. Trad.: Carla Reis. Porto Alegre: Penso, 2011. TAYLOR, S.J. e BOGDAN, R. Introducción a los Métodos cualitativos de Investigación – La busqueda de significados, Trad. Jorge Piatigorsky, Barcelona: Ed. Paidón, 1984. TOMAZELLI J. B., SABOIA, J., BERTUOL, M., OLIVEIRA, M., As Bases Filosóficas das Publicações na Área de Marketing nos Anais do ENANPAD entre 2006 e 2008, CONVIBRA – Congresso Virtual Brasileiro de Administração, 2009. A COMPREENSÃO DE UMA COMUNIDADE DE PRÁTICA POR MEIO DO PENSAMENTO SISTÊMICO Ana Luisa Boavista Lustosa Cavalcanti Seila Cibele Sitta Preto Neri dos Santos Gregório Varvakis Rados Francisco A. P. Fialho Luiz Fernando Figueiredo RESUMO As Comunidades de Prática (COPs) são grupos de indivíduos que se envolvem em um processo coletivo e compartilham de um mesmo domínio. Este artigo visa estudar o conceito de COPs por meio do pensamento sistêmico, possibilitando a compreensão desses grupos diante a quantidade e complexidade de definições e características apresentadas nas pesquisas bibliográficas. O método sistêmico se interessa pelo todo integrado e dinâmico, as interações entre suas partes, com o intuito de estudar os fenômenos, permitindo o entendimento de uma situação. Para tanto, realizou-se uma revisão de literatura, abordando os conceitos, definições e características das COPs, os elementos cruciais para a identificação de uma COP e seu relacionamento com as comunidades de aprendizagem. Ao final, propõem-se dois mapas sistêmicos. Um sobre os Modos de Pertencimento apontados por Wenger (1998), a saber: o engajamento, o alinhamento e a imaginação. E outro mapa uma síntese do entendimento de uma Comunidade de Prática. PALAVRAS-CHAVE: Comunidades de Prática; Pertencimento; Pensamento Sistêmico. ABSTRACT The Communities of Practice (COPs) are groups of individuals who engage in a collective process and share the same domain. This article aims to study the concept of COPs through systems thinking, enabling an understanding of these groups on the number and complexity of settings and features shown in the literature searches. The systemic method is interested in the integrated whole and dynamic interactions among its parts, in order to study the phenomena, allowing the understanding of a situation. To this end, we carried out a review of literature addressing the concepts, definitions and characteristics of the COPs, the crucial elements for the identification of a COP and its relationship to learning communities. At the end, we propose two system maps. One of the ways of belonging pointed out by Wenger (1998), namely: engagement, alignment and imagination. And another map a synthesis of understanding of a Community of Practice. KEY WORDS: Communities of Practice; Belonging; Systems Thinking. 1. INTRODUÇÃO O estudo sobre Comunidade de Prática (COP) foi desenvolvido por Ettienne Wenger1 em 1991, embora o fenômeno seja muito antigo. Este autor junto a uma equipe de cientistas sociais cunhou o termo por meio de estudos sobre aprendizagem. Etienne Wenger é um líder de pensamento global no campo de comunidades de prática e social dos sistemas de aprendizagem. Ele é o autor e co-autor de livros sobre comunidades de prática, incluindo aprendizagem situada, onde o termo foi cunhado, Comunidades de Prática: aprendizado, significado e identidade, onde ele expõe uma teoria da aprendizagem baseada no conceito, Cultivando Comunidades de Prática, dirigida a profissionais em organizações que querem basear a sua estratégia de conhecimento sobre as comunidades de prática, e Habitats Digital em tecnologia para as comunidades. Etienne ajuda as 1 Este artigo visa apresentar um estudo sobre as Comunidades de Prática por meio do pensamento sistêmico. O objetivo foi desenvolver mapas sistêmicos que organizem as definições, características e as especificidades encontradas em diversas literaturas sobre as COPs, delimitando-se no ciclo de uma COP e nos modos de pertencimento. 2. COMUNIDADES DE PRÁTICA – DEFINIÇÕES E CARACTERÍSTICAS Etienne Wenger define COP como “um grupo de pessoas que compartilham um interesse ou paixão por alguma coisa que fazem e aprendem como fazê-lo melhor à medida que interagem regularmente”. Wenger e Snyder (2000) conceituaram COP como um grupo de pessoas, informalmente constituído pela troca de experiências ou paixão por um empreendimento comum. Já Lesser e Stork (2001) definem como um grupo cujos membros estão comprometidos em compartilhar o aprendizado, baseados em um interesse comum. Os principais elementos apresentados por esses autores são o compartilhamento de uma preocupação, a interação contínua do grupo e o compartilhamento de informações e experiências. (YOUNG, 2010). McDermott (1999) inclui na definição de COPs, o aspecto da virtualidade: são mais que simples grupos trabalhando à distância. São indivíduos com uma missão comum, baseado em trocas regulares e mútuas de informação. As COPs são formadas por pessoas que se envolvem em um processo de aprendizado coletivo em um domínio compartilhado do esforço humano, tais como: artistas que procuram novas formas de expressão; engenheiros trabalhando em problemas similares; alunos que definem a sua identidade na escola; cirurgiões explorando novas técnicas; novatos em alguma prática ajudando uns aos outros. Para Fialho (2010:143), as COPs “são formadas por pessoas que desenvolvem ou executam uma atividade em comum e se reúnem para debater sobre ela”, a saber: a principal ocupação dos que pertencem a essa COP; alguma atividade que ocorre em sua principal ocupação; “ou algo que fazem em suas horas livre”. No contexto da Gestão do Conhecimento, as COPs são formadas, intencional ou espontaneamente, para compartilhar e criar habilidades comuns, conhecimento e experiências entre os trabalhadores. (WENGER, 1998). Para Fialho (2010:143), as COPs “são uma inovação com potencialidade para melhorar a gestão do conhecimento nas organizações, facilitando seu processo de criação, compartilhamento e disseminação entre pessoas e grupos”. As COPs possuem características a serem legitimadas, tais como: [...] partilhamento e desenvolvimento de habilidades, conhecimentos e competências comuns e podem existir em uma divisão ou departamento em uma organização. [...]. Algumas se concentram em gerar novos conhecimentos e inovação [...] e seus membros podem ser homogêneos ou heterogêneos. (YOUNG, 2010). Para as comunidades serem consideradas de prática, elas devem possuir três elementos cruciais. Segundo Young (2010) tais elementos são: o domínio, a comunidade e a prática que organizações em todos os setores aplicar essas idéias através de consultoria, falar em público, ensino e pesquisa. Disponível em: http://translate.googleusercontent.com/translate_c?hl=ptBR&prev=/search%3Fq%3Dettiene%2Bwenger%26hl%3DptBR%26rlz%3D1T4GGHP_ptBRBR436BR436%26prmd %3Dimvnso&rurl=translate.google.com.br&sl=en&twu=1&u=http://www.ewenger.com/theory/index.ht m&usg=ALkJrhg8By9n6NF99qj4CDfkALmDneciXw>. Acesso em 24/09/2011. são representados na figura 1, demonstrando a interseção entre tais elementos para a determinação de uma COP. Figura 01 - Elementos cruciais das COPs Fonte: Própria, 2011, baseado em Young (2010). Deste modo, uma COP não é apenas uma rede de conexões entre pessoas. Ela tem uma identidade definida por um domínio compartilhado de interesse. Uma associação, por exemplo, implica um compromisso com o domínio e, portanto, uma competência partilhada que distingue os membros de outras pessoas que estão fora da comunidade. Os envolvidos valorizam a sua competência coletiva e aprendem uns com os outros. Na busca do seu interesse em seu domínio, os membros se engajam em atividades e discussões conjuntas, ajudam uns aos outros e compartilham informações. É baseada em uma relação de confiança entre os membros que encoraja interações frequentes, partilhando e desenvolvendo conhecimento comum. As COPs não são apenas uma comunidade de interesse, ou seja, de pessoas que compartilham assuntos em comum e sim, são praticantes. Eles desenvolvem um repertório compartilhado de recursos, experiências, histórias, ferramentas, formas de lidar com problemas recorrentes, em suma, é uma prática compartilhada. Isso leva tempo e interação sustentada. É a combinação destes três elementos (fig. 01) que constitui uma COP. E é através do desenvolvimento desses três elementos em paralelo, que cultiva uma comunidade. (YOUNG, 2010). 1.1.SOCIALIZAÇÃO, CONFIANÇA E LIDERANÇA DE UMA COP Para desenvolver uma comunidade de prática é necessário iniciar por meio do relacionamento social. Os integrantes desta comunidade devem construir a confiança uns aos outros, e a partir da rede existente ampliá-la a partir de reunião presencial. Não existirá compartilhamento dos interesses comuns que os levaram a comunidade de prática. Neste caso, o hábito da reunião presencial é relevante para o compartilhamento das informações e para o aprendizado entre os participantes da comunidade. É de grande relevância a confiança entre os membros para a atuação de uma comunidade de prática, obtendo a consciência dos objetivos básicos da comunidade e do seu domínio de conhecimento. (HERNANDES e FRESNEDA, 2002). As comunidades de prática devem ter líderes ou animadores que promovem interesse e motivação para o trabalho em grupo. (TREMBLAY E Rolland, 2000) Para Lévy (1998) os professores são animadores da inteligência coletiva dos grupos de estudantes ou guias para o processo de aprendizagem individual. Para que as comunidades de práticas (COPs) tenham resultados devem ser inseridos em atividades que: produzam resultados; sustentem o vigor da comunidade; compartilhem o conhecimento tácito entre os mais experientes; compartilhem histórias de sucesso. 1.2. A COLABORAÇÃO E OS POSICIONAMENTOS DOS MEMBROS DE UMA COP Henri e Ludgren (2000), afirmam que a coesão do grupo é essencial para a colaboração e aprendizado dos membros de uma comunidade. Em uma COP pode-se ter diversos tipos de posicionamentos dos seus membros e segundo Wenger (1991) e Cristoupolos (2011), esta diversidade é exemplificada “na ordem de maior centralidade para maior periferalidade”. Esta “participação dos indivíduos no grupo ocorre nas formas” organizadas na tabela 1. Tabela 1: Posicionamento dos membros em uma COP. Tipo de posicionamento Definição Grupo nuclear Pequeno grupo no qual a paixão e o engajamento energizam a comunidade. Adesão complete Membros que são reconhecidos como praticantes e definem a comunidade. Periférica Pessoas que pertencem com menos engajamento e autoridade, pelo fato de serem novatos ou porque eles não têm muito compromisso pessoal com a prática. Participação transactional Pessoas de fora da comunidade que interagem com a comunidade, ocasionalmente, para receber ou prover um serviço sem tornar-se um membro da comunidade. Acesso passive Pessoas com acesso aos artefatos produzidos pela comunidade, como suas publicações, seu Website ou suas ferramentas. Fonte: própria (2011), baseada em Wenger (1991) e Cristoupolos (2011). Lave e Wenger (1991), ainda apontam para um tipo de participação denominada „periférica legítima‟ que “fornece uma forma de se falar sobre as relações entre novatos e veteranos e também sobre atividades, identidades. [...] O conceito diz respeito ao processo pelo qual novatos se tornam membros de uma comunidade de prática” (Lave; Wenger, 1991, p.29). Todos esses tipos de posicionamento que definem a participação e o engajamento dos membros de uma COP são importantes para sua constituição e desenvolvimento. 2. AS COMUNIDADES DE APRENDIZAGEM E AS COPs Todas as comunidades de prática tem como intuito o compartilhamento de interesse em comum e, consequentemente, a aprendizagem. A COP é um ambiente ideal para a aprendizagem organizacional. (GOUVÊA, 2005:27). Wenger (1998) situa as quatro dimensões da aprendizagem, sendo elas: participação e reificação, projetado e emergente, local e global e identificação e negociabilidade. Tais dimensões são explicitadas na figura 2. Figura 02 – Quatro dimensões da aprendizagem de Wenger 1998 Fonte: Própria, 2011. 3. DESIGN E CICLO DE VIDA DE COMUNIDADES DE PRÁTICA Para que uma comunidade de prática (COP) seja projetada e sustentada deve haver a forte necessidade de partilhar interesse comum por meio de oportunidades e de conexão entre as pessoas, as quais tenham paixão, habilidades e conhecimentos a serem compartilhados. (YOUNG, 2010). Algumas questões-chave devem ser focadas na projeção de uma comunidade de prática, a saber: Qual é o contexto estratégico da COP? Qual é o conhecimento fundamental para compartilhar e criar? Quem são os potenciais participantes que se beneficiam e contribuem para a COP? Quais são as principais atividades que sustentam a COP? Onde é que os membros da comunidade interagem? Quais são os valores fundamentais para a organização e os seus participantes? 2.1. CICLO DE VIDA DAS COPS Toda comunidade de prática tem um ciclo de vida. Primeiramente, ela é preparada, depois de iniciada necessita de um tempo de incubação para focar, amadurecer e expandir, para que possa se sustentar e se renovar de forma organizada para obter compartilhamento de conhecimento em comum e seu aprendizado, deixando um legado a novos participantes e novas comunidades de prática. Wenger (1998) estuda a temporalidade das COPs, abordando suas dinâmicas que se alteram em diferentes estágios e níveis de interação. Este autor classifica em 5 etapas o ciclo de vida de uma COP e, embora sua descontinuidade seja prevista, cita o legado, a memória que a mesma estabelece, podendo criar novas COPs e possibilitando a continuidade das ideias desenvolvidas. Figura 02: Fases do ciclo de vida de uma Cop. Fonte: Adaptada de Wenger (1998). Na tabela 2, são elencados os estágios de desenvolvimento, as questões abertas possíveis em cada etapa e suas respectivas atividades típicas. Tabela 2: Ciclo de Vida de uma COP. Estágio de desenvolvimento 1. Potencial 2. Unir (em Coalisão) 3. Amadurecer (Ativa) 4. Organizar Definição Os indivíduos se encontram em situações similares, sem o benefício de compartilhar informações. (CRISTOUPOLOS, 2011). Membros se agrupam e reconhecem seu potencial. (CRISTOUPOLOS, 2011). Atividades Típicas Encontrando-se e descobrindo afinidades Explorando conectividade e negociando a comunidade. Questões base Tópicos definidos? Necessidades compartilhadas identificadas? Rede encontrada? O coordenador está pronto para liderar? O caso de ação está claro? Idéias sobre como ligar os membros? As pessoas estão se conectando, se ajudando, tendo algum sucesso? Começando a compartilhar conhecimento útil? Membros engajam-se e desenvolvem uma prática engajando-se em atividades comuns, criando artefatos, renovando interesses, comprometimento e relacionamento. (CRISTOUPOLOS, 2011). Engajando-se em atividades comuns, criando artefatos, renovando interesses, comprometimento e relacionamento. Desenvolvendo uma identidade como comunidade? Enfocando o desenvolvimento de uma prática comum? Tornandose visível? Crescendo? Membros não estão mais engajados, mas a comunidade ainda vive Mantendo contato, comunicação, participando de reuniões, solicitando Passando por ciclos de atividade? Ganhando influência? Mudando a Estágio de desenvolvimento (Dispersa) 5. Legado (Memorável) Definição como um centro de conhecimento. (CRISTOUPOLOS, 2011). A comunidade não é mais central, mas as pessoas a recordam como parte de suas identidades. (CRISTOUPOLOS, 2011). Atividades Típicas recomendações. Contando histórias, preservando artefatos, coletando memórias. Questões base liderança? Mudando a participação? Crise de meia idade? Precisa repensar a direção? Pouca atividade? Passou de sua utilidade? Ainda é um recurso? Ainda é uma fonte de inspiração e direção? Fonte: própria (2011), baseada em Wenger (1998) e Cristoupolos (2011). 4. OS MODOS DE PERTENCIMENTO EM UMA COP E O PENSAMENTO SISTÊMICO De acordo com Wenger (1998), os componentes principais de uma infra-estrutura para o design de aprendizagem requerem facilidades. Estas são divididas em três modos de pertencimento de uma COP: o engajamento, o alinhamento e a imaginação. Cada um desses modos se apresenta como um processo tríplice, a saber: uma infra-estrutura de engajamento inclui facilidades de reciprocidade, competência e continuidade; a de imaginação considera as facilidades de orientação, reflexão e exploração; e a infra-estrutura de alinhamento inclui facilidades de convergência, coordenação e de decisão coletiva. A fig.03 apresentação as infra-estruturas de facilidades apontadas por Wenger (1998) e que estão interligadas. Figura03 – Modos de pertencimento de uma COP. Fonte: Própria (2011), baseada em Wenger (1998). O engajamento é “o envolvimento ativo nos processos mútuos de negociação de significados”. São práticas comuns, relacionamentos e compartilhamentos de aprendizagem. A imaginação refere-se a criação da imagem do mundo, buscando conexões ao relacionar as conexões entre tempo e espaço. Deve-se ter cuidado com o estereótipo que provoca uma relação desconectada e ineficaz. (KIMIECK, 2002: 32-33). Cristoupolos (2011), aponta para “a formação de trajetórias e a revelação de histórias da prática”. Este modo de pertencimento inclui “facilidades de reciprocidade, competência e continuidade”. A reciprocidade se refere as facilidades interacionais (espaços físicos e virtuais, as tecnologias e comunicações), as tarefas realizadas em grupo e a localização periférica (graus de participação). A competência que inclui a iniciativa e o conhecimento (aplicação de habilidade e tomada de decisões), a responsabilidade em avaliações e decisões e as ferramentas que são os artefatos que dão suporte a competências. A continuidade que se refere a memória reificativa (repositórios de informação e mecanismos para a busca de informação) e a memória participativa (resultado de encontros e de sistemas de aprendizagem. (CRISTOUPOLOS, 2011). A imaginação é a criação de imagens do mundo e a busca de conexões entre espaço e tempo, além da experiência do grupo. Pela mesma é possível localizar-se no mundo e na história, podendo incluir novos significados, possibilidades e perspectivas de identidades. (WENGER, 1998; KIMIECK, 2002: 32-33). Neste modo, consideram-se as facilidades de orientação, reflexão e exploração. A orientação é a localização no espaço, no tempo, no poder e na nas ideias. A reflexão é tempo necessário para representações de padrões e análises comparativas. A exploração inclui a verificação e estudos de oportunidades externas e futuras. (CRISTOUPOLOS, 2011). O alinhamento é o modo de pertencimento em que a coordenação das atividades de uma COP se combine em estruturas ampliadas. (WENGER, 1998; CRISTOUPOLOS, 2011). Para Kimieck (2002: 32-33), está ligado ao poder, não o alienante, e sim aquele que possibilita uma “ação social organizada”. Para tanto, compreendem-se as facilidades de convergência, coordenação e de decisão coletiva. A convergência compreende o foco e o interesse comum, a visão, a direção, os valores, osprincípios e os entendimentos mútuos, a lealdade e a liderança. A coordenação inclui padrões, procedimentos, agenda, divisão de trabalho, discursos. As facilidades de decisão contém a comunicação, as fronteiras da COP e os feedbacks (relatórios...). (CRISTOUPOLOS, 2011). Os modos de pertencimento apontados por Wenger (1998) e estudados por Cristoupolos (2011), Kimieck (2002: 32-33), foram organizados no mapa sistêmico da figura 4. O mapa sistêmico tem como função a construção de uma estrutura sistêmica que determina “os padrões de comportamento da organização [ou comunidade] por meio da identificação das relações causais entre fatores e sobre a situação de interesse” (ANDRADE, 2006, p. 112). A utilização de mapas sistêmicos neste estudo auxiliou na compreensão de uma COP pela quantidade de informações inter-conectadas. Cada módulo do mapa sistêmico da figura 4 possui definição e inter-relacionamento com outro módulo. São as facilidades requeridas em uma COP para o design de aprendizagem. E segundo Wenger (1998), “esses modos de pertencimento determinariam [...] um design ideal de aprendizagem”. Figura 04 – Mapa sistêmico dos modos de pertencimento de uma COP. Fonte: Própria (2011), baseada em Wenger (1998). 4.1. A COMPREENSÃO DE UMA COP POR MEIO DO PENSAMENTO SISTÊMICO Pensar sistemicamente é uma nova maneira de perceber a realidade e resolver os problemas com base nessa percepção. O pensamento sistêmico busca o equilíbrio das coisas, dando maior ênfase ao todo do que a parte. (Andrade... [et al], 2006). O pensamento sistêmico esta interessado nas características essenciais do todo integrado e dinâmico, características essas que estão em absoluto nas partes, mas nos relacionamentos dinâmicos entre elas, entre elas e o todo, entre o todo e outros todos. [...] o pensamento sistêmico propõe a atenção a princípios básicos de organização e a adoção de equilíbrio entre tendências opostas, como o reducionismo e holismo, e análise e síntese. (Andrade... [et al], 2006:44). O pensamento sistêmico é uma estrutura de manifestações de processos, tornando-se um ““pensamento de processo”, que considera a natureza dinâmica da realidade”. Para Chiavenato (1993), o pensamento sistêmico é uma teoria moderna que é focada sobre a dinâmica de interação que ocorre dentro da estrutura de uma organização, enquanto a visão clássica obtém seu foco apenas na estrutura estática. De acordo com ANDRADE (2006,49) “o pensamento sistêmico tem por objetivo lidar com fenômenos e situações que requerem explicação baseada na inter-relação de múltiplas forças e fatores”. Deste modo o tem-se o método sistêmico que é o conjunto de passos que permite o entendimento de uma situação de transformação organizacional e a construção de ações sustentáveis, segundo Seleme (2006). Todavia, também é importante, na troca de conhecimento, um entendimento profundo, na organização, de como o todo se inter-relaciona com as partes. O pensamento sistêmico abrange diversos métodos, ferramentas e princípios, os quais têm como objetivo examinar a relação entre as forças interiores a um sistema e seu ambiente externo. É importante destacar que esse pensamento observa essas forças como partes de um processo integrado. (SENGE, 1995). Ludwig von Bertalanffy foi o primeiro autor a introduzir a ideia de teoria geral dos sistemas e diz que o conceito de sistema constitui um novo „paradigma‟, [...] uma „nova filosofia da natureza‟” [...] e que a teoria geral dos sistemas é uma ciência geral da totalidade, sendo então „uma investigação científica de “conjuntos” e “totalidades” [...]‟. (BERTALANFFY, 2009:14) Já para Oliveira (2002:35), sistema é um conjunto de partes interagentes e interdependentes que, conjuntamente, formam um todo unitário com determinado objetivo e efetuam determinada função. Sistema é um conjunto de partes coordenadas, formando um todo complexo ou unitário. A concepção sistêmica vê o mundo em termos de relações e integração. Os sistemas são totalidades integradas, cujas propriedades não podem ser reduzidas ás unidades menores. Em vez de se concentrar nos elementos ou substancias básicas, a abordagem sistêmica enfatiza princípios básicos de organização. (CAPRA, 2006: 260). Figura 06 – Síntese para o entendimento de uma COP. Fonte: Própria, 2011. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir do pensamento sistêmico, informações sobre as Comunidades de Prática foram organizadas, possibilitando uma visão holística de sua complexidade. Para tanto, estudou-se suas definições, características, seu ciclo de vida, os modos de pertencimento, sua relação com as comunidades de aprendizagem, a colaboração, a socialização, a liderança e a confiança entre os membros. Por fim, realizou-se uma síntese para o entendimento de uma comunidade de prática, inter-relacionando-a com a comunidade de aprendizagem, de interesse e o processo de Gestão do Conhecimento (GC), permitindo a visualização do processo de formação de uma COP. Esta pode se desenvolver em todas as etapas deste processo de GC, sendo a mais significativa a de compartilhamento. 7. REFERÊNCIAS ANDRADE, A.L.; SELEME, A.; RODRIGUES, L. H.; SOUTO, R. Pensamento Sistêmico: caderno de campo: o desafio da mudança sustentada nas organizações e na sociedade. Porto Alegre: Bookman, 2006. BERTALANFFY, L. von. Teoria Geral dos Sistemas: Fundamentos, desenvolvimento e aplicações. 5. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. CAPRA, F. O Ponto de Mutação – a ciência, a sociedade e a cultura emergente, Trad. Alvaro Cabral, São Paulo: Cultrix, 2006. CHIAVENATO, I. Introdução à teoria geral da administração. 4. ed. São Paulo: Makron Books, 1993. CHRISTOUPOLOS, T. Estado da arte em Comunidades de Prática, Conexões Científicas Estado da arte em Comunidades de Prática. Disponível em <http://weblab.tk/sites/default/files/bibliografia/conex-estadodaarte.pdf> Acesso em: 09 set 2011. FIALHO, F. A. P. Psicologia das Atividades Mentais: introdução às ciências da cognição. Florianópolis: Ed. Insular. 2011. KIMIECK, J.L. Consolidação de Comunidades de Prática: estudo de caso no PRINFO. Dissertação. Prog. de pós-graduação em Tecnologia. Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná, Curitiba, 2002. MACEDO, M. FIALHO, F. A. P., SANTOS, N., MITIDIERI, T.C. (2010). Gestão do conhecimento organizacional. Florianópolis: Ed. UFSC, 2010. OLIVEIRA, D. de P. R. Sistemas de informação gerenciais: estratégias, táticas, operacionais. 8. ed., São Paulo: Atlas, 1992. SENGE, P.A Quinta Disciplina: caderno de campo - estratégias e ferramentas para construir uma organização que aprende. Rio de Janeiro, Qualitymark Ed., 1995 WENGER, E. Communities of practice: a brief introduction. Disponível em: < http://www.ewenger.com/theory/index.htm>. Acesso em 30 set 2011. YOUNG, R. Knowledge Management Tools and Techniques Manual, Asian Productivity Organization, 2010. VISUALIZAÇÃO DO CONHECIMENTO POR MEIO DE IMAGENS André s Melgar Fabiano D. Beppler Roberto Pacheco 1. INTRODUÇÃO A divulgação e o compartilhamento de conhecimento são tarefas complexas para organizações uma vez que elas, muitas vezes, não sabem o que têm e não possuem sistemas que permitam localizar e recuperar eficientemente o conhecimento que nelas reside (Alavi e Leidner, 2001). Uma quantidade considerável de conhecimento explícito encontra-se espalhado em vários documentos dentro das organizações. Em muitos casos, a possibilidade de acessar de forma eficiente (i.e., recuperar) e reutilizar este conhecimento é limitada. Sistemas de visualização de informação podem ser usados para explorar o conhecimento existente dentro de repositórios de informação, navegando sobre grandes volumes, examinando os dados para fazer novas descobertas ou ganhar insights (Gershon, Eick et al., 1998; Yi, Kang et al., 2008). Este tipo de sistema é especialmente útil quando as pessoas necessitam de alguma informação, mas elas não conseguem traduzir essas necessidades em termos de busca a serem postados em sistemas de recuperação de informação (RI) tradicionais. Os sistemas de visualização de informação ajudam a restringir mais rapidamente o domínio da busca o que torna o processo de encontrar dados específicos mais fácil e dinâmico (Fekete et al., 2008). Nesse contexto, o campo da visualização do conhecimento tem pesquisado como o uso de elementos visuais pode ajudar no processo de transferência do conhecimento. O uso de imagens que contêm representações do mundo real, ou seja, que fazem parte da visão do mundo dos usuários permite que o conhecimento apresentado por meio destas imagens possa facilmente ser relacionado com conhecimentos prévios, facilitando assim a disseminação do conhecimento. Neste trabalho, este tipo de imagens é encapsulado em uma estrutura denominada imagem semântica. Esta pesquisa apresenta um modelo que visa facilitar a visualização do conhecimento usando imagens semânticas. O objetivo do modelo proposto consiste na utilização de imagens, que não apenas contenham uma representação visual do mundo, mas também anotações semânticas que ajudam a descrever essa representação visual, como estrutura de apoio ao processo de visualização do conhecimento. A idéia é que o usuário ao visualizar uma imagem possa rapidamente reconhecer quais regiões possuem conhecimento associado e possa recuperar os documentos relacionados às regiões selecionando apenas a região de interesse. Por exemplo, dada uma imagem que represente o motor de um carro formado por uma imagem contendo cilindros, pistões e válvulas, para recuperar os documentos relacionados aos pistões, bastará selecionar a região que representa os pistões. Este artigo está estruturado da seguinte maneira: após esta introdução, é apresentada a revisão da literatura sobre os tópicos de visualização do conhecimento e anotação semântica de imagens. Posteriormente, é descrito o modelo proposto para a visualização do conhecimento. Nas seções seguintes, são apresentados o material e métodos usados para o desenvolvimento do modelo e a discussão. Finalmente, na última seção, apresentam-se as conclusões. TÍTULO Visualização do conhecimento por meio de imagens RESUMO Neste artigo apresenta-se um modelo que visa facilitar a visualização do conhecimento armazenado em repositórios digitais usando imagens semânticas. As imagens semânticas são estruturas que contêm representações visuais do mundo real que a priori são conhecidas pelo grupo alvo, e que possuem estruturas semânticas que permitem identificar os conceitos do domínio representados em cada região. O modelo proposto apóia-se no framework para visualização do conhecimento proposto por Burkhard e descreve as interações dos usuários com as imagens semânticas. O usuário pode meio das imagens pode recuperar e visualizar o conhecimento relacionado aos conceitos representados nas imagens. Um protótipo foi desenvolvido para demonstrar a viabilidade do modelo usando imagens no domínio da anatomia, a Foundational Model of Anatomy e a Unified Medical Language System como conhecimento do domínio e o banco de dados da Scientific Electronic Library Online como repositório de documento. O uso das representações visuais nas imagens semânticas facilita a divulgação do conhecimento já que ao fazer parte da visão do mundo dos usuários, podem facilmente ser associadas a conhecimentos prévios. As representações visuais são processadas rapidamente no cérebro requerendo menos esforço que o processamento de informação textual. Palavras-chave: visualização do conhecimento, recuperação do conhecimento, anotação semântica, ontologia. ABSTRACT This paper presents a model that aims to facilitate the visualization of the knowledge stored in digital repositories using visual archetypes. Archetypes are structures that contain visual representations of the real world that are known a priori by the target group, and which have semantic structures for identifying the entities of the domain represented in each region. The proposed model is supported by the framework for knowledge visualization proposed by Burkhard and describes the users’ interactions with visual archetypes. The user through the archetypes can retrieve and view the knowledge related to the entities represented in the archetypes’ images. A prototype was developed to demonstrate the feasibility of the model using archetypes in the biomedical field, the Foundational Model of Anatomy and the Unified Medical Language System as domain knowledge and the Scientific Electronic Library Online database as a document repository. The use of visual representations in archetypes facilitates the dissemination of knowledge, because these are part of the world view of users and can easily be related with prior knowledge. Visual representations are processed quickly in the brain and require less effort than the processing of textual information. Key words: knowledge visualization, knowledge retrieval, semantic annotation, 2. REVISÃO DA LITERATURA 2.1. VISUALIZAÇÃO DO CONHECIMENTO A visualização do conhecimento pode ser definida como o uso de representações visuais para melhorar a transferência de conhecimentos entre pelo menos duas pessoas ou grupo de pessoas (Burkhard, 2005; Eppler e Burkhard, 2007). Ora, tornar visível o conhecimento para que ele possa ser acessado, discutido, avaliado, apreciado ou gerenciado, é um objetivo de longa data na gestão do conhecimento. Devido a tais aspectos a visualização do conhecimento tornou-se recentemente o foco de atenção nas comunidades acadêmica e de negócios (Hou e Pai, 2009). A visualização do conhecimento analisa métodos que enfrentam os desafios existentes dentro das organizações referentes à transferência do conhecimento, comunicação para diferentes tipos de usuários e sobrecarga de informação (Burkhard e Meier, 2005). Os benefícios proporcionados pela visualização parece ser que dependem do fato de ela atuar como um frame de referência ou área de armazenamento temporária para os processos da cognição humana. A visualização potencializa a memória ao fornecer um extenso conjunto de trabalho para análise e reflexão, tornando-se assim um facilitador externo da cognição (Fekete et al., 2008). Segundo Ware (2000) existem principalmente duas teorias na psicologia que explicam como a visão pode ser usada efetivamente para perceber elementos e formas. No baixo nível, a teoria do processamento pré-atencional explica que alguns elementos visuais podem ser processados rapidamente. No nível mais alto, a teoria da forma ou teoria da Gestalt descreve alguns princípios usados pelo nosso cérebro para entender uma imagem. O processo para visualizar informação pode ser dividido em duas etapas: na primeira delas, a informação é processada pelo olho e pelo córtex visual primário, onde neurônios individuais em áreas específicas (denominadas V1, V2, V3, V4, MT) são especializados para identificar características particulares (por exemplo: orientação, cor, textura, contorno ou movimento). Nesta fase a informação é processada de forma pré-atencional e muito rapidamente. Na segunda fase, o processamento da informação é dividido dentro de dois subsistemas complementares e independentes, um deles focado na identificação dos objetos (quê) e o outro focado na localização espacial (onde) (Burkhard, 2005). Os sistemas visualização de conhecimento são concebidos para que façam uso das habilidades que os humanos possuem para o processamento de imagens. As imagens são processadas pelo sistema nervoso antes do que o texto. Por outro lado, o uso de imagens que contêm representações do mundo real, que a priori são conhecidas pelo grupo-alvo e fazem parte da sua visão do mundo, permitem que o conhecimento apresentado por meio destas imagens possa facilmente ser relacionado com os conhecimentos prévios dos indivíduos, facilitando a aprendizagem e a recuperação (Burkhard, 2005). Visando orientar a aplicação da visualização do conhecimento nas organizações (Burkhard, 2005; Eppler e Burkhard, 2007) propõem um framework baseado em cinco perspectivas que respondem a cinco perguntas-chave: 1) Que tipo de conhecimento precisa ser visualizado? 2) Por que o conhecimento deve ser visualizado? 3) A quem está sendo destinado? 4) Em que contexto deveria ser visualizado? e 5) Como pode o conhecimento ser visualizado? A listagem de possíveis respostas a estas perguntas fundamentais leva a um quadro conceitual que visa fornecer uma visão geral do campo de visualização do conhecimento e orientar a sua aplicação. 2.2. ANOTAÇÃO SEMÂNTICA DE IMAGENS A anotação pode ser definida como o processo de tornar explícita a interpretação de um documento. A criação de metadados é uma das principais técnicas usadas para anotar documentos. Os metadados podem ser atribuídos a uma ampla variedade de documentos, pode ser expressa em diversas linguagens e vocabulários (Corcho, 2006), e pode ser feita de forma manual, automática ou semi-automática (Uren, Cimiano et al., 2006). Ontologias têm sido usadas para anotar documentos (Corcho, 2006). Estruturas ontológicas acrescentam valor às anotações semânticas permitindo a realização de inferências e a navegação conceptual. Quando as ontologias são usadas, os documentos são etiquetados com descrições semânticas (i.e., informações sobre classes e instâncias) (Kiryakov et al., 2004). Os metadados associados às imagens podem ser classificados como: i) metadados com conteúdo independente, quando estes se encontram relacionados à imagem, mas não a descrevem (i.e., autores, data de criação, etc.); ii) metadados com conteúdo dependente, quando se referem a características de baixo nível e/ou nível intermediário (i.e., cor, textura, etc.); iii) metadados com conteúdo descritivo, quando se referem a conteúdo semântico (i.e., relações das entidades da imagem com entidades do mundo real) (Hanbury, 2008). Os metadados com conteúdo descritivo podem ser especificados usando um ou mais dos seguintes enfoques: i) descrições usando texto livre, quando nenhuma estrutura predefinida para a anotação é proporcionada; ii) classificação usando palavras-chave, quando palavras-chave selecionadas de forma arbitrária ou a partir de vocabulários controlados são usadas para descrever as imagens; iii) classificação baseada em ontologias, quando conceitos ou instância de uma ontologia são usados no processo de anotação (Müller et al., 2004; Hanbury, 2008). Por outro lado, os metadados com conteúdo descritivo podem ser proporcionados a dois níveis de especificidade: i) conteúdo descritivo associado à imagem completa (Schreiber, Dubbeldam et al., 2001) e ii) segmentação da imagem com vinculação do conteúdo descritivo em cada região da imagem (Hsu et al., 2009; Rubin et al., 2009). Os sistemas para anotar imagens usando metadados com conteúdo descritivo baseados em ontologias, geralmente usam dois tipos de ontologias, uma para definir o esquema de anotação e outra para definir os conceitos do domínio. Isto permite que os esquemas de anotação sejam definidos de forma independentes ao domínio do conhecimento. A forma de definir a ontologia de anotação depende dos requerimentos da aplicação. Por exemplo, Schreiber, Dubbeldam et al. (2001) usaram uma estrutura baseada em quatro elementos “agente – ação – objeto – cenário” para anotar imagens de macacos. Osman, Thakker et al. (2007) usaram a estrutura “ator – ação – objeto” para anotar uma coleção de imagens no domínio dos esportes. 3. MODELO PARA A VISUALIZAÇÃO DO CONHECIMENTO O modelo proposto foi concebido com o objetivo de facilitar a visualização do conhecimento usando como estruturas de apoio imagens semânticas. O modelo conceitual, descrito na Figura 1, é composto por quatro componentes: as imagens semânticas, repositório de documentos, repositório de conhecimento e visualização. Para que o conhecimento vinculado às imagens seja recuperado de forma eficiente (i.e., buscas semânticas), tanto as imagens quanto os repositórios de documentos devem ter sido previamente enriquecido com conteúdo semântico (letras a e b na Figura 1) obtido a partir do repositório de conhecimento (i.e., ontologias, taxonomias, tesauros). Os mapeamentos semânticos das imagens são realizados de forma manual tendo em consideração as necessidade e visão do mundo do grupo alvo. Os mapeamentos semânticos dos repositórios são realizados de forma automática usando diversas abordagens como processamento simbólico, processamento da linguagem natural ou técnicas de lingüística computacional. Figura 1. Modelo para a Visualização do Conhecimento. Fonte: elaborado pelos autores. O processo inicia quando o usuário precisa satisfazer alguma necessidade de informação. O usuário seleciona a imagem (número 1 na Figura 1) a partir do qual será visualizado o conhecimento. O critério de seleção dependerá diretamente das necessidades de informação do usuário, levando em consideração os conceitos representados nas imagens. Por exemplo, caso seja preciso visualizar o conhecimento associado ao coração, o usuário deverá selecionar uma imagem na qual o coração encontre-se representado graficamente. Uma vez selecionado a imagem, o processo de visualização é executado (número 2 na Figura 1). O processo de visualização visa fornecer ao usuário o conhecimento armazenado nos repositórios de documentos. A visualização dos resultados é realizada a partir das imagens semânticas, de forma que os usuários rapidamente percebam a quantidade de documentos associados a cada região da imagem. Esta representação é refletida na imagem, por exemplo, alterando a coloração das regiões nas quais se concentra a maior/menor quantidade de documentos ou incluir a quantidade de documentos recuperados sobre as regiões. O usuário a partir da visualização fornecida pelas imagens semânticas pode restringir o espaço das buscas (número 3 na Figura 1) podendo usar para isto os metadados fornecidos pelos repositórios de documentos ou os conceitos definidos nos artefatos de conhecimento, iniciando assim um novo processo de visualização. A continuação se descreve brevemente cada um dos componentes. 3.1. COMPONENTES DO MODELO Imagem semântica: Uma imagem semântica pode ser definida como uma estrutura que permite representar graficamente os conceitos de um domínio, no qual cada uma das partes que o compõem é especificada de forma explícita e formal, como por exemplo, em uma ontologia. É definido em três níveis, tal como pode ser apreciado na Figura 2: o nível descritivo visa identificar e descrever as representações visuais; o nível estrutural fornece informações sobre a estrutura interna visando explicitar as regiões das imagens; e o nível semântico tem como objetivo descrever os mapeamentos semânticos. Figura 2. Composição das Imagens Semânticas. Fonte: elaborado pelos autores. Repositório de Documentos: Este componente representa os repositórios a partir dos quais o conhecimento é recuperado. No modelo, os repositórios de documentos são caracterizados por possuírem uma camada semântica que permite formalizar a informação contida nos documentos (ver Figura 3). São definidos em quatro níveis: o nível descritivo visa identificar o repositório; o nível dos metadados visa descrever a estrutura da informação; o nível do conteúdo fornece as estruturas necessárias para armazenar os documentos e os metadados. Semelhante as imagens semânticas, o repositório de documentos também possui um nível semântico que visar vincular conteúdo semântico aos documentos. Figura 3. Anotação semântica dos documentos. Fonte: elaborado pelos autores. Repositório de Conhecimento: Este componente está conformado pelos artefatos usados para representar o conhecimento do domínio usado para realizar tanto o mapeamento semântico das imagens e dos documentos dos repositórios assim como para realizar as inferências, quando possíveis, sobre os conceitos usados nos processos de visualização do conhecimento. Visualização: O componente de visualização é o encarregado de apresentar ao usuário os resultados das buscas. Este componente baseia-se nas tarefas definida por Shneiderman (Shneiderman, 1996) para visualizar informação: primeiro obter uma visão global dos dados (overview first), concentrar-se em itens de interesse e filtrar itens irrelevantes, (zoom and filter) e finalmente fornecer detalhes sob demanda (then details on demand). A visão global dos dados é feita usando as imagens semânticas onde os elementos visuais são alterados visando que o usuário facilmente identifique as regiões onde se encontra conhecimento. A filtragem dos itens irrelevantes é facilitada pelos metadados dos repositórios e pelos mapeamentos semânticos. Para obter os detalhes sob demanda, o componente interage com os repositórios de documentos a fim de obter documentos específicos. 4. IMPLEMENTAÇÃO DO MODELO Visando demonstrar a viabilidade de modelo proposto, foi desenvolvido um protótipo aplicado ao domínio biomédico. O repositório de conhecimento foi composto pela ontologia Foundational Model of Anatomy (FMA), uma ontologia de referencia no domínio anatômico (Rosse e Mejino, 2003; Rosse e Mejino, 2008), e pelo metatesauro Unified Medical Language System (UMLS), um repositório que integra vários vocabulários biomédicos (Bodenreider, 2004). Dado que a FMA foi desenvolvida usando frames de Protégé (http://protege.stanford.edu/) usou-se a API do Protégé para acessar as suas classes e propriedades. A UMLS, por outro lado, foi instalada em um banco de dados relacional. Como repositório de documentos usou-se uma cópia da base de dados SciELO (Scientific Electronic Library Online). SciELO (http://www.scielo.br/) é uma biblioteca eletrônica que abarca uma coleção seleta de revistas científicas brasileiras. Para anotar os artigos usou-se Metamap (http://mmtx.nlm.nih.gov/), um programa que identifica conceitos UMLS em textos escritos em linguagem natural. Metamap usa uma abordagem intensiva de conhecimento baseada no processamento simbólico, processamento da linguagem natural e técnicas de lingüística computacional. As imagens semânticas foram implementados usando a tecnologia Java 2D. Para segmentar as regiões das imagens usou-se AnnoteImage, um software que permite anotar imagens usando a linguagem IML (Image Markup Language). AnnotaImage (http://sig.biostr.washington.edu/projects/AnnoteImage/), disponibiliza um XML por cada imagem segmentada, onde as regiões segmentadas são explicitamente especificadas. A anotação das imagens foi feita manualmente vinculando as regiões a conceitos da ontologia FMA e do metatesauro UMLS. Visando facilitar o processo de busca, todos os artigos foram indexados usando Lucene (http://lucene.apache.org/). Tanto o conteúdo textual (i.e., título do artigo, resumo, palavras-chaves, etc.) quanto as anotações de 77.461 artigos foram indexadas. Na Figura 2 pode-se observar um exemplo de uma imagem semântica usada para visualizar conhecimento relacionado ao coração. Como elemento visual foi utilizado uma imagem em duas dimensões onde quatro regiões foram explicitadas: a veia cava superior, a veia cava inferior, o ventrículo direito e a aorta. Para anotar semanticamente as regiões, utilizou-se a FMA. Cada região foi vinculada a uma classe da FMA incorporando à imagem semântica todo o conhecimento explicitado nesta ontologia. Por exemplo, ao vincular a região R1 (etiquetada com veia cava superior) à classe Superior vena cava, a imagem semântica agora “entende” que aquela região é parte do sistema cardiovascular (classe Cardiovascular system na FMA) e que também é conhecida como Anterior vena cava (sinônimo em inglês) e Vena cava superior (nome equivalente em espanhol). Na Figura 2 mostra também como a região R4 (etiquetada como aorta) é mapeada ao conceito C0003483 da UMLS. Usando as relações UMLS, a imagem semântica “sabe” que Aneurysm é uma doença relacionada à aorta. Na Figura 3 apresenta-se um exemplo de mapeamento do conteúdo de um documento usando também a ontologia FMA. Os benefícios que o mapeamento semântico oferece aos repositórios de documentos são os mesmos que os fornecidos às imagens semânticas (i.e., formalização do conhecimento, recuperação de informações relacionadas, execução de inferências, etc.). Para o modelo, o fato das imagens e os repositórios de documentos serem mapeados usando os mesmos artefatos permite que estes dois componentes sejam integrados por meio das representações do conhecimento. Por exemplo, na Figura 2 a região R4 (etiquetada com aorta) encontra-se mapeada à classe Aorta da FMA, por outro lado na Figura 3, observa-se como os conceitos Abdominal aorta e suprarenal aorta foram identificados dentro do texto de um documento. Apesar dos mapeamentos não serem feitos usando as mesmas classes FMA, é possível inferir que o documento em questão possui conhecimento relacionado à região R4, já que a aorta supra-renal (classe suprarenal aorta na FMA) é parte da aorta abdominal (classe Abdominal aorta na FMA) que por sua vez é parte da aorta descendente (classe Descending aorta na FMA) que forma parte da Aorta. Na Figura 4 podese observar a interface principal do protótipo. Figura 4. Framework para a Recuperação do Conhecimento. Fonte: elaborado pelos autores Para procurar as imagens o usuário ingressa os termos de busca na caixa de texto no painel superior (Figura 4-A). A ferramenta recupera todas as imagens associadas aos termos processando a consulta tanto no nível estrutural (i.e., busca textual pelo nome das regiões) quanto no nível semântico (i.e., busca conceitual pelo mapeamento). Quando o processamento é feito no nível semântico, os termos são transformados em conceitos do domínio. Esta transformação permite que a consulta seja executada semanticamente, tornando a busca independente da linguagem. Por exemplo, para pesquisar imagens semânticas relacionadas ao coração, o usuário pode inserir como termos de pesquisa palavras como coração, corazón (coração em espanhol), heart ou (coração em inglês). Em todos os casos, o processo retorna os mesmos resultados. Depois de recuperar a imagem, esta é colocada no painel central (Figura 4-B). O usuário pode utilizá-lo de duas maneiras: para obter conhecimentos relacionados aos conceitos representados nas regiões ou para recuperar os documentos que mencionam os conceitos. O conhecimento relacionado ao conceito é apresentado no painel direito no topo (Figura 4-C). Nesta versão do protótipo, esta informação é apresentada usando a FMA. Neste painel o usuário pode visualizar o nome, a identificação e a descrição da classe. Usando o botão “View additional information”, pode obter informações adicionais como nomes em outras línguas ou as entidades anatômicas que a constituem. Os conceitos mapeados em cada região podem ser observados no painel direito no centro (Figura 4-D). Esta informação é obtida a partir do nível semântico da imagem. Ao selecionar uma região da imagem, além de apresentar ao usuário informações sobre o conceito, também é apresentada a quantidade de documentos relacionados com os conceitos mapeados em cada região. Esta informação está no painel direito, ao selecionar o vínculo (Figura 4-E), é apresentado um formulário contendo uma lista de todos os documentos do repositório relacionados a esse conceito. Na Figura 4-G pode-se visualizar uma lista dos documentos recuperados. Como cada documento está anotado, vínculos de cada conceito reconhecido nos documentos estão disponíveis, ao selecioná-los uma descrição do conceito é apresentada. O usuário pode refinar os resultados da pesquisa utilizando as opções disponíveis no painel esquerdo (Figura 4-F). Este painel apresenta duas opções, filtragem por revistas (i.e., journals) e filtragem por anos. O usuário pode procurar por texto dentro de documentos, ou usar os filtros para refinar a busca. 5. DISCUSSÃO O resultado deste trabalho é um modelo que visa suportar a visualização do conhecimento usando imagens semânticas como estruturas de apoio. Com o objetivo de validar o modelo proposto, foi desenvolvido um protótipo usando imagens na área da anatomia e repositórios de documentos no domínio biomédico. No modelo proposto tanto as imagens quanto os repositórios de documentos têm sido enriquecidos com conteúdo semântico possibilitando a integração destes dois componentes. O conteúdo semântico permite ao modelo “entender” quais os conceitos representados tanto nas imagens quanto nos documentos facilitando assim a busca conceitual. Uma das vantagens disto é a recuperação de conhecimento de forma independente à linguagem da escrita dos documentos. Devido à este “entendimento”, o modelo é capaz de recuperar os documentos relacionados aos conceitos representados na imagem auxiliando o usuário no processo de busca. Este mecanismo de recuperação pode ser observado no protótipo, para recuperar documentos o usuário só precisa selecionar uma região da imagem sem necessidade de ingressar os termos das buscas como nos sistemas de recuperação tradicionais. Entretanto, o usuário pode ingressar termos para procurar imagens. Uma vez selecionado a imagem o modelo “entende” quais as informações necessita recuperar usando para tal os mapeamentos semânticos. A idéia do modelo é que os resultados das buscas sejam apresentados de forma global na própria imagem semântica alterando a coloração das regiões onde se concentra a maior quantidade de documentos. Este comportamento do modelo é consistente com as tarefas de visualização definidas por Shneiderman (Shneiderman, 1996) (i.e., primeiro apresentar a visão global dos dados, depois concentrar-se em itens de interesse e filtrar itens irrelevantes e finalmente fornecer a informação sob demanda). O modelo proposto apóia-se no framework para visualização do conhecimento proposto por (Burkhard, 2005; Eppler e Burkhard, 2007). Neste framework cinco perguntaschave são propostas para orientar a aplicação da visualização do conhecimento. As respostas a estas perguntas, descritas na Tabela 1, forneceram o quadro conceitual que norteou o trabalho. Tabela 1: Respostas das perguntas chaves do framework para visualização do conhecimento Pergunta chave (framework para a visualização do conhecimento) Resposta Que tipo de conhecimento precisa ser visualizado? O conhecimento armazenado nos repositório de documentos. Por que o conhecimento deve ser visualizado? Para facilitar a divulgação do conhecimento. A quem está sendo destinado? A um grupo de pessoas que compartilham uma mesma visão do mundo. Em que contexto deveria ser visualizado? Em um entorno virtual. Como pode o conhecimento ser visualizado? Por meio de imagens semânticas que contêm representações visuais que a priori são conhecidas pelo grupo-alvo. . O motivo para usar imagens semânticas contendo representações do mundo real se baseou por um lado nas habilidades que dos seres humanos em processar imagens rapidamente e por outro lado na facilidade dos indivíduos para relacionar conhecimentos prévios associados a uma imagem já conhecida. Ao ver uma imagem que pertence a sua visão do mundo, as pessoas sabem o que ela representa apesar de não se lembrar dos nomes dos conceitos nela representados. O modelo proposto é genérico e pode ser usado em qualquer domínio que permita a representação de conceitos em imagens. Pode, também, ser usado sobre qualquer repositório de documentos desde que estes possam ser mapeados em representações de conhecimentos, como, por exemplo, ontologias ou taxonomias. Um dos requerimentos do modelo é a necessidade de mapeamento semântico das imagens e repositórios de documentos. Os repositórios de documentos caracterizam-se por armazenar grandes quantidades de informação fazendo com que o processo de anotação manual seja inviável. Por outro lado, a anotação automática ou semi-automática pode ser facilitada pelos métodos da área da extração de informação, mas a precisão destes métodos pode variar dependendo do domínio e tipo de documento. No caso das imagens semânticas, as anotações manuais são viáveis na maioria dos domínios já que a quantidade de conceitos que se espera que sejam representados neles é relativamente pequena em comparação com os conceitos representados nos documentos. 6. CONCLUSÃO O objetivo deste trabalho consiste na proposta de um modelo destinado a visualização do conhecimento baseado em imagens semânticas a fim de facilitar a organização ontológica do conhecimento. Um protótipo foi desenvolvido para validar o modelo proposto. Uma das vantagens que oferece o modelo é a facilidade para recuperação de documentos usando apenas regiões das imagens contidas nas imagens semânticas. Nos sistemas de RI tradicionais, os usuários traduzem suas necessidades de informação em termos de buscas, estes retornam uma lista de itens que correspondem aos documentos mais relevantes segundo os termos informados. No modelo proposto os usuários traduzem suas necessidades de informação também em termos, mas estes termos não são usados para procurar diretamente os documentos e sim para procurar as imagens semânticas que serão usadas no processo de visualização. Outra vantagem do modelo é a integração dos componentes por meio dos mapeamentos semânticos. As imagens e os diferentes repositórios de informação encontramse todos integrados por meio de informação semântica, isto permite que uma mesma imagem possa ser usada para visualizar documentos de diferentes repositórios. Por exemplo, imagem do coração apresentado nas seções anteriores, pode ser usada para recuperar artigos científicos, competências organizacionais, projetos, estudos clínicos, indicadores, imagens médicas, entre outros. Esta integração semântica também permite que o modelo possa inferir novas informações sobre um determinado conceito da imagem. Por exemplo, ao projetar o coração, é possível recuperar informações relacionadas a conceitos que não são definidos de forma explícita na imagem semântica, mas que podem ser inferidos, como por exemplo, certas doenças. Na imagem do coração ao selecionar a aorta, por exemplo, e usando as relações UMLS poderiam ser recuperados os documentos relacionados ao aneurisma, uma doença que afeta a aorta. Neste momento nos encontramos ampliando as imagens semânticas para acrescentar mais fontes de informação relacionadas à área da medicina. Em uma segunda fase será desenvolvida outra versão do protótipo aplicada a uma área diferente. REFERÊNCIAS ALAVI, M.; LEIDNER, D. Review: Knowledge Management and Knowledge Management Systems: Conceptual Foundations and Research Issues. MIS Quarterly, v. 25, n. 1, p. 107-136, 2001. BODENREIDER, O. The unified medical language system (UMLS): integrating biomedical terminology. Nucleic Acids Research, v. 32, n. Database Issue, p. 267-270, 2004. BURKHARD, R. Towards a framework and a model for knowledge visualization: synergies between information and knowledge visualization. In: (Ed.). Knowledge and Information Visualization: Searching for Synergies: Springer, v.3426, 2005. p.238-255. (Lecture Notes in Computer Science). ISBN 978-3-540-26921-2. BURKHARD, R.; MEIER, M. Tube map visualization: evaluation of a novel knowledge visualization application for the transfer of knowledge in long-term projects. Journal of Universal Computer Science, v. 11, n. 4, p. 473-494, 2005. CORCHO, O. Ontology based document annotation: trends and open research problems. International Journal of Metadata, Semantics and Ontologies, v. 1, n. 1, p. 47-57, 2006. EPPLER, M.; BURKHARD, R. Visual representations in knowledge management: framework and cases. Journal of Knowledge Management, v. 11, n. 4, p. 112-122, 2007. ISSN 1367-3270 FEKETE J.D.; WIJK J. J.; STASKO J. T.; NORTH C. The Value of Information Visualization. In: KERREN, A.;STASKO, J. T., et al (Ed.). Information Visualization: Human-Centered Issues and Perspectives: Springer Berlin/Heidelberg, v.4950, 2008. p.1-18. (Lecture Notes in Computer Science). ISBN 978-3-54070955-8. GERSHON, N.; EICK, S. G.; CARD, S. Information visualization. interactions, v. 5, n. 2, p. 9-15, 1998. ISSN 1072-5520. HANBURY, A. A survey of methods for image annotation. Journal of Visual Languages & Computing, v. 19, n. 5, p. 617-627, 2008. ISSN 1045-926X. HOU, J.; PAI, S. A spatial knowledge sharing platform. Using the visualization approach. International Journal of Production Research, v. 47, n. 1, p. 25-50, 2009. HSU, W.; ANTANI S.; LONG L. R.; NEVE L.; THOMA G. R. SPIRS: A Web-based image retrieval system for large biomedical databases. International Journal of Medical Informatics, v. 78, n. Supplement 1, p. 13-24, 2009. ISSN 1386-5056. KIRYAKOV, A.; POPOV B.; TERZIEV I.; MANOV D.; OGNYANOFF, D. Semantic annotation, indexing, and retrieval. Web Semantics: Science, Services and Agents on the World Wide Web, v. 2, n. 1, p. 49-79, 2004. ISSN 1570-8268. MÜLLER, H.; MICHOUX N.; BANDON D.; GEISSBUHLER A. A review of content-based image retrieval systems in medical applications--clinical benefits and future directions. International Journal of Medical Informatics, v. 73, n. 1, p. 1-23, 2004. ISSN 1386-5056. OSMAN T.; THAKKER D.; SCHAEFER G.; LAKIN P. An Integrative Semantic Framework for Image Annotation and Retrieval. Proceedings of the IEEE/WIC/ACM International Conference on Web Intelligence, 2007. IEEE Computer Society. p.366-373. ROSSE, C.; MEJINO, J. A reference ontology for biomedical informatics: the Foundational Model of Anatomy. Journal of Biomedical Informatics, v. 36, n. 6, p. 478-500, 2003. ISSN 1532-0464. ______. The foundational model of anatomy ontology. In: (Ed.). Anatomy Ontologies for Bioinformatics: Springer London, v.6, 2008. p.59-117. (Computational Biology). ISBN 978-1-84628-885-2. RUBIN, D. L.; MONGKOLWAT P.; KLEPER V.; SUPEKAR K.; CHANNIN D. S. Annotation and Image Markup: Accessing and Interoperating with the Semantic Content in Medical Imaging. Intelligent Systems, IEEE, v. 24, n. 1, p. 57-65, 2009. ISSN 1541-1672. SCHREIBER A. T.; DUBBELDAM B.; WIELEMAKER J.; WIELINGA B. Ontology-based photo annotation. Intelligent Systems, IEEE, v. 16, n. 3, p. 66-74, 2001. ISSN 1541-1672. SHNEIDERMAN B. The eyes have it: a task by data type taxonomy for information visualizations. Proceedings of the 1996 IEEE Symposium on Visual Languages, 1996. Boulder, CO, USA. IEEE, Los Alamitos, CA, United States, 3-6 Sep 1996. p.336-343. UREN V.; CIMIANO P.; IRIA J.; HANDSCHUH S.; VARGAS-VERA M.; MOTTA E.; CIRAVEGNA F. Semantic annotation for knowledge management: Requirements and a survey of the state of the art. Web Semantics: Science, Services and Agents on the World Wide Web, v. 4, n. 1, p. 14-28, 2006. ISSN 15708268. WARE, C. Information visualization: perception for design. Morgan Kaufmann Publishers Inc., 2000. 438 ISBN 1-55860-511-8. YI J. S.; KANG Y.A.; STASKO J. T.; JACKO J. A. Understanding and characterizing insights: how do people gain insights using information visualization? Proceedings of the 2008 conference on BEyond time and errors: novel evaLuation methods for Information Visualization. Florence, Italy: ACM: 1-6 p. 2008.
Similar documents
Dissertação Final Alessandra 2014 - Repositório Institucional da UnB
Para Le Coadic (2004, p. 26), “a informação é a seiva da ciência. Sem informação a ciência não pode se desenvolver e viver. Sem informação a pesquisa seria inútil e não haveria o conhecimento’. Seg...
More information