1 - SINCTA

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1 - SINCTA
REVISTA DA APCTA. VOL2#1. JAN06
Associação Portuguesa dos Controladores de Tráfego Aéreo
Descolar de novo!
ENTREVISTA COM:
Comandante Carlos Mirpuri
Air Luxor/Hifly
HISTÓRICOS DA AVIAÇÃO:
DC-3 “Dakota”
REFLEXÃO:
Aproximação em condições adversas:
Toronto - O caso do voo AFR358
DESTINO:
Nova Zelândia
Flight Level
Revista da APCTA
(Associação Portuguesa dos Controladores de Tráfego Aéreo)
Presidente do SINCTA:
Carlos Reis
Presidente da APCTA:
António Lança de Carvalho
Coordenação Editorial:
Rodrigo Vaz
Nuno Simões
Colaboradores: Pedro Matos, Nuno Chambel, Andreia Lopes
Correspondentes: Delegações da APCTA
Convidado: Cmdt. Pedro Cadete
Propriedade: APCTA (Associação Portuguesa dos Controladores de Tráfego Aéreo)
Distribuição: gratuita aos Sócios
Design gráfico: Filipe Preto
Impressão: Arlindo Silva - Artes Gráficas, Lda
Periodicidade: Trimestral
Tiragem: 700 exemplares
Lisboa, Janeiro de 2006
EDITORIAL
Ao ir-se aproximando o fim do segundo mandato como presidente do Sincta,
e fazendo um balanço daquilo que pessoalmente acho que, pela negativa, mais
me marcou, não me consigo lembrar de mais nada que não seja a contracapa da
última revista “O Controlador”.
Aquele frio “FIM” confesso que me abalou o ego.
É verdade que a decisão de acabar com a revista nos moldes, então, existentes já tinha sido tomada em mandatos anteriores e só a boa vontade do
Franca permitiu que ela chegasse até aí. Mas um dos compromissos que assumi
comigo mesmo, quando me candidatei a presidente do SINCTA, foi o de, no final
do mandato, deixar aos que se seguirem, no mínimo, aquilo que nos foi entregue - e o que nos foi entregue foi a união, a força e o prestígio de uma classe.
Ora, no meu ponto de vista, a revista era a cara de tudo isso.
De modo que, poder escrever o primeiro editorial desta nova edição da nossa revista é, para mim, um enorme prazer.
E ainda maior por tal só ser possível com a colaboração de um conjunto de
sócios - que espero se possa ir alargando cada vez mais - que nem fazem parte
dos actuais corpos gerentes mas assumiram essa responsabilidade.
Carlos Reis
Presidente do SINCTA
O meu obrigado a todos e, em particular, à redacção.
SUMÁRIO
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NOTA DA REDACÇÃO: Flight Level - Descolar de novo!
DMEAN: Um Projecto Comprometido?
LADO AR: Fraseologia, um bem necessário!
ENTREVISTA COM: Comandante Carlos Mirpuri - Air Luxor/Hifly
FORMAÇÃO: As conclusões do III Encontro de Formação CTA
HISTÓRICOS DA AVIAÇÃO: DC-3 “Dakota”
COMUNICAÇÕES BILATERAIS: Entrevista com Francisco Salgado e Jorge Santos
ESPECIAL SÓCIOS: Pousada Convento de Belmonte
ATC INTERNACIONAL: ATC on Trial - Quando o “controle” está no banco dos réus
REFLEXÃO: Aproximação em condições adversas: O caso do voo AFR358
DESTINO: Nova Zelândia
BREVES: Entrevista com Ana Paula Castro
ROTA DOS SABORES: Restaurante Novo Bonsai
Em memória de Denise Gama e Ricardo Godinho
p.1
NOTA DA REDACÇÃO
email : apcta@sincta.pt
Flight Level
Descolar
de novo!
* falta a Andreia Lopes
p.2
REVISTA DA APCTA. VOL2#1. JAN06 Associação Portuguesa dos Controladores de Tráfego Aéreo
Flight Level – a nova revista da APCTA
Após um convite endereçado pela Direcção
do Sincta, para relançamento da Revista, pensei que a melhor maneira de homenagear todos
aqueles que nela trabalharam (leia-se o Franca
e outros cta’s) seria relançá-la com uma nova
imagem e estrutura de funcionamento. Assim,
juntamente com o Nuno Simões, iniciámos
uma busca de colaboradores. Convidámos en-
tre outros, a Andreia Lopes, o Pedro Matos e o
Nuno Chambel que se juntaram imediatamente
ao projecto. Já com a redacção escolhida, começámos o processo de selecção do novo grafismo e estrutura da revista. Lançado o concurso a três designers gráficos, escolhemos a
apresentação e linha gráfica do designer Filipe
Preto, pela imagem moderna e actual que utilizou. Achámos que a nova imagem pedia um
novo nome e, assim, surgiu-nos Flight Level.
A Flight Level nasceu, mas faltava trabalhar no seu conteúdo. Área onde poderá sofrer
alguns ajustes e alterações. Por consensos,
optámos por uma estrutura de rubricas fixas e
artigos técnicos, informativos e de lazer, que
possam interessar aos sócios.
A revista é, no meu entender, como a nossa
casa, tem que ser um espaço agradável e de
orgulho de todos. Um sitio onde nos sintamos bem e onde pudemos receber os nossos
“convidados” com prazer. Será, por isso, uma
revista do Controle, mas onde opinião dos outros é importante e essencial.
A Associação tem, agora, dois projectos
novos no ar, a Revista e o Site na Net. Sendo
diferentes, complementam-se e são ambos
ferramentas de informação, prontas a serem
utilizadas pelos sócios, pelo que contamos
com o vosso apoio. Um apelo especial às diversas delegações, enviem material ou façamnos sugestões para artigos dos vossos locais
de trabalho. Quem quiser participar será sempre bem-vindo. Reunimo-nos no Sincta duas
vezes por cada número, apareçam. A redacção
estará aberta a todas as criticas e sugestões
construtivas.
Um especial agradecimento à Dr.ª Isabel
Cambraia e ao Cmdt. Pedro Cadete que, desde
início, se disponibilizaram em continuar os artigos na nossa revista. Aos restantes elementos da redacção, o meu muito obrigado.
Um abraço a todos e um Óptimo Ano de 2006,
Rodrigo Vaz
Flight Level – Descolar de novo!
Há quase dois anos que deixámos de receber, na nossa caixa do correio, aquela que
era a nossa revista, “O Controlador”. Uns sentiram falta, outros nem tanto... a verdade é
que também eu me habituei à sua companhia
e, apesar de o fim estar eminente, continuava
a pensar, como ainda hoje penso, que um património de mais de 25 anos não devia acabar
com a palavra FIM.
Projectos novos se avizinhavam mas acreditava que existia espaço para uma Revista e
um Site que se podiam complementar sem se
“canibalizar”. Como alguém dizia: “Para quê
ler em papel, se podes ler na net?” a resposta,
a melhor que ouvi até hoje, é também a minha,
gosto de ler com a cabeça para trás e, em frente ao monitor, tenho de me debruçar para a
frente... o que não é francamente confortável.
Hoje, e depois de várias falsas partidas,
estamos aqui, mudámos de nome, lavámos a cara
e descolámos de novo! Para trás fica uma história bonita que vamos querer seguir como exemplo
e fica, também, a vontade dum grupo cheio de
energia de levar bem alto esta Flight Level.
Esta é uma revista de controladores para
controladores, mas não queremos ser apenas
isso. Queremos abrir-nos mais ao exterior, não
ficar pela “prata da casa”, sair lá para fora e
ver o que se passa à nossa volta, ser uma janela e, ao mesmo tempo, um cartão de visita daquilo que nós somos e do que somos capazes!
Contamos com as vossas sugestões, comentários e participação para “voarmos”
sempre lá bem no alto!
Por fim, um especial OBRIGADO ao Rodrigo
Vaz pelo seu “know-how” (sem ele seria impossível chegar onde chegámos) e aos restantes elementos da redacção, pela energia
e disponibilidade em levar para a frente este
projecto. Um grande bem-haja a todos!
Nuno Simões
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DMEAN
Artigo por
Nuno Simões
DMEAN
Um Projecto
Comprometido?
Realizou-se, no passado mês de Novembro,
no Luxemburgo, um “workshop” sobre o projecto DMEAN, com o patrocínio do Eurocontrol.
O encontro contou com representantes do
Eurocontrol, Prestadores de Serviços de Tráfego
Aéreo (ANSP’s), Autoridades Aeronáuticas,
Companhias Aéreas, Entidades Militares, etc.
Pretendia o Eurocontrol, numa operação
de charme, apresentar as mais valias do projecto DMEAN aos seus “stakeholders”, e digo
“pretendia” porque o objectivo não terá sido
plenamente realizado, ficando mesmo um
pouco aquém das expectativas.
O DMEAN – Dynamic Management of the
European Airspace Network é a resposta do
Eurocontrol para o constante aumento da demanda de tráfego no espaço aéreo europeu
para os próximos 5 anos, até á implementação
do SESAR (ex- SESAME). Calcula-se que essa
demanda será, aproximadamente, de 4% / ano
na Europa Ocidental, podendo atingir cerca de
12% / ano na Europa de Leste, sendo necessário um aumento de capacidade na ordem dos
25% até á total implementação do SESAR.
Mas, de que forma poderá o DMEAN atingir
estes valores?
A resposta para o Eurocontrol é simples
– Colaboração! E é aqui que as coisas poderão
começar a não correr tão bem.
O DMEAN pretende retirar a total capacidade do actual sistema ATM, capacidade essa
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REVISTA DA APCTA. VOL2#1. JAN06 Associação Portuguesa dos Controladores de Tráfego Aéreo
que, segundo o Eurocontrol, existe se todos
partilharmos a nossa informação (“data”), e
retirarmos do sistema as actuais falhas, tornando-o optimizado. Hoje em dia, o sistema
está cheio de pequenas falhas, desde slots
não cumpridos, regulações desnecessárias,
planos de vôo falaciosos, informação essa que
acaba por corromper o sistema e tirar-lhe eficácia. Para acabar com este estado de coisas,
o DMEAN recolheria, integraria e centralizaria
toda a informação, tornando o sistema muito
mais “limpo” e transparente. Com essa informação actualizada em tempo real, teriamos,
por exemplo, a decisão de abertura e fecho
de sectores nos ACC´s da Europa através do
Eurocontrol. Mas, se esta parece ser uma matéria delicada, há outras ainda mais, como
seja a chamada route availability que permite
às companhias mudar o seu plano de vôo em
tempo real, de acordo com o congestionamento dum determinado sector, ou a abertura e
fecho de rotas alternativas se um determinado sector estiver no limite da sua capacidade. Se, no primeiro exemplo, as companhias
agradecem, no segundo, os ANSP’s desconfiam de alguém que, no Eurocontrol, comece a
“rerroutar” o seu potencial tráfego para fora
do seu espaço sem as devidas compensações
financeiras (ao contrário do que acontece
hoje em dia). Isto levaria, num caso extremo,
a uma nova filosofia das taxas de rota, em que
cada ANSP teria, não de calcular uma taxa de
rota, mas de fixar uma taxa que lhe permitisse
atrair mais tráfego e, dessa forma, ser mais
competitivo, criando-se aquilo que apenas as
companhias estariam interessadas, uma competição entre ANSP’s com um eventual regime
de taxas mais do seu agrado. A verdade é que
esse novo regime já começa a ser trabalhado
por pressão das próprias companhias.
A grande dificuldade de levar avante este
projecto passa por aquele que é, o elo mais
delicado e, ao mesmo tempo, o mais forte – Os
Militares!
A Europa (Central) vive hoje com imensos
constragimentos de rotas devido às numerosas
áreas militares que por ali abundam. Escusado
será descrever o que se passa, por exemplo,
na França, Bélgica, Holanda, Alemanha e
Suiça, e para tal basta pegar numa carta aeronáutica e ver as inflexões que a maior parte das rotas sofrem sobre a região central da
Europa. Mas, também aqui, nem tudo é negro
e, por vezes, são os próprios ANSP´s que tiram
dividendos destas “gigantescas” áreas militares. Tome-se, por exemplo, a França que
tinha uma área de treino perto do aeroporto
de Charles de Gaulle e que a fez deslocar para
perto da fronteira com a Bélgica, “obrigando”
o tráfego que descola do Reino Unido para o
Mediterrâneo a passar pelo seu espaço, algo
que não aconteceria na forma anterior. Como
este exemplo existem outros, como sejam áreas que estão reservadas, por vezes, H24 sem
qualquer tipo de actividade e que existem às
dezenas por essa Europa fora. Com o DMEAN
implementado, as áreas teriam que ser activadas só se fossem realmente “usadas” e
bem definidas as horas. Esta é a flexibilidade
que se pede aos militares para uma melhor
gestão do Espaço aéreo Europeu. Esta flexibilidade não agrada às autoridades militares
que tentam ganhar algum “terreno” depois do
“11 Setembro”, apesar dos cortes orçamentais
dos vários governos Europeus, e levantam sempre e bem alto as questões de defesa nacional.
Desta vez, a resposta foi ainda mais elaborada
e veio pela pessoa de Patrick Delmouzee do
CMIC. Diz ele que os militares, apesar de não
terem uma posição definida, entendem que o
DMEAN permitirá uma maior flexibilidade do
uso do espaço aéreo para todas as partes envolvidas e que esperam a mesma flexibilidade
dos “Civis” no uso do seu espaço. Com este
argumento, o sucesso deste “workshop” ficou
definitivamente comprometido. E, talvez, não
só este workshop, como parte deste projecto.
A ver vamos!
.
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LADO AR
Fraseologia
um bem necessário!
Rubrica do
Cmdt. Pedro Cadete
pedro.j.cadete@netcabo.pt
Após mais um ano de motores parados, eis
que surge nova revista com nova equipa. E, a pedido dela, cá estou novamente a escrever-vos.
E sobre o quê?
Por mim, sobre o que os CTA’s quiserem!
Escrevam, mandem-me as vossas sugestões,
achegas, palpites, trolarós. Sem querer interferir na orientação editorial da revista, estou
certo de que uma certa discussão, mesmo que
por vezes polémica, será bem-vinda!
Para hoje, como se trata do número 1
duma nova série, vou-vos escrever sobre fraseologia. O que, à partida, é jogar um pouco
no campo “adversário”: os CTA’s, considero eu,
são habitualmente mais correctos nesta disciplina do que os pilotos, ou seja, estes últimos
dão mais “pontapés na gramática”, e fazemno com a maior descontracção… e, contudo,
no melhor pano cai a nódoa…
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REVISTA DA APCTA. VOL2#1. JAN06 Associação Portuguesa dos Controladores de Tráfego Aéreo
Aqui há uns anos, mais precisamente no
dia 25 de Abril de 1980, um “Boeing 727” cheio
de turistas ingleses chocou com uma encosta da ilha espanhola de Tenerife. Vários erros
conduziram ao desastre, como quase sempre
acontece. Contudo, de entre eles, o primeiro,
para mim, brada aos céus pela sua aparente
insignificância face ao que, escassos minutos
depois, se seguiu. Resumidamente: O CTA do
APP, que prestava serviço por métodos “convencionais” (não havia radar em Tenerife,
nessa altura…), apercebeu-se que o 727 alcançava uma outra aeronave, mais lenta, tendo-o instruído para entrar em espera. Como a
espera não se encontrava publicada, a instrução incluiu o “inbound course”, a rádio-ajuda,
que se encontrava um ou dois minutos à frente
do “Boeing” (!), e o sentido da volta. E nesta última, utilizou a frase “turn to the left”.
Direct Entry
Offset Entry
Paralell Entry
E fê-lo com a melhor das intenções: a de que o
circuito fosse voado com voltas para a esquerda, garantindo que podia manter uma margem
segura sobre terreno (mais) montanhoso existente do lado direito da espera!
A tripulação técnica (comandante, copiloto e operador de sistemas), habituada a
cumprir instruções de ATC’s com radar, nem
hesitou: passou à vertical da rádio-ajuda
indicada, e iniciou volta pela esquerda, procurando certamente o inverso do “course” para o
qual fora instruída… bem, seguiram-se outros
erros, de ambas as partes, e o resultado final
foi muitas dezenas de vidas perdidas. Isto porque a volta inicial teria de se efectuar pela direita porque, relativamente à espera indicada,
o avião apresentava-se no sector de “entrada
paralela”!
O que teria acontecido se o CTA tivesse dito
“All turns to the left”? Ou mesmo “left turns”?
Não sei! Acho que nunca poderemos saber!
Há alguns meses, uma aeronave a voar em
espaço aéreo português foi instruída para descer para FL 170. No mesmo espaço, e em sentido contrário, viajava outra aeronave instruída
para subir para FL160. O zeloso CTA forneceu à
primeira aeronave informação da presença da
segunda. Aquela percebeu, não que existia outro tráfego a subir para nível 160, mas que ela
própria estava autorizada a continuar a descida para esse nível, tendo efectuado “read
back” como tal. O CTA, por sua vez, percebeu
que o piloto lhe estava a repetir a informação
de tráfego, coisa deveras desnecessária mas
caramba, os pilotaços até dizem coisas como
“I will report turning base leg” e outras futilidades do género, porque não repetir, desnecessariamente, uma importante informação?!
Desta vez o desastre não se deu. Mas, na
manobra de evasão para o evitar, houve gente
que se magoou.
Há uns anos, havia CTA’s que, quando se
lhes pedia descida, respondiam assim: “descend two five zero”. Ao que eu lhes respondia:
“descend flight level five zero”. A resposta vinha, célere: “ NEGATIVE! Descend flight level
two five zero! “. Era o que eu queria ouvir!
Companheiros: como decerto sabeis,
quando temos uma certa expectativa do que
se segue, facilmente ouvimos o que queremos
ouvir. Se a fraseologia utilizada é ambígua, é
como manter aberta a porta necessária para
ajudar a validar falsos pressupostos.
Entre outras coisas, sugiro a supressão do
uso de preposições (o “to” confunde-se com o
numeral “two”, o “for” com o “four”, etc.) nas
comunicações aeronáuticas. Qual o problema
em dizer “descend flight level nine zero” (e não
zero nine zero, já agora. Os “headings” é que se
dizem sempre com os três dígitos)? Ou então que
mal virá ao mundo se se disser “clear take off”?
Deixo-vos, hoje, com estas humildes reflexões. Um óptimo 2006 para todos.
.
p.7
ENTREVISTA COM
Entrevista e fotografias por Nuno Chambel - em Dezembro de 2005
No primeiro número da revista Flight Level,
fomos saber mais sobre a também recém-nascida Hifly que, no início do ano, vai começar a
operar, substituindo gradualmente a Air Luxor.
O comandante Carlos Mirpuri é o vice-presidente destas companhias e ocupa, também,
o lugar de CEO. É, igualmente, o responsável
pelas operações de voo. Profundo conhecedor
da gestão e da operação da Air Luxor / Hifly,
achámos ser a pessoa ideal para responder às
nossas questões.
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REVISTA DA APCTA. VOL2#1. JAN06 Associação Portuguesa dos Controladores de Tráfego Aéreo
Comandante
Carlos Mirpuri
Air Luxor/Hifly,
uma nova companhia
ou a mesma?
Flight Level – Comandante, sabemos que a Air
Luxor vai passar a chamar-se Hifly. É a mesma
companhia com um novo nome ou uma companhia nova?
Carlos Mirpuri – É uma companhia nova. A
Air Luxor não se vai passar a chamar Hifly até
porque vai haver a coexistência das duas empresas durante um período de transição. São
duas companhias diferentes com certificados
de operador diferentes. Eventualmente, vai
verificar-se o phase-out da Air Luxor, passando a actividade de transporte aéreo regular e
não regular para a Hifly.
FL – E essa separação vai ser feita, aproximadamente, em que altura?
CM – O certificado de operador da Hifly
deve estar pronto dentro de 15 dias, três semanas no máximo. Está praticamente pronto e
faltam apenas pormenores a nível do licenciamento do número de aviões. Como sabe, uma
coisa é o licenciamento outra coisa é a certificação operacional. Nós podemos pedir uma
licença para operar 20 ou 30 aviões e, depois,
vamos certificando a empresa com os aviões
que queremos até ao limite de capacidade e,
para se justificar pedir um determinado número de aviões, há que desenvolver estudos e
fazer prova de que são necessários. Não quero
com isto dizer que estamos a pensar operar
20 ou 30 aviões, mas também não quer dizer
o contrário. De forma que, neste momento, o
processo de licenciamento está praticamente
terminado. Dentro de 15 dias, teremos a apresentação da Hifly e, no início do ano, assistirse-á ao phase-out da Air Luxor.
FL – A frota inicial da Hifly será a mesma com
que está a operar a Air Luxor?
CM – Não. Serão apenas os dois A330 a que
mais tarde se juntarão os A320.
FL – Como vice-presidente da Air Luxor / Hifly,
qual é, no seu entender, a maior força da companhia?
CM – É verdade, sou também vice-presidente destas empresas, mas hoje em dia temos que olhar para a actividade aeronáutica
do grupo como um todo e a minha posição é
mais estratégica em relação às empresas na
área da aviação. A minha função é mais a nível
da Mirpuri Investiments do que propriamente
no pormenor de cada uma das empresas de
aviação, e que, não obstante de eu estar, desde a saída do Dr. Marques da Cruz, na gestão
do dia a dia da Air Luxor, nunca deixei de estar ligado a qualquer das empresas do grupo
ligada à aviação. A grande mais valia, como
em qualquer outra empresa, e não é preciso
ter muita imaginação para o dizer, é a nossa
massa humana. São os nossos funcionários.
Nós só conseguimos estar neste negócio com
um elevado moral por parte dos nossos trabalhadores. Somos uma empresa que não
tem subsídios do Estado, que vive permanentemente confrontada com dificuldades de
acesso aos mercados, a novas rotas, de falta
de celeridade com que é necessário certificar
determinados produtos, e isso afecta imenso a
nossa produção e a nossa capacidade de resposta. Ainda assim, temos uma capacidade de
resposta inigualável na indústria aeronáutica
em Portugal. Nós conseguimos montar operações que mais empresa nenhuma, congénere
ou não, consegue. Nem sei se há mesmo empresas congéneres, é muito difícil que haja
uma empresa como a nossa Air Luxor / Hifly na
capacidade de resposta e naquilo que nós nos
propomos e conseguimos fazer.
FL – E no mercado da aviação, a Air Luxor tem a
TAP como maior concorrente para algumas rotas em que opera.
CM – Eu não diria tanto. Ao iniciar a sua
actividade, a Air Luxor/Hifly dedicou-se a
operações especiais e mais tarde é que entrou
no transporte aéreo regular. A componente
regular é mais visível e está mais exposta aos
média, no entanto, não tem o peso que têm as
outras operações que fazemos. Em termos de
income para a empresa, as operações especiais
continuam a ter um peso muito grande. Nós
temos operações que vão desde as Falkland à
Austrália, onde temos um A330 neste momento. Já tivemos aviões na Indonésia. Já voámos
no mundo inteiro e o transporte regular foi
sempre uma parte bem mais pequena mas que
expõe mais a empresa a nível nacional. Eu não
diria que a Air Luxor/Hifly sejam concorren-
p.9
tes da TAP. São empresas com características
muito diferentes. Nós não estamos no mercado de voos regulares da TAP. Temos apenas
2 rotas em comum. Na parte charter, estamos
claramente à frente. Operamos o maior avião
de passageiros em Portugal e provámos que a
nossa operação de longo-curso está de boa
saúde e recomenda-se. O mercado charter
em Portugal está ainda emergente, mas está
muito focalizado no mesmo destino e, quando
começa a haver muita oferta, o negócio começa a perder o interesse e nós não queremos
estar num negócio que não tenha interesse. Se
as pessoas estão a comprar batatas, eu vendo
batatas. Mas se começarem a comprar cebolas, não vale a pena insistir nas batatas... É
isso que importa ter em consideração, a rapidez com que nós mudamos de estratégia. Se
um negócio não dá, não pudemos estar muito
tempo nele. Temos que, rapidamente, desmontar e montar a nossa actividade em direcção a outros mercados. E isso fazemos muito
bem. Mais ninguém responde tão rapidamente
a alterações de negócio. Muitas vezes são sazonais. Por exemplo, agora parámos de operar
para o Brasil. Voámos o ano passado inteiro e,
este Inverno, as operações podiam continuar
mas a rendibilidade não justificava ter aviões
e tripulações aí afectas. Sendo o mundo tão
grande, tenho muito onde colocar os aviões, e
deixar que as outras empresas se possam entreter durante este período de Inverno.
FL – Nessa escolha a Air Luxor trabalha muito
próximo das agências de viagens e do cliente
final?
CM – Com o grossista, digamos assim.
Com as agências de viagem não, e nós próprios temos uma operador turístico no grupo.
O mercado em Portugal corre o risco de perder
a capacidade de expansão. Neste momento,
os operadores estão todos a ir para o Brasil e
Caraíbas. Não há uma tendência de procurar
outros mercados. Hoje em dia, se falar com as
pessoas e lhes propuser passar o fim de ano no
Brasil, elas já lá estiveram no Verão. Ir outra
vez? Elas não querem ir e, portanto está a assistir-se a uma desaceleração na procura nos
mercados tradicionais de charter. E há que estar atento, porque se continuamos a ter uma
oferta tão grande, não vai haver espaço para
p.10
todos. E eu quero estar noutro sítio quando os
outros operadores perceberem que não é bom
estar ali.
muito grande, quando se está no vermelho, esse
valor também é muito grande e o mais pequeno
prejuízo é um número com muitos dígitos.
FL – E para o arranque da Hifly quais serão as
rotas a operar?
CM – Na parte charter, vamos racionalmente continuar a operar os destinos principais que mantivemos e que vamos continuar a
manter, sazonalmente, para o Brasil e Caraíbas.
Iremos, também, para destinos um pouco diferentes dos tradicionais e alguns outros destinos que prefiro não revelar já e para os quais
vamos ver qual é a reacção do mercado. Não
que eles sejam a partir de Portugal. O mercado
em Portugal é pouco imaginativo. Nós voámos
para as Maldivas, aqui há dois anos atrás, em
que saíamos de Lisboa para Malé via Madrid e,
em Lisboa, nunca embarcavam mais de 30 ou
40 passageiros. Em Madrid entravam 250...
FL – E depois da crise pós 11 de Setembro, a
possível retoma da aviação foi travada com o
aumento dos combustíveis.
CM – Sim, e no cenário pós 11 de Setembro
assistiu-se a um aumento de tráfego na ordem
dos 3%. Neste momento estamos com 6 - 7% e
em algumas zonas do globo com 13 – 14%. De
maneira que é uma pena que o mundo seja tão
imperfeito e que não haja um consenso na forma
como se exploram os recursos que acabam por ser
utilizados por todos, ou no interesse de todos.
FL – O mercado mais tradicional ainda é o que
tem mais procura.
CM – É a língua que atrai muito as pessoas. Por incrível que pareça, nós não somos um
povo que queira dar-se ao trabalho de adaptar a sua maneira de estar, ou até de falar, e
conhecer novas línguas e novas culturas, e vamos para aquilo que é mais próximo de nós. É
onde se fala Português que nos sentimos bem.
A verdade é essa. E isso também permite que
se crie acesso a esses mercados a pessoas que
tradicionalmente não andavam de avião e
agora começam a fazê-lo. O que é bom, mas o
mercado não é inesgotável.
FL – Que acontecimentos nacionais e internacionais afectaram mais a companhia em aspectos positivos e negativos?
CM – Em termos negativos, o preço do combustível. Mas numa conjuntura Internacional
global não se assistiu a uma retracção do tráfego. Antes pelo contrário, o tráfego continuou
a aumentar. E é uma pena porque seria uma
oportunidade de ouro para as empresas. Não
fosse o colapso mundial do crude, e teríamos
assistido ao ressurgir da aviação. As empresas
bem precisam porque os custos são muito elevados e as margens são mínimas neste negócio.
Se uma margem mínima, quando se está no verde, representa muito dinheiro porque o volume é
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FL – Em termos operacionais como é que a Air
Luxor / Hifly vê o controlo de tráfego aéreo
Português?
CM – Eu, como sabe, posso falar porque
já estive nos dois lados. Tive contacto com o
controlo de tráfego aéreo enquanto comandante da companhia de bandeira nacional e
como comandante da Air Luxor. E antes da TAP,
em outras empresas. E devo dizer que não acho
diferença nenhuma no tratamento, ao contrário do que se possa pensar...
FL – E do que se diz, muitas vezes...
CM – Tenho o maior respeito pelo controlo
de tráfego aéreo. E quando digo respeito, falo
com toda a veemência porque nós trabalhamos num sistema e somos peças de um todo.
Eu a pilotar aviões, o senhor a controlar aviões, e isto só funciona enquanto as diferentes
peças que compõem esta engrenagem toda
funcionarem bem. Não tenho sequer a veleidade de julgar o trabalho do controlador de
tráfego aéreo, como ele não julga também o
meu trabalho, porque eu não sou controlador.
Eu sirvo-me do excepcional trabalho feito
pelos controladores que fazem o seu melhor.
Se calhar podia ainda ser melhor mas não
me compete a mim julgar. Às vezes assisto a
colegas meus a colocarem questões que não
abonam nada a favor da nossa classe e que
fazem comentários perfeitamente descabidos.
Porque é que aquele avião vai à minha frente,
ou porque é que estou aqui a desacelerar?...
Acho que não nos compete a nós esses apartes
que se ouvem na fonia e que revelam uma falta
de bom senso e uma total falta de sensibilidade para um problema, que provavelmente
não é do controlador em si. Acho que, em sede
própria, se resolvem esses assuntos. Não sei
se têm tido queixas de apartes de pilotos da
minha organização? Penso que não. Posso-lhe
dizer que eu, pessoalmente, não senti diferença nenhuma entre o tratamento que tive
enquanto fui comandante da TAP e aqui na Air
Luxor. Tenho a maior consideração e carinho
pelo controlo de tráfego aéreo e acho que fazem o melhor que podem.
FL – Quais seriam as aéreas de relação com o
controlo de tráfego aéreo que no seu entender
seriam úteis desenvolver?
CM – Talvez organizarmos uns pequenos
seminários com alguma frequência para que
eu pudesse mandar pilotos a auscultarem a
sensibilidade do controlador. Sei que se eu
pedir, consigo organizar uma visita ao ACC. Se,
com uma certa periodicidade, o controlo de
tráfego aéreo conseguisse organizar, em datas
fixas, por exemplo, uma vez por mês, pequenas
visitas de estudo para pilotos das companhias,
seria óptimo.
FL – E seria também interessante para os pilotos terem conhecimento de como as coisas
operam e que muitos desconhecem.
CM – Algumas pessoas não têm a mínima
noção e sentem-se no topo do mundo. Nós não
estamos no topo do mundo. Somos apenas uma
peça do sistema. Somos aviadores e pilotamos
os aviões. Não somos os donos da aviação. Há
pessoas que, pelo facto de andarem com um
avião nas mãos, pensam que estão no topo do
mundo...
FL – Como vê o evoluir da aviação e como prevê
que a aeronáutica e o controlo de tráfego aéreo evolua a médio e longo prazo?
CM – No controlo de tráfego aéreo, eu
acho que continuamos a precisar de melhorar
a integração das diferentes áreas de controlo
Europeus. Ainda se muda muito de frequência.
Não faço a mínima ideia porquê. Há certamente razões para isso. Mas acho que o controlo
se permite, hoje em dia, face ao que existe
disponível do ponto de vista tecnológico, a
melhorar grandemente. Para o controlador e
para o piloto. Eu gostaria muito de ver o CPDLC
(Controller Pilot DataLink Comunications) em
vigor. Não é que eu não goste de ouvir a voz e
falar no rádio, mas se pudéssemos ter comunicações em datalink, rapidamente disponíveis
no cockpit melhoraria o desempenho global.
Hoje em dia, já está disponível na área oce-
p.11
ânica e acho que é para ai que caminhamos.
As tarefas de cockpit são cada vez mais absorventes. Há alguns controladores, e não falo
particularmente em Portugal, que entram na
fonia e o aviador tem que parar o que estiver
a fazer para responder. Ou muitos aviadores
sentem-se na obrigação de o fazer. E, às vezes,
não podemos fazê-lo. Aí talvez fosse necessário alguma sensibilidade de parte a parte. É
um problema que sempre existiu no controlo
de tráfego aéreo. O controlador entra na fonia no momento em que eu estou a fazer uma
qualquer tarefa e entra com uma coisa que é
séria, que precisa mesmo de dizer.
FL – Se calhar era um bom tema a desenvolver
nos tais seminários de que falou...
CM – Era. O controlador deve ter uma
ideia das fases do voo em que o aviador está
mais atarefado com determinados checklists
ou procedimentos que tem mesmo que fazer.
Basicamente, quando há comunicação, há
risco de interrupção, e nós, quando comunicamos sem olhar para a cara uns dos outros,
corremos esse risco.
p.12
FL – A pilotagem, hoje em dia é cada vez mais
intensa e absorvente...
CM – Sem dúvida. As tarefas de cockpit são
cada vez mais exigentes. A aviação nos dias de
hoje tornou-se muito densa. A informatização
dos cockpits veio ajudar, mas veio também
aumentar a carga de trabalho do aviador. Por
vezes estamos em espaços aéreos complexos,
em que voamos ETOPS, MNPS, RVSM, B-RNAV,
P-RNAV, e é um sem fim de pequenos modus
operandis, cada um com a sua particularidade, e o piloto está hoje mais num papel estratégico do voo e mais ocupado de mente e de
mãos. Como sabe, estas fabulosas caixinhas
chamadas FMS são muito absorventes e o piloto tem que resistir a se envolver muito com
elas, senão corre o risco de deixar de pilotar
o avião. Se a isto associarmos uma exigência
do controlo, um pedido de uma informação,
temos tudo ali à mão. Mas a interacção como
FMS obriga-me a uma distracção da pilotagem do avião. Resumindo, a comunicação
controlador / piloto podia cingir-se àquilo que
é necessário para a fase do voo e por isso o
CPDLC é um must.
REVISTA DA APCTA. VOL2#1. JAN06 Associação Portuguesa dos Controladores de Tráfego Aéreo
FL – Santa Maria recebeu um novo sistema de
Controlo de Tráfego Aéreo há cerca de 5 anos.
Foram notadas, por parte dos operadores, melhorias significativas na prestação dos serviços
de tráfego aéreo?
CM – O grande problema da oceânica é a
necessidade de continuar a utilizar o HF. Hoje
em dia há outros meios também. Temos o
CPDLC na área NAT, mas assisto que há resposta rápida por parte dos operadores de rádio
de Santa Maria. Será mais rápida até do que
noutras áreas oceânicas. Lembro-me de fazer
pedidos há uns anos atrás e que levavam algum tempo a ter resposta. Não sei bem em que
o sistema de Santa Maria evoluiu, mas hoje em
dia assiste-se a uma resposta mais rápida aos
pedidos.
FL – Para o lado do operador só se deve notar
nesse campo. As separações continuam a ser as
mesmas...
CM – Sim, e a RVSM no Atlântico, alias foi
onde começou, veio beneficiar enormemente estas operações de longo curso. Voar 2000
pés abaixo significa muito combustível e, se
ponto final. Por mais sofisticados que sejam os
sistemas, temos Homens no controlo de tráfego aéreo, temos Homens dentro dos cockpits e
há erros. É tão certo como sermos Humanos...
Não me parece ser uma boa opção. Tudo o resto não são razões para o aeroporto ir para lá.
Parece que se aproveita a Ota pelo facto do
TGV passar por lá. O Novo Aeroporto de Lisboa
tinha que ir para a outra margem. Num sítio
amplo, aberto e com possibilidade de expansão. Não há nada que justifique a não opção
da margem sul. Há espaço, a orografia é a ideal, os ventos são tranquilos permitindo colocar
as pistas na direcção do vento predominante.
As más condições que se verificam na Ota nos
meses de verão são significativas devido à
Serra do Montejunto. Eu não conseguia pensar
num sítio pior para colocar um Aeroporto do
que a Ota.
não fosse a RVSM, o cenário seria mais dramático. Os aviões estão cada vez melhores,
sobem cada vez mais. Antigamente não se voava a FL410. O nosso A330 descola para nível
390 directo e 40 minutos depois estou a pedir
410, com peso máximo à descolagem... Mas o
próprio piloto tem que melhorar o relacionamento com o controlo oceânico. Continua-se
a verificar que os pilotos não fazem os pedidos
de step climb atempadamente. Isso facilita a
gestão de tráfego oceânico. Mas estou a entrar por um campo que não é o meu...
FL – Como um dos principais agentes económicos do nosso país, como encara os grandes
projectos de transportes que se avizinham?
Particularmente a Ota e o TGV?
CM – Se calhar não vai gostar daquilo que
lhe vou dizer... É uma pena que tudo aponte
para a Ota. É um sítio com “terreno”, e aviação e terreno são duas coisas que normalmente não se dão bem. Veja-se, nos 30 ou 40 anos
de aviação comercial que temos para trás, os
acidentes em que aviões, terreno e aeroportos não misturam bem. E a Ota tem “terreno”,
FL – A vice-presidência da Air Luxor / HiFly deixa-lhe tempo para os seus hobbies favoritos?
CM – O meu hobby favorito é pilotar aviões... Hoje em dia não voo tanto como gostaria, mas continuo a precisar de voar. Não tenho
mais nenhum hobby. Eu adoro voar e pilotar
aviões. Nunca se passou comigo o que certamente acontece a muita gente. Levantar-me e
ter que ir para o trabalho às 3 ou 4 da manhã e
dizer ‘que chatice ter que ir trabalhar’. Nunca,
jamais até agora. Sabendo que é para voar eu
nem durmo. É realmente algo que me faz bem.
Dá para perceber, quando estou uma semana
sem voar, que estou a precisar de ir ‘conviver
com os pássaros’. De facto não tenho tempo
para mais nada, não tenho mais hobby nenhum. Tenho uma responsabilidade grande
que são as pessoas que trabalham na empresa.
Não tenho mais tempo. O pouco que me resta é
para dedicar aos meus filhos. Não é um hobby,
mas são o mais importante na minha vida.
FL – Quer deixar uma mensagem para os nossos
leitores?
CM – Acho que o vosso trabalho é louvável e deve preencher plenamente uma pessoa.
Quem for para o controlo de tráfego aéreo
deve abraçar isso como profissão até ao fim
da vida. Há profissões que não se abraçam
até ao final da vida, faz-se durante uns anos.
O controlo é daquelas profissões que são para
levar até à reforma. É um pouco como os pilo-
tos. Vai-se crescendo, tornando cada vez melhor e depois pode-se dar formação aos mais
novos. Gostava que não caíssem no erro que se
vê, por vezes, cair os pilotos. Chegam ao fim da
carreira e estão óptimos para poder ensinar e
vão para casa e perdem-se bons instrutores.
Acabam por ser pessoas que não são aproveitadas. Muitas vezes por questões sindicais. Ir
mantendo os mais velhos impede que os mais
novos progridam e tenham acesso a carreiras
de instrução e formação. Eu próprio fui instrutor muito cedo e beneficiei do facto de ter
tido essa possibilidade, mas acho que cada
vez mais se tem que ouvir quem tem experiência e nesta profissão de controlador consegue
fechar-se um ciclo. Crescer nela e chegar ao
fim e passar a mensagem aos mais novos. Era
bom que os controladores que se vão embora,
aqueles que têm vocação, não saíssem e que
ficassem envolvidos na formação. Vejo aqui
em Portugal, pilotos de várias companhias
chegarem ao limite de idade tão desgastados
com todos os problemas, com guerrinhas, com
politiquices, que querem é ir-se embora e nunca mais saber disto. E é uma pena não serem
aproveitados, tendo tanto para ensinar. Um
bom instrutor demora anos e anos a formar-se.
Não é de um dia para o outro.
.
p.13
FORMAÇÃO
Fonte: APCTA
As conclusões do
III Encontro de
Formação CTA
Numa organização conjunta APCTA / NAV,
realizou-se nos passados dias 19 e 20 de
Novembro de 2005 o III Encontro de Formação
CTA.
Estiveram presentes representantes de
todos os orgãos onde há formadores (e mesmo de Ponta Delgada, onde os não há, esteve presente o respectivo chefe), num total de
mais 40 presenças, o que terá de se registar
como muito estimulante e demonstrativo da
importância que é atribuida aos assuntos da
formação.
E, já agora sublinhe-se, de forma genuina
e desinteressada: esses mais de 40 formadores
estiverem um sábado e um domingo reunidos
a discutir questões de formação sem receber
trabalho suplementar nem ajudas de custo
– para alguns que acham que os Controladores
só se mobilizam por dinheiro, aí está o eloquente desmentido.
Depois de discutidos os 13 documentos de
trabalho apresentados, com muitas dezenas
de intervenções, passou-se, já na tarde de domingo, à discussão e votação das conclusões
finais que entretanto a mesa tinha elaborado,
as quais cabe aqui divulgar (também disponiveis em www.sincta.pt).
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REVISTA DA APCTA. VOL2#1. JAN06 Associação Portuguesa dos Controladores de Tráfego Aéreo
CONCLUSÕES FINAIS
1. O III Encontro de Formação CTA´s expressou, de forma unânime e muito vincada,
a sua preocupação e oposição à manifesta
tendência da NAV para reduzir custos relativos
à formação, tendo aprovado recomendar ao
SINCTA que exija, ao abrigo do disposto no nº
2 da Clª 74ª do AE:
a) A elaboração ou conclusão dos UTP´s e
manuais de orgão, até ao fim do primeiro semestre de 2006;
b) Que sejam garantidas acções de refrescamentos para todos os órgãos em 2006;
c) Que seja garantida, até 31 de Março de
2006, a formação OJTI aos actuais formadores
que ainda a não frequentaram.
2. O III Encontro aprovou também as seguintes recomendações
2.1. Ao SINCTA, que proponha na próxima
revisão do AE:
a) a realização de acções de formação em
simulador, com respeito pelos princípios constantes do nº 6;
b) a realização de reuniões com periodicidade bimensal dos formadores de cada orgão
e de uma reunião anual de representantes dos
formadores de todos os orgãos;
c) a alteração das regras relativas à falta
de aproveitamento em qualificações.
2.2. À NAV, a concretização das seguintes
medidas:
a) a uniformização e simplificação, quer
do lay out quer da escrituração, das Fitas de
Progresso de Voo, donde resultarão ganhos de
eficácia e redução de custos;
b) que o OJT no Funchal seja realizado com
o instruendo fora dos turnos, porque, sendo
um orgão com pouco tráfego e marcadamente
mais elevado em determinados dias da semana ou horas do dia, reduz-se assim de forma
significativa o tempo de qualificação;
c) institucionalização e utilização crescente do e-learning como meio complementar
de formação;
d) existência de um responsável na empresa que exerça funções de coordenação e
regulamentação em matéria de formação CTA;
e) a plena utilização dos instrutores no
desempenho das tarefas constantes das alíneas a) a f) da respectiva definição de funções
constante do AE;
f) que seja facultado a todos os formadores um módulo baseado no CISM, assim como o
curso HUM-ULA adaptado às necessidades nacionais, devendo estas acções estar preparadas até 30 de Junho de 2006, e ser frequentadas
por todos os formadores até ao final de 2007;
g) todos os novos formadores deverão frequentar as acções referidas na alínea anterior
até um ano após a sua nomeação;
h) que, progressivamente, seja facultada
aos formadores a possibilidade de frequentarem o curso HUM-SIM.
3. O III Encontro decidiu criar uma
Comissão - constituida por António Guerra,
Jorge Baptista Ferreira, Pedro Roque, Pedro
Teiga Ferreira, Rui Filipe, Rui Gomes, Seguro de
Carvalho (ou em quem este delegar) - que deverá estudar e apresentar, em princípio até 31
de Março de 2006, conclusões o mais detalhadas possível sobre as seguintes matérias:
a) Formato e formas de avaliação em cursos de controle;
b) Estabelecimento de prioridades e, se
possível, de calendarizações, sobre o que urge
fazer em matéria de formação;
c) Concretização das funções e tarefas
que deverão caber ao responsável referido na
alínea d) do número anterior.
4. A comissão referida no número anterior, depois de concluir os trabalhos aí previstos, deverá continuar a funcionar até ao
próximo Encontro de Formação, reunindo com
a periodicidade que a direcção da APCTA considere adequada, acompanhando também a
elaboração do projecto do regulamento sobre
o sistema de avaliação contínua.
5. Dado haver, desde sempre e em vários
orgãos, um número razoável de formadores que
se demitem destas funções para se candidatarem às funções de supervisão, o III Encontro
encarregou a direcção da APCTA para, em conjunto com os CTA´s José Saramago, Rui Furtado
e Manuel António Lopes:
a) recolher informação para tentar perceber as razões e motivações que terão conduzido a estas situações e tentar encontrar soluções e medidas que no futuro as possam evitar
ou, pelo menos, minimizar;
b) as conclusões deverão ser divulgadas
por todos os formadores;
c) Se se encontrarem soluções e medidas
concretas, elas deverão ser transmitidas pela
APCTA à empresa tendo em vista a sua concretização.
6. O III Encontro aprovou os seguintes
princípios sobre acções de formação em simulador para proficiência operacional:
a) deverão realizar-se obrigatoriamente
para todos os CTA´s de todos os orgãos, com
periodicidade anual e duração mínima de três
dias, de preferência no Centro de Formação,
sendo preparadas pelos formadores do respectivo orgão e abrangendo os conceitos de
refrescamentos, situações anómalas e emergências;
b) em princípio, as situações anómalas
e emergências deverão realizar-se todos os
anos, os refrescamentos de 3 em 3 anos e a
formação para novos procedimentos ou equipamentos sempre que se justifique, devendo,
contudo, haver flexibilidade de orgão para
orgão quanto a estes conteúdos e periodicidades;
c) A relação do número de formadores versus número de formandos deverá ser de 2 para
4 por cada posição de simulação.;
d) deverá ser obrigatória a elaboração de
relatório final que permita analisar os resultados obtidos, em ordem a melhorar e aperfeiçoar as acções subsequentes.
7. Finalmente, o III Encontro reafirmou o
interesse e utilidade da realização de encontros deste tipo, encarregando a APCTA de levar
a cabo um novo Encontro quando as circunstâncias o justificarem.
Entretanto, estas conclusões finais do
III Encontro de Formação foram de imediato
enviadas aos vários responsáveis da NAV, a
começar pelo Conselho de Administração da
empresa (por enquanto não há respostas) e
tanto a Comissão como o Grupo de Trabalho,
referidos nos pontos 3 e 5 das conclusões, começaram já a trabalhar, realizando a sua primeira reunião em 14 de Dezembro e tendo em
vista apresentar as suas conclusões e propostas dentro dos prazos previstos.
Nós diriamos que, se as conseguirem apresentar durante o primeiro semestre de 2006, é
porque trabalharam bem…
.
p.15
HISTÓRICOS DA AVIAÇÃO
Rubrica por Pedro Matos e fotografias de Nuno Chambel
DC-3
Dakota
Características técnicas
Motores: Dois Pratt & Whitney R1830S1C3G Twin Wasp
de 14 cilindros dispostos em dupla fila radial, com
895 kW de potência, ou dois Wright SGR1820 Cyclone
radiais de nove cilindros, com a mesma potência,
accionando hélices de três pás com passo variável.
Performance: velocidade máxima 346 Km/h (187kt),
velocidade de cruzeiro económica 266 Km/h (143kt).
Razão de subida inicial 1130 pés/min.
Alcance com máximo de combustível 2420km.
Alcance com carga máxima 563km.
Peso: vazio em operação normal 8030kg.
Máximo à descolagem 12700kg.
Dimensões: envergadura 28.96m, comprimento
19.66m, altura 5.16m, área das asas 91.7m2.
Tripulação e passageiros: dois pilotos,
capacidade máxima para 32 passageiros.
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REVISTA DA APCTA. VOL2#1. JAN06 Associação Portuguesa dos Controladores de Tráfego Aéreo
Para iniciar esta rubrica na nossa nova
Revista, escolhemos um dos mais notáveis
aviões da, ainda, curta história da aviação comercial: o Douglas DC-3.
O DC-3 surgiu como um desenvolvimento
dos mais pequenos DC-1 e DC-2, que voaram
pela primeira vez, respectivamente, em 1933
e 1934, e pode-se dizer que deve a sua existência à American Airlines (AA). De facto, esta
empresa (ainda hoje existente) que operava
rotas longas e necessitava de aviões espaçosos, de forma a poder montar camas a bordo,
viu que um desenvolvimento do rápido (para a
época) DC-2 poderia ser a solução para substituir a aeronave que operava na altura, o lento
Curtiss Condor. Deste modo, propôs à empresa
Douglas a produção de um avião espaçoso mas
rápido...e capaz de voar entre Nova Iorque e
Chicago sem escalas.
Apesar destas especificações constituírem um grande desafio para a Douglas, esta
aceitou-o e o início da produção ocorreu em
12/1934, após uma encomenda da AA de 20
aviões, estando inicialmente previstas duas
versões: uma com capacidade para 14 camas
– Douglas Sleeper Transport (DST), e a versão
para voos diurnos – DC-3.
O primeiro voo teve lugar no dia 17/12/35,
tendo os DST (vendidos à AA ao custo unitário de 79.500$ - compare-se, por curiosidade,
com os cerca de 70.000.000$ que custa hoje um
Boeing 737-800) entrado em serviço comercial em 25/6/36, na referida rota Nova Iorque
– Chicago, seguidos pelo DC-3 em Setembro do
mesmo ano.
O DC-3 representou um enorme salto qualitativo no transporte aéreo; para se ter uma
ideia da evolução relativamente aos seus antecessores, refira-se que este avião reduziu o
tempo necessário para um voo transcontinen-
tal Nova Iorque – Los Angeles (com escalas,
claro) de 25h 55m para 17h 30m.
Este foi o primeiro avião a permitir lucros
operacionais às companhias Americanas sem o
auxílio dos contratos do Governo para o transporte de correio ou outros subsídios. De facto, o DC-3 era rentável apenas transportando
passageiros, tendo esta característica levado
a um sucesso sem precedentes.
A United Airlines tornou-se o segundo
cliente do DC-3 em 11/36, com a KLM a ser a
primeira companhia fora dos EUA a comprar o
avião. Estas empresas foram acompanhadas
por muitas outras na escolha do DC-3: em 1939,
90% do tráfego comercial mundial era operado
por este avião, cujas vendas atingiram as 400
unidades até ao fim de 1941, ou seja, até ao
ataque Japonês a Pearl Harbor, que desencadeou a entrada dos EUA na 2ª Guerra Mundial.
Esta guerra teve um impacto profundo na
produção do DC-3. De facto, os requisitos da
USAAF (Força Aérea do Exército dos Estados
Unidos) para uma aeronave de transporte
eram admiravelmente preenchidos pelo DC-3.
Consequentemente, a sua versão militar - o C47 Skytrain – tornou-se o principal avião neste
papel, e mais de 10.000 foram construídos para
uso pela USAAF e pelas forças aéreas dos países aliados. Foi esta produção em tão grandes
números, aliada ao seu excelente design, que
permite que muitos ainda voem hoje em dia.
O DC-3 é também conhecido por “Dakota”,
nome atribuído pelas forças aéreas dos países
da Commonwealth, ou por “Gooney Bird”, alcunha posta pela USAAF.
Durante a sua utilização em operações
militares, o DC-3 ganhou a sua lendária reputação de robustez e fiabilidade. Desde o calor
de África ao frio do Alaska, suportou todos os
tipos de clima, servindo os Aliados em todos
os teatros de guerra, tendo Dwight Eisenhower,
Comandante Supremo das forças aliadas, creditado o DC-3 como o avião que mais contribuiu para a derrota do Japão e da Alemanha.
Após a guerra, as forças aéreas já não
necessitavam de tantos aviões, e muitos destes DC-3, vendidos a preços muito baixos,
tornaram-se alternativas rentáveis para as
companhias aéreas que surgiram nesta altura. Tal foi o caso da TAP , tendo sido este o
primeiro avião adquirido pela transportadora
Portuguesa, com a chegada das duas primei-
ras unidades (de um total de oito) ainda em
1945, tendo o início da operação acontecido
em 19 de Setembro de 1946, na rota LisboaMadrid. Ainda uma curiosidade: com a abertura da “Linha Aérea Imperial” (Lisboa – Luanda
– Lourenço Marques), em 31 de Dezembro de
1946, a TAP tornou-se na empresa que empregava o DC-3 na rota mais longa, a nível mundial – nada mais nada menos de 24.540 Km
percorridos em 12 escalas.
Esta disponibilidade de aviões levou a
que o DC-3 se tornasse o principal avião de
transporte civil até meados da década de 50,
em que começou a ser substituído por aeronaves maiores e de maior raio de acção, como
o seu irmão mais novo, o DC-6, e o Lockheed
Constellation. Contudo, nunca chegou a sair
totalmente de cena...
Em termos de produção total de DC-3, a
encomenda inicial de 20 aviões da American
Airlines veio a transformar-se num total
de...10.655, produzidos pela Douglas, a que há
a juntar cerca de 2.500 fabricados no Japão e
na União Soviética.
Mais uma curiosidade: o primeiro avião a
aterrar no Pólo Sul foi um DC-3 da Marinha dos
Estados Unidos, chamado Que Sera Sera, em
31/10/56
Mesmo hoje em dia, como se pode ver pela
foto que acompanha este artigo, após mais
de 60 anos sobre o seu primeiro voo, ainda há
muitos DC-3 a voar. De facto, estima-se que
cerca de 400 (!) continuem em serviço comercial, com outros ainda em uso em forças aéreas de países que não se podem dar ao luxo
de (ou não consideram necessário...) comprar
aviões mais modernos.
Como é que um avião projectado nos anos
30 continua em uso na era dos jactos, glass
cockpit e fly-by-wire? A explicação está nos
seus custos de operação baixos, fiabilidade,
robustez e capacidade de utilizar pistas secundárias (entenda-se: de terra, gravilha ou
pior), que muitas companhias que necessitam
de operar em condições difíceis ou de países
menos desenvolvidos preferem à sofisticação
dos aviões modernos. O facto de continuar a
voar hoje em dia parece demonstrar que não
existe nenhum substituto à sua altura para
determinadas operações, portanto, enquanto
existirem peças sobressalentes, parece não
haver idade de reforma para o DC-3.
.
p.17
COMUNICAÇÕES BILATERAIS
Entrevistas por Andreia Lopes
Esta rubrica pretende clarificar a relação profissional, estreita e
quotidiana, entre CTA’s e Pilotos. Em cada número, a Flight Level
(FL) entrevistará representantes das duas carreiras, em prol de
um melhor conhecimento e relacionamento profissional mútuos.
ENTREVISTA COM
FRANCISCO
SALGADO
Nascido a 27 de Abril de 1954, em São
Cristóvão, Lisboa (perto do Martim Moniz),
Francisco Salgado é controlador de tráfego
aéreo há 33 anos. Desenvolveu grande parte
da sua carreira na área de formação de CTA´s,
havendo poucos CTA´s actualmente no activo
que não foram, em alguma fase da sua carreira, seus instruendos. Enveredando há pouco
tempo por outra função (Supervisão operacional), Francisco Salgado acedeu ao convite
da FL para partilhar a sua experiência e a sua
visão de duas profissões complementares: o
Controle de Tráfego Aéreo e a Pilotagem.
FL: Pode-nos contar, num breve resumo, a sua
experiência profissional?
FS: Fui controlador da Força Aérea entre 73
e 76, onde tive a oportunidade de trabalhar nas
p.18
Lajes e em Angola. Integrei o primeiro curso de
CTA´s da era ANA em 77, e fui colocado na Torre
de Lisboa, onde permaneci até 85, altura em
que nos mudámos para o actual ACC.
Fui nomeado monitor OJT em 86 e, mais
tarde, Instrutor, funções que exerci ao longo
de quase 20 anos. Actualmente sou supervisor
operacional do sector TMA/APP.
FL: Consegue descrever uma situação engraçada/caricata que lhe aconteceu durante o tempo de serviço?
FS: Durante o período de implementação
da obrigatoriedade do uso de transponder a
bordo, algumas aeronaves ligeiras tardavam
na instalação deste equipamento. Assim, antes de atribuirmos o código SSR, perguntávamos se tinham transponder a bordo!
REVISTA DA APCTA. VOL2#1. JAN06 Associação Portuguesa dos Controladores de Tráfego Aéreo
Em cima da data limite, um colega nosso
na APP de Lisboa, algo indignado com o facto de um helicóptero que descolou de Cascais
para Arraiolos ainda não ter o tal ‘device’, foi
fazendo ver ao piloto o inconveniente de tal
situação ao longo do dito voo.
Passado um pouco, rendi-o mais cedo
para ele poder assistir pela TV à tal final em
que o Porto ganhou a taça do mundo, julgo que
no Japão. Não sabendo eu de nada em relação
ao que atrás refiro, entra em contacto comigo um helicóptero que reporta descolado de
Arraiolos para Cascais, ao qual eu pergunto:
- Tem transponder a bordo?
Resposta com uma voz algo desagradada:
- Não, não havia nenhum à venda em
Arraiolos! Acho que a FPV desse voo me caiu
ao chão!
FL: E uma situação “de aperto”?
FS: Os primeiros 10 minutos de uma falha
radar que durou 40 minutos, numa situação de
muito tráfego! Correu bem, lembro-me que fui
muito bem ajudado!
FL: Se trocasse de profissão por um dia (piloto),
como gostaria/imaginaria passar esse dia?
FS: Num voo de Lisboa para Bora-Bora e ao
chegar (de manhã) encontro um grande CAVOK
ENTREVISTA COM
JORGE
SANTOS
para uma aproximação visual! Nem me importava de fazer escala a meio do caminho para
reabastecer!
FL: Como caracteriza, em poucas palavras, o
melhor e o pior da Pilotagem portuguesa?
FS: Quando trabalhei com CTA´s Suecos na
preparação dos cursos radar para o Funchal,
estes referiam que os pilotos portugueses que
passavam na Escandinávia tinham a imagem
de ser inteligíveis, cumprirem os procedimentos como previsto e responderem às instruções
do controle com rapidez.
Isto traduz de certa maneira os nossos
pilotos. Refiro-me à opinião dos estrangeiros
porque aqui temos que contar com o factor
casa, para o melhor e para o pior!
Para o pior, nada a assinalar, a não ser
uma ínfima minoria que ainda não estende o
seu trabalho de equipa ao ATC! Repito, uma
ínfima minoria!
FL: O que proporia para melhorar o controle
português?
FS: Só posso falar da área que domino, a
TMA/APP de Lisboa: proporia a adopção regular das práticas e das medidas que nos proporcionaram uma prestação de serviço ao mais
alto nível durante o Euro2004.
Estamos estrangulados por áreas militares vizinhas, extensas e muitas vezes pouco
frequentadas. A distribuição do espaço aéreo
(civil/militar) é igual há 50 anos e o tráfego civil aumentou 50 vezes desde então (mais?!?).
Gostaria também de ver implementada
uma posição que atendesse exclusivamente o
tráfego VFR a voar dentro do círculo das 30NM
à volta do aeroporto de Lisboa, durante as horas de maior demanda. E mais, mas ia ocupar
imenso espaço com esta entrevista!
FL: Como classifica a relação CTA´s/Pilotos em
Portugal?
FS: Excelente, melhorou imenso ao longo dos
anos. Lembro-me que há 25 anos era raro o dia
em que não havia desentendimentos na fonia.
Para além da mudança de mentalidades,
houve um salto enorme na qualidade do serviço prestado (SCTA).
A nível pessoal, ao longo de todos estes
anos fiz bons amigos entre eles!
FL: Que sugestão daria aos pilotos portugueses
para melhorar a nossa interacção?
FS: Venham ver-nos trabalhar em alturas
de muito tráfego, e quando souberem que têm
um controlador a bordo levem-no no Cockpit.
Todos ganhamos com isso!
Nascido a 8 de Janeiro de 1958, em Maputo,
Moçambique, Jorge Santos é piloto aviador há
25 anos. Desenvolveu a sua carreira na Força
Aérea Portuguesa, tendo uma experiência vasta e diversificada, como sendo a instrução, a
acrobacia, o voo de combate e o comando do
AT1. Como piloto de Falcon 50, Jorge Santos
voa para todo o mundo, contactando com uma
grande diversidade de serviços ATC, o que lhe
permite ter uma visão alargada da interacção de duas profissões complementares: o
Controle de Tráfego Aéreo e a Pilotagem. Eis o
seu depoimento.
FL: Pode-nos contar, num breve resumo, a sua
experiência profissional?
JS: Seguindo uma ordem cronológica:
1979, Curso de Oficial Miliciano Pára-quedista.
p.19
FL: Consegue descrever uma situação engraçada/caricata que lhe aconteceu durante o tempo de serviço?
JS: Ainda aluno de pilotagem em voo solo
VFR, ao regressar a Sintra vindo de Vila Franca,
o controlador mandou-me reportar ao passar
o Lima Alfa Romeo. Não fazia ideia ao que ele
se queria referir e com essa sigla só conhecia
a Liga dos Amigos da Rádio Renascença. Como
não sabia o que o controlador queria que eu
fizesse disse o que estava a fazer e disse que
ia para o Arruda. O controlador mandou-me
então passar para a aproximação de Sintra.
Depois de aterrar fiquei a saber que o LAR era
na Arruda dos Vinhos e os outros pilotos da
Esquadra que estavam na frequência brincaram com a situação.
1980, Curso Elementar de Pilotagem em Avião
Chipmunk na Base Aérea nº2 na Ota.
1980/82, Curso Básico de Pilotagem em avião
T-37 na BA nº1 em Sintra, onde fui brevetado.
1982, Curso Complementar de Pilotagem de
Aviões de Combate em avião T-33 na BA nº5,
em Monte Real.
1982/86, Licenciatura em Ciências Militares
Aeronáuticas, na Academia da Força Aérea,
em Sintra.
1986/1991, Piloto Instrutor e 1998/00 Piloto
dos Asas de Portugal.
1991/1996, Piloto de Combate em avião A7P
Corsair.
1996/1999, Professor de Estratégia, Tiro e
Armamento e Piloto Instrutor em avião e planadores na Academia da Força Aérea.
1999/2002, Piloto de Falcon 50 e Comandante
da Esquadra 504 no Figo Maduro.
2002/2003, Comandante do Aeródromo de
Trânsito nº1 – Figo Maduro.
Desde 2003, Assessor Militar de Sua Excelência
o Presidente da República.
Continuo a voar com regularidade em Falcon
50, tendo completado 4000 horas de voo.
p.20
FL: E uma situação “de aperto”?
JS: Depois de sair da carreira de tiro em
Alcochete, e porque ainda tinha algum armamento, dirigi-me com o meu asa para sul de
Setúbal e, a baixa altitude, a cerca de 2 milhas
da costa, dirigimo-nos para norte a caminho
de Monte Real. Quando estava a chegar abeam
Peniche verifiquei que o indicador de combustível estava a descer mais depressa que o
normal. Chamei o meu asa para ver se tinha
alguma fuga e comecei imediatamente a subir.
Havia um tecto de nuvens a 2000 pés e a baixa
altitude não conseguia contactar o controle.
O meu asa informou-me que não via fugas o
que me sossegou um pouco, mas o combustível continuava a diminuir no indicador e eu
não conseguia subir. Não queria ficar IMC sem
contacto com o controle e mantive-me baixo.
Também me aproximei da linha de costa para o
caso do motor se apagar e ter que me ejectar.
Já tinha passado a Nazaré quando falei com
a aproximação de Monte Real e pedi para ir
directamente para a vertical da pista, mantendo-me o mais alto possível sem entrar nas
nuvens, para executar uma aproximação visual. Quando estava na final o indicador de combustível marcava zero mas o motor continuava
a funcionar. Aterrei de forma positiva1 como
era normal no A7-P, avião de porta-aviões e,
quando estava a rolar para o estacionamento,
verifiquei que o indicador de combustível marcava umas confortáveis 3200 libras!
REVISTA DA APCTA. VOL2#1. JAN06 Associação Portuguesa dos Controladores de Tráfego Aéreo
FL: Se trocasse de profissão por um dia (CTA),
como gostaria/imaginaria passar esse dia?
JS: Gostava de poder controlar o tráfego
de aeródromo VFR, com aeronaves bastante
diferentes a chegar e a partir e algumas em
circuitos, para treino de aterragens.
FL: Como caracteriza, em poucas palavras, o
melhor e o pior do Controle português?
JS: O melhor do controle é a capacidade
de improviso e adaptação a novas situações.
O pior é que, apesar de haver legislação, procedimentos e recomendações, achar que cada
controlador é capaz de fazer melhor que os outros.
FL: O que proporia para melhorar a Pilotagem
portuguesa?
JS: Proponho para melhorar a pilotagem
mais paciência e mais respeito pelos outros.
FL: Como classifica a relação CTA´s/pilotos em
Portugal?
JS: Não é uma relação má ou conflituosa
mas podia ser bem melhor.
FL: Que sugestão daria aos CTA´s portugueses
para melhorar a nossa interacção?
JS: Entendo que não existe um modelo de
controle, isto é, cada controlador tem a sua
maneira de resolver as situações e acredito
que é com a intenção de fazer o melhor trabalho possível. Esta situação faz com que os
pilotos se habituem a que lhe reduzam ou eliminem as restrições normais e, como isso nem
sempre acontece, cria conflitos.
O exemplo mais paradigmático é, de uma
maneira geral, as SID’s e STAR’s nunca se executarem.
.
1
Uma aterragem em que não há a necessidade de
arredondar o avião (devido ao facto de ter um trem de
aterragem bastante reforçado), a razão de descida pode
ser superior a 1000’. Assim, uma aterragem positiva neste
avião é uma aterragem onde se sente bem o avião a aterrar, é o oposto a uma aterragem suave.
ESPECIAL SÓCIOS
Esta rubrica pretende proporcionar aos sócios da APCTA, diversos tipos
de promoções, a nível de lazer, cultural ou tecnológico. Uma surpresa em
cada número. Nesta edição, a Flight Level, em parceria com a Pousada
Convento de Belmonte, propõe uma estadia a não perder.
PROMOÇÃO
PARA
SÓCIOS
Pousada Convento de
Belmonte
Flight Level
Especial Sócios
Promoção Pousada Convento de Belmonte para
sócios da APCTA:
• Noites de Domingo a Quinta-feira (excepto
feriados e Carnaval): 99€ (quarto duplo ou
single)
• Noites de Sexta e Sábado: 125€ (quarto duplo
ou single)
Preço camas extras para crianças dos 3 aos
12anos é de 24.75€;
Pequeno-almoço incluído;
As reservas terão que ser efectuadas directamente com a Pousada Convento de Belmonte
através do número 275 910 300;
No acto da reserva deverá referir o número de
sócio da APCTA e o nome completo;
Promoção válida até 31 de Março de 2006.
Situada na Encosta da Serra da Esperança,
a pouco mais de um quilómetro da Vila
Histórica de Belmonte, berço de Pedro Alvares
Cabral, a Pousada Convento de Belmonte tem
origem na recuperação do antigo convento de
Nossa Senhora da Esperança, onde também
se situa uma ermida, fundada no séc. XIII e
provavelmente instalada em locais de antigos
cultos pagãos.
Desta ermida, cuja padroeira era a família Cabral, consta ter saído para o Brasil
com Pedro Álvares Cabral a imagem de Nossa
EN 231
EN 232 Manteigas
Sabugueiro
EN 339
Lagoa
Comprida
Belmonte
A 23
Torre
IP2
Senhora da Esperança, actualmente exposta
na Igreja Matriz de Belmonte.
A Pousada preserva integralmente toda a
herança histórica do convento (classificado
em 1986 como imóvel de interesse público),
incluindo a arquitectura em anfiteatro, entre
os pinhais da Serra da Esperança e uma deslumbrante paisagem sobre a região da Cova da
Beira e Serra da Estrela.
No interior, os trabalhos de adaptação da
capela e da antiga sacristia, transformadas na
sala do convívio e bar da unidade, são testemunho dos criteriosos trabalhos de reconversão efectuados no convento a partir de 1997
e um exemplo perfeito do harmonioso convívio
ente zonas históricas e de construção moderna
e acolhedora.
Lá fora tem à sua espera uma região completa de inúmeros vestígios monumentais, do
castelo ao panteão dos Cabrais, da Judiaria à
misteriosa “Centum Cellas”, além da beleza e
tradições da Serra da Estrela, uma das mais
importantes reservas naturais da Europa.
.
p.21
ATC INTERNACIONAL
por Nuno Simões
ATC on trial
Quando o “controle”
está no banco dos réus.
O ano de 2001 foi, sem dúvida, um dos anos mais negros para a
Aviação Comercial e para o Controle de Tráfego Aéreo. As imagens dos
embates no World Trade Center são aquelas que mais rapidamente
nos vêem à memória mas outros acontecimentos marcaram este
ano com consequências bem mais directas para a nossa profissão.
Factos
Caso 1
A 31 de Janeiro de 2001, sobre os céus do
Japão, uma troca de “callsigns” levou a que
um B747 da JAL e um DC-10, também da JAL,
cruzassem com escassos 30 (!) pés de separação vertical e sem qualquer separação lateral,
naquele que podia ter sido o mais mortífero
dos acidentes. Ambas as aeronaves estavam
com a lotação completa apontando para um
potencial número de vítimas na ordem das
sete centenas. Deste incidente resultaram
“apenas” quarenta e dois feridos entre passageiros e alguns tripulantes.
No dia seguinte, o Ministro do Território,
Transportes e Infra-estruturas, já com um relatório preliminar dos acontecimentos e com
parte das gravações transcritas, vem junto
p.22
dos media “alertar” os controladores para
prestarem máxima atenção ao seu trabalho.
Este aviso deixava o mote para a sucessão de
acontecimentos que se seguiriam.
Na tradição da cultura Japonesa, os inquéritos junto dos pilotos e controladores serviriam para apurar os culpados de negligência
profissional e daí punir os responsáveis.
Os dois controladores de serviço (monitor
e instruendo) foram considerados culpados
assim como o comandante do B747.
Caso 2
A 8 de Outubro de 2001, em Milão –
Linate, o voo SK686 um MD-87 de Milão para
Copenhaga, da Scandinavian Airlines, foi au-
REVISTA DA APCTA. VOL2#1. JAN06 Associação Portuguesa dos Controladores de Tráfego Aéreo
torizado a rolar para a pista 36R para descolagem. Aproximadamente ao mesmo tempo,
um Cessna Citation II, de registo alemão, foi
autorizado a rolar através do taxiway R5. O
Citation, inadvertidamente, entrou no taxiway
R6 e na pista 36R, no exacto momento em que
o MD-87 descolava. Ambas as aeronaves se
partiram e acabaram por embater no terminal
de bagagens que, devido ao impacto, acabou
por ruir.
As condições meteorológicas na altura
do acidente foram reportadas como sendo de
“heavy fog”, com um RVR para a pista 36R de
225 metros. Deste acidente resultou um total
de 118 vítimas mortais.
O controlador de serviço, foi condenado a
pena efectiva de 8 anos de prisão.
Comentário
Destes dois casos ressaltam, claramente,
dois pontos preocupantes. No primeiro, a vontade de encontrar rapidamente um “culpado”,
para acalmar muitas vezes a opinião pública,
e, no segundo, o de o punir alguém pelos seus
erros.
Ora, é sobre estes dois pontos que temos,
de alguma forma, que estar alerta. É sabido
que a aviação, e sobretudo os seus acidentes,
são um “maná” para os media, forçando muitas vezes até à exaustão o espectador. Seja
com entrevistas, reportagens e, a maior parte
das vezes (nem sempre por culpa própria...),
com desinformação.
Esta desinformação repetida várias vezes, leva a formar uma “opinião pública”,
acabando por criar pressão na forma como
são investigados este tipo de incidentes, com
consequências ainda mais graves para os
controladores de serviço.
A rapidez com que é feita a investigação
leva a que a formalização das queixas por parte do Ministério Público sejam desajustadas da
realidade do que é o Controle de Tráfego Aéreo
e do meio altamente complexo em que ele se
desenvolve. Os documentos legais que nos regem, e também os documentos técnicos, são
muitas vezes ambíguos aos olhos do Direito, o
que leva a interpretações graves para quem,
como nós controladores, está apenas a fazer
o seu trabalho.
Veredictos como o do acidente em CDG
em Maio de 2000, em que o co-piloto dum
Shorts 330 foi morto pela asa dum MD83 quando este se preparava para descolar, começam a ser cada vez mais frequentes. Os dois
controladores de torre foram condenados a 15
e 18 meses de prisão por não terem respeitado
os seus períodos de descanso!?
A situação é ainda mais grave porque existe um vazio enorme no direito a nível europeu
de como tratar estes casos. Ao contrário dos
EUA em que existem advogados especializados nos mais diversos assuntos, na Europa, e
em relação à defesa dos Controladores, isso
não acontece. A IFATCA sugeriu recentemente
que se criasse uma bolsa de advogados especializados nas questões do Controle e no seu
ambiente de trabalho, disponíveis para poderem intervir em qualquer altura e em qualquer
local.
Mas as questões de investigação são,
também, cada vez mais preocupantes. Má preparação por parte de quem investiga, pouco
tempo e poucos meios levam, como aconteceu
em Linate, a uma pena pesada quando a acusação se baseou, única e exclusivamente, nas
gravações para culpar o nosso colega. Todos
sabemos que a escuta de uma gravação numa
sala fechada, longe do ambiente de trabalho,
repetida vezes sem conta, nunca reflectirá as
condições de quem viveu a situação no próprio
ambiente, um pouco à imagem do que acontece quando estamos em casa a analisar o trabalho do árbitro e nos são disponibilizadas um
sem número de repetições de vários ângulos e
a várias velocidades!
Uma última palavra para dizer que começam a surgir alguns sinais positivos como
a recente declaração do Provisional Council
(PC) do Eurocontrol que incentiva a politica
do “Just Culture” em termos de “ reporting”na
aviação e que é descrita da seguinte forma:
“A “Just Culture” is one in which front-line
operators or others are not punished for
actions, omissions or decisions taken by
them that are commensurate with their experience and training, but where gross negligence, willful violations and destructive acts are
not tolerated.”
Significa isto que a aplicação de penas é
contrário ao que a própria IFATCA recomenda,
o “ just culture”. A punição não é certamente
a forma de evitar que outros acidentes possam
ocorrer e leva, muita vezes, a um clima quase
inquisitório junto dos restantes colegas, com
consequências gravosas no seu desempenho.
A solução passará sempre por identificar e
“tratar”, se for caso disso, as falhas que podem conduzir a um novo incidente, sejam elas
humanas ou técnicas.
.
p.23
REFLEXÃO
Artigo e esquemas por
Andreia Lopes
Aproximação em condições
meteorológicas adversas:
O caso do voo
AFR358
A presente rubrica pretende, recorrendo a casos reais, servir como um meio de informação e de alerta sobre situações anómalas que podem contribuir para incidentes/acidentes aéreos. O objectivo principal desta rubrica não é reviver momentos
trágicos ou apontar culpas, mas sim alertar para situações potencialmente perigosas. Assim, o que se procura é que, se se deparar uma situação semelhante, o
controlador de serviço tenha um conhecimento que lhe permita tomar a atitude
mais adequada, prestando a melhor assistência possível às aeronaves.
O acidente descrito nesta edição ocorreu a 2
de Agosto de 2005, no Aeroporto Internacional
de Lester B. Pearson, Toronto, e envolveu um
A340-313 da Air France (AFR358).1
Factos
07532: O voo AFR358 descola de Paris,
Aeroporto Internacional de Charles de Gaulle,
com 12 tripulantes e 297 passageiros a bordo.
O voo decorre com normalidade, apenas
se registando, durante a descida, dois pedidos para desviar de tempo, pedidos estes que
foram autorizados pelo controle de tráfego
aéreo (ATC).
0800: TAF 13001800: 30% probabilidade de
trovoadas, visibilidade de 3500mts e tecto na
ordem dos 2000’AGL.
1200: Começam a observar-se os primeiros
sinais de trovoada na vizinhança do aeroporto.
1500: Comprova-se a previsão de trovoada e chuva forte, CB´s, a visibilidade ronda
os 6500mts e o tecto os 5000’. Estas condições
mantêm-se praticamente idênticas até às
1600. O vento é de 290º/11kts.
1554: Um raio danifica o anemómetro da
pista 24L. Esta informação é passada à tripulação da Air France que continuou a receber
a informação do vento através do FMS (flight
management system). Tinha, ainda, repre-
p.24
REVISTA DA APCTA. VOL2#1. JAN06 Associação Portuguesa dos Controladores de Tráfego Aéreo
sentados os focos de tempestade no radar
meteorológico da aeronave (a norte e a SW da
pista).
1556: A aeronave é autorizada para uma
aproximação ILS à pista 24L.
Esta pista tem um comprimento/LDA de
2743mts e, de acordo com o perfil de descida
do GP (Glide Path), as aeronaves devem cruzar
a soleira a 50’, tocando idealmente a cerca de
330mts depois da soleira.
1558: As tripulações das duas aeronaves
precedentes na aproximação reportam à torre
BRAKING ACTION POOR, WIND 290/15K20G. Esta
informação é transmitida ao AFR358. A tripulação muda a posição da configuração automática de travagem de ‘baixa’ para ‘média’,
devido ao fraco quociente de fricção esperado
na aterragem.
1600: O foco da tempestade move-se para
Sul, sobre a pista, trazendo chuva forte e rajadas de vento, com variações fortes de intensidade e de direcção. É reportada trovoada
severa. O FMS regista vento de 300º 15 a 20Kts,
com uma componente de vento de frente de
8 Kts.
1602: A aeronave permanece estabilizada
no localizer e GP (velocidade 140kts) até aos
350’AGL, altura em que a tripulação desliga o
piloto automático e o auto-thrust, passando
para aproximação visual. A aeronave começa
a ficar ligeiramente acima da ladeira, passando a soleira a cerca de 100’AGL. Nesta altura,
a IAS aumenta para 154kts. Na altura do flare
a aeronave entra numa zona de um aguaceiro
forte, havendo uma redução da visibilidade. O
DFDR (digital flight data recorder) grava uma
variação brusca de vento para 330º, causando
uma componente de cauda de aproximadamente 5kts. A pista fica contaminada3 com,
pelo menos, 6,3mm de água remanescente.
O voo AFR358 aterra comprido, tocando
1220mts depois da soleira. Apesar dos spoilers se terem armado automaticamente e de a
tripulação ter aplicado a máxima pressão nos
pedais dos travões (que manteve até ter saído
da pista), a aeronave percorre todo o compri-
mento da pista sem se conseguir imobilizar,
ultrapassa o fim da pista com uma velocidade de 80kts e acaba por parar numa ravina,
330mts depois do fim da pista.
Deflagra-se um incêndio, destruindo o avião
e causando ferimentos graves em 2 membros
da tripulação e em 9 passageiros. A evacuação
completa da aeronave decorreu em menos de 2
minutos.
1604: A Sul da RWY24L são registados ventos de 340º 24K/33G, trovoada severa, visibilidade 1600mts, chuva forte, tecto 4500’AGL.
Investigação
A investigação no local foi levada a cabo
pela TSB, em colaboração com o BEA4 francês e
a National Transportation Safety Board (NTSB)
dos Estados Unidos, sendo ainda acompanhada por vários observadores de diversas entidades5.
A 2ª fase da investigação caracterizou-se
por uma análise dos registos de voo, entrevistas, recolha de informação sobre a operação
da companhia e regulamentação francesa
e pela realização de voos em simulador, reproduzindo a situação da aproximação do
AFR358.
Verificou-se que a tripulação, durante as
várias fases do voo, procurou manter-se sempre actualizada sobre o evoluir das condições
meteorológicas, nomeadamente através de
diversas mensagens ACARS (aircraft communications addressing and reporting system) e
recorrendo a actualizações feitas por parte do
ATC. O DFDR não mostrou qualquer anomalia
nos sistemas da aeronave, a análise dos destroços revelou que os spoilers, pneus, travões e
reverse funcionaram normalmente. O combustível remanescente na aeronave era suficiente
para voar para o aeroporto alternante.
De acordo com o guia de referência rápida
para A340-313 da Air France, a distância mínima necessária para imobilizar por completo a
aeronave (pressupondo cruzar a soleira a 50’)
é a seguinte:
6.3 mm
(1/4’’)
Condições da Pista
Seca Molhada de água
Sem vento
5 kts de cauda
Sem vento, reverse operativo
5 kts de cauda, reverse operativo
1155
1264
1155
1264
1502
1682
1397
1564
1987
2265
1768
2016
O facto da aeronave ter cruzado a soleira 50’
acima do aconselhável, ter uma IAS 15kts
superior ao recomendado e apanhado uma
componente de vento de cauda não esperada,
levou a que a aeronave tocasse cerca de
900mts depois da zona esperada. O facto
da pista não estar apenas molhada, mas
contaminada, aumentou consideravelmente
a distância necessária para travagem.
Nestas condições, seria necessário a pista
ter cerca de 2900/3000mts de comprimento
para a aeronave se conseguir imobilizar
completamente, cerca de mais 200mts do que
o comprimento da pista 24L.
Nota final
Apesar de ser da responsabilidade do piloto
decidir aterrar ou iniciar a manobra de
aproximação falhada, este incidente vem
reforçar a necessidade do CTA manter as
tripulações informadas do estado da pista
bem como de alterações significativas na
velocidade e intensidade do vento.
.
Sequência de eventos de aproximação do A340 da Air France em CYYZ
Notas:
1 Informação recolhida da investigação levada a cabo por The Transportation Safety Board of Canada (TSB). No momento da elaboração desta rubrica o relatório final ainda
estava em fase de elaboração, podendo ainda virem a ser revelados novos factos relevantes sobre o assunto.
2 Hora de verão da Zona Leste: UTC menos 4.
3 Pista contaminada: a pista fica coberta por uma camada de água com a espessura de, pelo menos, 6,3mm.
4 Bureau d’Enquêtes et d’Analyses pour la Sécurité de l’Aviation Civile
5 Transport Canada, Federal Aviation Administration (FAA) dos EUA, NAV CANADA, Air France, Airbus, General Electric, the Aircraft Accident Investigation Branch (AAIB) do UK,
Goodrich Corporation, the Peel Regional Police e Greater Toronto Airport Authority (GTAA).
p.25
DESTINO
Artigo e fotografias por Andreia Lopes
NOVA ZELÂNDIA
A Nova Zelândia (NZ) fica exactamente nos
antípodas de Portugal (40ºS172ºE). Para quem
não tem ambições de sair deste nosso planeta, é o ponto mais longínquo até onde pode ir.
É composta por 2 ilhas principais e por várias
pequenas ilhas. Tem uma área total equivalente à Grã-Bretanha e apenas 4 milhões de
habitantes, 2/3 dos quais vivem em cidades.
Um terço da área do país foi designado como
reserva ou parque natural, sendo cuidadosamente preservado.
A primeira ocupação do país deu-se por
volta de 1000 a 1200 D.C., pelos Maori, originários da Polinésia. O primeiro contacto dos
Maoris com os Europeus aconteceu em 1642,
quando o holandês Abel Tasman chegou à
Golden Bay, a norte da ilha do Sul. No entanto, Abel Tasman nunca chegou a desembarcar
neste país, e só em 1769 houve novo contacto entre Maoris e Europeus, através de expedições inglesas (lideradas por James Cook) e
francesas (lideradas por Jean de Surville). Em
1840 a NZ tornou-se, oficialmente, uma colónia inglesa, fazendo actualmente parte da
Commonwealth.
A vida selvagem deste país caracteriza-se
p.26
REVISTA DA APCTA. VOL2#1. JAN06 Associação Portuguesa dos Controladores de Tráfego Aéreo
essencialmente por uma grande diversidade de pássaros, havendo algumas espécies
endémicas, nomeadamente a Moa (espécie de
avestruz, embora de porte bem maior e actualmente extinta) e o Kiwi, ave noctívaga, não
voadora. A NZ é ainda cenário de uma grande
fauna aquática, nomeadamente baleias, golfinhos, focas, leões-marinhos e pinguins.
O turismo neste país sofreu um crescimento considerável desde a realização do filme ‘O
Senhor dos Anéis’ (cerca de 2 milhões em 2003)
e caracteriza-se essencialmente por um turismo de natureza e de actividades de ar livre.
Apesar do país sofrer todo o ano a influência de ventos vindos do mar da Tasmânia (que
trazem muita humidade e chuva associada),
os Kiwis (alcunha que os neozelandeses gostam de se auto atribuir) são dos povos que
mais valorizam a natureza.
Os Kiwis têm um estilo de vida muito próprio, são verdadeiros desportistas e aventureiros. A maior parte vive em casas de madeira
com quintal. É comum o despertar por volta
das 6 horas da manhã para um jogging matinal. Ao fim do dia, as marginais e os parques
das cidades também se ‘enchem’ de animação
Fetos gigantes — símboloda Nova Zelândia
Ao fim do dia, as marginais
e os parques das cidades
também se ‘enchem’ de
animação (na verdade, não
ficam cheios de gente, pois
o conceito de multidão é
um conceito desconhecido
na Nova Zelândia!)
Milford Sound
(na verdade, não ficam cheios de gente, pois
o conceito de multidão é um conceito desconhecido na NZ!).
O modo mais comum de passar férias,
neste país, é alugar uma auto-caravana (dos
poucos veículos com que nos podemos cruzar
fora das cidades) e percorrer os parques naturais e praias do país, preenchendo os dias
a fazer uma panóplia de actividades radicais
que são comercializadas por diversas agências
especializadas.
Existe ainda uma grande ligação ao mar,
e as marinas das cidades e de pequenas vilas
estão sempre cheias de pequenos veleiros e
outros barcos. A vida nocturna não é habitual e um restaurante/bar que tenha uma placa
anunciando ‘aberto até tarde’ fecha cerca das
22/23horas.
Os turistas estrangeiros optam, muitas
vezes, por iniciar a viagem pela Ilha do Norte,
deslocando-se para sul, e acabando a viagem
na Ilha do Sul. Apesar de toda a paisagem ser
magnífica e diversificada (praias paradisíacas,
florestas tropicais, montanhas com neves eternas e glaciares, fiordes, vulcões, etc.), existem
alguns locais que são de passagem obrigatória!
ILHA DO NORTE
Aukland, capital económica do país, auto
proclama-se a ‘cidade dos veleiros’. Fica encaixada numa estreita faixa de terra entre
duas cénicas enseadas, e é rodeada por uma
diversidade imensa de praias de areia e por
pequenas ilhas. Uma visita à Sky Tower, o edifício mais alto do Hemisfério Sul (328mts), é
imprescindível para uma boa panorâmica da
cidade!
Rotorua, é a cidade com maior actividade termal do país, com piscinas borbulhantes,
nascentes de água quente e fortes géisers (a
água chega a ser projectada a cerca de 20mts
de altura). É ainda a cidade onde se concentra
a maior parte da população Maori, oferecendo uma diversidade de espectáculos, onde se
pode apreciar a cultura deste povo.
Para além destas atracções, pode-se optar por diversos passeios pelo lago Rotorua
(de barco ou de kayak), ou optar por actividades mais radicais, como o skydive ou o zorbing
(que consiste, basicamente, em descer – entenda-se rebolar - pela encosta de um monte,
dentro de uma esfera de plástico).
Parque Nacional de Tongariro, o primeiro
parque nacional a ser criado na NZ, engloba
uma zona montanhosa, cujos vulcões ainda
se encontram activos (a última erupção foi
em 1996). Apesar de, na base da montanha, a
floresta ser luxuriante, em altitude, a vegetação rareia, ganhando a paisagem um aspecto
quase lunar, tornando-se, por isso, a escolha
evidente para o cenário de Mordor, no filme de
Peter Jackson.
ILHA DO SUL
Parque Nacional Abel Tasman, é um parque que se estende ao longo da costa norte da
Ilha do Sul. Caracteriza-se por uma floresta
luxuriante que se prolonga até ao mar, enquadrando pequenas praias de areia dourada e de
água azul esmeralda, dispersas pelas diversas
enseadas e pequenas baías, que recortam a linha de costa. Existe um trilho marcado ao longo da costa que proporciona vistas de uma beleza exuberante. O percurso está condicionado
pela maré, havendo zonas que se atravessam
só na maré baixa. Devido a esta condicionante
e ao facto de ser um percurso de 51km, este
caminho demora cerca de 3 a 5 dias a percorrer. Existem diversas alternativas para a
p.27
Alpes do Sul - Monte Cook
Glaciar Franz Josef
Parque Nacional - Fiordland
NOVA ZELÂNDIA
Parque Abel Tasman
Roturua
QUANDO IR
De meados de Outubro a meados de Maio.
globalidade do percurso, nomeadamente, fazer apenas uma parte do trilho, ou combinar
parte do percurso a pé, e outra parte de kayak.
Independentemente da opção tomada, este
percurso é altamente recomendável e gratificante!
Glaciares Franz Josef e Fox e Alpes do Sul, é
uma zona classificada como património mundial (conjuntamente com o P. N. Fiordland). A
costa oeste da Ilha do Sul caracteriza-se por
uma cadeia montanhosa que se eleva a poucos quilómetros do mar. Para além da paisagem alpina, com cumes a rondar os 4000mts,
os glaciares Franz Josef e Fox têm a especificidade de ser os únicos a avançarem para zonas
tão próximas do mar, tendo em conta a latitude a que se encontram. Os vales glaciares são
bastante inclinados, proporcionando elevadas
taxas de avanço que podem chegar aos 5 metros por dia. Diversos programas estão disponíveis, desde sobrevoos de avião e helicóptero
(com aterragem nos cumes nevados), percursos sobre os glaciares ou apenas pequenas caminhadas até à zona terminal dos glaciares (a
altitudes que rondam os 200mts).
Parque Nacional Fiordland e Milford
Sounds, são o ex-libris da NZ. Este parque está
situado na zona SW da Ilha do Sul, uma zona
bastante remota e de difícil acesso, caracte-
p.28
rizado por uma cadeia de fiordes que se precipitam sobre o mar, recortando a paisagem
e criando uma imensidão de canais que deságuam no mar da Tasmânia.
Esta zona é das zonas mais chuvosas da
NZ, com precipitações anuais na ordem dos
6mts, chovendo, em média, 200 dias por ano.
O Milford track, é um percurso que se faz através do parque, partindo do interior, cruzando
vales glaciares, e terminando no litoral, em
Milford Sounds. O acesso ao trilho é feito exclusivamente de barco, uma vez que não existem estradas de acesso nem ao início nem ao
fim do trilho. É um percurso de 53,5km que se
faz em 4 dias, passando por floresta tropical,
paisagem alpina, e terminando nos fiordes.
Um cruzeiro em Milford Sound é a melhor forma
de percorrer os canais e observar as dezenas
de cascatas que se precipitam das escarpas
rochosas para o mar. Deslumbrante! … A não
perder!
Península de Otago, é a zona da NZ onde
mais facilmente se consegue observar a vida
selvagem aquática de perto. A preservação
dos seus habitats naturais, aliada a uma
grande informação e a um turismo cuidado e
consciente, permite que as focas, os leõesmarinhos, os pinguins e albatrozes continuem
a viver num estado selvagem, continuando a
frequentar esta península.
.
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COMO IR
Bilhete staff até Londres e de Londres com
a BA (60€ + 900€, taxas incluídas);
Ou de Lisboa, via Amesterdão com a
KLM (1150€, taxas incluídas)
TEMPO DE VIAGEM
36horas, aproximadamente.
DIFERENÇA HORÁRIA
UTC mais 12.
MOEDA
Dollars neozelandeses (1€:0,60 NZ$,
câmbio de Novembro 2005)
SÍMBOLO NACIONAL
O feto prateado (gigante).
ANTES DE IR
Comprar o livro da Lonely Planet: New Zealand;
Ver o filme: A Encantadora de Baleias;
Ver os comentários de Peter Jackson sobre as
filmagens da trilogia: ’O Senhor dos Anéis’.
ESSENCIAL LEVAR
Meia dúzia de rolos de slides/um cartão de
memória extra para a máquina digital!
Impermeável (para os dias de chuva) e
protector solar (a NZ é dos países com
maior índice de cancro de pele);
Botas de trekking e binóculos.
BREVES
1. Ana Paula Castro
Flight Level: Quem é a Ana Paula?
Ana Paula Castro: Para quem não me conhece,
sou uma veterana, nascida em África há meio século, rsrsrsrs. Deixei-me refugiada na TWR de Lisboa
por um facto: o nascer do sol no rio Tejo, nas minhas
madrugadas de serviço embelezava-me o horizonte
das filosofias constantes: ser ou não ser.
Tenho uma alegria nata e os dramas são consequência própria da vida que devemos encarar com
naturalidade: viver ou não viver.
FL: De onde te surgiu a ideia deste livro?
APC: Já vou no terceiro livro, embora este seja
o segundo, nenhum deles surge da ideia, de um plano, como surge a ideia do arquitecto desenhar uma
casa onde tem um plano definido. Embora exista
comum a raiz, o que se passa é existir pela escrita
a comunicação ou a transmissão de algo que está
no subconsciente a bailar, que marca a ficção e o
existencialismo, digamos uma corrente eléctrica,
uma ionização inexplicável a que obedeço. Nasce o
livro e não a ideia específica.
FL: A escrita é, para ti, um anti-stress/hobby ou uma
potencialidade que tencionas levar muito longe?
APC: Não é um anti-stress/hobby, é uma necessidade de criar personagens à minha volta, vivê-los,
combinar uns com os outros o destino. Uma sintonia
semelhante à vida real, um conjunto de factores
que caracterizam as nossas relações, acabamos em
grupinhos, em grupinhos mas a direcção é a mesma:
A FIR. Essa unidade potencial marcante que todos
devemos atingir quando nos propomos a fazer isto
ou aquilo.
FL: Quais os teus autores favoritos? Que livro recomendarias para começar em grande o ano de 2006?
APC: Susana Tamara, pela escrita sensível semelhante à minha. Garcia Marques pela justiça
humana, prémio Nobel 1982. Isabel Allende pela
emancipação política social. Também gosto do Eça
de Queiroz, não consigo escrever sem o retrato dele
à minha frente.
O livro que recomendo para princípios do ano
2006 é DEUS ACORDA, de Ana Paula de Castro, lan-
1.
2.
.
Esta é a história de um menino negro:
António Deus Acorda.
Nascido num quimbo de Angola, cedo é forçado a estudar
num seminário, depois a ir para Lisboa cursar Direito, terra distante onde se vê envolvido numa trama política que
não pedira e que o acabará levando ao cárcere.
Na diagonal, este livro conta a história de um rapazinho
que se faz homem. Nessa empreitada descobre o amor, o
sexo, a amizade, mas também o ódio, o racismo, o fascismo colonial, tendo sempre como pano de fundo a situação
colonial do país, o pré e o pós 25 de Abril, o choque rácico
entre dois países que ainda nem bem sabiam se eram irmãos ou enteados. Lido na profundidade, este livro pode
transformar-se em coisas outras: metamorfoseia-se num
livro de inquietudes, num fascículo de
errâncias, pela história de um rapaz que
vê a infância natural ser-lhe invadida
por normas, onde os espíritos do quimbo se baralham de cimentos, confusos
a tantas ordens, perdidos em tantas
normas.
E tudo isto num estilo de escrita muito
límpido, muito terno, que poderá colocar Ana Paula Castro como um caso
sério, nesta vaga de escritores a quem
agora lhes deu de retratarem o místico
como coisa qualquer singela…
3. FESTA DE NATAL
2. JANTAR “VINHOS E COPOS”
Aqui fica um “cheirinho”
da lista de Vinhos:
Realizou-se, no passado dia 10 de Dezembro de 2005,
um jantar de vinhos, sob a batuta do nosso “Grande
Mestre” Rui Gomes. Vejam bem o requinte da coisa.
Antes do jantar, houve um briefing sobre a vinhaça
a beber e, com um kit especial que o mestre trazia,
aprendeu-se a reconhecer os aromas. Narizes afinados, houve uma breve explicação sobre o set de copos
da Riedel que se iria utilizar. Julgo que, para espanto
geral dos cerca de vinte “bebedolas” que foram ao
jantar, ficou provado que o copo ideal faz a diferença
e um tal de Joker matava qualquer vinho.
A excelente comida, que casou impecavelmente
com a bebida, esteve a cargo do nosso amigo Pedro,
dono do Restaurante Horta dos Brunos. Aguardamos
com curiosidade os próximos eventos. Enfim, com este
nível, não sei onde vamos parar…Parabéns Rui.
Quinta do Monte Oiro Madrigal Viognier
Redoma 2004
António Maria
Quinta do Monte de Oiro Reserva 2001
Quinta do Vale Meão 2003
Casa Ferreirinha Colheita 1998
Quinta da Leda 2004 Vinha do Pombal
Quinta do Vallado Tinta Roriz
Aneto
Dado
Colheita 1987 Niepoort
.
çamento na livraria FNAC do Chiado às 18.00 dia
4 de Fevereiro, pela escrita sensível, pela justiça
humana e pela política social a não branquear na
sociedade de hoje.
FL: Que conselho darias aos teus jovens colegas
controladores com esta mesma veia artística?
APC: Que não esperem pela aposentação. A escrita é um exercício, quanto mais cedo melhor, enrijecer os músculos, deitar fora as gorduras, respirar
fundo, oxigenar as veias... Não é fácil. É um mundo fechado, a começar pelos editores e livreiros...
aberta a uns... tem que ser firme. Constante.
Realizou-se no passado dia 11 de Dezembro de 2005 a Festa de
Natal da APCTA, no Jardim Zoológico de Lisboa. A organização
esteve a cargo da nossa colega Maria José Domingos e contou
com a presença de vários associados e famílias.
.
3.
p.29
ROTA DOS SABORES
Entrevista por Rodrigo Vaz, fotografias de Alfredo Rocha
Ideias para outros paladares
Esta rubrica pretende dar a conhecer aos sócios os diferentes tipos de gastronomia existentes, nacional e internacional,
a maneira de confeccionar os pratos mais típicos e os locais onde os poderemos encontrar. Nesta primeira edição,
decidimos começar pela comida Japonesa, pois esta encontra-se muito na moda e até já tem alguns admiradores
entre os nossos associados. Nesse sentido, optámos por entrevistar Luísa Yokochi, filha dos donos do Restaurante Novo
Bonsai, por ser um dos pioneiros desta comida em Portugal.
Comida Japonesa
Novo Bonsai
Restaurante
Flight Level: Quando e como abriu o Restaurante
em Portugal?
Luísa Yokochi: A nossa família ficou com o
restaurante há 16 anos, na sequência de uma
série de coincidências. O Bonsai já existia, mas
o negócio não estava muito interessante. O
meu pai preparava-se para abandonar a natação e tinha um conhecido que andava com
ideia de abrir um restaurante japonês e queria um sócio. Apalavrou-se o trespasse, mas,
entretanto, o conhecido do meu pai mudou
de ideia, de modo que ficámos nós com o restaurante em mãos, para não voltar a trás com
a palavra. Não tínhamos experiência em restauração, mas resolvemos aproveitar a oportunidade para divulgar a cultura japonesa em
Portugal, e a comida é, para mim, uma parte
importantíssima da cultura de qualquer povo.
Simultaneamente, o restaurante servia de
“porto de abrigo” e também de posto de turismo informal para os japoneses que passavam
por Portugal.
Flight Level: A aceitação pelo público foi imediata ou não?
L.Y: O início foi complicado. Poucas pessoas
conheciam a comida japonesa e era uma festa
se entravam mais de 10 pessoas no restaurante
numa noite. Nessa altura, havia apenas mais
um restaurante japonês em Lisboa, cuja especialidade eram os grelhados na chapa.
O nosso público foi crescendo de uma maneira muito gradual, essencialmente trazido
por amigos e conhecidos que já tinham descoberto o restaurante, uma vez que nunca investimos realmente em publicidade.
p.30
REVISTA DA APCTA. VOL2#1. JAN06 Associação Portuguesa dos Controladores de Tráfego Aéreo
dientes essenciais da cozinha japonesa sempre foram fáceis de encontrar e com boa qualidade a partir do momento em que ensinámos
aos fornecedores quais as características que
precisávamos.
Flight Level: Como vê a evolução dos portugueses em relação à comida Japonesa?
L.Y: No início havia uma pequena elite que
já provara alguma comida japonesa no estrangeiro ou em casa de amigos. Depois, havia
muita confusão entre cozinha chinesa e cozinha japonesa. Por fim, havia também o mito
de que a comida japonesa é só peixe cru. Na
realidade, esse é um mito que ainda vai perdurando. E uma das reacções mais engraçadas de
quem prova pela primeira vez peixe cru é quando descobre que o gostar ou não tem essencialmente a ver com as texturas, uma vez que o
peixe fresco e limpo não tem o cheiro desagradável que habitualmente lhe associamos.
Actualmente, estamos a viver um momento algo artificial por causa da moda. A moda
da cozinha japonesa pegou em Portugal, e
vemos cada vez mais restaurantes de comida
japonesa a abrir (infelizmente também de comida dita “japonesa”).
Mas, hoje em dia, cada vez mais pessoas
sabem o que procuram e até já começam a pedir pratos tradicionais “fora da ementa” e dicas
para cozinhar em casa, o que demonstra uma
forte evolução do ponto de vista da divulgação
da comida e da cultura do Japão. Esse conhecimento permite também aos clientes exigir uma
qualidade cada vez melhor, e isso é importante
para a manutenção da cozinha japonesa na restauração, depois de passada a moda.
Flight Level: Qual o segredo do sucesso da
Cozinha Japonesa?
L.Y: A cozinha japonesa é geralmente leve,
de fácil digestão e muito variada. Claro que
num restaurante não é possível transmitir
toda a variedade que realmente caracteriza
a cozinha tradicional japonesa, e o que acaba por cativar as pessoas é a sensação de
“despoluição” dada por uma digestão mais
fácil e o facto de serem sabores muito simples,
mas intensos. Porém, o segredo de qualquer
cozinha é sempre o mesmo: a qualidade.
Flight Level: E ao nível do ambiente de um restaurante Japonês, tem sucesso a mesa baixa
tradicional?
L.Y: As nossas mesas baixas têm sucesso
em três situações: casais que procuram um
cantinho mais romântico para namorar um bocadinho, pessoas que gostam de um pouco de
privacidade, para fugir à confusão, e grupos
de amigos que se querem divertir sem chatear
muito o resto dos clientes.
Mas, se no início muitas pessoas vinham ao
restaurante japonês por ser “exótico” ou para
um evento especial, cada vez mais pessoas
vêm pelo simples prazer de uma boa refeição,
e essas, muitas vezes, até preferem o balcão.
Flight Level: Arranjar os produtos necessários,
hoje, será relativamente fácil, mas como era
no início?
L.Y: No início tínhamos de importar muitos
dos produtos directamente do Japão. Outros,
como o arroz, substituíamos por variedades
portuguesas que funcionavam, apesar de não
ser o mesmo. Mas Portugal sempre teve uma
vantagem grande em relação a muitos outros
países: existe uma cultura alimentar que inclui
o peixe e os legumes, de modo que esses ingre-
Flight Level: Quais são os pratos mais tradicionais?
L.Y: É difícil escolher na nossa ementa
alguns pratos mais tradicionais, uma vez que
praticamente todos o são. Existem outros restaurantes que fazem boa “cozinha de fusão”,
de inspiração japonesa. No Bonsai, focamos
mais os sabores típicos e para nós a “fusão”
fica-se pela introdução de legumes da época,
quando possível e adequado do ponto de vista
do paladar.
Os pratos tradicionais mais conhecidos
são o sashimi, o sushi e a tempura. Mas, o meu
conselho para quem procura pratos mais tradicionais é espreitar sempre o quadro com as
especialidades do dia fora da ementa.
Flight Level: Quais os pratos mais pedidos?
L.Y: Os pratos mais pedidos são os que incluem peixe cru, como o sashimi e o sushi, mas
cada vez mais pessoas querem provar coisas
novas. Outro prato que faz muito sucesso é a
nossa salada Bonsai.
Flight Level: Que conselho gastronómico daria
aos portugueses?
L.Y: Descubram os prazeres do paladar e
não tenham medo de provar comidas novas.
A cozinha japonesa já se estabeleceu em
Portugal, mas há muitos outros sabores de
todo o mundo por descobrir, e certamente muitos proporcionarão surpresas agradáveis.
.
Contactos:
Restaurante Novo Bonsai
Rua da Rosa, 248 Lisboa
Tel. 213462515
Horário: 12h30-14h,19h30-22h30
Seg. e Sáb. só jantares - fecha Dom.
p.31
Em memória de
Denise Gama e
Ricardo Godinho
Em homenagem à Denise Gama e ao
Ricardo Godinho que faleceram o ano passado, pedimos aos colegas dos dois ACC’s que
aqui relembrassem estas duas pessoas que nos
eram tão queridas.
Em memória de Denise Gama
Denise,
“Lembro-me, em particular, daqueles momentos cheios de stress, no meio dos aviões e
dos vectores, em que nos mimavas com doces.
Sem aviso prévio, lá vinhas tu com os docitos
e com a tua boa disposição…o turno passava
bem melhor…
Enfim, só posso dizer que tenho grandes
saudades”, Rodrigo
“Querida Denise,
O teu sorriso e a tua boa disposição fazem
muita falta no ACC.... sempre prestável e com
um grande sentido de companheirismo, continuas presente entre nós!
Com muita saudade”, Andreia
“Lembro-me muito bem da Denise! Foi
minha aluna no ab-initio... lembro-me de
algumas “traquinices” que fez, do potencial
que sempre demonstrou ter e dos “ecos” que
da sala de controle me chegaram mais
tarde, relativamente à sua conduta
moral, solidária e de espírito de
equipa. Lembro-me da incontida corrente de solidariedade
que à volta dela cresceu, quando a doença se
agravou, prova insofismável do seu carácter.
Mas também me lembro muito bem do Reis,
do “companheirão” João “Palavra”, do “incorrigível” Fernando Loura, do incomparável
Manuel Barbosa. Lembro-me bem da postura
rectilínea do Luís Lourenço, da boa disposição da Guida Frade, da sobriedade do Leitão e
por certo das muitas características do jovem
Ricardo que não cheguei a conhecer. Perdoemme o egoísmo mas penso que a melhor forma
de homenagear a Denise é relembrar todos os
nossos colegas controladores que nos “deixaram” ante tempo e que seguramente continuam “vivos” em cada um de nós.” Fernando César
“É-me ainda muito difícil falar sobre a
Denise. Não só pela minha relação profissional
com ela mas também como amigo e vizinho da
frente. Ela está ainda muito presente em mim.
Cada vez que vejo a sua casa, sinto-me triste.
Ela que tinha tanto prazer na decoração, nas
pequenas coisas, no seu cuidado jardim. Hoje
vejo a sua casa abandonada. Eu sei que se ela
a visse assim ficaria muito triste.
Mas também sei que a vida continua. E que o
Gonçalo está um menino lindo. Tenho pena de
não saber muito da Rita mas a vida dá voltas
incompreensíveis. Só espero que esteja igualmente bem. E que tenham os dois a vida desejada pela Denise: com saúde e felicidade.
Um beijo”. Fernando Fernandes
Denise,
Não vou falar de trabalho porque tu
eras muito para além disso. Não esquecerei
a miúda que eras, ainda antes do controle, com o teu sorriso cativante. Não esquecerei, também, a amiga em que te tornaste
no momento mais difícil da minha vida. Não
esquecerei a Mãe excepcional que sempre
foste. Não esquecerei os nossos serões, que
serviam quase sempre para desabafares o
que te ia na alma, mas também para preencher muitas vezes a tua solidão. Não esquecerei que a vida nunca te deu um final feliz.
Não te esquecerei... Nuno Simões
Em memória de Ricardo Godinho
Estávamos em meados de Janeiro de 2002
quando um grupo de “putos” com ar meio perdido chegou ao CDF, disposto a sair de lá com
uma nova profissão. Nenhum sequer sonhava
que um ano mais tarde viríamos a sair dali com
uma ligação uns aos outros, praticamente uma
irmandade, resultado das vivências e do espírito de entreajuda que se criou entre todos. Foi
com dor que, durante o ano de 2005, perdemos
um dos nossos “maninhos”, o nosso Ricardo.
É sempre difícil falar de perda de pessoas, mas torna-se ainda mais difícil quando se
trata de pessoas que a partir de determinado
momento passaram a fazer parte da nossa
vida, de uma forma mais ou menos directa. O
Ricardo ensinou-nos a viver todos os momentos intensamente, com muita alegria, muita
intervenção, participava em tudo de corpo
e alma. Tinha sempre um sorriso nos lábios,
nunca se chateava com nada e estava sempre
pronto para ajudar os amigos.
A saudade acompanha-nos sempre mas
recordar os bons momentos é vive-los de
novo. A morte do Ricardo tocou-nos a todos,
não só por ter sido cedo demais, mas também
por termos partilhado memórias. As festas que
nunca dispensava, os passeios com os amigos,
sem nunca descurar a família e cumprindo
sempre com as suas responsabilidades.
Um AMIGO sempre simpático, correcto, divertido e com bom coração.
O FB12 estará sempre contigo, tal como sabemos que de algum modo estarás para sempre na nossa memória e no nosso coração…
como um ETERNO AMIGO!
Colegas do ACC de Stª Maria
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