ciências veterinárias
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R E V I S TA P O R T U G U E S A DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS Lisboa • Ano 107º • Vol. CIII • Nº 567-568 • pp 113 - 248 • Jul - Dez 2008 Propriedade Sociedade Portuguesa de Ciências Veterinárias NIPC - 501 334 327 Fundador João Viegas Paula Nogueira Director José Pimentel de Carvalho Editor Co-editor Yolanda Vaz José Alexandre Leitão Conselho Editorial Cristina Lobo Vilela José Robalo Silva José Pedro Lemos José Oom Vale Henriques Luís Anjos Ferreira Telmo Pina Nunes Endereço / Address Edifício da Escola Superior de Medicina Veterinária Rua Gomes Freire 1169-014 Lisboa – Portugal Tel. +351 213580222, Fax +351 213580221 Internet: http://rpcv.fmv.utl.pt Publicidade Apoios Design Gráfico e Paginação Pré-impressão e Impressão Sociedade Portuguesa de Ciências Veterinárias Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Técnica de Lisboa Maria José Beldock Sersilito – Empresa Gráfica, Lda. Travessa Sá e Melo, 209 Gueifães - Apartado 1208 4471-909 Maia É permitida a reprodução do conteúdo desta revista The reproduction of the contents of this publication is permitted Desejamos estabelecer permutas com outras publicações We wish to establish exchange with other publications Os trabalhos submetidos para publicação são analisados por especialistas Papers submitted for publication are peer reviewed A Revista Portuguesa de Ciências Veterinárias foi fundada em 1902 Publicação Semestral Tiragem 1000 exemplares Preço 25,00 Euro Índice Artigos de revisão Quando separar o vitelo recém-nascido da vaca leiteira? Uma revisão dos efeitos sobre bem-estar animal, produção leiteira e reprodução When to separate the new-born dairy calf? A review of the effects on welfare, milk production and reproduction 117 George Stilwell A produção de ovinos Damara e Dorper e de caprinos silváticos em sistemas extensivos de produção na Austrália The production of Damara and Dorper sheep and feral goats in extensive production systems in Australia 127 André Martinho de Almeida Demodicose canina Canine demodicosis 135 José Pedro A. Leitão, João Paulo A. Leitão Memórias científicas originais Estudo parasitológico em bovinos leiteiros da microrregião do Caparaó, Espírito Santo, Brasil Parasitological study in dairy cattle of Caparaó microregion, Espírito Santo State, Brazil 151 Pedro I. F. Junior, Larissa C. Demoner, Barbara R. Avelar, Louisiane C. Nunes, Dirlei M. Donatele, Isabella V. F. Martins Lesões renais intersticiais e tubulares na leishmaniose visceral Renal lesions in interstitium and tubule in visceral leishmaniasis 157 Leopoldina A. Gomes, Hiro Goto, José L. Guerra, Ana L. B. Mineiro, Silvana M. M. S. Silva, Francisco A. L. Costa Avaliação clínica neonatal por escore Apgar e temperatura corpórea em diferentes condições obstétricas na espécie canina Canine neonatal clinical evaluation through Apgar score and body temperature under distinct whelping condition 165 Liege C. G. da Silva, Cristina F. Lúcio, Gisele A. L. Veiga, Jaqueline A. Rodrigues, Camila I. Vannucchi Flora bacteriana aeróbia em otites caninas Aerobic bacterial flora of the canine otitis 171 A. C. P Silveira, C. D. R.Roldão, S. C. A Ribeiro, P. F. A. Freitas Mieloencefalite protozoária eqüina em equinos nativos do município de Bagé-RS, sul do Brasil Equine protozoal myeloencephalitis in horses from Bagé, southern Brazil 177 Luciana A. Lins, Friedrich Frey Junior, Maria Elisabeth Aires Berne, Carlos E. W. Nogueira Effects of two phytotherapics formulations containing Glycine max (L.) Merr on general reproductive performance in Wistar rats Efeitos de duas preparações fitoterápicas contendo Glycine max (L.) Merr sobre o desempenho reprodutivo de ratos Wistar Clarissa Boemler Hollenbach, Carlos Eduardo Bortolini, Juliana Machado Batista da Silva, Emanuel Boemler Hollenbach, Lucas Hirtz, Fernanda Bastos de Mello, João Roberto Braga de Mello 181 Parasitismo intestinal em avestruzes (Struthio camelus australis Linnaeus, 1786) da Região Sul do Estado do Espírito Santo, no ano de 2006 Intestinal parasitism on ostriches (Struthio camelus australis Linnaeus, 1786) from South Region of Espírito Santo State, in 2006 189 André M. B. Batista, M. Angélica V. da Costa Pereira, Gilmar F. Vita Pesquisa de hemoprotozoários em aves de rapina (ordens Falconiformes e Strigiformes) em centros de recuperação em Portugal Study of haemoprotozoa in birds of prey (orders Falconiformes and Strigiformes) in wildlife rehabilitation facilities in Portugal 195 N. G. Santos, M. C. Pereira, P. M. Melo, L. M. Madeira de Carvalho Enumeração de Escherichia coli em carne bovina e de aves através de metodologia miniaturizada utilizando-se "eppendorf" e caldo fluorogênico Enumeration of Escherichia coli in meat and poultry by using a miniaturized methodology "eppendorf" and fluorogenic broth 201 Robson M. Franco, Samira P. S. Mantilla, Analy M. O. Leite Ocorrência de Escherichia coli em suínos abatidos nos Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina utilizando diferentes metodologias de isolamento Occurrence of Escherichia coli in pigs slaughtered in the states of Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná and Santa Catarina using different methodologies of isolation 209 Robson M. Franco, Samira P. S. Mantilla, Raquel Gouvêa, Luiz A. T. de Oliveira Controle microbiano em linha de produção de queijos Minas frescal e Ricota Microbial control in line of "Minas frescal" and "Ricota" cheese production 219 Vidiany A. Q. Santos, Catharina C. P. de Carvalho, Tânia M. V. Gonçalves, Fernando L. Hoffmann Caso clínico Severe aortic stenosis in a Persian kitten Estenose aórtica severa em um gato Persa 229 Marlos G. Sousa, João Paulo da E. Pascon, Alexandre M. de Brum, Priscila A. C. Santos, Aparecido A. Camacho Complexo hiperplasia endometrial cística-piometra em uma cadela tratada com acetato de medroxiprogesterona como método contraceptivo Cystic endometrial hyperplasia-pyometra complex in a mongrel bitch treated with medroxyprogesterone acetate as a contraceptive method 233 Hanniele R. Moreira, Stefânia A. Miranda, Adriel B. de Brito, Washington L. A. Pereira, Sheyla F. S. Domingues Suplemento Elie Metchnikoff na Ilha da Madeira 241 Ciências Veterinárias 2008 | IV Congresso da SPCV | I Congresso Ibérico de Epidemiologia Veterinária 245 Vida associativa 247 ARTIGO DE REVISÃO R E V I S TA P O R T U G U E S A DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS Quando separar o vitelo recém-nascido da vaca leiteira? Uma revisão dos efeitos sobre bem-estar animal, produção leiteira e reprodução When to separate the new-born dairy calf? A review of the effects on welfare, milk production and reproduction George Stilwell* Centro de Investigação Interdisciplinar em Sanidade Animal, Faculdade de Medicina Veterinária, TULisbon. Av. da Universidade Técnica, Alto da Ajuda, 1300-477, Lisboa, Portugal Resumo: Existem várias variantes quanto ao momento de separação do vitelo recém-nascido da vaca leiteira. As razões para a adopção de uma ou outra estratégia dependem quase sempre de circunstâncias práticas, como o tipo de instalação ou disponibilidade de mão-de-obra. No entanto, existem outros factores que deveriam ser levados em conta na escolha do momento óptimo para se fazer a separação. São exemplos: os efeitos sobre produção leiteira, sobre o crescimento do vitelo, sobre o comportamento, sobre o reassumir da actividade reprodutiva, e sobre a imunidade. Adicionalmente é também crucial abordar as questões éticas relacionadas com o bem-estar da vaca e do vitelo. Este tema tem-se relevado de crescente importância na imagem que as explorações leiteiras transmitem para o público em geral e para os consumidores de produtos lácteos em particular. Porque a separação da cria ao nascimento é um assunto que frequentemente suscita reacções negativas, é importante que se revejam os efeitos que as várias abordagens podem ter sobre o bem-estar da vaca e do vitelo. Neste artigo propomos rever os conhecimentos actuais sobre os efeitos da separação vitelo-mãe desde o momento do parto até semanas após o nascimento. O objectivo é proporcionar as bases científicas para uma escolha mais criteriosa do método. Summary: There are several ways to handle the dairy cattle post-partum regarding the time calves should stay with their dam. The reasons usually behind each strategy are related to management circumstances, namely man-power availability and facilities. However, there are several other aspects that should be addressed and should influence the decision in each farm. For example, milk yield, calf growth, future fertility, behaviour and cow and calf immunity. Additionally ethic concerns should be taken in account because animal welfare is a growing concern for European consumers, and cow-calf separation a very sensitive issue. This paper discusses the consequences of different suckling systems regarding milk production, udder health, reproduction and behaviour of high producing dairy cows and also the effects on growth, health and behaviour of the calves. The main objective is to provide scientific data that will allow the veterinarian and the farmer to choose the best systems for their farms. *Correspondência: stilwell@fmv.utl.pt Tel: + 351 918476200 Introdução Um inquérito realizado nos EUA mostra que cerca de 52% das explorações separa o vitelo imediatamente após o parto, 22% fazem-no depois do vitelo mamar mas antes das 12 horas, 16% separam entre as 12 e as 24 horas e cerca de 10% deixa mãe e cria por mais de 24 horas (USDA APHIS, 2002). Números mais recentes (USDA-APHIS, 2007) não mostram grandes diferenças com mais de 40% das explorações a deixarem o vitelo mamar o primeiro colostro na vaca. Se bem que não existam estudos em Portugal que garantam os números, diríamos que as proporções serão bastante parecidas no nosso país. Em contraste, em alguns países europeus (Grã-Bretanha e países nórdicos), onde a produção de leite biológico tem uma crescente expressão, o número de animais que ficam com as mães durante dias ou semanas é bastante mais significativo. Por exemplo na Suécia as explorações produtoras de leite orgânico têm de deixar os vitelos com as mães durante pelo menos 4 dias (KRAV, 2007) e na Dinamarca pelo menos 24 horas. O mesmo acontece em sistemas pouco intensivos de países em vias de desenvolvimento, em que as condições permitem a criação do vitelo com a mãe associado a uma ou duas ordenhas diárias (Pérez-Hernandez et al., 2002; Perea-Ganchou et al., 2005). As razões por detrás da escolha do momento de separação variam muito de exploração para exploração e são muitas vezes de índole prática, como por exemplo, a ausência de mão-de-obra disponível para vigiar o parto e separar imediatamente o vitelo; a tentativa de poupar a intervenção humana, permitindo que o vitelo tome o colostro directamente da mãe; ou o tipo de maternidade que não permite a manutenção do vitelo com a mãe (parques com cubículos, por exemplo). Uma outra razão que leva alguns produtores a deixar o vitelo algumas horas com a vaca, é a ideia que a absorção de anti-corpos pelo vitelo é superior se este mamar na mãe. Raramente existem razões éticas, 117 Stilwell G de bem-estar, de sanidade ou de rendimento futuro a justificar a opção. O momento de separação pode influenciar, de uma forma mais ou menos pronunciada e prolongada, uma série de aspectos: - A imunidade activa dos vitelos e da vaca devido essencialmente aos altos níveis de cortisol e baixa produção de interferon após a separação (Hudson et al., 1976; Hickey et al., 2003). - A libertação de diversas hormonas (ocitocina, prolactina, gonadotrofinas, cortisol, hormona do crescimento etc.), que afectam a produção leiteira e o crescimento. - A imunidade passiva de origem materna, já que os vitelos nascem agamaglobulinémicos e precisam da ingestão do colostro nas primeiras horas de vida para garantir uma resistência suficiente contra a maioria dos agentes infecciosos do seu ambiente (Hafez e Limeweaver, 1968; Bovine Alliance on Management and Nutrition, 2001). Resultados do inquérito americano que já se referiu (USDA-APHIS, 2002) mostram que mais de 60% dos produtores fornece o primeiro colostro a partir de um balde, 35% confia na amamentação directa e menos de 5% força a ingestão do colostro através de sondas esofágicas. Estes números demonstram que são poucos os produtores que confiam na capacidade do vitelo em mamar a tempo na mãe ou então preferem não arriscar e dão-lhes directamente o colostro. - O comportamento do vitelo. Vitelos habituados a mamar podem ter maior dificuldade em habituar-se à alimentação artificial ou, em contraste, aqueles que não mamam podem ter a tendência em chupar em objectos e noutros animais. - O comportamento da vaca – a agressividade, a ansiedade, o medo, a recusa em cumprir certas condutas (e.g. entrar na ordenha, etc.). Estas alterações de comportamento podem, inclusive, conduzir à ocorrência de mastites por evitarem a descida do leite na ordenha. - A visão ética da exploração de leite e a imagem que esta reflecte para o exterior. Estes são, de um modo geral, os aspectos que serão analisados para cada uma das hipóteses de actuação. Por facilidade de exposição pretendemos reunir as estratégias de separação em 4 grupos: a) imediato, b) precoce (depois da ingestão do colostro – entre as 4 e as 12 horas após o parto), c) médio (até aos 3 dias), d) tardio (manutenção do vitelo com a mãe durante semanas). Este último método parece-nos ser raro ou inexistente em Portugal, mas encontra cada vez mais adeptos noutros países, especialmente onde a produção de leite biológico ou orgânico começa a ter alguma expressão (KRAV, 2007). Por esta razão vale a pena referir aqui as suas vantagens e desvantagens. 118 RPCV (2008) 103 (567-568) 117-125 Separação imediata A separação logo após o nascimento é o único método exequível em explorações pequenas e médias onde não existem maternidades ou estas apresentam condições inadequadas à manutenção da cria com a mãe. É também a estratégia preferida por muitas explorações de grandes dimensões. No entanto, é óbvio que nem sempre é possível garantir a remoção imediata do vitelo, especialmente se o parto ocorrer à noite. As razões mais frequentemente apresentadas pelo produtor para escolher esta estratégia são: falta de instalações ou má higiene destas, o risco de ocorrência de traumatismos para a cria, a dúvida que pode ficar quanto à ingestão do colostro no tempo e quantidade certa, a necessidade de introduzir a vaca no grupo de lactação com melhor acesso à ordenha e a ideia de que o estabelecimento de um elo mãe-filho conduz a maiores dificuldades no maneio futuro de ambos. Muitas destas conclusões baseiam-se em observações empíricas. Em contraste, este método é aquele que maiores reservas provoca no público, como está reflectido em criticas efectuadas às explorações de leite por organismos de defesa dos direitos dos animais (ver nota de rodapé)*. Para conseguir avaliar e comparar os resultados dos estudos efectuados convém primeiro perceber qual é o momento crítico para a separação, já que os resultados mostram que há um período de maior sensibilidade para o desenvolvimento do elo maternal (Hundson e Mullord, 1977). Estes autores referem que 5 minutos de contacto são o suficiente para se formar o elo vitelo-vaca que se mantêm mesmo se forem separados durante 12 horas e depois reunidos. Ao fim de 24 horas a vaca ainda mostra sinais de stress da separação, mas não reconhece o vitelo (Hudson e Mullord, 1977). Se o contacto não for efectuado nas primeiras 5 horas após o parto, mais de 50% das vacas não forma elo maternal com as suas crias. Isto demonstra que se estabelece uma ligação forte desde cedo, mas apenas durante as primeiras horas pós-parto. A alternativa à amamentação é, quase sempre, a administração do colostro através de balde, com ou sem tetinas. Em certos casos e circunstâncias poderá ser necessário entubar o vitelo e fornecer desta forma a quantidade adequada de colostro. O fornecimento de * A criação de vacas leiteiras e toda a produção de leite dependem da separação da mãe e da sua cria. Os seus bebés são-lhes retirados para que os humanos bebam o leite que lhes era destinado (…) As vacas podem chamar durante dias pelas suas crias recém-nascidas que lhes são retiradas. As vitelas também chamam continuamente pelas mães. Depois dos bebés lhes serem retirados, as vacas são "ordenhadas" por máquinas várias vezes ao dia, retirando-lhes o leite que devia ter sido o alimento dos seus filhos. (In: www.animaisexcepcionais.org). A separação da vaca e do vitelo logo à nascença é uma forma de os tratar como objectos (In: www.animalfreedom.org). Stilwell G leite far-se-á, depois da fase de colostro, através de balde, tetinas, distribuidor computorizado ou alimentador (pia) comum a um grupo. Todas estas técnicas, mesmo aquelas em que é usada uma tetina, não satisfazem o instinto de sugar que os vitelos demonstram (Broom, 1978). Esta é a razão porque muitas vezes os vitelos alimentados artificialmente procuram chupar objectos ou partes do corpo dos outros vitelos (orelhas, umbigo, focinho). Isto poderá conduzir a infecções umbilicais, otites e obstruções ou úlceras abomasais por tricobenzoares. Quanto à transmissão de imunidade passiva, os dados resultantes dos estudos científicos são por vezes contraditórios. Alguns estudos efectuados em vitelos separados logo após o nascimento e alimentados por balde, mostram que os níveis de IgG de origem materna são, em média, superiores àqueles que se encontram nos que são amamentados pelas mães (Besser et al., 1991; Franklin et al., 2003), enquanto outros estudos demonstram que os níveis de anticorpos são mais elevados nos vitelos que mamaram nas vacas (Selman et al., 1971; Stott et al., 1979; Quigley et al., 1995). Esta aparente contradição poderá estar relacionada com um mau maneio após a separação (atraso na ordenha da mãe, falta de paciência na administração do colostro a vitelos mais debilitados, mistura de leites, etc…) e que podem conduzir a falhas na transmissão de imunidade passiva nos vitelos separados imediatamente após o parto. A comparação da amamentação com a administração por entubação (Besser et al., 1991) mostrou que havia muito menos vitelos com falha de imunidade passiva no segundo grupo. Estudos recentes parecem demonstrar que é a quantidade e qualidade do colostro administrado, e não tanto o método em si, que influencia a quantidade de anticorpos absorvida (Godden, 2008). A separação imediata do vitelo parece ter efeito sobre a capacidade de sociabilizar e estabelecer laços de hierarquia nas vitelas ou novilhas. Os efeitos a longo prazo do isolamento das vitelas de qualquer outro animal desde o nascimento parecem ser: maior dificuldade na socialização com outros animais, o que conduz a posições mais baixas na hierarquia e, quando comparadas com vitelas que foram criadas junto às mães, menor produção de leite (Broom, 1978; Jensen et al., 1998; Krohn et al., 1999). Nenhum destes estudos consegue esclarecer se estas diferenças resultam da falta de contacto com a mãe ou com outros vitelos. Em termos dos efeitos da separação imediata sobre as vacas, esta parece aumentar os comportamentos orais (cheirar e lamber a palha das camas, restos de placenta e líquidos amnióticos) seguindo-se de maior grau de inactividade (Lidfors, 1996b; Krohn, 2001). Lidfors et al. (1996b) mostraram que, durante o período de estudo, as vacas separadas imediatamente comparadas com as que ficavam 5 dias com os vitelos, RPCV (2008) 103 (567-568) 117-125 estavam mais tempo deitadas (608 vs 301 minutos), estavam mais tempo a comer (188 vs 122 min) e mais tempos a cheirar o ambiente (130 vs 14 min). Não se encontraram diferenças entre vitelos na actividade e exibição de outros comportamentos. Não parece existir diferença no momento da expulsão da placenta quando foram comparadas vacas com separação imediata ou ao fim de 10 dias (Metz, 1987). Separação precoce – após ingestão do colostro (menos de 24 horas) A separação após amamentação pode ser uma alternativa para vacarias que aproveitam o facto para reduzir a necessidade de alterações na rotina diária e assim restringir a mão-de-obra. Esta é a prática em mais de 30% das explorações dos EUA segundo o mais recente inquérito nacional (USDA-APHIS, 2007). Com esta atitude "deixam" para a vaca o ónus de garantir a ingestão do colostro suficiente. Este método exige maternidades espaçosas, com boas camas e uma densidade animal pouco elevada. Selman et al. (1971) e Petrie (1984) afirmam que manter os recém-nascidos com as mães durante as primeiras 24 horas favorece a ingestão mais precoce e de maior quantidade de colostro e que isto favorece a sobrevivência futura dos vitelos. Stott et al. (1979) sugerem que esta maior taxa de sobrevivência é explicada não só pela maior quantidade de colostro ingerida, mas também pela maior absorção de imunoglobulinas em vitelos amamentados pelas mães. Como desvantagem surge o facto de ser difícil assegurar que a ingestão do colostro se fez em condições adequadas. As razões que podem conduzir a uma fraca transmissão da imunidade passiva de origem maternal são: dificuldade da vaca em se levantar devido, por exemplo, à exaustão, hipocalcémia ou paralisia de parto; prostração da cria por causa de distócias, partos prolongados, vitelos pesados, etc.; desvios no instinto maternal (mais frequente em primíparas); troca de "mãe", levando a que o vitelo mame noutras vacas do grupo; má qualidade do colostro devido a mastites; ou ainda, má conformação do úbere que impede o bom acesso dos vitelos aos tetos (Edwards et al., 1982; Ventorp e Michanek, 1991; Wesselink et al., 1999). Lidfors (1996a) demonstrou que 32% das vitelas não conseguem mamar nas primeiras 4 horas mesmo após um parto fácil e Selman et al. (1970) referem que 15 a 40% dos vitelos não encontram o teto da vaca antes das 6 horas. Será, por isso, de supor que uma percentagem significativa de vitelos não faça a absorção de IgG antes das 6 horas (momento em que começa a diminuir a capacidade de absorção de anticorpos pelo intestino do recém-nascido). Estes inconvenientes justificam os níveis de falha de imunidade passiva 119 Stilwell G acima dos 30% que têm sido encontradas em vários estudos (Wesselink et al., 1999; Weaver et al., 2000; Bovine Alliance and Management Nutrition, 2001) e que acontecem mais frequentemente do que se julga apesar de se ter demonstrado que os vitelos que ficavam com as vacas levantavam-se mais cedo e apresentavam maior actividade (Lidfors, 1996a). Outros riscos de manutenção do vitelo com a mãe até mais tarde são: possibilidade de traumatismos (pisadelas etc.) e transmissão mais fácil de agentes infecciosos (Cryptosporidium, E.coli, Salmonella etc.) que podem existir nas camas e úberes das vacas. A manutenção do vitelo com a mãe durante poucos minutos é o suficiente para se formar um elo muito forte (Hudson e Mullord, 1977). Depois de 5 minutos de contacto com o vitelo já se notam sinais do stress de separação, nomeadamente através do aumento dos níveis do cortisol plasmático da vaca e vocalizações (Hudson et al., 1976). O comportamento da vaca separada do vitelo depois de se ter estabelecido o elo mas antes das 24 horas tem demonstrado resultados diferentes, se bem que seja difícil comparar o desenho experimental de muitos destes estudos devido às variações nas condições e na duração do contacto mãe-cria. Por exemplo, a separação ao fim de 10 horas após parto não causou inquietude na vaca, mas aumentou comportamentos de manutenção (Houwing et al., 1990) enquanto que a comparação do comportamento de vacas separadas dos vitelos ao fim de 2 horas com o comportamento de vacas que ficaram com vitelos durante 2 a 3 dias, não mostrou diferenças em sinais de ansiedade e procura da cria (Kurosaki et al., 1983). A comparação do comportamento durante as 2 horas após o parto mostrou que as vacas que ficavam com os vitelos deitavam-se menos, vocalizavam mais e estavam menos tempo inactivas, do que as que viram os vitelos serem removidos logo após o nascimento (Lidfors, 1996b). Por outro lado os vitelos apresentaram aumento da frequência cardíaca e mais movimentos de orelhas e da cabeça ao ouvir a "voz" da mãe em comparação com ruídos neutros (Marchant-Forde et al., 2002). Stehulova et al. (2008) demonstrou que os sinais de stress eram muito menores quando as vacas eram transferidas imediatamente para outro edifício, em estabulação livre com a restante manada, em vez de serem mantidas na maternidade ou onde conseguiam ver ou ouvir o vitelo. É preciso relembrar que todos estes resultados se referem apenas às raças leiteiras, essencialmente Holstein-Frísia e Sueca-vermelha, já que será de esperar comportamentos diferentes nas raças de carne. Separação média – ao fim de 2 a 5 dias Este é um método usado raramente nas explorações portuguesas pois implica dedicação prolongada das 120 RPCV (2008) 103 (567-568) 117-125 maternidades, maior mão-de-obra e, na perspectiva do produtor, implica maiores riscos para a saúde do vitelo (observações pessoais). Isto apesar de estudos confirmarem que, nas condições de campo, manter o vitelo com a mãe durante mais de 24 horas reduz o tempo até o vitelo de levantar, beber leite, defecar e urinar (Metz e Metz, 1986; Edwards e Broom, 1985) para além de garantir maiores níveis de IgG, desde que o vitelo mame nas primeiras horas. Franklin et al. (2003) demonstraram que os vitelos que ficaram com as mães durante 3 dias eram desmamados mais cedo, apesar de não haver diferenças em ganhos médios diários e peso ao desmame. O facto do vitelo mamar alguns litros durante alguns dias (fase do colostro) não influencia o rendimento directo da vaca pois esse leite não é aproveitado para consumo humano. O rendimento a médio prazo também não parece ser afectado apesar de alguns trabalhos mostrarem que a libertação de prolactina e ocitocina em resposta à máquina de ordenha é menor e mais lenta nos primeiros dias pós-parto quando as vacas estão a amamentar (Akers e Lefcourt, 1984). Outro estudo não encontrou diferenças na produção, condição corporal ou incidência de mastites em vacas separadas imediatamente, ao fim de 1 dia ou de 4 dias (Weary e Chua, 2000). Em contraste, há indicações de que a amamentação poderá ter efeitos positivos sobre a fisiologia e comportamento da vaca a longo prazo – maior libertação de ocitocina na ordenha, maiores níveis de insulina, menores níveis de cortisol, pressão arterial mais baixa e comportamento mais calmo (Lupoli et al., 2001). A separação do vitelo ao fim de três dias conduziu a alguns sinais subtis de stress na vaca, como seja o aumento momentâneo da frequência cardíaca, mais vocalizações e mais tempo a olhar para fora do parque (Hopster et al., 1995). Não houve alterações do cortisol plasmático. Os autores também demonstraram que as vacas estavam mais tempo a comer depois de separadas, mas concluíram que isto se devia ao facto da manjedoura ser no mesmo local onde se colocavam para olhar para fora do parque (Hopster et al., 1995). Lidfors (1996a) mostrou que, depois da separação dos vitelos às 96 h, as vacas que amamentaram vocalizaram mais, ruminaram menos e deitaram-se menos do que as testemunhas separadas imediatamente após o parto. Outros estudos mostraram que a separação ao fim de dois dias causa alterações nos parâmetros normais de alimentação e de sono de vacas (Ruckebush, 1975) e que as vacas separadas aos 4 dias exibem mais chamamentos (4 vezes mais) e com sons de intensidade diferente das vacas não separadas (Weary e Chua, 2000). Em contraste, um outro trabalho mostrou que duas em quinze vacas não reagiram à separação e que seis em quinze só o fizeram durante 20 minutos (Lidfors, 1996b). Os efeitos sobre o vitelo da separação média não são muito evidentes. É admitido que os vitelos reco- Stilwell G nhecem a mãe pelo chamamento dos 4 aos 7 dias de idade, mas só a reconhecem visualmente a partir do 8º dia (Sambraus, 1971). Isto não quer dizer que não se forme um elo materno antes disso, mas provavelmente significa que a ligação não é suficientemente forte para provocar reacções extremas quando a separação se faz antes desse período. A variação individual no tempo necessário para se estabelecer o elo pode explicar alguns dos resultados contraditórios. Por exemplo, os vitelos de um estudo não mostraram sinais de procurar ou chamar pela mãe quando separados às 96 h e colocados numa box mesmo em frente ao parque da mãe (Lidfors, 1996b) enquanto que um outro mostrou comportamentos de frustração e stress durante alguns minutos após a separação de vitelos amamentados durante 4 dias (Sadem e Braastad, 2005). Observando os vitelos nas suas caixas individuais depois de períodos variáveis com as mães foi demonstrado que aqueles que eram separados mais tarde exibiam mais movimentos, estavam mais tempo em pé e punham mais tempo a cabeça fora da box (Weary e Chua, 2000). Poderá também ser significativa a observação de comportamentos positivos, como interagir, lamber, mamar, etc., quando se reuniram novamente vacas e vitelos que tinham sido separados durante algumas horas (Sadem e Braastad, 2005). Esta disparidade, ou a pouca relevância dos sinais de stress que sucedem a separação, pode resultar de dois factores: não foram estudados e medidos os sinais mais significativos, ou a raça Holstein-Frísia não é muito afectada pela separação. Estes dados são interessantes se comparados com aqueles que resultam das mesmas observações em vacas de carne em regime extensivo onde os sinais fisiológicos e comportamentais são muito evidentes e prolongados. Separação tardia – manutenção prolongada do vitelo com a mãe Geralmente a manutenção prolongada do vitelo com a mãe não exclui a ordenha da vaca leiteira pelos métodos mecânicos usuais, sendo a estratégia mais frequente deixar o vitelo mamar duas vezes ao dia seguido da ordenha. O sistema de deixar os vitelos com a mãe durante períodos longos após o parto não é habitual em Portugal, no entanto, porque tem numerosos defensores noutros países e porque poderá ser obrigatório nos sistemas de produção de leite biológico, parece-nos importante referir alguns dos efeitos imediatos e a longo prazo sobre a vaca e cria. Um dos maiores receios quanto à manutenção dos vitelos com as mães durante semanas após o parto é a redução na produção leiteira ao longo desse período e ainda as alterações fisiológicas (atraso na descida do leite) e comportamentais (mais irrequietas na ordenha etc.). Se bem que alguns estudos demonstrem variações das produções (ver abaixo), há autores que RPCV (2008) 103 (567-568) 117-125 indicam não haver diferença em produção ou comportamento na ordenha entre vacas separadas às 24 horas ou aos 14 dias (Flower e Weary, 2001). Estes resultados foram idênticos independentemente da paridade. Outros estudos indicam que não há diferenças estatisticamente significativas nos níveis de ocitocina entre animais ordenhados após amamentar e aqueles que são apenas ordenhados (Tancin et al., 2001) apesar de terem encontrado pequenas reduções nos níveis de ocitocina nas primeiras ordenhas após a separação ou quando as vacas eram ordenhadas na presença do vitelo. Foi sugerido que as cabeçadas do vitelo no período anterior à ordenha conduz a uma mais completa descida do leite (Hafez e Limeweaver, 1968) podendo mesmo favorecer e estimular a produção futura (Haley et al., 1998). Comparando animais a amamentar durante 6 semanas enquanto também são ordenhados 3 ou 6 vezes ao dia, com vacas que apenas são ordenhadas, descobriu-se que os animais a amamentar têm níveis superiores de hormonas de crescimento e IGF-I, iguais níveis de ocitocina e prolactina, maior ingestão de matéria seca (apenas grupo das 6 ordenhas) e maior perda da condição corporal (Bar-peled et al., 1995; Tancin et al., 2001). Mas o resultado mais surpreendente foi a demonstração de que as vacas ordenhadas 3 vezes ao dia enquanto amamentam conseguiram produções leiteiras globais superiores às que apenas foram ordenhadas 3 vezes ao dia. Mais recentemente de Passilé et al. (2008) contestaram estas conclusões ao demonstrar que não havia vantagem em termos de produção entre vacas que amamentavam e eram ordenhadas duas vezes ao dia durante as primeiras 9 semanas pós-parto e aquelas que eram apenas ordenhadas. Os autores sugerem que os níveis mais baixos de ocitocina encontrados na ordenha das vacas que também amamentavam, justificava essa diferença. A possibilidade de que a separação depois de vários dias ou semanas juntos pudesse influenciar a produção e saúde dos animais, também foi investigada. Após a separação definitiva do vitelo que esteve com a vaca 3-4 semanas, descobriu-se que a produção leiteira, os níveis de ocitocina e a velocidade da descida do leite só foram menores na primeira ordenha após a separação (Tancin et al., 1995). Um outro estudo mostrou que os níveis de prolactina e ocitocina em resposta à máquina de ordenha eram iguais aos 9 e 23 dias depois da retirada de um vitelo que tinha estado com a mãe durante uma semana comparado com vacas na mesma fase da lactação, mas que tinham sido separadas logo após o parto (Akers e Lefcourt, 1984). Comparando a produção das vacas que continuam a amamentar os seus vitelos durante 10 dias com as que foram apenas ordenhadas desde o parto, mostrou-se uma menor produção durante os cinco dias após a separação (-1,8 kg/dia), mas a mesma produção global nos primeiros 95 dias de lactação (Metz, 1987). O mesmo foi concluído num outro estudo (Walch, 1974) que comparou 121 Stilwell G produção até à secagem de vacas separadas precocemente ou que amamentaram os vitelos por períodos longos (6 a 12 semanas) – a produção foi 15% superior nas que se mantiveram com os vitelos e a incidência de mastites foi menor. Esta informação parece indicar que as vacas que se mantêm com os filhos recuperam alguma produção após a separação, provavelmente devido aos factores fisiológicos e comportamentais positivos que já foram descritos. O risco da separação tardia ameaçar o bem-estar da vaca e cria é uma possibilidade a ter em conta. As vacas separadas ao fim de 14 dias apresentaram mais chamamentos, movimentos aleatórios e olhar para o exterior do parque, do que os animais-controlo (Flower e Weary, 2001). O mesmo aconteceu com os vitelos. A comparação de vitelos amamentados durante 10 dias com os separados imediatamente após o parto demonstrou que não existia diferença na velocidade de habituação ao balde, mesmo sem ajuda humana (Metz, 1987). Os vitelos mantidos com as mães durante as primeiras semanas pós-parto, mostraram maiores níveis de ocitocina (com conhecido efeito anti-stress), enzimas gastro-intestinais, crescimento mais rápido, menores níveis de cortisol e um limiar de tolerância à dor mais elevado (Lupoli et al., 2001). Também foram demonstrados indicadores de que a manutenção das vitelas com a mãe pode ter vantagens a longo prazo sobre a saúde e rendimento. Por exemplo, vitelas separados mais tarde foram tratados menos vezes para diarreia (Weary e Chua, 2000) e cresceram três vezes mais (Flower e Weary, 2001). A produção leiteira de novilhas que foram amamentadas por longos períodos pela mãe, apresentam melhores produções quando entram em lactação (Krohn, 1999). Outros trabalhos com vitelas amamentadas pelas mães durante 42 dias demonstraram que maior altura ao garrote, maior ganho de peso, menor idade ao primeiro parto e uma tendência para maior produção de leite (Bar-Peled et al., 1997) Ainda mais interessante é a informação de que vitelos não separados, mas que não mamavam directamente na mãe, apresentaram maior taxa de crescimento (Krohn, 2001). Roth et al. (2008) demonstraram que os animais amamentados pelas mães durante 13 semanas, quer sejam mantidos permanentemente com a vaca ou apenas para mamarem, mostravam menos necessidade de chuparem em objectos ou nuns nos outros. Os vitelos separados ao fim de 14 dias mostraram um relacionamento social mais intenso com animais estranhos às 6 semanas de idade quando comparados com aqueles que foram isolados ao fim de 1 dia (Weary e Chua, 2000). Os vitelos amamentados por uma vaca nas primeiras semanas de vida mostraram mais actividade social do que os que foram isolados à nascença (Le Neidre e Sourd, 1984). Esta diferença foi mais evidente em animais de raça Saller do que Frisian o que parece demonstrar que a genética 122 RPCV (2008) 103 (567-568) 117-125 também terá alguma influência. Alguns autores sugerem que presença maternal durante algum tempo após o nascimento é importante para aprendizagem social e reduz a timidez (Krohn et al., 1999). Os efeitos do momento de separação sobre reprodução futura Uma outra questão frequentemente suscitada na discussão da validade ou não da manutenção dos vitelos com a mãe, é o reassumir da actividade hormonal reprodutiva e portanto a influência sobre os índices reprodutivos da vaca. Numa altura em que se nota a infertilidade generalizada das vacas super-produtoras, poderá ser importante analisar até que ponto este tipo de estratégia poderá alterar a situação. Não existem muitos estudos em vacas leiteiras sobre esta questão e por isso as conclusões são ainda confusas e contraditórias. No entanto, grande parte dos estudos efectuados em raças de carne mostra que há uma correlação directa entre a presença do vitelo a mamar e o atraso no momento do primeiro cio. Em vacas leiteiras, a condição corporal, os níveis de estradiol, de progesterona, de glucocorticóides, de prolactina e de FSH não mostraram diferenças durante os 14 dias pós-parto em vacas que amamentaram/ordenhadas ou foram apenas ordenhadas. No entanto, a amplitude e frequência dos picos de LH nos13 dias após-parto foram menores em vacas a amamentar (Carruthers et al., 1980b). Isto pode explicar atraso na primeira ovulação que se demonstrou nesses animais. No mesmo sentido um outro estudo confirmou que as vacas que amamentaram os vitelos enquanto eram ordenhadas duas vezes ao dia, mostraram um maior intervalo parto – 1ª ovulação pós-parto (39,7 versus 21,2 dias) do que vacas apenas ordenhadas. Também a frequência e a amplitude dos picos de LH foram menores aos 7 e 14 dias pós-parto nas vacas que amamentaram (Carruthers e Hafs, 1980a). No entanto, não foram encontradas diferenças no tempo até concepção. Outros autores também demonstraram diferenças entre vacas a amamentar e vacas controlo no tempo até primeiro cio – 44 vs 31 dias (Krohn et al., 2001) e 66 vs 41 (Thomas et al., 1981) – mas não encontraram diferenças no tempo até gestação. Estes resultados parecem indicar que, apesar do retomar da actividade hormonal completa se fazer mais tarde nas vacas a amamentar, a fertilidade é melhor quando finalmente são inseminadas. Em contraste, Metz (1987), mostrou um reassumir da actividade reprodutiva mais cedo nas vacas separadas imediatamente após o parto (intervalo parto-1º cio mais curto), mas também a um menor intervalo parto-concepção comparado com as vacas que amamentaram as crias (66 vs 97 dias). Um estudo efectuado no México (Perez-Hernandez et al., 2002), com vacas de duplo propósito que eram Stilwell G ordenhadas uma vez ao dia na presença do vitelo e depois amamentavam vitelos durante o resto do dia, demonstrou que atrasar a amamentação por 8 horas após a ordenha manual, reduz o intervalo parto-1º cio e parto-1ª ovulação. Conclusões Definir a melhor estratégia para separação do vitelo da mãe depende do peso que se dá aos diversos factores envolvidos. Por exemplo, o peso dos valores éticos e de bem-estar são muito importantes em alguns países europeus sendo por isso de esperar que um período de manutenção do vitelo com a mãe se mantenha ou prolongue. Parece ser consensual que o bem-estar dos vitelos, e mesmo das vacas, é melhor se os dois se mantiverem juntos durante muitas semanas, mas não perece ser tão óbvio quando se compara a separação imediata com a manutenção durante o período de colostro (1 a 3 dias). Nestes últimos casos os riscos sanitários e o stress da separação são desvantagens que podem ultrapassar os benefícios da amamentação. Por outro lado parece estar comprovado que a produção leiteira global, a saúde do úbere e mesmo os índices reprodutivos não são afectados nas vacas que amamentam os vitelos durante várias semanas. Finalmente é também de levar em conta o facto de, nalguns tipos de exploração, o método considerado ideal para o bem-estar não ser exequível ou poder conduzir a problemas mais graves. Ou seja, apesar da abundância de estudos sobre o assunto não parece ser possível estabelecer qual o método que associe as maiores vantagens para o bem-estar animal e para o rendimento da exploração. Aliás as recomendações da EFSA sobre este tema, emanadas do relatório final do Working Group in Dairy Cow Welfare (in Press) comprovam exactamente isso: "The duration and management of the period during which calves should remain with the cow after parturition should be further studied" e "The optimal time and procedure for separating the calf from the cow needs to be further investigated." No entanto, a apresentação que aqui se fez dos estudos mais relevantes permitirá ao produtor escolher mais racionalmente o método que melhor se adapta às suas condições, aos seus desejos e às eventuais exigências dos seus clientes. Bibliografia Akers RM, Lefcourt AM (1984). Effect of presence of calf on milking-induced release of prolactin and oxytocin during early lactation of dairy cows. Journal Animal Science, 67(1):115-22. RPCV (2008) 103 (567-568) 117-125 Bar-Peled U, Maltz E, Bruckental I, Folman Y, Kali Y, Gacitua H, Lehrer AR, Knight CH, Robinzon B, Voet H, Tagari H (1995). Relationship. 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Ao longo da última década, uma série de factores, nomeadamente uma redução dos preços da lã e o aumento dos custos com a tosquia, têm contribuído para que estes sistemas tendam a ser substituídos por outros menos convencionais: nomeadamente a produção de ovinos de raças de pelo e a exploração de caprinos silváticos. Os objectivos deste artigo são descrever as alterações que afectam os sistemas extensivos tradicionais de produção de lã na Austrália e quais as soluções apresentadas localmente por cientistas, técnicos de extensão e agricultores. Summary: Australian animal production is characterized since the begining of the European colonization by a predominance of wool production based on Merino stock. Over the last decade, a series of factors, with special reference to a drop in wool prices and an increase in shearing costs, has lead to the search for alternative small ruminant production systems such as the use of hair sheep breeds (Dorper and Damara) or feral goats. The objective of this paper is to describe the advantages and inconveniences of such an evolution. Introdução Factores limitantes de natureza ambiental, económica, técnica, bem-estar e maneio animal condicionam e definem os sistemas de produção animal em qualquer região do mundo. Os ecossistemas mediterrânicos, em especial os europeus em que Portugal se insere, têm uma série de elementos em comum com as designadas regiões semi-desérticas de continentes tão distantes como a Austrália, os Estados Unidos ou a América do Sul. Será lícito pois pensar que as evoluções e alterações de variada ordem que afectam essas regiões terão repercussões e poderão constituir exemplos de interesse extremamente relevantes para os sistemas produtivos existentes na Europa do Sul e concretamente Portugal. O melhor exemplo do anteriormente *Correspondência: aalmeida@fmv.utl.pt referido tem sido a aceitação e o êxito que variedades de plantas pratenses desenvolvidas na Austrália têm tido em países como Espanha, França, Portugal, África do Sul ou Estados Unidos. Os objectivos deste artigo são descrever as alterações que afectam os sistemas extensivos tradicionais de produção de lã na Austrália e quais as soluções apresentadas localmente por cientistas, técnicos de extensão e agricultores. Este artigo resulta de um período de permanência do autor no Dryland Research Institute do Department of Agriculture of the Government of Western Australia, Merredin (WA, Austrália) nos meses de Setembro a Novembro de 2007. A pecuária australiana caracteriza-se pela existência no país de três tipos maioritários de sistemas de exploração de terra, diferenciados entre si essencialmente pela pluviosidade de cada uma dessas regiões (ver Figura 1a). Esses três sistemas são: a) zonas de pluviosidade elevada; b) zonas de produção de trigo e ovinos merino e c) zonas de pastorícia em sistemas de ranching. Para informações detalhadas sobre os vários sistemas de exploração de terra na Austrália recomenda-se a leitura de Jayasuriya (2007). A localização dos três tipos de sistemas encontra-se descrita na Figura 1b. O sistema existente em zonas de pluviosidade elevadas caracteriza-se por uma produção animal e vegetal de tipo intensivo, nomeadamente culturas de elevada rentabilidade como frutos, milho ou a produção de vinhos para exportação. No que diz respeito à produção animal caracteriza-se pela produção leiteira (raça Frísia), produção de carne bovina (animais de raças do tronco britânico como o Angus) e produção de ovinos merino (ver exemplares nas Figuras 2a e 2b) e de raças britânicas para produção de lã e carne (Jayasuriya, 2007). O segundo sistema conjuga as produções de um cereal, usalmente trigo para exportação com a produção de lã, utilizando-se animais de raça merino australiano. As rotações envolvidas neste tipo de 127 Almeida AM sistemas são muito simples e incluem uma sucessão de 2-3 anos de cultivo de um cereal de inverno, seguido de uma cultura forrageira, habitualmente lupinos e de um número varíavel de anos como pastagem para ovinos. A principal produção deste sistema é o trigo, seguido da lã (Jayasuriya, 2007). A produção extensiva de ruminantes em sistemas de ranching é uma das mais conhecidas aptidões da pecuária da Austrália. Tal produção está baseada na criação de bovinos de raças zebuínas ou de ovinos de raça merina em regime extensivo em propriedades de grande dimensão e utilizando-se àreas não aptas para a produção de culturas agrícolas, tais como as ilustradas na Figura 2c (Bindon e Jones, 2001; Chapman et al., 1996; Khairo et al., 2007; Rovira, 1992). As propriedades existentes no sistema de ranching são conhecidas localmente por stations (estações) envolvendo áreas de muitos milhares de hectares. As estações são a forma dominante de produção pecuária em grande parte do continente australiano envolvendo, áreas em quase todos os estados: o interior e os 2/3 norte da Austrália Ocidental, o Território do Norte, o Interior e o Norte de Queensland, o interior da Austrália do Sul, Nova Gales do Sul e Victoria. Tal região é conhecida localmente por outback. O maneio dos animais nas estações é extremamente simplificado na medida em que consiste apenas na recolha dos animais uma vez por ano para a marcação ou ferra e consequente transporte para o mercado (bovinos) ou para a tosquia (ovinos), sendo que os animais são deixados soltos pela estação durante todo o ano alimentando-se de pastagens e arbustos expontâneos (Bindon e Jones, 2001; Chapman et al., 1996; Khairo et al., 2007; Rovira, 1992). No que respeita aos ovinos e como já referido, a raça usada neste sistema, assim como no de trigo e ovinos é a raça merino australiano. A principal produção desta raça é obviamente a lã, sendo que a carne é considerada um subproduto, na medida em que apenas se aproveitam para produção de carne os animais de refugo com carcaças de reduzido ou nulo valor comercial. O regime extensivo de ranching impossibilita a prática de actividades de maneio como as castrações ou o acabamento, comuns em outros sistemas de engorda de ovinos, nomeadamente no sistema trigo e ovinos (Rovira, 1992). A necessidade de alternativas à raça merina na Austrália Ao longo da última década, tem-se assistido a uma série de factores de natureza exógena que têm condicionado fortemente a produção de lã australiana. O mais importante desses factores consiste na queda do preço da lã ao produtor que se tem vindo a verificar. Essa queda do preço, faz com que muitas das unidades de produção já não sejam tão rentáveis como seriam há alguns anos atrás, pelo que muitos produtores ponde128 RPCV (2008) 103 (567-568) 127-134 ram a conversão das actividades das suas estações. Por outro lado, os elevados custos com mão-de-obra de tosquia têm aumentado de forma significativa recentemente contribuindo igualmente e à semelhança do que se tem verificado noutros países desenvolvidos para a perda de interesse de actividades relacionadas com a produção de lã. A este factor junta-se a impossibilidade de se conseguir equipas de tosquiadores para a época da tosquia dada a falta de interesse de jovens pela actividade e a reforma dos tosquiadores existentes, apesar do nível dos ordenados ser muito superior aos de outros trabalhadores agrícolas. Para colmatar esse facto recorre-se frequentememte à importação sazonal de mão-de-obra estrangeira, nomeadamente da Nova Zelândia, prática que se tem no entanto revelado insuficiente, dadas as necessidades. Um outro factor que tem contribuído de forma significativa para a reconversão das explorações extensivas tem sido uma sequência de vários anos de seca, factor agravado por expectáveis alterações climáticas motivadas pelo aquecimento global que se esperam para os proximos anos. A seca limita por um lado as disponibilidades de pastagem e água para os animais domésticos e por outra leva à migração de animais selvagens como o canguru vermelho ou a ema provenientes de zonas desérticas para zonas de pastagem onde competem com os animais domésticos. Predadores como os dingos tendem igualmente a seguir as migrações de animais selvagens e a aumentar a predação sobre animais domésticos. Finalmente, razões de bem-estar animal, têm levado a que a prática de mulesing, necessária nas condições de exploração australianas, esteja a ser progressivamente abandonada (Lee e Fisher, 2007; Petherick, 2006). O mulesing é comum em muitas zonas da Austrália e consiste na remoção por meio de um objecto cortante das pregas de pele em redor da cauda do ovino merino. Tal prática tem como objectivo impedir que determinadas espécies de moscas da família Calliphoridae (conhecidas localmente por blow flies) depositem os seus ovos na lã nessa área do corpo do animal e dessa forma impedir que as larvas se alimentem dos tecidos do hospedeiro (Townsend, 1987). Este problema provoca perdas substanciais na medida em que os animais afectados perdem condição corporal e a sua recuperação é extremamente díficil e cara em condições extensivas. O mulesing permite assim impedir a fixação dos ovos das moscas e o desenvolvimento da parasitose. No entanto, e dado ser realizado sem recurso a anestesia, tem encontrado forte oposição junto de activistas de direitos dos animais e prevê-se que seja uma prática proibida em todos os Estados e Territórios Australianos a partir de 2010 (Blackman, 2005; James, 2006; Palmer, 2004). A conjunção destes factores faz com que muitos produtores estejam a perder o interesse pela produção de merinos e procurem soluções alternativas que lhes permitam melhorar os seus rendimentos. Tais soluções Almeida AM RPCV (2008) 103 (567-568) 127-134 nomeadamente as raças Damara e Dorper ou a constituição de um efectivo caprino doméstico. As raças ovinas Damara e Dorper Figura 1 - Pluviosidade e Sistemas de exploração de terra na Austrália. a - Distribuição da pluviosidade anual no continente australiano (adaptado de Australian Meteorology Bureau); b - Sistemas de exploração de terra na Austrália com ênfase para a produção de lã. Cada ponto azul representa a produção de 100 toneladas de lã (Adaptado de Department of Agriculture of Western Australia, State Government, Perth). passam pela adopção de novas raças de pequenos ruminantes e novos nichos de mercado, externos ao mercado tradicional de lã australiano. As referidas soluções passam pois pela reconversão progressiva de um sector baseado na produção de lã para um sector de produção de carne. Actualmente duas grandes alternativas estão a ser ensaiadas: a substituição do efectivo merino por raças ovinas mais rústicas, A raça Damara tem como origem animais de cauda gorda e desprovidos de lã (ovinos de pêlo) existentes na Namíbia e criados pelas tribos Himba, Sjimba e Herero. A instalação dos primeiros colonos alemães no Sudoeste Africano (Namíbia) em finais do século XIX terá deslocado estas tribos para o Norte da Namíbia, e possivelmente para o Sul de Angola. Em meados do século XX a Namíbia encontrava-se sob administração sul africana, existindo a chamada "linha vermelha", que impedia a passagem de animais do Norte da Namíbia para o Sul por motivos sanitários. Havia no entanto quem se dedicasse ao contrabando de animais através desta linha. Em 1954, uma apreensão de cinquenta animais ilegais por parte dos serviços veterinários levou ao seu envio para a estação zootécnica de Omatjenne, onde principiou o desenvolvimento desta raça nos moldes actuais, sendo que em 1986 se formou a Associação de Criadores de Damara da África Austral (de notar que na época a África do Sul mantinha ainda a administração da Namíbia obtida na sequência da primeira guerra mundial). Em 1990 (independência da Namíbia) a raça tinha-se já espalhado por todo o território da Namíbia, bem como algumas regiões mais desérticas da África do Sul (Campbell, 1995; Du Toit, 2007). O ovino Damara (ver Figura 3) poderá ser considerado um animal de tamanho grande em que ambos os sexos têm cornos em forma de espiral, pernas compridas e acumulação de gordura ao nível da cauda. As Figura 2 - Merino Australiano (a e b) e paisagem típica das regiões de exploração de ruminantes em sistema de ranching (c). a e b – Merredin Shire, Western Australia; c – Shire of Westonia, Western Australia. Figura 3 - Aspectos fenotípicos de ovinos de raça Damara. a – Carneiro Damara; b – Aspectos da cauda gorda em ovinos Damara; c - Heterogeneidade de pelagens em ovinos Damara. Merredin Shire, Western Australia 129 Almeida AM cores do Damara são muito variadas, indo do preto ao branco, passando pelo castanho e ruão, tanto uniforme como malhados. O pelo é curto ainda que durante o Inverno e nos animais jovens um pelo mais comprido surja ocasionalmente (Campbell, 1995). O ovino Damara está particularmente bem adaptado às condições semi-desérticas em que evoluiu. É reputada por possuir uma elevada resistência ao calor, capacidade de percorrer grandes distâncias e resistência a doenças e parasitas. Outra das características particulares destes animais prende-se com o seu forte instinto gregário o que possibilita um melhor maneio em condições extensivas e reduz as perdas devido a ataques de animais selvagens como chacais em África e dingos na Austrália. A este propósito deve-se ainda referir o forte instinto de protecção das ovelhas que frequentemente investem contra predadores, cães e até pessoas para protegerem os borregos (Du Toit, 2007). De todas as raças de cauda gorda, a raça Damara é provavelmente aquela que terá uma expressão comercial mais significativa. A raça Damara tem sido ao longo da última década exportada para a Austrália, onde se tem vindo a afirmar como uma alternativa para os sistemas extensivos locais (Fleet et al., 2002), ainda que haja uma forte resistência à sua introdução na medida em que a introdução acidental da sua fibra em lotes de lã fina para os mercados de exportação tenda a desvalorizar esses mesmos lotes (Fleet et al., 2001; Fulwood et al., 2002). Tal como o Damara, o ovino Dorper (ver Fgura 4) é uma raça oriunda da África do Sul. Esta raça surgiu nos anos 20 do século XX, em resposta ao aumento da procura de carne de borrego em Inglaterra, que por sua vez aceitava bastante mal os animais de cauda gorda até então muito utilizados na África do Sul. O desenvolvimento do Dorper deu-se na estação de Grootfontein e envolveu cruzamentos de Dorset Horn com animais de raça Persa de cabeça Preta. O Dorper deveria possuir boa prolificidade, qualidades de carcaça aceitáveis, produzir um borrego de abate (para o mercado inglês) com 4 a 5 meses em condições de produção extensivas, resitência ao frio da estação seca e ao calor da estação chuvosa, capaz de se reproduzir durante todo o ano e de se alimentar de arbustos e gramíneas de escasso valor nutritivo e ainda a ausência de lã. Actualmente existem dois tipos de Dorpers, o de RPCV (2008) 103 (567-568) 127-134 cabeça negra e o de cabeça branca, sendo o primeiro bastante mais difundido do que o segundo. O ovino Dorper (ver Figura 4) poderá ser considerado um animal de tamanho médio grande desprovida de cornos, conformação maciça e excelente conformação de carcaça. Possui uma pelagem homogénea com corpo branco e cabeça preta. O pelo comprido do Inverno tende a cair no início da Primavera (Milne, 2000; De Waal e Combrinck, 2000). Esta raça permitiu elevar de forma significativa os rendimentos da ovinicultura nas regiões do interior da África do Sul, espalhando-se por todo o país, assim como pela Namíbia. Na década de 60 existiam já dois milhões de animais e hoje existem na África do Sul mais de 7 milhões de animais. Para além da Namíbia, encontram-se igualmente explorações com estes animais em toda a África Austral. Foi igualmente exportada para o Brasil – onde à semelhança do caprino Boer, desperta bastante interesse dos criadores nos estados do Nordeste – para a Austrália, Israel, Arábia Saudita, México, Canadá e Estados Unidos (Milne, 2000; De Waal e Combrinck, 2000). No contexto australiano, estas raças apresentam para os produtores várias vantagens: 1) Não necessitam de ser ser tosquiadas pois são desprovidas de lã. Desta forma evitam-se os gastos em tosquia, necessários e obrigatórios em sistemas baseados na raça merina; 2) São raças bastante rústicas, oriundas de zonas desérticas da África do Sul possuem uma reputação de estar melhor adaptadas a condições de escassez de água e de pastagem. Por outro lado o seu perfil alto e esguio (Damara) permite-lhe percorrer maiores distâncias em busca de alimento; 3) Ao contrário das raças ovinas europeias, a raça Damara inclui na sua dieta uma proporção bastante grande de folhas e ramagens de arbustos, e cascas de árvore, podendo pois ser considerado um browser à seme-lhança dos animais da espécie caprina; 4) Ao ter instintos gregários e de protecção muito desenvolvidos, são capazes de impedir de forma eficaz a acção de predadores como o dingo (cão selvagem australiano); 5) A ausência de lã e a forma da cauda impedem que ovos e larvas de moscas se fixem no seu corpo, tornado assim desnecessária a prática de mulesing; 6) No caso do Damara que se trata de um ovino de cauda gorda, semelhante aos existentes no Médio Oriente, a sua carcaça é muito apreciada nessas Figura 4 - Ovinos Dorper. a – borregos dorper; c – detalhe da cabeça de um borrego dorper de cabeça preta; c – borrego dorper. Merredin Shire, Western Australia 130 Almeida AM regiões. O ovino Damara possui assim um elevado valor para exportação nomeadamente para os países árabes produtores de petróleo e com elevado poder de compra e que realizam importações significativas de bens alimentares, nomeadamente de animais vivos para abate segundo o ritual Halal. A raça Dorper não possui cauda gorda mas tem uma excelente conformação o que a torna particularmente adequada à exportação de carcaças para os mercados tradicionais de carne ovina autraliana: Reino Unido, Europa Continental e América do Norte (Burt et al., 2004). Na Figura 5a apresentam-se as proporções de ovinos merino e de outras raças nos vários estados australianos, assim como um total nacional. Como é patente, a proporção de animais merino é muito superior em todos os estados (de 68 a 92%), sendo que a de ovinos não merinos ronda os 8-32% consoante o estado. No estado da Austrália Ocidental, essa proporção ronda os 10%, sendo que os ovinos de cauda gorda (com destaque para os Damara), constitutem já 4% do efectivo. Uma proporção considerável, se se tiver em conta que a introdução dos primeiros animais de cauda gorda se realizou em meados da década de 1990. Performances produtivas de ovinos Damara e Dorper na Austrália Ocidental As características produtivas da raça Dorper encontram-se amplamente estudadas sendo de destacar a título de interesse a revisão sobre o assunto de Cloete et al. (2000). Já a raça Damara e suas performances é em grande parte desconhecida, tanto na África do Sul como fora dela. Na Austrália, os dados produtivos de ambas as raças são relativamente escassos e de difícil acesso, na medida em que grande parte do conhecimento gerado ao nível de ensaios experimentais se encontra disperso por relatórios oficiais dos serviços e revistas técnicas locais. Há a destacar os trabalhos de Kilminster (2007) que compara a performance reprodutiva e de crescimento de animais de raça Damara, Dorper e Merino Australiano e que parecem indicar uma superioridade das duas raças Damara e Dorper face aos Merinos (taxas de natalidade de 88, 93 e 22% respectivamente), para aquele ensaio e ano em particular. No que respeita ao crescimento dos borregos, há a destacar um peso vivo aos 40 dias de 17,8 kg, 18,6 kg e 15,7 kg para borregos machos Damara, Dorper e Merino respectivamente. Em fêmeas esses valores são respectivamente de 17,1 kg, 20,3 kg e 14,2 kg. Aos cinco meses, os borregos machos pesavam 32,6 kg, 38,5 kg e 31,0 kg para Damara, Dorper e Merino respectivamente, o que se traduz num ganho médio diário entre as duas idades de 134, 181 e 139 g/dia. As fêmeas aos 5 meses pesavam uma média de 29,6 kg para a raça Damara, 36,7 kg para a raça Dorper e 28,2 kg para a raça Merino, com os ganhos médios diários respectivos de 114, 149 e 127 g/dia. RPCV (2008) 103 (567-568) 127-134 a b Figura 5 - Proporções relativas de tipos de ovino nos Estados Australianos e no da Austrália Ocidental. a - Proporções relativas de ovinos de raça merina e restantes no cômputo geral do efectivo australiano total e por estado. WA – Austrália Ocidental (Western Australia); SA – Austrália do Sul (South Australia); QLD – Queensland; NSW – Nova Gales do Sul (New South Wales); VIC – Victoria e Tas – Tasmânia. b - Proporções relativas de ovino merino, de cauda gorda (e cruzamentos) e dorper / raças inglesas (e cruzamentos) no estado da Austrália Ocidental. Adaptado de Burt et al. (2004) e Curtis et al. (2009). Dado que grande parte destes animais são exportados vivos, os dados de qualidade da carcaça são ainda mais escassos. É de destacar no entanto os dados publicados por Scanlon et al. (2008) que parecem apontar, em borregos de 7-8 meses das três raças anteriormente mencionadas, para rendimentos de carcaça de 39,8% em merino, 43,9% em Dorper e 42,7% na raça Damara. Os caprinos silváticos Salvo raras excepções, nomeadamente mamíferos marinhos e morcegos, os mamíferos placentários apenas foram introduzidos na Austrália aquando da colonização humana. Alguns dos animais domésticos introduzidos pelo homem escaparam ao seu controle e estabeleceram populações selvagens ou silváticas. O mais antigo desses animais é um canídeo chamado dingo e com origem nos cães domésticos asiáticos, tendo colonizado o continente Australiano há cerca de 4.000 anos com os primeiros aborígenes. A colonização europeia iniciada no século XVIII conduziu à introdução, deliberada ou acidental, de vários mamíferos e aves, essencialmente de proveniência europeia. A mais conhecida dessas introduções foi a do coelho que a partir de alguns animais libertados 131 Almeida AM numa quinta no leste do país se estabeleceu num curto espaço de tempo uma população de vários milhões de animais. Outras introduções ocorreram no entanto como a da raposa vermelha o que levou à extinção de várias espécies endémicas, nomeadamente, répteis e marsupiais. No que respeita aos animais domésticos, várias espécies foram introduzidas na Austrália: dromedários, cavalos, burros e búfalos de água (animais usados para movimentar cargas e que o uso do automóvel revelou desnecessários, tendo sido abandonados pelos seus proprietários), mas também porcos e principalmente cabras (Wilson, 1992). À semelhança dos suínos, animais da espécie caprina foram libertados na costa australiana no século XVIII por marinheiros com vista ao aumento das disponibilidades alimentares em caso de naufrágio. À medida que a colonização se estendia ao interior também as cabras acompanharam os pioneiros como fornecedoras de leite e carne de baixo custo. No entanto, intencional ou acidentalmente, muitos desses animais escaparam aos seus proprietários, estabalecendo-se assim uma população silvática não só no continente australiano como em pequenas ilhas adjacentes e na Tasmânia (Mahood, 1983). A distribuição das cabras silváticas engloba a totalidade dos estados de Nova Gales do Sul e Victoria, a metade Oeste da Austrália Ocidental, o sul de Queensland, o leste da Austrália do Sul e do Território do Norte, assim como o norte e o leste da Tasmânia (ver Figura 6). Com efeito apenas as zonas verdadeiramente desérticas do centro do país ou as zonas de floresta tropical do norte de Queensland e do Território do Norte não possuem estes animais, assim como algumas zonas de reservas naturais onde a sua população tem sido controlada (Sharp et al., 1999). O governo Figura 6 - Distribuição geográfica das cabras silváticas na Austrália. WA – Austrália Ocidental (Western Australia); NT – Território do Norte (Northern Territory), SA – Austrália do Sul (South Australia); QLD – Queensland; NSW – Nova Gales do Sul (New South Wales); VT – Victoria e Tas – Tasmânia (Adaptado de Department of Environment and Heritage, Canberra, Austrália). 132 RPCV (2008) 103 (567-568) 127-134 australiano estima que cerca de 2,3 a 2,6 milhões de caprinos silváticos existam no país, sendo que no estado da Austrália Ocidental (WA) esses números sejam de 750.000 (28 a 32%). As cabras exercem uma pressão notável sobre o ecossistema. Alimentam-se de espécies vegetais autóctones, gramíneas, arbustos e árvores. Em situações de seca e de sobrepastoreio, as cabras destroem a vegetação autóctone, competem com os animais selvagens e gado doméstico (nomeadamente ovinos), conspurcam as fontes de água e contribuem desta forma para o aumento da erosão e da desertificação em zonas ecologicamente muito frágeis e a sua erradicação exige um esforço bastante grande por parte das autoridades (Sharp et al., 1999). A cabra silvática austaliana é frequentemente considerada como uma raça ou tipo. No entanto, dada a sua origem em múltiplas e desconhecidas raças e a total ausência de critérios de selecção, verifica-se uma elevada heterogeneidade de animais: pelo comprido ou curto; côr do preto ao branco; tamanho muito variado. Na Figura 7a apresenta-se um dos tipos de animais que se podem encontrar na Austrália Ocidental. No entanto, é de destacar a extrema adaptabilidade das cabras silváticas às duras condições australianas, que faz com que sobrevivam em grande número, mesmo em condições de seca que provocam elevada mortalidade em ovinos domésticos. Dado que a maioria dos colonizadores da Austrália era proveniente das ilhas britânicas, país onde o consumo de carne de caprino não é a pimeira escolha, ao contrário dos países mediterrânicos, nunca se estabeleceu um circuito comercial interno de carne de caprino. Esse facto, assim como a inacessibilidade e a parca população de grande parte do interior australiano poderá explicar o elevado número de animais existentes. Uma vez que historicamente sempre se previligiaram as trocas comerciais com a antiga metrópole, nunca se estabeleceu igualmente um mercado externo de carne caprina. Assim, os caprinos foram sempre considerados uma espécie a erradicar ou a pelo menos tentar controlar (Parkes et al., 1994). Ao longo dos últimos quinze anos a situação tem-se alterado na medida em que a procura de carne de caprino tem aumentado de forma significativa em determinados mercados asiáticos (nomeadamente Taiwan, Singapura, Malásia e Coreia), assim como o mercado hispânico nos Estados Unidos da América ou os países do Golfo Pérsico. Esse aumento da procura levou a que Austrália seja actualmente o maior exportador de caprinos do mundo tendo no entanto uma procura interna muito reduzida (Ferrier e McGregor, 2002). A exportação de carne caprina assenta essencialmente numa "actividade de extracção" das cabras silváticas, ou seja na recolha dos animais nas estações em que eles se encontram, de forma muito semelhante à praticada na obtenção de carne de outros animais como por exemplo o canguru cinzento (Thompson et al., 2002). Almeida AM RPCV (2008) 103 (567-568) 127-134 Figura 7 - Caprinos silváticos australianos. a - Exemplar de caprino silvático australiano em liberdade; b e c – detalhes dos cercados usados para a captura de caprinos silváticos. Shire of Shark Bay, Western Australia. A recolha de cabras silváticas faz-se com recurso a cercados móveis no interior dos quais se colocam pontos de abeberamento (ver figuras 7b e 7c). A entrada nos cercados faz-se apenas por meio de portas unidireccionais que impedem a saída dos animais. Os caprinos são assim recolhidos e transportados para sacrifício por camião (mercados asiático e norte-americano) ou para exportação de animais vivos (mercados do médio Oriente). Performances produtivas de caprinos silváticos As performances produtivas dos caprinos silváticos australianos são muito heterogéneas e têm sido alvo de trabalhos de investigação de variados autores, envolvendo sistemas de extração como o anteriormente descrito (Thompson et al., 2002). Recentemente tem-se procurado melhorar o rendimento e a confomação das carcaças através do cruzamento de cabras silváticas australianas com machos de raça Boer (Mills et al., 2002; Kleeman et al., 2002; Sumarmono et al., 2002). De igual forma têm-se realizado experiências de cruzamento com animais de raça Saanen (Mcosker et al., 1998; Husain et al., 2000). Em ambas as situações tem-se registado um aumento das performances zootécnicas dos animais cruzados comparativamente aos animais silváticos pelo que será de esperar que num futuro próximo estes cruzamentos se tornem prática comercial comum. Na Tabela 1 apresenta-se uma súmula de um conjunto de parâmetros produtivos de caprinos silváticos, obtida a partir das referências acima citadas. Os valores permitirão a sua comparação tanto com sistemas de exploração com características similares, assim como com sistemas menos extensivos, nomeadamente de outras regiões do globo. Finalmente, na Figura 8, apresentam-se curvas de crescimento para animais de raça silvática australiana e de animais cruzados de Boer. Tanto na Figura 8 como na Tabela 1, é patente a vantagem em termos zootécnicos dos cruzamentos de animais boer com animais siváticos. Conclusões A produção de lã merina tem sido a base da pecuária australiana ao longo dos últimos 150 anos, utilizando-se para tal sistemas de exploração extensivos. Recentemente, tem surgido a necessidade de substituição desses sistemas de exploração por outros baseados em raças que requeiram menores inputs e que exijam menos atenção por parte dos produtores. Estes sistemas priveligiam o mercado de exportação, com particular relevância para mercados emergentes Tabela 1 - Parâmetros Produtivos de caprinos silváticos australianos e seus cruzamentos Parâmetro Produtivo Taxa Fertilidade caprino silvático puro Cabritos por cabra prenha cap. Silvático puro Taxa Sobrevivência de cabritos silváticos puro Cabritos silváticos p/100 cabras silváticas à cobrição com macho silvático Taxa Fertilidade caprino silvático cruzado Boer Cabritos por cabra prenha cap. Silvático cruzado macho Boer Taxa Sobrevivência de cabritos silváticos cruzados Boer Cabritos silváticos p/100 cabras silváticas à cobrição com macho Boer Ganho Médio Diário cabrito silvático (8 semanas) Ganho Médio Diário cabrito silvático cruzado Boer (8 semanas) Ganho Médio Diário cabrito silvático cruzado de Saanen (8 semanas) Rendimento de carcaça (326 dias) Percentagem de músculo (326 dias) Rácio Músculo / Osso (326 dias) Valor alcançado 93,4 % 1,58 91,1 % 132 93,4 % 1,55 89,1 % 129 130 g/dia 150 g/dia 145 g/dia 50,8 % 71,9 % 4,2 Referência Kleeman et al. (2000) Kleeman et al. (2000) Kleeman et al. (2000) Kleeman et al. (2000) Kleeman et al. (2000) Kleeman et al. (2000) Kleeman et al. (2000) Kleeman et al. (2000) McCosker et al. (1998) McCosker et al. (1998) McCosker et al. (1998) Sumarmono et al. (2002) Sumarmono et al. (2002) Sumarmono et al. (2002) 133 RPCV (2008) 103 (567-568) 127-134 Peso vivo (Kg) Almeida AM Silvático Boer x Silvático Idade (dias) Figura 8 - Curvas de crescimento de animais de raça silvática e cruzados de Boer (nos dois casos em ambos os sexos), dos 45 aos 495 dias. Adaptado de Mills et al. (2000). como o Sudeste Asiático ou as nações Árabes do Golfo Pérsico. Esta situação é extremamente interessante e poderá ser considerada como um exemplo de evolução e adaptabilidade de sistemas produtivos praticados em zonas semi-desérticas que, se exceptuarmos as devidas salvaguardas sanitárias, encontram paralelo noutras zonas do globo nomeadamente a África Austral, o Sudoeste dos Estados Unidos da América o Nordeste do Brasil, a Ásia Central ou mesmo a bacia do Mediterrâneo. Bibliografia Bindon BM, Jones NM (2001). Cattle supply, production systems and markets for Australian beef. 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Existem três espécies descritas de Demodex no cão, sendo a D. canis a mais frequente. No desenvolvimento da doença interferem vários factores que condicionam um desequilíbrio na regulação da população dos ácaros na pele, no qual a predisposição hereditária e a imunidade celular têm um papel chave. A observação microscópica do produto da raspagem cutânea permite, salvo algumas excepções, obter um diagnóstico definitivo e rápido. A possível presença de outras patologias em simultâneo deve ser investigada pois influencia o sucesso terapêutico. Estão descritas várias formas de apresentação de DC, as quais ditam qual a abordagem diagnóstica e terapêutica a adoptar. O tratamento é, na maioria dos casos, bem sucedido e existem poucas recidivas se se cumprirem os protocolos terapêuticos e o seguimento adequado. Summary: Canine demodicosis (CD) emerges from exagerated proliferation of demodectic mites. D. canis is the most frequent of the three species of Demodex mites in the dog. The course of disease depends on multiple factors, wich may disrupt the regulation of skin mite populations. Immunity and genetics play an important role in the development of CD. Skin scrapings offers a quick and easy diagnosis in most cases. Concurrent diseases should be investigated as they influence the treatment outcome. CD has different clinical presentations. Diagnostic approach and terapeutics depends on the age of onset of disease and affected body surface. Prognosis is often good and few relapses occurs if apropriated treatment protocol and follow-up are taken. 1996). O tratamento depende das formas de apresentação da doença, é geralmente bem sucedido mas pode ser bastante difícil e prolongado. Etiologia A DC resulta da proliferação excessiva de ácaros do género Demodex (Figura 1) na pele dos cães (Guaguère, 1991). Além de D. canis foram relatadas mais duas espécies de Demodex no cão: uma forma curta denominada D. cornae, e uma forma longa denominada D. injai (Tabela 1) (Medleau e Hnilica, 2006). A "forma curta" apresenta características morfológicas distintas Introdução A demodicose canina (DC), dermatite resultante da multiplicação excessiva de ácaros do género Demodex na pele dos cães, é uma doença multifactorial onde a presença do ácaro se conjuga com factores genéticos e imunológicos do animal (Griffin et al., 1993). A raspagem da pele em profundidade permite com facilidade a detecção de ácaros do género Demodex em cães afectados por esta doença (Mathet et al., *Correspondência: Tel/Fax: + 351 214456566 Figura 1 - Raspagem de pele. Note-se a multiplicação excessiva de ácaros D. canis (objectiva 10x) (original). Tabela 1 - Dimensões das três espécies do género Demodex (Ferrer, 1997; Scott et al., 2001; Gross et al., 2005) Demodex canis Macho adulto 40-250 µm Fêmea adulta 40-300 µm Demodex cornae 90-148 µm abdómen largo e truncado Demodex injai 334-368 µm 135 Leitão JPA e Leitão JPA RPCV (2008) 103 (567-568) 135-149 Figura 4 - Raspagem de pele. Ninfa de D. canis (objectiva 40x) (original). Bettenay, 1999; Gross et al., 2005) (Figura 6). Até à data só está descrito na DC generalizada adulta, especialmente nas raças terriers e seus cruzamentos (Medleau e Hnilica, 2006). O West Highland White Terrier parece ter a maior incidência (Medleau e Hnilica, 2006). O modo de transmissão destas espécies é ainda desconhecido (Medleau e Hnilica, 2006). Figura 2 - Raspagem de pele. Larva e adulto de D. canis (objectiva 40x) (original). Ciclo de vida e habita preferencialmente o estrato córneo da epiderme (Nesbitt e Ackerman, 1998; Gross et al., 2005) (Figura 5). Na maioria dos casos encontra-se em associação com D. canis (Scott et al., 2001). Os ácaros da espécie Demodex injai parecem habitar os folículos pilosos e as glândulas sebáceas (Mueller e O ciclo de vida de D. canis é homoxeno, tem duração aproximada de 18 a 35 dias e compreende 4 estádios evolutivos: ovo fusiforme; larva hexápoda (Figura 2); ninfa e adulto, ambos octópodes (Nesbitt e Ackerman, 1998) (Figuras 3 e 4). O ácaro habita os folículos pilosos, as glândulas sebáceas ou, mais raramente, as glândulas sudoríparas apócrinas, alimentando-se de células, secreções e detritos epidérmicos (Mur, 1997). A presença do ácaro em localizações extra cutâneas (linfonodos superficiais e profundos, parede intestinal, baço, rins, bexiga, pulmões, tiróide, sangue, leite, urina e fezes) resulta da drenagem linfática e sanguínea após ruptura folicular (Scott et al., 2001; Gross et al., 2005). Em condições clínicas, os ácaros da espécie D. canis não sobrevivem fora dos folículos pilosos, na superfície corporal ou fora do hospedeiro (Ferrer, 1997). Transmissão Figura 3 - Raspagem de pele. Fêmea adulta e ovo de D. canis (objectiva 40x) (original). 136 A transmissão de D. canis ocorre por contacto directo da progenitora para a sua ninhada, ou entre os cachorros da ninhada, durante as primeiras 48 a 72 horas pós-parto (Scott et al., 2001; Gross et al., 2005). A transmissão intra-uterina parece não acontecer pois Leitão JPA e Leitão JPA RPCV (2008) 103 (567-568) 135-149 Figura 5 - Raspagem de pele. Demodex cornae (objectiva 40x) (original). Figura 6 - Raspagem de pele. Demodex injai (objectiva 10x) (original). em cachorros abortados ou nascidos por cesariana e separados das mães infectadas não foi possível demonstrar ácaros (Leitão e Oliveira, 2003). O modo de transmissão de D. injai e de D. cornae não são conhecidos. A DC não é considerada contagiosa entre animais saudáveis após o período neonatal, uma vez que a convivência entre cães com demodicose generalizada e cães saudáveis em ambiente confinado ou a inoculação de soluções contendo ácaros na pele de animais saudáveis não produzem doença evolutiva (Mathet et al., 1996). Quaisquer lesões que surjam curam espontaneamente (Nesbitt e Ackerman, 1998). D. canis não é considerado contagioso para gatos ou seres humanos (Tilley and Smith, 2004). associação da DC com outras doenças hereditárias em Beagles (ex. deficiência em factor VII) e por nas ninhadas afectadas parte ou a totalidade dos cachorros apresentarem DC generalizada (Scott et al., 2001). As raças com presisposição para demodicose segundo Hill, (2002) são: Boston Terrier, Jack Russel Terrier, Scottish Terrier, Boxer, Bulldog, Chihuahua, Dalmata, Daschund, Doberman pinscher, Dogue alemão, Galgo afegão, Malamute do Alasca, Old English Sheepdog, Pointer, Shar-pei, Weimaraner, West Highland White Terrier. A eliminação dos animais demodécicos ou portadores do ácaro (progenitores e crias) dos programas de reprodução permitiu a redução ou mesmo a erradicação da doença em alguns canis de reprodução (Scott et al., 2001). A análise da incidência de DC em alguns canis de criação (Collies e Beagles) sugere uma transmissão hereditária autossómica recessiva (Scott et al., 2001; Gross et al., 2005). Uma disfunção imunitária desempenha um papel fundamental na patogenia da DC (Mathet et al., 1996). A DC generalizada pode ser induzida por administração de soro anti-linfócito ou de altas doses de corticosteróides e é observada em até 8% dos cães adultos com hiperadrenocorticismo (Nesbitt e Ackerman, 1998). No entanto, uma imunossupressão generalizada não explica a maioria dos casos de DC (Scott et al., 2001). Neste caso, cachorros com DC generalizada deveriam desenvolver infecções virais, pneumonias ou outras infecções sistémicas (Scott et al., 2001). Da mesma forma, cães adultos com neoplasias, sobretudo do sistema linforreticular, ou submetidos a tratamentos imunossupressores deveriam desenvolver DC (Scott et al., 2001). Adicionalmente, cães com DC são capazes de desencadear uma resposta humoral normal quando vacinados contra esgana - hepatite infecciosa canina (Scott et al., 2001). Estudos sobre as populações de linfócitos envolvidos na DC sugerem uma responsabilidade dos linfócitos T citotóxicos activados por uma irregulari- Patogenia D. canis está presente em pequeno número como comensal na pele e nos condutos auditivos em cerca de 30% a 80% dos cães saudáveis, mas apenas alguns desenvolvem a doença (Paradis, 2000; Gross et al, 2005). O agente etiológico não é, portanto, o responsável exclusivo pela patologia (Paradis, 2000). Nalguns animais, a pele constitui um habitat favorável para a rápida reprodução e crescimento de D. canis, gerando a demodicose (Scott et al., 2001). As condições específicas que favorecem esta proliferação anormal são apenas parcialmente conhecidas (Griffin et al., 1993). Parece tratar-se de uma doença multifactorial onde factores genéticos e imunológicos, parasitários e bacterianos, ecológicos cutâneos e ambientais se conjugam de forma intrincada (Leitão e Oliveira, 2003). Os conceitos actuais assentam sobre a coexistência de uma supressão da imunidade celular e de uma predisposição hereditária (Griffin et al., 1993). A predisposição hereditária tem sido suportada pela maior prevalência da doença em cães de raça pura, por certas raças serem mais afectadas do que outras, pela 137 Leitão JPA e Leitão JPA RPCV (2008) 103 (567-568) 135-149 dade na função dos linfócitos T helper (Scott et al., 2001; Gross et al., 2005). Documentou-se ainda uma diminuição na produção de interleucina 2 (IL-2) e do número de receptores para IL-2 nos linfócitos circulantes (Mathet et al., 1996; Rhodes et al., 2004). Estes dados indicam um defeito no processamento e apresentação dos antigénios de D. canis que conduz a uma resposta inadequada dos linfócitos T helper tipo 1 (Scott et al., 2001). Julga-se que este defeito nos linfócitos T específicos para D. canis tem uma componente hereditária de expressão variável (Scott et al., 2001). A investigação nesta área permitirá compreender melhor a patogenia e desenvolver novas formas de tratamento. A criação de modelos biológicos (usando enxertos de pele de cão em ratos de laboratório) parece ser um avanço no estudo da imunopatologia da demodicose (Scott et al., 2001). Vários factores predisponentes para a DC generalizada, tais como a administração de fármacos imunossupressores (ex: anti-neoplásicos, corticosteróides, progestagéneos), doenças sistémicas graves, stress transitório (cirurgia, estro, parto, lactação) e infecção por Dirofilaria sp. ou Trichuris vulpis, têm sido sugeridos ou documentados (Griffin et al., 1993; Rhodes et al., 2004). Apesar de não ter sido estabelecida em definitivo uma relação de causalidade, diversas doenças metabólicas ou potencialmente imunossupressoras têm sido associadas a casos de DC generalizada no cão adulto: hiperadrenocorticismo espontâneo ou iatrogénico, hipotiroidismo, diabetes mellitus, neoplasias malignas, leishmaniose, blastomicose e outras micoses profundas (Medleau e Hnilica, 2006). Num estudo a propósito do tratamento de 22 casos de DC generalizada no cão adulto, Guaguère demonstrou a existência de uma patologia subjacente em 77,3% dos casos (Guaguère, 1991). Duclos et al. (1994) e Lemarié e colaboradores (1996) obtiveram resultados semelhantes (Ferrer, 1997). A DC pode ser classificada segundo a apresentação clínica e a idade de início (Nesbitt e Ackerman, 1998). Na prática, a sobreposição é comum. De acordo com a apresentação clínica são reconhecidos três tipos de DC: DC localizada (DCL), DC generalizada (DCG) e pododermatite demodécica (PD). A DCL representa cerca de 90% dos casos de DC, é mais frequente em cães jovens (até 12 meses) e caracteriza-se pelo desenvolvimento de pequenas áreas de alopecia (até seis) bem circunscritas, com descamação e eritema variáveis, geralmente não pruriginosas (Niemand e Suter, 1992; Rhodes et al., 2004; Gross et al., 2005) (Figuras 7 e 8). Podem surgir hiperpigmentação e comedões (Mathet et al., 1996). Afecta sobretudo a face, a região periocular e as comissuras labiais, o pescoço e os membros anteriores, mas qualquer área do corpo pode estar envolvida (Ferrer, 1997; Rhodes et al., 2004; Gross et al., 2005). A piodermite secundária é rara (Paradis, 2000). A evolução é benigna e na maioria dos casos (cerca de 90%) há resolução espontânea em 6 a 12 semanas (Griffin et al., 1993; Rhodes et al., 2004). A recidiva é rara mas as lesões podem aparecer e desaparecer no decurso de vários meses (Scott et al., 2001). Cerca de 10% dos casos de DCL evoluem para DCG, nalguns casos tão rapidamente que a forma localizada passa despercebida (Ferrer, 1997; Rhodes et al., 2004). A otite externa ceruminosa bilateral (otite demodécica - OD), com ou sem prurido associado, é uma apresentação muito rara nesta forma e pode ser a Figura 7 - DC Localizada juvenil numa cadela com 6 meses de idade. Lesão focal alopécica, descamativa e eritematosa na cabeça (original). Figura 8 - DC Localizada adulta num Pequinês com 8 anos de idade. Envolvimento do pescoço com lesão alopécica eritematosa (original). 138 Não parece haver predisposição sexual nem influência da castração no desenvolvimento de uma DC (Leitão e Oliveira, 2003; Gross et al., 2005). Sinais clínicos Leitão JPA e Leitão JPA RPCV (2008) 103 (567-568) 135-149 Figura 9 - DCG juvenil numa cadela com 5 meses de idade. Distribuição multifocal de lesões alopécicas, eritematosas e descamativas na cabeça, pescoço e membros (original). Figura 10 - DCG juvenil num Dogue de Bordéus com 12 meses de idade. Distribuição generalizada de lesões alopécicas, eritematosas e descamativas (original). única manifestação clínica da doença, necessitando tratamento específico (Nesbitt e Ackerman, 1998). Não foram demonstradas alterações imunológicas em cães com DCL (Gross et al., 2005). No entanto, um defeito genético imunitário de expressão focal pode estar presente na DCJ localizada permitindo a sua evolução para a forma generalizada (Gross et al., 2005). A DCG, mais frequente em cachorros até aos 18 meses, é uma das dermatopatias mais severas dos canídeos, podendo aparecer generalizada logo de início ou sob a forma, mais comum, de múltiplas lesões mal circunscritas que se agravam com o tempo (Scott et al., 2001; Gross et al., 2005) (Figuras 9 e 10). Considera-se a existência de DCG sempre que hajam muitas lesões localizadas (mais que 12), envolvimento de toda uma região corporal (ex: face) ou envolvimento completo de duas ou mais extremidades podais (Medleau e Hnilica, 2006). Casos intermédios, com 6 a 12 lesões localizadas, devem ser avaliados de forma individual (Scott et al., 2001). A DCG afecta sobretudo a cabeça, o tronco e os membros (Knottenbelt, 1994; Gross et al., 2005) (Figura 11). O abdómen é a região menos afectada, possivelmente pela menor densidade pilosa (Scott et al., 2001). A OD acompanha com frequência o envolvimento facial mas pode ser a única manifestação clínica de DCG (Griffin et al., 1993; Gross et al., 2005) (Figura 12). A pele afectada pode apresentar eritema, edema e seborreia, descamação, comedões, liquenificação, hiperpigmentação, pústulas, erosões, crostas ou ulceração (Medleau e Hnilica, 2006). Ao longo do tempo, as lesões crescem e coalescem, dando lugar a grandes áreas afectadas (Mathet et al., 1996; Gross et al., 2005). A piodermite secundária, comum na DCG, acompanha-se de graus variados de prurido. O autotraumatismo agrava as lesões primárias (Griffin et al., 1993; Gross et al., 2005). Com a foliculite e a furunculose surgem lesões pio-hemorrágicas com exsudados abundantes e formação de crostas espessas e aderentes, em especial na cabeça, pescoço e região perianal (Scott et al., 2001). Podem mesmo gerar-se trajectos fistulosos e com o mínimo traumatismo ocorrer perda de tecido cutâneo (Mathet et al., 1996; Gross et al., 2005). O dono pode optar pela eutanásia devido à gravidade das lesões (Mathet et al., 1996). Animais com piodermite profunda podem revelar sinais de septicémia com febre, anorexia, letargia e Figura 11 - DCG juvenil numa cadela com 6 meses de idade. Lesões de furunculose com eritema, alopecia e seborreia (original). Figura 12 - Mesmo animal da figura anterior mostrando otite demodécica associada a envolvimento facial grave (original). 139 Leitão JPA e Leitão JPA debilitação (Gross et al., 2005; Medleau e Hnilica, 2006). A linfadenopatia periférica é geralmente marcada e generalizada (Niemand e Sutter, 1992). Staphylococcus intermedius é a bactéria isolada com maior frequência (Scott et al., 2001). Outras bactérias importantes incluem Pseudomonas aeruginosa (causando piodermite grave e especialmente refractária ao tratamento na PD) e Proteus mirabilis (Scott et al., 2001). Podem surgir formas atípicas caracterizadas por múltiplos nódulos (com 2 a 3 mm de diâmetro) ou alopecias focais bem demarcadas, sobretudo nas raças braquicefálicas como o Bulldog inglês, o Boxer e Pittbull Terriers, bem como no Shar-pei (Scott et al., 2001; (Gross et al., 2005) (Figura 13). A PD, quando ocorre isoladamente, pode ser o resultado de DCG que curou completamente com excepção das extremidades podais ou ser a única manifestação da DC (Mur, 1997; Gross et al., 2005) (Figura 14). Um inquérito rigoroso permite distinguir os dois casos (Lopez, 1998). Apesar da doença estar confinada às extremidades podais, alguns destes cães têm populações de ácaros mais numerosas que o normal nas zonas de pele clinicamente saudável (Scott et al., 2001). Caracteriza-se por uma dermatite papulonodular com eritema, edema e dor, prurido, alopecia, hiperpigmentação, liquenificação, seborreia, crostas, pústulas, bolhas e fístulas envolvendo as áreas digital, interdigital e palmar/plantar (Nesbitt e Ackerman, 1998; Gross et al., 2005). Esta apresentação é particularmente propensa a infecção bacteriana secundária, podendo tornar-se crónica e resistente ao tratamento (Mur, 1997). Algumas raças são especialmente afectadas pelo desconforto e dor da PD: Bobtail, Cão da Terra Nova, Dogue Alemão e São Bernardo (Scott et al., 2001). As infestações por D. injai caracterizam-se tipicamente por seborreia oleosa sobretudo na região dorsal do tronco mas podem surgir outras lesões como alopecia, eritema, hiperpigmentação e comedões (Medleau e Hnilica, 2006). Segundo a idade em que surge, a DC pode ser designada como juvenil ou adulta (Ferrer, 1997). Figura 13 - Forma nodular de demodicose canina numa American Staffordshire Terrier com cerca de 5 meses de idade (original). 140 RPCV (2008) 103 (567-568) 135-149 A DC juvenil (DCJ) é tipicamente observada em cães desde as 6 semanas até aos 12 a 18 meses de vida (Nesbitt e Ackerman, 1998). A grande maioria apresenta a forma localizada mas alguns exibem a forma generalizada desde a infância (Nesbitt e Ackerman, 1998). Parece haver maior incidência nos cães de porte médio ou grande. A DC generalizada juvenil (DCGJ) pode ser causada por D. canis bem como por D. cornae (Medleau e Hnilica, 2006). Julga-se que resulta de um defeito genético na resposta imunitária específica contra D. canis (Scott et al., 2001). A DC adulta (DCA) pode ser causada pelas três espécies de Demodex e surge em cães com mais de 2 anos de idade (após os 4 anos segundo alguns autores) (Guaguère, 1991). Nestes casos, doenças concomitantes devem estar presentes para romper o equilíbrio que permitiu durante anos a existência de ácaros do género Demodex como parte da fauna cutânea normal, promovendo a rápida multiplicação do parasita (Ferrer, 1997). Embora alguns casos relatados representem animais que "transportaram" a doença não diagnosticada desde a idade juvenil, a maioria resulta de condições imunossupressoras na idade adulta (Ferrer, 1997). A história clínica deve permitir diferenciar as situações. Diagnóstico O método diagnóstico de eleição da DC é a observação microscópica do produto da raspagem de pele. O tricograma e a histopatologia de biópsias de pele podem ser úteis em determinados casos. Os dados epidemiológicos (idade, raça, existência de outros membros da ninhada afectados, história familiar da doença), a anamnese (idade em que surgiu a doença, evolução, resposta a terapêuticas anteriores) e o exame clínico permitem obter informação adicional importante para elaborar o plano terapêutico. A raspagem de pele, além do diagnóstico, permite a monitorização do animal ao longo do tratamento (Bensignor, 2002). Todas as lesões de pele, sugestivas Figura 14 - Pododemodicose no mesmo animal da figura 10. Tumefacção digital devido a furunculose secundária a demodicose generalizada (original). Leitão JPA e Leitão JPA ou não de DC, devem ser objecto de raspagem e observação microscópica em pequena ampliação (Leitão e Oliveira, 2003). As raspagens devem ser profundas e extensas, evitando zonas de elevada fragilidade (a hemorragia produzida prejudica a interpretação), com fibrose ou hiperqueratose acentuada (a probabilidade de captar ácaros nas raspagens é reduzida) (Medleau e Hnilica, 2006). Por vezes é necessária a sedação para obter boas raspagens, sobretudo em áreas difíceis como os lábios, as pálpebras e os espaços interdigitais (Griffin et al., 1993). O diagnóstico assenta na demonstração de elevado número de ácaros adultos vivos ou de um elevado rácio entre formas imaturas (ovo, larva e ninfa) e formas adultas (Mur, 1997). A demonstração de um ácaro ocasional não oferece o diagnóstico mas não deve ser ignorada pois é raro encontrar D. canis na pele de cães saudáveis (Ferrer, 1997). Raspagens adicionais devem ser realizadas em diversos outros locais antes de considerar improvável a existência de DC (Scott et al., 2001). Embora a raspagem de pele seja um teste rápido e simples, é comum observar cães com DC que tiveram raspagens de pele negativas para ácaros (Scott et al., 2001). Apesar da sua menor sensibilidade, o tricograma possibilita a recolha de material para diagnóstico em áreas de difícil execução da raspagem (periocular, perinasal e interdigital) (Bensignor, 2002). Para a recolha dos pêlos devem ser seleccionadas zonas de pele com hiperqueratose superficial e folicular. O teste pode ser negativo em casos de infestação ligeira e nunca deve substituir a raspagem de pele na monitorização do animal (Mueller et al., 2000; Scott et al., 2001). Quando diversas raspagens negativas são obtidas de um Shar-Pei ou de cães com hiperqueratose ou fibrose cutâneas, em especial na região interdigital, a histopatologia deve ser realizada antes de descartar a DC (Griffin et al., 1993; Mueller et al., 2000; Gross et al., 2005). Mesmo não sendo demonstrados ácaros, a pele de cães com DC apresenta padrões histopatológicos característicos (foliculite mural, dermatite nodular e foliculite e furunculose supurativas) (Nesbitt e Ackerman, 1998; Gross et al., 2005; Bettenay et al., 2006). Figura 15 - DCG associada a dermatofitose num cão com 6 anos de idade. Lesões multifocais coalescentes com alopecia, descamação e hiperpigmentação (original). RPCV (2008) 103 (567-568) 135-149 A realização de hemograma, perfil bioquímico sérico, urianálise, exame fecal para helmintas e pesquisa de Dirofilaria sp. permite a avaliação mais completa do estado do animal e mesmo suspeitar ou diagnosticar uma eventual doença sistémica concomitante. Esta avaliação deve ser realizada em todos os cães com mais de dois anos com DCG, em cães que não respondem ao tratamento ou que apresentam recidiva da doença. Cães com DCG adulta devem realizar testes de função da tiróide e das glândulas adrenais. Casos precoces de hiperadrenocorticismo podem ter apenas expressão dermatológica (incluindo DCG) sem quaisquer alterações laboratoriais ou sinais sistémicos clássicos (Griffin et al., 1993). Em cerca de 30% a 60% dos casos não é possível determinar uma patologia associada no momento do diagnóstico, sendo prudente implementar uma vigilância regular, já que doenças sistémicas graves ou neoplasias podem evidenciar-se semanas ou meses depois (Mathet et al., 1996). Diagnóstico diferencial As situações a considerar mais frequentemente para o diagnóstico diferencial são: piodermite bacteriana (superficial ou profunda), dermatofitose, hipersensibilidade (dermatite por alergia à picada de pulga, hipersensibilidade alimentar, atopia, dermatite de contacto) e doenças cutâneas imunomediadas (complexo pemphigus, lúpus eritematoso sistémico, dermatomiosite facial) (Niemand e Sutter, 1992; Rhodes et al., 2004; Gross et al., 2005). A raspagem de pele bem realizada é usualmente diagnóstica, pelo que a DC não deverá ser confundida com outras doenças (Leitão e Oliveira, 2003). Raspagens de pele positivas para D. canis não devem impedir a realização de outros exames dermatológicos como o exame micológico cultural e a citologia cutânea. Animais com DC e outras doenças concomitantes têm sido identificados pelos autores (Figura 15 e 16). A citologia cutânea torna-se útil para dirigir a antibioterapia empírica ou sugerir a necessidade Figura 16 - DCG adulta associada a hiperadrenocorticismo num cão com 10 anos de idade. Lesões multifocais coalescentes com alopecia, seborreia e hiperpigmentação. Note-se a distensão abdominal e a atrofia muscular das coxas (original). 141 Leitão JPA e Leitão JPA absoluta de antibiograma (caso evidencie bastonetes Gram negativos). A leishmaniose pode coexistir com a DC (Oliveira et al., 2002). Os autores já diagnosticaram quatro cães com DCG e leishmaniose concomitantes e sugerem a pesquisa de Leishmania spp., sobretudo nas regiões onde a doença é endémica. Tratamento Embora o tratamento varie com a forma de apresentação da doença, alguns princípios gerais são comuns (Mathet et al., 1996). O uso de fármacos corticosteróides, em qualquer dose ou forma de apresentação, está contra-indicado já que o seu efeito imunossupressor pode levar à progressão da doença da forma localizada à forma generalizada (Hill, 2002). Exceptuam-se as situações que implicam risco de vida para o animal (Scott et al., 2001; Hill, 2002). A piodermite bacteriana, o prurido e a seborreia devem ser controlados, quer se institua ou não um tratamento acaricida específico (Medleau e Hnilica, 2006). O uso de colares isabelinos ou de T-shirts ajuda a minimizar o autotraumatismo resultante do prurido e o agravamento da piodermite (Griffin et al., 1993). O uso de anti-inflamatórios não esteróides no maneio inicial da piodermite ajuda a controlar o prurido ao reduzir a inflamação, a dor e o edema muitas vezes presentes. Quando o prurido é intenso associamos anti-histamínicos sem que surjam efeitos colaterais. A gravidade e a extensão da infecção bacteriana secundária condicionam o tratamento da piodermite. Nas piodermites superficiais localizadas, o uso de champôs à base de clorohexidina (2% a 4%) (peso/volume) ou de peróxido de benzoílo (2,5%) (peso/volume) pode ser suficiente (Griffin et al., 1993). Vários autores preferem o peróxido de benzoílo pelas propriedades antibacteriana, antisseborreica e antipruriginosa, auxiliando ainda na expulsão do conteúdo dos folículos pilosos (efeito de flushing) (Hill, 2002; Rhodes et al., 2004). A antibioterapia sistémica deve ser associada nas piodermites generalizadas ou profundas (Hill, 2002). O controlo da piodermite e da seborreia, ainda que não seja total até que os ácaros sejam eliminados, permite reduzir a irritação cutânea, melhorar a penetração dos acaricidas tópicos e diminuir a imunodepressão provocada pelo componente bacteriano secundário (Scott et al., 2001). A recuperação da DC depende, pelo menos em parte, de um bom estado geral. Devido ao carácter imunodepressivo que acompanha a DC, os cuidados básicos de saúde como a nutrição, a desparasitação e a vacinação não devem ser descurados (Paradis, 2000). A vacinação é geralmente adiada até que a piodermite seja controlada. Qualquer patologia associada merece tratamento imediato (Mathet et al., 1996). 142 RPCV (2008) 103 (567-568) 135-149 Tratamento da DCL O tratamento da DCL assenta em quatro premissas importantes: é uma forma benigna que resolve espontaneamente em cerca de 90% dos casos; o seu tratamento não previne a progressão para a forma generalizada nos restantes 10%; a percentagem de cura de animais tratados e não tratados não diverge e as recidivas são raras. De acordo com as premissas referidas e pelo risco de selecção de estirpes resistentes aos acaricidas específicos, o seu uso não é recomendado no tratamento da DCL (Scott et al., 2001). O tratamento, a realizar algum, deve ser conservativo à base de peróxido de benzoílo (gel, loção, creme, champô), aplicado 2 a 3 vezes ao dia e no sentido de crescimento do pêlo, ou rotenona e antibioterapia em caso de piodermite (Medleau e Hnilica, 2006). A raspagem de pele cada 4 semanas após o diagnóstico (com ou sem tratamento) permite monitorizar a evolução da doença. Nas lesões em regressão, as raspagens mostram poucas formas imaturas ou adultas. Se as lesões progridem ou se a contagem de ácaros aumenta, incluindo a relação formas larvares/formas adultas, há progressão para a forma generalizada da doença e o tratamento acaricida específico está indicado (Griffin et al., 1993; Hill, 2002). Tratamento da DCG Apesar do conhecimento sobre a doença ter evoluído consideravelmente nos últimos anos, continua a ser uma doença de difícil tratamento, com frequência oneroso e desgastante para o proprietário (Scott et al., 2001). A discussão acerca da etiopatogenia, da gravidade dos sinais clínicos, dos tratamentos disponíveis e do prognóstico da DCG, permite obter confiança e um maior envolvimento do dono, essencial para o sucesso do tratamento. A compreensão dos critérios de cura (clínica, parasitológica e definitiva) é fundamental. A eficácia do tratamento é monitorizada por raspagens de pele cada 2 a 4 semanas, idealmente sempre nos mesmos locais (Paradis, 2000). O tratamento deve ser prolongado por pelo menos mais 30 dias (60 dias para reduzir as recidivas) após a obtenção das primeiras raspagens de pele negativas simultaneamente em 6 a 8 locais diferentes. São então realizadas novas raspagens. Se forem negativas, o tratamento pode ser interrompido. Se as raspagens ainda revelarem ácaros, o tratamento deve continuar por mais 30 dias (60 dias quando se trata de recidivas) seguido de novas raspagens (Scott et al., 2001; Hill, 2002; Rhodes et al., 2004). A cura parasitológica é conseguida quando as raspagens de pele não revelam ácaros (vivos ou mortos) em qualquer estádio de desenvolvimento. A cura definitiva é alcançada quando são obtidas raspagens negativas 4 semanas após a cura parasitológica e depois cada 3 meses por um período de 12 meses Leitão JPA e Leitão JPA (Griffin et al., 1993). Note-se que a cura clínica antecede em semanas a meses a cura parasitológica e que muitas recidivas se devem à paragem precoce do tratamento (Carlotti et al., 1996). A reavaliação frequente permite reconhecer o desenvolvimento de recidivas e instituir o tratamento adequado antes do agravamento das lesões (Griffin et al., 1993; Hill, 2002). Entre 30% a 50% dos cães com DC com menos de 1 ano de idade e em bom estado geral curam espontaneamente com tratamento sintomático (Paradis, 2000). Nestes casos há redução da contagem de ácaros e melhoria clínica progressivas. Caso contrário, a cura espontânea é improvável e o tratamento acaricida específico está indicado. Cães com DCG e mais de 1 ano de idade necessitam sempre tratamento acaricida (Scott et al., 2001). Existem poucos fármacos eficazes contra ácaros do género Demodex pelo que há que utilizá-los com prudência. O tratamento da DCG baseia-se no uso de acaricidas como o amitraz (tratamento tópico) e algumas lactonas macrocíclicas sistémicas (tratamento sistémico). Apenas a milbemicina oxima e a moxidectina estão licenciadas pelo Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento (INFARMED) para o tratamento da DC, pelo que o proprietário deve autorizar a utilização de fármacos não licenciados. Tratamento tópico (amitraz) Apesar de não licenciado pelo INFARMED para este fim, o amitraz continua a ser uma opção no tratamento da DCG. Esta formamidina, com actividade agonista α2-adrenérgica e inibidora das monoaminoxidases e da síntese das prostaglandinas, possui uma acção acaricida baseada na perturbação da transmissão nervosa (antagonista ao nível dos receptores da octopamina) (Hugnet et al., 1996; Rhodes et al., 2004). O amitraz é aplicado sob a forma de banho, por diluição aquosa da emulsão comercial. Para maximizar os resultados do uso do amitraz, algumas medidas preparatórias são indispensáveis: 1. Cães de pêlo médio/longo devem ser sujeitos a tosquia completa, rente e regular de forma a melhorar o contacto da solução aquosa de amitraz com a pele e a sua penetração nos folículos pilosos (Hill, 2002). 2. Remoção de todas as crostas. Nalguns casos é necessária a tranquilização ou mesmo anestesia, já que a remoção de crostas espessas e aderentes pode revelar-se muito dolorosa. O uso de agentes sedativos agonistas α2-adrenérgicos (ex: medetomidina, xilazina, benzodiazepinas) pode causar toxicidade sinergística e deve ser evitado. Caso contrário, a aplicação do amitraz deve ser adiada por 24 horas. 3. Banho completo com champô antisseborreico e antibacteriano, idealmente antes de cada tratamento com amitraz. O banho em sistema de whirlpool RPCV (2008) 103 (567-568) 135-149 (corrente suave de água) é benéfico. Estes procedimentos, essenciais para um contacto óptimo da medicação com a pele afectada, podem conferir à pele um aspecto irritado. De seguida, o animal é gentilmente enxugado com uma toalha para não haver diluição adicional da solução de amitraz na água retida na superfície corporal (Hill, 2002). Outra opção é aplicar o banho 12 a 24 horas antes da solução de amitraz, embora a desejada actividade de flushing folicular possa ser perdida neste intervalo. 4. A solução de amitraz deve ser aplicada continuamente em todo o corpo (nas zonas afectadas e não afectadas) por um período mínimo de 10 minutos. As extremidades podais devem ficar submersas ou envolvidas por um pano embebido na solução e suavemente massajadas, especialmente em caso de PD (Hill, 2002). O amitraz deve permanecer na pele por duas semanas. A secagem com toalha ou a sua remoção através de banhos, incluindo a água da chuva ou de piscinas está contra-indicada (Hill, 2002). Se as condições climatéricas constituírem um risco importante para infecções respiratórias, o uso de secador de ar quente ou a exposição a um radiador está sugerido, embora o calor possa agravar o eritema e o prurido. Se não for possível manter o animal seco entre as aplicações de amitraz, a aplicação seguinte pode ser antecipada. 5. A solução de amitraz deve ser usada imediatamente após a sua preparação. O amitraz, por oxidação e acção dos raios ultravioletas, degrada-se em N-metilformamidina, substância muito mais tóxica do que a original. A solução de amitraz deve ser conservada num recipiente opaco bem fechado e armazenada ao abrigo da luz (Griffin et al., 1993; Ferrer, 1997; Scott et al., 2001). Embalagens fora de prazo, com depósito ou abertas há algum tempo não devem ser utilizadas (Nesbitt e Ackerman, 1998). O consenso mais generalizado consiste em iniciar o tratamento com aplicações quinzenais de amitraz na concentração de 0,025% (peso/volume). Este protocolo permite obter percentagens de cura de 60% a 80% em cães com DCG e idade inferior a 18 meses (Nesbitt e Ackerman, 1998). Nos casos não responsivos ou quando após 8 a 10 tratamentos não se obtêm raspagens negativas, está indicado aumentar a frequência do tratamento para semanal, mantendo a concentração a 0,025% (peso/volume) ou subindo para 0,05% a 0,100% (peso/volume). Esta alteração poderá ser indicada mais cedo se o quadro clínico se agrava ou se as contagens dos ácaros aumentam ou não diminuem (Griffin et al., 1993). Nos casos refractários aos tratamentos quinzenais ou semanais, recomenda-se utilizar outros fármacos acaricidas (ex: lactonas macrocíclicas sistémicas) ou usar o amitraz a 0,125% (peso/volume) em dias alternados em cada metade do corpo (Mathet et al., 1996). Num estudo realizado por Medleau e Willemse (1995), este protocolo mostrou uma percentagem de 143 Leitão JPA e Leitão JPA cura de 81% (38/47) nos cães com DC não tratados anteriormente com amitraz e de 75% (18/24) nos casos refractários ao tratamento quinzenal ou semanal (Griffin et al., 1993; Nesbitt e Ackerman, 1998). A duração média do tratamento foi de 3,7 meses e não foi observada toxicidade grave (Mathet et al., 1996; Nesbitt e Ackerman, 1998). Acredita-se que até 20% dos casos não atingem raspagens negativas ou recidivam quando o tratamento é suspenso (Scott et al., 2001). Alguns casos requerem tratamentos a cada 2 a 4 semanas por toda a vida para controlar a população de ácaros e manter o animal assintomático (Griffin et al., 1993). Um estudo de Christophe Hugnet et al. (2001) avaliou a eficácia da aplicação semanal de solução de amitraz a 1,25% (peso/volume) associada à administração de antídotos (atipamezol e yohimbina) no tratamento da DCG. Este estudo mostrou uma percentagem de cura de 100% em 8 cães com DC com idades compreendidas entre os 4 meses e os 12 anos, previamente resistentes a múltiplos tratamentos de amitraz. O número médio de banhos necessário para a cura parasitológica foi de 3 (2-5). O seguimento a longo prazo permitiu registar a ausência de recidiva 6 a 36 meses após o último banho e por 12 ou mais meses em seis cães. É essencial testar este protocolo num número elevado de cães com DCG antes de ser recomendado (Hugnet et al., 2001). A OD e a PD podem ser especialmente resistentes aos tratamentos com a solução aquosa. Vários autores recomendam a aplicação de amitraz em diluições (volume/volume) desde 1:9 até 1:60 em parafina líquida ou propilenoglicol duas a três vezes por semana nas extremidades podais e no interior dos condutos auditivos (Knottenbelt, 1994; Rhodes et al., 2004). No caso de OD isolada, alguns autores sugerem a utilização de uma solução ótica ceruminolítica antes de recorrer ao amitraz já que o potencial para ototoxicidade ainda não foi suficientemente estudado. Protocolos similares são sugeridos para lesões localizadas, de forma diária ou em dias alternados (Nesbitt e Ackerman, 1998). Vários autores recomendam que a primeira aplicação do tratamento tópico seja realizada na clínica veterinária, não só pela necessidade de um bom tratamento preparatório mas também como forma de demonstração para o dono. A vigilância do animal por um período de 12 a 24 horas permite reconhecer rapidamente efeitos adversos do tratamento (Griffin et al., 1993; Scott et al., 2001). Os efeitos secundários mais comuns são sedação transitória (pode durar 12 a 24 horas, sobretudo após o primeiro tratamento) e prurido de intensidade variável nas primeiras aplicações. O aparente agravamento dos sinais clínicos não deve conduzir à interrupção do tratamento. À solução aquosa de amitraz deve adicionar-se um emoliente e hidratante para minimizar o efeito secante. Irritação cutânea, 144 RPCV (2008) 103 (567-568) 135-149 letargia e midríase são menos frequentes e tendem a reduzir com os tratamentos seguintes. Outros efeitos secundários incluem reacções alérgicas (urticária e edema), vómito, diarreia, hiperglicémia, hipotermia, vasoconstrição, bradicárdia, convulsões e morte aguda. Deve aplicar-se uma pomada oftálmica nos olhos dos animais para proteger da acção irritante dos champôs e do amitraz (Booth e McDonald, 1998; Adams, 2001; Rhodes et al., 2004). Cachorros com menos de 4 meses de idade, cães geriátricos ou debilitados e raças miniatura são mais sujeitos ao desenvolvimento de reacções adversas. Nestes casos, o tratamento deve iniciar-se com soluções mais diluídas [ex: 0,0125% (peso/volume)], reduzir o tempo de contacto com a solução ou tratar apenas metade do corpo de cada vez. A concentração, o tempo de contacto e a extensão da superfície corporal tratada são gradualmente aumentados se os primeiros tratamentos são bem tolerados (Griffin et al., 1993; Booth e McDonald, 1998). O amitraz está contra-indicado em cães de raça Chihuahua, em cães diabéticos e também em fêmeas gestantes (por não haver estudos de avaliação dos efeitos reprodutivos) (Booth e McDonald, 1998; Tennant, 2005). Ocasionalmente, os efeitos secundários tornam-se progressivamente mais severos com os tratamentos (Scott et al., 2001). A administração de yohimbina (0,1 mg/kg IV) ou atipamezol (0,2 mg/kg IM) está indicada para reduzir ou reverter as reacções adversas importantes. A atropina beneficia alguns animais mas pode induzir arritmias cardíacas e potenciar a hipomotilidade gastrointestinal (Booth e McDonald, 1998; Nesbitt e Ackerman, 1998). Se se pretende manter o tratamento com amitraz após reacções adversas intensas, o uso profiláctico de yohimbina (30 µg/kg SC 15 a 30 minutos antes de cada aplicação, seguido de 10 µg/kg SC cada 3 horas, segundo necessário, após o banho) está recomendado (Scott et al., 2001). Os tratamentos com amitraz devem ser realizados em local bem ventilado e com uso de protecção pelo tratador (luvas, máscara e avental). Deve ser evitado o contacto com os animais logo após o tratamento (Booth e McDonald, 1998). O amitraz é suspeito de ser um agente carcinogénico para seres humanos. Mulheres grávidas e diabéticos não devem manipular o medicamento (Pucheu-Haston, 1999; Hillier et al., 2004). Dermatite de contacto, náuseas, vómitos, cefaleias do tipo enxaquecas, tonturas e episódios asmatiformes podem afectar o tratador, mesmo que não haja contacto cutâneo com a solução (toxicidade por inalação). Os efeitos são mais prováveis em pessoas medicadas com inibidores da monoaminoxidase (ex: antidepressivos tricíclicos, anti-hipertensores e antihistamínicos) (Griffin et al., 1993). A solução concentrada de amitraz é inflamável até que se dilua em água pelo que não deve ser manipulada próximo de faíscas ou chamas (Tennant, 2005). Leitão JPA e Leitão JPA Alguns autores advogam que o uso de coleiras impregnadas com amitraz a 9% (peso/peso) pode ser eficaz em cães até 20 kg. A região cervical do animal deve ser tosquiada para permitir o contacto óptimo da coleira com a pele e a coleira deve ser renovada cada 2 semanas durante o tratamento. Segundo os mesmos autores, para cães pequenos, pode ser tão eficaz como a ivermectina (0,6 mg/kg/dia PO). Ainda, o uso combinado de coleira impregnada com amitraz e de ivermectina pode ter efeito sinergístico (Rhodes et al., 2004; Medleau e Hnilica, 2006). Tratamento sistémico Algumas lactonas macrocíclicas como a ivermectina, a milbemicina oxima e a moxidectina têm actividade contra ácaros do género Demodex. Estes fármacos actuam nos invertebrados estimulando a libertação pré-sináptica do ácido gama-amino-butírico e potenciando a sua ligação aos seus receptores, provocando o bloqueio neuromuscular, paralisia e morte do parasita (Kwochka et al., 1998). Para alguns autores, aumentam a penetração dos iões de cloro no neurónio pós-sináptico pela elevada afinidade pelos canais cloro-glutamato (Guaguère, 1996; Paradis, 2000). O uso destes fármacos está indicado em casos resistentes ao amitraz, quando o amitraz produz reacções adversas inaceitáveis ou quando a sua aplicação se torna um problema para os donos (por ser muito laborioso, implicar bastantes cuidados e ser potencialmente tóxico). A sua administração a cachorros com menos de 12 semanas de idade deve ser rodeada de cuidados adicionais (Nesbitt e Ackerman, 1998). Devido à sua acção microfilaricida, os cães devem apresentar resultados negativos nos testes de pesquisa de Dirofilaria sp. antes de iniciarem o tratamento com estes fármacos (Ferrer, 1997). Cães com DCG adulta ou PD respondem menos do que cães com DCG juvenil (Nesbitt e Ackerman, 1998). A duração média de tratamento com as lactonas macrocíclicas é de 4 meses (3-9). O tratamento deve ser continuado por pelo menos 1 mês após a cura parasitológica (2 a 3 meses para os casos que demoram mais a responder). A milbemicina oxima é mais dispendiosa mas tem menor potencial tóxico que a ivermectina e a moxidectina. A moxidectina é mais lipofílica que a ivermectina e deve ser usada com precaução em animais magros ou debilitados (Paradis, 2000). Ivermectina As formulações de ivermectina sob a forma de solução injectável e pasta oral são susceptíveis de administração oral a canídeos de forma não licenciada. O sabor destas formulações pode ser muito desagradável para alguns cães, induzindo salivação intensa e perda do medicamento, sendo recomendado o uso de engodos. A ivermectina administrada na dose RPCV (2008) 103 (567-568) 135-149 de 0,3-0,6 mg/kg/dia PO tem mostrado percentagens de cura entre 83% e 100% (Scott et al., 2001). Nas doses superiores, as percentagens de cura são mais elevadas e as recidivas menos frequentes (0% a 26%), mesmo nos casos previamente refractários ao tratamento com amitraz. Está recomendado iniciar a administração de ivermectina na dose de 0,1 mg/kg/dia e incrementar em 0,1 mg/kg/dia até uma dose máxima de 0,6 mg/kg/dia para minimizar o risco de efeitos secundários (Lopez, 1998; Nesbitt e Ackerman, 1998; Hill, 2002). A duração média do tratamento até à completa resolução é de 10 a 12 semanas (Mathet et al., 1996) (Figuras 17 e 18). As reacções adversas à ivermectina incluem midríase, anorexia, hipersiália, tremores, letargia, depressão, ataxia, distúrbios comportamentais, cegueira, decúbito e mesmo coma e morte nos casos muito graves (Booth e McDonald, 1998; Medleau et al., 1996; Hill, 2002). Surgem habitualmente 4 a 12 horas após a administração, são raras e na maioria dos casos resolvem em alguns dias com a redução da dose ou a suspensão da administração (Medleau et al., 1996). Alguns casos necessitam de tratamento de suporte que pode incluir fluidoterapia endovenosa, administração de carvão activado, alimentação forçada e prevenção de úlceras de decúbito (Ristic et al., 1995). A administração de fisiostigmina e de picrotoxina também está sugerida nas intoxicações graves (Guaguère, 1996). A intoxicação pode surgir por sobredosagem ou por reacção idiossincrática. Numa investigação do Washington State University College of Veterinary Medicine em Collies demonstrou-se que a sensibilidade acrescida aos efeitos neurotóxicos da ivermectina resulta de uma mutação por delecção do gene MDR1 (gene Multiple Drug Resistance 1) (Mealey et al., 2001). Esta mutação provoca uma deslocação de fase que gera uma stop codon prematura no gene MDR1, resultando numa proteína (glicoproteína-P) gravemente truncada, não funcional. Ensaios com murganhos knockout MDR1a(-/-) demonstraram que a glicoproteína-P transporta activamente a ivermectina do tecido cerebral para a circulação periférica, impedindo a sua acumulação e a sua toxicidade neste tecido (Dicato et al., 1997). Nos Estados Unidos da América, a prevalência desta mutação nos Collies é relativamente alta: 22% são homozigóticos para o alelo normal (MDR1 selvagem/selvagem), 42% são heterozigóticos portadores (MDR1 selvagem/mutante) e 35% são homozigóticos para o alelo mutante (MDR1 mutante/mutante) (Mealey et al., 2002). Dados semelhantes foram registados a partir de Collies de França e da Austrália (Margo, 2007). Esta mutação foi também demonstrada nas raças Pastor Australiano, Pastor das Shetland, Pastor Alemão branco, entre outras. Os animais homozigóticos para o gene mutante exibem sensibilidade à ivermectina, os heterozigóticos poderão ser sensíveis e os homozigóticos para o gene 145 Leitão JPA e Leitão JPA normal não são sensíveis à neurotoxicidade da ivermectina. A ivermectina está por isso contra-indicada nos homozigóticos para o gene MDR1 mutante já que podem desenvolver reacções adversas graves mesmo com doses únicas muito baixas (0,1 mg/kg) (Mealey et al., 2001, 2002). Nos heterozigóticos, o seu uso deve ser muito prudente. A sensibilidade acrescida está também descrita no Bobtail (Nesbitt e Ackerman, 1998). A sensibilidade a outras avermectinas em Collies e noutras raças de cães pastores também foi referida (Tranquilli et al., 1991; Plumb, 2002). Sem o acesso a este tipo de informação, o uso das avermectinas nas raças sensíveis identificadas reveste-se de um risco importante, facto que deve ser compreendido e aceite pelo proprietário. Dados preliminares de um estudo sobre a administração de ivermectina (0,45-0,6 mg/kg) em dias alternados sugerem que o tratamento diário pode não ser necessário. A associação do tratamento tópico semanal com amitraz à administração oral diária de ivermectina pode desencadear neurotoxicidade grave (Scott et al., 2001; Rhodes et al., 2004). Milbemicina oxima A milbemicina oxima usada na dose de 0,5-2 mg/kg/dia PO, mostra percentagens de cura de 15% a 92% (Nesbitt e Ackerman, 1998; Scott et al., 2001). As doses mais elevadas estão associadas com as melhores percentagens de cura. O tratamento dura em média 3 meses (Nesbitt e Ackerman, 1998). Este protocolo parece ser bem tolerado nas raças sensíveis à ivermectina (Garfield e Reedy, 1992; Hill, 2002). As reacções adversas (estupor, ataxia e tremores transitórios) são raras e desaparecem com a interrupção do tratamento (Paradis, 2000). Moxidectina Existe pouca informação sobre o uso da moxidectina. Administrada na dose de 0,2-0,4 mg/kg/dia PO, mostra percentagens de cura entre 88% e 100% RPCV (2008) 103 (567-568) 135-149 (González et al., 1998). A duração do tratamento varia de 2 a 5 meses (Lopez, 1998). As reacções adversas (anorexia, letargia, tremores, ataxia e estupor) são raras e passageiras (Paradis, 2000). Está também disponível sob a forma de spot on com 2,5% (peso/volume) de moxidectina para o controlo de demodicose (causada por D. canis), na dose de 0,1 ml/kg preconizando 2 a 4 aplicações a cada 4 semanas, mas não especificando qual a forma da doença (Bayer, 2003). Apesar do fabricante reportar uma redução de 97,84% no número de ácaros nos cães tratados com este regime, no final do estudo foram encontrados ácaros num número significativo de cães (Bayer, 2003). Muitos autores acreditam que a moxidectina neste regime não é eficaz para o tratamento da DCG, recomendado mais estudos para avaliar a eficácia de regimes não autorizados (Bonagura e Twedt, 2009). Doramectina Há relatos de que a doramectina na dose de 0,6 mg/kg SC uma vez por semana é eficaz na DC com percentagens de cura de cerca de 85%. As reacções adversas (midríase, letargia, cegueira e coma) são raras (Medleau e Hnilica, 2006; Bonagura e Twedt, 2009). Em todos os trabalhos publicados, a percentagem de cura clínica excede a verdadeira percentagem de cura, com recidivas em 10% a 45% dos casos. As recidivas podem surgir em qualquer altura mas são mais observadas nos primeiros 3 meses após o fim do tratamento, possivelmente por tratamento insuficiente. Se a recidiva surge nos primeiros 3 meses, o tratamento mais vigoroso (dose e/ou frequência) com o mesmo fármaco pode levar à cura. Se o segundo tratamento falha ou se a primeira recidiva ocorre 9 ou mais meses após o fim do tratamento, provavelmente tratamentos adicionais com o mesmo fármaco não conduzem à cura. Fármacos alternativos devem ser usados. Com os tratamentos actuais nem todos os cães com DC alcançam a cura. Nestes casos, o dono pode escolher entre o tratamento crónico de manutenção e a eutanásia. Os autores acompanham dois casos em tratamento com ivermectina em dias alternados (0,6 mg/kg) há cerca de 3 anos sem que tenham manifestado sinais de toxicidade. Outros autores relatam alguns casos de tratamento oral cada 2 a 3 dias com ivermectina ou milbemicina oxima por períodos de 4 ou mais anos, igualmente sem efeitos secundários (Scott et al., 2001). Imunoestimulantes Figura 17 - O mesmo cão da figura 10, 87 dias após o início do tratamento. Note-se a melhoria significativa (original). 146 O uso de imunoestimulantes inespecíficos para melhorar a resposta ao tratamento específico de DC é advogado por alguns. Um medicamento imunológico Leitão JPA e Leitão JPA RPCV (2008) 103 (567-568) 135-149 recente à base de Propyonibacterium acnes e E. coli, que induz a activação de macrófagos, a proliferação e diferenciação de linfócitos B e a produção de citoquinas, vem colmatar uma lacuna na estratégia de tratamento da DC. A utilização deste produto como coadjuvante ao protocolo convencional acaricida pode permitir reduzir a sintomatologia e o período de recuperação da DC (Calier, 2006). Prognóstico O prognóstico varia com o tipo de demodicose, a idade de início da doença e a presença de patologias concomitantes. Os casos de DCL são mais benignos do que os casos de DCG. A DCG juvenil tem prognóstico menos grave do que a DCG adulta. Os resultados terapêuticos parecem variar em função da patologia associada. As causas iatrogénicas e as causas não identificadas têm melhor prognóstico (100% e 80% de percentagens de cura, respectivamente) do que o hiperadrenocorticismo espontâneo (57,1%) ou o hipotiroidismo (25%). O tempo necessário para a cura parasitológica parece depender da carga parasitária inicial (Guaguère, 1991). Prevenção A ovario-histerectomia está recomendada por duas razões: por a doença poder exacerbar ou recidivar aquando do estro e por afastar as fêmeas afectadas das linhas de reprodução. (Nesbitt e Ackerman, 1998; Hill, 2002). Apesar de a American Academy of Veterinary Dermatology recomendar desde 1981 a esterilização dos animais com DCG e dos reprodutores que geram ninhadas afectadas, enquanto o carácter hereditário da doença não for definitivamente provado será difícil implementar esta medida no universo dos criadores de raças puras (Mathet et al., 1996; Gross et al., 2005). Conclusão A DC é uma doença parasitária cutânea grave resultante da multiplicação exagerada de ácaros do género Demodex na pele dos cães. Das três espécies de Demodex spp. descritas, a espécie D. canis é a mais frequentemente diagnosticada. Os ácaros do género Demodex são habitualmente comensais. Um distúrbio na regulação da sua população resulta numa multiplicação exagerada e no aparecimento da doença. Pensa-se que em cães jovens até 1 de idade este distúrbio está relacionado com um defeito genético na resposta imunitária específica contra o ácaro. Nos cães adultos parece estar relacionado com outras doenças que debilitem o sistema imunitário. A observação Figura 18 - O mesmo cão da figura 8 após tratamento. Note-se a recuperação clínica completa (original). microscópica do produto de raspagem cutânea é o principal meio de diagnóstico. Em casos particulares a biópsia ou o tricograma são necessários para o diagnóstico. A DC pode manifestar-se por diversas apresentações clínicas de acordo com a idade de início da doença (forma juvenil ou forma adulta) e com a área corporal afectada (forma localizada ou forma generalizada). A anamnese permite, na maioria dos casos, a sua distinção. A DC localizada e a DC juvenil são mais benignas do que a DC generalizada e a DC adulta. O tratamento da DC localizada é sobretudo conservativo, baseado na aplicação tópica de champôs e cremes anti-sépticos, evitando o uso de fármacos acaricidas. O tratamento da DC generalizada baseia-se no uso de acaricidas como o amitraz (tratamento tópico) e algumas lactonas macrocíclicas sistémicas (tratamento sistémico). O amitraz aplicado em solução aquosa sobre a pele dos cães com demodicose permite percentagens de cura elevadas. A utilização das lactonas macrocíclicas revolucionou a abordagem terapêutica, melhorando as percentagens de cura e tornando o tratamento mais cómodo. Em todos os casos a piodermite associada deve ser tratada. Apesar das elevadas percentagens de cura podem surgir recidivas em 10% a 20% dos casos. A investigação dos factores genéticos e imunitários envolvidos na DC pode permitir o desenvolvimento de novos fármacos para o seu tratamento. 147 Leitão JPA e Leitão JPA Bibliografia Adams HR (2001). Section 11 – Chemotherapy of parasitic diseases. Chapter 50 – Ectoparasiticides. In: Veterinary Pharmacology and Therapeutics. 8th Edition, Blackwell Publishing (Iowa), 1025: 1029-1030. 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Para avaliação foram coletadas amostras de fezes, sangue e realizados esfregaços sanguíneo de vacas em lactação e bezerros, ambos escolhidos aleatoriamente, e realizados inquéritos epidemiológicos com os proprietários das fazendas visitadas. Após a coleta, as amostras foram encaminhadas para processamento no Laboratório de Doenças Parasitárias, localizado no Hospital Veterinário da Universidade Federal do Espírito Santo. Tais amostras foram processadas seguindo a técnica de MacMaster modificada e coprocultura para identificação dos gêneros dos parasitos. As lâminas com esfregaços sanguíneos foram coradas para observação de hemoparasitoses. Foram analisadas 10% dos animais de cada propriedade, totalizando 359 animais, sendo 186 vacas e 173 bezerros. Dos animais avaliados, 163 (45,4%) tiveram resultados negativos na contagem de ovos por gramas de fezes (OPG) e 196 (54,6%) estavam positivos no exame. Dos bezerros avaliados, 120 (69,36%) apresentaram diagnostico positivo ao exame de fezes, resultado que confirma a maior prevalência do parasitismo nos bezerros. As coproculturas revelaram a presença predominante do gênero Haemonchus. No exame do esfregaço sanguíneo 29% dos animais que foram avaliados estavam positivos para Babesia spp e ou Anaplasma marginale. Com base nos dados observados no inquérito realizado, notou-se a necessidade da assistência técnica mais ativa nas propriedades estudadas, diminuindo problemas no controle parasitário. Palavras-chave: bovinos, parasitoses, inquérito Summary: From March 2007 to April 2008, this study evaluated aspects of cattle parasitosis at 51 properties of Caparaó microregion, Espirito Santo State, Brazil. Samples of stool, blood and blood smears were collected from dairy cows and calves, selected at random. Interviews of the owners of the farms were carried out. Samples were sent to the Laboratory of Parasitic Diseases, located in the Veterinary Hospital of the Universidade *Correspondência: isabella@cca.ufes.br Fax: + 55 (28) 3552 8960 Federal do Espírito Santo. Samples of faeces were processed using the MacMaster modified technique and fecal cultures to identify the parasites genus. Slides with blood smears were stained for hemoparasites diagnosis. 10% of animals of each property were evaluated, totalizing 359 animals, being 186 cows and 173 calves. Of the animals tested, 163 (45.4%) had negative results in egg counting (EPG) and 196 (54.6%) were positive. Of the calves evaluated, 120 (69.36%) had positive diagnostic examination of the stool, a result that confirms the higher prevalence of parasitism in calves. The fecal cultures revealed the presence of Haemonchus. In blood smears examination, 29% were positive to Babesia spp. and Anaplasma marginale. The survey data identified the need for a more active technical assistance in the properties studied, specially to control parasites, reducing related problems. Keywords: cattle, parasites, survey Introdução A microrregião do Caparaó é composta pelos municípios de Alegre, Irupi, Iúna, Ibitirama, Dores do Rio Preto, Divino de São Lourenço, Guaçui, Muniz Freire e São José do Calçado, localizada no sul do estado do Espírito Santo, Brasil. A produção leiteira nesta região chega a 46.696.000 litros de leite por ano (IBGE, 2007), possuindo uma grande importância na economia estadual. Os prejuízos causados por parasitos se fazem presentes através da ação direta e indireta, refletindo num menor ganho de peso, maior mortalidade, menor rendimento da carcaça, menor produção de leite, gastos com antiparasitários, com mão de obra e outros parâmetros de produtividade (Scott, 1998). O efeito do parasitismo na produção animal pode ser reduzido mediante alterações no manejo das pastagens e dos animais e com a aplicação de anti-helmínticos. Para que tais procedimentos possam ser realizados, é necessário conhecer a biologia dos parasitos dos bovinos da região (Furlong et al., 1985; 151 Junior PIF et al. Lima, 2000). Parte da fase do ciclo desses parasitos ocorre no meio ambiente e entre vários fatores, como climáticos, genéticos e características das pastagens, estão diretamente envolvidos no desenvolvimento e na sobrevivência das larvas nas pastagens e na manutenção das infecções nos animais (Lima et al., 1997). No Brasil, alguns estudos epidemiológicos foram encontrados na literatura pesquisada, como estudos de prevalência de parasitoses, como Avila et al. (2002) com coccídios, Soares et al. (2000) com babesiose e Oliveira et al. (2001), Pimentel Neto e Fonseca (2002) e Araújo e Lima (2005) com helmintoses. No estado do Espírito Santo apenas Repossi Junior et al. (2006) publicaram dados epidemiológicos referentes às parasitoses em bovinos de leite, porém o presente trabalho objetivou avaliar a situação das parasitoses em bovinos leiteiros na microrregião do Caparaó, Espírito Santo, buscando traçar um programa de controle estratégico para a região. RPCV (2008) 103 (567-568) 151-156 realizada sempre pelo mesmo entrevistador e sem intervenção nas respostas, caracterizando um estudo observacional. As variáveis avaliadas no inquérito foram: existência de assistência técnica, utilização dos produtos parasiticidas, assim como a aplicação dos mesmos e o critério utilizado para tais aplicações. A importância e aspectos relacionados ao controle parasitário, como os princípios ativos mais utilizados nos métodos químicos de controle, a quantidade de aplicações efetuadas anualmente, as medidas de manejo utilizadas foram também registadas. Tal como o conhecimento de resistência parasitaria e a observação desta nas propriedades. Com os dados obtidos e a realização dos exames dos animais, foram calculadas as prevalências parasitos bem como analisados os fatores relacionados ao controle parasitário nas propriedades. Resultados 152 M on ie zi a sp . Tr St ic ro hu ng ris yl id sp io . s + C oc ci di os % C oc ci di os Durante o período de Março de 2007 a Abril de 2008, 51 propriedades leiteiras foram visitadas, na qual foram distribuídas cinco fazendas para cada um dos municípios da microrregião do Caparaó, utilizando-se a técnica de amostragem aleatória simples. Para o agendamento das visitas utilizou-se listagem obtida do cadastro do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (IDAF-ES) e das Secretarias Municipais de Agricultura. Os produtores foram contatados por telefone para confirmação de sua atividade na produção de leite. Foram analisados 10% dos animais e cada propriedade, totalizando 359 animais, escolhidos aleatoriamente, sendo 186 vacas e 173 bezerros. Os animais, inicialmente foram examinados clinicamente, em seguida coletadas amostras fecais diretamente da ampola retal e foi realizada a coleta de sangue da veia jugular e de sangue periférico em vasos de pequeno calibre locali-zado no pavilhão auricular de cada animal. Após a coleta, os esfregaços sanguíneos foram fixados em metanol a 10%. As amostras de fezes, sangue e as lâminas fixadas foram encaminhadas para o Laboratório de Doenças Parasitárias da Universidade Federal do Espírito Santo. As amostras de fezes foram processadas seguindo a técnica de MacMaster (Gordon e Whitlock, 1939) modificada para contagem de ovos por grama de fezes (OPG) e realizada a coprocultura (Robert e O’Sullivan, 1950) para identificação dos gêneros dos helmintos. As lâminas fixadas no metanol foram coradas pelo Giemsa para posterior avaliação da presença das hemoparasitoses em microscópio óptico. Nas visitas às propriedades foi realizada uma entrevista ao proprietário ou responsável pela criação, baseada em questionário pré-formulado sendo Dos 369 animais avaliados, 163 (45,4%) animais apresentaram resultados negativos na contagem de ovos por gramas de fezes (OPG) e 196 (54,6%) estavam positivos no exame. Dentre os parasitos encontrados nos animais, 92 (25,62%) apresentaram ovos de estrongilideos, 45 (12,53%) apresentaram coccidios, 55 (15,32%) apresentaram ovos de estrongilideos e coccídios, 9 (2,50%) apresentaram ovos de Moniezia e 7 (1,94%) apresentan ovos de Trichuris (Figura 1). Dos bezerros avaliados, 120 (69,36%) apresentaram diagnostico positivo ao exame de fezes, sendo 103 (85,83%) positivos para ovos do tipo Strongyloidea e 83 (69,16%) para oocistos de coccidios. As coproculturas revelaram a presença predominante do gênero Haemonchus (54,90% das propriedades), porém foram encontradas larvas também St ro ng yl id io s Material e métodos Figura 1 - Prevalência dos parasitos de bovinos leiteiros da microrregião do Caparaó, Espírito Santo, no período de Março de 2007 a Abril de 2008. Junior PIF et al. de nematóides dos gêneros Cooperia, Oesophagostomum e Trichostrongylus. No exame do esfregaço sanguíneo, foram avaliados 182 animais, 100 vacas em lactação e 82 bezerros, no qual 29% dos animais avaliados apresentaram-se positivos para Babesia sp e ou Anaplasma marginale. Desses positivos 39%, 39% e 20% estavam parasitados por Babesia sp, Anaplasma marginale ou por ambos, respectivamente. Os resultados mostraram que 32% dos bezerros avaliados, apresentavam alguma dessas hemopasitoses enquanto nas vacas em lactação foram encontradas 29% com Babesia spp e ou Anaplasma marginale. Os dados do questionário mostraram que apenas 44% das propriedades contam com assistência técnica de médico veterinário, inclusive com relatos de que a escolha dos produtos parasiticidas é realizada em 46% pelo proprietário e em apenas 22% dos casos por médico veterinário. Quando questionados sobre a importância e aspectos de controle das parasitoses, 88% dos proprietários responderam ser o carrapato a principal parasitose do rebanho e 92% afirmaram que utilizam algum método de controle parasitológico. No entanto, 40%, dos entrevistados, confirmam que não usam medidas de manejo associadas, inclusive com utilização de esterqueiras, relatado por apenas 12% dos proprietários, e consórcio com eqüinos em 68% das propriedades. No controle químico das parasitoses, os produtos à base de ivermectina foram citados por 62% dos proprietários, sendo que 80% confirmaram utilizar controle para helmintos, carrapatos e moscas, em 72% dos casos baseando-se apenas no aspecto dos animais. A vermífugação ocorre menos de três vezes ao ano em 46% das propriedades, o tratamento carrapaticida em mais de cinco vezes ao ano em 44% e o tratamento mosquicida em menos de três vezes em 38% dos casos. Os proprietários responderam ter conhecimento sobre resistência parasitária em 62% das respostas e afirmaram ter o problema em sua propriedade em 56% dos casos (Tabela 1). RPCV (2008) 103 (567-568) 151-156 Discussão A maioria dos trabalhos encontrados na literatura está em concordância com os dados do presente estudo quando se trata do mesmo tipo de clima (Araújo et al., 1992; Guimarães et al., 2000; Oliveira et al., 2001; Repossi Junior et al., 2006). Repossi Junior et al. (2006) estudando a prevalência de parasitoses no município de Alegre, Espírito Santo, relataram que 100% das propriedades apresentaram animais positivos para oocistos de coccidios e ovos de Strongyloidea, dados que diferiram do presente estudo, pois os autores avaliaram apenas amostras em bezerros, afirmando ainda que é na faixa etária de 1 a 18 meses que os animais mais apresentam as infecções por parasitos gastrintestinais. Este dado corrobora o presente estudo que demonstrou que aproximadamente 70% dos bezerros apresentaram diagnóstico positivos ao exame de fezes, em sua maioria oocistos de coccidios e ovos tipo Strongyloidea. No presente estudo o gênero Haemonchus predominou nas coproculturas, concordando com os resultados de Guimarães et al. (2000), que relatam também Trichostrongylus, Cooperia e Oesophagostomum. Outros autores relatam o gênero Cooperia como predominante (Grisi e Nuemberg, 1971; Araújo et al., 1992; Serra-Freire et al., 1995; Oliveira et al., 2001; Araújo e Lima, 2005; Repossi Junior et al., 2006) porém todos estes citaram o aparecimento de larvas de Haemonchus sp. No exame do esfregaço sanguíneo, 29% dos animais avaliados apresentaram-se positivos para Babesia spp e ou Anaplasma marginale, com valores de 32% dos bezerros infectados, resultados que diferem de Barcellos et al. (2005) que relataram a presença de apenas três animais positivos para a Babesia (3,0%) e 12 para Anaplasma (12,1%), em 99 amostras processadas no município de Alegre, ES e de Rodrigues-Vivas et al. (2000) relatado por Barcellos et al. (2005) que relataram 2,78% para B. bovis, 1,23% Tabela 1 - Respostas mais frequentes dos produtores de bovinos leiteiros ao controle de parasitoses na microrregião do Caparaó, Espírito Santo Respostas ao questionário Assistência técnica de médico veterinário Escolha dos produtos parasiticidas realizada pelo proprietário O carrapato como a principal parasitose do rebanho Utilização de métodos de controle de parasitoses Utilização de controle químico para helmintos, carrapatos e moscas Controle realizado com base apenas no aspecto físico dos animais Utilização de produtos a base de ivermectina no controle químico A vermífugação menos de três vezes ao ano O tratamento carrapaticida em mais de cinco vezes ao ano O tratamento mosquicida em menos de três vezes ao ano Conhecimento sobre resistência parasitária Presença de resistência parasitária na propriedade Percentual de respostas positivas 44 % 46 % 88 % 92 % 80 % 72 % 62 % 46 % 44 % 38 % 62 % 56 % 153 Junior PIF et al. para B. bigemina e 15,79% para A. marginale em bovinos em Yucatan, México. Pela comprovação da presença de carrapatos transmissores da babesiose nas propriedades e das próprias respostas dos produtores quanto a ocorrência dessas doenças nos rebanhos, é sabido que esta prevalência é maior do que a relatada, como comprovado por outros autores em outras regiões através de exames sorológicos (Soares et al., 2000). Isso ocorre porque a técnica de esfregaço sanguíneo é um método que possui uma maior eficiência diagnóstica da doença na fase aguda (Bose et al., 1995). Os dados do questionário mostraram que menos da metade das propriedades conta com assistência técnica veterinária. Martins (2005), num estudo em Haras no estado do Rio de Janeiro, relatou que apenas 3,6% das propriedades de eqüinos não tem assistência técnica, talvez pela cultura de que as criações de eqüinos normalmente demandam maiores custos e os cavalos, maiores cuidados, o que não ocorre normalmente para bovinos. A maioria dos proprietários respondeu ser o carrapato a principal parasitose do rebanho, tendo sido percebido pelos produtores de Passos, MG sua importância com relação aos prejuízos biológicos causados pela espécie B. microplus (Rocha et al., 2006). No estudo de Martins (2005) a parasitose considerada mais importante para os criadores de eqüinos também foi a infestação por carrapatos (78,6%). Este resultado sugere que os responsáveis pelos animais visualizam macroscopicamente os carrapatos, o que normalmente não acontece para os helmintos. De acordo com Rocha et al. (2006), aquilo que pode ser observado por inspeção direta é bem percebido, como no caso dos carrapatos. Assim, como as helmintoses são na maioria das vezes subclínicas, não são percebidas, o que tem coerência com a pouca importância dada pelos mesmos à verminose, além dessas necessitarem de diagnóstico laboratorial, o que raramente é solicitado pelo produtor subestimando a importância das infecções. A maioria dos proprietários afirmou que utilizam métodos de controle parasitológico e poucos confirmam que não usam medidas de manejo associadas. As praticas de manejo associadas são essenciais ao controle parasitário. No estudo de Martins (2005) foram avaliadas diferentes práticas para o auxílio nesse controle como consórcio de ruminantes no pasto, rotação de pastagem, limpeza de pasto e a retirada das fezes das baias, medida esta preconizada por vários outros autores, com alguns preconizando a retirada de fezes inclusive dos pastos, sendo considerada por Singer et al. (1999) uma técnica altamente eficaz para diminuir a contaminação dos animais porém é sabido que no Brasil é uma técnica não utilizada por ser inviável. No entanto, deve-se considerar que a maioria das pesquisas que relacionam práticas de manejo ao controle de helmintos 154 RPCV (2008) 103 (567-568) 151-156 ocorre em países de clima temperado, onde devido a variações climáticas a sobrevivência das larvas pode ser menor e assim viabilizar estas práticas. O uso de esterqueiras, relatado neste trabalho por apenas 12% dos proprietários corrobora os dados de Repossi Junior et al. (2006) e Martins (2005) que afirmaram que na maioria das propriedades estudadas as fezes retiradas dos currais eram despejadas diretamente nas capineiras, sem passar pelo processo de compostagem, o que facilita a reinfecção dos animais. E mesmo as propriedades que possuem esterqueiras, devem fazer o uso correto das mesmas, seguindo o tempo e temperatura de adequada de estocagem das fezes. O consórcio com eqüinos foi relatado na maioria das propriedades. Este fato também foi relatado pelos criadores de eqüinos que consorciam animais com ruminantes na maioria das propriedades (Martins, 2005). Esse consórcio é benéfico para a pastagem, porém deve-se ter cuidados com infecções das espécies comuns que parasitam esses animais. O nematóide Trichostrongylus axei, tendo sido relatado no Brasil em altas infecções quando se usa consórcio desses animais e não se preocupa com a rotação de acordo com o tamanho da pastagem, justificado pelo hábito diferente de cada espécie de apreender os alimentos espécies (Bagnola-Junior et al., 1996). O princípio ativo mais utilizado no controle das parasitoses para os produtores, ouvido neste estudo, foi a ivermectina, semelhante ao que ocorreu nos estudos de Repossi Junior et al. (2006) também para parasitoses de bovinos de leiteiros e de Martins (2005) para helmintoses de eqüinos. Rocha et al. (2006) citam o amitraz e a cipérmetrina como os mais citados no controle do carrapato bovino, sendo as avermectinas citadas em terceiro lugar. A maioria dos produtores afirma fazer controle de parasitoses e o faz baseando-se apenas no aspecto dos animais, o que confirma os resultados encontrados por Repossi Junior et al. (2006) que também relataram tal fato. Rocha et al. (2006) também afirmam que 64% dos proprietários afirmaram fazer o controle de carrapato quando os animais estão muito infestados. No presente estudo também foi verificado que a maioria dos produtores não calcula a dose dos medicamentos com base no peso dos animais, fato também observado por Rocha et al. (2006) que constataram que apenas 24% dos produtores afirmaram usar a bula para o calculo da dose, e também observado por Martins (2005), que relataram que 67,9% dos proprietários adotam sempre a mesma dose de vermífugos para adultos e metade desta para potros. Santos-Filho (1999) também estudando bovinos verificou a não utilização de critérios técnicos para estabelecer peso e dosagem, o que pode estar favorecendo a ineficiência dos tratamentos e o surgimento de resistência anti-helmíntica. A vermífugação ocorre menos de 3 vezes ao ano em 46% das propriedades, o tratamento carrapaticida em Junior PIF et al. mais de 5 vezes ao ano na maioria dos casos, dados que se assemelham aos encontrados por Rocha et al. (2006) que relataram média de 12 vezes ao ano, com variação de 8 a 24 vezes, o que os autores consideraram excessivo. Os proprietários entrevistados neste estudo responderam ter conhecimento sobre resistência parasitária. No estudo de Rocha et al. (2006), 76% entendiam que o mecanismo pelo qual ocorre a perda de eficiência dos produtos carrapaticidas é por criar resistência, porém a maioria não sabia como isso acontece. Observando os dados presentes no inquérito, nota-se que apesar do uso de anti-parasitários nas propriedades, as prevalências das parasitoses foram altas, principalmente nos bezerros, o que mostra que o uso desses produtos está sendo incorreto, dificultando o controle parasitário das parasitoses no rebanho. Há necessidade da assistência técnica mais ativa nas propriedades estudadas, diminuindo problemas no controle parasitário, principalmente quando se trata da utilização de critérios técnicos para a realização do tratamento dos animais e para a implementação de medidas de manejo associadas ao controle químico eficazes para a situação de cada propriedade. Agradecimentos A FAPES, pelo apoio financeiro ao projeto e de bolsas dos estudantes; ao IDAF e Secretarias municipais de agricultura, pelo apoio no contato com os produtores; e aos produtores rurais da microrregião do Caparaó pela disponibilidade. Bibliografia Araújo JV, Guimarães MP, Lima WS (1992). 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Costa6* 1 Centro de Ciências Agrárias, Universidade Federal do Piauí Departamento de Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina e Instituto de Medicina Tropical, Universidade de São Paulo 3 Departamento de Patologia Experimental e Comparada, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo 4 Centro de Ciências Agrárias, Universidade Federal do Piauí 5,6 Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária, Centro de Ciências Agrárias, Universidade Federal do Piauí Campus da Socopo, 64049-550 Teresina-PI 2 Resumo: Neste estudo foram avaliadas as lesões renais intersticiais e tubulares de 55 cães infectados naturalmente por Leishmania (L.) chagasi, cinco cães controles não infectados e 32 hâmsteres infectados experimentalmente e sacrificados aos 7, 15 e 90 dias. Tecido renal foi colhido e processado para análise histopatológica, análise morfométrica e ultra-estrutural. 11 cães foram submetidos a dosagens de creatinina no soro e proteína e creatinina na urina. Nefrite intersticial foi observada em 45 e lesões tubulares em 51 cães. O infiltrado inflamatório intersticial ocupava maior área nas regiões cortical e medular nos animais infectados e naqueles com glomerulonefrite membranoproliferativa e glomerulonefrite de alterações mínimas. Em hâmster, nefrite intersticial progressiva foi observada somente nos grupos de 15 e 90 dias pós-infecção. Na prova de função renal, seis cães revelaram proteinúria e destes, três apresentaram níveis elevados de creatinina no soro. Os resultados mostraram que lesões tubulares e intersticiais renais são próprias da LV, progridem com o tempo de infecção e podem provocar perda da função renal. Palavras-chave: leishmaniose visceral, nefrite intersticial, cão, hâmster. Summary: This study evaluated the renal alterations of interstitium and tubule of 55 naturally infected dogs by Leishmania (L.) chagasi, 5 non-infected dogs and 32 experimentally infected hamsters sacrificed to the 7, 15 and 90 days pos-infection. Samples of renal tissue were processed to histopathologic, morphometric and ultraestructural study. In 11 dogs dosages of creatinine in the serum and protein and creatinine in the urine were performed. Interstitial nephritis was observed in 45 and tubular injuries in 51 dogs. The morphometric analyses revealed that the interstitial inflammatory infiltrate was higher in the cortical and medullar region in the infected animals compared to the non-infected controls. The area of interstitial inflammatory infiltratrate was higher in the dogs with membranoproliferative glomerulonephritis and minor glomerular abnormalities. In hâmsters, progressive interstitial nephritis was observed in the groups of 15 and 90 days pos-infection. Prove of renal function revealed protein in the *Correspondência: fassisle@gmail.com Tel: (86) 3215-5760; Fax: (86) 3215-5753 urine in six dogs and of these three present elevated levels of creatinine in the serum. The results of this study showed that interstitial and tubular injuries are proper of the visceral leishmaniasis, progress with the time of infection and can cause loss of the renal function. Keywords: visceral leishmaniasis, interstitial nephritis, dog, hâmster. Introdução A Leishmaniose visceral (LV) é causada no Brasil pelo protozoário Leishmania (Leishmania) chagasi (Lainson e Shaw, 1987). Após a infecção inicial o parasito dissemina-se pelo organismo, comprometendo, principalmente, órgãos do sistema fagocítico mononuclear (SFM), onde a presença do parasito é abundante (Marzochi et al., 1981), mas outros órgãos, também, são comprometidos, embora a presença do parasito seja escassa (Duarte, 2000). Apesar de ser rara a presença de parasitos nos rins na LV, as lesões renais são freqüentes tanto no homem (Andrade e Iabuki, 1972; Duarte et al., 1983; Dutra et al., 1985) quanto no cão (Benderitter et al., 1988; Macianti et al., 1989; Poli et al., 1991; Costa et al., 2003) e no modelo experimental de hâmster (Mathias et al., 2001), podendo resultar em grave comprometimento da função renal (Ettinger e Feldman, 1997). Embora existam claras evidências do comprometimento renal, pouco se conhece sobre as alterações renais intersticiais e tubulares na LV, em seus aspectos histopatológicos, morfométricos e ultra-estruturais (Caravaca et al., 1991). O aprofundamento das investigações sobre as lesões renais na LV permite entender a natureza, a extensão e a gravidade da mesma, bem como permite fornecer parâmetros para uma classificação mais adequada. A nefrite intersticial, do ponto de vista fisiopa157 Gomes Leopoldina A et al. tológico, é uma lesão importante (Olsen et al., 1986), pois a alteração da função renal está mais relacionada com alterações intersticiais, do que com alterações glomerulares (Bohle et al., 1987). Contudo, no caso particular da leishmaniose visceral canina (LVC), a interferência de outros processos patológicos, concomitantemente à nefrite intersticial devida à LV, como a exposição dos rins a drogas (Linton et al., 1980) e enfermidades (Tisher e Brenner, 1994; Kootstra et al., 1998), que fogem ao controle em casos de infecção natural por Leishmania (L.) chagasi, não deixa claro se a lesão do interstício renal é específica da enfermidade ou é decorrente de um processo secundário de lesão. Para avaliar melhor esta questão, nesta pesquisa foi utilizado, além do cão, o modelo experimental de hâmster, por meio do qual se pôde fazer um melhor controle e acompanhamento da infecção e das condições de saúde dos animais. O presente trabalho teve como objetivo avaliar as alterações intersticiais e tubulares dos rins de cães naturalmente infectados e de hâmsteres experimentalmente infectados pela Leishmania (L.) chagasi, de modo a classificar as lesões, avaliar sua extensão, seus reflexos sobre a função renal e a dinâmica da evolução das alterações. Material e métodos Foi analisado tecido renal de 60 cães, dos quais 55 apresentavam-se naturalmente infectados por Leishmania (L.) chagasi e cinco eram controles não infectados. Os animais eram todos adultos, machos ou fêmeas, de idades e raças diferentes, e muitos sem raça definida, provenientes da Gerência de Controle de Zoonoses do município de Teresina no estado do Piauí e selecionados de uma população estimada em 61.536 cães (Fundação Municipal de Saúde, 1998). Foram analisados também tecido renal de hâmsteres (Mesocricetus auratus), infectados por inoculação intraperitoneal com 2 x 107 amastigotas de Leishmania (L.) chagasi, amostra MHOM/BR/72/cepa 46 e sacrificados aos 7, 15 e 90 dias pós-infecção. Os grupos foram compostos, respectivamente, por oito, seis e oito animais, com idades entre 45 e 60 dias, mantidos no biotério do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal do Piauí (CCA/UFPI), com ração e água à vontade. O diagnóstico de LVC foi confirmado pela detecção de anticorpos anti-Leishmania no soro, por teste de imunofluorescência indireta (Collins, 1995) e ELISA (Evans et al., 1990) e exame parasitológico em esfregaço de pele, baço e linfonodo poplíteo e cultura de material da medula óssea esternal, baço e linfonodo poplíteo (Evans et al., 1990; Berman, 1997). De dois animais, foram isoladas leishmânias e enviadas ao Instituto Evandro Chagas de Belém do Pará para caracterização do parasito por meio de anticorpos 158 RPCV (2008) 103 (567-568) 157-163 monoclonais. Em hâmsteres, o diagnóstico de LV foi determinado pela presença de amastigotas em esfregaços de baço e fígado corados por Giemsa. Foram realizadas dosagens bioquímicas no soro utilizando kits do LABTEST (Labtest Diagnóstica S.A., Lagoa Santa, MG., Brasil). A concentração de proteína na urina foi avaliada pelo método de Bradford modificado (Bradford, 1976) e com o uso do "kit" LABTEST (Labtest Diagnóstica S.A., Lagoa Santa, MG., Brazil) foram avaliadas as concentrações de creatinina (catálogo Nº.35) e colesterol (catálogo Nº. 60) no sangue e creatinina na urina (catálogo Nº. 35). Os fragmentos de rins foram fixados em solução de Duboscq-Brasil por 60 minutos e, em seguida, conservados em formol a 10% tamponado com fosfato 0,01M pH 7,4 (formol tamponado). O tecido renal foi processado segundo técnicas de rotina e os cortes corados com hematoxilina-eosina (H-E), ácido periódico de Schiff (PAS), tricrômico de Masson (TM), ácido periódico prata metanamine (PAMS) e vermelho-congo (VC). Cortes de rim de cães de aproximadamente 3 a 4 µm de espessura, corados com H-E, foram submetidos a análise morfométrica utilizando analisador de imagem computorizado Leica Qwin D-1000, versão 4.1 (Cambridge, UK) do Setor de Patologia animal do CCA/UFPI. Foi capturado um mínimo de 20 campos por corte de tecido renal de cada animal, tanto da região cortical quanto da região medular. Desse total, foram selecionados, aleatoriamente, de 20 a 50 campos por fragmento de tecido renal por animal, para análise morfométrica do infiltrado inflamatório em cães controles não infectados e em cães com padrões diversos de glomerulonefrite, previamente diagnosticadas e descritas por Costa et al. (2003) como segue: glomerulonefrite de alterações mínimas (GNAM), glomeruloesclerose segmentar focal (GESF), glomerulonefrite proliferativa mesangial (GNPM) e glomerulonefrite membranoproliferativa (GNMP). Nos campos selecionados foram mensuradas as áreas correspondentes à presença de células inflamatórias em comparação à área total de cada campo. Tecido renal de cães e de hâmsteres foram submetidos, também, à técnica de imunohistoquímica, utilizando anticorpo policlonal de camundongo anti-Leishmania (L.) amazonensis e o sistema de amplificação "Catalyzed Signal Amplification (CSA), system" e "EnVision, peroxidase" (Dako Corporation, código K4000, Carpinteria, USA). A revelação foi feita com 0.3 mg/ml 3,3’-diaminobenzidina (Sigma Chemical Co., St. Louis, MO) em PBS e a contracoloração com hematoxilina de Harrys. Na avaliação histopatológica, ao microscópio de luz, foram analisadas as alterações renais intersticiais e tubulares, de forma semi-quantitativa, de acordo com a localização, distribuição e intensidade das lesões, numa escala de 0 a 5, onde 0 = normal, 1 = Gomes Leopoldina A et al. mínima ou duvidosa; 2 = média; 3 = moderada; 4 = moderadamente severa; 5 = severa (Tisher e Brenner, 1994). Tecido renal de cão foi fixado em glutaraldeído a 2% em tampão fosfato a 0,1 M, pH 7.4, posteriormente pós-fixados em tetróxido de ósmio a 1%, lavados em solução salina e incubados "overnight" em solução aquosa de acetato de uranila a 0,5%. As amostras foram desidratadas em concentrações crescentes de acetona e embebidas em araldite 502 (Polysciences, Warrington, PA). Os cortes ultrafinos foram corados com citrato e acetato de uranila para análise em microscópio eletrônico de transmissão (Modelo E.M. 201, Philips). Os resultados quantitativos e semi-quantitativos foram analisados no programa estatístico Sigma Stat, por testes não-paramétricos: a) método de Kruskal-Wallis para análise de variância; b) método de Mann-Whitney para comparação entre dois grupos. Havendo diferença significante, aplicava-se o teste de Dunn, para comparação múltipla de grupos. Adotou-se o nível de significância de p < 0,05. RPCV (2008) 103 (567-568) 157-163 zavam-se abaixo da cápsula renal, nas regiões peritubular, intertubular, periglomerular e perivascular (Figura 1). Na maioria dos casos, os focos inflamatórios apresentaram-se intercalados por regiões de fibrose intertubular e perivascular na região cortical (Figura 2) e raros casos de calcificação dos túbulos coletores na região medular. Em hâmsteres as lesões intersticiais progrediram dos 15 aos 90 dias pós-infecção e eram similares às encontradas em cães, mas, diferentemente do que foi observado nesta espécie, no grupo de hâms-teres com 90 dias de infecção, havia deposição de amilóide na parede dos túbulos contornados proximais (Figura 3). Dos 51 cães com alterações tubulares 38 (63,2%) apresentaram atrofia tubular, 35 (58,2%) apresen- Resultados Foram detectados anticorpos anti-Leishmania em todos os cães, exceto no grupo controle e o título variou de 1:40 a 1:1280. Foram observadas Leishmanias em esfregaços de linfonodo poplíteo ou medula óssea esternal de cães e em esfregaços de baço e fígado de hâmsteres. Nos animais controles, não foram detectadas leishmânias. De dois cães, leishmânias foram recuperadas, cultivadas e caracterizadas como Leishmania (L.) chagasi, pelo Instituto Evandro Chagas de Belém do Pará. Em onze cães nos quais foi avaliada a função renal, seis (54,5%) revelaram proteinúria (taxa de proteína: creatinina > 1,0); três mostraram creatinina no soro elevada (creatinina > 1,0 g/dl) e, em dois casos, foram observadas taxas elevadas de colesterol (colesterol > 210,0 g/dl) (Costa et al., 2003). A análise dos rins dos 60 cães revelou que somente nove (15%) não apresentaram alterações histopatológicas; 45 (75,0%) apresentaram nefrite intersticial e 51 (85,0%) apresentaram alterações tubulares. Lesões simultâneas de nefrite intersticial e lesões tubulares foram observadas em 49 (81,7%) animais. As alterações nos animais controles, quando presentes, limitaram-se a um infiltrado de células inflamatórias intersticiais de intensidade mínima. As lesões observadas nos cães infectados variaram de intensidade mínima a severa e consistiram de congestão e reação inflamatória intersticial com presença, predominante, de células mononucleadas, caracterizadas como macrófagos, linfócitos e, mais raramente, células plasmáticas; eram de distribuição focal nas regiões cortical, córtico-medular e medular. As lesões locali- Figura 1 - Rim. Cão infectado naturalmente pela Leishmania (L.) chagasi. Infiltrado inflamatório intersticial de células mononucleadas, intertubular, de intensidade severa(seta). H-E. 140 x. Figura 2 - Rim. Cão infectado naturalmente pela Leishmania (L.) chagasi. Proliferação de tecido conjuntivo intersticial (cor azul) na cortical de intensidade severa. TM. 140 x. Figura 3 - Rim. Hamster infectado experimentalmente por Leishmania (L.) chagasi. Parede de túbulos com depósito de amilóide (setas). VC. 140 x. 159 Gomes Leopoldina A et al. RPCV (2008) 103 (567-568) 157-163 Figura 4 - Rim. Cão infectado naturalmente pela Leishmania (L.) chagasi. Presença de cilindros hialinos (seta) em túbulos renais. PAS. 140 x. Figura 5 - Rim. Cão infectado naturalmente por Leishmania (L.) chagasi. Necrose intersticial, restos celulares (seta larga) e proliferação de colágeno (seta fina). ME. taram cilindros hialinos (Figura 4), 28 (46,6%) apresentaram degeneração hidrópica, 25 (41,6%) apresentaram degeneração hialina goticular, sete (11,6%) com dilatação tubular e três (5%) apresentaram calcificação. Observaram-se, também, células epiteliais tubulares de tamanho reduzido e hipercoradas, sugerindo apoptose. Antígeno de Leishmania foi detectado no interstício renal em 95% dos cães infectados e em todos os hâmsteres. O antígeno apresentou-se, principalmente, sob padrão celular em células do infiltrado mononuclear intersticial, em células epiteliais tubulares e, em menor proporção, como material extracelular particulado. A análise ultra-estrutural do interstício renal de cães revelou a presença de fibroblastos em atividade com produção de fibras colagéneas e presença de células necróticas (Figura 5). No epitélio dos túbulos proximais foi observado a presença de material eletro-denso (gotas protéicas) e edema de mitocôndria (Figura 6). A análise morfométrica realizada em tecido renal, corado com H-E, de quarenta e sete cães, revelou que o infiltrado inflamatório intersticial ocupava uma área maior da região cortical (p = 0,00; teste de Mann-Whitney) (Figura 7) e da região medular (p = 0,00; teste de Mann-Whitney) nos animais infectados, comparados aos animais do grupo controle. A análise realizada entre os animais controles não infectados e os cães infectados com padrões de glomerulonefrite previamente definidos (Costa et al., 2003), revelou que a área ocupada pelo infiltrado inflamatório intersticial era maior nos cães com glomerulonefrite membranoproliferativa (p = 0,002; teste de Kruskal-Wallis e Dunn) e glomerulonefrite de alterações mínimas (p = 0,002) quando comparados ao grupo controle (Figura 8). Figura 6 - Rim. Cão infectado naturalmente por Leishmania (L.) chagasi. Edema de mitocôndria (seta). ME. Aumento: 10000 x. N = 42 N=5 Figura 7 - Análise morfométrica da área de infiltrado inflamatório intersticial em tecido renal de cães controles não infectados e infectados por Leishmania (L.) chagasi. Analisados 50 campos da região cortical / animal. N = número de animais por grupo, p = 0,00. (Teste de Mann-Whitney). 160 Figura 8 - Análise morfométrica da área de infiltrado inflamatório intersticial renal em cães controles não infectados e infectados por Leishmania (L.) chagasi. Analisados 50 campos da região cortical / caso. N = número de casos por grupo, p = 0,002 em relação ao grupo controle não infectado. (Testes de Kruskal Wallis e Dunn). Gomes Leopoldina A et al. Discussão Os títulos de anticorpos anti-Leishmania não apresentaram relação com as manifestações clínicas da enfermidade; animais com baixa titulação apresentaram sintomas evidentes da doença e animais com alta titulação apresentaram poucos sintomas ou eram assintomáticos. A presença de amastigotas, vistas no exame citológico, era mais evidente em linfonodo poplíteo do que em medula óssea de cão e em baço do que em fígado de hâmsteres. A análise da função renal revelou que nos animais com proteinúria, creatinemia e hipercolesterolemia, nefrite intersticial e alterações tubulares estavam presentes. Na ausência de nefrite intersticial e alterações tubulares, mesmo com presença de glomerulonefrite, não havia alterações da função renal, o que indica que a nefrite intersticial é uma lesão grave. Sabe-se que em lesões do tecido renal, é observada uma maior relação entre as alterações intersticiais e tubulares e a presença de insuficiência renal, do que entre a severidade da lesão glomerular e o comprometimento da função excretora do rim (Bohle et al., 1987). No presente estudo esta relação entre lesões intersticiais e tubulares e insuficiência renal foi observada. A diferença no padrão da alteração intersticial do cão, onde não foi detectada a presença de amiloidose, em relação ao modelo experimental de hâmster, onde foi detectada a presença de amiloidose, parece decorrer de alterações do sistema retículo-endotelial do hâmster, devido a fatores como: superistimulação do sistema imune provocada pela elevada carga parasitária, com o aparecimento de amiloidose inespecífica (Brito et al., 1975); alta dose de antígeno usado na indução da infecção experimental (Benderitter et al., 1988), ou à via de inoculação intraperitoneal (Duarte, 1978) usada para reproduzir a doença. Essa via é completamente diferente da via de infecção natural que é feita através da pele por um vetor, como ocorreu com os cães deste estudo, a Lutzomia longipalpis (Magil, 1995), que possui propriedades intrínsecas importantes na definição do quadro evolutivo da doença (Donnelly et al., 1998; Yin et al., 2000). A análise histopatológica e ultra-estrutural revelaram que muitas lesões, destacando-se o infiltrado inflamatório celular, atrofia e fibrose, eram de natureza grave, pois provocaram alterações celulares (Tisher e Brenner, 1994) que levaram seis dos 11 cães, em que foram realizadas provas de função renal, a manifestarem proteinúria. Deve-se salientar que nefrite intersticial em cães é uma lesão frequentemente encontrada, pois a mesma está presente no decurso de várias enfermidades que acometem essa espécie ao longo da vida (Jubb et al., 1994; Oliveira et al., 2005; Camargo et al., 2006). Contudo, no presente estudo as observações sugerem que tais lesões estavam associadas à leishmaniose RPCV (2008) 103 (567-568) 157-163 visceral, pois em 95% dos cães e em todos os hâmsteres foi detectada a presença de antígeno de leishmânia em células do infiltrado inflamatório intersticial e em células epiteliais tubulares, não sendo encontrado nos animais controles. Amastigotas íntegras no interstício renal não foram detectadas em nenhum dos casos, revelando que a presença do parasito no rim é bastante rara. Visto que não foram detectadas amastigotas no rim, nem por histopatologia e nem por imunohistoquímica, a presença do antígeno de Leishmania foi fundamental para estabelecer relação entre a infecção leishmaniótica e as lesões intersticiais no tecido renal dos animais analisados. Mesmo não tendo sido possível um controle ou conhecimento prévio das condições sanitárias e nutricionais em que viviam os cães deste estudo, que pudessem descartar a possibilidade de outras infecções, pois se tratavam de animais de rua que foram capturados para o controle da leishmaniose visceral e da raiva urbana, o estudo em hâmsteres, em que tal controle pôde ser feito, revelou alterações intersticiais e tubulares similares àquelas encontradas nos cães, demonstrando que a nefrite intersticial observada é própria da leishmaniose visceral. Células epiteliais tubulares mostraram-se de tamanho reduzido e hipercoradas, provavelmente, devido à condensação citoplasmática, cariólise e picnose nuclear, o que permitiu classificá-las, pelo aspecto morfológico, como células em apoptose, conforme definido por Zeiss (2003). A participação de apoptose no mecanismo de lesão é um evento bem conhecido em vários processos patológicos renais (Wong et al., 2001). Apoptose é evidente nos rins em casos de cisto renal, inflamação intersticial e glomerulonefrite, cicatrização e esclerose renal (Mené e Amore, 1998), tendo grande importância na regulação do número de células durante a indução e resolução de uma lesão (Ortiz et al., 2000). Em outras enfermidades, como nas leptospiroses, tem sido observado apoptose de células epiteliais tubulares de rim (Carvalho, 2005). Os rins possuem grandes reservas funcionais e a manifestação de insuficiência renal somente é observada quando 2/3 ou 3/4 do tecido renal de ambos os órgãos está comprometido (Tisher e Brenner, 1994). No presente estudo, a análise morfométrica revelou a presença de nefrite intersticial em todos os 47 cães, significantemente maior na região cortical que na medular, entretanto a prova de função renal, realizada em 11 animais, revelou manifestação de insuficiência renal em apenas seis (54,5%), o que demonstra que em quase metade dos animais (45,5%) a lesão não foi suficientemente extensa para comprometer a função renal. Tendo em vista que não foi possível avaliar o tempo de infecção dos cães, por se tratar de infecção natural, não foi possível estabelecer, nesta espécie, relação entre a gravidade da lesão renal e a progressão da infecção; mas no modelo experimental de hâmster, onde a lesão se agravou com o tempo de infecção, essa 161 Gomes Leopoldina A et al. relação pôde ser observada, o que permitiu inferir que o comprometimento renal, pela sua gravidade, pode ser causa de morte de animais com leishmaniose visceral, como tem sido sugerido por outros autores (Keenan et al., 1984). Não foi observada diferença significante da área de nefrite intersticial nos grupos com padrões distintos de glomerulonefrite, o que leva a acreditar que a nefrite intersticial não está relacionada e não influencia o tipo de glomerulonefrite presente na leishmaniose visceral. Conclusões Os resultados obtidos revelaram que a leishmaniose visceral provoca lesões renais intersticiais e tubulares graves, específicas da doença, estreitamente relacionadas com alteração da função renal, independente da presença de alterações glomerulares. As lesões renais progridem com o tempo de infecção e são capazes de comprometer área de tecido renal suficiente para provocar perda da função do órgão. Bibliografia Andrade ZA e Iabuki K (1972). A nefropatia do calazar. Rev Inst Med Trop, 14: 4-51. Benderitter TH, Casanova P, Nashkidachvili L, Quilici M (1988). Glomerulonephritis in dogs with canine leishmaniasis. Ann Trop Med Parasit, 82(4): 335-341. Berman JD (1997). Human leishmaniasis: clinical, diagnostic and chemotherapeutic development in the last years. Clin Infect Dis, 24: 684-703. Bohle A, Mackensen-Haen S, Gise HV (1987). 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Vannucchi2 1 Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo (FMVZ – USP) Departamento de Reprodução Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo (FMVZ – USP) 2 Resumo: Em medicina veterinária, a mortalidade neonatal nas primeiras semanas de vida alcança percentuais próximos a 30%. A inabilidade em proceder a correta análise clínica e o déficit no conhecimento técnico-científico são os principais responsáveis pelos elevados índices reportados. Neste trabalho, objetivou-se padronizar a avaliação clínica neonatal por meio do escore Apgar e temperatura corpórea em neonatos caninos nascidos sob diferentes condições obstétricas. Foram estudados 48 neonatos caninos, alocados em três grupos: grupo A – eutocia; grupo B – distocia materna; grupo C – cesariana. Aos 0, 5 e 60 minutos do nascimento foram avaliados: temperatura retal, freqüências cardíaca (FC) e respiratória (FR), coloração de mucosas, tônus muscular e irritabilidade reflexa. Às cinco últimas análises foram atribuídas notas (0-2), conferindo aos neonatos o escore Apgar (0-10). Os dados foram analisados utilizando-se ANOVA e Newman-Keuls (p≤0,05). Houve queda significativa da temperatura retal e hipotermia ao longo dos 60 minutos para todos os grupos. Aos 0 e 5 minutos, a temperatura corporal do grupo C foi inferior aos demais. Neonatos nascidos por cesariana apresentaram menor vitalidade aos 0 e 5 minutos pós-natal, como conseqüência dos agentes anestésicos. A FC, tônus muscular e irritabilidade reflexa foram superiores no grupo B imediatamente ao nascimento, em função da maior liberação de corticóides por estresse fetal. A avaliação isolada da FR não foi precisa para identificar possíveis alterações respiratórias, sendo recomendado associá-la a outros métodos semiológicos e exames complementares. A inspeção de mucosas demonstrou ser uma variável pouco fidedigna para predizer neonatos com graus leves de alterações cardiorrespiratórias. Em contraste aos demais filhotes, os nascidos de cesariana apresentaram cianose imediatamente ao nascimento. Summary: It is known that canine mortality rate is up to 30% in the first weeks of life. Technical and scientific deficit related to veterinary neonatology is conspicuous. The aim of this study was to standardize neonatal clinical evolution through the Apgar score and body temperature under distinct obstetric condition. *Correspondência: liegegarcia@usp.br; liegegarcia@yahoo.com.br Tel: 00 (55) 11-3091-1423 Forty-eight canine neonates were allocated into 3 groups according to whelping condition: group A – eutocia; group B – maternal dystocia; group C – cesarean section. Immediately after birth, 5 and 60 minutes later, the following assessments were performed: Apgar score (0-10; heart beat, respiratory effort, muscle tone, reflex irritability and mucous color) and rectal temperature. Data were analyzed using ANOVA and Newman-Keuls at p≤0.05. There was a significant reduction in rectal temperature and hypothermia for all groups along the 60 minutes of birth. Group C neonates presented lower body temperature at birth and 5 minutes later. Cesarean section newborns showed lower vitality, as a consequence of fetal cardiorespiratory and nervous depression caused by anesthetic agents. Muscle tone, heart rate and reflex irritability were higher in group B immediately at birth because of an increased corticosteroids release due to the fetal stress. Respiratory rate was not accurate to predict respiratory distress; hence detailed pulmonary auscultation should be performed. Mucous membrane color assessment was not reliable for the diagnosis of superficial to mild cardio-respiratory alterations. Cesarean section newborns presented cyanosis immediately after birth, however all evolve satisfactorily at 5 minutes of life. Introdução O período neonatal para a espécie canina corresponde ao intervalo de tempo entre o nascimento e o décimo quarto dia de vida. A esta fase atribui-se expressivas adaptações a inúmeros fatores simultaneamente ao desenvolvimento de funções vitais não efetuadas durante a vida intra uterina, como a respiração pulmonar previamente de responsabilidade placentária. Estima-se que a mortalidade neonatal nas primeiras semanas de vida em Medicina Veterinária seja de 30% (Freshman, 1998). Em análise comparativa, o índice de mortalidade de filhotes caninos nascidos de parto eutócico é de 5,55%; significativamente menor aos nascidos de distocia, com percentual de 33% (Moon et al., 2001). Em casos de cesariana 165 Silva LCG et al. eletiva ou emergencial na espécie canina, Moon et al. (2000) constataram perda neonatal de 6 a 11%, durante a primeira semana de vida. Em geral, diversas são as causas para morte neonatal, desde defeitos congênitos ou genéticos, desnutrição, condições de saúde materna inadequadas, enfermidades infecciosas ou parasitárias, falhas de assistência ao parto ou distocias, senilidade materna ou neonatos nascidos de fêmeas multíparas (Davidson, 2003) e, ainda, falha no diagnóstico e tratamento das afecções neonatais. A avaliação clínica dos recém-nascidos, bem como a definição da conduta terapêutica adotada figuram como expressivos desafios ao médico veterinário. A inabilidade em proceder ao exame físico minucioso associada à carência do conhecimento técnico-científico em Neonatologia Veterinária corroboram o diagnóstico impreciso e o tratamento empírico das afecções e justificam os elevados índices de mortalidade apresentados. O neonato não deve ser considerado como a miniatura do indivíduo adulto e a compreensão de suas características fisiológicas singulares é condição sine qua non para o sucesso terapêutico. Em Medicina, a avaliação da vitalidade neonatal ao nascimento é freqüentemente realizada por meio do escore Apgar. Tal parâmetro, criado em 1952 pela médica anestesiologista Virginia Apgar, avalia as principais funções vitais durante os primeiros minutos de vida e permite a indicação de métodos preventivos ou corretivos das alterações encontradas. Yeomans et al. (1985) afirmam que o escore Apgar pode auxiliar na diferenciação de neonatos hígidos e severamente comprometidos. Em Medicina Veterinária, são escassos os estudos que consolidem o escore Apgar para diferentes espécies animais. Algumas adaptações sugerem a avaliação da freqüência cardíaca, atividade respiratória, tônus muscular, coloração de mucosas e vocalização ao nascimento (Moon et al., 2000). Em recente estudo, Veronesi et al. (2009) avaliaram a confiabilidade do escore Apgar modificado em recém-nascidos caninos, correlacionando-o com a viabilidade neonatal e o prognóstico de sobrevivência imediata. Como resultado, constataram que 88,2% dos neonatos com escore Apgar inferior a 7 sobreviveram após a instituição de tratamento médico adequado. Ademais, a mortalidade neonatal foi significativamente superior nos animais com escore Apgar abaixo de 7. Todavia, o tipo de parto não afetou o percentual de mortalidade, como atestado em estudos anteriores (Moon et al., 2000; Moon et al., 2001). O escore Apgar pode variar de 0 a 10 e para a espécie equina, considera-se ideal ao nascimento valores entre 9 e 10. Notas entre 6 e 8 indicam asfixia moderada e sugere-se adotar medidas de estimulação neonatal (Vaala et al., 2006). Neonatos caninos são incapazes de manter a temperatura corpórea estável, visto que os reflexos de vasoconstrição e a capacidade de produzir tremores 166 RPCV (2008) 103 (567-568) 165-170 são afuncionais ao nascimento. Ainda, possuem escasso tecido adiposo subcutâneo, superfície corpórea relativamente extensa e imaturidade hipotalâmica (Johnston et al., 2001). As respostas fisiopatológicas à hipotermia incluem bradicardia, falência cardiovascular, injúria cerebral e atonia gastrintestinal (Johnston et al., 2001). No período neonatal, temperaturas ambientais inferiores a 27 ºC causam hipotermia e quando superiores a 33 ºC e associadas a elevados índices de umidade relativa do ar (85 a 90%) presdispõem a graves problemas respiratórios (Prats e Prats, 2005). Veronesi et al. (2009) constataram que a manutenção da temperatura ambiental em 32 ºC garantiu a normotermia dos recém-nascidos, com valores de temperatura corpórea entre 35,5 ºC e 36,5 ºC. Destarte, o correto manejo ambiental é essencial para o controle da temperatura corpórea do neonato. Estudos aprofundados concernentes à fisiologia do recém-nato, bem como sua evolução clínica no período pós-parto imediato devem fomentar o aprimoramento da Neonatologia Veterinária. Desta maneira, os objetivos deste estudo foram: avaliar os elementos clínicos adotados pelo escore Apgar e a temperatura corpórea de neonatos caninos à primeira hora de vida e comparar tais variáveis em diferentes condições de parto (eutocia, distocia vaginal e cesariana). Materiais e métodos Para o presente experimento, foram utilizados quarenta e oito neonatos das raças Bulldog, Golden Retriever, Labrador, Cavalier King Charles Spainel, Chow-chow e Doberman nascidos de gestações normais e a termo. Deste número amostral, vinte eram nascidos em eutocia (Grupo EUT), oito oriundos de distocia materna (hipotonia ou atonia uterina) (Grupo DIST) e vinte nascidos por cesariana (Grupo CES). O protocolo anestésico para as operações cesarianas constituiu da sedação com acepromazina (0,02 mg/kg) associada ao tramadol (1 mg/kg), indução anestésica com propofol (1 mg/kg) e anestesia epidural com cloridrato de bupivacaína (0,5 mg/kg) associado ao fentanil (3 g/kg). Para tratamento da inércia uterina, adotou-se administração intravenosa lenta de 1-3 UI de ocitocina e 150-500 mg/animal de gluconato de cálcio em solução fisiológica. Simultâneo à reanimação neonatal, ao nascimento, após cinco e sessenta minutos, foram aferidos temperatura corpórea (TC), freqüência cardíaca (FC), freqüência e esforço respiratórios (FR), inspecionados a coloração da mucosa gengival, tônus muscular e irritabilidade reflexa, atribuindo-lhes notas de 0 a 2, conforme Quadro 1. A somatória das notas específicas de cada variável conferiu aos neonatos o escore Apgar total de 0 a 10. O tônus muscular foi avaliado pela Silva LCG et al. RPCV (2008) 103 (567-568) 165-170 Quadro 1 - Parâmetros adotados para o escore Apgar de vitalide neonatal em Medicina Veterinária Freqüência Cardíaca 0 Ausente Esforço Respiratório Ausente Tônus muscular Irritabilidade Reflexa Coloração de mucosas Escore 1 Bradicárdica FC < 180 bpm Irregular FR < 15 mpm Alguma flexão Algum movimento Cianose Flacidez Ausente Cianose e palidez capacidade do neonato em flexionar membros e musculatura abdominal quando em posição ventro-dorsal, enquanto a irritabilidade reflexa foi observada por meio da resposta neonatal à manipulação durante o exame clínico. Os intervalos de referência adotados para FC, FR e TC foram 180 a 250 bpm, 15 a 40 mpm e 34,4 a 36,0 ºC, respectivamente (Moon et al., 2000). Durante a primeira hora de vida, os neonatos foram mantidos junto à mãe ou abrigados em caixa de isopor, sem a incidência de calor artificial. Os dados foram submetidos à análise de variância para medidas repetidas (ANOVA). O teste de Newman-Keuls foi utilizado como método complementar de comparações múltiplas, com níveis de significância iguais ou menores a 5% (p ≤ 0,05). Resultados Foram observadas diferenças estatísticas do escore Apgar entre os grupos e tempos estudados, como demonstrado na Tabela 1. Houve significativo aumento dos valores de Apgar no decorrer da primeira hora de 2 Presente e normal FC = 180-250 bpm Regular e vocalização FR = 15-40 mpm Flexão Hiperatividade Rósea vida, independente do tipo de parto. Entretanto, os neonatos nascidos de cesariana apresentaram escore inferior aos demais indivíduos imediatamente ao nascimento e após cinco minutos. Neonatos nascidos em eutocia e cesariana apresentaram discreta bradicardia ao nascimento. Para o Grupo EUT houve significativa melhora após cinco minutos. Não houve diferença estatística temporal para os demais grupos (Tabela 2). Todos os grupos apresentaram FR dentro do intervalo de normalidade, como demonstrado na Tabela 3. Após uma hora, a FR dos neonatos nascidos em eutocia foi significativamente maior aos de cesariana. A auscultação pulmonar ao nascimento indicou irregularidade do padrão respiratório, com alteração no intervalo entre as inspirações associada à presença de ruído respiratório de moderado a intenso e episódios de agonia respiratória em 77,2% dos neonatos nascidos em eutocia, 87,5% para os de distocia e em 65% de cesariana. Aos cinco e sessenta minutos pósnatais tais percentuais diminuíram para 27,3 e 5% para o Grupo EUT; 62,5 e 12,2% para o Grupo DIST e 40 e 10% para o Grupo CES, respectivamente. Tabela 1 - Médias e desvios-padrão dos valores de Apgar aos 0,5 e 60 minutos do nascimento para os grupos EUT, DIST e CES Escore Apgar Tempo pós-natal 0 minuto 5 minutos 60 minutos ab AB Grupo EUT 7,4 ± 1,76aA 9,25 ± 0,72bA 9,75 ± 0,44c Grupo DIST 7,75 ± 1,04aA 9,12 ± 0,64bcA 9,87 ± 0,53c Grupo CES 5,1 ± 1,57aB 7,6 ± 1,15bB 8,85 ± 0,87c na mesma coluna indicam diferença estatística (p ≤ 0,05). na mesma linha indicam diferença estatística (p ≤ 0,05). Tabela 2 - Médias e desvios-padrão da FC (bpm) aos 0,5 e 60 minutos do nascimento para os grupos EUT, DIST e CES Tempo pós-natal 0 minuto 5 minutos 60 minutos ab AB Grupo EUT 164 ± 37,95aB 198 ± 35,15b 198 ± 27,50b Freqüência Cardíaca (bpm) Grupo DIST 201 ± 35,34A 204 ± 17,20 209 ± 14,17 Grupo CES 164 ± 34,20B 181 ± 24,90 189 ± 27,60 na mesma coluna indicam diferença estatística (p ≤ 0,05). na mesma linha indicam diferença estatística (p ≤ 0,05). Tabela 3 - Médias e desvios-padrão da FR (mpm) aos 0,5 e 60 minutos do nascimento para os grupos EUT, DIST e CES Tempo pós-natal 0 minuto 5 minutos 60 minutos AB Freqüência Respiratória (mpm) Grupo EUT Grupo DIST 36 ± 10,21 34 ± 12,15 40 ± 11,70 34 ± 5,66 43 ± 7,60A 36 ± 12,26AB Grupo CES 29 ± 9,78 35 ± 6,21 31 ± 9,07B na mesma linha indicam diferença estatística (p ≤ 0,05). 167 Silva LCG et al. Os valores de temperatura corpórea neonatal apresentaram significativa queda ao longo da primeira hora de vida para todos os grupos estudados (Gráfico 1). Ao nascimento, os indivíduos nascidos por via vaginal (Grupos EUT e DIST) apresentaram-se hipertérmicos. Após cinco minutos, somente os neonatos nascidos de eutocia mantiveram a normotermia, os demais já apresentavam hipotermia. Aos sessenta minutos pós-natal, todos os animais encontravam-se em hipotermia, independente do tipo de parto. Gráfico 1 - Evolução da temperatura corpórea (ºC) aos 0,5 e 60 minutos do nascimento para os neonatos dos grupos EUT, DIST e CES no mesmo grupo indicam diferença estatística (p ≤ 0,05). AB no mesmo momento de avaliação indicam diferença estatística (p ≤ 0,05). RPCV (2008) 103 (567-568) 165-170 Ao nascimento, apenas 30 e 38% dos neonatos nascidos em eutocia e distocia, respectivamente, apresentaram mucosas cianóticas, em contraste aos 85% dos nascidos de cesariana. Todavia, após cinco minutos, o percentual de cianose decresceu para 5, 12,5 e 16% nos respectivos grupos EUT, DIST e CES. Aos sessenta minutos do parto, acima de 80% dos neonatos apresentaram mucosas normocoradas em todos os grupos avaliados (Gráfico 2). Ao nascimento, neonatos nascidos em distocia apresentaram tônus e irritabilidade mais acentuados que os demais grupos (Gráficos 3 e 4). Por outro lado, aproximadamente 40% dos recém-nascidos de cesarianas receberam baixo escore (nota 0) para as variáveis tônus muscular e irritabilidade reflexa logo após o parto. A avaliação aos cinco minutos mostrou que neonatos nascidos em distocia tendem a perder tônus muscular, porém o restabelecem aos sessenta minutos do parto. Discussão ab Gráfico 2 - Coloração das mucosas aos 0,5 e 60 minutos do nascimento para os grupos EUT, DIST e CES Gráfico 3 - Evolução do tônus muscular aos 0,5 e 60 minutos do nascimento para os grupos EUT, DIST e CES Gráfico 4 - Evolução da irritabilidade reflexa aos 0,5 e 60 minutos do nascimento para os grupos EUT, DIST e CES 168 O período de transição da vida fetal para a extra-uterina impõe ao recém-nascido a necessidade de ajustar-se rapidamente a novas funções, tais como adaptações cardiovasculares e respiração espontânea. Neonatos nascidos via vaginal receberam escore Apgar significativamente superior aos de cesariana nos primeiros minutos de vida. Sabe-se que a anestesia epidural, em comparação a protocolos que adotam agentes anestésicos voláteis, acarreta menor depressão dos reflexos neurológicos neonatais (Luna et al., 2004). Veronesi et al. (2009) não encontraram diferença no escore Apgar de recém-nascidos oriundos de parto vaginal em comparação aos nascidos por cesariana, com a dministração de propofol (2 a 4 mg/kg), isofluorano e bloqueio linear com butorfanol. Ainda assim, devido às características físico-químicas da maioria dos medicamentos anestésicos (baixo peso molecular, alta capacidade de difusão, rápida solubilidade lipídica e baixo grau de ionização), todos são potencialmente capazes de atravessar a barreira hematoplacentária e suscitar depressão fetal em diferentes graus (Thurmon et al., 1996). Com relação ao aparelho circulatório, o período neonatal imediato é caracterizado por expressivas adaptações. Em distocias maternas ou fetais, o período de isquemia uteroplacentária mais prolongado pode acarretar hipóxia fetal, hipercapnia e acidose metabólica (Vestweber, 1997). A acidose lática possui ação depressora direta sobre a contratilidade e débito cardíacos que, no animal adulto, pode ser compensada pela estimulação simpática do miocárdio por aumento da FC (Robertson, 1989). Entretanto, Grundy (2006) afirmou que este mecanismo compensatório é ineficiente em neonatos, em razão do incompleto Silva LCG et al. desenvolvimento do sistema simpático. Como resultado, o coração é incapaz de aumentar sua força contração e o débito cardíaco depende precipuamente da freqüência de contração do miocárdio. Vivan et al. (2009) constataram que a dosagem de lactato no sangue do cordão umbilical imediatamente ao nascimento é um indicador seguro da viabilidade neonatal, com valores significativamente superiores em indivíduos que evoluíram para o óbito. Recém-nascidos com valores de lactato próximos a 10 mM faleceram precocemente, já ao longo da primeira hora de vida. Os resultados de FC aferidos neste estudo confrontam as citações prévias. Ao nascimento, a FC de indivíduos nascidos em distocia foi significativamente superior aos demais. Admite-se que a compressão das artérias uterinas e vasos umbilicais em situações de pouca contratilidade miometrial (hipotonia ou atonia) não seja prolongada e a indução de hipóxia e acidose fetal seja mais branda. Em somatória, a adoção de medicamentos ecbólicos acelerou o parto e asseverou a higidez neonatal. Supõe-se que a administração parenteral de gluconato de cálcio para cadelas do grupo DIST tenha elevado a FC fetal e a neonatal, pois estudos em Medicina Humana relatam elevação na FC fetal em mães submetidas a 1 mg de gluconato de cálcio endovenoso por hipocalcemia intra-parto (Hagay et al., 1986). O disparo para o início da respiração pulmonar em neonatos ocorre por estímulos táteis, térmicos e é decorrente da moderada privação de oxigênio durante o parto. A expansão dos pulmões pelo ar promove a diminuição da resistência vascular local, aumento do fluxo sangüíneo, elevação da oxigenação do sangue e rápida absorção dos fluidos pulmonares fetais (Vestweber, 1997). Durante a primeira inspiração, somente parte dos alvéolos são inflados e, portanto, qualquer influência pode comprometer a adequada expansão alveolar. A discreta taquipnéia observada aos sessenta minutos do nascimento para o grupo EUT ocorreu possivelmente como mecanismo compensatório às restrições de trocas gasosas pulmonares. Neonatos nascidos em distocia apresentaram evolução mais lenta do padrão respiratório. A ausência do estímulo compressivo do canal vaginal nos neonatos nascidos por cesariana reduz a respiração reflexa e, em associação à depressão respiratória decorrente dos agentes anestésicos, pode ser a causa para o maior acúmulo de fluidos no interstício pulmonar. Crianças nascidas de cesariana podem apresentar estresse respiratório transitório, por não reabsorverem o fluido pulmonar de maneira eficaz (Solas et al., 2001). A avaliação isolada da FR não se mostrou precisa para identificação de recém-natos com possíveis alterações respiratórias, pois tal variável não apresentou comportamento estável nas populações estudadas, independente da condição de parto. Finister et al. (2005) relataram que o escore Apgar não deve ser aplicado para avaliação da hipóxia neonatal humana, todavia é RPCV (2008) 103 (567-568) 165-170 um método confiável para a definição da viabilidade neonatal imediatamente ao parto e da eficácia da ressuscitação. Sendo assim, é recomendado associar a FR à auscultação minuciosa dos campos pulmonares e a outros exames mais específicos na avaliação do aparelho respiratório, como a análise hemogasométrica. Em recém-nascidos, a termorregulação não é totalmente desenvolvida e respostas fisiológicas à hipotermia incluem bradicardia, falência cárdio-vascular, falha da sucção e parada gastrintestinal, desidratação e morte (Johnston et al., 2001). A temperatura mais elevada imediatamente após o parto nos grupos EUT e DIST denota a influência da temperatura materna, superior no trabalho de parto em comparação às fêmeas submetidas à anestesia e cesariana. Como resposta à hipotermia e à condição pecilotérmica, o primeiro reflexo neonatal a se desenvolver é o termotropismo positivo, presente nos primeiros quatro dias de vida e essencial para estabelecer o vínculo do recém-nascido com a mãe e a ninhada (Prats e Prats, 2005). Neonatos hígidos devem apresentar mucosas de coloração rósea intenso. Quando cianóticas, sinalizam severa hipoxemia (Spreng, 2004). Como citado anteriormente, neonatos provenientes de cesariana apresentam depressão respiratória e discreto estímulo à respiração reflexa. Desta meneira, a troca gasosa ocorrida durante as primeiras inspirações é menos eficiente e acarreta severa hipóxia e cianose central. Contudo, aos cinco minutos do nascimento somente 16% dos neonatos do grupo CES apresentavam mucosas de coloração cianótica, apesar da depressão cardiorrespiratória associada aos agentes anestésicos empregados. A inspeção de mucosas aparentes mostrou-se uma variável pouco fidedigna na identificação de neonatos com graus leves de alterações cardiorrespiratórias. Para tal avaliação, recomenda-se a análise dos gases sangüíneos, como pO2, pCO2 e SO2. As variáveis tônus muscular e irritabilidade reflexa exprimem o grau de depressão do sistema nervoso central neonatal. Neonatos nascidos por via vaginal demonstraram excelente evolução destas variáveis, com notas máximas para a maioria dos neonatos no primeiro momento de avaliação. O prolongado período em que os fetos permaneceram no útero ou canal vaginal em distocia induziu a liberação de corticosteróides. O estresse gerado é responsável pelo estímulo do sistema nervoso simpático e acarretou aumento da FC, da irritabilidade reflexa e do tônus muscular imediatamente ao nascimento. Com base nos resultados obtidos, o escore Apgar demonstrou ser um método diagnóstico eficiente na avaliação inicial do neonato. Como meio de triagem, o escore Apgar adaptado à Medicina Veterinária colaborou para a identificação de alterações inespecíficas do período neonatal imediato, como por exemplo depressão e alterações respiratórias. A associação das cinco variáveis estudadas asseverou maior amplitude à 169 Silva LCG et al. avaliação clínica dos recém-nascidos. A avaliação isolada da FR não permitiu estabelecer o diagnóstico das possíveis alterações respiratórias, sendo recomendado associá-la à auscultação minuciosa de campos pulmonares e a exames complementares, como radiografia torácica e hemogasometria sangüínea. A inspeção isolada das mucosas aparentes demonstrou ser um recurso semiológico pouco fidedigno na identificação de neonatos com graus leves de alterações cardiorrespiratórias, entretanto ao associá-la às demais variáveis do escore Apgar obtém-se maior acurácia na identificação de distúrbios gerais. Neonatos nascidos em distocia materna por hipotonia uterina apresentaram maior vitalidade imediatamente após o parto, em função do estresse fetal mais prolongado, em contraste àqueles nascidos de cesariana, deprimidos pela ação dos medicamentos anestésicos. Neonatos caninos apresentaram comportamento pecilotérmico, com significativa queda da temperatura corpórea no decorrer da primeira hora de vida, independente da condição obstétrica. Agradecimentos À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, pelo auxílio financeiro para a realização deste experimento. Processos: 06/52766-3, 06/59315-7. Bibliografia Davidson AP (2003). Approaches to reducing neonatal mortality in dogs. In: Recent Advances in Small Animal Reproduction, Ithaca, NY. (www.ivis.org); Grundy SA (2006). Clinically Relevant Physiology of the Neonate. Veterinary Clinics of Small Animal, 36: 443-459. Finister M, Wood M (2005). The Apgar score has survived the test of time. Anesthesiology, 102: 855-857. Freshman JL (1998). Save those puppys. Neonatal critical care for breeder and technician. In: Canine Reproduction Symposium, Oregon. Anais... Oregon: The American College of Theriogenologist / Society for Theriogenology, 50-52. Hagay ZJ, Mazor M, Leiberman JR, Piura B (1986). The effect of maternal hypocalcemia on fetal heart rate base line variability. Acta Obstet Gynecol Scand, 65(5): 513-515. Johnston SD, Kustritz MVR, Olson PNS (2001). 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RPCV (2008) 103 (567-568) 171-175 R E V I S TA P O R T U G U E S A DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS Flora bacteriana aeróbia em otites caninas Aerobic bacterial flora of the canine otitis A. C. P. Silveira*, C. D. R. Roldão, S. C. A Ribeiro, P. F. A. Freitas Universidade Federal de Uberlândia – Uberlândia/MG, Brasil Resumo: O presente trabalho teve como objetivo estudar bacteriologicamente otites clínicas em cães, determinando a freqüência das bactérias e a sensibilidade bacteriana frente a diferentes antimicrobianos, por meio de um antibiograma. Foi avaliada a influencia do sexo, raça e idade dos animais nas otites bacterianas. Foram analisados 231 cães com sinais clínicos de otite e em 89,2% foram isoladas bactérias, com prevalência de Staphylococcus epidermidis (31,5%) e Staphylococcus aureus (20,7%). Houve maior isolamento bacteriano nas otites clínicas na faixa etária de 1 a 3 anos em animais sem raça definida e em cães da raça Pastor Alemão, não havendo diferença entre os sexos. Kanamicina (93,9%), Cloranfenicol (85,2%), Gentamicina (85,2%) e Amicacina (81,9%) foram os antibióticos que promoveram uma atividade antimicrobiana sobre as bactérias isoladas. Palavras-chave: canina, otite, flora bacteriana Summary: The objective of the present work was the bacteriological study of otitis in dogs, with the assessment of bacteria frequency and sensitivity to antibiotics, as well as the characterization of the ill animals in relation to sex, breed and age. Dogs with clinical signals of otitis (n=231) were analyzed and in 89.2% bacteria were isolated; with Staphylococcus epidermidis in 31.5% and Staphylococcus aureus in 20.7%. Dogs in the age class of 1 to 3 years old had higher prevalence of bacterial isolation. The SRD and German Shepherd breeds were the most affected and there were no differences between sex. Kanamycin (93.9%), Chloramphenicol and Gentamicin (85.2%) and Amikacin (81.9%) were the antibiotics with better antimicrobial activity on the isolated bacteria. Keywords: canine, otitis, bacterial flora *Correspondência: anacarolinaportella@gmail.com Tel: + 55 (34) 3237-6174 Introdução A otite canina, um dos principais motivos de consultas desta espécie a médicos veterinários, causa efeitos de grande desconforto ao paciente e ao proprietário, tais como vocalização, nervosismo, agitação, dor, prurido, secreção e odor, sendo imprescindível à busca por uma cura rápida (Tuleski, 2007). Resulta de qualquer inflamação do conduto auditivo com numerosos agentes etiológicos envolvidos e fatores predisponentes que se relacionam com a infecção (Greene, 1993), sendo uma síndrome que freqüentemente reflete uma doença dermatológica sistêmica (Jacobson, 2002). São causadas por fatores primários, predisponentes e perpetuantes (August, 1993; Logas, 1994). Os fatores primários compreendem: hipersensibilidade alterada (Curtis, 2004), presença de parasitas, presença de corpos estranhos, desordens de ceratinização, imunopatias (Oliveira, 2004), tumores e pólipos auriculares (Little e Lane, 1989), celulite juvenil (Carlotti, 2003). Os fatores predisponentes incluem: conformação das orelhas, morfologia do conduto auditivo, maceração do epitélio, limpeza excessiva das orelhas (Griffin, 1996), doenças sistêmicas, alterações climáticas (Harvey et al., 2004), adenites anais e febre (Oliveira, 2004). Já os fatores perpetuantes são: infecção bacteriana e/ou fúngica no conduto auditivo, cicatrizações crônicas ou infecção subclínica (Leite, 2000). É considerada a doença de orelha mais comum em cães e gatos. Estima-se que em torno de 5 a 20% dos cães apresentam otite (August, 1988) e que sua prevalência seja ainda maior em regiões que apresentam clima tropical como o da cidade de Uberlândia, Minas Gerais, Brasil, provavelmente próxima a 30 ou 40% (Logas, 1994). Além disso, autores discutem que sua incidência pode variar de acordo com raça, idade e sexo dos cães. O diagnóstico deve ser realizado mediante um exame sistemático e completo de todo animal, o qual deve sempre incluir anamnese, exame físico, otoscopia e citologia da secreção auricular, realizando-se sempre que possível cultura microbiana e antibiograma 171 Silveira ACP et al. (Matousek, 2004). Desta forma, poder-se-á recomendar para o tratamento de otites bacterianas infecciosas os produtos comerciais otológicos adequados, que apresentem maior eficácia. O uso à revelia desses produtos, sem a realização prévia de cultura microbiana e do devido antibiograma, aumenta o risco do microrganismo envolvido na infecção mostrar-se resistente ao antimicrobiano contido no mesmo e poderá ainda induzir o desenvolvimento da cronicidade infecciosa, aumentando ainda a possibilidade de resistência bacteriana devido às subdosagens (Tuleski, 2007). Assim sendo, o objetivo deste trabalho foi identificar a microbiota bacteriana presente nas otites infecciosas caninas, bem como avaliar a susceptibilidade destes agentes infeciosos a diferentes antimicrobianos. Possibilitou, ainda, verificar a distribuição de casos de otites por meio da obtenção de dados epidemiológicos sobre essa afecção, tais como raça, sexo e faixa etária predominante. Material e métodos Durante o período de Agosto de 1986 a Dezembro de 2002 foram enviadas 231 amostras de otite para o Laboratório de Doenças Bacterianas da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), provenientes de cães (94 fêmeas e 137 machos) atendidos no Hospital Veterinário da UFU, localizado na cidade de Uberlândia, Minas Gerais, Brasil. Base física da investigação clínico-laboratorial A investigação clínico-laboratorial teve como base os cultivos microbianos obtidos e os testes de sensibilidade realizados a partir de amostras da secreção auricular de cães com sinais clínicos de otite, sendo os procedimentos microbiológicos realizados de forma padronizada. RPCV (2008) 103 (567-568) 171-175 0,9%, o qual foi enviado ao laboratório logo após a colheita, ou imerso em meio de transporte de Stuart, mantido em temperatura ambiente ou refrigeração, e enviado ao laboratório em até 24 horas a partir do momento da colheita. As colheitas realizadas pelos clínicos veterinários do Hospital Veterinário da UFU foram procedidas no ambulatório, sem sedação, introduzindo-se um zaragatoa estéril dentro do canal auditivo vertical, com o cuidado de não contaminá-lo por meio do contato com o pavilhão externo. Citologia e cultura bacteriana As amostras, recolhidas por meio de zaragatoas estéreis, após a limpeza do pavilhão auricular com solução fisiológica de NaCl a 0,9%, eram semeadas em caldo simples, e 24 horas após eram cultivadas em meios de cultura para bactérias aeróbias. Após isso, as bactérias, representadas na Tabela 4, foram classificadas de acordo com Osbaldiston (1975) cuja técnica baseia-se, de maneira geral, no conhecimento: da capacidade da bactéria em crescer em ágar sangue e em ágar de MacConkey; da coloração das colônias em ágar de MacConkey; da utilização da glicose e produção de H2S em ágar TSI; da reação de catalase; da coloração de Gram; do lugar de isolamento e animal hospedeiro. Para cada bactéria isolada, foram feitas provas de sensibilidade aos antibióticos, segundo a técnica preconizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) (1961) durante o período de coleta dos dados (para justificar o não uso da técnica atualmente preconizada pela OMS), estando expostas na Tabela 6. Teste de sensibilidade bacteriana Para realização dos testes de sensibilidade in vitro, utilizou-se o método de difusão em disco único (Bauer et al., 1966), testando-se sete antimicrobianos: ampicilina; amicacina; gentamicina; tetraciclina; cloranfenicol; sulfazotrin e kanamicina. Critérios técnicos para inclusão das amostras Os critérios para inclusão da amostra otológica na investigação clínico-laboratorial foram: amostras de secreção otológica de paciente canino, acompanhadas de dados referentes à idade, sexo e raça do cão, encaminhadas para cultura bacteriana, provenientes do Hospital Veterinário da UFU. Foram desconsiderados fatores como: cronicidade da doença, medicações prévias ou em andamento, doenças dermatológicas ou sistêmicas concomitantes, otite média, bem como número de amostras por animal. Colheita das amostras As amostras de secreção auricular foram colhidas com auxílio de zaragatoa estéril após a limpeza do pavilhão auricular com solução fisiológica de NaCl a 172 Epidemiologia da otite em cães Os dados epidemiológicos observados nesta investigação referentes a sexo, faixa etária e raça do cão foram avaliados conforme: 1) Sexo: verificou-se a proporção de casos de otite em cães machos ou fêmeas, submetendo-se esses valores à análise estatística. 2) Faixa etária: os animais foram classificados em quatro faixas etárias: - grupo ‘A’: até um ano de idade; - grupo ‘B’: acima de um ano até três anos; - grupo ‘C’: acima de três até sete anos; - grupo ‘D’: acima de sete anos. 3) Raça: os animais foram classificados com relação à raça, submetendo os valores obtidos à análise estatística. Silveira ACP et al. RPCV (2008) 103 (567-568) 171-175 Análise estatística Para determinar a relação entre otites bacterianas e sexo, raça e idade dos animais aplicou-se a prova do Qui-Quadrado (Spiegel, 1993) com nível de significância de 0,05. Resultados e discussão Tabela 1 – Distribuição de casos de otite clínica, de acordo com o sexo, em 231 cães com otite atendidos no Hospital Veterinário da Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia – Minas Gerais, Brasil, de Agosto de 1986 a Dezembro de 2002 Sexo Isolamento Bacteriano Positivo % Negativo % Total Fêmeas 84 89,36% 10 10,64% 94 Machos 122 89,05% 15 10,95% 137 Total 206 89,17% 25 10,83% 231 p=0,00 < 0,05 - não significativo Do total de 231 amostras submetidas à cultura bacteriana, 206 (89,17%) apresentaram crescimento bacteriano, enquanto que 25 (10,83%) resultaram em cultivos bacterianos negativos corroborando com os achados de Fachini (1981); Magalhães et al. (1985); Zanabria e Ruiz (1988). Entretanto, Ribeiro et al. (2000) ressaltam que a demonstração da presença de bactérias no conduto auditivo não significa necessariamente que estes microrganismos sejam patógenos primários totalmente responsáveis pelo desenvolvimento da otite. Quanto ao sexo, não houve diferença estatisticamente significativa entre machos e fêmeas (p=0,00) (Tabela 1). Spaniel e Poodle (terceira e quarta maiores ocorrências) no nosso meio, onde a preferência recai sobre os cães de guarda. Já quanto a faixa etária, encontrou-se que, 40,26% dos casos ocorreram entre 1 e 3 anos de idade; 27,7% entre 3 e 7 anos; 17,5% em cães acima de 7 anos e 14,29% em filhotes menores de 1 ano (Tabela 2), diferindo dos resultados expostos por Macy (1992), que cita que a otite externa é observada mais freqüentemente em cães entre 5 e 8 anos de idade. Em relação às raças, a maioria dos casos de otite foi em cães SRD (Sem Raça Definida) e Pastor Alemão, com 40,69% e 34,63% do total (Tabela 2), respectivamente, concordando com as colocações expostas por Magalhães et al. (1985) que observaram uma predominância de otite bacteriana nos SRD e Pastor Alemão, justificando estes dados como decorrente do menor número de exemplares das raças Cocker As bactérias mais recorrentes no isolamento bacteriano foram Staphylococcus epidermidis e Staphilococcus aureus com 31,47% e 20,71% da ocorrência total, seguidos pela Enterobacter spp e Escherichia coli, com 12,35% e 10,35, respectivamente (Tabela 3). Estes dados são ratificados em parte por Fachini (1981), Cerri et al. (1983), Woody e Fox (1986) e Muller e Heusinger (1994). Tabela 2 – Distribuição de casos de otite clínica, de acordo com raça e idade, em 231 cães com otite atendidos no Hospital Veterinário da Universidade Federal de Uberlândia – Minas Gerais, Brasil, de Agosto de 1986 a Dezembro de 2002 Raça SRD* Pastor alemão Poodle Cocker spaniel Doberman Dálmata Fila Teckel Pequinês Pastor belga Rotweiller Pinsher Setter inglês Fox terrier Husky siberiano Boxer Weimaraner Yorkshire Total <1 15 11 02 01 02 --01 ---01 ------33 % 6,5 4,76 0,87 0,43 0,87 --0,43 ---0,43 ------14,29 1a3 39 32 02 02 04 04 03 01 -01 02 ---01 01 -01 93 Número de animais com otite clínica / idade (anos) % 3a7 % >7 % 16,89 24 10,39 16 6,93 13,85 25 10,82 12 5,2 0,87 04 1,73 03 1,3 0,87 01 0,43 05 2,17 1,73 01 0,43 --1,73 02 0,87 --1,3 03 1,3 --0,43 01 0,43 ---02 0,87 01 0,43 0,43 --01 0,43 0,87 -------01 0,43 -01 0,43 -----01 0,43 0,43 ----0,43 -------01 0,43 0,43 ----40,26 64 27,7 41 17,75 TOTAL 94 80 11 09 07 06 06 03 03 02 02 02 01 01 01 01 01 01 231 % 40,69 34,63 4,76 3,90 3,03 2,60 2,60 1,30 1,30 0,87 0,87 0,87 0,43 0,43 0,43 0,43 0,43 0,43 100% 173 Silveira ACP et al. RPCV (2008) 103 (567-568) 171-175 Tabela 3 – Freqüência de bactérias isoladas em caso de otite clínica, em cães atendidos no Hospital Veterinário da Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia – MG. Agosto de 1986 a Dezembro de 2002 Bactérias Número % Staphylococcus epidermidis 79 31,47 Staphylococcus aureus 52 20,71 Enterobacter spp 31 12,35 Escherichia coli 26 10,35 Proteus spp 18 7,17 Citrobacter diversus 15 5,97 Bacillus spp 10 3,98 Aeromonas spp 06 2,40 Micrococcus spp 04 1,60 Streptococcus viridans 03 1,20 Alcaligenes spp 02 0,80 Streptococcus faecalis 01 0,40 Acinectobacter spp 01 0,40 Streptococcus B hemolítico 01 0,40 Corynebacterium pyogenes 01 0,40 Arizona spp 01 0,40 Total 251 100 Por meio dos testes de sensibilidade aos antibióticos, verificou-se que as bactérias mais freqüentemente isoladas foram mais sensíveis a Kanamicina (93,93%), Cloranfenicol e a Gentamicina (85,21%), e a Amicacina (81,88%) (Tabela 4), diferindo em parte dos resultados observados por Magalhães et al. (1985), nos quais os microorganismos mais isolados foram mais sensíveis a Gentamicina, Amicacina e Nitrofurano. Tabela 4 – Eficiência dos antibióticos aos agentes microbianos mais comumente isolados de cães com otite clínica atendidos no Hospital Veterinário da Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia – MG. Agosto de 1986 a Dezembro de 2002 Antibióticos S. epidermidis SEN S. aureus Total SEN % SEN % 12/14 85,71 15/15 100 31/33 93,93 Cloranfenicol 61/69 88,40 43/50 86 Kanamicina % 121/142 85,21 Gentamicina 57/69 82,60 49/51 96,07 121/142 85,21 Amicacina 55/69 79,71 38/45 84,44 113/138 81,88 Sulfazotrim 38/51 74,50 24/35 68,57 78/111 70,27 Tetraciclina 48/66 72,72 34/46 73,91 91/132 68,93 Ampicilina 25/62 40,32 17/48 35,41 54/129 41,86 A ausência de um acompanhamento laboratorial no tratamento das otites pode levar a um desenvolvimento de resistência aos agentes causadores, e conseqüentemente ocasionar uma terapêutica insuficiente, causando muitas vezes uma recidiva ou até a cronicidade do processo. No entanto, em muitas situações nas quais estes estudos laboratoriais não sejam possíveis, sugere-se o uso dos medicamentos que mais freqüentemente têm demonstrado eficiência geral. 174 Conclusão Em 89,17% foram isoladas bactérias com prevalência de Staphylococcus epidermidis (31,47%) e Staphylococcus aureus (20,71%), na faixa etária de 1 a 3 anos em animais sem raça definida e em cães da raça Pastor Alemão, não havendo diferença entre os sexos. Kanamicina (93,93%), Cloranfenicol (85,21%) e Gentamicina (85,21%) e Amicacina (81,88%) foram os antibióticos que promoveram uma atividade antimicrobiana sobre as bactérias isoladas. Bibliografia August JR (1988). Otitis externa: a disease of multifactorial etiology. Veterinary Clinic of North American Small Animal Practice, 18: 731-742. August JR (1993). Enfermedades del oído. Las Clínicas Veterinárias de Norteamerica. Practica Clinica em Pequenos Animales, 18: 1-274. Bauer AW, Kirby WMM, Sherrus JC (1966). 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Estes foram acompanhados clínica e sorologicamente para a presença de MEP. Na avaliação clínica destes animais, 10 (37%) apresentaram alteração clínica neurológica durante o exame e presença de anticorpos anti-S. neurona no soro e líquido cefalorraquidiano. Outros 8 (29,6%) animais também demonstraram soropositividade para o agente, mas não apresentaram alterações clínicas compatíveis com a doença. Sete (26%) dos animais soropositivos eram nascidos e criados em Bagé-RS no sul do Brasil, o que indica que ocorre infecção por S. neurona em animais desta região, sendo necessário conhecer e eliminar os fatores de risco envolvidos na transmissão deste protozoário. Palavras-chave: Mieloencefalite Protozoária Equina, Sarcocystis neurona, Western blot Summary: Equine Protozoal Myeloencephalitis (EPM) is an infectious neurologic disease caused by Sarcocystis neurona protozoan. This paper evaluates the presence of anti-S. neurona antibodies in the serum and cerebrospinal fluid from Thoroughbred horses raised in the Bagé city, in southern Brazil; 970 horses were evaluated, of which 27 (2,8%) presented history of lack of coordination. Those signs led to clinical and serological examination of the horses in order to collect evidence of EPM. At the clinical evaluation, 10 (37%) presented neurological alteration and the presence of anti-S. neurona antibodies in the serum and cerebrospinal fluid. Eight (29,6%) animals also presented serum reaction, without showing clinical evidence of the disease. Seven (26%) of these horses were born and raised in Bagé city in the southern Brazil, showing that the S. neurona infection occurs in this region, indicating the need to know and eliminate the risk factors involved in the transmission of this protozoan. *Correspondência: lucianaalins@yahoo.com.br Rua Quinze de Novembro, n° 1550-Centro, Pelotas-RS, Brasil CEP 96015-000 Tel: +55 (53) 92416001 Keywords: Equine Protozoal Myeloencephalitis, Sarcocystis neurona, Western blot Introdução A Mieloencefalite Protozoária Eqüina (MEP) é uma doença neurológica infecciosa muitas vezes fatal (Mayhew, 1999), causada pelo protozoário Sarcocystis neurona (Blythe et al., 1997; MaCkay et al., 2000). O hospedeiro definitivo do parasito é o gambá, que infesta-se ao ingerir sarcocistos presentes na musculatura do hospedeiro intermediário, provavelmente aves. Após a ingestão dos sarcocistos contendo bradizoítos, estes alcançam o intestino delgado, onde realizam a reprodução sexuada, dando origem ao oocisto. Este rompe a célula e é eliminado no ambiente já esporulado (esporocisto) juntamente com as fezes do hospedeiro. O cavalo infecta-se pela ingestão do esporocisto com alimentos ou água. Após ingestão ocorre liberação de esporozoítos no intestino delgado e inicia-se a reprodução assexuada no endotélio vascular (Mackay et al., 2000). A apresentação clínica pode ser de forma aguda ou crônica, dependendo do estágio da enfermidade (Dubey et al., 1996), envolvendo principalmente alterações na andadura do animal, sendo a incoordenação motora, fraqueza e atrofia muscular os sinais típicos da MEP (Mayhew, 1999). O diagnóstico da MEP não deve ser baseado apenas nos sinais clínicos porque estes são comuns a diversas doenças do sistema nervoso. O diagnóstico pode ser feito através do teste de Western Blot, utilizando o soro ou o fluido cerebroespinhal do animal. O resultado positivo do teste no soro sangüíneo indica a exposição do animal ao parasita, enquanto que o resultado positivo no fluido cerebroespinhal indica que o parasita penetrou na barreira hematoencefálica estimulando uma resposta imune local. A presença de anticorpos específicos no líquido cefalorraquidiano 177 Lins LA et al. é mais sugestiva de infecção, porém pode ocorrer resultado falso-positivo se no momento da coleta houver contaminação da amostra com sangue (Furr, 2006). Também é utilizado um teste de PCR para detecção do DNA de S. neurona no líquido cefalorraquidiano, porém este teste apresenta menor sensibilidade, provavelmente porque merozoítos intactos raramente circulam no líquor e o DNA livre do parasito é rapidamente destruído por ação enzimática (Dubey et al., 2001). A maior incidência de MEP ocorre nas Américas, em países como Estados Unidos, Canadá, Brasil e Argentina. Casos de MEP também foram diagnosticados em países da Europa, África do Sul e Ásia, porém em animais importados de países do hemisfério oeste (Mayhew e Greiner, 1986; Ronen, 1992; Lam et al., 1999). A distribuição da MEP ocorre de acordo com a distribuição do gambá, principal hospedeiro definitivo de S. neurona (Dubey, 2000). Em estudo conduzido em diferentes regiões do Brasil, Hoane et al. (2006) encontraram 69,6% dos eqüinos reagentes. Estes resultados demonstram uma alta exposição dos cavalos no Brasil aos esporocistos de S. neurona, sendo aproximadamente o dobro da soroprevalência encontrada na América do Sul em um estudo prévio. Porém, estes dados não são conclusivos em afirmar que os animais soropositivos tiveram esta reação no Brasil, ou se vieram de outros países já infectados. Por isso, foi proposto o presente estudo com o objetivo de detectar a presença de anticorpos anti-S. neurona no soro e líquido cefalorraquidiano de eqüinos nascidos e criados no município de Bagé-RS, avaliando a relação da presença de anticorpos com o aparecimento de sinais clínicos. Material e métodos Durante 12 meses, foram avaliados 970 eqüinos da raça Puro Sangue Inglês provenientes de três propriedades criatórias do município de Bagé -RS, no sul do Brasil. Os animais que apresentaram histórico de incoordenação motora foram submetidos à avaliação clínica e sorológica para caracterização da presença de infecção por S. neurona. A avaliação clínica constou de histórico, anamnese e exame clínico geral e específico do sistema nervoso. O exame específico do sistema nervoso foi conduzido para se detectar alguma alteração neurológica. Neste exame foi realizada avaliação do comportamento, estado mental, postura, avaliação dos nervos cranianos, andadura e propriocepção, além da inspeção geral para evidenciar possível assimetria, conforme descrito por Mayhew (1989). Somente os animais que apresentaram alterações neurológicas foram avaliados por sorologia. Para a realização da sorologia para S. neurona, trimestralmente foi realizada coleta de sangue sem 178 RPCV (2008) 103 (567-568) 177-180 anticoagulante dos animais que apresentaram alterações neurológicas. O soro sanguíneo foi separado e enviado ao Laboratório de referência nos EUANeogen®- para verificar a presença de anticorpos anti-S. neurona através de Western Blot. A pesquisa de anticorpos anti-S. neurona no líquido cefalorraquidiano foi realizado nos animais que mostraram sinais clínicos compatíveis com alteração neurológica e foram positivos para pesquisa de anticorpos anti-S. neurona no soro, desta forma buscando a confirmação do resultado obtido na sorologia. Resultados De 970 animais avaliados 27 (2,8%) apresentaram histórico de incoordenação motora e foram acompanhados para a pesquisa de S. neurona. Deste total, 12 eram potros com idades entre 3 e 16 meses, todos nascidos em Bagé e 15 éguas com idades entre 10 e 15 anos, a maioria delas com histórico de viajem aos estados do Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro. Na avaliação clínica dos 27 animais, 10 (37%) demonstraram sintomatologia clínica de alterações neurológicas no momento do exame e destes, 9 (90%) demonstraram sorologia positiva para o agente no Western Blot sérico, sendo 1 (1%) fraco positivo. Os 10 animais que demonstraram sinais clínicos foram submetidos à avaliação do líquido cefalorraquidiano por Western Blot, sendo os 10 (100%) positivos para S. neurona. Dos 17 (63%) animais que não demonstraram sintomatologia neurológica durante o exame, 2 (11,8%) foram positivos e 6 (35,3%) foram fraco-positivos no Western Blot sérico, como pode ser observado na Tabela 1. Dentre os 27 equinos submetidos à avaliação sorológica, 18 (66,6%) apresentaram reação positiva para o agente, sendo que 7 (39%) deles eram potros nascidos e criados em Bagé-RS. Discussão De acordo com Furr (2006), o Western Blot para pesquisa de anticorpos específicos para S. neurona apresenta até 90% de sensibilidade e especificidade, porém, a presença de anticorpos no soro indica apenas o contato do animal com o agente, e não a presença da doença clínica. A presença de anticorpos contra S. neurona no fluido cérebro-espinhal é mais sugestiva à infecção, porém não é definitivo (Furr, 2006). Neste estudo, os 10 animais que apresentaram sintomatologia clínica neurológica tiveram o líquor analisado por Western Blot a fim de se obter um resultado comparativo com o soro. Todos os animais demonstraram presença de anticorpos anti-S. neurona no líquor. Lins LA et al. RPCV (2008) 103 (567-568) 177-180 Tabela 1 - Sinais clínicos, presença de anticorpos anti-S. neurona soro e líquor por Western Blot em 27 eqüinos da região sul do Rio Grande do Sul Égua 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 Potro 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 Sinais clínicos + + + + + + + Sinais clínicos + + + Soro* Soro* Soro* Soro* Líquor Negativo Fraco-Positivo Positivo Positivo Positivo Negativo Positivo Negativo Fraco-Positivo Fraco-Positivo Negativo Positivo Fraco-Positivo Fraco-Positivo Positivo Negativo Negativo Positivo Positivo Positivo Negativo Positivo Negativo Negativo Fraco-Positivo Negativo Positivo Fraco-Positivo Fraco-Positivo Positivo Negativo Fraco-Positivo Positivo Positivo Positivo Negativo Positivo Negativo Fraco-Positivo Fraco-Positivo Negativo Positivo Fraco-Positivo Fraco-Positivo Positivo Negativo Fraco-Positivo Positivo Positivo Positivo Negativo Positivo Negativo Fraco-Positivo Fraco-Positivo Negativo Positivo Fraco-Positivo Fraco-Positivo Positivo NR NR Positivo Positivo Positivo NR Positivo NR NR NR NR Positivo Positivo NR Positivo Soro* Soro* Soro* Soro* Líquor Positivo Fraco-Positivo Negativo Negativo Positivo Positivo Negativo Negativo Fraco-Positivo Negativo Positivo Positivo Positivo Fraco-Positivo Negativo Negativo Positivo Positivo Negativo Negativo Fraco-Positivo Negativo Positivo Positivo Positivo Fraco-Positivo Negativo Negativo Positivo Positivo Negativo Negativo Negativo Negativo Positivo Positivo Positivo Fraco-Positivo Negativo Negativo Positivo Positivo Negativo Negativo Fraco-Positivo Negativo Positivo Positivo Positivo NR NR NR NR NR NR NR NR NR Positivo Positivo NR – Não Realizado *As 4 colunas identificadas como "soro" correspondem a colheitas seriadas com intervalos de 3 meses O diagnóstico da MEP é observado com maior freqüência em cavalos mais velhos, mostrando que com o passar da idade o animal tem maior probabilidade de entrar em contato com o agente causador desta enfermidade (Blythe et al., 1997). Entre as 15 éguas avaliadas, 11 (73,3%) apresentaram soro reatividade para S. neurona. Este percentual elevado reflete a exposição aos fatores de risco que estes animais sofreram durante a vida, principalmente nos centros de treinamento. O estresse gerado pelos transportes e gestações pode propiciar o desenvolvimento da doença, conforme foi descrito por Saville et al. (1999). Porém, estes dados não permitem afirmar que existiu a soro reação para S. neurona em cavalos no sul do Brasil, já que grande parte destas éguas reprodutoras mantidas nos centros de manejo nesta região do país é oriunda de outros estados e países. Entretanto, dos 12 potros avaliados, 3 (25%) apresentaram diagnóstico clínico, sorológico e do licor positivo para MEP. Como estes animais nasceram e foram criados na região de Bagé, pode-se afirmar que desenvolveram a infecção na região, já que, diferente dos outros animais, estes nunca saíram do local. Quatro (33,3%) animais também nascidos na região, apesar de não apresentar sinais clínicos foram soro reagentes, demonstrando que tiveram contato com S. neurona, porém não contraíram a doença. Confirmando a observação de Furr (2006), que descreve que embora seja freqüentemente a exposição a esse protozoário, é baixa a porcentagem de animais que desenvolvem a doença clínica. Conclusão Com base nestes dados é possível afirmar que ocorre infecção por S. neurona em eqüinos criados no município de Bagé-RS no sul do Brasil, já que sete (39%) dos animais que foram soropositivos para este protozoário nasceram e foram criados nesta região. Estes dados demonstram a importância de se conhecer a epidemiologia para trabalhar na eliminação dos 179 Lins LA et al. fatores de risco envolvidos na infecção, evitando o acesso de hospedeiros transmissores às instalações utilizadas pelos eqüinos. Bibliografia Blythe LL, Granstrom DE, Hansen LL, Walker S (1997). 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Sarmento Leite n° 500, sala 204, 90046-900, Porto Alegre, RS, Brazil 2 Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brazil Abstract: The soybean Glycine max (L.) Merr contents isoflavones, which are powerful phytoestrogens that can influence many biochemical and physiological processes and that occur naturally in plants. This paper reports the effects of two phytotherapics formulations containing Glycine max (L.) Merr on general reproductive performance in female rats. The females were treated before and during mating, pregnancy and lactation using tree different doses. Half of the pregnant females were submitted to a cesarean section on the 21st day of pregnancy while the remaining females were allowed to give birth. The data showed that the phytotherapics formulations caused change in the growth in pre-mating increased the number of resorptions and interfered in reproductive rates as measured according to the doses tested. Keywords: Glycine max, phytoestrogens, reproduction, fertility, rats Resumo: A soja Glycine max (L.) Merr contém isoflavonas, compostos naturais das plantas, poderosos fitoestrógenos que podem influenciar muitos processos bioquímicos e fisiológicos. Neste trabalho são testados os efeitos de duas formulações fitoterápicas contendo Glycine max (L.) Merr sobre o desempenho reprodutivo de fêmeas de ratos Wistar. As fêmeas foram tratadas antes e durante o acasalamento, gestação e lactação utilizando três diferentes doses das formulações. Metade das fêmeas gestantes foi submetida a uma cesariana no 21º dia de gestação e o restante das fêmeas pariu a termo. Os dados mostraram que as formulações fitoterápicas alteraram o crescimento pré-acasalamento, aumentaram no número de reabsorções e modificaram as taxas reprodutivas mensuradas de acordo com as dosagens testadas. Palavras-chave: Glycine max, fitoestrógenos, reprodução, fertilidade, ratos *Correspondence: clarissa.hollenbach@gmail.com Clarissa Boemler Hollenbach – Rua da República, nº 604/6, Cidade Baixa, Porto Alegre, RS, Brazil Tel: + 55 (51) 32091249 Introduction Isoflavones are phenolic compounds and chemicals widely distributed in the plant kingdom. The concentrations of these compounds are relatively larger in legumes and, in particular, in the soybean Glycine max (L.) Merr, with various biological properties (antioxidant activity, inhibition of enzyme activity and others) that can influence many biochemical and physiological processes. The chemical structure of isoflavones is similar to that of estrogen, such as 17 ßestradiol (Setchell, 1998). Estrogens are responsible for feminine characteristics, reproductive control pregnancy and also influence the skin, bones, the cardiovascular system and immunity (Tapiero et al., 2002). The properties of estrogen and anti-estrogen of phytoestrogens depends on its concentration, on the concentration of endogenous sex steroids as well as the specific target organ involved in the interaction with the estrogens receptors (Nachtigall, 2001). Regarding the usage in peri-menopause, multicenter studies have produced contradictory results. In a study with 145 postmenopausal women receiving a diet rich in phytoestrogens for 12 weeks Brzezinski and Schenker (1997) concluded that menopause symptoms were decreased by 50%, while hot flushes and vaginal dryness fell by 54% and 60%, respectively. Albertazzi et al. (1998), and Upmalis et al. (2000), carrying out multicenter, double-blind, randomized, placebo-account studies concluded that phytoestrogens decreased vasomotor symptoms and the incidence and severity of heat waves. Secreto et al. (2004), conducting a multicenter, double-blind, randomized study concluded, in turn that isoflavones and melatonin have not shown any advantage as 181 Hollenbach CB et al. compared to the placebo in relieving menopause symptoms. The best documented effects of isoflavones are related to activity on reproduction. In that regard, soybean and its isoflavones are classified as endocrinal disrupters. Adverse effects of soy-containing foods and soy components on reproductive processes of animals have been reported. Histopathological changes in ovarian and uterine administration of genistein and reduced fertility of exposed females are reported in rats (Nagao et al., 2001), while Chan (2009) found that 1–10 M genistein has injury effects on mouse oocyte maturation, fertilization, and subsequent embryonic development. A systematic review conducted by Huntley and Ernst (2004), regarding the use of soy in the treatment of menopause symptoms showed that of 13 multicenter studies, ten were included within acceptable criteria. Of the ten, four studies suggested that the preparations of soybeans were beneficial in the treatment of perimenopausal symptoms, six showed negative results. Based on the survey of these studies, Huntley and Ernst (2004) concluded that there is some evidence of efficacy of preparations of soybeans for the treatment of symptoms of menopause, but because of the heterogeneity of results it is difficult to establish a definitive postulation. Reproductive toxicity tests are conducted to determine the direct effects of a chemical on the process of reproduction of mammals. The aim of this study was to evaluate the reproductive toxicity of soy on the fertility and reproductive performance of Wistar rats as recommended by guidelines defined by the Food and Drug Administration (FDA), and the Organization for Economic Cooperation and Development (OECD). Material and methods Phytotherapic formulations The phytotherapic formulations used in the experiments were acquired in local drug stores. The formulations contained the batch number, date of manufacture and were within the sell-by date. Corporate names: Phytotherapic I: Ache Laboratórios Farmacêuticos S/A and Phytotherapic II: Herbarium Laboratório Botânico Ltda. The declared composition in the package leaflet of Phytotherapic I: dry Glycine extract max (L.) Merr. 40% = 150 mg and of Phytoterapic II: extract max Glycine (L.) Merr 40% = 75 mg. The phytotherapic formulations were obtained through the dilution of the contents of the capsules of the medicine, using distilled water as a vehicle. The doses were prepared according to the manufacturers’ recommendations. 182 RPCV (2008) 103 (567-568) 181-187 Experimental animals The 24 males and 72 females of albino Wistar rats used in the present study were kept under constant conditions: on a daily light cycle of 12 h light/12 h dark, room temperature 21 ºC ± 1 ºC, and 50% ± 5% relative humidity. The animals received a standard pelleted diet (Nuvilab CR1®, Paraná, Brazil) and tap water ad libitum during all the experiment. All rats were adapted to the conditions of our animal quarters for 3 weeks before starting the experiment. Breeding, housing and experimental procedures followed the guidelines published in the NIH Guide for Care and Use of Laboratory Animals and obeyed current Brazilian laws and were in accordance with current Brazilian regulations including approval by the Ethics Committee in search of Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mating procedure Males were housed individually per cage with wood shavings as bedding. Three virgin females were placed into a cage of one male for 2 h each day (7:00–9:00 o’clock) and vaginal smears were evaluated for sperm. The first 24-h period following the mating procedure was called day 0 of pregnancy if sperm was detected in the smear. The mating procedure was repeated from Monday to Friday for 3 weeks. Treatment The animals were divided in six experimental groups, one control group (CG), which received vehicle (n=32) and six groups (GPI1, n=32; GPI2, n=28; GPI3, n=24; GPII1, n=32; GPII2, n=20; and GPII3, n=12) that were treated with three concentrations of the two Phytotherapic were administered as the therapeutic dose, a solution equivalent to five times the therapeutic dose and a solution equivalent to 10 times the therapeutic dose (4.3 mg/kg, 21.5 mg/kg and 43 mg/kg, respectively). All experimental groups were treated by gavage every day. The females were treated before mating (14 days) and during mating (21 days), pregnancy (21 days), and lactation periods (21 days). The males were treated for 91 days before mating (70 days) and during mating (21 days). Evaluation of the animals All males and females were evaluated for weight development and signs of toxicity. Pregnant females were observed for weight gain, signs of dystocia, post-implantation loss and prolonged duration of pregnancy. Litter size, litter weight, sex ratio were recorded. Cesarean section On day 21 of pregnancy half of the females were anaesthetized with tiletamin/ zolazepan 50% and Hollenbach CB et al. RPCV (2008) 103 (567-568) 181-187 euthanized by decapitation. The gravid uterus was weighed with contents. Resorptions as well as living and dead fetuses were counted. The number of implantation sites was determined. All the living fetuses were immediately weighed, numbered with marker pen, examined for externally visible malformations and fixed in a 5% formalin solution. X 100; - Weanling index: number of live offspring at day 21/number of live offspring born X 100; - Post-implantation loss index: number of implantation sites-number of live fetuses/number of implantation sites X 100. Statistical analysis Lactation Data were analyzed by one-way analysis of variance. The Bonferroni test was used to test differences between groups. Proportions were analyzed by the Chi-square test. Statistical evaluation was performed using the SPSS and EXCEL programs, and a difference was considered statistically significant at P < 0.05. The other pregnancy females were allowed to give birth to their offspring. At weaning (postnatal day 21) all dams were anaesthetized and euthanized by decapitation and underwent postmortem examination. All major organs were macroscopically inspected and weighed (liver, heart, spleen, kidneys, ovaries and uterus). The organs were fixed in a 10% neutral buffered formalin solution for routine processing and light-microscopic evaluation. Results Index analyzed Body weight changes and toxicity in female rats - Mating index: number of sperm positive females/ number of mated females X 100; - Pregnancy index: number of pregnant females/ number of sperm positive females X 100; - Delivery index: number of females delivering/ number of pregnant females X 100; - Birth live index: number of live offspring/number of offspring delivered X 100; - Viability index: number of live offspring at lactation day 4/number of live offspring delivered The female rats treated orally with Phytotherapic I and Phytotherapic II in three doses during prior to mating, at mating, pregnancy and lactation, as 21.5 mg/kg and 43 mg/kg suffered changes in the growth in prior the mating period. No statistically significant differences among control group and Phytotherapic I and Phytotherapic II treated groups were found with regard to maternal and offspring weight changes during the pregnancy and lactation period (Table 1). There were no differences in both Table 1 - Weight development (g) of female rats orally treated with Phytotherapic I (A) and Phytotherapic II (B), with three doses 4.3, 21.5 and 43 mg/kg, respectively, GPI1 (n= 32), GPI2 (n= 28), GPI3 (n= 24), GPII1 (n= 32), GPII2 (n= 20) and GPII3 (n= 12), during pregnancy and lactation period (p= pregnancy, L= lactation) Days of pregnancy and lactation period (A) 1p 7p 14p 21p 1L 7L 14L 21L Days of pregnancy and lactation period (B) 1P 7P 14P 21P 1L 7L 14L 21L Control GPI1 GPI2 GPI3 213.9 ± 3.4 227.3 ± 4.1 245.3 ± 4.3 291.7 ± 4.8 229.3 ± 5.3 241.9 ± 4.7 248.8 ± 4.3 243.1 ± 4.9 223.2 ± 4.5 235.8 ± 5.2 254.6 ± 5.6 299.3 ± 5.6 226.1 ± 5.1 236.9 ± 5.2 256.1 ± 5.9 253.3 ± 5.3 234.1 ± 6.1 248,0 ± 5.9 243.4 ± 5.7 254.7 ± 6.3 - 233.8 ± 6.3 244.8 ± 6.4 269.3 ± 6.1 282.3 ± 5.7 245.4 ± 6.3 257.1 ± 6.5 268.4 ± 6.3 267.4 ± 6.1 Control GPII1 GPII2 213.9 ± 3.4 227.3 ± 4.1 245.3 ± 4.3 291.7 ± 4.8 229.3 ± 5.3 241.9 ± 4.7 248.8 ± 4.3 243.1 ± 4.9 223.2 ± 4.5 235.8 ± 5.2 254.6 ± 5.6 299.3 ± 5.6 226.1 ± 5.1 236.9 ± 5.2 256.1 ± 5.9 253.3 ± 5.3 224.4 ± 5.1 237.4 ± 5.9 244.4 ± 6.3 259.1 ± 5.8 227.6 ± 6.1 235.5 ± 5.9 245.3 ± 6.8 244.2 ± 6.2 Values are given as means ± SE. Data were analyzed by ANOVA. Days of pregnancy and days of lactation are indicated by subscripts P and L respectively. No significant difference among groups was observed. 183 Hollenbach CB et al. RPCV (2008) 103 (567-568) 181-187 absolute and relative organs weight among the groups (Table 2). Outcome of fertility tests Statistically significant differences were observed in the mating index (the proportion of females impregnated by male rats) only when Phytotherapic I was administered at the highest dose (43 mg/kg) as compared to the control group. Statistically significant differences were observed in the pregnancy index (the proportion of pregnant females and females with sperm positive) only when Phytotherapic II was used at the highest dose as compared to the control group (Table 3). There was statistical difference among Phytotherapic I and II as compared to the control group in the post-implantation loss index. The other indexes are shown in Tables 4 and 5. The index of delivery was statistically different from the control group using both phytotherapics as the 21.5 mg/kg dose. The indexes of weaning and viability were different only when Phytotherapic I was used as 21.5 mg/kg and 43 mg/kg doses, when compared to the control group. Concerning the index of viability, Phytotherapic I differed from control group in the 21.5 mg/kg dose. Regarding birth rates, only the Table 2 - Relative organ weight (%) from dams treated before the mating, at mating, pregnancy and lactation periods, with Phytotherapic I (A) and Phytotherapic II (B) Relative organ weight (%) (A) Heart Spleen Liver Right kidney Left kidney Right ovary Left ovary Uterus Relative organ weight (%) (B) Heart Spleen Liver Right kidney Left kidney Right ovary Left ovary Uterus Control (n = 7) 0.73 ± 0.02 0.47 ± 0.01 10.3 ± 0.33 0.84 ± 0.01 0.80 ± 0.03 0.06 ± 0.01 0.07 ± 0.02 0.37 ± 0.11 Control (n = 7) 0.73 ± 0.02 0.47 ± 0.01 10.3 ± 0.33 0.84 ± 0.01 0.80 ± 0.03 0.06 ± 0.01 0.07 ± 0.02 0.37 ± 0.11 GPI1 (n = 5) 0.79 ± 0.03 0.54 ± 0.02 10.3 ± 0.47 0.89 ± 0.01 0.83 ± 0.02 0.07 ± 0.02 0.06 ± 0.01 0.48 ± 0.04 GPII1 (n = 5) 0.74 ± 0.02 0.44 ± 0.02 10.0 ± 0.54 0.85 ± 0.01 0.81 ± 0.02 0.04 ± 0.02 0.05 ± 0.01 0.49 ± 0.03 GPI2 (n = 2) 0.77 ± 0.04 0.52 ± 0.02 9.7 ± 0.36 0.76 ± 0.02 0.74 ± 0.03 0.05 ± 0.01 0.04 ± 0.01 0.42 ± 0.03 GPI2 (n = 2) 0.73 ± 0.03 0.42 ± 0.02 9.82 ± 0.25 0.80 ± 0.02 0.79 ± 0.03 0.05 ± 0.01 0.04 ± 0.01 0.43 ± 0.03 GPI3 (n = 1) 0.80 ± 0.02 0.61 ± 0.02 8.9 ± 0.14 0.89 ± 0.02 0.43 ± 0.03 0.07 ± 0.01 0.07 ± 0.01 0.41 ± 0.05 Data are given as means ± SE. Data were analyzed by ANOVA. No significant difference among groups was observed. Table 3 - Outcome of fertility tests (%) in rats treated with Phytotherapic I (A) and Phytotherapic II (B) Outcome (A) Mated females (n) Mated males (n) Sperm-positive females (n) Pregnant females (n) Mating Index (%) Pregnancy Index (%) Post-implantation loss Index (%) Outcome (B) Mated females (n) Mated males (n) Sperm-positive females (n) Pregnant females (n) Mating Index (%) Pregnancy Index (%) Post-implantation loss Index (%) Control 24 8 18 13 69.2 81.25 0 Control 24 8 18 13 69.2 81.25 0 GPI1 24 8 13 12 46.5 92.3 3,6 GPII1 24 8 6 6 22.2a 100 11.1a Data were analyzed by Chi-square test. a Significantly different (P > 0.05) from control group. 184 GPI2 10 7 7 7 70 100 4 GPII2 9 5 2 2 22a 100 8a GPI3 10 5 3 3 30a 66.6a 21a GPI3 10 5 3 0 37.5a 0a 0 Hollenbach CB et al. RPCV (2008) 103 (567-568) 181-187 highest dose of Phytotherapic II showed statistically significant difference in relation to the control group. Discussion The results obtained in the present study suggested that female fertility was affected by continuous treatment with Phytotherapic I and Phytotherapic II, for 14 days prior to mating and during the mating period. The index of mating presented statistic difference among the groups treated with the three Phytotherapic II doses, as compared to the negative control group, while the groups treated with Phytotherapic I this was observed only when the highest dose was used. The indexes of pregnancy have presented statistic difference among the groups related to the control group in the highest dose of Phytotherapic II. In this study, the exposure of the females to phytotherapics formulations I (GPI) and II (GPII) in three doses, 4.3 mg/kg, 21.5 mg/kg and 43 mg/kg, before mating did not alter the absolute weight of the reproductive organs uterus and ovaries, The same was observed for the other organs evaluated (liver, kidney and spleen). No macroscopic signs of toxicity were observed in the organs examined. However, the gain in body weight before mating was altered in GPI2, GPI3 and GPII1, GPII2, GPII3 differed significantly between the treated groups and the control. During the period of gestation and lactation the growth of females treated was not altered. The same was observed for the absolute weight of the reproductive organs. Similarly, no macroscopic signs or histopathological lesions were detected in the organs analyzed. Adverse alterations in the nonpregnant female reproductive system have been observed at dose levels below those that resulted in reduced fertility or produced other overt effects on pregnancy or pregnancy outcomes (Sonawane and Yaffe, 1983; Cummings and Gray, 1987). The preimplatation period of pregnancy is considered to be an ‘all-or-none’ period, the period during Table 4 - Reproductive index (%) from dams treated with Phytotherapic I (A) and Phytotherapic II (B), to give birth Reproductive index (A) Nº (dams) pups Number of pups per litter Pups body weight Delivery index Birth live index Viability index Weanling index Reproductive Index (B) Nº (dams) pups Number of pups per litter Pups body weight Delivery index Birth live index Viability index Weanling index Control (7) 47 10.2 ± 1.6 5.6 ± 0.14 100% 100% 100% 98.4% Control (7) 47 10.2 ± 1.6 5.6 ± 0.14 100% 100% 100% 98.4% GPI1 (5) 36 10.2 ± 0.8 6 ± 0.2 100% 87.5% 97.7% 95.3% GPII1 (4) 13 5.3 ± 1.5 5.3 ± 0.1 100% 100% 95.5% 90.9% GPI2 (2) 13 7.3 ± 1.8 5.4 ± 0.3 50%a 83% 60%a 0%a GPII2 (1) 9 9 6 ± 0.3 50%a 55.5%a 100% 100% GPI3 (2) 15 7.5 ± 1.8 6 ± 0.5 100% 100% 100% 61.5%a Data were given as means ± SE and proportions. Proportions were analyzed by Chi-square test. Data are given as means ± SE were analyzed by ANOVA. a Statistically significant difference from the control group was considered when P > 0.05. Table 5 - Reproductive index (%) from dams treated with Phytotherapic I (A) and Phytotherapic II (B), and parameters evaluated at the caesarian section performed on pregnancy day 21 Reproductive index (A) Nº (dams) pups Gravid uterus weight (g) Litter size Pups body weight (g) Nº of pups with external malformations Reproductive index (B) Nº (dams) pups Gravid uterus weight (g) Litter size Pups body weight (g) Nº of pups with external malformations Control (5) 61 68.35 ± 8.0 10.2 ± 1.6 4.8 ± 0.1 Control GC(5) 61 68.35 ± 8.0 10.2 ± 1.6 4.8 ± 0.1 GPI1 (8) 69 74.24 ± 4.6 10.2 ± 0.8 5.11 ± 0.05 GPII1 GI1 (2) 17a 64.21 ± 3.6 10.2 ± 0.8 5.17 ± 0.6 GPI2 (3) 22a 33.05 ± 9.2a 7.3 ± 1.8 3.5 ± 0.8 - Data are given as mean ± SE. Data were analyzed by ANOVA. a Significantly different (P > 0.05) from control group. 185 Hollenbach CB et al. which maternal exposure to exogenous agents may cause either embryo lethality or normal development of the embryo with a normal fetus at delivery (Lemonica et al., 1996). The administration of both phytotherapic at doses investigated did not affect the duration of pregnancy and the number of pups born from females treated with GPI, but it interfered in the birth rate when the largest dose of Phytotherapic II was used (GPII), showing statistically significant difference in relation to the control group. In females who suffered cesarean section on the 21st day of pregnancy, both groups treated with phytotherapics, GPI2 (21.5 mg/kg) and GPII1 (4.3 mg/kg), in the highest doses used, no difference in the number of pups was observed in comparison to the control group. In the number of implants, there were significant differences between the groups treated in comparison with the control group. In the both phytotherapic all the doses used were post-implantation losses; however, in GPI the highest dose, the 43 mg/kg dose caused the most losses. In another study, rats treated with hydroalcoholic extract from Lantana camara var. aculeata, for 14 days prior to mating, at mating, gestation and lactation were evaluated as to the overall reproductive performance. The increase in post-implantation loss index was statistically different from the control and LC 3 and LC 7 groups, suggesting that the extract induced embryotoxicity in these groups, without any sign of maternal toxicity. The tendency to an increase in the post implantation loss reported in that study may have occurred due to a toxic effect of the extract on the embryo (Mello et al., 2005). An investigation on the effects of the presence of genistein concentrations in the diet of Sprague-Dawley rats from the seventh day of pregnancy through the end of breastfeeding showed that even indices of human exposure are capable of producing reduction in the weight of litter, hyperplasia of alveolar ducts of the mammary glands of females, mature abnormal vaginal cells, among other effects. The conclusion was that the consequence of exposure to genistein has effects on multiple tissues sensitive to estrogen in females (Delclos et al., 2001). The rates of birth and viability were statistically different from the control group. GPI2 and GPII2 were different in the rate of birth. Considering the rate of viability, only the GPI2 revealed statistically significant difference as compared to the control group. Kang et al. (2002) investigated the exposure of Sprague-Dawley rats to concentrations of genistein consistent with those obtained in humans. The use of genistein (0.4 mg/kg and 4 mg/kg) during gestation and lactation on reproductive variables of F1 showed that the number of pups born alive, sites of deployment, proportion between the sexes, year-genital distance, vaginal opening of the channel were not affected. 186 RPCV (2008) 103 (567-568) 181-187 The administration of the two phytotherapic formulations containing soybean Glycine max (L.) Merr before mating, at mating, pregnancy and lactation, in the groups GPI2, GPII2, GPI3 and GPII3 (doses 21.5 mg/kg and 43 mg/kg) caused change in the growth in prior to mating, caused increase in the number of resorptions and modification of the reproductive rates calculated. Given the range of potential effects of soy and its components and the potential for increase in the consumption of products containing soy, it is important to carry out comprehensive toxicological evaluations of these agents to better understand the potential adverse effects that could result from their use. A growing body of toxicological data on the isoflavones in rodents is accumulating, which confirms the importance of dose, time, target organ, route of administration and context and the species on the effects. Phytoestrogens act as natural estrogenic agonists or antagonists occupying prominent place in the group of endocrine disrupters. So far, studies in vitro and in vivo showed no consistent results regarding the possibility that the phytoestrogens could mimic estrogenic actions in all target organs (Clapauch et al., 2002). Bibliography Albertazzi P, Pansini F, Bonaccorsi G, Zanotti L, Forini E and Aloysio De D (1998). The effect of dietary soy supplementation on hot flushes. Obstet Gynecol, 91: 6-11. Brezezinski A and Schenker JC (1997). Induction of ovulation and risk of breast cancer: an overview and perspectives. Gynecol Endocrinol, 11: 357-364. Chan W-H (2009). Impact of genistein on maturation of mouse oocytes, fertilization, and fetal development. Reprod Toxicol, 28: 52-58. 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Menopause, 7: 236-242. 187 RPCV (2008) 103 (567-568) 189-193 R E V I S TA P O R T U G U E S A DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS Parasitismo intestinal em avestruzes (Struthio camelus australis Linnaeus, 1786) da Região Sul do Estado do Espírito Santo, no ano de 2006 Intestinal parasitism on ostriches (Struthio camelus australis Linnaeus, 1786) from South Region of Espírito Santo State, in 2006 André M. B. Batista1, M. Angélica V. da Costa Pereira1*, Gilmar F. Vita2 1 Setor de Parasitologia, Hospital Veterinário, Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias, Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) Fundação Estadual do Norte Fluminense (FENORTE)/Parque de Alta Tecnologia do Norte Fluminense (TECNORTE), Graduando do Curso de Ciências Biológicas da Universidade Castelo Branco (UCB) 2 Resumo: O avestruz (Struthio camelus australis Linnaeus, 1786) é originário da África e foi introduzido no Brasil na década de 90. Apesar de serem aves bastante resistentes, estas apresentam grande disposição a desenvolver doenças, principalmente parasitárias. Nossa pesquisa, nesse mérito, teve então como propósito primário, realizar exames coproparasitológicos e subseqüentemente identificar a presença de ovos de endoparasitas intestinais, verificar possibilidades de contaminações cruzadas entre espécies animais e viabilizar a melhor escolha de procedimentos para o seu manejo, combate e profilaxia. Após todo o experimento, ficou evidenciado nas análises de diagnóstico, a existência de oocistos de Isospora sp. e ovos de Alaria sp., Ascaris sp., Baylisascaris sp., Strongyloides sp. e tricostrongilídeos. Desta forma, nossa pesquisa termina comprovando a existência de ovos de endoparasitas intestinais pertencentes a outras espécies animais em fezes de avestruzes, que o parasitismo/parasitose se mostra menor quanto maior for as condições sanitárias e de manejo e que os gêneros de parasitas encontrados deveu-se provavelmente ao trânsito de outras espécies no plantel. Palavras-chave: Avestruz, endoparasitoses intestinais, métodos de diagnóstico Summary: The ostrich (Struthio camelus australis Linnaeus, 1786), which originates from Africa, was introduced in Brazil in the 1990’s. Whilst these birds are considered to be extremely resistant, they present a tendency to develop diseases, particularly the parasitic ones. This study aimed to carry out coproparasitological tests in ostriches and to identify the presence of eggs of intestinal endoparasites to verify the possibility of cross contaminations among animal species and to make the best choice for their handling, as well as control and prophylaxis. Analyses demonstrated the presence of Isospora sp. oocysts, as well as Alaria sp., Ascaris sp., Baylisascaris sp., Strongyloides sp. and trichostrongylides eggs. As such, our research demonstrated the presence of intestinal endoparasite eggs that belong to other animal species in ostrich feces. *Correspondência: angelicadacostapereira@yahoo.com.br Tel: +55 (22) 2739-6370 Parasite infection was observed to be lower when animals were maintained under better sanitary conditions and handling, furthermore, the parasite genera encountered were probably passed on due to the presence of other species in pens. Keywords: Ostrich, intestinal endoparasitosis, diagnostic method Introdução O avestruz (Struthio camelus australis Linnaeus, 1786), Ostrich na língua inglesa, é pertencente ao grupo das ratitas (aves não voadoras) sendo originário da África (Namíbia Botswana, África do Sul). Seu nome provém de duas importantes características dos avestruzes: correr em zigue zague para escapar de predadores (Struthio) e ser altamente resistente à falta de água (camelus) (Giannoni, 2004). Estas aves são bastante resistentes a doenças, tendo uma ótima capacidade de adaptação. São criadas com sucesso em países como Canadá, Estados Unidos da América, Europa, Israel e Austrália, e suportam bem temperaturas muito baixas ou muito altas (Duane e Mary, 1996; Cooper e Horbanczuk, 2002). Tem grande potencial para ser criado com sucesso no Brasil, graças a sua rusticidade, excelente adaptação e produtividade nas condições de nosso país, que por sua vez possui enormes áreas disponíveis para construção de inúmeros plantéis, e ainda conta com excelente clima e qualidade de terras para implantação desta atividade (Souza, 2004). A importância econômica da avaliação da população parasitológica destas aves se faz muito significante pela incerteza da dimensão do impacto destes parasitas na criação de avestruzes. O aspecto mais importante a ser considerado é se tais parasitas observados são ou não específicos de avestruzes, e se 189 Batista AMB et al. sua patogenicidade é também estendida a outras espécies de animais comumente criados no nosso país, tais como outras aves e mamíferos. Também paira a dúvida se estes parasitas são recentes ou não, e até que ponto pode influenciar na saúde humana (Reissig et al., 2001; Gordo et al., 2002). Avestruzes podem ser acometidos por uma ampla gama de parasitas, como o Toxoplasma gondii, que tem as aves como hospedeiros secundários (Foreyt, 2005; Hove e Mukaratirwa, 2005). Os parasitas do gênero Entamoeba acometem peixes, anfíbios, mamíferos e pássaros, entretanto, já foram detectados a presença de trofozoítas e cistos de Entamoeba em amostras de fezes de avestruzes em fazendas na Europa (Espanha). Estudos posteriores avaliaram características morfológicas destes cistos encontrados, e indicam uma nova espécie de Entamoeba nestas aves (Diaz et al., 2000; Gordo et al., 2004). Como para outras espécies animais, a maior parte dos parasitas referidos no avestruz encontram-se nas penas e no trato gastrointestinal (Gordo et al., 2002; Foreyt, 2005). Sendo estas aves também parasitadas por Culicoides sp., notabilizados em fazendas de avestruzes em Botswana, África (Mushi et al., 1999). Análises experimentais já identificaram 29 espécies de parasitas nos avestruzes, incluindo-se trematóides, cestóides e nematóides. Gordo et al. (2002) identificaram uma espécie de cestóide em seus experimentos, o Houttuynia struthionis, encontrando proglotes em aves mortas e em fezes de pintos da mesma criação analisada. Observou-se ainda fases adultas do parasita em aves adultas e proglotes na superfície fecal dos animais mais jovens. Dentre os parasitas, as helmintoses se destacam como importantes causadores de doenças, sendo algumas espécies responsáveis por taxas de mortalidade de até 50% entre filhotes (Bonadiman et al., 2006). Através do panorama exposto, nossa pesquisa objetivou a realização de exames coproparasitológicos, tendo como propósito primário identificar a presença de ovos de endoparasitas intestinais, numa contribuição à tão diversificada literatura, verificando também as possibilidades de contaminações cruzadas entre espécies animais, e viabilizando a melhor escolha de procedimentos para o seu manejo, combate e profilaxia. Material e métodos Foram realizadas duas coletas de amostras de material fecal de avestruzes no período entre julho a outubro de 2006, com intervalo médio de dois meses (julho/setembro) entre elas, em uma propriedade rural, localizada na região sul do estado do Espírito Santo, Brasil, cujo sistema de criação adotado é o semi-intensivo. A propriedade apresenta uma área de grande extensão, aproximadamente 50 hectares, com criação 190 RPCV (2008) 103 (567-568) 189-193 de avestruzes há mais de 10 anos, todos originários de Botswana, África. Existe nesta propriedade a presença de outras espécies animais, como é o caso de suínos, bovinos, ovinos, cães, gatos e aves, os quais circulam livremente pela localidade, inclusive com acesso aos piquetes dos avestruzes. A mesma possui assistência médico-veterinária, presença de rodolúvio, esquemas estratégicos de desparasitação, registro no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e boas condições sanitárias, segundo a normativa vigente para tal atividade (Instrução Normativa Conjunta, 2003). Em cada coleta obteve-se 45 amostras, provenientes de três grupos planejados, assim definidos: filhotes (15 dias a seis meses), engorda (10 a 18 meses) e reprodução (superior a dois anos), totalizando um total de 270. As fezes frescas dos avestruzes foram extraídas diretamente do chão, seguindo o protocolo determinado por Hoffmann (1987), ou seja, sempre evitando a coleta de materiais com sujidades, retirando apenas as partes superiores e internas das amostras. As mesmas foram acondicionadas em potes coletores de fezes devidamente etiquetados, mantidas à temperatura de 4 °C, com auxílio de caixa térmica e gelo para o transporte. Após esse procedimento, foram direcionadas ao Setor de Parasitologia do Laboratório de Sanidade Animal, Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuária, Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF). Cada amostra foi submetida aos métodos de análises qualitativas Willis Molley e Sedimentação Simples (Hoffmann, 1987; Bowman, 1995). Posteriormente, as mesmas foram conduzidas ao microscópio óptico, onde através de aumentos de 4, 10, 40 e 100X, os ovos dos parasitas presentes foram observados, analisados e devidamente diagnosticados, de acordo com critérios estabelecidos por Keith (1953), Freitas (1981), Ueno e Gonçalves (1998) e Sequeira e Amarante (2002). Resultados Nas amostras fecais obtidas de ambas as coletas, foram diagnosticados: 1) no grupo de filhotes - oocistos de Isospora sp., ovos de Baylisascaris sp. e Strongyloides sp.; 2) no grupo de engorda - oocistos de Isospora sp., ovos de Alaria sp., Baylisascaris sp., Strongyloides sp. e tricostrongilídeos; e, 3) no grupo de reprodução - oocistos de Isospora sp., ovos de Alaria sp., Ascaris sp. e Strongyloides sp. (Tabela 1). Na tabela apresentada é possível observar o grau de eliminação de ovos de parasitas em cada fase de criação. Para melhor compreensão dos resultados obtidos, consideramos as legendas classificatórias: ++++ grau máximo, +++ grau elevado, ++ grau médio e + grau Batista AMB et al. RPCV (2008) 103 (567-568) 189-193 mínimo, como quantidade de ovos eliminados de parasitas diagnosticados nos métodos aplicados. Os valores de quantidades demonstrados acima são apenas aparentes, sem qualquer afirmação numérica, uma vez que neste trabalho não se contou com a realização da técnica de ovos por grama de fezes (OPG), mas tomou como parâmetro o número aparente de ovos de parasitas por campo microscópico. Ficaram evidenciadas as boas condições em que os avestruzes se encontravam alojados nesta propriedade rural. Os pintos eram alocados em creche que possuía uma área aberta e outra coberta, onde os comedouros eram afastados do chão e dos bebedouros, e as fezes das aves removidas diariamente. Nesta creche não havia superlotação de animais. Ficavam alojadas nesta área as aves de um dia até três meses, sendo esta fase da vida dos avestruzes crucial para sua sobrevivência, uma vez que são nestas idades que surgem os maiores problemas em relação ao surgimento de doenças e problemas como diarréia e impactação. Nesta propriedade, as taxas de mortalidade de pintos de avestruz estavam entre 10 e 15%, e na maioria das vezes a perda das aves se dava por casos de fraturas e impactação, não sendo muito observado casos de diarréias entre os filhotes. Com relação às condições dos grupos de engorda, foi possível observar que as aves se encontravam em boas condições de saúde, sem sinais clínicos de alterações patológicas, além de ser possível notar as boas condições higiênicas e de manejo. Também observou-se que os grupos eram bastante amplos, o que é ideal para o desenvolvimento destas aves, uma vez que estas são corredoras e precisam se exercitar para um bom desenvolvimento muscular, principalmente das coxas e dorso, partes nobres e mais valorizadas. Já os grupos de reprodução, apresentavam-se bastante grandes, com área de pastagem e ótimas condições de higiene e sanidade animal. Esta exploração adota o sistema de casais e não de trios ou grupos de animais, o que além de reduzir bastante o estresse por parte das aves (competição por fêmeas, comida, sombra, entre outras), facilita bastante o manejo e monitoramento de cada casal em especial. Como os machos desta espécie tendem a "eleger" uma fêmea como predileta, e como conseqüência disto, tende a realizar mais coberturas nesta, o sistema de casais evita o problema de ovos não fecundados, como é comum ocorrer entre fêmeas que são criadas em grandes grupos. Ovos inférteis significam menos filhotes e maiores custos com incubadora, mão de obra e energia elétrica. Discussão Os avestruzes são aves que tem o hábito de se alimentar de praticamente quase tudo que está à disposição, graças ao seu paladar pouco desenvolvido e ao hábito de engolir direto o alimento. Também é comum entre os filhotes o hábito de se alimentar de fezes dos avestruzes adultos (coprofagia) e algumas vezes de outros animais, e por isso estes são freqüentemente acometidos por uma ampla gama de parasitas. A infecção, na maioria das vezes se dá de forma direta, ou seja, no momento em que a ave ingere ovos ou larvas infectantes de parasitas, presentes em folha- Tabela 1 – Ovos de parasitos diagnosticados, com seus devidos graus de infecção, obtidos das amostras fecais de avestruzes, de ambas as coletas, nos piquetes de filhotes, engorda e reprodução Ovos de parasitos Infecção Primeira coleta Segunda coleta Piquetes de filhotes Baylisascaris sp. - + Strongyloides sp. +++ +++ Oocistos de Isospora sp. ++ ++ Piquetes de engorda Alaria sp. + + Baylisascaris sp. ++ ++ Ostertagia sp. + + Strongyloides sp. +++ +++ Oocistos de Isospora sp. ++ +++ Piquetes de reprodução Ascaris sp. Alaria sp. ++ ++ + + Strongyloides sp. ++++ +++ Oocistos de Isospora sp. +++ +++ ++++ = grau máximo; +++ = grau elevado; ++ = grau médio; + = grau mínimo. 191 Batista AMB et al. gens, que compõem parte de sua alimentação na forma de volumoso, que chega a compor até 70% de sua alimentação em algumas explorações. Desta forma, o tipo de manejo e sistema de criação adotado pelas explorações influencia de maneira direta nos níveis de infestação por parasitas do trato gastrointestinal (Giannoni, 2004). Alguns estudos já mostraram que os avestruzes são aves bastante vulneráveis a diversos tipos de parasitas, principalmente os que parasitam o intestino, uma vez que outros órgãos não parecem albergar taxas significativas de parasitas. Mesmo quando em grande quantidade, a presença de parasitas nestas aves pode não ser acompanhada de sinais clínicos característicos, o que torna ainda mais interessante e importante à análise das amostras de fezes (Barton e Seward, 1993; Gordo et al., 2002; Foreyt, 2005; Bonadiman et al., 2006). Nesta pesquisa foram observados oocistos de Isospora sp. em pouca quantidade aparente, ovos de Ascaris sp., Baylisascaris sp. e Strongyloides sp. em média quantidade, e Alaria sp. e tricostrongilídeos em pequena quantidade. O gênero Strongyloides sp. está presente em outras espécies, como o caso dos bovinos e ovinos, e como esta propriedade conta com a presença destes animais com acesso direto à área reservada aos avestruzes, parecem estes estarem adquirindo tais parasitos através destas outras espécies. Parasitos destes gêneros foram freqüentemente encontrados em amostras de fezes de avestruzes em estudos anteriores (Barton e Seward, 1993; Huchzermeyer et al., 2000; Martins et al., 2005; Bonadiman et al., 2006). Baylisascaris sp. também foi diagnosticado neste experimento, talvez pelo mesmo motivo do gênero anterior, ou seja, as condições falhas de manejo estão favorecendo sua sobrevivência entre os avestruzes. Por este parasito ter potencial de acometer o homem, se faz necessária à realização de mais estudos sobre eles e a adoção de medidas de controle e erradicação destes parasitos (Willians et al., 1997; Kohek Junior, 1998). Outros ovos diagnosticados foram do gênero Ascaris, parasita gastrointestinal bastante difundido. É freqüentemente observado em aves domésticas, como perus, galinhas, entre outras (Shivaprasad, 2002; Foreyt, 2005). Já foi identificado em peixes, répteis aquáticos e mamíferos marinhos, demonstrando a ampla gama de possíveis hospedeiros (Nadler e Hudspeth, 2000). Este parasita compete com o hospedeiro pelos nutrientes, podendo debilitar as aves por ele acometidas, retardando o crescimento, sendo que, as aves mais jovens são mais suscetíveis a infecções (Aguilar et al., 2005). Como já descrito por Cooper (2005) e Foreyt (2005), os avestruzes podem ter seu trato gastrointestinal parasitado por esta helmintose. 192 RPCV (2008) 103 (567-568) 189-193 Oocistos de Isospora sp. foram, assim como nos demais, diagnosticados nesta pesquisa, uma possível explicação para a existência de tais ovos nas amostras, pode ser o fato de que cães e gatos transitam nesta área e os vermicidas da linha pet de maneira geral não se mostrarem eficientes no seu combate (Katagiri e Oliveira-Sequeira, 2007; Lorenzini et al., 2007). Então, apesar de existir algum programa de desparasitação, pode não estar sendo eficaz para este tipo de parasita. Alguns ovos de tricostrongilídeos foram diagnosticados, reforçando a hipótese de que a presença de cabras e ovelhas, tenha influenciado na parasitose dos avestruzes (Mattos et al., 1992, 2003). Neste estudo foram diagnosticados ovos do trematóide Alaria sp., em quantidade pequena, pois foram visualizados apenas alguns. Estes trematóides já foram estudados em experimentos anteriores e diagnosticados através de métodos qualitativos comuns em animais como martas, gatos e cães, entre outros carnívoros (Rigonatto et al., 2000). A presença deste tipo de ovo nas amostras fecais sugere que os avestruzes ao co-existirem com gatos domésticos estão se infectando. A não ocorrência de sinais clínicos característicos da infecção por parte destes parasitas, como é o caso de diarréia, algumas vezes com sangue, não os isenta da possibilidade de estarem infectados (Rigonatto et al., 2000). As doenças parasitárias das aves em geral são causadas por protozoários, nematóides, trematóides, cestóides e ectoparasitos, que são responsáveis por perdas consideráveis em um plantel (Aguilar et al., 2005). Parece haver entre os avestruzes uma maior pré-disposição a doenças nas aves jovens, principalmente com idades entre um dia a três meses (Carrer et al., 2004). As medidas de higiene efetuadas de maneira correta, assim como o manejo destas aves e desparasitação regular são fundamentais na prevenção e combate às parasitoses. O ideal seria que houvesse um diagnóstico coproparasitológico e posteriormente uma terapia de desparasitação em intervalos predeterminados e repetições subseqüentes periodicamente. Desta forma, nossa pesquisa termina estabelecendo as seguintes conclusões: 1) ficou comprovada como objetivo primário a identificação da presença de ovos de endoparasitas intestinais pertencentes a outras espécies animais em fezes de avestruzes; 2) os mesmos podem se comportar tanto como hospedeiros definitivos, quanto como hospedeiros paratênicos de diversos gêneros de parasitas; 3) alguns gêneros de parasitas encontrados deveu-se provavelmente ao trânsito de outras espécies nos piquetes; 4) quanto melhor as condições sanitárias e de manejo, menor a quantidade de parasitoses/parasitismo encontrada; e, 5) devido à inexistência de literatura e por ser a estrutiocultura uma inovação no Brasil, torna-se imprescindível maiores estudos, uma vez que alguns de seus parasitas exóticos em nosso país, podem acometer inclusive o ser humano. Batista AMB et al. Bibliografia Aguilar RF, Hernandez-Divers SN, Hernandez-Divers SJ (2005). Atlas de medicina, terapêutica y patologia de animales exóticos. 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República, A5, R/C E, 4830 Póvoa de Lanhoso 3 Centro de Recuperação de Aves Silvestres do Parque Florestal de Monsanto Estrada do Barcal, Monte das Perdizes, Parque Florestal de Monsanto 1500 Lisboa 4 Centro Interdisciplinar de Investigação em Saúde Anima, Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Técnica de Lisboa (TULisbon), Pólo Universitário do Alto da Ajuda, Avenida da Universidade Técnica, 1300-477 Lisboa (madeiradecarvalho@fmv.utl.pt) Resumo: Estudou-se a infecção por hemoprotozoários em aves de rapina das Ordens Falconiformes e Strigiformes alojadas em dois Centros de Recuperação portugueses. Foram analisadas 113 aves de 15 espécies de rapinas diurnas e 4 espécies de rapinas nocturnas. Foram identificadas duas espécies do Género Leucocytozoon (L. toddi e L. ziemanni) e seis espécies do Género Haemoproteus (H. elani, H. nisi, H. noctuae, H. syrnii, H. tinnunculi e H. tytoni). Todas as associações parasita-hospedeiro encontradas estavam descritas na literatura. A taxa de prevalência de amostras positivas a pelo menos um agente foi de 20,4%, 15,9% para Leucocytozoon spp. e 5,3% para Haemoproteus spp.. A prevalência de amostras positivas para Leucocytozoon spp., foi significativamente maior em Strigiformes do que em Falconiformes. Todos os outros factores analisados não afectaram de forma significativa a percentagem de amostras positivas de cada um dos Géneros de hemoprotozoários identificados. O significado geográfico, parasitológico, clínico e epidemiológico destes resultados é discutido, tendo em atenção a importância que estes parasitas podem assumir em aves de rapina de vida livre ou em cativeiro. Palavras-chave: aves de rapina, hemoprotozoários, Leucocytozoon, Haemoproteus, recuperação de fauna selvagem Summary: The infection of birds of prey (order Falconiformes and Strigiformes) by haemoprotozoa was studied in two portuguese wildlife rehabilitation facilities. 113 birds belonging to 15 species of diurnal birds of prey and 4 species of nocturnal birds of prey were sampled. Two Leucocytozoon species (L. toddi and L. ziemanni) and six Haemoproteus species (H. elani, H. nisi, H. noctuae, H. syrnii, H. tinnunculi and H. tytoni) were identified. All host-parasite relationships found were already described in the literature. Prevalence rate of samples positive for at least one agent was 20.4 %, 15,9 % for Leucocytozoon spp. and 5.3 % for Haemoproteus spp. Leucocytozoon prevalence rate was significantly higher in Strigiformes than in Falconiformes. All the other determinants studied didn’t affect apparent prevalence rate. These results are discussed in terms of geography, parasitology, clinics and epidemiology, concerning both free-living and captive populations of birds of prey. Keywords: birds of prey, haemoprotozoa, Leucocytozoon, Haemoproteus, wildlife rehabilitation Introdução O termo "aves de rapina" é utilizado para designar as aves das Famílias Falconidae (falcões), Accipitridae (abutres, águias, milhafres e outros) e Strigidae (mochos e corujas). Os estudos sobre parasitologia de aves de rapina são escassos em Portugal, com excepção de alguns trabalhos sobre hemoprotozoários efectuados no início do século XX (Bettencourt e França, 1907; França, 1912). Embora pioneiros a nível mundial, estes estudos permaneceram no esquecimento praticamente até à actualidade, seguindo a tendência geral do continente europeu até à década de 1980 (Bennett et al., 1982). Mais recentemente, foram apresentados alguns dados relativamente ao parasitismo por hemoprotozoários em aves de rapina a nível nacional (Madeira de Carvalho et al., 1997; Rebêlo, 2006). De um modo geral, os hemoprotozoários são considerados pouco patogénicos para aves de rapina, no entanto foram implicados em casos de mortalidade em juvenis no ninho, aves debilitadas e em populações sem contacto prévio com os parasitas (Olsen e Gaunt, 1985; Jenkins et al., 1989; Peirce, 1989; Ashford et al., 1990; Hunter et al., 1997; Peirce et al., 2004; Valkiunas, 2005). Existe alguma evidência de que estes parasitas podem diminuir os índices reprodutivos das aves e, segundo alguns autores, podem ser considerados como agentes de selecção natural das espécies (Korpimaki et al., 1993; Hakkarainen et al., 1998; Sol et al., 2003; Marzal et al., 2005; Tomé et al., 2005). 195 Santos NG et al. Após os trabalhos pioneiros de Bettencourt e França (Bettencourt e França, 1907, França, 1912), pretendeu-se com este estudo uma primeira abordagem sistemática ao tema em Portugal, conglutinando diverso material e resultados já apresentados (Madeira de Carvalho et al., 1997). O trabalho foi realizado com base em aves de rapina presentes em Centros de Recuperação, pela impossibilidade de conseguir uma amostra significativa destas aves em liberdade. Este estudo teve por objectivos a identificação de espécies de hemoprotozoários envolvidas e das associações parasita-hospedeiro, a determinação da sua prevalência em aves de rapina alojadas em Centros de Recuperação portugueses e a verificação do efeito de algumas variáveis, como a época do ano, na prevalência do parasitismo. Com este trabalho esperamos preencher algumas lacunas nesta área da Parasitologia dos animais silvestres em geral e das aves de rapina em particular, bem como proporcionar dados de interesse para os profissionais responsáveis na reabilitação e manutenção destas aves em cativeiro. RPCV (2008) 103 (567-568) 195-200 nocturnas). No PNRF foram analisados 67 aves, e no PNPG os restantes 46. Os factores registados foram a espécie, época do ano e hora da colheita da amostra. Estes factores foram registados como variáveis qualitativas categóricas (espécie, época do ano) ou quantitativas discretas (hora). A época do ano foi definida como Verão/época de reprodução (Abril a Julho), Inverno (Outubro a Janeiro) e Intermédia (Fevereiro, Março, Agosto e Setembro). A hora da colheita da amostra foi agrupada em 08.00-11.59 h, 12.00-15.59 h e 16.0019.59 h. Os dados de estatística descritiva foram obtidos com o programa "Microsoft Excel 97®". As diferenças de prevalências de acordo com a Ordem e Família das aves estudadas, tipo de alojamento, época de colheita e hora do dia foram analisadas pelo método do χ2 com um grau de significância de 0,05, com o programa "STATISTIX 7® for Windows, 2000, Analytical Software Version 7.0®. Resultados Material e métodos O estudo foi desenvolvido nos Centros de Recuperação do Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG) e do Parque Natural da Ria Formosa (PNRF), com base nas aves de rapina presentes (Ordem Falconiformes e Strigiformes, respectivamente rapinas diurnas e nocturnas). O trabalho incluiu aves em fase de recuperação e aves irrecuperáveis (aves cuja condição física ou comportamental não permite a sua libertação na natureza), desde que os animais se apresentassem clinicamente estáveis. Os trabalhos de campo decorreram entre Novembro de 1995 e Março de 1997. As aves foram capturadas nos seus alojamentos, com auxílio de um camaroeiro e luvas de couro, e posteriormente manipuladas com contenção física e a visão obstruída por um caparão. Após o exame do estado geral, foram colocadas em decúbito dorsal, com uma das asas em extensão. Em cada ave foi colhida uma pequena quantidade de sangue (até 0,1 ml) a partir da veia braquial, com seringas de 1 ou 5 ml e agulhas 23 G de 30 mm de comprimento. O sangue colhido foi utilizado para efectuar entre 1 e 4 esfregaços por escorregamento, os quais foram fixados por dessecação numa primeira fase e por imersão em metanol puro numa segunda fase, sendo então corados pelo corante de Giemsa. Em seguida foram observados ao microscópio óptico (Olympus CH2), durante 30 minutos, na ampliação 1000 x, e os parasitas presentes identificados de acordo com Bennett e Peirce (1988), Bishop e Bennett (1989), Peirce et al. (1990) e Bennett et al. (1992). Foram colhidas amostras em 113 aves pertencentes a 19 espécies (15 de rapinas diurnas e 4 de rapinas 196 Os hospedeiros observados, Géneros de hemoprotozoários assinalados e as respectivas prevalências aparentes estão descriminadas no Quadro 1. As espécies de hemoprotozoários infectantes e de hospedeiros infectados estão listadas nos Quadros 2 e 3, respectivamente para os Falconiformes e Strigiformes. Alguns exemplares dos Géneros Leucocytozoon e Haemoproteus estão assinalados nas Fotos 1 a 4. A percentagem de amostras positivas a pelo menos um agente foi de 20,4%, sendo esta proporção de 9,9% para os Falconiformes e de 63,6% para os Strigiformes. A diferença de taxa de prevalência entre Falconiformes e Strigiformes foi altamente significativa (p<0,01). Nos Falconiformes, não foram observadas diferenças significativas entre as famílias Accipitridae e Falconidae (p=0,740), nem entre as três espécies hospedeiras mais frequentes na amostra, Águia de asa redonda Buteo buteo, Águia cobreira Circaetus gallicus e Peneireiro de dorso malhado Falco tinnunculus (p=0,341). Também não foram encontradas diferenças significativas na prevalência consoante o Centro de Recuperação de alojamento (p>0,05). A prevalência de amostras positivas foi mais baixa no 4º trimestre e mais elevada no 3º, sobretudo devido às infecções por Leucocytozoon, enquanto as de Haemoproteus são mais comuns no 2º trimestre (Gráfico 1). No entanto as diferenças não foram significativas (p=0,135). A percentagem de amostras positivas a Haemoproteus foi mais elevada nas amostras colhidas nas últimas horas do dia (Gráfico 2), no entanto a diferença não foi significativa (p>0,05). Santos NG et al. RPCV (2008) 103 (567-568) 195-200 Tabela 1 - Hospedeiros, Géneros de hemoprotozoários assinalados e percentagem de positivos Hospedeiro Aquila chrysaetus – Águia real Accipiter gentilis – Açor Aegypius monachus – Abutre negro Buteo buteo – Águia de asa redonda Circaetus gallicus – Águia cobreira Circus pygargus – Tartaranhão cinzento Gyps fulvus – Grifo Hieraaetus fasciatus – Águia de Bonelli Hieraaetus pennatus – Águia calçada Milvus migrans – Milhafre preto Milvus milvus – Milhafre real Total Accipitridae Falco biarmicus – Falcão alfeneque Falco peregrinus – Falcão peregrino Falco subbuteo – Falcão tagarote Falco tinnunculus – Peneireiro dorso malhado Total Falconidae Total Falconiformes Asio flammeus – Coruja do nabal Bubo bubo – Bufo real Strix aluco – Coruja do mato Tyto alba – Coruja das torres Total Strigiformes Total geral N Infectados (%) Infectados por Leucocytozoon (%) Infectados por Haemoproteu (%) 1 6 1 34 11 3 2 1 5 7 1 72 1 1 3 13 19 91 3 14 3 2 22 113 0 2 (33,3) 0 5 (14,7) 0 0 0 0 0 0 0 7 (9,7) 0 0 1 (33,3) 1 (7,7) 2 (10,5) 9 (9,9) 2 (66,7) 8 (57,1) 3 (100) 1 (50,0) 14 (63,6) 23 (20,4) 0 2 (33,3) 0 5 (14,7 ) 0 0 0 0 0 0 0 7 (9,7) 0 0 0 0 0 7 (7,7) 1 (33,3) 8 (57,1) 2 (66,7) 0 11 (50,0) 18 (15,9) 0 1 (16,7) 0 1 (2,9) 0 0 0 0 0 0 0 2 (2,8) 0 0 0 1 (7,7) 1 (5,3) 3 (3,3) 1 (33,3) 0 1 (33,3) 1 (50,0) 3 (13,6) 6 (5,3) Gráfico 1 - Taxa de prevalência de Haemoproteus e Leucocytozoon por trimestre Gráfico 2 - Taxa de prevalência de Haemoproteus e Leucocytozoon ao longo do dia Haemoproteus Leucocytozoon Haemoproteus Leucocytozoon % positivos % positivos Infectados por hemoprotozoário não identificado (%) 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 (33,3) 0 1 (5,3) 1 (1,1) 0 0 0 0 0 1 (0,9) 1º trimestre 2º trimestre 3º trimestre 4º trimestre Figura 1 e 2 - Gametócitos de Haemoproteus elani em Águia de asa redonda (Buteo buteo), em esfregaços corados pelo Giemsa. Objectiva de 100 X (Original) 197 Santos NG et al. RPCV (2008) 103 (567-568) 195-200 Figura 3 e 4 - Gametócitos de Leucocytozoon ziemanni em Bufo real (Bubo bubo), em esfregaços corados pelo Giemsa. Objectiva de 40 X (Original). Os resultados foram idênticos ao analisar a taxa de prevalência amostral do Género Leucocytozoon, isto é, apenas foram assinaladas diferenças significativas entre Ordens taxonómicas (p<0,01). Por outro lado, a percentagem de amostras positivas do Género Haemoproteus não apresentou diferenças significativas entre grupos taxonómicos (Ordem ou Família) ou qualquer outro dos factores analisados. Foram encontrados dois casos de infecção mista, um por Leucocytozoon toddi e Haemoproteus nisi num Açor (Accipiter gentilis) e outro por Leucocytozoon toddi e Haemoproteus elani numa Águia de asa redonda (Buteo buteo). Discussão Do total de 113 aves de rapina examinadas, 20,4% estavam infectadas com hemoprotozoários, com uma taxa de prevalência de amostras positivas de 9,9% em Falconiformes e 63,6% em Strigiformes. O Género Leucocytozoon foi identificado em 15,9% da amostra e o Género Haemoproteus em 5,3% da amostra. Em trabalhos efectuados com aves de rapina em França, foram assinalados 29 a 39% de Falconiformes infectados por hemoprotozoários, valores superiores aos registados no presente estudo. Nos rastreios franceses, a espécie que apresentou uma taxa de prevalência mais elevada foi também a Águia de asa redonda (Buteo buteo), embora com níveis muito superiores (44 a 69%) comparativamente aos assinalados em Portugal. No entanto, estes autores encontraram uma taxa de prevalência em Strigiformes (24 a 43%) inferior à reportada no presente estudo (Lepoutre, 1982; Mikaelian e Bayol, 1991; Fromont, 1993). Krone et al. (2001) encontraram, em aves de rapina alojadas em Centros de Recuperação alemães, uma taxa de prevalência semelhante à do presente estudo para Falconiformes (11%), mas muito inferior para Strigiformes (13%). Este facto é particularmente evidente no Bufo real (Bubo bubo), em que esses autores não encontraram hemoprotozoários em nenhuma das 8 aves estudadas. Sacchi e Prigioni (1984), citados por Krone et al. (2001), referem 22% de Falconiformes e Strigiformes infectados em Itália. Em Espanha, Muñoz et al. (1999) encontraram uma taxa de prevalência muito superior Tabela 2 - Distribuição de espécie de hemoprotozoário por hospedeiro e associações parasita-hospedeiro em Falconiformes. Hospedeiro Accipiter gentilis – Açor Buteo buteo – Águia de asa redonda Falco tinnunculus – Peneireiro de dorso malhado Total Leucocytozoon toddi 2 5 0 7 Haemoproteus nisi 1 0 0 1 Haemoproteus elani 0 1 0 1 Haemoproteus tinnunculi 0 0 1 1 Tabela 3 - Distribuição de espécie de hemoprotozoário por hospedeiro e associações parasita-hospedeiro em Strigiformes. Hospedeiro Asio flammeus – Coruja do nabal Bubo bubo – Bufo real Strix aluco – Coruja do mato Tyto alba – Coruja das torres Total 198 Leucocytozoon ziemanni 1 8 2 0 11 Haemoproteus syrnii 0 0 1 0 1 Haemoproteus noctuae 1 0 0 0 1 Haemoproteus tytoni 0 0 0 1 1 Santos NG et al. em Falconiformes (46,3%) mas inferior em Strigiformes (30,5%). No Japão, 17 de 30 aves de rapina nocturnas admitidas num Centro de Recuperação estavam infectadas por hemoprotozoários, principalmente Haemoproteus, mas não foi detectada infecção em 19 Falconiformes (Murata, 2002). Lepoutre (1982), Muñoz et al. (1999) e Krone et al. (2001) referem taxas de prevalência mais elevadas para o Género Leucocytozoon comparativamente a Haemoproteus, em Falconiformes, à semelhança do registado no nosso estudo. No entanto, Mikaelian e Bayol (1991) apresentam prevalências superiores para Haemoproteus. Krone et al. (2001) referem prevalências semelhantes para Leucocytozoon e Haemoproteus em Strigiformes, em desacordo com o que encontrámos nos Centros de Recuperação portugueses. De referir que, em Espanha, Peirce et al. (1983) apenas encontraram rapinas infectadas com Leucocytozoon e Muñoz et al. (1999) encontraram uma prevalência de Leucocytozoon muito superior, quer em Falconiformes quer em Strigiformes. Em Portugal, Tomé et al. (2005) encontraram Leucocytozoon ziemanni, numa população selvagem de Mocho galego (Athene noctua) no sul de Portugal, numa percentagem de 41%. Enquanto mais de 80% das aves adultas desta população tinham infecções patentes, menos de 10% dos juvenis estavam na mesma situação. A composição etária da amostra estudada pode assim influenciar a prevalência amostral. Estes dados parecem confirmar a hipótese de que a prevalência de Leucocytozoon decresce de norte para sul no continente europeu, embora apenas em Falconiformes (Peirce, 1981). Uma variação geográfica semelhante também foi proposta para o Género Leucocytozoon no continente americano, mas não para Haemoproteus, o qual apresenta uma distribuição mais homogénea (Greiner et al., 1975). Este fenómeno pode ser explicado pela ubiquidade do principal vector de Haemoproteus (insectos do Género Culicoides), ao contrário do vector de Leucocytozoon (insectos da família Simuliidae), cujas necessidades de habitat são mais restritas, nomeadamente quanto a cursos de água corrente. No entanto foi sugerido que, na Europa, também Leucocytozoon pode ser transmitido por Culicoides (Ashford et al., 1991). O facto de não termos encontrado diferenças significativas na prevalência de Leucocytozoon entre os dois Centros de Recuperação, um situado num habitat propício para Simuliidae (PNPG, com muitos rios de montanha) e outro num habitat desfavorável (PNRF, numa zona costeira plana) sugere que a infecção não ocorre nos Centros de Recuperação, mas que as aves dão entrada nos mesmos já infectadas. Os nossos dados sugerem também que a época do ano parece afectar a prevalência da infecção por hemoprotozoários em aves de rapina, embora de RPCV (2008) 103 (567-568) 195-200 forma estatisticamente não significativa. O aumento muito marcado da sua prevalência na época de reprodução, verificado em aves em liberdade, pode estar associado com mudanças hormonais e com o desvio de recursos energéticos para a actividade reprodutiva (Ashford et al., 1990, 1991; Fromont, 1993; Deerenberg et al., 1997; Valkiunas, 2005). O facto das aves por nós estudadas se encontrarem em cativeiro, com pouca actividade de natureza reprodutiva, pode explicar a redução da amplitude desta flutuação sazonal da prevalência. No entanto Krone et al. (2001) detectaram diferenças sazonais na prevalência de hemoprotozoários em Águias de asa redonda (Buteo buteo) alojadas em Centros de Recuperação na Alemanha. Todas as associações parasita-hospedeiro por nós encontradas já estavam descritas na literatura (Fromont, 1993). Não foi encontrada sintomatologia associada à infecção por hemoprotozoários em nenhuma das aves incluídas neste estudo, nomeadamente anemia e emagrecimento, como referido por outros autores. Neste estudo reportamos dados sobre o parasitismo por hemoprotozoários em aves de rapina alojadas em Centros de Recuperação em Portugal, onde se destaca uma taxa de infecção de nível médio, cerca de 20%, e a alta taxa de infecção das aves de rapina nocturnas (Ordem Strigiformes), cerca de 64%. O facto de estas rapinas estarem infectadas em maior percentagem poderá, por um lado, ser consequência da sua maior actividade noctívaga e, por outro, da sua nidificação em buracos nas árvores e edifícios, coincidindo com a maior actividade dos vectores destes hemoprotozoários e com locais que podem constituir microbiótopos óptimos para o desenvolvimento destes mesmos vectores. Atendendo à importância deste tipo de parasitas em termos de ecologia, evolução e conservação das aves de rapina, é fundamental obter dados tanto sobre espécimes em liberdade como sobre aves em centros de recuperação, para determinar a influência do stresse de cativeiro, incluindo a manipulação, no favorecimento de infecções por hemoprotozoários e na sua expressão em termos clínicos. Agradecimentos Aos responsáveis pelos Centros de Recuperação do PNRF e do PNPG por terem permitido o acesso às aves em recuperação, e aos respectivos tratadores por terem auxiliado na colheita das amostras. Ao Centro de Investigação Interdisciplinar em Sanidade Animal, Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Técnica de Lisboa (CIISA/FMV) por ter financiado este estudo e ao seu Coordenador, Professor Doutor Luís Manuel Morgado Tavares, pelo interesse manifestado no desenvolvimento deste trabalho. 199 Santos NG et al. Bibliografia Ashford R, Green E, Holmes P, Lucas A (1991). Leucocytozoon toddi in British Sparrowhawks Accipiter nisus: patterns of infection in nestlings. J Nat Hist, 25, 269-277. Ashford R, Wyllie I, Newton I (1990). Leucocytozoon toddi in british Sparrowhawks (Accipiter nisus): observations on the dynamics of infection. J Nat Hist, 24: 1101-1107. Bennett G e Peirce M (1988). Morphological form in the avian Haemoproteidae and an annotated checklist of the genus Haemoproteus Kruse, 1890. J Nat Hist, 22: 16831696. Bennett G, Earlé R, du Toit H, Huchzermeyer F (1992). A host-parasite catalogue of the haematozoa of the subsaharan birds. Ond J Vet Res, 59(1): 1-71. 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Leite3 1 Departamento de Tecnologia de Alimentos da Universidade Federal Fluminense Higiene Veterinária e Processamento Tecnológico de Produtos de Origem Animal da UFF 3 Universidade Federal do Rio de Janeiro 2 Resumo: A Escherichia coli é considerada um patógeno emergente e pode ocasionar doenças de origem alimentar de sintomas brandos até quadros mais graves como a colite hemorrágica. Estas bactérias estão presentes no trato gastrointestinal dos animais, sendo comum a contaminação da carcaça e cortes de carne durante o abate e o processamento. A metodologia tradicional de enumeração de E. coli em alimentos é muito demorada e dispendiosa, por conseguinte, métodos miniaturizados vêm sendo pesquisados por diversos cientistas na área de microbiologia. Além disso, vem ocorrendo grande interesse pelos métodos microbiológicos que visem a redução de gastos na aplicação das técnicas analíticas laboratoriais alimentícias, desde que apresentem sensibilidade e especificidade da metodologia tradicional. Nesta pesquisa, a partir de amostras de acém (inteiro e moído) e de carne de aves, enumerou-se coliformes totais e E. coli através de metodologia miniaturizada e comparou-se os resultados com os padrões estabelecidos pela legislação brasileira. Das amostras de carne bovina e de aves analisadas, 13,33% e 20% respectivamente, apresentaram-se fora do padrão estabelecido. Metodologias rápidas e miniaturizadas apresentam vantagens sobre a metodologia tradicional com diminuição dos custos e menor tempo de análise, proporcionando um diagnóstico fidedigno e com maior rapidez. Summary: Escherichia coli is considered an emerging pathogen and can cause food-borne illnesses from mild symptoms to the most serious such as hemorrhagic colitis. These bacteria are present in the gastrointestinal tract of animals and are common to contamination of carcasses and cuts of meat during slaughter and processing. The traditional method of enumeration of E. coli in food is very time consuming and expensive, therefore, miniaturized methods are being researched by several scientists in the field of microbiology. Furthermore, much interest has occurred by microbiological methods to reduce costs of the application of analytical techniques laboratory products, provided that they have sensitivity and specificity of traditional methodology. In this research, from chuck steak samples (whole and ground) meat and poultry, it listed total coliform and E. coli through miniaturized methodology and compared the results with the *Correspondência: robsonmf@vm.uff.br Tel: +55 (21) 26283221/ 26299542/ 88828287 standards established by Brazilian legislation. Samples of beef and poultry examined, 13.33% and 20% respectively, showed up outside the established standard. Rapid and miniaturized methods have advantages over the traditional methodology with lower costs and shorter time of analysis, providing an accurate diagnosis and more quickly. Introdução A carne bovina é considerada um alimento de origem animal com elevado teor de proteínas de alto valor biológico, necessárias para a manutenção do estado hígido. Porém, ao cominuir esse alimento nobre com alto valor nutricional, muitos fatores podem colaborar em comprometer este alimento nos aspectos de inocuidade, pois a moagem ao aumentar a área de superfície, facilita o crescimento e desenvolvimento microbiano. Aliado a este fato, a alta manipulação com baixo padrão higiênico-sanitário permite a multiplicação bacteriana e o desenvolvimento de bactérias patogênicas como E. coli. A carne de aves é também um alimento de alto valor nutritivo e de grande importância à viabilidade orgânica e recuperação das funções fisiológicas. Porém, devido à excelente composição nutricional, é um alimento muito perecível. Como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), através da Resolução RDC nº 12, de 02 de janeiro de 2001 (Brasil, 2001), exige a enumeração de coliformes como prova analítica para liberação de carnes bovinas e de aves para consumo, essa enumeração em produtos cárneos é largamente pesquisada por diversos autores na área de microbiologia, e muitos deles detectaram altas contagens dessas bactérias em carnes bovinas e de aves como descrito por Leite et al. (1988), Costa et al. (2000), Delú et al. (2006) e Cardoso et al. (2005). A Escherichia coli é a espécie predominante entre 201 Franco RM et al. os diversos microrganismos anaeróbios facultativos que fazem parte da microbiota intestinal de animais de sangue quente. O significado da sua presença nos alimentos indica contaminação microbiana de origem fecal e, portanto condições higiênicas insatisfatórias; e o outro aspecto a ser considerado é que diversas linhagens são comprovadamente patogênicas para o Homem e os animais. A enumeração laboratorial de E. coli auxilia na detecção do perigo potencial de uma toxinfecção alimentar através da água e dos alimentos fornecidos ao consumo (Franco e Landgraf, 1996). O método tradicional da técnica de tubos múltiplos para detecção de coliformes totais e termotolerantes é laborioso e demorado, pois envolve várias etapas presuntiva e confirmativa, levando no mínimo 48 horas para identificação presuntiva. Recentemente, novos métodos vêm sendo desenvolvidos como forma alternativa para os métodos convencionais, baseados na tecnologia de substratos específicos marcados com indicadores cromogênicos e/ou fluorogênicos. A incorporação desses substratos em um meio seletivo pode eliminar a necessidade de subculturas e posteriores testes bioquímicos para identificação de certos microrganismos (Manafi, 2000). Segundo Bastholm et al. (2008) e Nikaeen et al. (2009), a bioluminescência baseada em atividade enzimática pode reduzir potencialmente o tempo de análise de bactérias indicadoras, tais como coliformes, em água potável. A enumeração de E. coli em alimentos deve ser realizada de forma rápida e fidedigna para que o laudo microbiológico seja expedido o quanto antes para a liberação do produto no mercado. Desta forma, métodos miniaturizados vêm sendo pesquisados por diversos cientistas na área de microbiologia. Ao invés da metodologia tradicional de enumeração de coliformes, que demora em torno de uma semana para concluir-se o diagnostico, outros meios de cultuta vêm sendo utilizados para agilizar o procedimento como o Caldo "Fluorocult". O meio "Fluorocult Broth" é um caldo de enriquecimento seletivo para a detecção simultânea de coliformes totais e E. coli em água e em alimentos. Através da adição de um substrato cromogênico, 5-bromo-4-cloro-3-indolil-D-galactopiranoside (X-GAL), que é quebrado pelos coliformes, e um substrato fluorogêncio, 4-metilumberiferi-D-glucoronide (MUG), que é muito específico para E. coli, a detecção simultânea de coliformes totais e E. coli é possível. Este método agiliza o diagnóstico proporcionando um resultado em até 24 h de incubação. A presença de coliformes é indicada pela coloração verde azulada do caldo e a E. coli pela fluorescência quando visualizada sob iluminação ultavioleta. Posteriormente, a reação do indol confirma a presença de E. coli (Merck, 2007). Algumas autoridades internacionais em microbiologia alimentar industrial têm desenvolvido trabalhos 202 RPCV (2008) 103 (567-568) 201-207 enfatizando métodos rápidos, miniaturizados e de automação para que sejam validados e aceitos internacionalmente, tais como os descritos por: Fung e Cox (1981), Cox et al. (1984), Fung et al. (1984), Fung et al. (1988), Ligugnana e Fung (1990). Nos trabalhos acima aludidos, as modificações inseridas nos métodos aplicados na indústria e comercialização de alimentos, são sumariadas em cinco categorias: aperfeiçoamento da amostragem e preparação das amostras; miniaturização dos procedimentos convencionais e desenvolvimento de "kits" para diagnósticos; modificações nos procedimentos de contagem de células viáveis; desenvolvimento de novos métodos para estimar a população microbiana e identificar microrganismos por instrumentos e métodos sofisticados. Os objetivos desta pesquisa foram enumerar coliformes totais e Escherichia coli, a partir de carne bovina e de aves, comparando os resultados obtidos frente aos padrões de identidade e qualidade nacionais vigentes, constantes na Resolução RDC nº 12 e avaliar a eficiência da metodologia rápida e miniturizada e do meio fluorogênico para enumeração destas bactérias. Material e métodos Foram analisadas quinze amostras de carne bovina inteira, onde o corte selecionado foi o acém, e quinze amostras desta carne moída adquiridas em estabelecimentos comercias incluindo supermercados e açougues de diferentes níveis sociais do município de Niterói – RJ, totalizando trinta amostras de acém e também trinta amostras de coxas de frango obtidas em abatedouros e supermercados do Município do Rio de Janeiro, RJ. As análises bacteriológicas foram realizadas no laboratório de Controle Microbiológico de Produtos de Origem Animal da Faculdade de Veterinária da Universidade Federal Fluminense, onde foram realizados a enumeração de coliformes totais e de bactérias da espécie Escherichia coli. Neste projeto foram efetuadas algumas mudanças operacionais nas técnicas laboratoriais, objetivando maior rapidez e economia no diagnóstico bacteriológico. Os tubos de ensaio foram substituídos por "eppendorf", utilizaram-se pipetadores automáticos acoplados com pontas esterilizadas para preparo e inoculações de 0,1 mL (100 µL) das diferentes diluições em 1 mL (1000 µL) do meio caldo seletivo "Fluorocult". As pontas contidas em "rack" apropriados foram esterilizadas em autoclave a 121 ºC/15 minutos, tal como os meios de cultura, cujo controle da esterilização era confirmado com o uso de ampolas (bioindicador). Foram utilizados 0,9 mL de solução salina peptonada 0,1% para diluições em série, em "eppendorf" ao invés de 9 mL desta solução; os meios de cultura foram acondiciona- Franco RM et al. RPCV (2008) 103 (567-568) 201-207 dos assepticamente no volume de 1 mL (1000 µL) ao invés de 10 mL, em tubos "eppendorf" , no momento de uso. A tabela de Mac Crady (Tabela 1) foi utilizada para o cálculo do número mais provável. Entretanto, a unidade subamostral permaneceu original (25 g homogeneizada em 225 mL), isto é, a proporção entre a alíquota semeada e a solução diluente permaneceu constante 1:10 para não ocorrerem resultados falso negativos. A metodologia utilizada para enumeração, isolamento e identificação de Escherichia coli foi a descrita por Merck (2000) onde foram pesados assepticamente 25 g da amostra e homogeneizados juntamente com 225 mL de solução salina peptonada a 0,1% em "stomacher". Prosseguiu-se fazendo as diluições 10-2, 10-3, 10-4,10-5, 10-6 e 10-7. Foram semeadas séries de três "eppendorf" contendo cada um 1 mL (1000 µL) do meio "Fluorocult LMX Broth Modified acc. to Marrafi and Osmer". A incubação foi a 35-37 ºC por 24-48 horas e logo após procedeu-se a leitura e interpretação do teste. Foi determinado o Número Mais Provável (NMP), tanto para coliformes totais como para fecais, de acordo com os "eppendorf" positivos. Os "eppendorf" que apresentaram fluorescência Tabela 1 - Tabela de Mac Crady utilizada para a determinação do número mais provável 0,1 0 0 0 0 0 0 1 1 1 1 1 1 1 1 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 3 3 3 3 3 3 3 3 3 3 3 3 3 3 3 Número de Tubos Positivos 0,01 0 0 1 1 2 3 0 0 0 1 1 2 2 3 0 0 0 1 1 1 2 2 2 3 3 0 0 0 1 1 1 1 2 2 2 2 3 3 3 3 NMP/g ou mL 0,001 0 1 0 1 0 0 0 1 2 0 1 0 1 0 0 1 2 0 1 2 0 1 2 0 1 0 1 2 0 1 2 3 0 1 2 3 0 1 2 3 <3,0 3,0 3,0 6,1 6,2 9,4 3,6 7,2 11 7,4 11 11 15 16 9,2 14 20 15 20 27 21 28 35 29 36 23 38 64 43 75 120 160 93 150 210 290 240 460 1100 >1100 Intervalo Confiança (95%) Inferior Superior -.9,5 0,15 9,6 0,15 11 1,2 18 1,2 18 3,6 38 0,17 18 1,3 18 3,6 38 1,3 20 3,6 38 3,6 42 4,5 42 4,5 42 1,4 38 3,6 42 4,5 42 3,7 42 4,5 42 8,7 94 4,5 42 8,7 94 8,7 94 8,7 94 8,7 94 4,6 94 8,7 110 17 180 9 180 17 200 37 420 40 420 18 420 37 420 40 430 90 1000 42 1000 90 2000 180 4100 420 -.- Fonte: Brasil, 2003 203 Franco RM et al. RPCV (2008) 103 (567-568) 201-207 verde azulada na presença da luz ultravioleta eram considerados coliformes fecais. Por outro lado, os que demonstraram somente coloração verde azulada, eram tidos como coliformes totais. Para a confirmação, realizou-se a prova do indol nos "eppendorf" Fluorocult positivos, pingando-se gotas de reativo de Kovacs sobre o cultivo. Aqueles cultivos que apresentaram um anel vermelho na superfície foram considerados positivos para E. coli. Resultados e discussão Para melhor entendimento dos resultados encontrados nas provas analíticas deste experimento, sugere-se a consulta da Tab. 2 onde consta que, na amostra de carne bovina inteira o número de coliformes totais variou de 2,8x102 NMP/g a >1,1x107 NMP/g, e o de coliformes termotolerantes variou de <3 NMP/g a 1,5x105 NMP/g. As quinze amostras de carne bovina inteira (100%) apresentavam-se contaminadas por E. coli patogênicas. Nesta mesma tabela, observa-se para a amostra moída que o número de coliformes totais variou de 2,1x102 NMP/g a >1,1x107 NMP/g, e o de coliformes termotolerantes variou de 4,0x10 NMP/g a 7,5x105 NMP/g. Além dos coliformes totais oriundos de ambientes não fecais, a presença de E. coli, indica que também houve contaminação de origem fecal na produção, processamento, armazenamento inadequado das amostras e/ou falta de higiene dos manipuladores, podendo indicar até a presença de enteropatógenos e deterioração potencial do alimento. De acordo com a Resolução RDC número 12, de 02 de janeiro de 2001 (Brasil, 2001), a qual aprova o Regulamento sobre padrões microbiológicos para alimentos, a tolerância para amostra indicativa de coliformes termotolerantes para carne refrigerada é no máximo 104. Assim sendo, verifica-se que 13,33% das amostras inteiras apresentaram contaminação por coliformes termotolerantes acima do permitido. Em relação às amostras moídas, não existe um padrão específico para a quantidade de coliformes termotolerantes presente na amostra, entretanto comparando-se com a amostra inteira, 26,66% das amostras moídas mostraram-se contaminadas com número acima do máximo permitido. Kasnowski (2004) apresentou resultados semelhantes quando analisou amostras de carne bovina (alcatra) inteira e moída, através da utilização do caldo "Fluorocult", onde a variação do resultado da enumeração de coliformes totais e termotolerantes foi respectivamente de 4,0x103 NMP/g a 1,1x106 NMP/g e 0 NMP/g a 2,4x103 NMP/g para carne interia e de 4,4x103 NMP/g a 2,5x107 NMP/g e 0 NMP/g a 3,0x105 NMP/g para moída. Leite et al. (1988) analisou diferentes alimentos e observou que 100% as amostras examinadas apresentaram coliformes totais em contagens significativas e 56% tiveram NMP de coliformes termotolerantes acima de 5,0x102 NMP/g, inclusive as amostras de carne moída que apresentaram 3,5x104/g coliformes. Resultados semelhantes em análise bacteriológicas de carne bovina também Tabela 2 - Resultados das análises de coliformes a partir de amostras de cortes de carne bovina (acém, peça inteira e moída) 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 MÉDIA Amostras inteiras CT(NMP) NMP/g 3,6x104 2,8x102 2,4x104 5,3x104 >1,1x107 5,3x105 2,1x104 2,1x105 1,5x104 1,9x105 >1,1x107 1,5x106 1,1x107 >1,1x107 1,5x104 3,1x106 CTer(NMP) NMP/g 1,5x102 1,5x10 2,3x10 7,5x10 1,1x10 1,5x104 4,3x10 1,5x105 2,3x10 7,0x103 4,0x102 7,0x103 4,0x102 0,9x10 <3 1,2x104 CT – Coliformes totais CTer – Coliformes termotolerantes NMP – Número mais provável NMP/g –Unidades Formadoras de Colônia por grama de alimento 204 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 Amostras moídas CT(NMP) NMP/g 2,9x103 1,2x104 >1,1x107 2,3x103 >1,1x107 2,1x105 2,1x102 4,3x103 3,9x104 4,4x105 >1,1x107 >1,1x107 >1,1x107 >1,1x107 4,2x105 4,5x106 CTer(NMP) NMP/g 4,3x102 9,x102 4,3x10 9,3x10 4,3x10 7,5x104 7,0x10 2,3x103 3,0x102 3,0x103 4,0x10 7,5x105 2,3x104 2,1x104 4,0x10 5,8x104 Franco RM et al. RPCV (2008) 103 (567-568) 201-207 foram encontradas por Costa et al. (2000) ao verificarem que 10% das 30 amostras estavam contaminadas com coliformes totais, 90% com coliformes termotolerantes e 40% positivas para E. coli. Conforme resultados encontrados demonstrado na Tab. 3, a média do NMP de coliformes termotolerantes nas amostras de carne de aves analisadas foi 9,8x105 NMP/g, variando de <3 NMP/g a 2,9x107 NMP/g, ocorrendo em doze amostras (40%). Na contagem de coliformes totais, a média foi 2,0x107 NMP/g com valores variando de <3 NMP/g a >2,4x108 NMP/g, sendo que somente uma (3,33%) amostra apresentou o menor valor. Das treze amostras positivas para E. coli, nove (69%) foram adquiridas em abatedouros clandestinos, evidenciando que os cuidados com as práticas higiênicas muitas vezes são negligenciados, confirmando o perigo da comercialização da carne clandestina e a necessidade de uma inspeção sanitária eficiente. Dentre as amostras de carne de aves analisadas, 24 (80%) enquadraram-se nos padrões de qualidade e identidade da legislação vigente, consideradas próprias para o consumo. Enquanto que seis (20%), obtiveram contagem de E. coli superior ao estabelecido pelo padrão (104 NMP/g), sendo cinco delas (83%), provenientes de abatedouros sem inspeção. Delú et al. (2006), avaliaram as condições higiênicosanitárias de trinta amostras de cortes de frango resfriados, comercializados em dez estabelecimentos diferentes do município de Lavras - MG e revelaram que 100% das amostras estavam contaminadas com coliformes totais e fecais, porém dentro dos padrões estabelecidos pela legislação. Cardoso et al. (2005) também avaliaram a qualidade microbiológica de 29 carcaças e 35 cortes de frango oriundos de abatedouros avícolas de São Paulo, e os valores mínimos e máximos do NMP para coliformes fecais por grama de carcaça (<3 NMP/g e 9,6x102 NMP/g) e cortes de frango (<3 NMP/g e 11,2 x102 NMP/g) obtidos foram bem mais baixos que o presente Tabela 3 - Resultados das análises de coliformes de amostras de coxas de frango Amostra 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 Média Origem Trailer Aviário Supermercado Supermercado Supermercado Açougue Supermercado Supermercado Supermercado Supermercado Trailer Açougue Açougue Supermercado Supermercado Açougue Supermercado Açougue Feira Supermercado Supermercado Supermercado Supermercado Feira Feira Supermercado Aviário Aviário Feira Açougue CT (NMP) NMP/g 1,1x105 2,3x103 4,0x103 <3,0 2,7x104 >1,1x106 4,3x103 4,0x102 1,1x104 3,5x104 2,1x108 1,1x105 1,1x107 4,0x103 >1,1x106 >1,1x107 2,4x108 6,2x102 2,4x105 2,3x103 4,3x104 1,5x104 2,8x104 2,0x105 >1,1x108 2,9x105 2,4x107 4,0x102 2,4x105 9,3x103 2,0x107 CTer(NMP) NMP/g 2,4x104 2,3x103 <3,0 <3,0 <3,0 <3,0 9,0x102 <3,0 7,0x103 1,1x104 2,9x107 9,3x104 2,9x105 <3,0 <3,0 <3,0 <3,0 <3,0 4,3x103 <3,0 <3,0 <3,0 2,3x103 9,3x103 9,3x103 <3,0 4,3x104 <3,0 <3,0 <3,0 9,8x105 CT – Coliformes Totais CF – Coliformes termotolerantes 205 Franco RM et al. trabalho, todas consideradas próprias para o consumo. A metodologia rápida e miniaturizada mostraram-se eficiente para enumeração de coliformes totais e E. coli nas amostras de carne bovina e de aves, podendo ser utilizada de forma rotineira nas pesquisas microbiológicas de alimentos por ser um método mais rápido, econômico e com sensibilidade e especificidade semelhantes a metodologia tradicional. Estudo prévio realizado por Beloti et al. (2002) em amostras de leite, também revelou eficiência do caldo "Fluorocult" para enumeração de coliformes, com a vantagem de ser facilmente utilizado e requerer menor tempo de análise do que a metodologia convencional. Gleissler et al. (2000) e Suwansonthichai e Rengpipat (2003) compararam a eficiência destes métodos rápidos com os convencionais em amostras de água do mar e camarão, respectivamente, e concluíram que o meio "Fluorocult" é sensível e específico na determinação de E. coli, sendo uma alternativa apropriada na enumeração deste microrganismo. Manafi e Kremsmaier (2001) compararam diferentes meios de cultura fluorogênicos/cromogênicos para detecção de E. coli O157:H7 com o ágar convencional Mac Conkey Sorbitol e relataram que na análise de amostras de alimentos, o ágar Mac Conkey Sorbitol apresentava 57,3% de resultados falso positivos, enquanto que o ágar "Fluorocult" O157:H7 6,2%, indicando comportamento insatisfatório do ágar convencional. Na pesquisa realizada por Mantilla et al. (2005) onde comparou-se a eficiência do método fluorogênico (meio "Fluorocult") utilizando-se tubos "eppendorf" para a enumeração de coliformes fecais com a metodologia tradicional em amostras de frango resfriadas, foi comprovada a inexistência de diferença estatisticamente significativa entre os dois métodos, concluindo-se, assim, que este método rápido pode ser utilizado para a enumeração de coliformes fecais, possuindo a vantagem de ser um método mais prático e econômico. E de acordo com o resultado obtido por Bastholm et al. (2008) em seu estudo, a análise de água potável apresentou resultados comparáveis para enumeração de coliformes através da técnica tradicional, Colilert18 e da bioluminescência com o Caldo "Fluorocult". No trabalho desenvolvido por Dogan et al. (2002), comparou-se a metodologia tradicional (tubos múltiplos com o Caldo LST) para enumeração de E. coli com o método fluorogênico rápido (MUG) em 500 amostras de alimentos. Foi encontrada uma conformidade entre os dois métodos em 81,8% das amostras analisadas, em 16,2% das amostras houve um resultado numericamente maior no método fluorogênico. De acordo com a análise estatística realizada por esses autores, através do coeficiente de correlação de Pearson e teste do qui-quadrado, foi constatada uma diferença significativa entre os dois métodos, indicando que o método rápido foi mais 206 RPCV (2008) 103 (567-568) 201-207 confiável que o tradicional, visto que das 500 amostras analisadas, 409 (81,8%) apresentaram resultados idênticos para os dois métodos, enquanto 81 (16,2%) apresentaram valores mais elevados na contagem bacteriana pelo método rápido e apenas 10 (2,0%) apresentaram maiores valores de contagem pelo método tradicional. Nikaeen et al. (2009) comparou o desempenho de caldo LMX ("Fluorocult") como um ensaio enzimático com a metodologia tradicional dos tubos múltiplos para a detecção de coliformes em amostras de água potável. Das 50 amostras testadas, 8 (16%) e 7 (14%) continham coliformes totais e E. coli, como indicado pelas duas técnicas. Embora em média, a contagem de coliformes totais e E. coli foi mais altas no método LMX, não houve diferença significativa. Esses autores concluíram que o ensaio enzimático demonstrou ser um método rápido e menos dispendioso, permitindo a detecção simultânea de coliformes totais e E. coli. Conclusões Verificou-se que 13,33% das amostras de carne bovina inteiras apresentaram contaminação por coliformes termotolerantes acima do permitido pela legislação brasileira, não sendo consideradas aptas para consumo. Em relação às amostras moídas, não existe um padrão específico para este grupo bacteriano, entretanto comparando-se com a amostra inteira, 26,66% das amostras moídas mostraram-se contaminadas com número acima do máximo permitido. Das treze amostras de carne de frango, 24 (80%) se enquadraram nos padrões de qualidade e identidade da legislação vigente, enquanto que seis (20%), obtiveram contagem de E. coli superior ao estabelecido pelo padrão (104), sendo portanto, impróprias ao consumo. Fato este, que deve servir como alerta às autoridades sanitárias, sendo motivo de maior fiscalização aos estabelecimentos, principalmente sobre os clandestinos. A metodologia miniaturizada foi eficaz na enumeração de coliformes totais e termotolerantes quer seja em amostras inteiras e moídas de carne bovina e de carne de aves, pois em nenhuma delas ocorreu resultado falso negativo. Nesta metodologia pode ser observado que o NMP do coliforme total foi sempre superior ao NMP do coliforme termotolerante, o que conclui-se que além de coliformes totais oriundos de ambientes não fecais, também houve contaminação no processamento tecnológico de obtenção das amostras por coliformes termotolerantes que denotam contaminação de origem fecal. Além disso, a miniaturização tornou o procedimento técnico mais fácil e minimizou os riscos de manipulação; as pontas e pipetas automáticas otimizaram a técnica por reduzir o tempo no preparo das diluições e Franco RM et al. os riscos de acidentes quando se trabalha com pipetas de vidro; a redução dos volumes de solução salina peptonada de 9 mL para 0,9 mL (900 µL) e dos meios de cultura de 10 mL para 1 mL (100 µL), economizaram em 10 vezes as quantidades utilizadas, reduzindo os custos. Bibliografia Bastholm S, Wahlstrøm L, Bjergbæk LA e Roslev P (2008). 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T. de Oliveira Universidade Federal Fluminense Resumo: No mundo inteiro, ultimamente tem ocorrido surtos de doenças transmissíveis por alimentos tendo como agente etiológico cepas de Escherichia coli, colocando em alerta o serviço de vigilância sanitária de alimentos e a comunidade científica, havendo necessidade de suporte para inspeção sanitária de métodos de análises bacteriológicas em produtos de origem animal, para diagnóstico completo e definitivo. A pesquisa teve como objetivo enumerar, isolar e identificar sorogrupos de E. coli em 100 amostras de suínos abatidos em matadouro mediante aplicação de quatro metodologias diferentes. Entre os tipos de amostras comestíveis analisadas, aquelas que apresentaram menor e maior enumeração de E. coli foram as da cavidade torácica e as da cavidade pélvica respectivamente. O método que possibilitou o isolamento de maior número de colônias foi o de Mehlman e Lovett (1984) modificado. Foram isolados sorogrupos EPEC, EIEC e EHEC. A reação de polimerase em cadeia demonstrou a presença de estirpe O157:H-. A presença dos sorogrupos de E. coli nas amostras comestíveis, ressalta a necessidade de se colocar em prática o sistema nacional e internacional da inocuidade de produtos de origem animal, para que a carne suína não seja veiculadora de enfermidades transmissíveis por alimentos, tendo como agente etiológico sorogrupos patogênicos ou oportunistas de E. coli, e que através de dejetos industriais, não tratados, estas cepas, inclusive O157:H-, não seja inserida na cadeia alimentar. Palavras-chave: Escherichia coli, comparação de métodos, carne suína Summary: Recently, throughout the world, there have been outbreaks of diseases transmissible through food, whose etiological agents are variants of E. coli, putting food safety services and the scientific community on alert, with the consequent need to support the sanitary inspection services with methods of bacteriological analysis of products of animal *Correspondência: robsonmf@vm.uff.br Tel: + 55 (21) 2629 9045 origin, for complete and definitive diagnosis. This study aimed to enumerate, isolate and identify serum groups of E. coli in 100 samples of swine collected in slaughterhouse through application of four different methodologies. Among the types of samples analyzed, those that had lower and higher enumeration of E. coli were the thoracic cavity and pelvic cavity respectively. The method which allowed the isolation of the highest number of colonies was that of Mehlman and Lovett (1984) modified. The serum groups EPEC, EIEC and EHEC were isolated. The polymerise chain reaction technique showed the presence of variant O157:H-. The presence of serum groups of E. coli in the samples highlights the need to put into practice the national and international system of safety of products of animal origin, so that pork will not be a source of illness caused by etiological agents such as pathogen or opportunistic E. coli, and that through non-treated industrial waste these variants, including O157:H-, do not contaminate the food chain. Keywords: Escherichia coli, comparative methods, pork meat Introdução A carne suína pode sofrer contaminações e possíveis alterações bacterianas em função de fatores intrínsecos e extrínsecos tais como: sanidade animal, criação zootécnica (raça, tipo de manejo, alimentação, prevenção de doenças pelo uso adequado de vacinas); pH, potencial de oxi-redução e umidade da própria carne. Estes fatores podem determinar contaminações cruzadas, resultando em carnes com elevada carga bacteriana e possível contaminação de origem fecal, onde a Escherichia coli se destaca no cenário nacional e internacional como um microrganismo de importância em sanidade animal, higiênico-sanitária e saúde coletiva. A espécie bacteriana denominada Escherichia coli é um bastonete Gram negativo, não esporulado, oxidase negativa, móvel por flagelos peritríquios ou não móvel, anaeróbia facultativa capaz de fermentar a 209 Franco RM et al. glicose e a lactose com produção de ácidos e gases, pertencente à família Enterobacteriaceae (Acha e Szyfres, 2001). Com base nos fatores de virulência, manifestações clínicas, epidemiologia e sorotipagem, as estirpes de E. coli consideradas patogênicas são agrupadas em cinco classes: EPEC (E. coli enteropatogênica clássica), EIEC (E. coli enteroinvasora), ETEC (E. coli enterotoxigênica), EHEC (E. coli entero-hemorrágica) e EAggEC (E. coli enteroagregativa), sendo que a E. coli patogênica pode ser diferenciada das variedades não patogênicas através da imunologia e de outros métodos incluindo a sorotipagem essencial para os estudos epidemiológicos (Trabulsi e Toledo, 1989). No Brasil, EPEC é responsável por cerca de 30% dos casos de diarréia aguda em crianças pobres com idade inferior a seis meses, com predominância dos sorotipos O111:[H-], O111:[H2], O119:H6 e O55:H6. As bactérias pertencentes ao grupo ETEC são importantes causas de diarréia. A doença atinge pessoas de todas as faixas etárias, sendo considerados um dos principais agentes etiológicos da chamada "diarréia dos viajantes", acometendo indivíduos que se locomovem de áreas desenvolvidas para regiões com problemas de saneamento básico (Franco e Landgraf, 2008). A Escherichia coli sorotipo O157:H7, tida como uma bactéria emergente, causa um quadro agudo de colite hemorrágica, através da produção de grande quantidade de toxina, provocando severo dano à mucosa intestinal. O quadro clínico é caracterizado por cólicas abdominais intensas e diarréia, inicialmente líquida, mas que se torna hemorrágica na maioria dos pacientes. A doença é auto-limitada, com duração de 5 a 10 dias. Aproximadamente 15% das infecções por E. coli O157:H7, especialmente em crianças menores de cinco anos e idosos, podem apresentar uma complicação chamada Síndrome Hemolítica Urêmica (SHU), caracterizada por destruição das células vermelhas do sangue e falência renal que pode ser acompanhada de deterioração neurológica e insuficiência renal crônica (Divisão de Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar, 2009). As técnicas convencionais de cultivo compreendem a fase de recuperação da célula danificada, enriquecimento seletivo, plaqueamento seletivo e técnica sorológica para a detecção específica de Escherichia coli produtora de diarréia (diarreiogênica). Inúmeros meios líquidos são usados para enriquecimento seletivo de Escherichia coli. Os mais comumente usados são caldo EC e caldo lauril sulfato; que possuem agentes seletivos como verde brilhante e bile, e lauril sulfato de sódio respectivamente (Merck, 1994). Usa-se ainda caldo MacConkey e caldo GN (Varnam e Evans, 1996). O sorotipo O157:H7 possui características fenotípicas que são utilizadas no desenvolvimento de meios 210 RPCV (2008) 103 (567-568) 209-218 seletivos para seu isolamento. MacConkey-sorbitol ágar foi desenvolvido para isolamento e identificação presuntiva deste sorotipo incapaz de fermentar o sorbitol em 24 horas (CDC, 2000). A Reação de Polimerização em Cadeia (PCR) é um método rápido, sensível e específico, freqüentemente usado para determinar a presença de patógenos em humanos, bovinos e alimentos. Recentemente, numerosos grupos têm desenvolvido protocolos PCR multiplex usando dois ou mais pares de "primer" para aumentar a especificidade para identificação de Escherichia coli O157:H7, mantendo sua habilidade em detectar outros sorotipos (Franco & Landgraf, 1996; Gomes et al., 1999). De acordo com Kawasaki et al. (2009), a PCR é um método valioso de avaliação rápida para a detecção de E. coli O157:H7 em alimentos, incluindo produtos cárneos. Após a reflexão da importância que a E. coli vem ocupando na higiene de produtos de origem animal, na análise de perigos e pontos críticos de controle e no controle de qualidade bacteriológica desses produtos, foi desenvolvida pesquisa com objetivo de avaliar a ocorrência de Escherichia coli em 100 amostras de suínos abatidos em matadouros e isolar e identificar sorogrupos de E. coli, mediante aplicação de quatro metodologias diferentes: método 1 - Enumeração de coliformes, onde utilizou-se a metodologia descrita por Hitchins et al. (1995) e Kornacki e Johnson (2001); método 2 - Método SimplateTM para coliformes totais e Escherichia coli, o qual seguiu as recomendações descritas por Townsend et al. (1996); método 3 - Isolamento e diferenciação de estirpes enterohemorrágicas (EHEC) e Escherichia coli O157:H7, onde utilizou-se a metodologia preconizada pela Merck (1996); método 4 - Pesquisa de colônias de Escherichia coli enteropatogênica que utilizou-se a metodologia descrita por Mehlman e Lovett (1984) com algumas modificações. Material e métodos Foram analisadas, após a divisão de 20 animais em meias carcaças, 100 amostras de carne suína, sendo 20 amostras da região interna da papada (correspondente à área de ferida de sangria), 20 de pleura e músculos intercostais (cavidade torácica entre 4ª e 7ª costelas), 20 da cavidade pélvica (região sub-sacral próxima à base da cauda), 20 de linfonodos mesentéricos e 20 de fezes da região íleo-ceco-cólica de suínos escolhidos aleatoriamente, abatidos em abatedouro frigorífico, sob a Inspeção Estadual, clinicamente saudáveis e julgados aptos para o consumo após inspeção "ante e post - mortem", e provenientes dos estados do Rio de Janeiro (Magé e Rio Bonito), Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina. Sendo que os linfonodos mesentéricos e fezes que foram obtidas antes da divisão, em bolsas plásticas para "stomacher" esterilizadas. Dos dife- Franco RM et al. rentes pontos de obtenção das amostras, somente foram semeadas subamostras da parte carnosa, pois a parte gordurosa sempre foi retirada assepticamente, através de bisturis e lâminas esterilizadas e descartáveis. No caso dos linfonodos houve a total separação do "epíploon" e gordura. As amostras foram, então, identificadas, numeradas e transportadas sob refrigeração (em caixa isotérmica sob ação indireta do gelo) ao laboratório onde foram mantidas congeladas a -18 ºC, em conformidade com o armazenamento das carnes suínas, até o momento em que foram descongeladas "over night", em geladeira, a 2 ºC para serem analisadas bacteriologicamente. Foram utilizados quatro métodos, no método 1 (enumeração de coliformes) utilizou-se a metodologia descrita por Hitchins et al. (1995) e Kornacki e Johnson (2001). Esta metodologia foi usada nas amostras de carne da região interna da papada correspondente à área de ferida de sangria, da cavidade torácica entre 4ª e 7ª costelas, e da cavidade pélvica por estar em concordância com o protocolo dos padrões microbiológicos de identidade e qualidade vigentes (Brasil, 2001). Essa metodologia é dividida em teste presuntivo onde 25 gramas da amostra foram homogeneizadas com 225 mL de Solução Fosfatada Tamponada (SFT) de Butterfield e realizaram-se as diluições e o Caldo Lauril Sulfato (CLS), teste confirmativo onde o subcultivo de cada tubo positivo de CLS foi transferido para tubos contendo Caldo Verde Brilhante Bile Lactose "VBBL" e tubos com Caldo EC contendo um tubo de Durham invertido. Analisou-se a produção de gás, registrando-se os tubos positivos de cada diluição a partir dos quais foi calculado o Número Mais Provável (NMP) de coliformes totais e termotolerantes por grama da amostra, conforme Tabela 1. Posteriormente, realizou-se o teste completo onde usou-se o Ágar Eosina Azul de Metileno Lactose, de onde foram selecionadas colônias típicas e procedeu-se a bacterioscopia por imersão para verificar-se a presença de bastões Gram negativos. Foram realizadas as seguintes provas bioquímicas: Ágar SIM, Ágar Tríplice Açúcar Ferro, Agar Citrato de Simmons. Vermelho de metila, Voges Proskauer, oxidação e fermentação do sorbitol, oxidação e fermentação do manitol, oxidação e fermentação da celobiose, descarboxilação da l-ornitina, Ágar EPM, Ágar MILI. As colônias típicas foram estocadas em caldo Infusão Cérebro Coração com 20% de glicerol à temperatura de -20 ºC, para em seguida serem sorotipadas. Para a soroaglutinação em placa com anti-soros poli e monovalentes seguiu-se a metodologia descrita por Ewing (1986). A confirmação bioquímica dos isolados foi verificada pelo sistema API20 E utilizado conforme especificação do fabricante. O método 2 (Método SimplateTM para coliformes totais e Escherichia coli) seguiu as recomendações RPCV (2008) 103 (567-568) 209-218 descritas por Townsend et al. (1996), sendo usada nas mesmas amostras de carne suína citadas para o método 1. A tampa da base da placa do Simplate foi removida em condições de esterilidade, sendo dois mililitros do homogeneizado vertidos na plataforma central da base da placa e imediatamente foram adicionados 10 mL do meio para coliformes totais e Escherichia coli. O conteúdo da placa (homogeneizado + meio) foi distribuído uniformemente pelas concavidades girando-se gentilmente a placa no sentido horário e anti-horário. Procedeu-se à incubação das placas invertidas por 24 horas à 37 ºC. Após este período, as concavidades coloridas (do laranja ao vermelho) foram contadas e consideradas positivas para coliformes totais. Paralelamente, a placa foi exposta à radiação ultravioleta a para contagem das concavidades fluorescentes consideradas positivas para Escherichia coli. As concavidades coloridas que não fluoresciam foram positivas para coliformes totais, porém negativas para Escherichia coli. O número de concavidades coloridas e o número de concavidades fluorescentes foi comparado com a tabela de NMP para obter-se o NMP de coliformes totais e Escherichia coli, respectivamente. No método 3 (Isolamento e diferenciação de estirpes enterohemorrágicas (EHEC) e Escherichia coli O157:H7), utilizou-se a metodologia preconizada pela Merck (1996), sendo aplicado nas mesmas amostras de carne suína citadas para o método 1 e também nos linfonodos mesentéricos e fezes da região íleo-ceco-cólica. Para o preparo, 25 gramas de cada tipo de amostra que foram acondicionadas em bolsa "stomacher" e adicionadas de 225 mL de caldo Lauril Sulfato sendo homogeneizadas. O homogeneizado foi incubado por 24 horas à 37 ºC e foram semeados 0,1 mL do subcultivo crescido no caldo, na superfície de Agar Escherichia coli O157:H7 fluorocult em placas. As colônias sorbitol negativas ou positivas foram analisadas mediante uma lâmpada Ultra Violeta com referência à formação de fluorescência. As colônias sorbitol negativas ou positivas, com ou sem fluorescência e isoladas, foram identificadas por biotipificação e testes sorológicos conforme descritos anterioremente. Para o método 4 (Pesquisa de colônias de Escherichia coli enteropatogênica) utilizou-se a metodologia descrita por Mehlman e Lovett (1984) com algumas modificações, sendo analisada as mesmas amostras referidas no método 2. As amostras analisadas foram pesadas em 25 gramas e acondicionadas em bolsa "stomacher", adicionadas de 225 mL de Caldo Infusão Cérebro Coração. O homogeneizado foi transferido para um frasco Erlenmeyer de capacidade de 500 mL e incubado por três horas à 35 ºC para a recuperação das células danificadas. Foi feita a semeadura direta em placas contendo Ágar Eosina Azul de Metileno Lactose seg Levine, Ágar MacConkey Sorbitol, Ágar Telurito Cefixima Sorbitol 211 Franco RM et al. MacConkey, Ágar Escherichia coli O157:H7 Fluorocult e Ágar "Hemorrhagic colitis" isento de MUG. Sendo todos os meios incubados por 18 - 24 horas à 35 ºC. Posteriormente foi feito um enriquecimento seletivo para isolar Escherichia coli enteropatogênica com o Caldo Triptona Fosfato com dupla concentração e incubados à 44 ºC ± 0,2 ºC por 20 horas. O subcultivo crescido no Caldo foi semeado nos mesmos meios utilizados na semeadura direta. Por fim foi realizada a biotipificação conforme anteriormente descrito. A colônia sorotipada como EHEC foi testada para PCR, utilizando-se PCR multiplex para os genes "shiga toxin" stx1, stx2, eaeA sendo PCR1 segundo China et al. (1996) e PCR2 segundo Paton e Paton (1998) no Laboratório de Microbiologia e Imunologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), usando-se a amostra de Escherichia coli K-12DH5∝ como controle negativo e as amostras Escherichia coli E40705 (O157:H7, stx1/eaeA) e Escherichia coli E30138 (O157:H7, stx2/eaeA) como controles positivos, sendo estas oriundas da CPHL-UK. Para a amplificação dos genes que codificam a subunidade A de stx1, a subunidade A stx2 (incluindo as variantes conhecidas de stx2) e a região do gene que codifica eaeA, foram utilizados os "primers" descritos originalmente por China, Pirson e Mainil (1996). Estes "primers" foram originalmente denominados stx1-F(5’AGA GCG ATG TTA CGG TTT G 3’) e stx1-R(5’ TTG CCC CCA GAG TGG ATG 3’); stx2-F(5’ TGG GTT TTT CTT CGG TAT C3’); stx2-R (5’ GAC ATT CTG GAC TCT CTT 3’) e EP1(5’ AGG CTT CGT CAC AGT TG 3’) e EP2 (5’ CCA TCG TCA CCA GAG GA 3’) para eaeA. O produto da amplificação da seqüência stx1 consiste em um fragmento de DNA com peso molecular de 388 pb, da seqüência stx2 em fragmento de 807 pb da seqüência eaeA em fragmento de 570 pb. A análise dos fragmentos amplificados procedeu-se em eletroforese, em gel agarose a 1,8% por 50 minutos em 130v/130mA, com brometo de etídeo (5 mg/mL). Para aumentar a densidade do DNA, facilitar a dispersão das bandas e acompanhamento da corrida acrescentou-se o corante azul de bromofenol. Observaram-se os brancos em aparelho transiluminador e fotografaram-se as bandas em câmara polaróide. Resultados Enumeração de coliformes, coliformes fecais e Escherichia coli – métodos 1 e 2 Nas amostras da região interna da papada correspondente à área de ferida de sangria para o método 1 a variação de coliformes, coliformes fecais e Escherichia coli foi respectivamente < 2 UFC/g a 212 RPCV (2008) 103 (567-568) 209-218 46 UFC/g, < 2 UFC/g a 33 UFC/g e de ausência a 33 UFC/g, sendo que cinco (25%) amostras, quatro (20%) amostras e quatro (20%) amostras estavam contaminadas por coliformes, coliformes fecais e Escherichia coli, respectivamente. Para fins estatísticos o NMP < 2 UFC/g foi considerado como zero, pelo fato de tal resultado oferecer a combinação de 0 – 0 – 0 na primeira, segunda e terceira séries, respectivamente, significando ausência de crescimento (Tabela 1). O NMP de coliformes fecais foi o mesmo de Escherichia coli, pois todos coliformes fecais foram identificados como Escherichia coli. O NMP para o método 2 teve variação, respectiva, de coliformes totais e Escherichia coli de zero (ausência) a 28 UFC/g e de zero (ausência) a 18 UFC/g, nas amostras. Cinco (25%) amostras estavam contaminadas por coliformes totais e Escherichia coli. As amostras da cavidade torácica entre 4ª e 7ª costelas apresentaram-se contaminadas por coliformes, as demais estavam isentas deste grupo. Em nenhuma das amostras foram encontrados coliformes fecais ou Escherichia coli. Para o método 2, duas (10%) amostras apresentaram-se contaminadas por coliformes totais (dois coliformes por amostra) e em nenhuma amostra foi detectada a presença de coliformes fecais ou Escherichia coli. Pelo método 1, para as amostras da cavidade pélvica, os coliformes, coliformes fecais e Escherichia coli, variaram respectivamente de < 2 UFC/g a 1600 UFC/g, de < 2 UFC/g a 1600 UFC/g e de ausência a 1600 UFC/g, cujo percentual de contaminação ocorreu em 14 (70%) amostras para os respectivos microrganismos. O NMP dos coliformes fecais foi o mesmo de Escherichia coli e todos os coliformes fecais foram identificados como Escherichia coli. Considerando-se o método 2, o NMP para coliformes totais e Escherichia coli, variou de zero a 276 UFC/g, e de zero a 195 UFC/g, respectivamente; sendo que em treze (65%) amostras foram encontrados os microrganismos em questão. Isolamento e diferenciação de estirpes enterohemorrágicas (EHEC) e Escherichia coli O157:H7 – método 3 O número de colônias suspeitas de Escherichia coli nas diferentes amostras pelo método 3, foram as seguintes: na região interna da papada correspondente à área de ferida de sangria 18 (sendo nenhuma EHEC e nem EPEC), na cavidade torácica entre 4ª e 7ª costelas 20 (sendo nenhuma EHEC e nem EPEC); na cavidade pélvica 24 (sendo nenhuma EHEC e nem EPEC); nos linfonodos mesentéricos 36 sendo 1 EPEC e nas fezes 48 sendo 1 EHEC, deixando claro que dentre os tipos de amostras que são usadas para consumo, àquelas oriundas da cavidade pélvica apresentaram maior número de colônias confirmadas, Franco RM et al. RPCV (2008) 103 (567-568) 209-218 Tabela 1- Tabela de Mac Crady utilizada para a determinação do número mais provável Número de Tubos Positivos 0,1 0,01 NMP/g ou mL 0,001 Intervalo Confiança (95%) Inferior Superior 0 0 0 <3,0 -.- 9,5 0 0 1 3,0 0,15 9,6 0 1 0 3,0 0,15 11 0 1 1 6,1 1,2 18 0 2 0 6,2 1,2 18 0 3 0 9,4 3,6 38 1 0 0 3,6 0,17 18 1 0 1 7,2 1,3 18 1 0 2 11 3,6 38 1 1 0 7,4 1,3 20 1 1 1 11 3,6 38 1 2 0 11 3,6 42 1 2 1 15 4,5 42 1 3 0 16 4,5 42 2 0 0 9,2 1,4 38 2 0 1 14 3,6 42 2 0 2 20 4,5 42 2 1 0 15 3,7 42 2 1 1 20 4,5 42 2 1 2 27 8,7 94 2 2 0 21 4,5 42 2 2 1 28 8,7 94 2 2 2 35 8,7 94 2 3 0 29 8,7 94 2 3 1 36 8,7 94 3 0 0 23 4,6 94 3 0 1 38 8,7 110 3 0 2 64 17 180 3 1 0 43 9 180 3 1 1 75 17 200 3 1 2 120 37 420 3 1 3 160 40 420 3 2 0 93 18 420 3 2 1 150 37 420 3 2 2 210 40 430 3 2 3 290 90 1000 3 3 0 240 42 1000 3 3 1 460 90 2000 3 3 2 1100 180 4100 3 3 3 >1100 420 -.- Fonte: Brasil, 2003 213 Franco RM et al. RPCV (2008) 103 (567-568) 209-218 Tabela 2 - Eficiência dos diferentes tipos de meios empregados no método 4 (semeadura direta e enriquecimento) nos diferentes tipos de amostras, para isolamento de E. coli Tipo de amostra A B C D E Tipo de semeadura Direta Enriquecimento Direta Enriquecimento Direta Enriquecimento Direta Enriquecimento Direta Enriquecimento Total Meio de cultura EMB Mac Lac Mac Sorb TC-Smac O157:H7 HC 35 °C HC 44,5 °C EMB 6 28 0 30 10 22 12 33 18 30 189 Mac Lac 4 26 0 24 6 48 6 42 24 42 222 Mac Sorb 2 16 0 20 0 34 11 42 12 36 173 Desvio padrão 4,09 10,71 11,08 3,89 18,70 12,59 11,45 TCSmac 0 2 0 6 0 10 0 0 0 6 24 O157:H7 HC35°C HC44,5°C 0 11 0 22 0 57 0 48 12 36 186 4 7 0 30 0 28 6 27 24 42 168 4 11 0 21 0 39 6 30 12 36 159 Mediana 30 42 34 6 36 28 30 Total (colônias) 20 101 0 153 16 238 41 222 102 228 1121 Média * 26,6 a 36,4 a 29,6 a 4,8 b,c 34,8 a,c 26,8 a 27,8 a * Letras iguais: não há diferenças; e letras diferentes; têm diferenças estatíticas significativas (p<0,05) Sendo: A- Região interna da papada correspondente à área de ferida de sangria B- Cavidade torácica entre 4ª e 7ª costelas (pleura e músculos intercostais) C- Cavidade pélvica (região sub-sacral próxima à base da cauda) D- Linfonodos mesentéricos (região íleo-ceco-cólica) E- Fezes (região íleo-ceco-cólica) porém, nenhuma delas pertence às categorias EPEC ou EHEC. Pesquisa de Escherichia coli enteropatogênica (Mehlman e Lovet, 1984c) modificado – método 4 Encontra-se na Tabela 2 o número de colônias de Escherichia coli confirmadas por tipo de amostra no método acima mencionado, onde o número de colônias isoladas por enriquecimento sempre foi superior ao número de colônias isoladas por plaqueamento direto. O meio Ágar Escherichia coli O157:H7 e Meio MacConkey sorbitol apresentaram número maior e igual de sorogrupos identificados entre os meios de plaqueamento testados. Pela análise de variância os dados não apresentaram diferença significativa entre si. Na Tabela 3 é encontrado o número de colônias suspeitas e confirmadas pelos métodos um, três e quatro onde no método 4 sempre houve maior número de colônias suspeitas e confirmadas pela semeadura, após enriquecimento, do que pela semeadura direta, sendo que das 1584 colônias suspeitas, 59,47% 214 (942/1584) foram confirmadas. Pela análise estatística houve diferença significativa (p<0,05) entre os tipos de métodos utilizados no isolamento e identificação de Escherichia coli. Tais diferenças entre os métodos pelo teste de TukeyKramer, ocorreram entre Met1cT X Met4B, Met1cF X Met4B, Met3 X Met4B. Considerando-se que entre os métodos testados, o método 4 foi o que apresentou o maior número de colônias confirmadas. Na Tabela 4 é encontrado o número de colônias isoladas em cada um dos meios de plaqueamento seletivo quer seja por plaqueamento direto quer por enriquecimento em cada tipo de amostra pesquisada. Pela análise de variância houve diferença estatística significativa (p<0,05) entre a semeadura direta e enriquecimento independentemente do tipo de meio de plaqueamento usado. Não ocorreu diferença estatística significativa entre os tipos de meios usados nas semeaduras entre os diferentes tipos de amostras analisadas. Isto possivelmente, foi prejudicado pela grande quantidade de zeros (resultados negativos). Pelo método de Tukey-Kramer houve diferença (P<0,05) entre: EMB e TC-SMAC, MAC-LAC e TC-SMAC, MAC SORB e TC-SMAC, TC-SMAC e O157:H7. Utilizou-se PCR em apenas um isolamento identifi- Franco RM et al. RPCV (2008) 103 (567-568) 209-218 Tabela 3 - Ocorrência de colônias H2S (+) e de sorogrupos de Escherichia coli identificados nos diferentes métodos analíticos bacteriológicos aplicados Método Total de colônias 66 78 0 264 306 1584 2298 Mét.1 CT Mét.1 CF Mét.2* Mét.3 Mét.4A Mét.4B Colônias H2S (+) 39 17 0 118 121 642 937 Colônias (+) nos T.B. 27 61 0 146 185 942 1361 Sorologia EIEC EHEC 0 0 0 0 0 0 0 1 1 0 3 0 4 1 EPEC 0 0 0 1 2 9 12 Total 0 0 0 2 3 12 17 * Mét2 foi excluído da análise estatística por diferença discrepante dos demais, por apresentar valores iguais a zero. Método Mét.1 CT Mét.1 CF Mét.3 Mét.4A Mét.4B Desvio padrão 27,39 36,56 107,57 126,43 653,36 Mediana 33 39 132 153 792 Média * * 33,00 a 39,00 a 132,50 a 153,75 a,b 795,00 b * * Letras iguais; não há diferenças; e letras diferentes: têm diferenças estatísticas significativas (p<0,05). Tabela 4 - Eficiência dos diferentes tipos de meios empregados no método 4 (semeadura direta e enriquecimento) nos diferentes tipos de amostras, para isolamento de E. coli. Tipo de amostra A B C D E Tipo de semeadura Direta Enriquecimento Direta Enriquecimento Direta Enriquecimento Direta Enriquecimento Direta Enriquecimento Total Meio de cultura EMB Mac Lac Mac Sorb TC-Smac O157:H7 HC 35°C HC 44,5°C EMB 6 28 0 30 10 22 12 33 18 30 189 Mac Lac 4 26 0 24 6 48 6 42 24 42 22 Mac Sorb 2 16 0 20 0 34 11 42 12 36 17 Desvio padrão 4,09 10,71 11,08 3,89 18,70 12,59 11,45 TCSmac 0 2 0 6 0 10 0 0 0 6 24 O157:H7 HC35°C HC44,5°C 0 11 0 22 0 57 0 48 12 36 186 4 7 0 30 0 28 6 27 24 42 168 4 11 0 21 0 39 6 30 12 36 159 Mediana 30 42 34 6 36 28 30 Total (colônias) 20 101 0 153 16 238 41 222 102 228 1121 Média * 26,6 a 36,4 a 29,6 a 4,8 b,c 34,8 a,c 26,8 a 27,8 a * Letras iguais: não há diferenças; e letras diferentes; têm diferenças estatíticas significativas (p<0,05). cado sorologicamente como EHEC-O157, pois apesar do mesmo apresentar-se como sorbitol positivo e MUG positivo, comportou-se negativamente frente aos sorogrupos pertencentes às categorias (EPEC A, EPEC B, EPEC C, EIEC A e EIEC B). A sorologia positiva foi também confirmada em testagem no Laboratório de Microbiologia e Imunologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), sendo em seguida corroborada com a identificação de cepa O157:H- por PCR nesta mesma Universidade. Discussão A ocorrência das categorias de Escherichia coli foi relativamente baixa, sendo este resultado similar aos encontrados por outros pesquisadores ao estudarem Escherichia coli em produtos cárneos. Reis et al. (1980) encontraram Escherichia coli patogênica em 5%, 7,5% e 10% de amostras de quibe, hambúrguer e salsicha, respectivamente. Franco et al. (1991) encontraram baixíssima freqüência do sorogrupo O15 em carne crua bovina das 306 colônias testadas. 215 Franco RM et al. Lenahan et al. (2008), coletou amostras fecais de suínos e amostras de suabes de carcaça em quatro matadouros de suínos irlandês objetivando analisaram a presença de E. coli O157: H7 essa não foi encontrada nos suabes das carcaças. Entretanto, San Juan et al. (2007) ao determinarem as condições microbiológicas durante o processo de abate de um matadouro municipal do México, verificou que das 158 amostras analisadas, coliformes totais e E. coli foram detectados na maioria das amostras, sendo mais abundante na linha de abate de suíno que do bovino. Nesta pesquisa, nas amostras comestíveis analisadas pelos métodos 1 e 2, que foram positivas, o NMP de coliformes totais foi na maioria das vezes superior ao de Escherichia coli concordando com pesquisa desenvolvida por Laubach et al. (1998) em carne de cabeça de suíno. No presente trabalho, para as amostras da região interna da papada correspondentes à área de ferida de sangria os achados estabelecem que houve correspondência entre ausência e presença de coliformes e Escherichia coli, entre as amostras, pelos métodos empregados, entretanto, em 95% dos casos, no método 1, o NMP de coliformes e Escherichia coli foi superior ao do método 2, embora o método 2 não caracterizasse a presença de coliformes fecais. A Resolução RDC nº 12 (Brasil, 2001) não estabelece padrões qualitativos ou quantitativos para quaisquer tipos de coliformes entre as amostras comestíveis investigadas, recomendando que, caso seja determinada a presença de Escherichia coli, deve constar no laudo analítico. Geralmente, as carnes oriundas da ferida de sangria são usadas para a produção de embutidos, entretanto, em muitos casos são usadas para consumo humano "in natura", que sugere o procedimento analítico destas amostras. Matsubara (2005) avaliou as condições higiênico-sanitárias de 240 meias-carcaças de suínos realizando a contagem de coliformes totais e de Escherichia coli em três regiões pré-definidas (face lateral externa do pernil, do peito e da papada) e verificou-se coliformes totais em 98,7% e Escherichia coli em 90,7% das meias-carcaças analisadas. A partir de seus dados estatísticos, observaram-se que não houve diferença entre a contaminação de coliformes totais nas diferentes regiões analisada, porém, houve diferença para a contagem de E. coli, sendo mais elevada na papada, no pernil e por último, no peito. Os métodos 3 e 4 de enriquecimento das amostras a serem pesquisadas quanto a presença de Escherichia coli foram comparados entre si. No método 3 ocorreu maior recuperação e confirmação de isolados de Escherichia coli que no método 4 por semeadura direta; porém, no método 4, com enriquecimento, independentemente do meio usado e temperatura de incubação, o número de isolados suspeitos e confirmados foi sempre foi maior. Nestes procedimentos analíticos o método 4 apresentou maior número 216 RPCV (2008) 103 (567-568) 209-218 de colônias confirmadas em relação ao número de isolados triados, e o meio com maior percentual de recuperação foi MAC LAC (54,2%) confirmando, como indica a técnica original, que o uso do MAC LAC apresentou bons resultados para determinação de Escherichia coli em alimento, tal como ocorreu com as amostras em epígrafe. Na aplicação dos métodos 3 e 4, o enriquecimento não seletivo das amostras tem como objetivo revitalizar as células danificadas objetivando melhor eficácia na determinação da microbiota em questão. Esta afirmação torna-se fundamentada, pois no método 3 e no método 4 com enriquecimento, ao ser comparado o número de colônias suspeitas e confirmadas nos meios de plaqueamento seletivo com o meio de plaqueamento no método 1 e na detecção pelo método 2, os números de colônias naqueles métodos são bem mais superiores que nestes. O método 4 por semeadura direta apresentou crescimento menor. Tais observações deixam claro que o enriquecimento teve importância na estimativa de um maior número de colônia suspeita e confirmada nos testes bioquímicos. Entre os métodos aplicados, observa-se que o enriquecimento não seletivo também foi fundamental na recuperação e confirmação de colônias típicas de Escherichia coli. Os meios MAC LAC e HC a 35 °C foram os mais apropriados por apresentarem maior número de colônias suspeitas e confirmadas bioquimicamente. Comparando-se os tipos de amostras comestíveis pesquisadas entre si observa-se que independente do método aplicado, as amostras da cavidade pélvica apresentaram maiores valores bacteriológicos. As pesquisas nacionais não revelam estudo colimétrico em carnes de suíno na área anatômica em questão, contudo quando Gill et al. (1995) procederam estudo semelhante em carcaça bovina, embora com método de coleta diferenciado e meio similar, também sugeriram, como nossos achados, que esta área seja a mais contaminada entre as outras pesquisadas. Gill e Jones (1998) ao enumerarem Escherichia coli em carcaça suína pelo método de "zaragatoa" na região anatômica correlacionada com esta pesquisa sugeriram, também, contaminação elevada. Os linfonodos podem conter microbiota muito intensa e diversificada. Nesta pesquisa conforme consta na Tabela 3, a suspeita e confirmação de Escherichia coli em linfonodos mesentéricos foram maiores, no total geral, considerando-se os métodos 3 e 4 aplicados aos demais tipos de amostras cárneas analisadas, mostrando que este órgão pode ser um veiculador de microbiota para os diferentes nichos ecológicos, quando do rompimento de sua cápsula durante as fases de processamento tecnológico de abate. Apesar da utilização do MUG seja atualmente muito divulgada não foram encontrados trabalhos determinando a presença de Escherichia coli por Franco RM et al. fluorescência, em meios de plaqueamento, em amostras originárias de suínos. Foi observado neste experimento que o meio ágar Escherichia coli O157:H7 em cuja composição, possui o MUG, quando comparado com os meios tradicionalmente utilizados como ágar EMB, ágar MacConkey lactose, ágar MacConkey sorbitol, não ocorreu diferença estatística significativa. Estes resultados vão em desencontro com os descritos por Venkateswaran et al. (1996) onde afirmam que o MUG adicionado ao meio ágar bile vermelho violeta, tornou-o duas vezes mais eficaz que o ágar EMB para isolar Escherichia coli em produtos cárneos, muito embora o meio agar Escherichia coli O157:H7 não tenha a mesma composição básica que o ágar bile vermelho violeta. Ao aplicar-se o método sorológico em paralelo com aplicação da PCR, muitas das vezes os resultados podem ser conflitantes, pois a reação cruzada ou divergente pode existir, tal proposição é colocada em discussão por Aleksic et al. (1992) que ao pesquisarem o esquema de biotipificação para Escherichia coli O157:H7 concluíram que dez (25,6%) das estirpes de Escherichia coli produtoras de SLT foram sorbitol positivas e não reconhecidas em placas MacConkey sorbitol e relatam que as duas estirpes sorotipadas com O157 foram sorbitol e glucuronidase positivas não foram produtoras de SLT. Estas afirmações apresentam paralelismo à amostra aqui isolada como EHEC-O157:H-, em resultados, pelo fato de que o sorogrupo apresentou, no meio de plaqueamento ágar Escherichia coli O157:H7 colônias esverdeadas não se caracterizando como sorbitol positivas, porém foram diagnosticadas como positivas, para este carboidrato, nas provas bioquímicas e comportaram-se com glucuronidase positivas, sem produzir SLT no estudo de PCR. RPCV (2008) 103 (567-568) 209-218 devem ser consideradas processadas em condições inadequadas na aplicação das Boas Práticas (origem da matéria prima, higiene e processamento) e não devem ser consumidas ou processadas industrialmente. O método 3, ao ser aplicado nas diferentes amostras permitiu revelar a confirmação de EPEC e EHEC em amostra de linfonodos e fezes, respectivamente. A fase de enriquecimento no método 4, independentemente do tipo de amostra analisada permitiu uma recuperação significativamente maior de colônias de Escherichia coli, sendo o meio Mac Lac seguido do EMB os que apresentaram maiores números de colônias isoladas. Esta fase ainda permitiu uma recuperação significativamente maior de colônias de EPEC, EIEC, e na detecção de amostras comestíveis e não comestíveis contaminadas por grupos de Escherichia coli. As amostras de pleura e músculos intercostais analisadas não apresentaram nenhuma cepa EPEC, EIEC ou EHEC, sendo portanto consideradas em condições próprias de consumo. O meio ágar Escherichia coli O157:H7 apesar de ser indicado para isolamento e diferenciação de estirpes enterohemorrágicas (EHEC) e Escherichia coli O157:H7, conforme ocorreu o isolamento da cepa O157:H- na amostra de fezes pelo método 3, ainda ofereceu condições próprias para o isolamento de estirpes EPEC em amostra de linfonodos mesentéricos. A cepa sorotipada como EHEC O157 foi confirmada como O157:H- em PCR. A presença de Escherichia coli em alimentos e Escherichia coli O157:H-, O157:H7, ressalta a necessidade de se colocar em prática o sistema nacional e internacional de inocuidade dos alimentos objetivando eliminar do abastecimento os alimentos para o consumo humano e os animais enfermos ou portadores assintomáticos, cuja carne possa transmitir enfermidades aos comensais. Conclusões As amostras de carne suína oriundas da área de ferida de sangria que apresentaram contaminação por coliformes, coliformes fecais e Escherichia coli quando analisadas pelos métodos 1 ou 2 devem ser consideradas impróprias para o consumo ou para uso industrial, entretanto a Resolução RDC nº12 (Brasil, 2001) não estabelece padrões para o germe em questão. Todas as amostras de pleura e músculos intercostais que apresentaram ausência de coliformes, coliformes fecais e Escherichia coli pela prova analítica do método 1, devem ser consideradas próprias para processamento ou consumo; entretanto aquelas em que o método 2 revelou a presença de coliformes totais e ausência de Escherichia coli, devem ser consideradas impróprias para o consumo ou uso industrial. As amostras da região sub-sacral próxima à base da cauda que possuíam coliformes, coliformes fecais e Escherichia coli, quer seja pelo método 1 e 2, Bibliografia Acha PN e Szyfres B (2001). Zoonosis e enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los annimais. Bacterioses y micosis. Publicacion Científica y Técnica n° 580. 3ª ed. v.I Ed: Organization Panamericana de La Salud (OPS). Washington – DC – 20037 – EUA, 398. Aleksic S, Karch H, Bockemühl J (1992). 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Hoffmann Laboratório de Microbiologia de Alimentos - Departamento de Engenharia e Tecnologia de Alimentos - UNESP Campus de São José do Rio Preto – São Paulo – Brasil Resumo: Queijos frescos como o Minas Frescal e a Ricota apresentam elevada actividade de água e diversidade nutricional, factores que propiciam a proliferação de microbiota oportunista, reduzindo a segurança destes alimentos. Diversos microrganismos são propostos como bioindicadores de contaminação da matéria-prima e/ou do produto pronto para o consumo. Nesse contexto, este trabalho teve por objectivo, avaliar as condições higio-sanitárias de uma linha de processamento de queijos Minas frescal e Ricota, localizada em São José do Rio Preto - São Paulo - Brasil, analisando, conforme o fluxograma de fabrico, as seguintes etapas: água, leite pasteurizado, coalho (complexo enzimático coagulante), coalhada, soro e queijos logo após o processamento e com cinco dias de vida de prateleira. Para tanto, foram efetuadas as seguintes análises: contagem de bactérias aeróbias mesófilas e Staphylococcus aureus, determinação do número mais provável (NMP) de coliformes totais e fecais, pesquisa de Escherichia coli, Salmonella spp. e Listeria monocytogenes. A água e o coalho encontraram-se de acordo com os padrões preconizados pela legislação brasileira, para todos os bioindicadores. Em relação ao leite houve desacordo em duas amostras, somente para coliformes fecais. A legislação brasileira (Brasil, 2001) não estabelece padrões para a coalhada e soro, porém os resultados apresentaram contagens elevadas para todos os microrganismos, excepto para Salmonella spp. Os queijos, nos tempos zero e cinco dias de vida de prateleira, não atenderam aos padrões para Staphylococcus aureus, coliformes fecais e E. coli. Tais contaminações podem estar relacionadas com falhas no processo de higienização e a não aplicação das boas práticas de fabrico. Palavras-chave: Queijo Minas Frescal, Ricota, microorganismos, DTA Abstract: Fresh cheeses, as "Minas Frescal" and Ricotta, have high water activity and nutritional diversity, factors that make the development of opportunist microorganisms favorable, reducing the safety of these foods. Several microorganisms are proposed as bioindicators of raw material and/or contaminated product, ready for consumption. In this context, the aim of this *Correspondência: vidianyqueiroz@yahoo.com.br Rua Cristóvão Colombo, 2265, Bairro: Jardim Nazareth CEP: 15054-000 Tel.: + 55 (17) 3221 2200, ramal: 2714 study was to evalute the hygienic-sanitary conditions of a Ricotta and "Minas Frescal" cheese processing line, situated in São José do Rio Preto, SP, Brazil. The analysis was performed in six collections, according to the manufacturing steps, water, pasteurized milk, rennet, curd, whey and cheeses right after the processing and with five days of shelf life. For this, the following analyses were carried out: mesophilic aerobic bacteria and Staphylococcus aureus count, determination of the most probable number (MPN) of total and detection of Escherichia coli, Salmonella spp. and Listeria monocytogenes detection. Water and curd were in accordance with the standards recommended by Brazilian legislation for all bioindicators. In relation to milk, two collections showed thermotolerant coliforms, which did not meet the required standards. Microbiological parameters are not established and there are not standards for curd and whey, however, the results were high for all the microorganisms, except for Salmonella spp. Cheeses ranging from zero to five days of shelf life, were not in accordance with the standards, namely for Staphylococcus aureus, thermotolerant coliforms and Escherichia coli. Such contamination can be related to mistakes in the hygienization process and lack of application of good manufacturing practices. Keywords: Minas fresh cheese; Ricotta cheese; microorganism; DTA Introdução A indústria brasileira de produtos lácteos tem importância sócio-económica, em especial no fabrico de queijos, ocupando o sexto lugar em produção mundial, com 945 mil toneladas em 2006 (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa, 2006). Dentre os queijos frescos, ou com elevada umidade, destacam-se o Minas frescal e a Ricota. São produtos muito consumidos pelo reduzido teor de gordura e baixo custo, sendo bastante indicados em dietas com restrições em lípidios, além de serem acessíveis à maioria das classes sociais (Lisita, 2005). O queijo Minas frescal é um dos derivados lácteos 219 Santos VAQ et al. mais apreciados no Brasil, sendo o estado de Minas Gerais o maior produtor com cerca de 30.000 toneladas por ano (Pereira et al., 2006). Segundo a Associação Brasileira das indústrias de queijos ABIQ, em 2007 a produção deste queijo foi de 33.075 toneladas. Este queijo é definido como fresco, obtido por coagulação enzimática do leite por meio da adição de coalho e/ou outras enzimas coagulantes apropriadas, complementada ou não pela ação de bactérias láticas específicas (Portaria n.146/1996). De acordo com Portaria n.146 (1996) e Campos et al. (2006) o queijo Minas frescal é classificado como um queijo macio, semi-gordo (25,0% - 44,9%), rico em cálcio, fósforo e vitamina A. Apresenta também reduzida porcentagem de cloreto de sódio (1,4 1,6%), pH pouco ácido (5,1 - 5,6) e alta umidade (> 55,0%), consistência mole, cor esbranquiçada, formato cilíndrico, odor suave e característico, com vida útil de até 15 dias sob refrigeração (Portaria n.146, 1996); Gonzalez et al., 2000; Hoffmann, et al., 2002). A Ricota é um queijo de origem italiana, constituído basicamente de lactoalbumina e lactoglobulina. Também tem grande aceitação pelos consumidores, principalmente por apresentar teores reduzidos de gordura e sal (Raimundo et al., 2005). Com base na legislação brasileira (Portaria n.146, 1996), é considerada como um produto obtido por coagulação ácida das proteínas do soro, sendo permitido adicionar até 20,0% de leite ao volume total. Deve ter formato cilíndrico, peso de 300 g a 1 Kg, crosta rugosa, consistência mole, não pastosa, friável, textura fechada, cor branco-creme, odor e sabor próprios. O rendimento médio situa-se em torno de 4,0 a 5,0% (Portaria n.146, 1996; Piccoli et al., 2005). A população microbiana contaminante descrita para estes tipos de queijos podem incluir microrganismos pertencentes ao grupo dos coliformes, Salmonella spp., Listeria monocytogenes e Staphylococcus aureus (Nicolau et al., 2001). A presença destes microrganismos no alimento, assim como de contaminantes químicos e físicos, pode estar relacionada com a má qualidade da matéria-prima e a adoção de técnicas higiénicas inadequadas, que comprometem a segurança do produto (Portaria n. 46/1998; Timm et al., 2004). As indústrias de pequeno porte produtoras de queijos são uma importante fonte de geração de empregos em todo o país. Essas empresas, de forma geral, apresentam pouca ou nenhuma orientação sobre as BPF, muitas vezes devido à falta de acesso a essas informações, as quais são imprescindíveis para a garantia da qualidade de seus produtos. Conforme o exposto e levando-se em conta a popularidade e as excelentes características destes produtos para o desenvolvimento microbiano, torna-se importante avaliar as condições higio-sanitárias de 220 RPCV (2008) 103 (567-568) 219-227 uma linha de processamento de queijos Minas frescal e Ricota, localizada em São José do Rio Preto – SP – Brasil. Materiais e métodos Obtenção das amostras Este trabalho foi desenvolvido no Laboratório de Microbiologia da Universidade Estadual Paulista UNESP. As recolhas foram efectuadas a uma fabrica de lacticinios de pequeno porte, produtor de queijos Minas frescal e Ricota, localizado no município de São José do Rio Preto – SP, de acordo com o fluxograma de fabrico descrito na figura 1. Foram efectuadas recolhas nas seguintes etapas: água, leite pasteurizado, coalho, coalhada, soro e queijos Minas frescal e Ricota logo após o processamento (t0) e com cinco dias de vida de prateleira (t5). As recolhas foram realizadas semanalmente durante três meses, pelo próprio examinador, ao longo da linha de produção (com vestimenta adequada e autorização previa da empresa), sob condições assépticas e levadas para o laboratório para analise imediata. As recolhas constaram de 6 (seis) repetições, cada uma delas em duplicata. Preparo das amostras A partir de 10 g ou 10 mL de cada recolha foram preparada em água destilada estéril, a diluição mãe (10-1) e as diluições decimais sucessivas, utilizando o mesmo diluente, sendo utilizadas quando necessário. Análises microbiológicas A contagem de bactérias aeróbias mesófilas foi efetuada apenas nas amostras de água. A determinação do Número Mais Provável (NMP) de coliformes totais, fecais e a pesquisa de Escherichia coli foram realizadas para a água, leite pasteurizado, coalho, coalhada, soro e queijos Minas frescal e Ricota. A contagem de Staphylococcus aureus e a pesquisa de Salmonella spp. foram realizadas para todas as amostras citadas anteriormente, exceto para a água. A pesquisa de Listeria monocytogenes foi realizada somente para os queijos Minas frescal e ricota (Silva et al., 2007). Contagem de bactérias aeróbias mesófilas Foram pipetados assepticamente 1 mL das diluições previamente preparadas e colocados em placas de Petri estéreis devidamente identificadas. Adicionou-se a seguir 15 mL de Ágar Padrão para Contagem (PCA - Merck), e após a homogeneização, incubaram-se a 35 ºC por 24 e 48 horas. Após a contagem de colônias calculou-se o número de unidade formadoras de colônias por unidade de volume (Silva et al., 2007). Santos VAQ et al. RPCV (2008) 103 (567-568) 219-227 Recepção do leite in natura Pasteurização do leite (500 L) à 65 ºC/30 min Resfriamento à 37 ºC Adição de (300 ml) coalho líquido Estrela Coagulação 45 min Corte e mexedura da massa (cubos de 2-3 cm) Repouso e decantação da massa (5-6 min) Remoção do soro Salga diretamente na massa (9 kg/ 500 L) Soro à 65 ∞C + 20% de leite pasteurizado Enformagem Aquecimento a 85 ºC Refrigeração à 7-9 ºC Adição de ácido acético (5,5 L) Coagulação à 100 ºC Corte e mexedura da massa Refrigeração à 7-9 ºC Enformagem Figura 1 - Fluxograma de fabrico dos queijos Minas frescal e Ricota adotado pelo laticínio. Contagem de Staphylococcus aureus Transferiu-se assepticamente 0,1 mL de cada diluição para a superfície do Ágar Baird-Parker (BP - Merck), suplementado com emulsão de gema de ovo e telurito de potássio. O inóculo foi espalhado em todo o meio com ansa de Drigalsky esterilizada. Em seguida as placas foram incubadas em estufa a 35 ºC por 24-48 horas. Após a incubação, contam-se as colonias para se calcularem as UFC que se apresentam de cor negra, brilhantes, com uma zona de precipitação na sua periferia e circundadas por halo claro. A confirmação do resultado foi feita por meio do teste de catalase, coagulase e também pela coloração de Gram para a verificação da morfologia celular (Silva et al., 2007). Determinação do número mais provável (NMP) de coliformes totais Foi utilizada a técnica dos tubos múltiplos empregando-se o Caldo Lauril Sulfato (Merck), com incubação a 35 ºC durante 48 horas. Determinação do NMP de coliformes termotolerantes Empregou-se o método dos tubos múltiplos, utilizando-se o Caldo EC (Merck) com incubação a 44,5 ºC durante 24 horas. A determinação do NMP de coliformes totais e termotolerantes foi realizada empregando-se a tabela de Hoskins. Pesquisa de Escherichia coli A partir das culturas de coliformes em Caldo EC, que apresentaram gás no interior do tubo de Durham, retirou-se uma alíquota de inóculo, a qual foi semeada por esgotamento em placas contendo Ágar Eosina Azul de Metileno (EMB - Merck). Após incubação por 24 h à 35 ºC. As colônias que apresentaram coloração negra com brilho verde metálico, foram isoladas e submetidas aos testes bioquímicos de indol, IMVIC (indol/vermelho de metila/Voges-Proskauer/ citrato) (Silva et al., 2007). 221 Santos VAQ et al. Pesquisa de Salmonella spp. Em 225 mL de Caldo Lactosado (LB - Merck) foram homogeneizados, respectivamente 25 g/25 mL de cada amostra. Depois da incubação a 35 ºC por 24 horas, 1 mL de cada cultivo foi transferido para tubos contendo 9 mL de Caldo Selenito Cistina (CBS Merck). Após 24, 48 e 120 horas realizaram-se sementeiras em placas de Petri contendo Ágar Salmonella Shigella (SSA - Merck). As colônias que apresentaram coloração creme com ou sem centro negro, foram submetidas ao teste sorológico (Silva et al., 2007). Pesquisa de Listeria monocytogenes Foram adicionados 25 g/25 mL de cada amostra em 225 mL de Caldo de Enriquecimento para Listeria monocytogenes (LEB - Merck) sendo homogeneizados e incubados a 35 ºC por 24 e 48 horas. Após o período de 24 horas, foram retiradas alíquotas de 0,1 mL e inoculadas em tubos contendo o Caldo de Enriquecimento Secundário de Fraser (Dfico), os quais foram incubados a 35 ºC por 24 horas. Após a incubação, uma alíquota dos Caldos de Enriquecimento para Listeria monocytogenes e Caldo de Enriquecimento Secundário de Frasier foram semeadas por esgotamento em duas placas de Petri contendo Ágar Seletivo Palcam-Listeria (Dfico) e incubadas a 35 ºC em microaerofilia, por 24 e 48 horas. As colônias típicas de Listeria monocytogenes, apresentam-se com coloração verde claro, pequenas, esféricas, quase transparentes e circundadas por halo negro (Silva et al., 2007). Resultados e discussão Os padrões microbiológicos para os microrganismos testados nas diferentes etapas de processamento estão apresentados no Quadro 1. Os resultados das análises microbiológicas de água, leite pasteurizado, coalho, coalhada, soro e queijos Minas frescal e Ricota, logo após o processamento (t0) e com cinco dias da data de fabricação (t5), estão apresentados respectivamente nos Quadros 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8. Água Na legislação brasileira há recomendação quanto à contagem de bactérias aeróbias mesófilas e ausência de padrão para coliformes totais em água (Portaria n.518/2004), conforme apresentado do Quadro 1. Para bactérias aeróbias mesófilas, duas amostras apresentaram valores acima do indicado pela legislação brasileira (Portaria n. 518/2004), com contagens de 5,39 e 2,74 log UFC/100 mL, totalizando 33,3%, conforme demonstrado o Quadro 2. Para coliformes totais, verificou-se resultado elevado apenas em uma 222 RPCV (2008) 103 (567-568) 219-227 amostra avaliada (16,6%), com 1,11 log NMP/100 mL. Para coliformes fecais e pesquisa de Escherichia coli obteve-se ausência em todas as amostras testadas. A água utilizada pelo estabelecimento não é obtida da rede pública, e portanto, deve ser submetida a tratamento por cloração periódica. Os resultados obtidos indicam a ocorrência de falhas no tratamento, como por exemplo, a ausência de clorador nos reservatórios ou utilização inadequada do mesmo. Durante a coleta dos dados, observou-se que há a presença de clorador nos reservatórios da empresa, porém, este não é utilizado de forma periódica. Para coliformes fecais e E. coli, a legislação federal estabelece ausência em 100 mL da amostra (Portaria n. 518/2004). Neste estudo, verificou-se que todas as amostras encontravam-se de acordo com o preconizado (Quadro 1). Marçal et al. (1994), ao avaliarem a potabilidade da água consumida em residências, verificaram que 36% das amostras foram satisfatórias. Os maiores índices de contaminação foram para coliformes totais (64%) e fecais (25%), indicando que os mesmos poderiam ser oriundos das redes de fornecimento. Em contrapartida, Alves et al. (2002), ao analisarem as condições higio-sanitárias de água para consumo, verificaram que 5,5% das amostras coletadas apresentaram contaminação por coliformes totais e 94,5% estavam aptas para o consumo. Resultado satisfatório, uma vez que a presença de microrganismos como a E. coli podem causar danos a saúde do consumidor. Leite pasteurizado Com relação a Staphylococcus aureus, verificou-se valores elevados em uma (16,6%) das seis amostras testadas, com 5,3 log UFC/mL, conforme demonstrado no Quadro 3. Lisita (2005), ao analisar amostras de leite pasteurizado, obteve valores de < 10 a 1,0 x 101 UFC/mL para Staphylococcus coagulase positiva, os quais são inferiores aos encontrados neste trabalho. Para coliformes fecais, verificou-se valores acima do preconizado pela legislação brasileira (Quadro 1) em 33,3% das amostras analisadas, com valores de 1,30 e 3,04 log NMP/mL (Quadro 2). Verificou-se ainda, presença de Escherichia coli em 50 % das amostras avaliadas. Catão e Ceballos (2001), ao avaliarem quinze amostras de leite pasteurizado, constataram a presença de coliformes totais em 46,6% e fecais em 60,0%, resultado semelhante ao observado neste estudo. Entre os microrganismos que comprometem a qualidade sanitária dos produtos de origem láctea, o S. aureus e os coliformes são importantes patógenos e sua presença no leite pasteurizado reafirma a importância da pasteurização adequada, bem como da adoção de técnicas higiênico-sanitárias satisfatórias. Santos VAQ et al. RPCV (2008) 103 (567-568) 219-227 Quadro 1 - Padrões microbiológicos vigentes, segundo a Portaria n. 518/ 2004 e a Resolução RDC n. 12/2001, para os microrganismos testados nas diferentes etapas da linha de processamento dos queijos Minas frescal e Ricota Amostras Bactérias aeróbias mesófilas Log UFC/mL/g 5 x 102 Log UFC/mL/g - Coliformes totais Log NMP/mL/g - Coliformes fecais Log NMP/mL/g aus./ 100 mL Leite Pasteurizado - - - Coalho - - Massa Soro Queijo Minas frescal Ricota - Água - S. aureus E. coli Salmonella spp. Pres./aus. Pres./aus. Listeria monocytogenes Pres./aus. aus./ 100 mL - - máx. 4 - - - máx. 5 - máx. 5x102 - máx. 5 x102 - aus./ 25 mL aus./ 25 mL aus./25 g aus./25 g máx. 5x102 - máx. 5 x102 - aus./25 g aus./25 g - - Quadro 2 - Resultados das análises microbiológicas efetuadas nas diferentes amostras de água Amostras 1 2 3 4 5 6 Bactérias aeróbias mesófilas (Log UFC / mL) 2,49 1,65 5,39 1,66 0,95 2,74 Coliformes totais (Log NMP / 100 mL) 1,11 0 0 0 0 0 Coliformes fecais (Log NMP / 100 mL) 0 0 0 0 0 0 Escherichia coli (- / +) (-) (-) (-) (-) (-) (-) Quadro 3 - Resultados das análises microbiológicas efetuadas nas diferentes amostras de leite pasteurizado Amostras 1 2 3 4 5 6 Staphylococcus aureus (Log UFC / mL) 0,95 0,95 0,95 2 0,95 1,39 Coliformes totais (Log NMP / mL) 0,30 0,60 0,30 0,30 0,30 0,30 Coliformes fecais (Log NMP / mL) 0,30 0,30 0,30 0,30 0,30 0,30 Escherichia coli (- / +) (-) (-) (-) (-) (-) (-) Salmonella spp. (- / +) (-) (-) (-) (-) (-) (-) Quadro 4 - Resultados das análises microbiológicas efetuadas nas diferentes amostras de coalho Amostras 1 2 3 4 5 6 Staphylococcus aureus (Log UFC / mL) 0,95 0,95 1,04 5,30 0,95 0,95 Coliformes totais (Log NMP / mL) 0,30 2,17 3,04 1,63 0,30 3,04 Coliformes fecais (Log NMP / mL) 0,30 0,30 1,30 0,60 0,30 3,04 Escherichia coli (- / +) (-) (-) (+) (+) (-) (+) Salmonella spp. (- / +) (-) (-) (-) (-) (-) (-) 223 Santos VAQ et al. RPCV (2008) 103 (567-568) 219-227 Coalhada NMP/g e fecais de 3,38, 1,95, 3,38 e 2,38 log NMP/g. Apesar da inexistência de padrões microbiológicos para coalhada, esta apresentou valores elevados para todos os microrganismos avaliados, exceto para Salmonella spp., a qual foi ausente (Quadro 5). Para Staphylococcus aureus, observou-se, valores elevados para três das amostras analisadas, com contagens de 7,14; 5,82 e 5,75 log UFC/g, conforme demonstrado no Quadro 5. Ao contrário do obtido neste estudo, Lisita (2005), ao avaliar a presença de S. coagulase positiva em quatro amostras de coalhada de queijo Minas frescal, verificou ausência deste bioindicador em todas as amostras. Segundo Leite et al. (2005), a presença de S. aureus em derivados lácteos, ocorre normalmente, por pasteurização inadequada ou contaminações nas etapas de produção ou pós-processamento. Com relação aos coliformes totais, observou-se valores elevados em todas as amostras testadas com valores de 2,66 a 3,04 log UFC/g, conforme apresentado no Quadro 5. Para coliformes fecais observou-se valores elevados para três amostras (50%), com valores de 1,32; 1,87 e 2,32 log UFC/g. A presença de Escherichia coli foi confirmada em 83,3% das amostras testadas. Os resultados obtidos para esta etapa do processamento, indicam falta de cuidados higiênico-sanitários durante a manipulação da matéria prima, o que pode levar a maior proliferação de microrganismos patogênicos e consequentemente a ocorrência de doenças transmitidas por alimentos. Para coliformes totais e fecais resultados elevados também foram verificados por Lisita (2005), verificando para coliformes totais valores de 3,38, 1,95 e 3,38 log Soro Conforme apresentado no Quadro 6, verificou-se para Staphylococcus aureus resultados elevados em três das amostras testadas, com contagens de 6,17, 5,75 e 9,08 logUFC/mL. Estes resultados indicam contaminações pós-processamento, uma vez que a matéria prima apresentou de forma geral, baixas contagens para este microrganismo. Para coliformes totais foram obtidos valores altos em cinco das amostras analisadas, com valores de 3,04 e 2, 66 log NNP/mL conforme demonstrado no Quadro 6 e para fecais, apenas duas foram positivas, com valores de 1,87 e 1,44 log NMP/mL. Em todas as amostras avaliadas, não foi detectada a presença de Salmonella spp. A presença de coliformes nestas amostras de soro ressalta ainda mais, a falta de cuidados higio-sanitários adotados pelos manipuladores, durante a manipulação dos queijos e também da inadequada higienização dos equipamentos/utensílios. Tal comportamento é preocupamente pois tais microrganismos podem ocasionar infecções de origem alimentar. Resultados semelhantes aos verificados nesse estudo, foram observados por Nicolau et al. (2001), avaliando oito amostras de soro de queijo Minas frescal, verificaram a presença de coliformes totais em 62,5% e fecais em 37,5%. Em contrapartida, Chiappini et al. (1995), ao avaliarem 30 amostras de soro de queijos quanto à presença de coliformes totais e fecais, verificaram que estas apresentaram-se em condições insatisfatórias somente para coliformes totais. Quadro 5 - Resultados das análises microbiológicas efetuadas nas diferentes amostras de coalhada Amostras 1 2 3 4 5 6 Staphylococcus aureus (Log UFC / mL) 1,99 2 7,14 5,82 5,75 1,99 Coliformes totais (Log NMP / mL) 3,04 3,04 3,04 2,66 2,66 3,04 Coliformes fecais (Log NMP / mL) 0,30 0,60 1,87 0,84 1,32 2,32 Escherichia coli (- / +) (-) (+) (+) (+) (+) (+) Salmonella spp. (- / +) (-) (-) (-) (-) (-) (-) Escherichia coli (- / +) (-) (-) (+) (-) (-) (+) Salmonella spp. (- / +) (-) (-) (-) (-) (-) (-) Quadro 6 - Resultados das análises microbiológicas efetuadas nas diferentes amostras de soro Amostras 1 2 3 4 5 6 224 Staphylococcus aureus (Log UFC / mL) 0,95 0,95 6,17 5,75 3,38 9,08 Coliformes totais (Log NMP / mL) 3,04 3,04 3,04 2,66 0,30 3,04 Coliformes fecais (Log NMP / mL) 0,30 0,30 1,87 0,30 0,30 1,45 Santos VAQ et al. RPCV (2008) 103 (567-568) 219-227 Queijo Minas frescal As amostras de queijo Minas frescal avaliadas, apresentaram nos tempos zero e cinco dias, contagens acima do estabelecido pela legislação brasileira (5,0 x 102 UFC/g) para Staphylococcus aureus, em duas (33,33%) e cinco (83,33%) das amostras estudadas, conforme demonstrado no Quadro 7 (Resolução n. 12/2001). Barros et al. (2004), também verificaram valores elevados para este microrganismo, onde das 30 amostras testadas, 27% encontravam-se acima do limite estabelecido pela legislação brasileira. Resultados semelhantes aos verificados neste estudo foram observados por Ávila et al. (2002), analisando 33 amostras de queijo Minas frescal em diferentes períodos de vida de prateleira, observaram que, 24,24% destas encontravam-se acima do estabelecido legalmente para S. coagulase positiva. Com relação a coliformes totais, nos tempo zero e cinco dias de fabricação, verificou-se valores elevados em todas as amostras avaliadas, com resultados de 3,04 log NMP/mL, conforme demonstrado no Quadro 7. Não foram detectadas Salmonella spp. e Listeria monocytogenes em nenhuma das amostras analisadas. Para coliformes fecais, observaram-se valores acima do permitido legalmente em 16,7% das amostras no tempo zero, indicando possíveis falhas durante a manufatura do produto e/ou manipulação inadequada (Resolução n. 12/2001). No tempo cinco, não foram observados valores acima do preconizado, conforme apresentado no Quadro 7. Foi observada positividade para E. coli em 50% das amostras no tempo zero e 33,33% no tempo cinco, conforme descrito no Quadro 7. Resultados inferiores aos obtidos neste trabalho foram verificados por Loguercio e Aleixo (2001), ao analisarem 30 amostras de queijo Minas frescal, observaram que somente uma (3,33%) apresentou contagem para coliformes fecais superior a 103 UFC/g. Ricota Para Staphylococcus aureus as amostras de Ricota, nos tempos zero e cinco dias, apresentaram percentuais acima do estabelecido pela legislação (5,0 x 102 UFC/g) em 16,67%, com valores de 2,95 e 4,65 log UFC/g, conforme demonstrado no Quadro 8. Carnicel et al. (2003), ao submeterem 26 amostras Quadro 7 - Resultados das análises microbiológicas efetuadas nas diferentes amostras de queijo Minas frescal - tempo (t): 0 e 5 dias Amostras 1 2 3 4 5 6 t0 t5 t0 t5 t0 t5 t0 t5 t0 t5 t0 t5 Staphylococcus aureus (Log UFC / mL) 1,99 5,04 1,99 3,27 1,99 9 7 5,32 5,45 5,98 1,99 1,99 Coliformes totais (Log NMP / mL) 3,04 3,04 3,04 3,04 3,04 3,04 3,04 3,04 3,04 3,04 3,04 3,04 Coliformes fecais (Log NMP / mL) 0,30 0,30 0,30 0,30 2,07 0,30 2,17 0,95 0,30 0,30 3,04 1,96 Escherichia coli (- / +) (-) (-) (-) (-) (+) (-) (+) (+) (-) (-) (+) (+) Salmonella spp. (- / +) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (-) Listeria monocytogene (- / +) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (-) Quadro 8 - Resultados das análises microbiológicas efetuadas nas diferentes amostras de ricota - tempo (t): 0 e 5 dias Amostras 1 2 3 4 5 6 t0 t5 t0 T5 t0 t5 t0 t5 t0 t5 t0 t5 Staphylococcus aureus (Log UFC / mL) 1,99 1,99 2 1,99 1,99 4,65 2,95 1,99 1,99 1,99 1,99 1,99 Coliformes totais (Log NMP / mL) 0,30 0,95 0,30 0,30 0,30 3,04 3,04 0,30 0,30 0,30 3,04 3,04 Coliformes fecais (Log NMP / mL) 0,30 0,30 0,30 0,30 0,30 0,84 0,30 0,30 0,30 0,30 3,04 0,47 Escherichia coli (- / +) (-) (-) (-) (-) (-) (+) (-) (-) (-) (-) (+) (+) Salmonella spp. (- / +) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (-) Listeria monocytogene (- / +) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (-) 225 Santos VAQ et al. de Ricota à análise quanto à presença de S. coagulase positiva, verificaram que destas, 88,46% encontraram-se acima do estabelecido pelo padrão legal. Quanto à presença de coliformes totais, verificaram-se valores altos em duas amostras nos tempos zero e cinco dias, com valor de 3,04 log MNP/g para ambos, conforme demonstrado no Quadro 8. Para coliformes fecais, verificou-se que 16,70% das amostras no tempo zero, estiveram acima do estabelecido pela legislação brasileira (Resolução n.12/2001). Raimundo et al. (2005), ao analisarem amostras de Ricota, obtiveram para coliformes fecais percentual de 83,3% acima do padrão vigente. Com relação à positividade para E. coli, obteve-se 16,7% das amostras nos tempos zero e cinco dias. Por outro lado, não foi detectada a presença de Salmonella spp. e Listeria monocytogenes nas amostras avaliadas. Conclusão Diante dos resultados obtidos por meio da avaliação microbiológica nas diferentes etapas da linha de processamento de queijos Minas frescal e Ricota, é possível inferir que, as amostras de água apresentaram positividade para coliformes totais e valores acima do preconizado para bactérias aeróbias mesófilas; em leite pasteurizado, soro, coalhada, queijos Minas frescal e Ricota verificou-se a valores elevados para S. aureus e coliformes fecais na maioria das amostras analisadas. Não foi observada a presença de Salmonella spp. e Listeria monocytogenes em nenhuma das amostras estudadas. A presença de microrganismos como E. coli e S. aureus nas etapas e produtos avaliados, podem desencadear surtos de doenças transmitidas por alimentos e devem ser motivo de preocupação por parte das autoridades de saúde pública. Vale destacar também, que a indústria em questão deve adotar práticas higiênico-sanitárias adequadas a fim de reduzir tais contaminações. Bibliografia Alves NC, Odorizzi AC, Goulart FC (2002). Análise micro-biológica de águas minerais e de água potável de abastecimento, Marília, SP. Revista de Saúde Pública, São Paulo, 36(6): 749-751. Ávila JS, Mancini WR, Vilela MAP, Rezende PR (2002). Queijo "Minas frescal" comercializado na cidade de Juiz de Fora e Região III - Incidência de estafilococos produtores de coagulase. Revista do Instituto de Laticínios Candido Tostes, Juiz de Fora, 57(326): 115-117. Barros PCOG, Nogueira LC, Chiappini CCJ (2004). Avaliação da qualidade microbiológica do queijo Minas frescal comercializado no município do Rio de Janeiro, RJ. Higiene Alimentar, São Paulo, 18(122): 57-61. 226 RPCV (2008) 103 (567-568) 219-227 Brasil (1996). Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Portaria nº. 146, de 07 de março de 1996. Aprova os regulamentos técnicos de identidade e qualidade dos produtos lácteos. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 11 de Março. Brasil (1998). 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Pascon2, Alexandre M. de Brum3, Priscila A. C. Santos2, Aparecido A. Camacho2 1 College of Veterinary Medicine and Animal Science, The Federal University of Tocantins (UFT), Campus of Araguaína, Brazil 2 College of Agricultural and Veterinary Sciences, São Paulo State University (UNESP), Campus of Jaboticabal, Brazil 3 College of Veterinary Medicine, University of Franca (UNIFRAN), Franca, Brazil Summary: A case of severe aortic stenosis in a kitten is reported. Although no obvious clinical signs were observed initially, congestive left heart failure developed seven months later. On presentation, severe pulmonary edema was diagnosed and an incidental thrombus within the enlarged left atrium was disclosed on echocardiographic examination. Clinical features and diagnostic methods are discussed in this paper. Keywords: congenital heart disease, echocardiography, thromboembolism, concentric hypertrophy, pulmonary edema Resumo: Relata-se um caso de estenose aórtica severa em um gato Persa. Apesar da inexistência de sinais clínicos inicialmente, desenvolveu-se insuficiência cardíaca congestiva sete meses após o atendimento inicial, sendo diagnosticado edema pulmonar e, ao exame ecocardiográfico, um trombo incidental no interior do átrio esquerdo dilatado. Neste artigo, são discutidas as características clínicas e os métodos diagnósticos empregados nesse caso de cardiopatia congênita. Palavras-chave: doença cardíaca congênita, ecocardiografia, tromboembolismo, hipertrofia concêntrica, edema pulmonar Introduction Aortic stenosis is a congenital narrowing of the left ventricular outflow tract, aortic valve, or supravalvular aorta (Bolton and Liu, 1977; Liu, 1977; Kienle, 1998). Wherever it is located, obstruction to left ventricular outflow increases left ventricular systolic pressure, resulting in concentric hypertrophy of the left ventricle (Sisson et al., 2000). Although reported as one of the most common congenital heart disease in dogs, aortic stenosis has only been described in a few cats (Liu, 1968; Stepien * Correspondence: marlos@uft.edu.br BR 153, Km 112, Campus EMVZ/UFT, Araguaína, TO, Brazil, 77804-970 Tel: +55 (63) 2112 2113; Fax: +55 (63) 2112 2136 and Bonagura, 1991; King, 1997). To date, Harpster (1986) has documented this defect to count for only 6% of all congenital heart disease in domestic felines. The increased left ventricular systolic pressure propels blood at a higher velocity across the stenotic area, thereby resulting in a turbulent flow that is associated with a systolic ejection murmur (Bolton and Liu, 1977; Stepien and Bonagura, 1991), which may eventually be accompanied by a soft diastolic murmur secondary to aortic valve insufficiency (Sisson et al., 2000). Clinical signs may be absent in many mildly-tomoderately affected patients, and most affected cats are recognized when an ejection murmur is auscultated at the time of initial vaccinations (Bonagura, 1994; Kienle, 1998). In severely affected animals, exertional fatigue, syncope, and even signs related to congestive heart failure may be observed (Stepien and Bonagura, 1991; Kienle, 1998). Definitive diagnosis of aortic stenosis requires angiocardiography, or echocardiography (Bonagura, 1994). A fibrous obstructing lesion, left ventricular concentric hypertrophy, and post-stenotic dilatation may be observed on two-dimensional echocardiography (Belerenian, 2007; Ferraris, 2007). Doppler echocardiography should reveal an increased peak velocity of aortic flow. In dogs, Sisson et al. (2000) documented that aortic velocity over 2.2 m/s is regarded as indicative of aortic stenosis, whereas in cats, Stepien and Bonagura (1991) reported that peak aortic velocity greater than 2 m/s might suggest a narrowed aortic tract. As documented in literature, aortic stenosis is an uncommon congenital heart defect in cats. Therefore, the aim of this paper is to report a case of severe aortic stenosis in an initially asymptomatic Persian kitten, followed by the development of left atrial thrombus and signs of congestive heart failure. 229 Sousa MG et al. RPCV (2008) 103 (567-568) 229-232 Case description A 5-month-old male Persian kitten weighing 2.5 kg was brought to consultation for initial vaccination. Except for a grade 3/6 systolic ejection murmur heard best over the left basilar region and radiating both cranially and dorsally, no obvious abnormalities were found on physical examination. The caretaker noted that the kitten had an adequate appetite and was as active as its sibling. Although the cat had demonstrated normal behavior and physical activity with no overt medical conditions, ancillary exams were requested to investigate the murmur. Thoracic radiographs disclosed a normal cardiac silhouette and no evidence of congestive heart failure. Cardiac examination consisted in a 6-lead computerized electrocardiogram and echocardiography with Doppler examination. Only sinus tachycardia was documented on electrocardiography (200 bpm). Echocardiography was performed from the right parasternal and left apical locations. On two-dimensionally-guided M-mode echocardiography, a mildly decreased left ventricular systolic diameter (0.55 cm), decreased left ventricular diastolic diameter (1.26 cm), and increased fractional shortening (56%) were consistent with mild left ventricular concentric hypertrophy. Left atrial diameter was within the reference range. On the apical five-chamber view, a severely increased peak aortic velocity (6.03 m/s) was identified using continuous-wave Doppler (Figure 1). Based on the echocardiographic findings, the diagnosis of aortic stenosis was established. Four months later, the cat was brought to the Veterinary Teaching Hospital for a follow-up consultation. On presentation, he weighed 4.7 kg, was very active and his owner reported no abnormalities since we last saw him. We auscultated a grade 4/6 systolic ejection murmur, still radiating cranially and dorsally, but the remainder of the physical examination findings were unremarkable. M-mode echocardiography showed a moderate left atrial enlargement (1.74 cm, with a left atrium-to-aorta ratio of 2.3), increased interventricular septal thickness in systole (0.98 cm) and diastole (0.89 cm), and decreased left ventricular systolic (0.55 cm) and diastolic diameter (1.00 cm). Color-flow and spectral Doppler demonstrated a highvelocity turbulent flow across the aorta. Three months later, the cat was presented to the Veterinary Teaching Hospital emergency service with acute difficulty in breathing and tachypnea. On physical examination, the patient had mildly cyanotic mucous membranes, and was tachypneic, dyspneic, and tachycardic. Peripheral pulse rate matched the heart rate at 210 pulses/minute. Cardiac sounds were inaudible over pulmonary crackles and wheezes. Lateral radiographs showed severe pulmonary edema and left atrial enlargement. Short-term emergency therapy was immediately initiated and included 230 Figure 1 – Continuous-wave Doppler interrogation at initial presentation showed a severely increased peak aortic velocity (6.03 m/s) and a turbulent flow across the aortic valve (arrow). (Ao: Aorta; LA: left atrium; LV: left ventricle). Figure 2 – Echocardiographic findings in a kitten with aortic stenosis: Left atrial thrombus (between arrows) seen on the long-axis view. (LA: left atrium; RA: right atrium; LV: left ventricle). furosemide and a nitroglycerin transdermal patch placed over a shaved area on lateral thorax. The patient was continually supplemented with 100% oxygen via a face mask, resulting in improvement in the color of the mucous membranes. An ultrasonographic examination of the heart disclosed a large thrombus (approximately 0.94 x 0.52 cm) (Figure 2) inside the severely enlarged left atrium (2.38 cm). Due to respiratory distress, the echocardiogram was not fully performed. Therefore, no measures of left ventricular chamber and aortic peak velocity were done at this time. Although every effort was made to treat pulmonary edema, cardiopulmonary arrest occurred about three hours after initial presentation. Sousa MG et al. Discussion Congenital cardiac disease comprises about 10% of cardiology cases in domestic mammals (Keirstead et al., 2002). In cats, however, congenital heart diseases are less common, counting for approximately 0.02% to 0.1% of hospital admissions (Goodwin, 2001). Although rare, some reports of congenital fixed aortic stenosis in cats exist (Liu, 1968; Stepien and Bonagura, 1991). Although no clinical signs were observed at initial presentation, a congenital heart disease was suspected due to a loud systolic ejection murmur loudest over the left basilar region. Cote et al. (2004) reported that many murmurs detectable in overtly healthy cats appear to be caused by a latent structural heart disease. Because young animals can have physiologic or innocent heart murmurs, it is important to consider that, in general, loud heart murmurs are indicative of cardiac disease (Kittleson, 1998). Therefore, ancillary exams were requested to confirm the suspected heart pathology. Initial thoracic radiographs did not show any abnormalities. Left ventricular enlargement and widening of the mediastinum (poststenotic dilatation) may be detected by radiography in severely affected animals (Liu, 1968; Bolton and Liu, 1977; Stepien and Bonagura, 1991). In some cases, however, thoracic radiographs may be normal (Sisson et al., 2000). Only sinus tachycardia was observed on the electrocardiogram. Although the electrocardiogram is generally normal in dogs with subaortic stenosis, severely affected dogs may eventually have ventricular premature contractions (Kienle, 1998). Nevertheless, we did not observe any abnormality in nearly three minutes of ECG recording in this cat. The suspected congenital heart anomaly was confirmed by Doppler echocardiography. The highly increased velocity across aortic valve is the definitive diagnosis of aortic stenosis (Stepien and Bonagura, 1991; Ferraris, 2007), which has been recognized to occur in subvalvular, valvular, and supravalvular forms in cats (Kienle, 1998). Also, an incomplete subaortic stenotic ring was detected at necropsy in one cat (King et al., 1988). The obstruction was assumed to be fixed rather than dynamic owing to the lack of a delayed systolic peak in the continuous-wave Doppler tracing of the left ventricular outflow tract (Thomas et al., 1984; Kienle, 1998). Chronic pressure overload associated to a normal or enhanced myocardial function resulted in secondary left ventricular concentric hypertrophy, which is usually appreciated in moderately-to-severely affected animals (Kienle, 1998). Interestingly, no poststenotic dilatation was recognized. In dogs, however, the dilatation may be slight before 6 months of age (Kienle, 1998), which is likely to be similar in affected cats. Due to questionable or unproven value, medical RPCV (2008) 103 (567-568) 229-232 therapy was not initiated in this kitten (Fox, 1991; Bonagura, 1994). Although the kitten was asymptomatic and had no electrocardiographic abnormalities, the owner was informed of the possibility of starting a beta-adrenergic receptor blocking drug and an angiotensin-converting enzyme inhibitor empirically (Kienle, 1998; Sisson et al., 2000; Belerenian, 2007), since a severely increased gradient was measured across aortic valve. By decreasing heart rate and cardiac contractility, beta-blockers may reduce myocardial oxygen demand and increase coronary perfusion, thereby reducing the occurrence of malignant arrhythmias (Kienle, 1998). However, this option was declined and only restriction to vigorous exercise was recommended. Cats with cardiac disease are prone to develop thromboembolism (Laste and Harpster, 1995; Smith and Tobias, 2004). In general, the thrombus is formed in the enlarged left atrium due to blood stasis, endothelial damage, and altered coagulability (Pion and Kittleson, 1989; Bonagura, 1994). In the case reported herein, the abnormal diastolic filling pattern as a consequence of concentric hypertrophy and ventricular stiffness resulted in left atrial enlargement, therefore predisposing for thrombogenesis (Bonagura, 1994; Kienle, 1998). On presentation, however, the thrombus had not caused clinical abnormalities and was an incidental finding. The thrombus within left atrium was large enough to be easily observed on standard long-axis four-chamber and short-axis views. Although reports of intracardiac thrombi exist (Venco, 1997), we did not find any report of intracardiac thrombus formation in a cat with aortic stenosis. Conclusion Although rare, aortic stenosis may occur in cats. Loud heart murmurs auscultated in overtly healthy kittens may indicate a congenital heart disease. Therefore, clinicians are reminded to perform a detailed physical examination prior to routine vaccinations or exams. Also, cats with aortic stenosis and enlarged left atrium should be considered at risk for developing intracardiac thrombi and even thromboembolism. Bibliography Belerenian G (2007). Estenosis aórtica. In: Afecciones cardiovasculares en pequeños animales. Editors: Belerenian G, Mucha CJ, Camacho AA, Grau JM. Intermédica (Buenos Aires), 227-236. Bolton GR, Liu SK (1977). Congenital heart disease of the cat. Vet Clin North Am Small Anim Pract, 7: 341-353. Bonagura JD (1994) Cardiovascular diseases. In: The cat: diseases and clinical manangement. Editors: Sherding RG. Churchill Livingstone (New York), 819-946. 231 Sousa MG et al. Coté E, Manning AM, Emerson D, Laste NJ, Malakoff RL, Harpster NK (2004). Assessment of the prevalence of heart murmurs in overtly healthy cats. J Am Vet Med Assoc, 225: 284-388. Ferraris SR (2007). Ecocardiografía. 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Moreira1, Stefânia A. Miranda1, 3, 4, Adriel B. de Brito1, Washington L. A. Pereira2, 3, Sheyla F. S. Domingues1, 2* 1 Laboratório de Biologia e Medicina de Animais Domésticos e Silvestres da Amazônia (BIOMEDAM), Faculdade de Medicina Veterinária, Campus de Castanhal, Universidade Federal do Pará (UFPA) Rua Hernane Lameira, 532, Castanhal, Pará, Brasil - CEP: 68743- 050 2 Medicina Veterinária, Instituto de Saúde e Produção Animal, Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) Presidente Tancredo Neves, 2501, Belém, Pará, Brasil - CEP: 66077-530 3 Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal, UFPA. Rua Augusto Correa, 01, Belém, Pará, Brasil - CEP: 66075-900 4 Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) Resumo: O objetivo deste estudo foi relatar o caso clínico, os achados ultrassonográficos e histopatológicos do complexo hiperplasia endometrial cística - piometra (HEC-P) em uma cadela sem raça definida, tratada pelo proprietário com medroxiprogesterona durante três anos sem a orientação médica veterinária, bem como mostrar a importância da utilização do exame ultrassonográfico na clínica veterinária para o diagnóstico precoce de HEC associada ou não à piometra, quando métodos contraceptivos com análogos da progesterona forem empregados. Palavras-chave: Cadela, medroxiprogesterona, ultrassonografia, complexo hiperplasia endometrial cística-piometra Summary: The aim of the current study was to report the clinical case, ultrasonographic and histopathologic findings of cystic endometrial hyperplasia-pyometra complex (CHE-P) in a mongrel bitch, which the owner treated with medroxyprogesterone acetate, continuously, during three years without veterinary’s orientation, as well as to demonstrate the importance of using exams like ultrasonography in veterinary clinic for early diagnosis of CEH associated or not to pyometra, when contraceptive methods like progesterone acetate analog were employed. Keywords: Bitch, medroxyprogesterone acetate, ultrasonography, cystic endometrial hyperplasia-pyometra complex Introdução Nos últimos anos, métodos de prevenção ou interrupção da gestação vêm sendo descritos para o controle populacional de cães e gatos e, entre esses métodos estão o cirúrgico (Brunckhorst et al., 2000), o *Correspondência: shfarha@ufpa.br imunológico (Lopes et al., 2005) e o hormonal (Brunckhorst et al., 2000; Oliveira e Marques Jr, 2006). Atualmente, os tratamentos hormonais com análogos da progesterona, como o acetato de medroxi-progesterona, são utilizados na Medicina Veterinária visando a contracepção de cadelas e gatas (Kim e Kim, 2005; Oliveira e Marques Jr, 2006). A exposição à progesterona por períodos prolongados associada a infecção bacteriana pode resultar em hiperplasia endometrial cística e o surgimento de piometra (HEC-P) (Hidalgo et al., 1986; Grooters, 1994). A HEC é uma enfermidade polissistêmica que pode ser aguda ou crônica (Dow, 1957; Kennedy e Miller, 1993), sendo a HEC-P uma causa comum de mortes em fêmeas da espécie canina (Hardy, 1980; Arthur et al., 1989; Coggan et al., 2004). Histologicamente, a HECP caracteriza-se por hiperplasia do endométrio, infiltração de células inflamatórias em todas as camadas teciduais do útero: endométrio, miométrio e perimétrio (Dow, 1957; Kennedy e Miller, 1993). Ocorre um acúmulo de exsudato no lúmen uterino e nas glândulas endometriais (Feldman e Nelson, 1996), bem como um aumento no tamanho e número destas glândulas (De Bosschere et al., 2001), a dilatação das mesmas confere o aspecto cístico (Johnson, 1992). Para o diagnóstico da HEC-P, a ultrassonografia (US) bidimensional (2D) em modo B pode ser utilizada, por permitir a visualização detalhada do conteúdo intraluminal, bem como das camadas teciduais e contornos uterinos (Nyland, 2002), sendo empregada no diagnóstico de doenças do sistema reprodutor, como a endometrite e a HEC associada ou não à piometra (Gonzalez et al., 2003) e, de outros diagnósticos quando há presença de material intraluminal uterino, como a mucometra, hidrometra e hemometra (Nyland, 2002). 233 Moreira HR et al. O uso da US como um procedimento de diagnóstico por imagem na medicina veterinária é de grande importância por não ser invasivo, não causar efeito biológico prejudicial, ser seguro para o paciente e para o operador, sendo possível executá-la sem a necessidade de medidas de segurança específicas (King, 2006). O objetivo deste trabalho foi relatar o caso clínico e os respectivos achados ultrassonográficos e histopatológicos da HEC-P em uma cadela sem raça definida (SRD), que foi tratada a critério do proprietário com medroxiprogesterona por três anos, sem a orientação do Médico Veterinário, assim como, chamar a atenção para a importância da incorporação de exames complementares, como a US, à rotina da clínica veterinária para subsidiar o diagnóstico precoce da HEC, associada ou não à piometra, quando métodos contraceptivos à base de análogos da progesterona forem empregados. RPCV (2008) 103 (567-568) 233-238 Doppler pulsátil, registro das ondas de fluxo e cálculo de ambos índices de resistividade (IR) e de pulsatilidade (IP), sendo estes calculados automaticamente pelo software do ultrassom de acordo com as seguintes fórmulas propostas por Pourcelot (1974) e Gosling et al. (1974), respectivamente: IR = Pico de velocidade sistólica – Velocidade diastólica final Pico de velocidade sistólica IP = Pico de velocidade sistólica – Velocidade diastólica final Velocidade média do ciclo A partir dos achados ultrassonográficos indicativos de HEC-P, a fêmea foi submetida à ovariohisterectomia. Fragmentos do útero foram fixados em formol tamponado a 10%, inclusos em parafina e seccionados a uma espessura de 5 µm, sendo posteriormente corados pelo método de Hematoxilina-Eosina (H-E) para exame histopatológico. Resultados e discussão Material e métodos Uma cadela sem raça definida (SRD), com 10 anos de idade, pesando 9 kg e não castrada foi atendida no Laboratório de Biologia e Medicina de Animais Domésticos e Silvestres da Amazônia (BIOMEDAM), Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Federal do Pará (UFPA), por apresentar, segundo o proprietário, sinais de anorexia, apatia, gemidos, êmese, tenesmo, poliúria, polidpsia e edema vulvar com eliminação de secreção vaginal mucopurulenta de odor pútrido. O proprietário relatou que administrava medroxiprogesterona à fêmea como método contraceptivo por 3 anos consecutivos, a cada 4 meses, sem a prescrição de um Médico Veterinário. O exame clínico da fêmea foi conduzido, estendendo-se com a colpocitologia, posteriormente com a coleta de sangue para hemograma completo, e, adicionalmente, realizou-se a US transabdominal. Para a US, procedeu-se uma ampla tricotomia das regiões abdominal e pélvica. Em seguida, aplicou-se à pele um gel de transmissão hidrossolúvel para ultrassom (Aquasonic® 100, Parker Laboratories, INC., Fairfield, New Jersey, USA), com o objetivo de assegurar um bom contato entre o transdutor e a pele do animal. A US foi realizada com o ultrassom PHILIPS modelo HDI 4000 (Philips Medical Systems, Bothel, WA, EUA), equipado com um transdutor linear multifrequencial de 5–12 MHZ e dispositivos Doppler Colorido e Doppler de Fluxo. O útero foi localizado com a US 2D em modo B, usando a bexiga urinária visualmente anecóica como órgão de referência. Com o auxílio do Doppler Colorido, as artérias uterinas direita e esquerda foram identificadas lateralmente ao longo de cada corno uterino. Em seguida, o Doppler de Fluxo foi acionado para a obtenção do amostral do 234 No presente caso, a HEC-P provavelmente decorreu do uso prolongado e indiscriminado de medroxiprogesterona. De acordo com Gobello et al. (2003), esse processo pode se desenvolver após o uso de progesterona que promove o bloqueio do estro. Estudos experimentais conseguiram reproduzir esta patologia por meio da inoculação intra-uterina de Escherichia coli, durante simulação do diestro com benzoato de estradiol e acetato de megestrol em cadelas ovariectomizadas (Arora et al., 2006). Portanto, é crucial o papel representado pela progesterona exógena na manifestação de alterações uterinas, que levarão ao desenvolvimento da HCE. O histórico clínico do presente caso corrobora com o que é descrito na literatura disponível sobre HEC-P (Bigliardi et al., 2004), uma vez que as queixas mais freqüentes dos proprietários de animais com esta doença consistem em vômito, anorexia, depressão, eliminação de secreção vaginal purulenta, que pode estar presente em até 75% das cadelas com HEC-P (Hardy e Osborne, 1974), poliúria e polidipsia, sendo esses dois últimos sinais uma forma compensatória da diminuição da capacidade de concentração tubular renal (Birchard e Sherding, 2003). Ao exame físico não foram evidenciadas alterações na auscultação cardiopulmonar. A coloração das mucosas, o tempo de preenchimento capilar e a temperatura retal estavam normais. A febre é um achado variável e freqüentemente está ausente (Birchard e Sherding, 2003). Entretanto, Johnson (1992) descreve que animais com HEC-P geralmente apresentam a temperatura retal normal, porém os que estão com septicemia ou endotoxemia podem estar hipotérmicos. Durante a palpação abdominal, a fêmea demonstrou acentuada sensibilidade e o abdômen estava aumentado de tamanho devido ao acúmulo de Moreira HR et al. líquido no lúmen uterino. A colpocitologia confirmou o histórico de secreção vaginal mucopurulenta. Essa técnica, além do baixo custo é de fácil execução, sendo importante a sua realização durante o exame físico para a detecção da secreção recorrente do trato reprodutor feminino, visto que as secreções podem não estar visíveis no momento da chegada da paciente ao consultório, como aconteceu nesse relato. Com relação aos achados hematológicos, o eritrograma apresentou apenas uma discreta redução no número de eritrócitos com valores de 4,8 x 1012/L (Valor referencial: 5,5-8,5 x 1012/L) e aumento do VCM (87,5 fL) e HCM (29,2 pg), considerando os valores de referência de 60-72 fL e 19,9-24,5 pg, respectivamente (Meyer et al., 1995). O leucograma apresentou-se sem alterações. O hemograma em cadelas com HEC-P geralmente indica um leucograma tipicamente inflamatório, caracterizado por neutrofilia extrema com desvio à esquerda regenerativo (Johnson, 1992; Birchard e Sherding, 2003), porém pode ocorrer leucograma normal que está geralmente associado com cérvix aberta (Birchard e Sherding, 2003), onde há eliminação de secreção vaginal purulenta proveniente do útero. No exame de US 2D em modo B, foram evidenciadas as seguintes alterações: cornos uterinos direito e esquerdo com contornos levemente irregulares e diâmetros aumentados medindo 2,52-2,59 cm e 1,5-1,9 cm (Figura 1A), respectivamente; presença de conteúdo anecóico no lúmen uterino; e endométrio repleto de lesões multifocais papiliformes hiperecóicas e císticas anecogênicas (0,99 cm) (Figura 1B). Considerando os achados ultrassonográficos, foi possível demonstrar que a US 2D em modo B é um exame importante para o diagnóstico da HCE-P, por possibilitar a visualização da espessura do endométrio e do diâmetro uterino, bem como a presença de líquido no lúmen uterino e de hiperplasia cística das glândulas endometriais, conforme também já descrito por Bigliardi et al. (2004). Bigliardi et al. (2004) ressaltam ainda que quando os sinais clínicos HEC-P são severos é necessário realizar um exame ultrassonográfico para diagnósticar o grau das lesões. As lesões multifocais papiliformes hiperecóicas e císticas anecogênicas presentes no endométrio foram visualizadas com bordos ricamente vascularizados facilmente evidenciada pela US 2D em modo B associada ao Doppler Colorido (Figuras 1C e 1D). Com o US 2D em modo B, associada ao Doppler Colorido e Doppler de Fluxo (Triplex Doppler) foram obtidos os valores de 0,82 e 0,99; 2,31 e 3,78 para os IR e IP de ambas as artérias uterinas direita e esquerda, respectivamente (Figuras 1E e 1F). Em cadelas adultas na fase de anestro, Miranda et al. (2007) descreveram que não ocorrem diferenças estatísticas entre os IR e IP das artérias uterinas direita e esquerda, sendo as médias desses índices as seguintes: 0,87 ± 0,01 e 3,00 ± 0,2. RPCV (2008) 103 (567-568) 233-238 A Figura 1A - Exame Ultrassonográfico. US 2D em modo B mostrando secção longitudinal do corno uterino com acentuado aumento de tamanho. B Figura 1B - US 2D em modo B do corno uterino em secção longitudinal mostrando o endométrio com lesões císticas anecóicas (seta branca preenchida) e espessamento papiliforme hiperecóico (seta branca pontilhada) C Figura 1C - US 2D em modo B associada ao Doppler Colorido demonstrando o corno uterino em secção longitudinal com lesão papiliforme endometrial apresentando bordos vascularizados. D Figura 1D - US 2D em modo B associada ao Doppler Colorido demonstrando o corno uterino em secção transversal com lesões císticas apresentando bordos acentuadamente vascularizados de fácil evidenciação pelo Doppler Colorido. 235 Moreira HR et al. A elevação ou a diminuição dos IR e IP são resultantes da diminuição ou aumento do fluxo sanguíneo, respectivamente, sendo que ambas as situações podem ser em decorrência de possível processo patológico (Domingues et al., 2007), como observou-se no resultado desse trabalho, em que se configurou uma assimetria do fluxo sangüíneo uterino, onde a AU esquerda apresentou IR e IP aumentados, demonstrando uma vasoconstrição neste vaso com aumento da resistência no fluxo sanguíneo. No procedimento cirúrgico (ovário-histerectomia) constatou-se que o útero apresentava-se aumentado de tamanho, conforme observado no exame ultrassonográfico. Confirmando a importância da avaliação do sistema reprodutor da fêmea por meio da US para a escolha do tratamento, pois na HEC, com ou sem piometra, o tratamento indicado é a ovário-histerectomia (Johnson, 1992; Birchard e Sherding, 2003; Lyman, 2003). Bigliardi et al. (2004) relataram que nunca obtiveram sucesso no tratamento com prostaglandina e antibióticos em casos severos de HEC, sendo estes medicamentos utilizados somente em casos mais brandos da doença. Porém o que determina se o tratamento deve ser clínico ou cirúrgico é a condição em que o animal se encontra no momento do exame clínico, além da idade da paciente (Birchard e Sherding, 2003) e da importância para o proprietário de preservar a capacidade reprodutiva do animal (Allen, 1995). Vinte dias após a cirurgia houve a recuperação total da paciente. Nos casos onde é de interesse do proprietário manter a integridade do aparelho reprodutor e, conseqüentemente, a capacidade reprodutiva da cadela, optando-se pelo uso de derivados de progesterona como método contraceptivo, é aconselhável que se faça um acompanhamento ultrassonográfico periódico por um Médico Veterinário, visto que qualquer patologia indesejada (endometrite, mucometra, HEC-P, entre outras) pode vir a ser diagnosticada precocemente. No exame macroscópico foi observado o útero RPCV (2008) 103 (567-568) 233-238 E F Figuras 1E e 1F - Triplex Doppler das artérias uterinas (AU) direita (E) e esquerda (F). Os índices de resistividade (IR) e pulsatilidade (IP) da AU direita estão normais (0,82 IR e 2,31 IP), enquanto que na AU esquerda estes índices encontram-se aumentados (0,99 IR e 3,78 IP), demonstrando uma vasoconstrição na AU esquerda com aumento da resistência no fluxo sanguíneo. aumentado de tamanho com artérias uterinas (AU) e seus ramos congestos, hiperêmicos e dilatados (Figura 2A). O endométrio apresentava-se espessado com zonas de hipertrofia papilomatosas (Figura 2B) e presença de conteúdo mucopurulento intraluminal. O estudo histopatológico revelou hiperplasia do epitélio de revestimento uterino, configurando um Figura 2 - (A) Útero após ovário-histerectomia (amostra preservada em formol). Observa-se o útero aumentado de tamanho. Artéria uterina (AU) e seus ramos congestos, hiperêmicos e dilatados. (B) Endométrio com aspecto papiliforme e presença de secreção mucopurulenta. 236 Moreira HR et al. aspecto papiliforme com projeções para o lume, incluindo as glândulas endometriais; no interstício houve predomínio de macrófagos e de células neutrofílicas (Figura 3). Ainda no tecido conjuntivo endometrial, os vasos mostraram-se túrgidos por sangue, e presença de áreas hemorrágicas e de fibroplasia. Além da hiperplasia do epitélio superficial e glandular endometrial, observou-se destruição de glândulas e muitas mostraram-se com distensão cística do lúmen por exsudato mucoso (Figura 4) e células piocitárias. O miométrio encontrava-se com vasos congestos e perimétrio sem alterações. Noakes et al. (2001) e Chu et al. (2002) consideram que essas alterações na estrutura do endométrio canino podem ser associadas com degeneração do epitélio luminal, hiperplasia endometrial cística, piometra, o que no presente caso atribui-se à HEC-P em conseqüência da administração de altas doses de medroxiprogesterona como método contraceptivo, por período prolongado. Frente à freqüente ocorrência na clínica veterinária de pequenos animais do complexo HEC-P, cadelas Figura 3 - Fotomicrografia de HEC crônica. Hiperplasia da glândula endometrial com projeções papiliformes no lume (setas). O tecido conjuntivo perigrandular densamente infiltrado por neutrófilos e macrófagos (A). H.E. 40x. Figura 4 - Fotomicrografia de HEC crônica. Denso infiltrado inflamatório endometrial (A). Varias glândulas endometrias com distensão cística (B). O epitélio do lume uterino hiperplásico e com formações polipóides (setas). H.E. 20x. RPCV (2008) 103 (567-568) 233-238 submetidas ao uso prolongado de análogos da progesterona como método contraceptivo devem ser monitoradas por exames ultrassonográficos, uma vez que a ultrassonografia possibilita o diagnóstico de HEC-P, antes mesmo que exames laboratoriais (hemograma) indiquem a presença desta patologia, possibilitando a escolha do melhor tratamento. Daí a importância do acompanhamento ultrassonográfico periódico do sistema reprodutor da fêmea pelo médico veterinário, quando métodos contraceptivos forem empregados. Vale também ressaltar que a orientação de um profissional médico veterinário capacitado é imprescindível para a prescrição de métodos contraceptivos. Bibliografia Allen WE (1995). Fertilidade e obstetrícia no cão. 2ª edição. Varela (São Paulo). Arora N, Sandford J, Browning G F, Sandy J R, Wright PJ (2006). A model for cystic endometrial hyperplasia/piometra complex in the bitch.Theriogenology, 66: 1530-1536. Arthur GH, Noakes DE, Pearson H (1989). 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Suplemento DA REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS Vol. CIII · Nº 567-568 SUPLEMENTO R E V I S TA P O R T U G U E S A DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS Elie Metchnikoff na Ilha da Madeira António Martins Mendes1 e Alexandre Cameira Leitão2 1 Faculdade de Medicina Veterinária, TULisbon. Avenida da Universidade Técnica, 1300-477 Lisboa Instituto de Investigação Científica Tropical, CVZ - CIISA. FMV - Avenida da Universidade Técnica, 1300-477 Lisboa 2 Elie Metchnikoff (Kharkoff, 1845 – Paris, 1916) foi laureado em 1908 com o Prémio Nobel da Medicina, em reconhecimento pelos seus trabalhos sobre imunidade. A ideia de apresentar esta nota surgiu quando um de nós remexendo nos restos do que foi a esplêndida biblioteca da Escola Superior de Medicina Veterinária que ainda se encontravam no sótão do edifício da Rua de Gomes Freire, deparou com um maço do Boletim Internacional do Instituto Oswaldo Cruz. Num dos números existia uma biografia do seu patrono e, nesse escrito, o autor afirma que Oswaldo Cruz, fundador do internacionalmente conhecido Instituto de Manguinhos, Rio de Janeiro, enquanto estudava no Instituto Pasteur de Paris, conversava com Metchnikoff em português que ele aprendera na Ilha da Madeira (Coura, 1994). Evidentemente que para nenhum de nós Metchnikoff era um desconhecido mas a sua estadia na Madeira foi uma surpresa. Decidimos então aprofundar o assunto. O "Elucidário Madeirense" (Augusto da Silva e Azevedo de Meneses, 1984) ou "As Ilhas de Zargo" (Pereira, 1967) nada referem. Infelizmente não nos foi possível deslocarmo-nos ao Funchal para consultar os respectivos Arquivos Históricos. Contudo ficámos com a ideia de que, provavelmente, pouco ou nada encontraríamos. Todas as obras respeitantes à Imunologia e à Microbiologia, com maior ou menor destaque, continuam a referir Metchnikoff e o seu trabalho fundamental, mas ficam-se por aí. Para este escrito, baseámo-nos na biografia escrita por Olga Metchnikoff (1920) e no discurso de agradecimento proferido pelo próprio quando lhe foi atribuído o Prémio Nobel da Medicina, em 11 de Dezembro de 1908, bem como na biografia que o acompanha em "Nobel Lectures" (Sem autor, 1967). Vejamos então. Elie Metchnikoff (a forma francesa do seu nome que ele usou durante os últimos 25 anos da sua vida) foi um zoologista e biologista, nascido numa pequena aldeia perto de Kharkoff, na Ucrânia, ao tempo parte integrante do Império Russo, a 16 de Maio de 1845. Seu pai era oficial da guarda imperial russa e proprietário de terras. Elie foi o último dos seus cinco filhos. Sua mãe era judia e Metchnikoff foi educado nessa religião. Mais tarde porém, afirmou-se ateu e elegeu o racionalismo e a ciência como sua religião. Depois dos estudos nas escolas primária e secundária, matriculou-se na Universidade de Kharkoff realizando uma licenciatura em Ciências Naturais de quatro anos, em apenas dois. Desde muito cedo se sentira atraído pelo estudo da Natureza, sendo fortemente influenciado pela leitura da "Origem das espécies" de Charles Darwin, publicada em Novembro de 1959, tinha Metchnikoff 14 anos. De 1864 a 1867 realizou uma viagem de estudo por várias cidades da Europa, trabalhando em Zoologia e Botânica. Finalmente, em Nápoles e em colaboração com Kowalevsky, estudando a reprodução dos chocos (género Sepia) lançou as bases da Embriologia. Em 1867 apresentou na Universidade de S. Petersburgo tese de Doutoramento consagrada à sua teoria dos folhetos embrionários. Foi depois admitido como docente da nova Universidade de Odessa e, em 1870, foi nomeado Professor titular de Zoologia da mesma Universidade. Entretanto, em Janeiro de 1869, em S. Petersburgo, casara em primeiras núpcias com Ludmilla Feodorovitch que sofria de uma tuberculose tão avançada que foi levada para a cerimónia numa cadeira de rodas. Durante os anos seguintes passou diversos períodos nas costas do Mediterrâneo, realizando estudos da fauna marítima e procurando um clima mais favorável para a saúde de sua esposa. Naquele tempo a Madeira era afamada pelo seu clima temperado. Foram os ingleses os primeiros que a privilegiaram como aconselhável para a cura das doenças pulmonares. A propósito deste assunto, Jessie Edith Hutcheon, membro da Royal Geographical Society, Londres, escrevia num livro dedicado à Madeira (Hutcheon, 1928): «Há cinquenta anos a Madeira era considerada como possuidora de um clima favorável para os doentes de tuberculose e recebia muitos inválidos para uma longa permanência. Arrendavam-se quintas, traziam-se pianos e outros bens de conforto da Inglaterra». O mesmo autor cita uma Miss North que num dos seus livros, em sua opinião, dava uma imagem talvez pouco correcta do Funchal desse tempo: «Apesar da maravilhosa beleza de tudo quanto nos rodeava, ela [uma sua prima que vivia no Funchal com o marido tuberculoso] fazia-me 241 SUPLEMENTO compaixão por estar rodeada de tantos inválidos sem esperança. Ouvia tosses e gemidos em todos os lados e via as faces exangues dos doentes que eram transportados em redes cobertas com colchas brancas aos ombros de dois homens como se fossem cadáveres». Muito diferente era a imagem expressa pelos naturais da Ilha que falavam da admirável alegria e do espírito dos inválidos, das "garden-parties" e dos passeios a cavalo – os dois grandes atractivos dos que ainda não haviam perdido de todo a esperança. Para Hutcheon, no entanto, tudo isso estava já muito distante. Desses tempos passados ficara somente a memória expressa nas lápides das sepulturas. E é o referido autor que nos dá uma curiosa imagem do cemitério britânico, tal como o encontrou: «... o cemitério britânico, situado na rua do Dr. Vieira, é uma comovente mancha, um jardim diferente, onde, à sombra de palmeiras e ciprestes, jazem os estrangeiros do outro lado do mar; a chuva dourada da begónia vetusta reveste amorosamente as paredes de cores cintilantes, com as montanhas à volta fazendo guarda. Choca-nos ler as idades de tantas jovens vidas adormecidas que vieram à Madeira à procura de saúde e somente encontraram um túmulo». Mas, para além de ingleses, naquele tempo, cidadãos de outras nacionalidades, incluindo portugueses, procuravam na Madeira cura para a sua doença. Embora um pouco à margem deste escrito, damos dois exemplos. A princesa D. Maria Amélia, filha única da Imperatriz do Brasil, viúva de D. Pedro I (do Brasil) que em 1852 morreu tuberculosa no Funchal. Sua mãe, D. Amélia, ao deixar o Funchal escrevia a D. Maria II de Portugal comunicando-lhe a resolução de mandar construir nessa cidade um hospício para tuberculosos pobres que ficasse testemunhando o carinho e o apoio que ambas haviam recebido dos seus bons habitantes. Como sinal de reconhecimento passou também a existir no Funchal a rua da Imperatriz. Com o passar do tempo o hospício edificado transformou-se num asilo para crianças desamparadas e assim se mantém na actualidade. Outro caso a referir é o do escritor Júlio Diniz, pseudónimo literário do médico Joaquim Guilherme Gomes Coelho que terminou o curso na Escola Médico-cirúrgica do Porto em Julho de 1861, onde veio a ser lente substituto, secretário e bibliotecário. Em 1866 procurou na Madeira alívio para a tuberculose que se tinha manifestado já no segundo ano da licenciatura. Não encontrou grandes melhoras mas efectuou várias viagens entre Lisboa, Porto e Funchal. Morreu no Porto em 12 de Setembro de 1871, com 31 anos de idade. Nas suas permanências no Funchal não encontrara cura para a doença que lhe matara a mãe e os seus 8 irmãos. Pensa-se que alguns dos seus livros ou, mais provavelmente, "Os Fidalgos da Casa Mourisca" tenham sido escritos, pelo menos parcialmente, no Funchal. Com o decorrer dos tempos a Madeira deixou de ser 242 RPCV (2008) 103 (567-568) 241-244 considerada como uma estação climática para doentes pulmonares transformando-se numa alternativa à Riviera. Passou então a ser visitada por pessoas seduzidas pelo seu clima temperado no Inverno e, mais ainda, durante o Verão, transformando-se numa estância turística internacional. Mas regressemos a Metchnikoff. Durante 5 anos fez tudo quanto lhe foi possível para salvar a vida de sua esposa. A última tentativa foi o Funchal. Ludmilla tinha ouvido falar dos efeitos mágicos dos ares da Madeira nos casos de tuberculose e agarrou-se a essa ideia como a uma tábua de salvação. Não encontrámos a data da chegada do casal à Ilha. Partilharam o arrendamento de uma casa com jardim com um jovem Russo, de nome Mertens, que tinha viajado no mesmo barco. Olga Metchnikoff (1920) descreve uma dicotomia angustiante entre o conforto do lar num lugar de incomparável beleza natural, toda perfumes e flores, e estas duas jovens vidas, uma que se esvaía e outra que se entregava a uma batalha inútil para a salvar. Ludmilla, que já tinha ilustrado diversos trabalhos científicos de Metchnikoff, desenhava flores, lia e interessou-se pelas crianças pobres da Ilha. Metchnikoff que antes de partir para a Madeira tinha obtido subsídio da Sociedade dos Amigos das Ciências Naturais de Moscovo, sentia-se na obrigação de obter resultados mas a costa escarpada batida pelas ondas dificultava-lhe o acesso ao seu objecto de estudo, a fauna marinha. Entregou-se ao estudo da embriologia dos miriápodes (Metchnikoff, 1872), até então desconhecida. Mas, por dificuldades técnicas, estes trabalhos foram uma fonte de desespero. Nestas circunstâncias, o pessimismo natural de Metchnikoff, que escrevera um dia numa carta a sua mãe: «...como sabe, não sou dado a olhar para a vida com óculos cor-de-rosa...», acentuava-se. Entretanto, no seguimento de um trabalho que tinha publicado antes de ir para a Madeira sobre "A educação do ponto de vista antropológico", escreveu um artigo intitulado "O tempo para o casamento" no qual discutia as consequências do aumento progressivo, por razões culturais e civilizacionais, do tempo que decorre entre a puberdade e o casamento. Mais tarde veio a retomar este assunto numa publicação que teve grande impacto na comunidade científica da época (Metchnikoff, 1903). Equacionou demitir-se de todos os cargos e abrir uma pequena livraria no Funchal para poder ficar independente e junto a sua esposa, mas as suas dificuldades financeiras inviabilizaram o projecto. Deslocou-se a Tenerife em busca de matéria para um artigo e regressou logo que lhe foi possível para junto de sua esposa. Nada se tinha alterado e Metchnikoff tinha de regressar a Odessa. Pediu a sua cunhada que fosse para a Madeira e quando ela chegou confiou as duas irmãs a Mertens, com quem tinha desenvolvido estreita amizade, e aos cuidados do Dr. Goldschmidt. Partiu para Odessa no Outono de 1872. Más notícias, contudo, fizeram-no regressar ao Funchal em finais SUPLEMENTO de Janeiro de 1873. Ludmilla estava gravemente doente e faleceu a 20 de Abril. Para Metchnikoff a sua morte foi um choque muito intenso. Ao desgosto juntaram-se perturbações visuais, que o impediam de trabalhar ao microscópio. Desesperado, fez uma tentativa de suicídio ingerindo uma elevada quantidade de ópio. Mas sobreviveu. Voltou aos seus estudos sobre as raças humanas e obteve financiamentos para duas Missões nas estepes de Astrakan. Em 1875 casou-se em Odessa com Olga Belokopytova. Olga em 1880 fez uma grave infecção de Febre Tifóide e Metchnikoff, que estava ainda com graves problemas de saúde, voltou a tentar o suicídio, dando-lhe uma forma de experiência científica. Auto-infectou-se com sangue de doentes de Febre Recorrente procurando demonstrar que a doença era transmissível pelo sangue. A infecção foi muito grave mas, mais uma vez, sobreviveu. Em 1882 demitiu-se da Universidade de Odessa, no período perturbado que se seguiu ao assassinato de Alexandre II, e regressou a Messina para trabalhar no laboratório onde realizara os seus trabalhos de Embriologia. Retomou então os seus estudos sobre a fauna pelágica e o desenvolvimento embrionário dos organismos. Quando observava células móveis nas larvas transparentes de estrelas-do-mar pensou que elas deveriam ser consideradas como uma parte das defesas desses organismos. Para testar a sua hipótese introduziu no corpo das larvas alguns pequenos espinhos de uma tangerineira que havia sido preparada como árvore de Natal para seus filhos. No dia seguinte observou que os espinhos estavam cercados pelas células móveis e, sabendo que quando surge uma inflamação nos animais com aparelho vascular os leucócitos saem dos seus vasos, admitiu que elas deviam também envolver e digerir as bactérias que tivessem entrado no organismo. Ao regressar a Odessa passou por Viena e expôs as suas ideias ao Professor de Zoologia da respectiva Universidade, Dr. Claus, que em reposta ao pedido de sugestão de um termo grego para designar "célula devoradora" lhe sugeriu "fagocito". Em 1883, encorajado pelos investigadores alemães Kleinenberg e Virchow, que tinham estado presentes em Messina aquando dos seus estudos, publicou nos Trabalhos do Instituto de Zoologia da Universidade de Viena uma notícia sobre as reacções celulares dos animais invertebrados, na qual aparece, pela primeira vez a palavra fagócito (Metchnikoff, 1883a) e, nesse mesmo ano, um outro sobre a fagocitose em alguns vertebrados (Metchnikoff, 1883b). Ainda no Outono desse ano apresentou em Odessa o seu primeiro trabalho sobre a fagocitose. A interpretação do fenómeno da fagocitose e a dedução do seu significado na defesa do organismo eram o oposto da teoria estabelecida na época. Mesmo antes da primeira publicação de Metchnikoff sobre o fenómeno que agora se passava a designar fagocitose (Metchnikoff, 1880), a ingestão de partículas inertes, RPCV (2008) 103 (567-568) 241-244 eritrócitos e até de agentes infecciosos tinha já sido observada (ver Ambrose, 2006). Todavia a maioria das opiniões defendia que o fenómeno promovia a dispersão dos agentes infecciosos pelo organismo e era, portanto, deletério. Poucos admitiam um papel de defesa. Mas a hipótese de Metchnikoff ia mais longe e colocava a fagocitose no centro da inflamação e da imunidade. Alterou completamente a sua personalidade, abandonou o pessimismo e procurou evidências experimentais para a sua teoria. A primeira confirmação terá sido a observação de que os esporos dos fungos que atacavam os crustáceos de água doce do género Daphnia eram atacados pelos respectivos fagocitos. Estudou depois o carbúnculo interno e viu que as estirpes mais virulentas não eram atacadas pelos leucócitos enquanto que as mais atenuadas o eram. Por fim, em 1900, apresentou ao Congresso Internacional, em Paris, o conjunto dos resultados de vinte anos de investigação, rebatendo sistematicamente as posições dos seus opositores e, convicto da solidez das suas deduções, começou a escrever o seu livro "A imunidade nas doenças infecciosas" (Metchnikoff, 1901). Mas regressemos um pouco atrás. Em 1885, em consequência da descrição da vacina anti-rábica por Louis Pasteur e sua equipa, a municipalidade de Odessa encarregou N. Gamaleia de estudar o novo método de tratamento, em Paris. Após o seu regresso, a mesma municipalidade e o governo de Kherson fundaram o Instituto Bacteriológico de Odessa e entregaram a direcção científica a Metchnikoff, Gamaleia e Bardach. Na cidade gerou-se uma grande hostilidade contra as vacinações anti-rábicas e Metchnikoff pensou que a causa do mau ambiente que estava enfrentando seria devida ao facto de ele não ser médico. Escreveu então a Pasteur, que também não o era, pedindo-lhe conselho, e Pasteur em resposta ofereceu-lhe um laboratório no seu Instituto. Em 1888 foi nomeado director do Serviço de Microbiologia Morfológica do Instituto Pasteur, em 1890 entrou para o grupo de redacção dos Annales de l’ Institut Pasteur e em 1904 foi nomeado subdirector do Instituto Pasteur, lugares que desempenhou até ao seu falecimento. Durante o que se pode considerar primeiro período no Instituto, além de continuar o seu trabalho sobre a fagocitose, publicou numerosos textos sobre a embriologia dos invertebrados com destaque para os insectos e as medusas. Em colaboração com Émile Roux estudou a sífilis e descobriu que era transmissível ao macaco. Deu igualmente muita atenção ao estudo das doenças infecciosas, ao microbismo intestinal – que considerava uma podridão no interior dos organismos superiores – e ao problema do envelhecimento. É hoje considerado o pioneiro também da gerontologia. Desenvolveu a teoria de que a senilidade era a consequência do desenvolvimento de algumas das bactérias intestinais. Para controlar esse desenvolvimento 243 SUPLEMENTO recomendava uma dieta rica em leite fermentado por bacilos que produzem uma grande quantidade de ácido láctico. Ele mesmo seguia essa dieta para grande estranheza de muitos dos seus contemporâneos que o apelidavam de "russo comedor de iogurte", mas pensemos na profusão e popularidade actuais de leites fermentados para percebermos a razão que lhe assistia. Durante a sua vida recebeu numerosas distinções, tais como: Doutor em Ciências Honorário pela Universidade de Cambridge, a medalha Copley da Real Sociedade da qual era Membro, Membro Honorário das Academias de Medicina e das Ciências de Paris, Membro Honorário da Academia de Medicina de S. Petersburgo e em 1908 foi distinguido com o prémio Nobel de Fisiologia e Medicina, juntamente com Paul Ehrlich, pelos seus trabalhos sobre a Imunidade. Com a idade a sua personalidade adquire aspectos pitorescos. Diz-se que usava galochas e um chapéu-de-chuva durante todo o ano, sem atender ao passar das estações. Os seus bolsos estavam sempre cheios de papéis com apontamentos científicos, usava sempre o mesmo chapéu e quando se excitava sentava-se sobre ele. Depois de 1913 começou a sofrer de frequentes alterações cardíacas. A guerra de 1914-1918 provocou-lhe grandes perturbações. Faleceu no Hospital do Instituto Pasteur, em Paris, a 16 de Julho de 1916. Hoje, estamos certos de que Metchnikoff se sentaria sobre o seu chapéu se assistisse à verificação molecular do que pôde deduzir através das lentes meio sujas do seu microscópio. 244 RPCV (2008) 103 (567-568) 241-244 Bibliografia Ambrose CT (2006). The Osler slide, a demonstration of phagocytosis from 1876. Reports of phagocytosis before Metchnikoff’s 1880 paper. Cellular Immunology, 240: 1-4. Augusto da Silva F e Azevedo de Meneses C (1984). Elucidário madeirense. 3ª edição. Secretaria Regional da Educação e Cultura, Funchal. Coura JR (1994). Great lives at Manguinhos. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz. Vol. 89 (Janeiro-Março) páginas I a VI. Hutcheon JE (1928). Things seen in Madeira. Seeley, Service & Co. Limited. London. Metchnikoff E (1872). Embryologie der doppelfüssigen Myriapoden," Zeit F Wissen Zool, XXIV: 253. Metchnikoff E (1880). Über die intracelluäre Verdauung bei Coelenteraten, Zoologischer Anzeiger, 56: 261–263. Metchnikoff E (1883a). Untersuchungen über die intracelluläre Verdauung bei wirbellosen Tieren. Arbeiten d Zool Instituts zu Wien, 2: 14. Metchnikoff E (1883b). Untersuchung über die mesodermalen Phagocyten einiger Wirbeltiere. Biologisch Centralblatt, 18: 560, Bd. III. Metchnikoff E (1901). L'immunité dans les maladies infectieuses. Masson, Paris. Metchnikoff E (1903). The Nature of Man: Studies in Optimistic Philosophy. Tradução inglesa de P. Chalmers Mitchell. Heinemann, Londres. Metchnikoff O (1920). Vie d’Elie Mectchnikoff 1845-1916. Librairie Hachete, Paris, França. Pereira ECN (1967). Ilhas de Zargo. 3ª edição. Câmara Municipal do Funchal, Funchal. Sem autor (1967). Nobel Lectures, Physiology or Medicine 1901-1921. Elsevier Publishing Company, Amsterdam. SUPLEMENTO R E V I S TA P O R T U G U E S A DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS CIÊNCIAS VETERINÁRIAS 2008 IV Congresso da SPCV I Congresso Ibérico de Epidemiologia Veterinária INRB – INIA/Fonte Boa, Vale de Santarém, 27, 28 e 29 de Novembro de 2008 A Sociedade Portuguesa de Ciências Veterenárias (SPCV) organizou, em colaboração com o Instituto Nacional de Recursos Biológicos INRB - INIA/Fonte Boa, as Sociedades Científicas sectoriais, a Sociedade Espanhola de Epidemiologia Veterinária, os Cursos de Medicina Veterinária e as Associações Profissionais, o Congresso Ciências Veterinárias 2008, que reuniu o IV CONGRESSO DA SPCV e o I Congresso Ibérico de Epidemiologia Veterinária. O evento teve lugar no INRB - INIA/Fonte Boa, Vale de Santarém, nos dias 27, 28 e 29 de Novembro e contou com a presença de cerca de 320 participantes. O Congresso contou ainda com a contribuição de cientistas convidados de reconhecido mérito nacional e internacional, nomeadamente: - Segurança Alimentar: Dr. Sérgio Rodeia (European Food Safety Agency) - Qualidade Alimentar: Engª. Ana Soeiro (ExIDRH, MADRP) - Epidemiologia e Medicina Veterinária Preventiva: Prof. Kenton Morgan (Univ. Liverpool, UK) - Patologia: Prof. Peter Moore (University of Davis, USA) - Formação Veterinária: Prof. Cristina Vilela (FMV-UTL). A responsabilidade das sessões de especialidade esteve a cargo das Sociedades ou Associações acima referidas, tendo a seguinte distribuição: - Animais de Companhia: Associação Portuguesa dos Méd. Veterinários Especialistas em Animais de Companhia (APMVEAC) - Aquacultura: Faculdade de Medicina Veterinária/ UTL (FMV-UTL) - Avicultura: Secção Portuguesa da Associação Mundial de Ciência Avícola (SPAMCA) - Buiatria: Associação Portuguesa de Buiatria (ABP) - Epidemiologia: Sociedade Portuguesa de Epidemiologia e Medicina Veterinária Preventiva (SPEMVP) e Sociedad Espanola de Epidemiolgia Veterinaria - Segurança Alimentar: SPCV e FMV-UTL - Equinos: Associação dos Médicos Veterinários de Equinos (AMVE) - Genética e Melhoramento: Sociedade Portuguesa de Recursos Genéticos Animais (SPRGA) - Patologia: Sociedade Portuguesa de Patologia Animal (SPPA) - Pequenos Ruminantes: Sociedade Portuguesa de Ovinotecnia e Caprinotecnia (SPOC) 245 SUPLEMENTO RPCV (2008) 103 (567-568) 245-246 - Reprodução: Sociedade Portuguesa de Reprodução Animal (SPRA) - Microbiologia: SPCV - Suínos: Sociedade Científica de Suinicultura (SCS) - Formação: SPCV. Alltech Portugal, Arbuset, Bayer Portugal SA Divisão Animal, Iapsa Portuguesa Pecuária, Vetlima, Vétoquinol Unipessoal, Atral Cipan, Agroquisa, Bioconsulting, Elanco, TNA - Tecnologia e Nutrição Animal Lda e Valormed. Para a organização do evento, contou-se com o apoio de várias organizações. Os apoios institucionais foram fornecidos por: INRB - INIA/FonteBoa, Ordem dos Médicos Veterinários, Direcção Geral de Veterinária, Câmara Municipal de Santarém e Faculdade de Medicina Veterinária - UTL. Os patrocínios e outros apoios foram dados pelas seguintes empresas: CEVA - Saúde Animal, Merial Portuguesa - Saúde Animal, Laboratórios Pfizer, O sucesso do Congresso, traduzido pelo elevado número de trabalhos submetidos e pela afluência de congressistas, confirma o interesse da comunidade veterinária pela realização periódica de um congresso de ciências veterinárias combinando as várias áreas de intervenção profissional e constituindo-se como uma ocasião excepcional de encontro e de partilha de experiência entre as várias áreas de conhecimento médico-veterinárias. 246 SUPLEMENTO RPCV (2008) 103 (567-568) 247 Vida Associativa Movimento de sócios Necrologia De 1 de Julho a 31 de Dezembro de 2008 foram admitidos os sócios que a seguir se indicam. Efectivos: 2410 Patrícia Alexandra Curado Quintas Dinis Poeta, 2413 Mário Fernandes da Silva, 2414 José Bernardo Archer de Menezes Castro Fraga. Estudantes: 2411 Susana Alexandra Ruivo dos Santos Castro, 2412 Diogo Filipe Pereira Marques, 2415 Maria Goreti Gaspar de Oliveira Cardoso, 2416 Carolina Sant' Ana da Silva Rebelo, 2417 Cláudia Filipa Ferreira Ramos Alves. No segundo Semestre de 2008, deixaram infelizmente a nossa companhia os colegas Fernando Augusto da Silva Teixeira, sócio nº 1202, falecido em Novembro e João Inácio Barata Freixo, sócio nº 852, a 2 de Dezembro. Chegou também agora ao nosso conhecimento o falecimento, em Fevereiro passado, de João Mendonça Braga, sócio nº 629. Às suas famílias as nossas sentidas condolências. 247