Uma Leitura Queer da Revista Júnior
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Uma Leitura Queer da Revista Júnior
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA Uma leitura queer da revista Júnior Flávia Amaral de Oliveira Azevedo São Carlos 2010 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA Uma leitura queer da revista Júnior Flávia Amaral de Oliveira Azevedo Monografia apresentada ao curso de Ciências Sociais, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel sob orientação do Prof. Dr. Richard Miskolci. São Carlos, junho de 2010. Dedicado à Vó Ori Saudades eternas AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente ao Prof. Dr. Richard Miskolci, não só pela valiosa orientação, mas também pelas aulas incríveis que mudaram tanto a minha opinião acadêmica quanto a minha visão do mundo. Ao meu pai, pelas calorosas discussões sobre todo e qualquer assunto, aflorando meu senso crítico desde a mais tenra idade. À minha mãe, por nos agüentar conversando mesmo aos berros, quando a empolgação era muita. Aos dois, não existem palavras pra agradecer todo o apoio e amor incondicional, da qual serei eternamente grata. À minha irmã, Isabela, por ser a pessoa mais linda e doce do mundo, cuidadosa e preocupada com todos à sua volta. Ao Monteiro, por ter enfrentado qualquer possível preconceito e andado pela cidade inteira com 12 revistas Júnior pra minha pesquisa e por ter sido, antes de tudo, um inesquecível ombro amigo. À Camy, pelo seu interesse, sempre pedindo novas versões e se empolgando com os meus escritos, pelas horas de conversas filosóficas e pelo tão fundamental carinho. Às minhas amigas, Carol, Ni, Gabi e Mô, por se fazerem presentes mesmo quando distantes, sendo parte tão indispensável da minha vida. À Yumi, por dividir comigo não só a casa, mas todas as alegrias e tristezas durante esses quatro anos, sendo a melhor união estável que eu poderia desejar. À Mari, companhia constante desde o primeiro dia, por ter estado do meu lado e ter sido uma parceira tão incrível. À Jô, por ter tornado os meus dias mais bonitos, me animando e me divertindo sempre que precisei. À Marina, eterna vizinha, pelas suas visitas pra me dar um abraço. À Angélica, por conseguir a proeza de me agüentar agora mais do que antes, sendo a janela piscante mais compreensiva e paciente do mundo. À entidade “Meninas do fundo”, Cin, Ju, Debs, Vanessas, pela amizade que me é tão cara. Graças a todas vocês, São Carlos virou um lar de verdade, palco das melhores lembranças que tenho. A todos os professores que me ajudaram nessa jornada maravilhosa e sofrida que foi a graduação, com seus conhecimentos e conselhos inigualáveis. E à minha saudosa avó, Orieta, a quem eu devo muito do que sou e dedico não só a minha monografia, mas tudo o que eu conquistar, para o resto da minha vida. RESUMO Esta monografia tem como objeto de análise a revista Júnior, voltada ao público homossexual masculino. Por meio da análise do discurso em sua vertente foucaultiana, busca compreender como o veículo contribui para a construção da identidade de seu público alvo. O foco será a ênfase na masculinidade gay como compreendida e disseminada pela revista. Sob uma perspectiva dos estudos de gênero e sexualidade, informada também pela Teoria Queer, este breve estudo pretende contribuir para uma reflexão preliminar sobre as relações entre consumo, identidade e subjetivação. Palavras chaves: revista Júnior – masculinidade - consumo- corpo - subjetividadehomossexualidade ABSTRACT This study analyses a Brazilian gay magazine, Júnior. Through an analysis of discourse in the Foucaldian vertent, it tries to understand how this media contributes to the construction of its public identity. The focus is on how the magazine comprehends and disseminates a certain gay masculinity. Based on gender and sexuality studies perspective, also informed by Queer Theory, this brief analysis intends to contribute to a preliminar reflection on the relations between consumption, identity and subjectivity. Key-Words: Júnior magazine – masculinity - consumption- body – subjectivity homosexuality SUMÁRIO 1. Introdução ..................................................................................................... 6 2. Metodologia ................................................................................................. 13 3. Uma subjetividade controlada: corpo, naturalização e consumo .......... 15 3.1 Dominação dissimulada: Saúde e beleza como instrumentos de normatização .................................................................................................... 17 3.2 Comprando um lugar ao sol: consumo e pertencimento ao grupo ............ 26 3.3 Sensibilidade Vs Feminilidade: apenas reiteração do masculino? ........... 28 4- Pobres, velhos e feios: discutindo e analisando preconceitos nas páginas de Dossiê. .............................................................. 32 5 Sexualidade, promiscuidade e casamento: Era uma vez... ...................... 37 5.1 Contexto histórico ...................................................................................... 37 5.2- Da libertinagem ao par ideal: sexo e amor nas matérias e entrevistas. .. 43 6. Considerações finais ................................................................................... 48 Material analisado .......................................................................................... 51 Bibliografia...................................................................................................... 51 Anexos.............................................................................................................. 53 A)Propagandas –Empório Armani e Diesel .................................................... 53 B)Matéria “Fundamento Pão com ovo”.......................................................... 53 C)Seção “Boys do cry” .................................................................................... 54 D)Ensaio: “Muito além do jardim” ................................................................. 55 E)Ensaio de moda: “Gangue Bangue” ............................................................ 55 F)Ensaio “Um sonho americano” ................................................................... 56 G)Seção Consumo ............................................................................................ 57 6 1. Introdução O papel da mídia na sociedade contemporânea é um assunto largamente explorado por diversos autores, voltando-se tanto à influência da mídia sobre a política quanto sua relação com a cultura, religião, economia e o comportamento dos indivíduos. Pode-se dizer que as instituições midiáticas formam uma espécie de sistema carregado de valores e padrões de conduta que são transmitidos constantemente aos indivíduos de maneira que estes, embora sejam atingidos direta ou indiretamente, nem sempre têm consciência dessa influência em suas formas de autocompreensão, na maneira como vivem e se relacionam com outras pessoas. O objetivo desta monografia é desenvolver uma análise preliminar da dinâmica entre a mídia e a formação de identidades, buscando compreender como a revista Júnior, voltada ao público homossexual masculino brasileiro, produz um modelo de masculinidade específico dirigido a esse segmento e como, apesar do caráter “revolucionário” que a revista alega para si, ela tende a reiterar comportamentos conservadores e marcadores sociais já estabelecidos como estereótipos. Utilizar a idéia de construção de masculinidade ao examinar uma publicação homossexual poderia causar estranheza quando confrontada com o discurso social hegemônico. Assim como a noção de “homem”, que é sempre aplicada em sua plenitude àqueles que se relacionam e se interessam sexualmente por mulheres, a de “masculinidade” é comumente tida como singular, única e heterossexual, restringindo muito a sua utilização. Miguel Vale de Almeida desconstrói essa visão ao pluralizar o termo e expor que existem masculinidades outras, articuladas hierarquicamente à hegemônica. A masculinidade dominante - vista pelo senso comum como única e verdadeira - costuma subjugar outras masculinidades, relegando-as a posições inferiores. É por meio dessa criação de assimetrias simbólica que ela se mantém 7 hegemônica, não sem deixar de ser tensionada pelas que subjuga em uma constante luta por reconhecimento. O presente estudo tem como intuito identificar algumas das características de uma masculinidade específica, a explicitada na revista Júnior, e a forma como ela reflete e/ou influencia na construção das identidades – ao mesmo tempo corporais e subjetivas – de seus leitores. Dada a complexidade das relações sociais e da forma como as categorias gênero, sexualidade, raça, geração e classe social se intersectam, o estudo busca – dentro do possível - associá-los na análise. A revista foi escolhida como instrumento de estudo visto que a mídia se revela fonte privilegiada para a compreensão das relações sociais no presente, em especial no que toca à criação e disseminação de estilos de vida, padrões estético-corporais e identidades. Dotada de uma lógica de mercado, o objetivo de uma publicação é agradar aos leitores/consumidores, proporcionando a eles o tipo de informação que procuram. Isso significa que um veículo midiático acaba exprimindo os valores do grupo social a que se dirige revelando-se material rico para a análise sociológica. Maria Celeste Mira fez, em O leitor e a banca de revistas- A segmentação da cultura no século XX, uma valiosa análise histórica da formação da mídia brasileira. A autora tem como eixos de reflexão principais a globalização, - no que diz respeito à influência e ao abrasileiramento de fórmulas estrangeiras - e a segmentação da cultura, a qual fez com que grupos sociais fossem cada vez mais convertidos a consumidores em potencial de certos produtos. No caso das revistas, embora elas tenham sido segmentadas desde o início, principalmente diferenciando classes mais altas das mais baixas, havia inicialmente a preocupação em fazer uma publicação completa que atingisse toda a família brasileira. Um exemplo de publicação deste tipo foi a revista O Cruzeiro, a qual era extremamente popular entre a década de 1930 e 1950. 8 Com as mudanças culturais trazidas nas décadas de 1960 e 1970, essa tentativa de unificação cultural foi se tornando cada vez mais ineficaz, abrindo espaço para publicações mais especializadas, destinadas às mulheres, por exemplo. Surgem, assim, revistas como Cláudia, Nova e Playboy, as duas primeiras voltadas para o público feminino (Cláudia para a esposa e mãe e Nova para a mulher independente e solteira) e masculino (caso da Playboy). Estas revistas não só reiteram identidades de gênero como servem de modelos para que seus consumidores se engajem em certos estilos de vida. Apesar de nenhuma mídia homossexual ter sido examinada por Mira, é possível encaixar a revista Júnior nesse contexto de segmentação da mídia impressa assim como reconhecer nela os mesmos traços que unem consumo, estilo de vida e constituição de certas identidades. A história da mídia homossexual no Brasil começa de forma diferente da que pautou a vertente altamente comercial e profissionalizada das revistas voltadas para o grande público. Segundo diversos autores, a mídia homossexual emerge a partir das décadas de 1950 e 1960, quando já existiam grupos de homossexuais que se uniam e realizavam festas, na maioria das vezes em suas próprias casas, formando suas redes de sociabilidade. Pequenos jornais caseiros- tais como O snob - foram criados por esses grupos. Nele havia espaço tanto para discussões sérias quanto para contar fofocas, intrigas com grupos rivais e as façanhas de seus editores. Diversas outras publicações similares foram criadas e extintas durante os anos 60 e 70. Vivia-se o período político da ditadura militar, portanto marcado pela repressão: Um braço dessa repressão fazia sentir seu peso sobre os costumes, nutrindo as atividades paralelas de intimidação, venda de proteção e extermínio sumário, atenuantes em todas as cidades, então conhecidas como “esquadrões da morte”. Os territórios ampliados de sociabilidade homossexual eram alvo regular de incursões policiais e parapoliciais desse tipo, a pretexto de combate à vadiagem e ao tráfico de drogas. (SIMÕES & FACCHINI, 2009, p.74) 9 Este período, apesar da forte repressão, foi muito produtivo no que diz respeito à manifestação artística e à expressão cultural. Devido à grande imprensa estar sendo brutalmente censurada, surgiram diversos jornais alternativos que, de certa forma, retratavam a contracultura efervescente do período. É nesse contexto, no ano de 1978, que é criado o primeiro - ou pelo menos o mais relevante - veículo de imprensa homossexual brasileiro: o Lampião da Esquina. Criado pelo Grupo Somos e influenciado pela publicação norte-americana Gay Sunshine, o jornal publicava textos de escritores e intelectuais como Agnaldo Silva, João Silvério Trevisan, Peter Fry e Caio Fernando Abreu, entre muitos outros, o que dava credibilidade à publicação. O intuito não era exclusivamente trazer à luz discussões homossexuais, mas sim de minorias1 sem voz em geral. Polêmico, engajado e sarcástico, o jornal O Lampião da Esquina durou 37 edições e chegou ao fim em 1981 devido a diversas dificuldades, tanto financeiras – queda nas vendas e número escasso de anunciantes - quanto de distribuição, além de divergências entre os editores. O abrandamento da censura fez com que não só a concorrência aumentasse, mas o assunto antes restrito a jornais alternativos passasse a ser também tema da grande mídia. Em seu final, o Lampião tentou aumentar sua circulação abrandando o ativismo político, que estava em baixa, e investindo em fotos de rapazes nus e assuntos considerados mais atrativos ao então chamado público homossexual. Isso tornou a publicação um híbrido que não funcionou, não conseguindo nem manter seu característico viés contestatório tampouco se instalar definitivamente na sociedade de consumo que se consolidava no país. 1 O termo “minorias” está sendo usado não é necessariamente para representar minorias numéricas e sim grupos vistos pelo pensamento social vigente como subalternos aos hegemônicos. 10 Após o Lampião da Esquina, as publicações homossexuais 2 perderam em grande parte seu caráter contestador e político e focaram-se no nu masculino, fosse de forma disfarçada, como na Naturismo, que pregava a vida saudável e o halterofilismo, fosse de maneira mais explícita. Algumas delas até traziam artigos e espaços para discussões da homossexualidade, porém o foco principal era a nudez e a satisfação visual de seus leitores. A primeira revista com o objetivo de fugir desse padrão foi a Sui Generis, que teve sua estréia em janeiro de 1995 e buscava enfatizar temas como moda, cultura, comportamento e entrevistas, inclusive com famosos que aceitavam posar vestidos para a publicação. O mercado para revistas de nu masculino permaneceu frutífero e a G Magazine, por exemplo, já existe há 12 anos e é uma das mais conhecidas no segmento, trazendo em suas capas atores, jogadores e personalidades famosas, o que atrai, inclusive, parte do público feminino. Aos poucos, durante a primeira década do século XIX, criou-se demanda para um veículo mais completo, com mais conteúdo e informação, capaz de expor uma série de “comportamentos, valores, hábitos e regras apropriados e reconhecidos por gays e lésbicas, e mesmo pelo mainstream, como pertencentes àquela zona de significação específica.” (LIMA, 2001, p.109). É neste contexto da segunda metade da década de 2000, que sugiram as revistas Júnior, DOM e AIMÉ para tentar preencher esse espaço. As duas últimas não se encontram atualmente disponíveis nas bancas. Sem nenhum comunicado especial, o site oficial da DOM divulga a edição número 14 (junho de 2009) e o da AIMÉ a número 9 (setembro de 2009), indicando o provável fim das publicações. A única remanescente é 2 Apesar de terem existido jornais voltados às mulheres homossexuais durante o período da contracultura, não existiu até hoje no mercado brasileiro um modelo de publicação para as lésbicas, de maneira que ao falar de mídia atual, o termo “homossexuais” é relativo aos homens que se relacionam afetiva ou sexualmente com outros homens. 11 a Júnior, que em setembro completa seu terceiro ano e devido à constância foi considerada a melhor escolha como objeto para esta investigação. Estes ensaios de criação de uma mídia homossexual no Brasil se relacionam com outro movimento que ocorreu na década de 1990: O marketing norte-americano, principalmente, voltou a sua atenção ao público gay. Se anteriormente revistas chegavam ao fim devido à falta de anunciantes, agora a publicidade passou a ver os homossexuais como um mercado consumidor promissor e pesquisas os apontavam como dotados de maior poder aquisitivo, escolaridade e propensão a consumir. Apesar de já existirem como grupo social, foi a partir desse reconhecimento como detentores de poder de consumo que passaram a ter visibilidade como um segmento do mercado. No Brasil, nesta vaga, surge o termo “GLS”, o qual significa “gays, lésbicas e simpatizantes”. O termo, criado pelo jornalista e empresário André Fischer, criador do portal Mix Brasil e editor da revista Júnior, foi pensado para designar ambientes, produtos e serviços que seriam voltados a esse público. Como estratégia de mercado, tinha o intuito de atrair pessoas que não sentissem sua sexualidade representada pela ordem vigente sem excluir os heterossexuais que viessem a sentir interesse ou curiosidade pelos produtos oferecidos. Daí o S, de “simpatizantes”, ampliando o alcance mercadológico do termo, não sem ter causado críticas por seu caráter despolitizador. As propagandas também modificaram sua maneira de aproximação, não só exaltando as qualidades do produto que pretendiam vender, mas também o associando a um estilo de vida específico, possível de ser alcançado através de sua compra. As revistas e anúncios, então, utilizando-se de estudos que levam em consideração as dimensões gênero, geração e classe, especificam as características do seu consumidor alvo e se apresentam a ele como forma personalizada de consumo (Lara Neto, 2006). Os homossexuais passam a ser retratados - e também a se retratar - como sofisticados, 12 “antenados” e interessados em experiências como viagens culturais e produtos da moda, além de serem preocupados com a aparência. Apenas por essa descrição, já é possível realizar um recorte muito nítido: os gays ilustrados pela publicidade - e os que a interessam – são um grupo idealizado como pertencente à classe-média e alta e comprador de artigos luxuosos, características que - sem dúvida - não condizem com a realidade da maioria dos homossexuais brasileiros. A abordagem das revistas voltadas a estes consumidores, marcados por formas diversas, mas recorrentes de estigmatização, procura focar em formas de aumento da auto-estima, pregando o orgulho de ser quem é e pertencer ao grupo, enaltecendo suas qualidades e incentivando atitudes de identificação ao segmento. Claro que tal pertencimento e identificação serão sinônimos de consumo de produtos e lugares que reiterem a inserção do indivíduo nesta versão idealizada e/ou hegemônica da cultura gay. Tal mecanismo é capaz de moldar as subjetividades dos indivíduos, mantendo concepções hegemônicas e reproduzindo estereótipos sociais. De forma apenas aparentemente paradoxal, veículos como a revista Júnior afirmam promover a quebra de valores conservadores e “ultrapassados”, mas tendem a reproduzi-los ou associá-los a novas demandas de normalização, o que veremos ao longo deste trabalho. 13 2. Metodologia A pesquisa, desenvolvida desde o final de 2009, se dividiu na leitura de fontes teóricas sobre masculinidade, mídia impressa, questões de gênero e sexualidade e formas de análise de conteúdo midiático. Assim, começou com um levantamento bibliográfico de obras que discorriam a respeito da construção da (s) masculinidade (s), as relações entre identidade, consumo, corpo e subjetivações, além da atual participação dos homossexuais na mídia e como mercado consumidor. A Teoria Queer serviu de base no que tange o olhar crítico e questionador lançado à revista. Antes de voltar-se exclusivamente à construção de uma identidade social, serão enfatizados os mecanismos e processos que hierarquizam e normalizam os comportamentos (MISKOLCI, 2009, p.7), buscando desconstruir ao invés de categorizar. De forma geral, a Teoria Queer une o método da desconstrução de Derrida à analítica do poder foucaultiana no intituito de trazer ao discurso as normas presumidas, mesmo que frequentemente não explicitadas, que marcam a constituição de identidades, corpos e subjetividades, em especial no que toca à esfera da sexualidade e do desejo. A partir da leitura sistemática de algumas revistas, foi escolhida a mais duradoura e bem-sucedida entre elas como objeto de análise. A partir daí, as leituras anteriores foram utilizadas na seleção de tópicos para a análise da revistas Júnior entre o número 1 e o 12. A revista começou trimestral, mas já na sua segunda edição tornou-se bimestral, portanto o período compreendido foi de setembro de 2007 a setembro de 2009. A partir de abril de 2010 o veículo tornou-se mensal e, atualmente, encontra-se nas bancas a edição número 18. Como a Júnior é uma revista relativamente nova, e a pesquisa se estendeu a uma parte significativa de sua existência, foi possível notar as grandes mudanças pelas quais 14 a publicação passou durante o período. Desde a diagramação, o layout e a organização, tudo se transformou. Algumas seções presentes nas primeiras edições sumiram, outras apareceram e poucas fizeram parte de todos os números. Nesta monografia, procuro focar nas colunas e seções que apareceram em todas ou, pelo menos, no maior número de edições. No entanto, algumas vezes, acabo citando matérias presentes em apenas uma revista. Isso não é prejudicial, pois além de normalmente serem escritos que reiteram muito da visão já citada amplamente por toda a Júnior, esse surgimento e desaparecimento de colunas podem ser indicativos da demanda do público consumidor, que incentiva ou rejeita determinadas abordagens. 15 3. Uma subjetividade controlada: corpo, naturalização e consumo Na mídia impressa comercial, predomina a visão de que identidades são fenômenos quase completamente naturais, portanto, não é de se estranhar que veículos voltados especificamente para o público homossexual também se revelem pautados por concepções biológico-psi sobre o que seria a identidade de seus leitores. Se revistas voltadas para o público heterossexual tomam-na como universal ou, ao menos, dada, algo similar se passa com as revistas voltadas ao público gay. A revista Júnior, por exemplo, se insere neste contexto por meio de toda uma gama de assuntos que reiteram a “naturalidade” tanto de uma identidade gay a que se dirige como da divisão compulsória das sexualidades no binômio hetero-homo. Assim, sua segmentação comercial reafirma pressupostos sobre a sexualidade como algo constituído fora da história e da sociedade em que vivemos contribuindo para “naturalizar” as identidades que, na verdade, ajuda a construir por meio de referências simbólicas, valores, padrões estético-corporais e, sobretudo, pelo incentivo a desenvolver certo(s) estilo(s) de vida. Essa naturalização das características identitárias impede que se entenda a subjetividade (e até mesmo o corpo) como construções sociais ao invés de mero produto biológico. Analisando-se a subjetivação como forma de dominação tanto individual quanto social, elucida-se as relações de poder baseadas no controle e na autoperitagem. Afinal, as influências culturais marcam relações de autocontrole internas ao sujeito - em esforço para se adequar ao modelo tido como correto e natural. Este modelo, ou modelos, não são neutros nem passíveis de livre escolha, pois a coletividade cria – assim como a mídia dissemina - representações valorativas, articulando uma rede de hierarquias: homem x mulher, normal x desviante, hegemônico x subalterno, dominante x dominado. 16 Assim, para que aspectos da vida do individuo que são sequer discutidas por serem tidos como verdades absolutas, passem a ser desdobrados e contestados, é importante sublinhar que a subjetividade é construída socialmente. A formação de identidades, articulando corpo e subjetividade, é um tema profundamente político, mas que costuma ser explorado no pensamento acadêmico enquanto a mídia tende a reiterar a visão naturalizada, despolitizada e hegemônica sobre as identidades como atributo fixo, aistórico e apenas tangencialmente marcado pelas forças sociais. As revistas, de modo geral, ratificam a visão hegemônica que se serve da naturalização como forma de controle e justificativa de manutenção de poder. Daí a tendência dos veículos de comunicação a privilegiar, quando buscam fontes científicas, as de viés médico-psi, as quais contribuem – muitas vezes, claro, por meio da sua deturpação – para reiterar o senso comum. No caso da Júnior, há constantemente em suas páginas a reiteração da masculinidade hegemônica, exaltando o “masculino”, o “macho”, o músculo não só como sinal do padrão de beleza que deve ser desejado e perseguido, mas também da saúde e da masculinidade vigorosa que os gays, como homens que são, precisam possuir. Se, por um lado, essa aproximação contínua da masculinidade dominante representa rejeição às atribuições que o senso comum dispensa aos gays como supostamente delicados, fracos, “menos homens”; por outro, é notada uma naturalização de características que, supostamente, seriam típicas do grupo como sensibilidade, interesse por marcas, elegância e bom gosto, criando uma certa masculinidade que instaura hierarquias internas dentro do próprio grupo que busca constituir. Afinal, quantos dentre os gays têm acesso a este mundo do consumo, para ficar na questão mais simples. 17 Na seção “Viagem” (edição nº3) 3, escrita por uma mulher, há constantes naturalizações sobre características “típicas” das mulheres, como dependência excessiva (no caso das “mulherzinhas”, segundo a autora, excluindo a si e suas amigas do rótulo), o estilo para roupas e o instinto maternal, e dos homens (héteros ou não), como serem fortes, independentes e individualistas, capazes de ler um mapa e terem uma posição mais ativa- características que seriam encontradas nos gays e se somariam ao fato deles, além de tudo, gostarem de fazer compras, o que os tornaria a companhia ideal para a viagem. Como se constrói essa masculinidade peculiar e quais são os mecanismos que a inscrevem na subjetividade dos indivíduos serão assuntos abordados adiante. 3.1 Dominação dissimulada: Saúde e beleza como instrumentos de normatização Historicamente, a necessidade de moldar o corpo em busca de uma beleza específica foi algo demandado principalmente às mulheres: desde as chinesas, que amarravam os pés para atrofiá-los, passando pelas mulheres-girafas e suas pesadas argolas no pescoço e pelas damas espremidas em seus espartilhos, a fim de possuir cinturas menores, e chegando aos dias de hoje, na qual cirurgias plásticas são vistas como procedimentos banais de beleza, apesar do risco e das dolorosas recuperações. A frase “pra ficar bonita, é preciso sofrer” ainda serve de máxima, mostrando que caso a beleza não seja natural, sacrifícios terão que ser feitos para alcançá-la. Há uma relação quase automática entre mulher e cuidados com o corpo, como se fosse característica inata da população feminina- tanto que a partir do momento que alguma foge disso é taxada de desleixada e sem auto-estima. Na sociedade ocidental contemporânea, a novidade se deu a partir dos anos 1980, quando essa cobrança passou a ser dirigida também aos homens e eles passaram a ser 3 “Thelma e Luiz – Nina Lemos elenca as vantagens de viajar com amigo gay”, p. 118. 18 expostos a noções que articulam o corpo sexuado a regras de condutas determinadas. Na realidade, desde o início da era contemporânea existem contornos físicos apresentados como característicos de identidades masculinas hegemônicas, normalmente alcançados por meio de esportes ou treinamentos de guerra, contudo a mudança recente se estendeu mais à questão da vaidade: agora era pedido não só um corpo forte, pois ele se destacaria em jogos ou lutas, mas também porque era bonito e devia ser complementado por cuidados com a vestimenta, o cabelo e os assessórios. Vaidade, beleza e saúde são assuntos que se misturam nas páginas da maioria das revistas. De acordo com o senso comum, um corpo saudável será, conseqüentemente, um corpo bonito. No caso do corpo masculino cultuado em nossos dias, seria o magro na medida e suficientemente exercitado. Mesmo que o padrão dos modelos da maioria das revistas –tanto masculinas quanto femininas- seja dificilmente alcançado por grande parte das pessoas (principalmente com as intervenções do Photoshop4, que corrigem defeitos e deixam os modelos próximos da “perfeição”), há uma ilusão de que ele é saudável, obtido através de uma conduta positiva de exercícios físicos e alimentação natural, ou seja, por meio de uma vida regrada e baseada na autoperitagem. Pessoas acima do peso estariam não apenas fora do desejável no âmbito estético, mas também muito mais propensas a doenças- ainda que remédios para emagrecer, doenças como bulimia ou anorexia e anabolizantes sejam alternativas nada benéficas, e constantemente utilizadas por quem deseja alcançar o corpo tido como ideal. A criação de corpos disciplinados e normalizados se funde com a formação da subjetividade, tornando possível notar que práticas corporais não só trazem modificações físicas, mas também constroem a maneira na qual as pessoas enxergam os outros e a si mesmas. A partir do momento que o corpo é visto como “moldável”, 4 Conhecido programa de edição de imagens. 19 institui-se a idéia de que, através de sacrifício, esforço e disciplina, qualquer um pode alcançar o padrão tido como desejável. Além disso, chegar nesse padrão é obter consequentemente a felicidade, fazendo parte de um grupo considerado superior e bem sucedido: Apesar de aparecer como o objetivo último, na verdade, a adequação corporal é a suposta porta de entrada para o mundo da felicidade, compreendida como algo individual e utilitário. As técnicas de transformação corporal, em especial a cirurgia estética, prometem a superação das fronteiras da ordem social. (MISKOLCI, 2006, p.685) Ou seja, ainda que os valores sejam hegemônicos e estejam espalhados por toda a sociedade, fazendo parte do senso comum, apenas uma parcela muito pequena consegue atingir todos os requisitos tidos como fundamentais para um corpo perfeito. O culto à disciplina alimentar e de exercícios elude a distância socioeconômica de forma a parecer que o padrão corporal em voga é alcançável por qualquer um e sua não-obtenção a prova do “fracasso” do indivíduo, uma falha “moral” perceptível no estereótipo de preguiça e falta de autocontrole que nossa sociedade atribui a obesos em geral. A revista Júnior, dirigida a um público gay jovem exposto a estas demandas corporais, reforça estas idéias por meio de capas, matérias e – sobretudo – anúncios publicitários em que a adesão a um corpo ideal acenasse com uma possibilidade promissora: a de alcançar aceitação social plena. É como se, ao chegar a esse grupo dos seletos, se deixasse pra trás outras limitações cruzando “a fronteira entre essas categorias belo e feio que, na verdade, são posições sociais.” (MISKOLCI, 2006, p.685). Fracassar nessa busca é encerrar-se em um grupo inferior e infeliz, de modo que não são incomuns casos na qual a necessidade de adequação sobrepõe qualquer outra necessidade, mesmo a saúde ou o desejo de sobrevivência. Tamanha dedicação aos cuidados corporais é um privilégio de classe, levando-se em conta quão dispendiosa é a manutenção e a busca pelo mais último produto milagroso, por mais horas na academia, por alimentações específicas. Também é 20 importante constatar como as técnicas de controle corporal auxiliam na construção de uma subjetividade dócil e assujeitada. Atrelada à noção de saúde, a perseguição constante pela perfeição passa como uma atitude benéfica, mesmo que tenha sido conseguida de modo pernicioso. O viés controlador, individualista e narcisista em geral passa despercebido, uma vez que a adequação corporal aos padrões hegemônicos de subjetividade é o objetivo primeiro e fundamental. Oswaldo Alves Lara Neto, em sua análise da revista VIP, voltada ao público masculino heterossexual, aponta que o interesse pelo embelezamento do corpo passou a fazer parte do cotidiano masculino heterossexual de maneira distinta: na VIP, o temor é apresentar qualquer proximidade com a homossexualidade, incentivando os cuidados com o corpo sempre com o intuito de conquistar as mulheres - vistas como um objeto- e manter-se saudável, forte e “sarado”, como, supostamente, os homens devem ser. A noção de que “homem também pode”, utilizada largamente na VIP, é encontrada também na Júnior, a fim de convencer rapazes de que é natural a preocupação com a aparência- pois embora se trate de uma revista voltada aos gays, eles não querem de forma alguma se despir de sua masculinidade. Até mesmo em uma matéria discorrendo sobre maquiagem- que provavelmente seria vista com desconfiança em uma revista para heterossexuais - a idéia é que ela “não seja visível”, dando apenas “uma aparência mais saudável”. Tanto a VIP quanto a Júnior, a despeito de seus públicos distintos com relação à orientação sexual, reiteram a visão de que um corpo musculoso é sinal de virilidade e masculinidade. O discurso naturalizante as marca igualmente. A revista VIP abre espaço para o homem sofisticado e vaidoso, mas sempre parecendo indicar uma “medida certa” de preocupação com a aparência. Afinal, quando 21 ela é demais, talvez já seja indicativo de “troca de time” 5. Aliás, são tantas as regras para um homem poder ser classificado como “verdadeiro homem” (nem muito desleixado, nem muito vaidoso, musculoso mas não obcecado, durão mas não “ogro”) que chega até a ser paradoxal, levando-se em conta que é a identidade masculina sempre creditada como fixa e natural (NETO, 2006, p.18). Existe um grupo de homens que não teria essa preocupação em encontrar um “meio termo”: admitem intervenções cirúrgicas, uso de cremes, tratamentos estéticos e interesse profundo em roupas da moda, mas são heterossexuais- e afirmam muitas vezes agir dessa forma justamente para conquistar mais mulheres. Seriam eles os chamados metrossexuais, os quais tinham como representante mais famoso o jogador de futebol David Beckham, um símbolo sexual para muitas mulheres. Os metrossexuais eram tidos, na maioria das vezes, como a barreira última entre héteros e homossexuais, pois se aproximam perigosamente das concepções consideradas exclusivas aos gays, sendo alvo, muitas vezes, de uma atitude de suspeita. Em sua tese de doutorado, Isadora Lins França realizou um trabalho de campo em festas destinadas ao público homossexual, sendo uma delas a famosa boate The Week, que apesar de ser tida como “balada gay”, também recebe a visita de heterossexuais. Ela notou que muitas vezes não existe uma diferenciação notável entre os dois públicos, e isso demonstra como em certos segmentos há uma mistura de “mundos”: as cobranças para andar com roupas da moda, ter um corpo escultural e ser bem cuidado atingem tanto os heteros quanto os homossexuais e apesar de no senso comum qualquer excesso de preocupação ser tomado como indesejável, já que paira o medo constante de ser confundido com indivíduos cuja sexualidade é “desviante”, em círculos mais jovens, principalmente, as diferenças estão diminuindo cada vez mais. 5 Em sua monografia, Neto destaca uma frase de uma colunista da VIP, que diz “Músculos demais, gatas de menos. Você tem a força? E daí? Quem gosta de saradão é a turma de arco-íris”. Ou seja, “sarado” demais é malvisto, porém se exercitar e exibir um corpo bem modelado é fundamental. 22 Algumas vezes o “playboy” machão e o rapaz homossexual podem estar trajando as mesmas roupas de marca, correntes de prata e blusas mostrando os trabalhados músculos, dançando ao som da música eletrônica na boate. Em uma entrevista6, o estilista Lorenzo Merlino, ao ser perguntado sobre qual seria o repertório iconográfico gay, respondeu que ele: “[...]migrou para o hétero, o cara se veste como as barbies, depila, toma bomba, igualzinho. As mesmas marcas de roupa, de camisetas[...]”. Essa mistura de universos, na opinião dele, teria sido influenciada pelos metrossexuais, que quebraram um pouco do “receio” que os héteros sentiam ao usar roupas cor-de-rosa, por exemplo, e por isso serem chamados de gays. Isso não quer dizer que o metrossexual seja um personagem fortemente abraçado pela masculinidade vigente como parte dela: na realidade, os metrossexuais também sofrem com piadas e questionamentos a respeito de sua sexualidade, porém o fato de relacionarem com mulheres e algumas vezes serem assediados por elas, faz com que essa rejeição seja bem menos severa que a dirigida aos homossexuais. O culto ao corpo, no caso da Júnior, é extremamente claro: até mesmo a seção de “moda” parece apenas uma desculpa para exibir braços e abdomes torneados, levandose em conta que raramente são dadas informações a respeito da roupa além da sua marca (normalmente famosa e de preço elevado), no canto da página. A preocupação estética e sua integração com a busca pela “vida saudável”, leia-se o corpo idealizado das Barbies7, faz com que o culto ao corpo seja tratado não como mera futilidade, mas busca de aumento de qualidade de vida- ainda que o objetivo principal seja se encaixar nos padrões corporais exigidos. 6 Revista Júnior Ed. 2 Barbies é um termo êmico no universo gay, o qual, no entanto, tem um conteúdo frequentemente pejorativo, daí ser muito mais utilizado para designar Outro do que a si mesmo. Barbie é um rótulo que classifica como artificial um homem forte, musculoso, mas cuja hipermasculinidade também o denuncia como homo-orientado. 7 23 Em uma matéria8 na qual homens na faixa dos 20, 30,40 e 50 anos discorrem sobre seus cuidados corporais, houve diferenças claras entre eles: André, o mais novo, era o mais cuidadoso, regulando rigidamente sua alimentação e utilizando vários tipos de cosméticos; Eduardo, o de 32, usava cosméticos raramente e apenas depois dos 30 começou a cuidar da alimentação; Marcos, de 42, diz comer o que tem vontade e não ter paciência pra cosméticos, preferindo intervenções cirúrgicas; e José, de 56 anos, faz dietas-e as transgride aos fins de semana- e tem cuidados mínimos com cabelo, pele e rugas (“surpreendentemente”, de acordo com a revista, ao perceber que ele era o mais ”tranqüilo” entre os entrevistados apesar de ser o mais velho e, supostamente, demandar mais cuidados com o corpo). Mesmo com as discrepâncias, uma semelhança não pôde ser ignorada: todos eles exercitam-se no mínimo cinco vezes por semana, alguns deles praticando conjuntamente outra atividade física, como yoga, pilates ou boxe - André malha todos os dias, pois tem “tendência a ser magrelo”. A academia de ginástica foi descrita como “ótimo ambiente para sociabilizar” e a atividade física como “relaxante”, “vício”, “prazerosa” e de certa forma, indispensável, pois foi o único cuidado corporal unanimemente citado, instrumento para se alcançar a saúde e também ficar feliz consigo mesmo. O exemplo do laço estreito e altamente elusivo entre saúde e beleza pode ser examinado em uma matéria sobre acne nas costas intitulada Efeito Abacaxi9, a qual discorre sobre esse mal, causado por “verão e anabolizantes”. Expondo fatores de risco ao aparecimento das famigeradas espinhas como o uso de protetores oleosos e alimentação inadequada, o texto afirma que o uso de anabolizantes também não deve ser considerado por quem têm tendências a esse problema de pele, mas curiosamente sequer comenta os outros danos- muito mais sérios- que o uso desse medicamento pode causar. 8 9 Idem Ed. 1 Idem Ed.3 24 Sabonetes de 15 reais, protetores e hidratantes de 50 e tratamentos que são feitos por sessões, cada uma podendo custar até 380 reais, são as soluções apresentadas para evitar e curar tal problema. Parece um texto normal para a seção de Beleza-, afinal acne, apesar de desconfortável e algumas vezes dolorida, costuma ser uma questão muito mais relativa à estética, porém curiosamente ela faz parte da seção “Saúde”, como se no final das contas tudo fosse uma coisa só. Em “Pêlos, melhor mantê-los10”, na seção Beleza, o subtítulo já dita o tom da matéria: “pêlos conferem macheza. A falta deles, delicadeza (...)”. Discursando sobre o simbolismo da presença de pêlos- que significariam mais testosterona e apetite sexual-e a ausência deles, representando um frescor juvenil e necessidade de aprendizado, a matéria entrevistou três rapazes (um designer de 20 anos, um gerente financeiro de 38 e um professor de 39.) e colheu três opiniões distintas: o primeiro, entusiasta dos bears11, afirma sequer olhar para homens sem pêlos, pois se sente atraído pela idéia máscula transmitida por um corpo peludo; o segundo, que faz depilação, pois acredita que a ausência de pêlos acentua seus músculos definidos, se sente atraído por homens de atitude- peludos ou não; e o terceiro, que também se depila a fim de enfatizar seus músculos, prefere que o homem com quem se relacione faça o mesmo. Esse último, inclusive, declara: “não enxergo o fato de ser depilado como algo que comprometa minha masculinidade. Músculos definidos é [sic] o que faz qualquer homem sentir-se mais viril”. Ainda discutindo masculinidade, outra observação feita na matéria foi no mínimo curiosa: o primeiro entrevistado, que se atrai por homens peludos, critica o movimento bear brasileiro, dizendo que “o segmento deixa a desejar já que a maioria dos “ursos” “são gordos, desleixados e, às vezes, afeminados, o que contraria o conceito de outros países”. - uma observação equivocada pois, apesar do grupo dos 10 Revista Júnior Ed. 2 O termo rende muitas interpretações, mas de modo geral se relaciona a homens gays normalmente robustos e rústicos que possuem barba e muitos pêlos no corpo. 11 25 bears não ser completamente uniforme e, portanto, difícil de definir pontualmente, a “gordura” e o “desleixo” recriminados pelo entrevistado são características muito comuns, inclusive, consideradas um diferencial atraente dos bears brasileiros12 e também estrangeiros. Isso torna clara a visão do que é considerado viril e masculino para os leitores da Júnior, já que com pêlos ou sem pêlos, ser gordo e afeminado é desprezado e enquadrado como fora do padrão corporal vigente. Se na revista VIP, o padrão corporal tinha como fronteira e limite aquilo que ameaçasse o leitor com a suspeita de homossexualidade, no caso da Júnior, este temor se constitui no fantasma do efeminamento assim como na recusa da obesidade, possivelmente associada não apenas à falta de disciplina corporal e alimentar, mas também com a idade. Em uma revista claramente voltada para um público jovem, ou que se compreende a partir da juventude, traços de maturidade evocam temores. O que faz pensar se é mero acaso que – no restrito e ainda incipiente mercado editorial gay brasileiro – as revistas voltadas para um público mais velho (na faixa dos 30 anos), a Dom e a Aïme, tenham sido as que saíram de circulação. O aparente sucesso do veículo que se volta para os mais jovens ou que cultuam a juventude como uma suposta característica constitutiva da identidade gay na sociedade brasileira atual contrasta com as mudanças na nossa pirâmide etária. Afinal, o Brasil está deixando de ser um país jovem. De qualquer forma, o mercado editorial parece ter mais sucesso entre jovens em busca de informação e valores para constituir um estilo de vida e é com isto que a revista Júnior acena, não por acaso se associando a valores e padrões estético-corporais também cultuados em outras esferas do consumo do eixo Rio-São Paulo, como a de boates como a The Week. 12 Um dos campos de França é em uma festa voltada aos ursos, denominada Ursound. É possível observar através da opinião de seus entrevistados como o “desleixo”- que no caso seria a falta de preocupação com roupas, marcas e cuidados corporais excessivos- é tido como positivo, que os afasta de uma “cultura gay” fútil e consumista, da qual discordam. 26 Conectando revista, sites de relacionamento online, comércio especializado e boates parece não ser exagero identificar as academias de ginástica e as lojas de suplementos alimentares. Neste circuito de consumo estético-corporal que se mais se parece um aparato, é possível reconhecer enquadramentos, padrões, normas e valores específicos da cultura gay contemporânea, os quais, de forma pouco perceptível, mas muito eficiente, enreda boa parte – se não a maioria – dos gays. Constatação a ser melhor investigada, mas que, se tomada em conta de forma preliminar mostra que, além do preconceito e das dificuldades de viver fora da norma sexual vigente, estes homens também se veem diante de demandas injustas e até mesmo cruéis dentro da cultura a que buscam se inserir. 3.2 Comprando um lugar ao sol: consumo e pertencimento ao grupo Se o corpo é um instrumento afinado, moldado de acordo com as últimas tendências e padrões, as peças que deverão cobri-lo não podem ser menos influentes. A revista Júnior é, além de um catálogo de conduta, um catálogo de compras. Não basta ser, é preciso ter. Ainda que, como observado, os ensaios de moda estejam mais próximos de serem ensaios corporais, partes diversas da revista expõem- direta ou indiretamente- as marcas que devem ser almejadas. O antigo receio que os anunciantes possuíam de veicular-se a uma publicação homossexual e assim, restringir o seu público, diminuiu sensivelmente e propaganda de marcas famosas e respeitadas como Empório Armani, Diesel, Cavalera, Fnac, Osklen, entre outras, estampam as páginas da revista. Indiretamente, entrevistados e modelos posam deixando entrever algum símbolo reconhecido - o mais notado é o da cueca Calvin Klein – a qual também aparece em propagandas e é vista como marco de bom gosto e status. França notou em sua pesquisa 27 essa erotização da cueca masculina, valorizada por ser, em um ambiente no qual o uniforme é o peitoral e abdômen expostos, sem camiseta, um indicador instantâneo de prestígio e bom gosto, além de pertença a um segmento determinado. Dos grupos apresentados por França em seu estudo, o de freqüentadores da The Week 13 é o que apresenta um perfil mais parecido com o do público da revista Júnior, de modo que podemos traçar uma aproximação entre a opinião de seus entrevistados e a possível opinião do público alvo da revista. Partindo disso, há uma relação intensamente voltada ao consumo como instrumento de pertença, identificação e expressão de classe. Existe uma necessidade de se destacar ao mesmo tempo que se busca a inserção no grupo. Usar roupas de marcas consagradas alça o indivíduo ao grupo dos descolados, chamando a atenção por isso. Mas aquele que não as usa também se destaca- só que negativamente - como estranho aos outros. O temor de ser fútil é minimizado pela justificativa de que nesses meios o consumo não é apenas desejável, mas também indispensável. Nas páginas da Júnior, o foco não se volta apenas às roupas, mas a toda sorte de itens. Um dos editoriais, sobre óculos de grau, 14chama bastante atenção pelas marcas e os preços elevados, variando entre R$566 a R$1.817, além de alguns que tinham preço sob consulta. Itens como eletroeletrônicos como o Ipod, tocador de mp3 da célebre marca Apple, ganhou uma seção inteira de indicações de acessórios complementares como capa à prova d‟água, braçadeira e caixas de som 15 -, passando por celulares e móveis (na coluna dedicada a produtos conscientes16, uma camiseta chega a custar 115 reais enquanto o banco de madeira ecologicamente correta custa R$1.288 e o celular tem preço apenas sob consulta.) chegando até itens como de decoração e arte como os 13 Conhecida boate de música eletrônica, com sede em São Paulo- que foi a mais observada por França- e filiais no Rio de Janeiro e Florianópolis. 14 Revista Júnior Ed. 3 15 Idem Ed. 2 16 Idem Ed. 10 28 art toys17, por exemplo, brinquedos assinados por artistas plásticos cujo mais caro mostrado custa 2.200 reais. O texto avisa que existem peças que chegam ao valor de um carro zero. Dados como os acima expressos, mostram que o “gay da Júnior” é um indivíduo de classe A e B, cujas condições financeiras possibilitam a compra de artigos que não são de primeira importância por preços altos, pagando mais pelo valor simbólico da marca do que pela necessidade do objeto. Aqueles que fogem desse padrão, buscam desesperadamente alcançá-lo, ainda que seja através de sacrifícios financeiros- tudo como forma de adequação ao grupo e satisfação do modelo que é passado como ideal: o gay jovem, bonito (leia-se malhado), bem cuidado (ou seja, masculino), moderno e de vanguarda, ou seja, dono dos itens mais cobiçados. 3.3 Sensibilidade Vs Feminilidade: apenas reiteração do masculino? Há sempre uma espécie de dicotomia entre a (suposta) sensibilidade característica dos gays e a necessidade de afirmação da masculinidade. Na edição número 8 há talvez um dos ensaios sensuais mais “delicados”, trazendo rapazes em poses suaves sobre campos muito floridos e, algumas páginas depois, um ensaio de moda tendo como tema a violência e estampando rapazes com caras de malvados, olhos roxos e arranhões. Mais um exemplo é a seção Boys do cry, que traz fotografias de homens às lágrimas e pequenos textos que indicam que o choro seria causado pelo homem amado. O próprio título traz um rompimento da idéia comum de que homens não choram (que também está se amenizando -embora não desaparecendo- inclusive entre os heterossexuais), contudo os modelos retratados não demonstram nenhum traço de feminilidade: são musculosos e, apesar das lágrimas, poderiam muito bem passar por rapazes sofrendo a 17 Idem Ed. 1 29 perda de uma namorada. Portanto, a sensibilidade permanece associada à manutenção da masculinidade hegemônica e, ao contrário do que poderia parecer à primeira vista, a apresentação dela serve menos a valorizá-la em si mesma do que como forma de “educar” o leitor a expressá-la dentro de um padrão aceitável segundo os valores de nossa sociedade. Muitas matérias e imagens afirmam uma diferença entre ser sensível e ser afeminado e não faltam opiniões- dos entrevistados e da própria revista- tratando os segundos com repúdio ou deboche. Supostamente com intuito de ser engraçado, um artigo intitulado “Fundamento pão-com-ovo”18 abusa do uso de gírias gays como “biba”, “bee”, “bofe” entre outras, e conta as desventuras de uma “bicha pão com ovo” (termo pejorativo que designa um homossexual pobre, o qual, supostamente não teria condições de lanchar na rua e levaria pão com ovo para comer após as festas em boates, ganhando assim o apelido-, mas pode se tratar também de “uma bicha de moral baixa, sem escrúpulos nem dignidade e com lapsos de caráter”). Utilizando pronomes femininos para falar de si e da maioria dos personagens, a “bicha pão com ovo” é o narrador, que entra de graça em uma festa chique, se mistura com as “gays belíssimas” que usam cuecas Calvin Klein, calças Diesel e tem o corpo modelado às custas de anabolizantes- e tem um amigo “super-passivona, mas que faz a boy com as bees daquela boate”. Apesar de reclamar do preconceito contra “a bicha pão com ovo”, a quantidade de clichês do texto faz com que o assunto tenha tom de galhofa diluindo qualquer intuito crítico e reforçando o estereótipo, pior, justificando a hierarquia e o desprezo que – supostamente – estaria a criticar. Outra matéria19, do mesmo autor, também abusa dos gírias e fala sobre o “carão”, que consiste no ato de esnobar o outro, jogando os cabelos (também chamados de 18 19 Revista Junior Ed. 2 Revista Junior Ed 1 30 “picumã”) e fazendo pose. Remontando suposta linha histórica do carão, a matéria incentiva a atitude, criando até os 10 mandamentos para um carão bem feito. Escritas logo nas primeiras edições da revista20, essas matérias foram as únicas com esse teor, tratando os homossexuais por artigos femininos, usando gírias desenfreadamente e descortinando um personagem diferente daquele considerado ideal: ao invés do rapaz másculo, musculoso e viril, a “bicha magrela” que faz carão e depois sai desfilando. Apesar de em primeira análise ter sido cogitado que o desprezo por afeminados fosse relacionado ao seu caráter feminino, as entrevistas analisadas na tese de França apresentaram uma possibilidade mais complexa: apesar do cultivo de um corpo malhado e depilado parecer a reiteração de um discurso de masculinidade que rejeita qualquer traço de feminilidade, seus entrevistados não pareciam querer se afastar completamente da “estética gay” no que tange sua relação com as características pregadas como femininas (dançar provocantemente na pista de dança, ter gestos mais delicados, usar roupas justas e coloridas, gostar de compras e artigos da moda e até mesmo tratar-se por artigos femininos). O que incomodava era, antes de tudo, essa associação da “bicha” com o pertencimento a camadas mais populares, além da impossibilidade de transitar entre o mundo hétero e gay quando fosse necessário. Assim, a questão não é exclusivamente se afastar de uma imagem afeminada por desprezo a um “lado feminino”, mas sim se aproximar cada vez mais desse lado sem chegar ao extremo de usar roupas femininas, por exemplo- porque a versão “bicha louca”, que se monta e usa salto alto é considerada de classe baixa e restritiva, já que é malvista tanto por héteros quanto por muitos homossexuais. É importante- e a revista enfatiza bastante esse aspecto- que o gay seja “assumido”, no sentido de consciente de sua identidade como homossexual e, assim, consumidor de tudo o que seja relacionado 20 Apesar de outras colunas de humor mais informal terem surgido- desaparecido- outras vezes, a abordagem mais caricata foi encontrada apenas nessas duas matérias. 31 à tida “cultura gay”, porém ser ou estar com um homem afeminado demais é fugir do padrão vigente de muitas formas, não apenas descendo de sua posição social como também se desvinculando de um modo aparente da masculinidade hegemônica - sendo incapaz de, quando necessário, poder ser considerado um heterossexual mais “moderno” e não atrair atenções indesejadas. Paradoxo fascinante em que a “saída do armário” se revela aceitável desde que se esteja sempre pronto a entrar nele quando for “necessário”. O culto da masculinidade gay se revela, portanto, associado a um valor de classe e da capacidade de conseguir parecer heterossexual. A revista Júnior, assim como o circuito de consumo de seus leitores, revela uma norma tão paradoxal quanto difícil de ser seguida à risca: a de que se deve ser gay, mas dentro de uma conformidade ou flexibilidade de gênero, de forma que a masculinidade hegemônica possa ser acionada quando seja necessário “passar por hetero”. No fim das contas, um valor dos mais altamente erotizados em todo o meio gay brasileiro, nosso equivalente do norte-americano straight-acting. 32 4- Pobres, velhos e feios: discutindo e analisando preconceitos nas páginas de Dossiê. Como já foi citado anteriormente, a revista Júnior passou por mudanças de layout e aparecimento e desaparecimento de seções ao longo do período estudado (ou seja, 12 edições). Como não há nela um espaço para a publicação de cartas do leitor, não se sabe ao certo se as mudanças se deram devido às reações do público ou se foram apenas por decisões editoriais. De qualquer forma, o exame dessas modificações mostrou que apenas a seção Entrevista esteve presente em todos os números, as seções Beleza, Cinema, Pop e Dossiê em quase todas (ausente em apenas um número) e as outras variando muito, chegando a não aparecer por alguns números e depois voltando a aparecer apenas uma vez. O curioso é que embora já fosse de se esperar a presença contínua de assuntos relativos à beleza, música, arte, cinema e mundo pop, a seção Dossiê difere muito do resto da revista. Logo no artigo de estréia, foi apresentada uma análise chamada (H) ALTER-EGO- o músculo como extensão sexual de gênero21 que trazia uma crítica exatamente ao culto ao corpo, escrita pelo antropólogo francês Stéphane Malysse, pósdoutor no Departamento de Multimeios do Instituto de Arte da Unicamp e docente de Artes e Antropologia na USP-Leste. Utilizando-se de termos muito específicos e articulando de forma mais profunda do que aquela geralmente encontrada em textos não-acadêmicos, o estudioso criticou e dissecou toda a exaltação por um corpo definido, realizando discussões sobre gênero, erotismo, masculinidade e estereótipos. A presença deste artigo na revista parecia um sinal de esquizofrenia, já que todo o resto dela se baseia justamente nessa “corpolatria”: na Júnior, em nenhuma de suas edições, houve um ensaio sensual sequer que fugisse da estética musculosa. 21 Revista Júnior Ed. 1 33 A partir daí, outros assuntos polêmicos e sérios foram discutidos nas páginas do Dossiê: um artigo sobre religião de Tiago Duque que cita grandes nomes das Ciências Sociais como Michel Foucault, Peter Fry e Gayle Rubin; outro sobre a vida de homossexuais nas prisões; sobre a situação de gays em cidades pequenas, onde qualquer sinal de diferença é castigado com maledicências e críticas; sobre a violência contra homossexuais, inclusive assassinatos; sobre gays aos 60 anos; sobre moradores de rua homossexuais; sobre política; sobre gays cegos e os preconceitos que sofrem em um mundo tão centrado na aparência. Nas matérias que compõem a seção Dossiê, a revista expõe opiniões que algumas vezes destoam fortemente do “mundo Júnior” geralmente apresentado. Em Questão de tempo22, que entrevista alguns homossexuais com idade acima de 60 anos, o parágrafo inicial determina: “o mundo gay conta com certos mantras ditatoriais, como se sabe. Alguns deles já deveriam ter sido amplamente superados. Como os que se referem à idade” . No entanto, seria a Júnior livre de tais mantras ditatoriais? A começar pelo título cultuador de uma juventude quase adolescente, passando por sua dedicação a exprimir e disseminar um estilo de vida baseado no culto ao corpo, ao consumo e a constituição de subjetividades conformistas, tudo parece provar que a revista segue os mantras editorais que denuncia. A seção Dossiê permanece como um adendo de realidade ao “universo perfeito” do resto da revista, de forma que ela busca, de forma conflitante, se comunicar tanto com leitores vistos apenas como consumidores quanto com aqueles que se preocupam com velhos, moradores de rua, cegos, pessoas que sofreram violência, prisioneiros, etc. Em Neonarcisismo23, artigo de uma seção “móvel” chamada Pensata, há um exame sobre a supervalorização do consumo e da riqueza, na tentativa de explicar o 22 23 Revista Júnior Ed. 9 Idem Ed.. 2 34 motivo de tais características serem dadas como naturais ao público gay. O articulista afirma que não é um comportamento exclusivamente homossexual, mas que de acordo com pesquisas “sujeitos homoeroticamente inclinados percebem sua homossexualidade como um traço anti-ideal” e, portanto, teriam tendências maiores de ver a posse de um objeto valorizado como agregador de valor ao seu eu desvalorizado. O problema seria então a apropriação pelo marketing dessa atitude que alguns gays tomam para se veicular a noção de que todos os gays são consumistas e propensos ao consumo de artigos de luxo, de modo a naturalizar a atitude como intrínseca ao segmento: Um rapaz que recentemente saiu do armário, ao procurar fazer seus primeiros amigos gays, ouviu de um deles uma verdadeira pregação a cerca dos valores do mundo gay. Desta forma os veteranos propagam sua amargura, ressentimento e crenças estereotipadas para os iniciantes, fazendo parecer que está é a verdade para todos aqueles que têm esta mesma orientação sexual Os “culpados” são os gays veteranos, é a mídia, é o marketing, é a indústria, o mercado, mas a revista Júnior se isenta desta responsabilidade já que abre suas páginas para que esse tipo de discussão seja feita- ainda que as abra também para o mercado, o marketing e a indústria, fortalecendo a noção do gay sofisticado e consumista. Essa duplicidade é vista como uma qualidade, já que logo no editorial de estréia se explicita que a Júnior seria “assumida sem ser militante, sensual sem ser erótica, cheia de homens lindos, com informações pra fazer pensar e entreter”. O “pensar” fica por parte desses textos mais sérios, de estudiosos renomados e com questões espinhosas, enquanto o “entreter” se estende pelo resto da revista, com suas fotos sensuais, dicas de moda, festas famosas, viagens para o exterior e sugestões de artigos “indispensáveis”. É válido abrir as discussões sobre pessoas que não se encaixam nos padrões, e inclusive sobre a busca de quebra de padrões, dando voz a minorias que escapam ao “mundo Júnior”, porém isto não modifica o fato de que em nenhuma capa ou ensaio o 35 modelo foge do ideal corporal vigente: jovem, musculoso, bonito e - na maioria das vezes - branco, reiterando justamente o padrão do qual se afirma fugir. Esse julgamento sobre as revistas gays atuais foi brevemente comentado na matéria sobre o Lampião da Esquina, na edição número 10. Discorrendo sobre a importância do extinto periódico e sua contribuição para que a comunidade homossexual buscasse seus direitos e visibilidade, a matéria apresenta opiniões de Agnaldo Silva e João Silvério Trevisan, ambos peças fundamentais d‟O Lampião e ambos desapontados com os caminhos que as publicações gays seguiram, mais preocupadas com o design que com o conteúdo. Chamando as revistas atuais de “marias bonitas”, a Junior finaliza a matéria dizendo que essa disparidade de abordagens vai continuar: Como em todo bom casamento, o Lampião ainda briga com as marias bonitas por serem bonitas demais e não dispararem tiros contra os inimigos homofóbicos que, como os do cangaceiro, também eram pessoas poderosas preocupadas em manter a ordem vigente. A única defesa que a revista faz dessa afirmação é a de que, apesar da inegável contribuição do jornal, agora os tempos são outros e o modelo de textos longos, eruditos e militantes não têm mais o lugar que já tiveram. Assim como a percepção do mercado homossexual como promissor ampliou as possibilidades de criação e manutenção de revistas, através de anunciantes cada vez mais interessados, o que não ocorreu com O Lampião, toda essa articulação mercado/revista acaba comprometendo a liberdade de pautas, que agora devem atingir a maioria dos consumidores que em grande parte preferem matérias leves e rápidas a complexos textos políticos, embora não deixem de se interessar por assuntos mais densos. Na realidade, as incongruências encontradas na revista Júnior parecem muito com as vistas no próprio gay de classe média e alta brasileiro. O público alvo da revista encontra-se em posições diferentes nas hierarquias sociais de nossa sociedade: como 36 fogem do padrão da sexualidade hegemônica, não deixam de sofrer coibição e pressão social, porém ainda são homens, e operam nesse universo masculino de poder, dominação e força, tidas como intrínsecas ao seu gênero. Além disso, fazer parte de uma classe social elevada ameniza as possíveis repressões, mas certamente não as extingue. Por tratar-se de uma minoria perseguida e discriminada, não é possível ser gay sem refletir e conviver com temas delicados: homofobia, violência e preconceito são realidades que os assombram, ainda que suas famílias os aceitem, seus carros sejam blindados e seus condomínios, “seguros”. Existe uma necessidade de expressar positividade e orgulho de pertencer ao grupo, o interesse em consumir os itens tidos como fundamentais e em saber quais são as tendências do momento, buscando dicas de moda e beleza e lendo entrevistas com famosos- exatamente como buscam os leitores de revistas como VIP, Nova ou Capricho. Contudo, não há como ignorar o fato de que fazer parte de um grupo cuja sexualidade é considerada desviante significará sempre ser um possível alvo, principalmente em um país como o Brasil, ainda tão preconceituoso, no qual idéias heterossexistas são constantemente disseminadas e crimes hediondos ainda são cometidos contra homossexuais, considerados perturbadores da moral vigente. Como grupo social, em um passado não muito distante, ou seja, durante as décadas de 1960 e 1970, os gays foram avaliados por muitos como possíveis contestadores da ordem hegemônica, criando formas totalmente novas de relações e construção de subjetividade. Tal esperança não se concretizou completamente, a partir do momento em que forças do controle social moveram o grupo do gueto questionador para um âmbito mercadológico, baseado em consumo e voltado à adequação aos valores impostos pela sociedade (MISKOLCI, 2006 p.691). O peso de ser uma minoria 37 permanece, porém a disposição para realizar mudanças profundas de valores sociais diminui cada vez mais- o que é possível conferir nas páginas da Júnior e será discutido adiante. 5 Sexualidade, promiscuidade e casamento: Era uma vez... 5.1 Contexto histórico Relacionamentos afetivos são assuntos comuns na maioria das revistas, voltadas a qualquer público. Apesar da Júnior não ter esse foco específico, a pauta costuma aparecer, seja através de matérias específicas, seja nas falas dos entrevistados. Além disso, há uma coluna final chamada “Crônica” 24 , muitas vezes dedicada ao tema. Matérias sobre almas gêmeas, loucuras de amor e falas que explicitam a busca por “alguém para a vida toda” dividem espaço com questionamentos sobre a existência de relacionamentos duradouros no “mundo gay”. Para fazer uma análise preliminar dos discursos reproduzidos nas páginas da Júnior não basta simplesmente discorrer sobre os escritos lá encontrados. É impossível desvincular o desenvolvimento histórico, desde a invenção do homossexual como categoria sexual até a atualidade, para desvendar quais os mecanismos por trás da construção dessa visão, tanto de que os gays seriam promíscuos- e portanto terem maiores dificuldades em manter relacionamentos estáveis- quanto de que uma parte significativa deles deseja justamente superar tal dificuldade e encontrar o “amor da vida”, buscando o casamento e até mesmo a constituição de uma família. Começando pelo contexto histórico, antes de chegar à transformação do homossexual em espécie sexual é preciso demonstrar o posto de importância destinado à sexualidade, o que elucida a necessidade social de mantê-la sob controle rígido. Em 24 Presente a partir da Edição 3. 38 História da Sexualidade I-a vontade de saber (1976), Michel Foucault desmonta, logo no início do texto, o que ele denomina hipótese repressiva, que é a crença de que até o século XVII a sexualidade era tratada de forma livre e liberada, mas depois disso se impôs uma forte repressão ao sexo, mantendo o assunto como algo secreto, que deve ser falado com a maior das discrições ou definitivamente relegado ao silêncio. O filósofo francês essa hipótese repressiva ao explicitar, historicamente, como o que se passou foi, na verdade, uma proliferação de discursos relativos ao sexo a partir do século XVIII. Apesar de ser tratado utilizando-se de eufemismos e discrição e em somente certos âmbitos, o sexo era bastante discutido através da confissão religiosa, por exemplo, na qual, para alcançar o perdão era preciso discorrer profunda e extensamente a respeito dos desejos, prazeres e atos sexuais. Toda essa produção de discurso faz com que a sexualidade virasse alvo de análise, contabilidade e classificação, tornando-a possível de se administrar – o que era conveniente, já que se começou a notar que as decisões sobre sexo influíam diretamente na política e na economia da sociedade, como é no caso da demografia, por exemplo. No século XIX, o sexo também passou a interessar aos pedagogos, psiquiatras, médicos e logo se iniciou a criação de discursos acerca da sexualidade das crianças, das “perversões sexuais” e a passagem do que a igreja via como pecado para o que a medicina classificou como doença (como é o caso do “sodomita” que passou a ser designado como “homossexual”), o que culminou na formação de novas identidades sexuais- e na perseguição de todo tipo de sexualidade “periférica”. O comportamento sexual tido como desviante era considerado uma ameaça devastadora pois colocava em xeque toda a base da família tradicional, demonstrando um interesse pelo sexo como forma de prazer e não instrumento de reprodução, questionando as relações de poder entre homens e mulheres ao levantar novas 39 possibilidades de sociabilidade e indo contra todo o pensamento social baseado em uma moral hegemônica. Aqueles que mantinham práticas amorosas e/ou sexuais com pessoas do mesmo sexo se identificaram- ou foram diagnosticados- como parte desse grupo desviante dos homossexuais, o que significava ser objeto de análise, catalogação e controle, buscando “curas” para o seu “mal”, porém sendo vistos basicamente como degenerados sem conserto. Essa visão foi mantida durante um longo tempo e, embora obtivesse reações contrárias em protesto, além de uma constante busca dos homossexuais a maior reconhecimento na sociedade, só começou a ser fortemente enfrentada a partir de 1969, quando eclodiu a Revolta de Stonewall. Respondendo à costumeira repressão policial sobre o bar nova iorquino Stonewall Inn, cujo público era formado por homossexuais femininos, masculinos, travestis e drag queens, os freqüentadores se revoltaram e enfrentaram violentamente a força policial, em um confronto que durou cinco dias e, conforme foi noticiado, angariou mais e mais ativistas contra a violência e o preconceito. Esse episódio se tornou o marco inicial das manifestações por maior aceitação dos homossexuais, cuja identidade se politizou. O termo “gay”, menos pejorativo, passou a ser adotado em grandes proporções ao mesmo tempo que a homossexualidade deixou de ser considerada como doença ou crime. Em um período ainda marcado pela contracultura, os grupos homossexuais representavam a possibilidade de uma inovação sem precedentes sendo que muitos deles pregavam mudanças do cerne da sociedade tradicional como (...) a abolição dos papéis sexuais, a transformação da instituição familiar, a desconstrução das categorias monolíticas da homo e da heterossexualidade, o desenvolvimento de um novo vocabulário do erótico e, sobretudo, a compreensão da sexualidade como prazerosa e relacional ao invés de reprodutiva ou definidora de um status moral aceitável ou reprovável socialmente. (MISKOLCI, 2007, p.107) 40 Na década de 1980, entretanto, o movimento de busca por mudanças sociais foi preterido devido a um assunto mais urgente: o surgimento da AIDS. Atingindo fortemente os homossexuais, principalmente homens, a doença causou a morte de um número incalculável de pessoas. Durante esse período, a informação era escassa e a pecha de doença exclusivamente de um grupo de risco- encabeçado pelos gays, mas que contava também com a presença de usuários de drogas, africanos e haitianos (pois se acreditava que a doença tinha surgido na África ou no Haiti), hemofílicos e prostitutasfoi assimilada de modo quase irrevogável sob o título de “praga gay”. A AIDS criou um verdadeiro pânico sexual25e como tal acabou gerando como resposta um retorno aos valores tradicionais, inclusive por parte dos gays. O movimento político nesse momento se reconfigurou de maneira a priorizar a obtenção de direitos civis para os homossexuais, voltando seus esforços à união com o Estado e rejeitando práticas consideradas “marginais”. Assim, buscando uma integração maior do grupo na sociedade - objetivo que continua sendo perseguido nos dias atuaisadotou como bandeira principal, em nossos dias, a busca pelo direito ao casamento civil. Essa luta de gays e lésbicas para alcançar os mesmos direitos concedidos aos heterossexuais é válida no que diz respeito à obtenção de igualdade, visibilidade e aceitação. No entanto, analisando o potencial modificador já creditado ao grupo, essas lutas que se dão em um âmbito conservador acabam sendo normalizantes. Na visão de teóricos queer, para rejeitar o estereótipo de compulsão sexual latente, os gays e lésbicas querem provar que podem se „enquadrar‟ nas normas vigentes, sendo capazes de manter relacionamentos estáveis e adequar suas práticas aos requisitos de 25 Pânico Moral pode ser definido como a idéia de que grupos específicos de indivíduos ou de práticas são vistos pelo resto da sociedade como ameaça à moral e aos valores socialmente estabelecidos. O pânico moral faz com que haja uma impressão quase que coletiva de que a sociedade está ameaçada, alvo de possíveis mudanças aterradoras, e que a solução para isso seria o retorno aos valores tradicionais e o exercício de forte controle sobre os indivíduos e as condutas “desviantes” 41 uma ordem moral hegemônica. Utilizando uma noção de hierarquia sexual 26 de Gayle Rubin, o fato de ser homossexual sempre será negativo, porém pode ser amenizado quando combinado a características sexuais tidas como positivas tais quais o matrimônio e a monogamia. Isso não significa, de forma alguma, que a associação entre homossexuais e promiscuidade tenha sido superada: esse estereótipo de que os gays são promíscuos não é irreal de acordo com a própria revista Júnior. Saunas gays e dark rooms 27 são exemplos de locais em que homens podem ir exclusivamente para satisfazer suas necessidades sexuais sem compromisso. Além deles, desde sua disseminação comercial a partir de 1997, a internet vem sendo instrumento útil para a comunicação de pessoas de lugares diversos, mas com objetivosmuitas vezes puramente sexuais- em comum. A questão é que essa liberdade sexual não é exclusiva dos homossexuais já que heterossexuais também estão inseridos nesta cultura hedonista atual, tendentes a relações sem envolvimento duradouro. Enquanto os homens são mais livres de amarras sociais no que diz respeito ao seu prazer, as mulheres ainda cultivam preocupações com a sua “honra” e “reputação”: se fala de sexo mais abertamente e existiu de fato uma maior liberação feminina, que possibilitou uma vida sexual muito mais ativa, entretanto até mesmo em revistas vistas como ousadas (Nova Cosmopolitan, por exemplo, que traz guias de sexo lacrado, com imagens gráficas) retoma questões extremamente conservadoras como “fazer ou não sexo no primeiro encontro”, explicitando o medo que a mulher tem de ser julgada por sua sexualidade. Se os homens heterossexuais muitas vezes fazem uma diferenciação entre a mulher que merece ser valorizada e a que não (mulher pra casar X mulher pra 26 Em “Pensando sobre Sexo”, de 1984, a antropóloga Gayle Rubin discorre sobre um sistema hierárquico de valor sexual, no qual o casal heterossexual unido pelo matrimônio ocuparia o topo da pirâmide de respeitabilidade, e quanto mais características relativas a uma sexualidade “má” (como por exemplo, fetichismo, promiscuidade, sadomasoquismo, relações entre gerações etc..), mais baixo a pessoa se localizaria na pirâmide, e mais perseguição ela sofreria. 27 Algumas boates dispõem de ambientes escuros chamados dark rooms nas quais, protegidos pela ausência de iluminação, os freqüentadores realizam trocas sexuais, anônimas ou não. 42 sexo), os homossexuais não parecem considerar um parceiro menos digno exclusivamente por ter aceitado fazer sexo sem compromisso, e assim estariam mais abertos a esse tipo de relação rápida e fugaz.28 A visão do senso comum, contudo, avalia de formas diferentes as liberdades sexuais dos grupos hetero e homo: no caso do homem heterossexual, ter interesse constante em sexo é sinal de virilidade e masculinidade. Quanto mais parceiras e relações tiver, mais bem sucedido é na “arte”sexual, na qual precisa ser extremamente hábil- não só porque se importa com o prazer da mulher (o que nem sempre ocorre), mas para atingir a posição de “bom de cama”, alimentando seu ego e confirmando seu desempenho de “macho”. No caso dos homens homossexuais, o interesse por sexo ultrapassaria os limites do normal: ele seria um exemplo claro de incapacidade de autocontrole. A “compulsão” não seria só temida por atacar a moral e costumes tradicionais, mas também porque poderia trazer situações perigosas não só para eles próprios como para a sociedade. A contaminação pelo HIV é um exemplo claro. Atualmente as informações sobre a doença são muito maiores, é sabido que o número de casos de contaminação é crescente no grupo de mulheres casadas – até pouco tempo considerado como totalmente seguro - e campanhas de conscientização visam principalmente os jovens heterossexuais, mas isto não impede que um resquício da mentalidade dominante nos anos 80 permaneça até hoje de forma que, para muitos, a AIDS ainda é majoritariamente relacionada aos gays. Essas disparidades revelam a injustiça sofrida por um grupo subalterno, quando comparado ao hegemônico. A fama de que o homem seria- “por natureza”- insaciável é 28 Essa hipótese, formulada através da observação da bibliografia e também das revistas analisadas, não se estende a casais de homossexuais femininos pela ausência de base acadêmica para realizar tal afirmação. Partindo, no entanto de uma observação puramente pessoal, acredito que entre mulheres também exista mais liberdade sexual e menos julgamento de valor relacionado ao ato de fazer ou não sexo sem compromisso, principalmente por tratar-se de uma relação de igualdade. Na relação homem X mulher, o masculino, como dominante, veria a si mesmo como dotado da capacidade- e direito- de julgar os moldes na qual o dominado deveria se portar, algo que, pelo menos supostamente, não aconteceria em relações homossexuais-tanto masculinas quanto femininas. 43 comum a ambos, porém no caso homossexual essa insaciedade beira a patologia, enquanto para o heterossexual é sinônimo de vigor. Não é raro ouvir como justificativa para relacionamentos extraconjugais essa necessidade intrínseca que os homens- e apenas eles -teriam de se relacionar com mulheres diferentes. Tal justificativa também é propagada por muitos homossexuais, que compartilham da noção de masculinidade hegemônica e vêem suas necessidades sexuais como uma característica propriamente masculina. Ainda que haja tanta semelhança no comportamento de homens, quer hetero ou homo-orientados, no entanto, a futilidade, superficialidade e vulgaridade são atribuídas socialmente apenas aos gays. 5.2- Da libertinagem ao par ideal: sexo e amor nas matérias e entrevistas. Não tinha essa coisa de casamento. Ao mesmo tempo que se vivia sobre o mesmo teto, transava-se com todo mundo. Eu tinha N namoradinhos, em casa inclusive. Eu tinha uma paixão pela Wilma, a gente ia pra casa da Gal e transava lá, Lenny ia e dormia lá também. Era outro entendimento de relação, existia uma liberdade que acontecia a partir da espontaneidade, que é uma liberdade que não acontece mais. 29 A fala acima é de Ciro Barcellos, coreógrafo, bailarino e ator que em uma entrevista contou sobre sua vivência sexual e amorosa. Apesar de ser possível notar que durante toda sua vida o entrevistado não se ateve a estereótipos sexuais (atualmente há 3 anos sozinho, disse que seu ultimo relacionamento foi com um casal), há uma clara mudança entre o período citado acima - meados da década de 70 - e o presente, no qual não existe tal liberdade. Ao ser perguntado sobre quando voltou para o Brasil após uma temporada no exterior, ele responde: No início dos anos 80 e foi um baque. Tinha um estereótipo esquisito e altamente repressor. Fiquei chocado com aquilo, estava tudo mundo careta. Daí começa essa coisa do carão, um esnoba o outro, aquela coisa de estar louco pra fuder, mas tem todo um comportamento que nos anos 70 não tinha [...]. Nessa volta nos anos 80 a ditadura tinha acabado, mas havia uma 29 Revista Júnior Ed. 3 44 ditadura sexual. Não havia mais aquele cerceamento de liberdade, mas se perdeu a espontaneidade e aí perdeu a graça. A promiscuidade citada por Ciro tem um caráter muito mais político que puramente sexual. Sexo, nesse caso, é rebeldia, “você andava pela rua e via a garotada de batom na boca, de tamanco e afrontando a polícia” (Revista Júnior, p. 34). Era o período da contracultura, do questionamento, do choque contra valores tradicionais vistos como ultrapassados e vontade de derrubá-los. Apesar de em nenhum momento citar a AIDS, é possível imaginar que a repressão sexual tenha decorrido devido ao seu surgimento, modificando fortemente essa sensação de liberdade anterior. Já a “promiscuidade” citada como problemática nos tempos atuais tem muito mais relação com o hedonismo e individualismo. Quando em matérias, a discussão sobre relacionamentos normalmente começa com comentários a respeito da supostamente comum rotatividade de parceiros: "Noitadas semanais, pegação, sexo rápido e fácil. Falar de amor já virou piada em algumas rodas gays" (Revista Júnior, Ed. 12 p.76). 30 Isso não significa, contudo, que os relacionamentos mais duradouros e românticos estejam sendo deixados de lado: na realidade, muitos entrevistados contam como viveram romances de “contos de fada”, superando dificuldades por amor e visando em algum momento a adoção de uma criança e a formação da família. Aliás, muitos são os casos em que relacionamentos longos são chamados de casamento. No artigo “Era vidro e se quebrou” 31 , homens que já se consideram “descasados” depois de um relacionamento de muitos anos discutem sobre os fatores que causam a separação. É curioso observar, contudo, que embora a premissa da matéria seja avaliar o “prazo de validade” das relações entre gays, que seria menor que entre héteros, os rapazes entrevistados tiveram relacionamentos de até 10 anos, um período que pode ser considerado como bem longo (e que não se restringe apenas a essa matéria, 30 31 “Mudei de vida por amor”, escrita por Neto Lucon Revista Júnior Ed. 11 45 levando-se em conta que em “Amor da vida real” 32 dois dos casais terem uma década de relacionamento.) De forma geral, nota-se a idealização de que o casamento real deveria durar para sempre, algo que nem todos acreditam impossível. Na matéria afirma que “A tão apregoada necessidade do homem de ter vários parceiros sexuais pode ser considerada uma inimiga de relacionamentos gays duradouros” (Revista Júnior Ed.11, p. 74), demonstrando a naturalização já comentada na qual o homem tem impulsos sexuais incontroláveis. Talvez seja a crença na existência de tal impulso que tornam alguns homens mais propensos a relevar as “puladas de cerca” do parceiro. O artigo “Os Bolachas” 33 fala sobre rapazes que são românticos e preferem programas a dois a ir a boates, fazem juras de amor constantes e choram ao fim de um relacionamento. Devido à idealização de um relacionamento perfeito, a monogamia vem como característica desejável, mas não necessariamente crucial: embora tenha quebrado tudo na casa do namorado após vê-lo saindo de um banheiro com outro homem, o entrevistado perdoou o ocorrido uma semana depois-e atualmente comemora o namoro de “quatro anos de muita treta e muito amor”. O relacionamento ideal tem, portanto, os contornos de um relacionamento monogâmico e exclusivo, afastado da atual promiscuidade e superficialidade e atingindo níveis sentimentais mais profundos, porém alguns “deslizes” acabam sendo relevados, nesse caso “em nome do amor”. Se o termo “casamento” povoa as páginas da Júnior, a questão da adoção aparece em menor proporção, muitas vezes como uma idéia para o futuro. A intenção de adotar, porém, é tida como uma experiência muito enriquecedora e a luta pelo direito de casais homossexuais em formarem uma família dessa maneira é fortemente defendida. Em 32 Idem Ed. 2 O termo “bolachas” refere-se às homossexuais femininas. É possível notar mais uma vez a naturalização das mulheres, que seriam mais românticas, idealizadoras e dramáticas. 33 46 “Família Feliz” 34 é contada a história de João Amâncio e Edson Torres, juntos há 17 anos, que adotaram quatro irmãos órfãos e, somados aos filhos naturais de Torres (dois de um casamento anterior e um concebido durante um período de crise entre os dois), formaram uma família de 9 pessoas. No Brasil, a adoção por homossexuais solteiros ainda é incomum, de modo que casos como este são comemorados como grandes conquistas. João se dirige àqueles que têm duvidas entre adotar ou manter a construção de uma vida apenas para si e o parceiro dizendo que “todos os gays merecem ter o direito de constituir uma família”, atitude que os conectaria a uma criança cheia de carinho e orgulho pra dar, melhorando sua qualidade de vida. Quando questionado se a vida deles mudou muito, a resposta é positiva, mudou para a melhor: “O casal passou a ter hábitos mais saudáveis, como fazer refeições em casa e diminuir o ritmo da jogação. „Saindo menos, não gastamos tanto dinheiro com supérfluos e nos dedicamos mais a coisas realmente construtivas‟”. Aliás, dinheiro não seria um impedimento, pois mesmo ganhando pouco, seria apenas uma questão de remanejamento a fim de abrir mão do que não faz falta de verdade para tirar uma criança de um futuro incerto. Esse discurso remonta a uma idéia muito comum de que a constituição da família é- ou pelo menos deveria ser- o objetivo de todas as pessoas, inclusive as que se relacionam com outras do mesmo sexo. Para isso, relevar certas necessidades pessoais por um bem maior (no caso, um filho) é tido como atitude “natural”, de modo que ter uma família nesses moldes traria apenas vantagens: hábitos saudáveis, gastos controlados, preocupações mais construtivas e uma melhora de si mesmo como pessoa. Não há um sacrifício tanto quanto um “chamado” à “responsabilidade” compreendida como a adesão ao modelo mais tradicional de relacionamento amoroso, aquele que 34 Revista Júnior Ed. 9 47 resulta na constituição de uma família. Este chamado à “tradição” não parece mais ser motivo de dúvidas ou questionamentos como nos relatos de quem viveu o período da contracultura e os obstáculos à realização do “conto de fadas” parecem estar mais na legislação do que nas particularidades dos relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo. O ideal amoroso monogâmico, quiçá legalizado e até mesmo reprodutivo se converte ele mesmo em algo a ser “consumido”, mas ainda como um ideal enquanto predomina o suposto “hedonismo” do presente. Seja como for, por meio dessas observações pode-se notar que o discurso encontrado na Júnior reitera em muitos momentos concepções hegemônicas e tradicionais, principalmente quando relacionada aos relacionamentos afetivos. De forma mais uma vez paradoxal, mas altamente reveladora, tal culto “romântico” da busca do parceiro ideal, da “outra metade de laranja” se apresenta em um veículo financiado por um circuito comercial mais voltado ao consumo, inclusive de “pessoas”. Afinal, certo culto ao individualismo consumista forma o alicerce de quase toda a mídia segmentada. Assim, como é comum no meio gay brasileiro contemporâneo, não é de se estranhar que propagandas de saunas e as sugestões de festas mais badaladas dividam espaço com artigos sobre a busca do verdadeiro amor, histórias de superação e a duração dos casamentos. Afinal, historicamente, na esfera da masculinidade, hegemônica ou subalterna, a busca do “verdadeiro amor” jamais invalidou a busca de diferentes parceiras/os, mesmo quando dentro de uma relação estável. 48 6. Considerações finais Percebemos que, de um jeito ou de outro, todo mundo que trabalha ou colabora na Junior é outsider35 e que isso aparece de maneira bem clara nas pautas deste número. Só que também de um jeito ou de outro, todos transitamos, sem desconforto algum, no coração do sistema. Por isso, a revista tem esse jeitão meio underground 36, recheada de referencias da chamada cultura alternativa, mas com uma roupagem sofisticada, usando 38 todos os recursos e conhecimentos que o mainstream37 pode prover. Escrito por André Fischer, idealizador da Júnior, o trecho acima demonstra claramente a visão que a revista tem de si mesma. Apenas o fato de ser dirigida a um grupo estigmatizado já conferiria a ela características peculiares, de rebeldia, de quebra de estereótipos, de vanguarda. A soma de tais valores à lógica de mercado é tida como exclusivamente positiva, capaz de angariar e unificar conhecimentos e recursos do mainstream ao lado alternativo e criando, portanto, uma publicação completa em todos os âmbitos. O breve estudo realizado nesta monografia, todavia, difere desta visão. A comparação entre publicações voltadas aos héteros e aos homossexuais se dá com fins de análise, entretanto a busca por semelhanças acabou demonstrando que, em um contexto gay, até mesmo o que à primeira vista aparenta ser comum desenvolve-se por um viés particular. Isso significa que, por um lado, ter como público alvo os homossexuais é de fato fazer parte de uma conjuntura específica, lidando com questões especiais do grupo, mas isso não significa que a Júnior esteja livre de reiterar os estereótipos que se propõe derrubar. Esta suposta associação imediata entre ser voltada aos gays e ser “subversiva” é quebrada a partir do momento em que se observa como a revista não só reflete padrões baseados em uma naturalização de determinada 35 Termo em inglês que pode ser traduzido como “estranho” e relaciona-se a sair do padrão, ser o “azarão”, não se encaixar. 36 Termo em inglês que é traduzido como subterrâneo, escondido ou clandestino. 37 Termo em inglês que tem como um dos significados o termo “corrente principal” 38 Seção “Preliminares” Revista Júnior Ed. 4 49 “identidade gay” como os influencia, contribuindo para criar identidades, moldar a subjetividade e até mesmo o corpo de seus leitores. A naturalização, tão utilizada pela mídia em geral, acaba sendo um poderoso instrumento, pois afirma como natural identidades que são construídas socialmente, justificando dessa forma a manutenção e a propagação do padrão social vigente. Ser mainstream não significa exclusivamente ter mais recursos e visibilidade: é também fazer parte de um sistema no qual se estabelecem relações tensionais entre grupos dominados e dominantes, sob o controle da visão hegemônica. Além disso, o objetivo principal ao estar no mercado é alcançar o lucro, de modo que há um compromisso constante em oferecer exatamente o produto que é demandado pelo consumidor- e não refutar a ordem social na qual está inserida. É um movimento duplo pois ao mesmo tempo que a revista se foca em suprir uma demanda, ela a cria, servindo de guia de conduta e consumo, demonstrando o que o gay brasileiro precisa ser e querer para fazer parte do grupo. Apesar de assumir a inspiração em revistas gays como a francesa Têtu ou a americana Out, a proposta da Júnior era ser diferente, fiel às especificidades de uma comunidade gay brasileira. Tal premissa não foi alcançada totalmente, de modo que o termo “brasileira” não parece o mais adequado para articular as características da publicação: além de ainda guardar muitas semelhanças com revistas estrangeiras (cujo público é bem mais consolidado e distinto do brasileiro), ela aparenta estar mais relacionada ao eixo Rio- São Paulo, além de se dirigir a um grupo que de forma alguma compreende a totalidade do país. O público que a Júnior exalta e para qual se dirige é formado por rapazes com dinheiro e disponibilidade para esculpir seus músculos ao gosto do padrão vigente e adquirir artigos variados por preços altos, o que não faz parte da realidade da maioria das pessoas nem mesmo nas duas maiores cidades do país. 50 Prestes a completar o seu terceiro ano, a revista Júnior pode ser considerada um veículo muito novo. Inserida em um contexto editorial ainda instável, na qual revistas para o público homossexual surgem e desaparecem com relativa rapidez, ela ainda está buscando uma fórmula para permanecer no mercado, variando abordagens e visando a adequação ao contexto atual. Como objeto de pesquisa, ela proporcionou uma discussão preliminar a respeito da criação e propagação de uma masculinidade específica dos homossexuais aos quais se dirige, com demandas corporais, subjetivas e de consumo formadoras de identidades normalizadas e assujeitadas. Apesar da pretensão de alcançar toda a “cultura gay”, inclusive com reportagens e artigos que buscam desconstruir opiniões tidas como conservadoras e abrir espaço para uma minoria dentro da minoria (gays que são também afeminados, gordos, velhos ou de classe baixa), suas páginas acabam reiterando a visão social hegemônica, de homens musculosos, ricos e masculinizados. A perpetuação de estereótipos em um veiculo que supostamente estaria livre deles é apenas uma das contradições encontradas na Júnior, na qual se engendram questões políticas, mercadológicas e sociais formando uma malha complexa e intrigante, material profícuo para muitas outras discussões. 51 Material analisado Revista Júnior, editora Sapucaia/ MixBrasil. Edições utilizadas: 1 a 12 (Setembro de 2007 a Agosto de 2009). Bibliografia ALMEIDA, Miguel Vale de. Senhores de si - Uma interpretação antropológica da masculinidade. Lisboa: Fim de Século, 2000. BASSALO, Lucélia de Moraes Braga. Juventude, homossexualidade e mídia digital. In: XIV Congresso Brasileiro de Sociologia, 2009, Rio de Janeiro. XIV Congresso Brasileiro de Sociologia, 2009. DARDE, Vicente William da Silva. A construção de sentidos sobre a homossexualidade na mídia brasileira. Revista de Biblioteconomia e Comunicação (UFRGS), v. 14, p. 223-234, 2008. FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I – A vontade de saber. 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