- Observatório das Metrópoles

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VANESSA AMADA MARTIN BOCANEGRA
A POLÍTICA URBANA EM BAIRROS POPULARES
NO PERU:
limites e desafios para o desenvolvimento e a inclusão social
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa
de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em
Planejamento Urbano e Regional.
Orientador: Prof. Dr. Orlando Alves dos Santos Junior
Doutor em Planejamento Urbano e Regional IPPUR/UFRJ
Rio de Janeiro
2009
M379p
Martin Bocanegra, Vanessa Amada.
A política urbana em bairros populares no Peru :
limites e desafios para o desenvolvimento e a inclusão
social / Vanessa Amada Martin Bocanegra. – 2009.
188 f. : il. color., mapas ; 30 cm.
Orientador: Orlando Alves dos Santos Junior.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento
Urbano e Regional, 2009.
Bibliografia: f. 185-188.
1. Planejamento urbano – Lima (Peru). 2. Política
urbana – Lima (Peru). 3. Desigualdade social.
4. Desenvolvimento sustentável. I. Santos Junior,
Orlando Alves dos. II. Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e
Regional. III. Título.
CDD: 711.40985
VANESSA AMADA MARTIN BOCANEGRA
A POLÍTICA URBANA EM BAIRROS POPULARES
NO PERÚ:
limites e desafios para o desenvolvimento e a inclusão social
Dissertação submetida ao corpo docente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e
Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do grau de Mestre em Planejamento Urbano e Regional.
Aprovado em:
BANCA EXAMINADORA
__________________________________
Prof. Dr. Orlando Alves dos Santos Junior – Orientador
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - UFRJ
__________________________________
Prof. Dra. Claudia Ribeiro Pfeiffer
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - UFRJ
__________________________________
Prof. Dr. Pedro Cláudio Cunca Brando Bocayuva Cunha
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional - FASE
“... na busca de políticas que busquem dissolver a
separação da cidade fragmentada, que é a cidade
mais apta a ser ‘controlada’”(Genro, 1999).
AGRADECIMENTOS
Ao Programa de Estudantes-Convênio de Pós-graduação - PEC-PG e ao
CNPQ, que me concederam a bolsa para o segundo ano de estudos, sendo desta
forma possível culminar este mestrado.
À minha família que acreditou sempre em mim e me ensinou que todas as
metas são possíveis de alcançar, quando se coloca muito empenho no seu
empreendimento, aos meus pais queridos, Victor Raul e Amada, e irmão: Fernando
– pelo grande amor, estímulo, força e apoio incondicional em todo momento, sem os
quais esta dissertação não teria chegado ao seu fim.
A minha filha Ana Paula, meu maior tesouro e motivação principal, quem sem
saber me deu a coragem necessária para continuar trabalhando a tese, vencendo
qualquer tipo de obstáculos.
Ao Edmundo Hoyle por ser meu companheiro e aliado, quem me facilitou a
vida nos momentos mais difíceis, sempre com muita paciência e amor e, sobretudo
por todos os momentos felizes que vivemos juntos na cidade maravilhosa.
Aos amigos do meu pensionato franco - peruano - brasileiro, especialmente à
família deBayser, pelos dois anos e meio de convivência harmoniosa e cheia de
encontros felizes e inesquecíveis que ficarão para sempre em minha mente e meu
coração.
A
meu
orientador
Orlando,
pela
amizade,
otimismo,
compreensão,
simplicidade e por me ajudar a traduzir meus pensamentos confusos em portunhol.
À professora Claudia Pfeiffer, por compartir comigo os mesmos pensamentos
ideológicos e incentivar-me a prosseguir adiante com este desafio. Assim também,
pela amizade, atenção e momentos de orientação.
Ao professor Adauto, por invitar-me a participar como parte da equipe na
elaboração do documento do Plano Diretor na Luta pela Moradia, experiência da
qual guardo muitas satisfações, lembranças e aprendizado.
À turma de mestrado 2007 pela convivência nestes dois anos de vida carioca!
Espero que a amizade permaneça mesmo com o fim desta etapa.
Aos professores e funcionários do Instituto de Pesquisa em Planejamento
Urbano e Regional - IPPUR, pelo aprendizado, dicas e colaboração.
Aos meus colegas arquitetos e grandes amigos da universidade, Tania,
Natalia e Coco, pelo carinho de sempre.
Ao Deus e Jesus pelas infinitas bênçãos e a minha mãe, Maria Três Vezes
Admirável de Schoenstatt que escutou as minhas preces e intercedeu sempre por
mim, concedendo-me até o impossível.
RESUMO
A política urbana dirigida aos bairros populares no Peru através dos diferentes
períodos de governo tem se restringido a programas e projetos que só resolvem sua
problemática de maneira parcial, mas não permitem uma abrangência dos
problemas de forma integral e holística com propostas que incluam a cidade como
um todo, envolvendo varias esferas e âmbitos de desenvolvimento, assim como a
inclusão e participação democrática de todos os atores sociais. Isto a exceção de
duas experiências: La comunidad Urbana Autogestionária de Villa El Salvador e la
Comunidad Autogestionária de Huaycán, que podem contribuir ao debate do
enfoque do que veria a ser um “Planejamento Integral Urbano Sustentável” –
conceito que será construído – e suas vantagens em relação a um planejamento
convencional e de perfil tecnocrático, o qual vem a ser o objeto central do estudo e
avaliação. A metodologia envolve uma análise detalhada do desempenho histórico
das políticas urbanas orientadas a resolver a problemática dos assentamentos e
bairros populares de Lima - Peru, para logo aprofundar naquelas que tiveram um
enfoque integral urbano sustentável, utilizando material de consulta de autores
peruanos, assim como documentos de instituições estaduais, universidades e
ONG’s. Por outro lado, a avaliação específica às comunidades “autogestionárias” foi
complementada com entrevistas de campo aos diferentes atores sociais que
contribuíram no desenvolvimento daquelas comunidades. O estudo permite concluir
que o planejamento integral urbano sustentável e participativo traz melhores
resultados para o desenvolvimento e inclusão social com aprimoramento das
condições de vida dos bairros populares, do que um planejamento tecnocrático ou
convencional, isto acompanhado de algumas recomendações e considerações
necessárias para enfrentar os limites e desafios para tornar este tipo de práticas,
políticas democráticas universalizadas.
Palavras-Chave: Planejamento urbano, desigualdades sócio-espaciais (segregação
urbana), sustentabilidade, inclusão social, desenvolvimento local.
ABSTRACT
The urban policies adopted by various governments for popular districts in Peru have
been restricted to programs and projects that only partially address the problems and
therefore, do not offer any integral and holistic approach to the problematic with
propositions including the city as a whole, involving the various spheres and aspects
of development, as well as giving space to inclusion and democratic participation of
all the social actors. However, two experiments make an exception: The
“Autonomously administrated Urban Community of Villa El Salvador” and the
“Autonomously administrated Community of Huaycán” that can offer valuable
contributions to a debate focused on what an “Integral and Sustainable Urban
Planning” should be – a concept that will be constructed – and its benefits compared
to a conventional planning with a technocratic profile, that resulted to be the central
object of study and evaluation. The methodology includes the detailed analysis of the
historical development of
urban policies aiming at resolving the problematic of
squatted lands and popular districts of Lima - Peru, and then goes on deepening into
the urban policies with an integral sustainable focus, using the material obtained from
consultations of Peruvian authors as well as documents from state institutions,
universities and ONG’s. On the other hand, the specific assessment of
“autonomously administrated” communities was complemented with field interviews
of various social actors that have contributed to the development of these
communities. The study leads to the conclusion that integral sustainable and
participating urban planning brings better results for development and social inclusion
along with improvement of the living standards of popular districts, than a
technocratic or conventional planning. This conclusion is complemented by some
recommendations and considerations that are necessary to affront the limits and
challenges to turn this type of praxis into democratic and universal policies.
Key
words:
Urban
planning,
socio-spatial
sustainability, social inclusion, local development.
inequalities
(urban
segregation),
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Gráfico 1: Migração da população da Costa, Sierra e Selva a Lima ..........................17
Quadro 1: Comparação da política de planejamento urbano convencional ou
predominante com a de Planejamento Integral Urbano Sustentável ........................ 55
Quadro 2: Modelo normativo de referencia para a avaliação das políticas urbanas
para bairros populares no Perú, baseado no enfoque de Planejamento integral
Urbano Sustentável ................................................................................................... 57
Gráfico 2: Linha do tempo das políticas urbanas para bairros populares no Perú.... 83
Gráfico 3: Plano Urbano de Fundação de Villa El Salvador ..................................... 95
Gráfico 4: Grupo Residencial de Villa El Salvador..................................................... 96
Gráfico 5: Plano de Zonificação de Villa El Salvador ………………………............... 98
Gráfico 6: Jovens ocupados segundo rama de atividade no ano 2006 em Villa El
Salvador .................................................................................................................. 104
Foto 1: A comunidade de Villa El Salvador em sua fase inicial .............................. 115
Foto 2: Avenida Central de via dupla ...................................................................... 115
Foto 3: Parque Zonal Metropolitano ........................................................................115
Foto 4: Municipalidade Distrital de Villa El Salvador ............................................... 116
Foto 5: Parque Industrial de Villa El Salvador ………………………………............. 116
Quadro 3: Avaliação da experiência da Comunidade Urbana Autogestionária de Villa
El Salvador com base no modelo normativo de planejamento integral urbano
sustentável (modelo autogestionário): bloqueios, limites e conquistas....................116
Gráfico 7: Estrutura Organizativa da Comunidade Urbana Autogestionária de
Huaycán .................................................................................................................. 127
Gráfico 8: Plano Urbano De Huaycán - Exemplo de Uma “Unidad Comunal De
Vivienda” (UCV) e de uma “Unidad de Vivienda e Comercio” (UVC) ..................... 129
Foto 6: Praça de Armas de Huaycán ...................................................................... 145
Foto 7: Agencia Municipal de Huaycán ................................................................... 145
Foto 8: Parque Industrial de Huaycán .....................................................................145
Foto 9: Moradias - Atelier do Parque Industrial .......................................................145
Quadro 4: Avaliação da experiência da Comunidade Urbana Autogestionária de
Huaycán com base no modelo normativo de planejamento integral urbano
sustentável (modelo autogestionário): bloqueios, limites e conquistas....................146
Quadro 5: Avaliação da proposta de Plano Integral de Desenvolvimento
Metropolitano com base no modelo normativo de planejamento integral urbano
sustentável
(modelo
autogestionário):
bloqueios,
limites
e
conquistas................................................................................................................ 155
Quadro 6: Avaliação da proposta de Plano “Por uma Lima e um Callao Verdes” com
base no modelo normativo de planejamento integral urbano sustentável (modelo
autogestionário): bloqueios, limites e conquistas ....................................................160
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: População nacional e da área metropolitana (em miles de hab.). Período
1940 – 1990 .............................................................................................................. 18
Tabela 2: Déficit qualitativo e quantitativo de moradia a nível nacional, urbano e de
Lima Metropolitana em 1961, 1972 e 1981................................................................ 68
Tabela 3: Avaliação das necessidades de moradia em Lima Metropolitana (Períodos
1969 -1990) ............................................................................................................... 73
Tabela 4: Número de centros educativos públicos e privados existentes em Villa El
Salvador (2008) .......................................................................................................101
Tabela 5: Número de estabelecimentos de saúde existentes em Villa El Salvador
(2008) ...................................................................................................................... 102
Tabela 6: Abastecimento de água de Villa El Salvador em 2008 ........................... 103
Tabela 7: Abastecimento de esgoto de Villa El Salvador em 2008 ........................ 103
Tabela 8: Abastecimento de energia elétrica de Villa El Salvador em 2008 ...........103
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
APEMIVES - Associação de Pequenos e Medianos Industriais de Villa El Salvador
BANMAT - Banco de Materiales (Banco de Materiais)
BANVIP - Banco de la Vivienda del Perú (Banco da Moradia do Perú)
BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento
CCP - Centro de Comunicação Popular
CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
CNV - Corporación Nacional de Vivienda (Corporação Nacional da Moradia)
Coop. Pop - Cooperación Popular (Cooperação Popular)
CONAM - Conselho Nacional do Ambiente
CUAVES - Comunidade Urbana Autogestionária de Villa El Salvador
CUAH - Comunidade Urbana Autogestionária de Huaycán
COFOPRI - Comissão de Formalização da Propriedade Informal
ENACE - Empresa Nacional de Edificaciones (Empresa Nacional de Edificações)
FEPOMUVES - Associação Popular de Mulheres de Villa El Salvador
FF. AA - Forças Armadas do Perú
FMI - Fundo Monetário Internacional
FONAVI - Fondo Nacional de Vivienda (Fundo Nacional de Moradia)
FONCODES - Fondo Nacional de Compensación y Desarrollo Social
FONAFE - Fondo Nacional de Financiamento de la Actividad Empresarial do Estado
IU – Partido político Esquerda Unida
INDECI - Instituto de Defensa Civil
INEI – Instituto Nacional de Estadística e Informática
IMP - Instituto Metropolitano de Planificación
INADUR - Instituto Nacional de Desarrollo Urbano
MINSA - Ministerio de Salud del Perú
MVCS - Ministerio de Vivienda, Construcción y Saneamento
MML – Municipalidad Metropolitana de Lima
ONDEPJOV - Oficina nacional de povos jovens e assentamentos humanos urbanos
ONG’s - Organizações não governamentais
ONPU - Oficina Nacional de Planejamento e Urbanismo
PEA - População Econômicamente Ativa.
PEH - Programa Especial de Habilitação Urbana Progressiva da área de Huaycán
PIUS - Planejamento Integral Urbano Sustentável
PLANDEMET - Plano de Desenvolvimento Urbano Metropolitano de Lima e Callao
PNB - Produto Bruto Nacional
PNUD - Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo
PNUMA - Programa de Naciones Unidas para el Medio Ambiente
PRONAA - Programa Nacional de Asistencia Alimentaria
PYME’s – Pequenas e Medianas Empresas
RPU - Registro Predial Urbano
SINAMOS - Sistema Nacional de Apoio à Mobilização Social
SL - Sendero Luminoso
TEPRO - Techo Próprio (Teto Próprio)
UCV’s - Unidades Comunales de Viviendas
UM-HABITAT - Programa das Naciones Unidas para los Asentamientos Humanos
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura.
UNI – Universidad Nacional de Ingenieria (Universidade Nacional de Engenharia)
UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância
UPIS - Urbanizações populares de Interesse Social
UVC’s - Unidades de vivienda comercial
VES - Villa El Salvador
SUMARIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 16
CAPÍTULO I – O PLANEJAMENTO INTEGRAL URBANO SUSTENTÁVEL ........ 30
1.1.
Breve sistematização das principais concepções contemporâneas de
Planejamento Urbano ..................................................................................... 30
- O Modelo convencional atual de planejamento urbano em Lima ............... 34
1.2.
O Ideário de Cidades democráticas e Sustentáveis....................................... 45
1.3.
O Planejamento Integral Urbano Sustentável: um conceito em construção... 49
CAPÍTULO II - AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS URBANAS NO DESENVOLVIMENTO
DE BAIRROS POPULARES NO PERU ............................................58
2.1.
Modelos de Políticas urbanas para bairros populares no Peru desde os anos
70 até a atualidade ......................................................................................... 58
2.1.1. Período 1950 – 1980: do assistencialismo ao planejamento das “Barriadas
Assistidas” ...................................................................................................... 58
- O Modelo de Planejamento de “Barriadas Planificadas e Assistidas”........... 63
2.1.2. Período
1980-1990:
inícios
do
modelo
convencional-tecnocrático
de
planejamento .................................................................................................. 69
2.1.3. Período 1990-2008: continuação do modelo tecnocrático e surgimento de
novas concepções/propostas de planejamento ............................................. 74
2.1.4. Linha do tempo das políticas urbanas para bairros populares no Peru ......... 82
2.2.
Avaliação crítica das políticas implementadas para o desenvolvimento dos
bairros populares no Peru .............................................................................. 84
CAPÍTULO III – ANÁLISE DAS EXPERIENCIAS DE PLANEJAMENTO INTEGRAL
URBANO SUSTENTÁVEL E PARTICIPATIVO NO PERU............. 90
3.1. A “Comunidad Urbana Autogestionaria de Villa El Salvador” (CUAVES) Impacto no desenvolvimento urbano, conquistas e resultados alcançados.... 91
- Avaliação da experiência com base no modelo de planejamento integral
urbano sustentável: bloqueios, limites e conquistas ...................................... 116
3.2. A “Comunidad Urbana Autogestionaria de Huaycán” (CUAH) e a “Comunidad
Autogestionária de Huaycán” - Impacto no desenvolvimento urbano, conquistas
e resultados alcançados ................................................................................. 121
- Avaliação da experiência com base no modelo de planejamento integral
urbano sustentável: bloqueios, limites e conquistas ...................................... 146
3.3. A proposta de “Plano Integral de Desenvolvimento Metropolitano”................ 151
- Avaliação da proposta com base no modelo de planejamento integral urbano
sustentável: bloqueios, limites e conquistas ................................................... 155
3.4. A proposta de Plano “Por uma Lima e um Callao Verdes”.............................. 158
- Avaliação da proposta com base no modelo de planejamento integral urbano
sustentável: bloqueios, limites e conquistas ................................................... 160
3.5. Fatores chaves de inserção e implementação de políticas para o Planejamento
Integral Urbano Sustentável no Peru ............................................................. 164
CONSIDERAÇÕES FINAIS: Possibilidades, limites e desafios para a generalização
e implantação do Planejamento integral urbano sustentável e participativo no Peru
................................................................................................................................. 169
REFERÊNCIAS........................................................................................................184
16
INTRODUÇÃO
O presente estudo trata das políticas urbanas orientadas à resolução da
problemática dos assentamentos e bairros populares de Lima, no Peru, buscando
discutir criticamente as concepções do planejamento urbano, em uma perspectiva
socioterritorial vinculada ao ideário de cidades democráticas e socialmente
inclusivas, a partir da construção de um modelo normativo identificado como
planejamento integral urbano sustentável.
O processo de formação e crescimento espontâneo dos bairros populares no Peru
se iniciou a partir dos anos 70, acompanhado de uma crise, resultado das profundas
mudanças decorrentes do processo contemporâneo de acumulação capitalista –
como na maioria de países latino-americanos – e a busca da inserção do país no
mundo globalizado. A isto se deve acrescentar o processo excludente e centralista
das políticas de ajuste e desregulamento, que provocou, por sua vez, uma imensa
mobilidade sócio-espacial que trouxe consigo o incremento da pobreza e da
marginalidade, a precariedade do emprego e de aceso à moradia e serviços
urbanos, processos de segregação, desigualdade urbana e a exclusão social. A tudo
isto, se soma um déficit na qualidade de vida do cidadão.
A mobilidade sócio-espacial a qual nos referimos se configura nas chamadas
migrações1,
as
quais
acarretam
problemas
de
saturação
do
espaço
e
superpopulação nas cidades mais desenvolvidas da costa peruana, principalmente
naquela que concentra a maior quantidade de oportunidades econômicas e
recursos, como é o caso da capital do Peru: Lima Metropolitana (ver mapa 1), que
atualmente alberga uma população de quase 8 milhões de habitantes (cerca de um
terço da população peruana). Esta tendência de concentração da população
nacional na Metrópole se inicia de forma acentuada entre 1940 e 1981, período no
qual Lima e Callao (província constitucional) cresceram a uma taxa media anual de
1
Segundo dados entre 1940 e 1981 as percentagens entre população rural e urbana foram se
invertendo de 65%-35% a 35%-65% respectivamente, como produto das migrações.
17
4.9% contra 2.5% da media anual do país, isto quer dizer que a área metropolitana
aumentou em 7.1 vezes sua população no lapso de 41 anos.
GRÁFICO 1: Migração da população da Costa, Sierra e Selva
a Lima.
LEYENDA:
COSTA
SIERRA
SELVA
Fonte: Elaboração Própria
No entanto, este ritmo de crescimento tem sofrido variações nos períodos entre
censos. Assim, o crescimento populacional mais importante se deu no período 19611972, na qual a taxa média anual chegou a 5.4%. Mas, a partir do período 19721981, o crescimento demográfico perde ritmo, como revela a taxa média anual de
3.8 % (ver Tabela 1) e isto, devido ao surgimento de novos atrativos em outras
cidades do país. Porém, a pesar da desaceleração do crescimento populacional
metropolitano, Lima continua incrementando e concentrando população, sendo que
na atualidade esta reproduz, só por crescimento vegetativo, maior população que a
que segue migrando.
18
Esta concentração e saturação do espaço urbano, somado à própria dinâmica de
produção da cidade e a ausência de políticas e planos com um enfoque holístico e
sustentável de desenvolvimento da cidade como um todo, induziram ao progressivo
e crescente processo de produção e reprodução da cidade ilegal, que tende a
ocupar principalmente as grandes extensões de terrenos eriazos2 das periferias das
cidades (Lima principalmente).
TABELA I
POPULAÇÃO NACIONAL E DA AREA METROPOLITANA (Em milhares de Hab.)
PERIODO 1940-1990
ANOS
POPULAÇÃO
NACIONAL
POPULAÇÃO
METROPOLITANA
1940
6208
645
TAXA DE CRECIMENTO PROMEDIO ANUAL
POPULAÇÃO NACIONAL
POPULAÇÃO METROP.
5.1
1961
9907
1846
2.2
1972
13538
3302
2.9
5.4
1981
17055
4608
2.6
3.8
1988
21256
6054
3.2
4.0
1990
22332
6414
2.5
2.9
FONTE: Censos de Pob. Y Viv. 1940, 61, 72, 81, 88, 90
ELABORAÇÃO: PLANMET 1989
Portanto, uma das causas principais do crescimento das favelas no Peru é a
expropriação mesma desta população, que vai à capital com muitas expectativas,
em busca de melhores oportunidades para viver, mas que se encontra vulnerável
ante uma sociedade fechada que impede sua plena realização, caracterizada por
atores hegemônicos que detêm maior poder sobre o território urbano e seus
recursos.
Esta população em busca de melhores oportunidades e condições de vida que se
aglomera nas principais cidades metropolitanas e que ao final não consegue ter
acesso ao mínimo de oportunidades nem às liberdades necessárias para se
desenvolver, é parte de um processo histórico de pobreza, segregação e exclusão
2
A terra “eriaza” é aquela que não conta com condições naturais para realizar agricultura e,
portanto são terras que nunca antes foram trabalhadas. Aquela terra é um bem público já que pode ser
utilizada por distintos agentes para distintos fins, embora o uso de uns, limite a disponibilidade de
terra para outros agentes.
19
urbana que vem se reproduzindo de maneira similar e crescente na maioria de
países subdesenvolvidos. Isto se agrava devido à ausência de instrumentos e
políticas de desenvolvimento de nível nacional, que incluam todas as regiões do
país, especialmente as mais carentes e excluídas; assim como de estratégias e
políticas de planejamento e desenvolvimento local – como já foi dito anteriormente com um caráter integral, holístico e sustentável, nas quais os planos propostos
incluam a cidade como um todo, envolvendo todas as esferas e âmbitos de
desenvolvimento, pensando também na sua viabilidade através do tempo, e a
inclusão e a participação democrática de todos os atores sociais.
Tudo isto traz à luz a incorporação, ocorrida nos anos 70, de uma nova política de
planejamento urbano no Peru, que incorpora princípios participativos e sustentáveis,
com base em uma iniciativa de desenvolvimento focado num bairro popular da
cidade de Lima – a Comunidad Autogestionária de Villa El Salvador – que constituiu
numa experiência aparentemente exitosa, já que este tipo de intervenção permitiu
que este passasse de um assentamento humano informal a um bairro institucional
consolidado e auto-sustentável, gerando um acervo importante de capital humano e
social e uma melhora significativa na qualidade de vida daquela população.
No Peru, o processo de ocupação informal de terrenos e as constantes lutas sociais
de enfrentamento da expropriação sócio-territorial, que vem se desenvolvendo nas
periferias das cidades centrais, chega a ser noticia do dia-a-dia, muitas vezes
acompanhada de distúrbios manifestos e despejos violentos. Como já foi dito, este
problema tem ocasionado processos de marginalização, desemprego e déficit de
moradias, mas, além disso, e o mais degradante que isto produz, é uma
inacessibilidade às condições mínimas de cidadania e de acesso aos direitos
básicos contemplados na Constituição peruana. Isto agravado pela condição
estigmatizada de pessoas vivendo em situação “informal”, que moram em favelas,
com baixos níveis educacionais e sem a qualificação necessária para participar do
mercado formal e também da esfera política, nos processos de decisão públicos,
denominados “democráticos”. Tudo isto tem gerado uma visível segmentação
urbana, trazendo desequilíbrio e desorganização no plano metropolitano; com efeito,
20
isto se reflete numa imagem urbana caótica – considerando a cidade em toda sua
abrangência, a “cidade real” – e a crescente perda da qualidade de vida da
população.
A participação dos atores públicos e privados – principalmente do Estado (setor
governamental) e de algumas organizações não governamentais, assim como
eventuais organizações populares (sociedade civil) – no enfrentamento destes
problemas foi bastante diferenciada em função dos sucessivos governos, sobretudo
a partir dos anos 1970, tanto através das diversas políticas pontuais como de
propostas singulares com horizontes estratégicos promissores. No primeiro caso, em
geral, as políticas têm buscado enfrentar a realidade unicamente através de
atuações parciais que só chegaram a resolver alguns aspectos do problema,
deixando sem solução outros também relevantes; já no segundo tipo de atuação,
podemos observar que estas já tiveram uma atuação mais abrangente, permitindo
efetivamente melhorar as condições de vida da população, cobrindo suas principais
aspirações, atendendo suas carências, gerindo conflitos ambientais, chegando, em
alguns casos, a proporcionar uma maior estabilidade social e econômica nas
comunidades populares. De fato, embora em muitos casos não se tenham
alcançado as expectativas ou os objetivos gerais de cada uma das diversas políticas
previstas nos planos e nos projetos correspondentes, é preciso reconhecer que em
alguns casos, apesar dessas propostas apareceram como experiências únicas, elas
se adaptaram bem aos temas de interesse e as preocupações da população, com
enfoques ligados a uma adequada gestão urbana e ao desenvolvimento sustentável
das cidades, integrando a participação de todos os cidadãos envolvidos.
Sendo assim, é fundamental discutir as principais políticas e estratégias de
intervenção do Estado (poder público) frente ao problema dos assentamentos e
bairros populares informais, em suas diferentes modalidades – tanto as de tipo
convencional ou perfil tecnocrático, como as que tiveram um enfoque que se poderia
considerar de sustentável e democrático (as denominadas “autogestionárias”) – que
formam parte inerente do processo de urbanização das cidades mais populosas do
21
Peru, assim também como conhecer seus reais efeitos no desenvolvimento destes
setores e sua população.
As primeiras intervenções do Estado se deram sobre o já estabelecido, quer dizer,
naqueles bairros tradicionais informais cuja modalidade de ocupação não pertenceu
a planejamento nenhum, onde a ocupação de solo se deu de maneira espontânea.
Nesses
casos,
a
intervenção
do
Estado
ocorreu
através
de
políticas
“assistencialistas” com intenções clientelistas, mediante programas de remodelação
e melhoramento urbano, assim como de ações de regularização com a dotação de
serviços e entrega em massa de títulos de propriedade, e pouco tempo depois a
criação da lei que outorgava o “reconhecimento oficial” da barriada. Porém, ainda
que as intenções do Estado fossem as de resolver a maioria de problemas gerados
pelas ocupações já existentes, suas ações só permitiam cobrir determinados
aspectos deixando sem solução outros ainda mais importantes; a isto se pode
adicionar a ausência da participação ativa da população nas intervenções
realizadas.
Os tipos de políticas assistencialistas anteriormente abordados tiveram início dentro
de dois períodos de governo: um militar e outro civil, num momento de corte
reformista, mas com uma ótica social limitada. Ainda que nos penúltimos governos
(dos presidentes Fujimori e Toledo) algumas destas políticas tenham sido retomadas
com uma ótica social aparentemente um pouco mais ampla, que busca formalizar e
integrar a população destas áreas ao mercado (nos referimos ao programa
COFOPRI - Comissão de Formalização da Propriedade Informal, decorrente da Lei
de Promoção de Acesso à propriedade Formal, Lei N°26505).
As políticas assistencialistas tiveram continuidade durante o primeiro governo de
Belaúnde, no qual se planejaram soluções através de conjuntos habitacionais, mas
voltados principalmente às camadas médias, pela não compatibilidade entre o preço
oferecido e as possibilidades de aquisição dos mais pobres, o que incrementou o
déficit dos sem moradia.
22
Depois da intervenção sobre o existente, quer dizer das políticas assistencialistas,
se passou à “intervenção planificada” ou às chamadas “barriadas planificadas e
asistidas”, onde o Estado procurava a relocação dos moradores das novas
ocupações para zonas planejadas com fins de expansão urbana, que poderiam
cumprir a função de “bolsones barriales” e permitiam acolher a população migrante
da Serra, a proveniente dos excedentes de outras favelas e de amontoamentos
(tugúrios) do centro da cidade, nos quais se brindava terrenos (lotes legalizados), se
investia em serviços e equipamentos, mas tudo coordenadamente (co-gestão)
através de uma participação organizada da população (Burga, 1989).
Por outro lado, a política de barriadas planificadas e assistidas, teve como
complemento, na sua fase inicial, à Oficina nacional de pueblos jóvenes e
asentamentos humanos urbanos - ONDEPJOV, e logo depois ao Sistema Nacional
de Apoio à Mobilização Social - SINAMOS , agência especial do Estado
encarregada de organizar e oferecer apoio às comunidades, e através da qual se
desenvolvia uma relação direta entre o poder político e os setores populares.
Portanto as ações de desenvolvimento iam mais além do saneamento urbano e a
legalização, o SINAMOS enfatizou também a educação, saúde, produção e serviços,
como atividades que permitiriam à população organizada trabalhar para alcançar o
seu desenvolvimento.
Esta intervenção planificada toma como base de referência o primeiro Plano de
Desenvolvimento Urbano Metropolitano - PLANDEMET e foi implementada com a
formulação
dos
Planos
de
Desenvolvimento
Urbano
e
dos
Planos
de
Desenvolvimento Urbano Integral Local, estes últimos elaborados a partir da
iniciativa dos próprios moradores que tiveram uma participação ativa no processo de
desenvolvimento de sua comunidade em diferentes áreas, com a inovadora
estratégia da “autogestão” 3, que tem permitido notáveis avanços, tal como é o caso
de “Villa El Salvador” e “Huaycán”, situados nos cones Sul e Leste respectivamente
3
Este termo, muito utilizado pelos ideólogos da Revolução Velasquista, tem a ver com a idéia
de que o povo organizado dirija seu próprio desenvolvimento.
23
na cidade de Lima – Perú, sendo o primeiro, quer dizer, a comunidade de Villa El
Salvador (1971) quem surgiu como a primeira experiência de barriada planificada.
Foi assim que estas políticas e estratégias de planejamento chamadas de “barriadas
planificadas e assistidas”, ainda que tenham se traduzido em um par de experiências
pontuais, passaram a ter um enfoque mais holístico para atender os temas de
desenvolvimento para estas áreas, envolvendo toda a gama de atores sociais e com
objetivos, metas comuns e planos de ação que buscam a sustentabilidade
econômica, social, físico-espacial, ambiental e cultural dos moradores e sua
comunidade, como também sua inserção no espaço territorial-metropolitano.
Recentemente, mais precisamente desde inícios dos 80 até a atualidade, o Estado
peruano também começa a assumir as influências da concepção neoliberal,
tentando desenvolver políticas, majoritariamente orientadas à inserção do país nos
novos ritmos da economia global, o que implica adotar os enfoques neoliberais nas
estratégias de ação do Estado – principalmente na cidade de Lima – visando
modernizar e criar uma cidade mais atraente para a instalação de novas empresas e
de investidores estrangeiros. Portanto, sua atuação principal passa a estar voltada à
construção de grandes complexos arquitetônicos de comércio e negócios, assim
como às, quase obsessivas, propostas de melhoramentos de anéis viários,
baseados no
PLANDEMET (plano urbano de perfil tecnocrático) ou nos Planos
Estratégicos Municipais ou, muitas vezes não vinculados a qualquer plano, caindo
no esquema adotado por vários países, como diria Maricato, das “idéias fora do
lugar e o lugar fora das idéais” (Maricato, 2000). Tudo isto somado ao perene e até
cansativo discurso democrático, que na modalidade que assume na realidade não
permite uma participação popular plena nos espaços públicos e tampouco se logra
um diálogo direto entre Estado e população, onde se dê uma resposta imediata às
exigências e necessidades principais dos bairros populares ou assentamentos
humanos (como foi de algum modo o SINAMOS, no governo de Velasco). Os
espaços públicos atualmente, e em sua maioria, servem como um teatro para poder
legitimar os processos políticos vigentes, inclusive aqueles nos quais se debatem os
orçamentos e planos que poderiam alterar as condições de vida e rumo das cidades.
24
Agora analisando o panorama geral atual, existe uma evidência preocupante, no
sentido que não se tem um Plano Integral de desenvolvimento de Lima
Metropolitana que oriente a transformação sócio-espacial da cidade, no sentido
amplo da palavra “desenvolvimento”, que permita um melhoramento não só das
condições físicas e legais, como também, econômicas e sociais de “toda a cidade
metropolitana”, quer dizer incluindo a todos os setores sem exceção e assim mesmo
brindando as medidas necessárias para sua continuidade. Só existem planos de
desenvolvimento urbano a nível distrital, que na sua maioria se revelam
inconsistentes e improvisados. O documento no qual se rege na atualidade a
Municipalidade de Lima é o PLANMET 1990-2010, mas só consiste num plano
urbano metropolitano de corte tecnocrático, que não propõe nenhuma solução aos
problemas dos crescentes assentamentos humanos e bairros populares, e
unicamente se restringe a propor uma ou outra obra pública, sobretudo referente a
equipamentos comunais e principalmente asfaltamento de ruas e avenidas, portanto
tampouco oferece políticas voltadas para a ampliação do direito à cidade.
Apesar desse quadro, é preciso reconhecer que existiram – e permanecem existindo
– no Perú, políticas que foram voltadas para os mais pobres, mesmo que estas se
restrinjam a alguns programas pontuais de habitação básica financiados pelo Estado
através do Fundo Minha Habitação (Techo Próprio), melhorias do bairro (Mi Barrio),
alguns poucos programas de autoconstrução de moradias (com financiamentos do
“Banco de Materiales”), assim como de promoção de emprego temporário voltados à
realização de obras públicas simples de curta duração (A trabajar urbano, que no
vigente governo apenas mudou de nome para Construyendo Perú, implantado como
uma medida de emergência à recessão econômica de mais de quatro anos, que
durou até fins de 2001). Todas estas políticas enunciadas permitiram resolver alguns
déficits específicos desconsiderando outros, portanto não chegaram a solucionar de
maneira integral a problemática da cidade, decorrente da crescente pobreza urbana,
do processo de exclusão e da apropriação desigual do espaço social urbano.
Nesse contexto, o presente trabalho visa analisar e avaliar os principais modelos de
políticas urbanas que tiveram seu foco de ação nos bairros populares em Lima
25
(Perú), centrando a análise no estudo comparativo de duas experiências: uma de
tipo convencional e perfil “tecnocrático” e as que se desenvolveram dentro de um
enfoque considerado pelos seus promotores como sustentável e democrático
(“autogestionário”), tendo como objetivos secundários:
(i) Discutir criticamente as concepções de planejamento urbano, com referência
no ideário de cidades democráticas e sustentáveis, que sirvam de base para
a construção de um modelo normativo de planejamento integral urbano
sustentável, que será utilizado para a avaliação das experiências de
planejamento que incorporem princípios vinculados a esse modelo.
(ii) Fazer uma análise detalhada do desempenho histórico das políticas urbanas
orientadas a resolver a problemática dos assentamentos e bairros populares
de Lima - Peru, que vem sendo desenvolvidas através de diferentes enfoques
ou modelos de planejamento (principalmente as de tipo convencional ou
tecnocrático e as de enfoque integral, sustentável e democrático), em
concordância com as contínuas mudanças de governos, tentando descobrir
as principais problemáticas, logros ou alcances de cada uma destas e seus
efeitos reais na população, na urbanização e, sobretudo no desenvolvimento
dos bairros populares. Isto permitira estabelecer uma referencia base para o
esclarecimento das vantagens, possibilidades, importância e desafios da
aplicação de políticas para o planejamento urbano participativo através de um
desenvolvimento socio-territorial integral e sustentável.
(iii) Fazer um estudo mais detalhado das experiências e propostas que se
encontram dentro do enfoque de Planejamento Integral Urbano Sustentável e
Participativo: Abordando primeiro as experiências da “Comunidad Urbana
Autogestionária
de
Villa
El
Salvador”
(CUAVES)
e
a
“Comunidad
Autogestionária de Huaycán”; para em seguida abordar as propostas de
“Plano Integral de Desenvolvimento Metropolitano” e “Por uma Lima e um
Callao Verdes”. Abordagens que concluirão com a avaliação respectiva das
mesmas, a partir do quadro do modelo normativo correspondente ao enfoque
26
de Planejamento Integral Urbano Sustentável construído no primeiro capítulo,
conhecendo desta maneira os principais bloqueios, limites e conquistas de
todas as modalidades. Para em seguida concluir identificando quais são os
fatores chaves para que se produza uma efetiva inserção, aceitação e
implementação de uma política para o Planejamento Integral Urbano
Sustentável; o que será a pauta para fazer o debate sobre as possibilidades,
limites e desafios para a implantação e generalização deste modelo de
planejamento na agenda oficial atual.
Sendo assim, a pesquisa procura discutir a hipótese de que o planejamento integral
urbano sustentável e participativo traz melhores resultados, pelo menos sob o ponto
de vista da inclusão social e da promoção do direito à cidade, do que um
planejamento tecnocrático ou convencional. Aliás, uma conjuntura política particular
do governo pode permitir uma maior organização e participação política dentro dos
bairros populares através do desenvolvimento sócio-espacial.
Portanto, para um maior entendimento dos temas principais a ser abordados, a
pesquisa vai ser apresentada, além de nossa introdução, em três capítulos e nas
considerações finais, conforme descrito a seguir:
No primeiro capítulo, buscamos construir o conceito de Planejamento Integral
Urbano Sustentável tomando como referência a crítica ao senso-comum vinculada
ao planejamento urbano e os diferentes debates relacionados ou surgidos em torno
do tema, tentando construir um enfoque mais abrangente que na prática possa servir
de utilidade para uma gestão adequada e democrática da cidade em toda sua
dimensão, buscando aprofundar a discussão sobre a importância e significado
desses conceitos na atualidade como geradores de desenvolvimento, justiça e
inclusão social. A configuração de nosso conceito de Planejamento Integral Urbano
Sustentável será complementado primeiro com a apresentação de um quadro
comparativo das características do planejamento convencional ou predominante em
relação as do planejamento integral urbano sustentável, para finalizar com a
27
construção de um modelo normativo do enfoque do PIUS4, que vai servir de
referência na avaliação das políticas urbanas, assim como das experiências e
propostas que se aproximam dessa concepção.
Para fins desse capítulo, os procedimentos metodológicos consistem primeiro numa
pesquisa bibliográfica para sistematizar tanto os debates que existem em torno às
diversas concepções de planejamento urbano – com ênfase naquelas que se
relacionam ao conceito de Planejamento Integral Urbano Sustentável – assim como
do Ideário de cidades democráticas e sustentáveis que sirvam na formulação do
nosso conceito. Em seguida, trata-se de elaborar um quadro comparativo entre o
modelo convencional ou predominante de planejamento urbano e o modelo
construído de planejamento integral urbano sustentável, mostrando as diferenças
que existem entre ambas as modalidades. Para finalizar, apresentando o quadro
normativo do enfoque de Planejamento Integral Urbano Sustentável que servirá de
referência base para a avaliação das políticas urbanas para bairros populares no
Perú, permitindo por sua vez, avaliar as experiências concretas e propostas que se
aproximam desse conceito.
Dando seqüência, no capítulo II, busca-se fazer um balanço das políticas urbanas
para os bairros populares no Peru, praticada desde os anos 50 até a atualidade,
analisando criticamente a maneira como tentaram resolver a grande problemática
que acompanha a formação de bairros populares e favelas. Nessa fase se construirá
também uma caracterização ou reconhecimento dos modelos de políticas urbanas
efetuados no Perú, tanto as de tipo convencional ou predominante, assim como de
algumas experiências reais ou propostas inconclusas que corresponderiam ao
enfoque do que se conhece como Planejamento Integral Urbano Sustentável.
Nesta parte, a metodologia do trabalho consiste também na pesquisa bibliográfica e
na sistematização de dados históricos e atuais através da visita aos centros de
documentação e arquivos das diferentes instituições públicas do Estado e
4
Planejamento Integral Urbano Sustentável.
28
instituições privadas associadas, tais como o congresso da república, ministérios,
municipalidades, institutos de planificação urbana, programas de governos, entre
outros. Finalizando, com um resumo ou histórico das políticas urbanas para bairros
populares no Perú, apresentado através da construção de um gráfico da linha do
tempo destas políticas desde os anos 1950 até a atualidade, que possa ajudar
também na avaliação mesma destas políticas.
O terceiro e último capítulo, trata da análise dos estudos de casos, tomando duas
experiências e duas propostas representativas de incorporação de princípios do
Planejamento Integral Urbano Sustentável, executadas na cidade de Lima, tomando
primeiro os casos da “Comunidad Urbana Autogestionaria de Villa El Salvador”
(CUAVES) e a “Comunidad Urbana Autogestionária de Huaycán” (CUAH); e
segundo as propostas de “Plano Integral de Desenvolvimento Metropolitano” e “Por
uma Lima e um Callao Verdes” – analisando em todos os casos, suas respectivas
gêneses, históricos, impacto no desenvolvimento urbano, principais avanços e
logros obtidos, importância da conjuntura política, papel dos atores públicos,
privados e locais em cada um dos casos, concepções e retóricas expressas, assim
como principais déficits e conflitos ocorridos. Fechando cada uma destas
experiências e propostas com uma avaliação das mesmas com base ao modelo
construído de planejamento integral urbano sustentável, descobrindo os principais
bloqueios, limites e conquitas de todas as modalidades. Passando em seguida a
fazer uma análise para identificar os fatores chaves da efetiva inserção e
implementação deste tipo de políticas para o PIUS.
A metodologia de trabalho neste último capítulo consiste primeiro – assim como nos
capítulos anteriores – numa pesquisa bibliográfica, mas complementada dessa vez
com visitas de campo, análises estatísticas, diagnósticos anteriores e entrevistas
aos três tipos de atores – públicos, privados e locais – envolvidos em cada um dos
casos, que intervieram ou formaram parte das experiências e propostas
apresentadas. E, em segundo lugar, a avaliação mesma das experiências e
propostas, tomando como referência o quadro do modelo normativo do enfoque de
Planejamento Integral Urbano Sustentável, construído no primeiro capítulo.
29
Por fim, nas considerações finais, apresentamos as possibilidades, limites e
desafios para a generalização e implantação de uma política de Planejamento
Integral Urbano Sustentável; assim como as recomendações necessárias do caso
para tornar estas, políticas democráticas universalizadas que contribuam a um
desenvolvimento e inclusão com aprimoramento das condições de vida dos bairros
populares.
Com este estudo nossa intenção é contribuir para ampliar o conhecimento acerca
das práticas eficientes em torno do planejamento integral urbano sustentável nas
cidades, constituindo uma ferramenta motivadora que conduza a uma efetiva
atuação do Estado, ONG,s e atores locais no desenvolvimento de bairros populares
e favelas, através da construção constante de novas políticas, iniciativas, projetos e
estratégias de ação, que busquem a promoção da justiça social e da qualidade de
vida, enfrentando o quadro crescente de pobreza e desigualdades sócio-espaciais
em ambos os países, Perú e Brasil.
Por outro lado, este trabalho também permitirá desvendar a lógica das concepções
de intervenção do poder público em áreas populares no Perú e Brasil, mostrando a
realidade sobre a qual se devem enfrentar os novos atores do desenvolvimento
local. Nesse sentido, nossa perspectiva é que o trabalho desenvolvido possa dar
uma contribuição no aprimoramento das práticas de gestão das cidades.
30
CAPÍTULO I. O PLANEJAMENTO INTEGRAL URBANO SUSTENTÁVEL
Nesse capítulo, pretendemos refletir sobre a formulação do conceito de
Planejamento Integral Urbano Sustentável, concepção que representa nossa
principal motivação nesta pesquisa, já que envolve uma variedade de idéias, que se
diferenciam mais ou menos entre si em diversos aspectos, mas que na prática
contribuem cada qual a sua maneira para a construção do ideário de cidades mais
justas, democráticas e sustentáveis.
Por esta razão, é fundamental iniciar o capítulo apresentando os debates que
existem em torno das diversas concepções de planejamento urbano, ressaltando
principalmente aqueles que estão relacionados ao nosso tema de interesse. A
seguir, na segunda parte do capítulo, apresentaremos a reflexão em torno do ideário
de cidades democráticas e sustentáveis. Por fim, finalizaremos o capítulo propondo
a adoção de um enfoque mais abrangente, a do planejamento integral urbano
sustentável, que na prática possa servir de utilidade para uma gestão adequada e
democrática da cidade em todas as suas dimensões, chegando a aprofundar a
discussão sobre a importância e significado desse conceito na atualidade como
gerador de práticas de desenvolvimento, justiça e inclusão social.
1.1. Breve sistematização das principais concepções contemporâneas de
Planejamento Urbano.
As concepções de planejamento urbano são muito amplas e, ainda mais, aquelas
em torno ao tema do desenvolvimento, que tem formado parte de um processo de
prolífica adjetivação, com termos como: integrado, endógeno, participativo,
democrático, sustentável, durável, regional, local, etc.; integrando todas elas uma
retórica evocada para justificar diferentes tipos de práticas. Mas, para efeitos de um
maior entendimento das práticas efetivadas ao interior de nossas cidades, nos
limitaremos a abordar aqueles modelos convencionais de planejamento e os que se
enquadrariam dentro do conceito geral do planejamento integral urbano sustentável,
ou que acompanham sua retórica com alcances para poder planejar cidades mais
justas, democráticas e sustentáveis.
31
Em primeiro lugar, segundo Lopes de Souza:
[...] o planejamento urbano é, de fato, um campo que congrega os mais
diferentes profissionais. Nele colaboram não apenas arquitetos, mas
também cientistas sociais de diferentes formações, destacando-se os
geógrafos, sem contar a colaboração prestada por especialistas em Direito
Urbano (SOUZA, 2002, p. 55).
Mas o conceito de “planejamento urbano” em si, sugere: “[...] um contexto mais
amplo que aquele representado pelas expressões Urbanismo e Desenho Urbano. O
planejamento urbano inclui o Urbanismo; o último é um subconjunto do primeiro”
(SOUZA, 2002, p. 58). Alem disso, segundo Souza, o planejamento e a gestão
urbana, devem ser interdisciplinares por excelência, quer dizer envolver um conjunto
de conhecimentos de ordem econômica, política, social, cultural, legal e ambiental,
assim mesmo, é importante ressaltar o que o mesmo autor acrescenta, que “o
planejamento e gestão urbanos, vistos desde uma ótica social” – da superação de
problemas, especialmente na perspectiva da justiça social e da melhoria da
qualidade de vida – “são nada mais que estratégias de desenvolvimento urbano [...]”,
que buscam “contribuir para uma mudança social positiva [...]” (SOUZA, 2006).
Começaremos por explicar os tipos de planejamento urbano de perfil tecnocrático,
que refletem a atuação majoritária do Estado através de seus diferentes governos
em nossas cidades metropolitanas:
O primeiro usado com maior ênfase principalmente nas capitais metropolitanas de
nossos países, vem a ser o “planejamento físico-territorial” clássico, denominado
“blueprint planning” pelos anglo-saxões e que surgiu num inicio como influência das
idéias modernistas do Urbanismo nos anos 30, tendo como pioneiros a Tony Garnier
e logo em seguida a Le Corbusier. Este modelo obteve diferentes adaptações de
nomes nas cidades onde foi aplicado, sendo as denominações mais utilizadas:
Plano de Desenvolvimento Urbano Metropolitano, Plano Diretor, etc.; todos eles
dirigidos para construir a “cidade ideal” projetando uma “imagem desejada” num
futuro menos o mais distante, e isto se logra através da:
[...] elaboração de planos de ordenamento espacial [...] com um conjunto
de diretrizes a serem seguidas e metas a serem perseguidas (quanto aos
usos da terra, ao traçado urbanístico, ao controle da expansão e do
32
adensamento urbanos, à provisão de áreas verdes e ao sistema de
circulação) (SOUZA, 2006, p.123).
Como se pode verificar claramente, este tipo de planejamento tem um caráter
fundamentalmente tecnocrático, onde prevalecem somente instrumentos técniconormativos orientados ao desenvolvimento e ordenamento físico da metrópole. Quer
dizer, se passou de um “planejamento urbano a um planejamento de organização
espacial, preocupado essencialmente com o traçado urbanístico, com as densidades
de ocupação e o uso do solo” (TAYLOR, 1998 apud SOUZA, 2006, p.123),
prevalecendo ainda do Urbanismo modernista na prática atual do planejamento, o
espírito funcionalista do zoneamento do uso do solo (SOUZA, 2006).
O segundo tipo de planejamento, muito em voga nos últimos anos produto da
necessidade de competitividade e inserção dos países latino-americanos nos fluxos
econômicos mundiais pela globalização é o chamado “planejamento estratégico”,
modelo importado5 que guarda estreita relação com o “planejamento mercadófilo”;
voltado principalmente ao favorecimento dos interesses empresariais ou privados
onde a mercadoria vendida é a “imagem da cidade”, apartando o sentimento de
responsabilidade administrativa e de solidariedade social de parte do Estado, o qual
passa da simples administração urbana ou gerenciamento, para ações vinculadas
ao empresariamento (HARVEY, 1996) através da modalidade de “parcerias públicoprivadas” a partir dos anos 70 e 80. O “Planejamento Estratégico” então se
apresenta como:
[...] aquele que fornece instrumentos de condução ao câmbio, baseado
numa análise situacional participativa (agentes públicos e privados da
sociedade civil) e a definição de estratégias de inversão dos recursos
disponíveis orientados, maiormente à colocação de grandes projetos
urbanos estratégicos (BORJA e CASTELLS, 1997).
Sejam projetos estratégicos de embelezamento ou de revitalização urbanos –
convenientes também ao capital imobiliário – se vai deixando sem atenção as
5
Se diz, que o “Planejamento Estratégico” é um modelo importado porque provém de uma
experiência exitosa de intervenção urbana desenvolvida para os Jogos Olímpicos de 1992, com o nome
de Plano Estratégico de Barcelona, voltando-se um modelo de planejamento urbano, que logo foi
repetido nas cidades latino-americanas de Córdoba, Buenos Aires e Rio de Janeiro, mas não com os
mesmos resultados do modelo inicial por diversas circunstâncias.
33
classes populares e camadas mais pobres, impondo desta maneira, uma nova
tendência de produção e crescimento das cidades metropolitanas, que “contribui
para ocultar a ‘cidade real’ e para a formação de um mercado imobiliário,
majoritariamente restrito e especulativo” (MARICATO, 2000, p.124). Quando falamos
da “cidade real” nos referimos àquela que compreende a “cidade ilegal”, do grande
porcentagem
da
população
das
cidades
que
mora
em
favelas,
prédios
abandonados, barracos, cortiços e loteamentos informais e que são excluídas dos
alcances de qualquer tipo de projeto ou política urbana de desenvolvimento, que
lhes permitam melhorar suas condições de vida e ter acesso a maiores
oportunidades.
Também o planejamento mercadófilo ou estratégico “tende a não ser estritamente
físico-territorial, e sim ‘abrangente’, ainda que o motivo condutor e o espírito sejam
essencialmente econômicos”. Por outro lado, a suposta “abertura à participação
popular se restringe, na melhor das hipóteses, aos tipos de pseudoparticipação6, às
vezes não chegando sequer a isso” (SOUZA, 2006, p.139), com propostas
geralmente vagas que não chegam a explicar em detalhe como se pretende cumprir
aquele objetivo; portanto, a sempre nomeada inclusividade da população nos
processos de decisão dos planos, que interage com atores públicos e privados na
busca do famoso “consenso” entre as partes, é um simples ilusionismo que
dissimula a prevalência da prioridade de decisões e ações dos grupos dominantes,
onde a população é simplesmente chamada a participar para legitimar aqueles
processos.
Especificamente no caso de Perú, o modelo predominante atual de planejamento
também se caracteriza por ter um perfil majoritariamente tecnocrático com algumas
práticas clientelistas que ainda se vislumbram na relação existente entre o poder
público e as classes populares dos assentamentos humanos e bairros populares.
Mas para uma melhor explicação do tema em questão, a caracterização do modelo
convencional será abordado a seguir.
6
Souza entende por “pseudoparticipação” quando o processo de participação da população se
dá de uma forma mais consultiva que propriamente deliberativa, já só neste último caso é que se tomam
realmente decisões e a participação se torna real.
34
O Modelo convencional atual de planejamento urbano em Lima
A forma como vem atuando o Estado nos últimos anos, em relação às políticas
urbanas que desenvolve para resolver a problemática dos bairros populares – de
Lima especificamente – não permite um desenvolvimento desses setores nem da
cidade como um todo, já que a maioria de suas políticas são segmentadas e
desvinculadas de qualquer plano mais amplo que as integre e as oriente
(CALDERÓN, 1980). Por outro lado, os planos de maior envergadura desenhados
para a cidade metropolitana se caracterizam por ter um perfil predominantemente
tecnocrático, conformado por unicamente instrumentos técnico-normativos, como
são os planos de zoneamento, Planos de Acondicionamento Territorial e os
orientados principalmente ao desenvolvimento “físico e econômico” da metrópole
(com ênfase nas áreas de maior interesse para a instalação do capital privado) e
alguma ou outra obra pública ou projeto específico nos bairros populares ou setores
de mais baixos recursos, que não permite uma solução real e integral destas áreas
nos temas que os atingem tais como a pobreza extrema, a falta de moradia, o
desemprego, o déficit de qualidade de vida, a informalidade, a exclusão e
marginalidade, a carência ou inacessibilidade as oportunidades que oferece a
cidade, entre outros; quer dizer, não se propõe instrumentos e políticas para que
estas áreas se desenvolvam junto à cidade como um todo, incluindo toda sua
população. Em geral, seu efeito é ampliar a segregação urbana e a exclusão social.
Os últimos governos que deviam enfrentar o desafio da urbanização popular e do
desenvolvimento holístico e integral da cidade atuam seguindo a lógica e os
interesses que estão opostos a esta solução estrutural, daí se encontra o transfundo
ideológico e errôneo da maioria das políticas implementadas para bairros populares,
assentamentos humanos ou favelas. Quer dizer, no modelo atual predomina o
espírito das políticas neoliberais, que surgiu a partir dos anos 80 e que continua
dando-lhe um papel relevante à iniciativa privada, deixando em segundo plano os
temas e propostas de desenvolvimento nos diferentes âmbitos físico, social, cultural,
econômico, produtivo, etc. para as áreas e setores mais carentes da cidade
metropolitana (ACUÑA, 2006).
35
Outra das características do modelo atual de planejamento em Lima é que, no que
concerne aos planos de âmbito metropolitano, não se desenvolve uma efetiva
participação popular nos processos de tomada de decisão em torno dos objetivos e
projetos que se propõem para a cidade e que de algum modo vão produzir uma
mudança significativa nos bairros, comunidades e, portanto na vida das pessoas que
as habitam (ACUÑA, 2006); a participação aparece mais como um tipo de
pseudoparticipação (termo já abordado anteriormente, formulado por Marcelo de
Souza) onde a população entra em cena só na fase de consulta e levantamento de
observações e recomendações dos planos – já previamente elaborados por uma
equipe de técnicos e profissionais encarregados pela prefeitura de Lima – mas não
propriamente na fase de elaboração e deliberação, quer dizer, formando parte dos
processos de debate e decisão do conteúdo dos mesmos. O mesmo ocorre com os
planos estratégicos locais ou distritais e com os orçamentos participativos, que
apesar de serem apresentados como sendo produto da participação e concertação
(convenção) de idéias entre integrantes da sociedade civil e população local, estes
por ter um enfoque principalmente econômico e empresarial, quase sempre
terminam sendo manipulados pelos interesses dos atores públicos ou privados, e os
espaços públicos de construção destes planos se convertem num teatro que serve
para poder legitimar as ações que já foram decididas desde cima.
Também se pode anotar como característica do modelo atual ou predominante de
intervenção nos bairros populares, o tipo de relação existente entre o poder público
e a população destes bairros e comunidades mais carentes. Refiro-me as ainda
existentes formas de clientelismo e burocracia que perduram nos tramites, serviços
e solicitações ou demandas diversas que a população faz às correspondentes
entidades ou órgãos públicos do governo (DIETZ, 2000). No que diz respeito aos
trâmites e solicitações de qualquer natureza, alguns destes procedimentos podem
durar dias, meses ou inclusive anos; outros acabam sendo estancados sem razão
alguma, o qual faz com que os solicitantes na maioria dos casos abandonem estes
processos, ou tenha que recorrer ao favoritismo de políticos dispostos a ajudar em
troca de lealdade partidária, isto quer dizer se desenvolve ainda uma intermediação
clientelista nas demandas populares, o que é muito comum especialmente nas
36
relações entre moradores de determinado distrito, bairro popular, comunidade ou
assentamento humano e o órgão de poder público de sua competência.
Somando ao dito anteriormente, o tipo de planejamento urbano convencional ou
predominante de intervenção nos bairros populares não oferece diretrizes gerais de
desenvolvimento e tampouco propõe novas áreas para futuras expansões urbanas,
incluindo nestas soluções integrais de desenho urbano, no referente ao manzaneo,
loteamento, localização de espaços para fins públicos, áreas verdes e de recreação,
atividades econômico - produtivas, entre outras; que permita desta maneira que os
novos bairros sigam um esquema ou orientação prévia e ocupem de forma ordenada
o território (RIOFRÍO e RAMIREZ, 2006). Na realidade, a intervenção nos bairros
populares como parte do planejamento convencional volta a usar em parte o antigo
esquema das políticas assistencialistas, quer dizer intervindo sobre o já existente –
sobre o caos gerado pela forma de ocupação improvisada de muitos anos, produto
da falta de previsão e inexistência de planos que os orientem – incorporando desta
vez alguns programas pontuais do governo relativamente recentes, e mais que tudo,
restringindo-se a legalizar a propriedade e colocar alguns equipamentos e serviços
públicos isolados que, igualmente ao que existia em épocas anteriores, só permitem
resolver alguns aspectos desconsiderando outros também importantes, portanto não
contribuindo com o desenvolvimento integral destas áreas.
E para finalizar, no referente ao tema de sustentabilidade, o planejamento urbano
convencional ou predominante incorpora este conceito dentro de seus objetivos,
com a idéia de transportar o sentido de bem-estar e qualidade de vida para o meio
ambiente e desta forma convencer à população de que se está atuando de forma
sustentável e com responsabilidade social, oferecendo uma melhor qualidade de
vida a esta, tão só com estetizar a cidade e brindar maiores espaços verdes de
lazer. Apesar desse discurso, o planejamento convencional na realidade tem por
finalidade principal tornar a cidade mais atrativa para o investimento e a reprodução
do capital privado e não, como anuncia no seu discurso, melhorar a qualidade de
vida das pessoas que nela habitam, sobretudo dos bairros populares e setores mais
carentes da cidade.
37
Propostas alternativas de planejamento urbano
Paralelamente têm-se desenvolvido tipos alternativos de planejamento, que não
seguem o esquema convencional ou tecnocrático e que foram criados com objetivos
ligados a temas mais sociais ou que reivindicam uma crítica à forma tradicional
como se tem intervindo nas cidades. Estes tipos de planejamento contêm elementos
importantes que vão aportar na construção do conceito geral do planejamento
integral urbano sustentável.
Para começar, existem varias escalas de planejamento, a escala global, a nacional,
a regional e a local, sendo esta última, a mais trabalhada e que é motivo ainda de
muitos debates e experiências em diferentes cidades do mundo. A escala local, que
implica o desenvolvimento local ou planejamento local – que pode ser tomada desde
um recorte político-administrativo, como um município, até um espaço geográfico
específico maior, como uma cidade – permitiu desde sempre, uma maior viabilidade
no que se refere à participação política direta, quer dizer à possibilidade de
interações em situação de co-presença (face a face) (SOUZA, 2006).
O tema do desenvolvimento local surge em meados dos anos 70, num contexto de
crise do fordismo e como contraponto ao modelo estatista e centralizado,
apresentando-se com dois tipos de abordagens. O primeiro, de corte mais
econômico e ainda dentro de uma lógica capitalista global, mas em escala
localizada, como uma:
[...] forma flexível de ajuste produtivo no território [...] que busca impulsionar
os recursos potenciais de caráter endógeno, tratando de recriar um ‘entorno’
institucional político e cultural de fomento das atividades produtivas e de
geração de emprego e renda nos diversos âmbitos territoriais
(ALBUQUERQUE, 2001, p.65).
O segundo, de tendência contra-hegemônica e maior ênfase no desenvolvimento
humano e social, onde o espaço local é considerado a base a partir da qual se
geram iniciativas e projetos de desenvolvimento em vários âmbitos, “não apenas
trabalho e renda, mas educação, saúde, habitação, meio ambiente, entre outros,
38
com participação ativa e direta da população interessada” (SILVEIRA, BOCAYUVA e
ZAPATA, 2001), na qual:
[...] o Estado vai atuar só como um partner e promotor na configuração de
novos espaços de autonomia, onde possam afirmar-se novas
solidariedades e formas ativas de identidade local do povo (da comunidade)
para uma maior participação na tomada de decisões coletivas (KLEIN,
2005).
É a partir desta última abordagem, que, no início dos anos 80, adquirem importância
os fatores sócio-culturais ou extra-econômicos, como elementos facilitadores da
cooperação e da iniciativa local, sendo reconhecido como principais exemplos dessa
corrente as iniciativas dos “distritos industriais” italianos e a chamada “terceira Itália”,
bem como os trabalhos que analisam a conformação de comunidades cívicas e a
importância do “capital social”
7
(PUTNAM, 1996). O autor Juan-Luis Klein também
vai aportar importantes contribuições dizendo que esta “identidade territorial comum
vai ser exacerbada pela relação conflitante com o global” (JOYAL, 2002 apud
KLEIN, 2005), já que em situações de instabilidade, precariedade e exclusão,
produto do modelo flexibilizado da globalização, o “compartilhamento de valores
comuns e práticas coletivas compensaram freqüentemente a precariedade das
condições de existência” (VIDAL apud RIBEIRO e SANTOS JUNIOR, 2005, p.93).
Para Lopes de Souza, o desenvolvimento local é “um processo de aprimoramento
das condições gerais de viver em sociedade, em nome de uma maior felicidade
individual e coletiva” (SOUZA, 1996 apud FROEHLICH, 1998, p.92), quer dizer que,
em linhas gerais, busca o melhoramento das condições de existência e de
realização pessoal da população pertencente a determinado espaço geográfico
local, buscando igualdade de oportunidades e direitos, enfatizando cobrir as
necessidades primordiais da população, onde cada ser humano possa exercer seus
direitos como cidadão, podendo realizar plenamente suas capacidades humanas e
aspirações pessoais e de grupo, quer dizer garantindo as liberdades para que o ser
7
Capital social se refere ao estoque de relações de confiança, de regras de reciprocidade,
solidariedade, somado aos princípios, valores, e sistemas de participação cívica presentes em uma
determinada sociedade, que constituem uma força inquebrantável que permite que os objetivos
propostos ao interior dela sejam realmente alcançados.
39
humano possa fazer uso de suas habilidades que lhe permitam escolher o caminho
a seguir na obtenção de um padrão decente de vida (PORSSE e KLERIN; SEN,
2002). Isto se relaciona também com a opinião de Marcelo de Souza, que embora
não aborde exclusivamente a escala local de desenvolvimento, ele atribui ao
planejamento e gestão urbanos como ferramentas de promoção do desenvolvimento
sócio-espacial, que se torna autêntico “quando se constata uma melhoria da
qualidade de vida e um aumento da justiça social” (SOUZA, 2006, p. 61), podendo
ser identificados como parâmetros associados à qualidade de vida, aqueles relativos
à satisfação individual no que se refere à educação, à saúde, ao aceso a serviços, a
ter uma moradia digna, entre outros, e os parâmetros associados à justiça social, o
grau de oportunidade laboral, de participação cidadã direta em processos decisórios,
de igualdade sócio-econômica, entre outros. Mas de igual forma, estes parâmetros
não devem ser especificados sem levar em consideração os sentimentos, os valores
e as expectativas dos cidadãos (SOUZA, 2006).
Por outro lado, as experiências de desenvolvimento local também têm sido motivo
de muitos debates por diferentes teóricos, desde os cépticos até os positivistas,
sendo que os primeiros não concebem um desenvolvimento local desvinculado da
esfera econômica global, porque simplesmente consideram que não poderia
sobreviver ante a concorrência e pressões políticas dos poderes hegemônicos tanto
do Estado, como das grandes empresas capitalistas que regem no mundo
globalizado atual. Dentro desta concepção se encontram as opiniões de Amin e
Robins: “No final do século XX, as economias locais só podem ser encaradas como
malhas de uma rede econômica global, sem qualquer realidade própria fora desse
contexto” (AMIN e ROBINS, 1994, p.98). Mas essa afirmação não tem sustento
quando se pode verificar como fatos o êxito das diversas experiências de
desenvolvimento local a partir de diversas alternativas de produção não capitalista
que se deram em diferentes cidades do mundo e que são apresentadas no livro:
“Produzir para Viver” de Boaventura de Sousa Santos (SANTOS, 2005).
Quer dizer, é certo que existem territórios locais cujas funções de produção atendem
exclusivamente à acumulação de capital, controladas por grandes empresas, que
40
utilizam estas localidades como setores terciários, mas existem outros nos quais se
desenvolvem alternativas de produção e desenvolvimento não capitalista, os quais
contam com diversas experiências, e que são enunciadas no livro de Santos,
pertencentes às formas de: cooperativas de produção, de associativismo e
socialismo, propostas de desenvolvimento alternativo na periferia e na semi-periferia
e de alternativas ao desenvolvimento (por exemplo, o caso do complexo cooperativo
de Mondragón). Inclusive, varias das experiências locais que formam parte destas
modalidades contam com estratégias econômicas autônomas e princípios de
autogestão, procurando assim, resolver por eles mesmos as suas necessidades
para evitar depender o quanto mínimo do apoio do Estado ou outros organismos –
como foi o caso da Comunidade Autogestionária de Villa El Salvador em Lima-Perú,
que nos momentos em que não recebia apoio por parte do Estado, os habitantes
deram continuidade e se mantiveram unidos e sólidos, coordenando juntos suas
ações de desenvolvimento (BURGA, 1989).
Contudo é importante anotar – concordando com de Sousa Santos – que uma
comunidade local não pode ficar isolada nem dar às costas à realidade dos câmbios
que se estão levando a cabo nas outras escalas regionais, nacionais e globais; isso
é necessário para poder melhorar internamente nos aspectos econômicos, culturais
e sociais e oferecer melhores serviços e atenção aos moradores da comunidade.
Assim também, a associação e colaboração em redes de apoio de um mesmo ramo
(seja produtivo, humano-social, cultural, etc.), não só no nível local como também
em outras escalas como as regionais e nacionais pode permitir um maior
desenvolvimento do ramo e fortalecimento dos grupos que as compõem, portanto
gerar maiores e melhores oportunidades de trabalho local e de oferta de serviços à
comunidade (SANTOS, 2005). No mesmo livro já enunciado, Souza Santos conclui a
primeira parte com a formulação de nove teses sobre as alternativas de produção
não
capitalista
que
podem
contribuir
na
conformação
de
espaços
com
desenvolvimento local.
Sendo assim, outro aspecto que cabe mencionar em apoio à “tese 3: As lutas pela
produção alternativa devem ser impulsionadas dentro e fora do Estado” de Santos
41
(SANTOS, 2005, p. 68), é que qualquer iniciativa ou alternativa de desenvolvimento
local que se proponha deveria considerar a possibilidade de sua articulação com o
Estado, para que atuando “dentro” ou com este possa canalizar suas políticas a
favor das comunidades locais não cedendo terreno político ao poder econômico
hegemônico e assim mobilizar os recursos tanto nos processos de condução do
desenvolvimento destas comunidades locais como nos orçamentos participativos de
acordo e a favor dos interesses dos setores populares. Assim mesmo, atuar fora do
Estado para não perder a identidade e o vínculo forte que os une como comunidade
local, nem perder seus objetivos principais de luta ou aspirações que motivaram as
suas iniciativas e alternativas de desenvolvimento.
Além da articulação com o Estado, finalmente Sousa Santos acrescenta em sua
“tese 9: As alternativas de produção devem entrar em relações de sinergia com
alternativas de outras esferas da economia e da sociedade” (SANTOS, 2005, p. 73)
que a busca de um desenvolvimento local não pode desconsiderar a integração e
relação com outras esferas da economia e da sociedade, ou fontes externas que
impulsionem, incentivem ou apóiem as iniciativas locais, de maneira que sejam
efetivadas, refiro-me aos Organismos não governamentais, o Banco Mundial, o FMI,
a ONU, etc., assim como diversas iniciativas de programas e políticas interessadas
em apoiar as alternativas de desenvolvimento de tipo não capitalista, especialmente
se estas provêm de setores populares ou periféricos nos países subdesenvolvidos.
Outro tipo de planejamento que cabe destacar vem a ser o planejamento urbano
sustentável, que na prática busca o desenvolvimento sustentável; pode-se dizer que
este último conceito, desde o Informe Brundtland de 1987, se oficializou como
“aquele que busca atender as necessidades do presente, sem comprometer a
capacidade das novas e futuras gerações de atender às suas próprias
necessidades” (Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1987
apud SACHS, 1997, p.14). Mas, esta concepção, que não é propriamente uma teoria
em si, foi apropriada e orientada, majoritariamente no sentido de buscar um
“desenvolvimento econômico com equidade social” (BRAND, 2003, p.5), quer dizer,
uma vez mais foi dada a ênfase no econômico face aos novos rumos da acumulação
42
capitalista flexível e globalizada, e sua racionalização no pensamento neoliberal,
contexto no qual se desenvolve também a tensão contraditória entre a “idéia-força
de modernização com sustentabilidade ecológica das cidades” (SOUZA, 2006).
Ainda que o planejamento sustentável aparecesse meio comprometido com as
premissas neoliberais, este também teve outra abertura ideológica a partir do
respaldo da agenda 21 Local na Cumbre de Rio de Janeiro, no sentido de
“concretizar compromissos visando o desenvolvimento sustentável, ressaltando para
tais fins, a necessidade de empreender ações locais concretas”, retomando o tema
de “bem-estar social e individual” – desvinculado da esfera econômica – “mediante a
incorporação de valores e da dimensão ambiental com respeito à qualidade de vida
e a consolidação da democracia participativa” (BRAND, 2003), o qual vai guardar
uma estreita relação com os princípios do desenvolvimento local. Mas, os objetivos e
ideais descritos que propugnava a Agenda 21 local, ainda que inicialmente
estivessem cheios de boas intenções, logo viraram uma retórica que no decorrer dos
anos, serviu para legitimar as práticas das políticas dirigidas, majoritariamente, a
satisfazer as demandas do novo capitalismo e da economia globalizada, assim como
de oferecer vantagens para os capitais internacionais, em favor de uma competição
interlocal ou interurbana (ACSELRAD, MELLO e BEZERRA; 2006).
Por outro lado, devido à crise de credibilidade e legitimidade que marcam os
governos locais – frente à necessidade do atendimento das demandas sociais de
melhoramento das condições de vida das classes populares e médias, num quadro
de ajustes produtivos impostos pela necessidade de inserção competitiva e de
coordenar suas ações com o setor privado, que geram a flexibilidade dos mercados
de trabalho, com seus efeitos sobre a instabilidade laboral, a informalidade, a
desigualdade, o desemprego e a pobreza – o Estado vai fazer uso do meio
ambiente, como campo privilegiado para reconstruir o sentido de bem-estar e a
qualidade de vida (BRAND, 2003). O que significa que vai ir transportando a idéia de
bem-estar para o meio ambiente, mas com estratégias orientadas principalmente a
uma estetização deste, dentro de uma lógica de criação de espaços atrativos e
sedutores para poder promover e vender a cidade, deixando de lado o que
43
realmente importa em termos de sustentabilidade, envolvendo o sentido social da
participação
popular
democrática
em
uma
comunidade
de
valores,
que
cooperativamente propõe ações de autogestão para o enfrentamento de suas
carências de forma responsável e o fortalecimento de sua economia local viável no
tempo. Ou nas palavras de Sachs, a afirmação de “economias morais”, frente à
tendência de marginalização pelo “desenvolvimento expansionista” (SACHS, 1997).
Por fim, temos o planejamento participativo, cuja importância é essencial para
desenvolver uma gestão urbana democrática no interior de nossas cidades, ou seja,
cidades onde cada mudança a ser realizada, nos âmbitos físico, social, espacial,
econômico, cultural, etc., seja o puro reflexo dos interesses, aspirações e
necessidades dos próprios cidadãos em sua totalidade. Para esta função se criaram
espaços públicos, assembléias ou conselhos onde a população (que pertence à
sociedade civil o não) participa e interage com os seus representantes da esfera de
governo, debatendo temas de interesse público coletivo, sendo os exemplos de
participação mais representativos e que pertencem à chamada “democracia direta”,
os já conhecidos “orçamentos participativos”
8
municipais (a experiência iniciada em
1989 de Porto Alegre vem a ser a mais reconhecida tanto no Brasil como no
exterior) e algumas formas de elaboração de planos urbanos.
Existem muitos argumentos que supõem a inviabilidade do planejamento
participativo e a democracia direta - pressupostos como que o Estado em qualquer
caso tenderia a produzir intervenções conforme os interesses dos grupos
dominantes que dispõem de maiores recursos, outro é que os indivíduos na
realidade querem se liberar do fardo de ter de ocuparem-se dos negócios coletivos,
que a população comum não tem a capacidade técnica para participar de assuntos
de interesse coletivo e tampouco uma visão sistêmica e de longo prazo, que a
participação é inviável em coletividades de grandes dimensões, etc. –, mas nenhum
destes tem uma justificativa muito firme ou definitiva quando se pode outorgar à
8
O Orçamento Participativo consiste em uma abertura do aparelho do Estado à possibilidade
de a população (de um município ou mesmo de unidades territoriais administrativas supralocais)
participar, diretamente, das decisões a respeito dos objetivos dos investimentos públicos (SOUZA,
2006, p.344).
44
população as condições necessárias para exercer com liberdade sua cidadania nos
espaços públicos, oferecendo-lhes facilidades de informação com transparência e
acesso aos meios de comunicação, capacitação dos processos de planejamento por
temáticas, vigilância nos processos decisórios e principalmente dando-lhes o lugar
que lhes corresponde, de serem os responsáveis pelas mudanças que daí em
adiante se façam em sua cidade (SOUZA, 2006). Portanto, a participação:
[...] no sentido de exercer autonomia, é a alma mesma de um planejamento
e de uma gestão que queiram se credenciar para reivindicar seriamente o
adjetivo democrático(a) . A participação, assim, proporciona ou pode
proporcionar melhores chances de um exercício mais pleno da cidadania,
que equivale a uma maior e melhor integração na sociedade (SOUZA, 2006,
p. 335).
Neste sentido, no momento do diálogo que deve ser o mais amplo possível, para
evitar o autoritarismo, este será previsto de debates livres e confrontos abertos de
posições e argumentos entre as partes. Desta maneira, o aumento de auto-estima
do cidadão e das possibilidades de participar conscientemente da vida política da
cidade e, portanto do país, são parte dos requisitos elementares e indispensáveis
para uma existência digna (SOUZA, 2006), além do já mencionado acesso menos
desigual aos meios de satisfação das necessidades individuais e coletivas, no que
se refere a uma adequada educação, saúde, serviços básicos, oportunidades de
trabalho, a uma moradia digna, entre outros.
Por outro lado, o planejamento participativo levado a cabo eficientemente pode obter
resultados muito positivos em beneficio de toda a população, mas para isto deve
estar atento para tomar as medidas necessárias e enfrentar alguns obstáculos à
participação que se possam apresentar, os quais foram sintetizados por Abers (apud
SOUZA, 2006) em três problemáticas: A primeira, a problemática da implementação,
se refere às diversas dificuldades que uma administração tem de enfrentar para
implementar suas políticas, especialmente as participativas. A segunda, a
problemática da cooptação, se produz quando o esquema participativo se volta uma
ferramenta de instrumentalização da sociedade civil por parte das forças políticas do
Estado, para eliminarem os focos de oposição e poder perpetuar no governo,
portanto a experiência de participação se torna uma de “pseudoparticipação”; e a
terceira, a problemática da desigualdade, tem a ver com as dificuldades para a
45
participação voluntária da população mais pobre por sua mesma condição de dispor
de menores recursos (tempo e dinheiro para se locomover) que a população média
(SOUZA, 2006). Portanto, são deveres do Estado, das instituições da sociedade
civil, entre outras, colaborar para que estes obstáculos sejam superados e uma vez
que isto aconteça, o exercício da cidadania se verá reforçado, logrando assim uma
maior inclusão social e uma cidade mais democrática e justa.
Diante desses modelos, considero importante destacar as formulações críticas em
torno dos tipos de planejamento e/ou políticas públicas efetivadas no âmbito urbano
que surgiram no Brasil nos anos 80 em torno da agenda da reforma urbana e do
ideário de cidades democráticas e sustentáveis.
1.2.
O Ideário de Cidades democráticas e Sustentáveis
O Ideário de Cidades Democráticas e Sustentáveis surge a partir de um diagnóstico
crítico e de um debate em torno ao desenvolvimento das cidades latino-americanas
e as práticas de planejamento urbano efetivadas no decorrer dos últimos anos, que
têm gerado processos de segregação urbana e exclusão social, somado a um
acesso diferenciado e desigual aos recursos, oportunidades e serviços que a cidade
oferece, já que, em geral, a distribuição e oferta destes têm ocorrido conforme o
lugar onde os critérios de rentabilidade e de retorno do capital investido são mais
atendidos. Portanto, tudo isto tem se refletido num desenvolvimento desequilibrado e
não integrado da cidade, da qual se privilegiam especialmente as camadas medias e
altas em detrimento das mais pobres, aparecendo na cidade “uma estrutura
dualizada entre ricos e pobres, entre cidadãos e não-cidadãos” (SANTOS JUNIOR,
2007, p.295). Por estes motivos, o debate do ideário de cidades democráticas e
sustentáveis se orienta em torno a diretrizes e princípios que procuram reverter
estas tendências, na busca de cidades onde prospere a justiça social e as práticas
democráticas e sustentáveis, princípios que devem formar parte de um novo
enfoque de planejamento urbano, com um caráter mais abrangente e inclusivo.
46
O ideário de cidades democráticas e sustentáveis, como ideário de transformação
da cidade e modelo de intervenção, foi um debate que foi construído no campo da
reforma urbana, composto por correntes intelectuais e progressistas no Brasil e que
se concretiza no Movimento Nacional pela Reforma Urbana. O movimento em
menção começou com ênfase no decorrer dos anos 80, partindo de um diagnóstico
sobre o desenvolvimento de nossas cidades e mostrando-se logo como um espaço
de reflexão crítico em torno da questão urbana e das práticas de planejamento das
cidades latino-americanas, para refletir e desenvolver novas práticas que defendam
a “garantia do direito à cidade, objetivando mudanças na qualidade de vida, através
de políticas públicas voltadas para o conjunto da população” (GRAZIA, 2003, p.53).
Por este motivo, e para instituir um novo modo de pensar a gestão e o planejamento
da cidade, o movimento elabora três princípios básicos nos quais baseia-se para
referenciar sua prática:
i)
Direito à Cidade e à Cidadania, entendido como uma nova lógica que
universalize o acesso aos equipamentos e serviços urbanos, à
informação, a condições de vida urbana digna, e ao usufruto de um
espaço culturalmente rico e diversificado e, sobretudo, a uma dimensão
política de participação ampla dos habitantes das cidades na condução de
seus destinos e dos destinos da cidade.
ii)
Gestão Democrática da Cidade, entendida como forma de planejar,
produzir, operar e governar as cidades submetidas ao controle e
participação social, destacando-se como prioritária a participação popular.
iii)
Função Social da Cidade e da Propriedade, entendida como a prevalência
do interesse comum sobre o direito individual de propriedade, o que
implica o uso socialmente justo e ambientalmente equilibrado do espaço
urbano (GRAZIA, 2003).
Os princípios e diretrizes elaborados pelo Movimento da Reforma Urbana visando à
transformação da realidade diagnosticada da cidade, por demandarem medidas para
atingir lógicas, como a justiça social, exigem, por coerência que:
47
O Estado retome sua função social e assegure os direitos urbanos e o
acesso igualitário aos bens e serviços, isto é, que assegure o direito à
cidade para todos, através da elaboração e implantação de instrumentos e
mecanismos redistributivos (Grazia, 2003, p. 55).
Isso em função da redução dos níveis de injustiça social no meio urbano, assim
como a promoção de uma maior democratização do planejamento e gestão das
cidades.
Mas transportar o ideário de cidades democráticas e sustentáveis num novo modelo
de planejamento urbano não é tarefa fácil, quando ainda permanecem no cenário
político e na esfera de participação pública, diferentes interesses, principalmente dos
setores privados que impedem que estes princípios e diretrizes sejam realmente
efetivados, controlando o livre exercício da participação e a vontade popular. Por
exemplo, com a aprovação do Estatuto da Cidade, em 2001 – conquista importante
do Movimento Nacional pela Reforma Urbana – foi dado um novo impulso aos
processos de elaboração dos Planos Diretores nas cidades brasileiras, e no ano
2005, foi lançada a campanha Plano Diretor Participativo, mas logo depois de ser
feita uma avaliação quanto ao caráter participativo desses processos, os dados da
pesquisa demonstravam que apenas 24% dos processos, isto é, só 362 Planos,
foram ou estavam sendo participativos (SANTOS JUNIOR, 2007). Portanto, “é
preciso, uma regulação pública da produção privada, formal e informal, que seja
submetida ao controle social” (GRAZIA, 2003). Sendo assim:
A gestão democrática da cidade dar-se-á fundamentalmente através do
controle social e da participação da população organizada como condição
para a conquista de direitos, da cidadania, de novas políticas públicas que
incorporem os excluídos e de novas referencias para as cidades” (GRAZIA,
2003, p. 56).
Por outro lado, tendo como meta o ideário de cidades democráticas e sustentáveis,
torna-se necessário que as cidades sejam reconhecidas na sua “totalidade” para
repensar o planejamento a partir da negociação entre a população, os agentes que
produzem e se apropriam do espaço urbano e os governos, objetivando ações para
o conjunto da população (GRAZIA, 2003).
48
É importante destacar que no campo institucional do Brasil, a proposta da reforma
urbana se materializou nos artigos 182 e 183 da Constituição Federal. A isto se pode
adicionar a conquista alcançada, através de constantes atividades e lutas por parte
do Movimento Nacional pela Reforma Urbana, que conseguiu a aprovação do
Estatuto da Cidade, valioso instrumento de política urbana que:
[...] se apropriado pela população organizada e pelas Administrações Locais
com o objetivo de realizar a função social da propriedade e da cidade nos
municípios brasileiros, seria de grande utilidade na mudança do quadro de
desigualdade, exclusão e segregação, bem como seria uma grande
contribuição na luta por cidades justas, democráticas e sustentáveis
(GRAZIA, 2003).
Portanto, achamos que instrumentos de política urbana tais como o Estatuto da
Cidade, deveriam ser multiplicados em outros países latino-americanos com
problemáticas similares, como no caso de Peru, para que mais cidades, no âmbito
de municípios e comunidades locais possam ter ferramentas para garantir seus
direitos à cidadania e à cidade em sua “totalidade”, com qualidade de vida, amplo
acesso aos recursos e equipamentos urbanos, ampla liberdade no acesso a
oportunidades e escolhas de vida, assim como no exercício da participação política
nos processos decisórios da cidade, entre outros. Por fim:
Não podemos deixar de registrar que, no âmbito internacional, inicia-se um
processo de discussão em torno da Carta Mundial pelo Direito à Cidade, de
iniciativa do Fórum Nacional da Reforma Urbana, mas que hoje conta com a
adesão de muitas outras redes internacionais, principalmente na América
Latina, propondo que o direito à cidade seja reconhecido, pelo sistema das
9
Nações Unidas, como um direito coletivo difuso (SANTOS JUNIOR, 2007,
p. 301).
9
A Carta Mundial pelo Direito à Cidade começou a ser discutida no I Fórum Social Mundial
(2001), na cidade de Porto Alegre, como um instrumento orientado a contribuir com as lutas urbanas e
com o processo de reconhecimento, no sistema internacional dos direitos humanos, do direito à
cidade. Nela, o direito à cidade se define como o usufruto equitativo das cidades dentro dos princípios
da sustentabilidade e da justiça social, com o objetivo de alcançar o pleno exercício do direito a um
padrão de vida adequado (SANTOS JUNIOR, 2007, p. 312). Esta carta teve prosseguimento e se viu
fortalecida através de uma declaração que foi apoiada e assinada por diferentes organizações de
vários países de América latina no ano 2007 em Santiago de Chile, sendo alguns destes o Instituto de
Desarrollo Urbano-CENCA pelo Comité de Campaña por el derecho a una vivienda digna para todos y todas
(Perú) e o Centro de Estudios y Promoción del Desarrollo-DESCO (Perú).
49
Em resumo, depois de tudo o anteriormente exposto, o que se busca a partir do
Ideário de cidades democráticas e sustentáveis é que seus princípios e diretrizes e,
portanto, que as propostas da agenda da Reforma Urbana sejam postas em prática
nas novas políticas urbanas do Estado e nas novas propostas de planejamento
urbano, para que se possam reconstruir e desenvolver cidades onde prospere a
justiça social, a urbanidade, as práticas de inclusão social e participação
democrática, uma distribuição equilibrada dos recursos, serviços e equipamentos
urbanos, um eficiente acesso a uma adequada educação, cultura e aos meios de
informação; a garantia da liberdade para poder fazer as escolhas de vida e de
acesso às oportunidades consideradas necessárias alcançar para se obter um
padrão de vida decente e com qualidade, isto materializado na garantia de acesso a
uma moradia digna e ao trabalho, o que implica criar formas alternativas de
produção e acesso ao mercado de habitação que não sejam necessariamente
controladas pela lógica capitalista. Todo isto, para que se produza realmente uma
mudança positiva no interior de nossas cidades, onde se possa falar de um
verdadeiro desenvolvimento que englobe a cidade como um todo, e não mais a
cidade segmentada ou partida.
1.3. O Planejamento
construção
Integral
Urbano
Sustentável:
um
conceito
em
Depois de realizar a análise crítica das diferentes concepções ou adjetivações
relacionadas ao conceito de Planejamento Integral Urbano Sustentável, podemos
reconhecer que este integra uma retórica evocada para justificar diferentes tipos de
práticas, mas que sendo usado de forma eficiente no sentido de criar cidades mais
justas, igualitárias, democráticas e sustentáveis, vem a ser um conceito reconhecível
e consensualmente desejável, haveria apenas que encontrar o melhor meio de
realizá-lo.
Para este fim e tendo como objetivo final deste capítulo a formulação de um conceito
que nos sirva de referência analítica para avaliação das políticas e experiências de
planejamento urbano, é importante resgatar as contribuições oferecidas por cada um
dos modelos de planejamento urbano anteriormente abordados, sendo reforçados
50
com os princípios e diretrizes que o ideário de cidades democráticas e sustentáveis
engloba.
Para iniciar a construção de nosso conceito, é necessário explicar o que se pretende
ao colocar cada uma das palavras que este novo modelo de planejamento proposto
encerra, quer dizer o que para nós significam ou agregam os termos de “integral,
urbano e sustentável” dentro do campo do planejamento urbano, termos que vão
acrescidos muitas vezes de adjetivos tais como participativo, democrático e
inclusivo.
A nosso ver, a terminação “Integral” implica duas coisas. Em primeiro lugar, que ao
pensar num planejamento urbano para a cidade se pense nela na sua “totalidade”,
quer dizer com uma visão ampla de desenvolvimento que englobe todas as áreas e
setores da cidade, incluindo as suas diferentes classes sociais. E isto se deve dar
tanto em função de uma distribuição eqüitativa da renda, de equipamentos e
serviços urbanos, assim como da outorga de facilidades necessárias à população
(especialmente à dos setores mais carentes e excluídos) para que estas façam suas
próprias escolhas de vida e de acesso livre às oportunidades de emprego existentes
na cidade. Além disso, é fundamental garantir os direitos sociais para todos os que
vivem na cidade, assim como oferecer as garantias e facilidades necessárias, para
que a população possa participar com total democracia e liberdade em cada um dos
processos de tomada de decisão referente a mudanças a serem feitas, orçamentos
a serem efetivados ou distribuídos, que formem parte de um plano ou não, ou
qualquer outro tipo de ação a ser tomada tanto na sua comunidade como na sua
cidade que possa afetar diretamente suas vidas.
Tudo isso, para enfrentar e evitar que continue se reproduzindo o esquema de
segregação e exclusão urbana, assim como o aprofundamento da pobreza que
atinge cada vez a uma porcentagem maior de população urbana. Mas, para que os
propósitos anteriormente descritos a serviço de um efetivo desenvolvimento integral
sejam realmente alcançados, é necessário que também se produza uma mudança
de atitude por parte do Estado, o qual se comprometa a enfrentar os mecanismos de
51
produção de desigualdades e de exclusão no espaço urbano e, portanto, que este
não se limite à concessão de uma ou outra obra pública de pouca relevância nos
bairros populares – por estar comprometido principalmente com os interesses do
capital privado junto à construção de grandes obras viárias –, senão que incorpore
estes setores nos planos, obras e projetos de maior envergadura pensando no
desenvolvimento da cidade como um todo. Assim também, o papel do Estado é
fundamental para garantir os direitos previstos na Constituição para um efetivo
exercício da cidadania, exigindo a participação da sociedade e o controle social,
como se colocou antes, em cada um dos processos de tomada de decisão da cidade
em suas diversas escalas territoriais.
É aqui, que se pode colocar o planejamento participativo como formando parte dos
ideais do planejamento integral na medida em que este inclua toda a população
(com ênfase na participação popular) a participar de forma democrática nos
processos de tomada de decisão sobre temas que comprometem o futuro de nossas
cidades, realizados geralmente nos espaços públicos, assembléias e conselhos.
Nessa perspectiva, cada mudança a ser feita a partir da escala local, seja nos
âmbitos social, urbano, econômico, ambiental, cultural, etc., deve ser o puro reflexo
dos interesses, aspirações e necessidades dos próprios cidadãos envolvidos, dando
um especial incentivo á iniciativa popular.
Em segundo lugar, o termo “integral” no planejamento urbano implica também a
conjunção e integração de vários âmbitos ou campos de intervenção, quer dizer que
no momento de planejar a cidade em suas diversas escalas deve-se buscar um
desenvolvimento integral ou holístico, evitando assim o esquema convencional de
muitas políticas urbanas fragmentadas e sobrepostas e os modelos de planejamento
urbano de corte tecnocráticos, que se limitam a resolver só alguns aspectos do
problema deixando outros, também relevantes, de lado. Um planejamento que busca
um desenvolvimento integral deve pensar grande e propor soluções de intervenção
nos aspectos social, humano, econômico-produtivo, urbano-territorial, ambiental,
educativo, cultural e legal; para que desta forma se produza uma efetiva mudança
na qualidade de vida de toda a população e, portanto, um real desenvolvimento em
52
cada uma das escalas territoriais, começando pela escala local no nível de bairros e
comunidades, “pois é no local que surgem questões, experiências e propostas que
podem alimentar e impulsionar políticas e projetos [...]” (LEROY, BERTUCCI,
ACSELRAD, PÁDUA, SCHLESINGER e PACHECO, 2002), que conduzam a um
desenvolvimento maior da cidade como um todo.
Esta busca da qualidade de vida deve ser uma meta importante num planejamento
urbano que busca um desenvolvimento integral da cidade como um todo. Isto se
consegue primeiro com a garantia das liberdades necessárias ao ser humano para
que este possa agir de acordo as suas escolhas de vida. Lembrando Amartya Sen, o
desenvolvimento e a melhora da qualidade de vida do ser humano estão
relacionados diretamente com a expansão das liberdades que desfrutamos, já que
só desta maneira nos tornamos seres sociais mais completos, pondo em prática
nossas vontades, interagindo com o mundo e, portanto na cidade em que vivemos e
influenciando nela (SEN, 2002). Uma proposta ideal de qualidade de vida deve partir
do diálogo e da prática democrática entre cidadãos, autoridades, empresas públicas
responsáveis e ONG’s, para poder oferecer soluções adequadas ao enfrentamento
das diversas carências, começando por garantir o direito a viver em um ambiente de
paz e tranqüilidade – livre tanto da violência comum quanto da violência política,
garantir a liberdade de expressão, de participação e livre relacionamento, ter direito
a uma boa alimentação, à informação, educação e à auto-realização, assim como
também à ampliação na provisão de serviços de saneamento básico e boas
condições materiais de vida, o que implica a criação de novas políticas de acesso a
uma moradia digna, tratamento adequados da água e o esgoto, coleta de lixo e
reciclagem, entre outros.
Por fim, essas duas dimensões implicadas na terminação “integral” devem ser
incorporadas no planejamento urbano, para que ocorra efetivamente um
desenvolvimento integral da cidade como um todo.
O termo “urbano” explica mais que tudo, o espaço geográfico de intervenção onde
se vai implementar o novo modelo de planejamento, já que é no âmbito urbano e a
53
partir da escala local que se vão construir as novas propostas e estratégias que vão
permitir mudanças positivas significativas através do desenvolvimento da cidade em
suas diversas áreas e escalas territoriais. O planejamento urbano, a nosso ver, deve
envolver um conjunto de conhecimentos de ordem econômica, política, social,
cultural, legal e ambiental, que sejam a soma das contribuições tanto dos diferentes
profissionais assim como da população, e todos aqueles que trabalham por uma
cidade melhor com uma ótica social da superação de problemas, na perspectiva do
desenvolvimento, da justiça e inclusão social e a melhoria da qualidade de vida.
Quanto à terminação “sustentável”, esta também reúne uma multiplicidade de
significados e propósitos, que foram abordados no decorrer deste capítulo ao nos
referirmos ao planejamento sustentável, mas que merecem agora ser aprofundados.
Para começar, torna-se necessário avançar nos debates que se originaram a partir
do Informe Brundtland, onde a estratégia apresentada para “atender as
necessidades do presente sem comprometer às gerações futuras atenderem as
suas próprias necessidades” estaria vinculada à conjugação de crescimento
econômico com o progresso técnico capaz de poupar recursos matérias – como se
isso bastasse para resolver os problemas ambientais e levar as cidades a uma
sustentabilidade e a uma redução da pobreza com qualidade de vida. O que em
verdade, a nosso ver, o termo “sustentável” deveria buscar no âmbito urbano é um
desenvolvimento equilibrado e próspero da cidade, quer dizer, de cada uma de suas
áreas e setores territoriais num período prolongado de tempo, onde se produziria
uma efetiva redução da pobreza com economia de recursos. Para este fim a
sustentabilidade giraria em torno da promoção de um desenvolvimento eqüitativo,
produtivo e autônomo de cada uma destas áreas e setores da cidade, a partir da
escala local – no âmbito de municípios, bairros e comunidades –, para que num
trabalho em conjunto com todos os atores sociais envolvidos (população em geral,
autoridades
locais,
trabalhadores,
empresários,
ONGs,
cientistas,
técnicos,
agricultores, etc.) se busquem novas alternativas e iniciativas de produção que
fortaleçam as relações sociais internas de solidariedade e de cooperação, e que
sejam também uma fonte de emprego e recursos locais que permitam à população
administrar de forma eficiente o território e seus recursos. Portanto, o conceito de
54
sustentável envolveria uma dimensão utópica, de desenvolvimento de uma
autogestão, que não formaria parte da lógica mercantilista do sistema hegemônico
capitalista atual, mas que estaria aberto a outras possibilidades de articulação
econômica e social em redes de apoio – locais, nacionais e internacionais –
vinculadas ao que tem sido denominado de economia popular e solidária ou
economia do trabalho (CORAGGIO, 2004). De igual forma, este trabalho de
planejamento conjunto na busca de um desenvolvimento mais equilibrado da cidade
além de propor novas alternativas e iniciativas de produção não capitalista, deve ir
acompanhado, por sua vez, de propostas que busquem soluções nos demais
âmbitos de desenvolvimento, ou seja, no referente ao melhoramento e atendimento
dos aspectos sociais, urbano-territoriais, educativos, culturais, ambientais e legais.
Porque a integração de todos estes âmbitos é que vai contribuir na construção de
um desenvolvimento sustentável da cidade.
Assim também, a terminação “sustentável” sugere que toda a população tenha
igualdade de condições para participar na esfera pública e, portanto se assuma
como sendo igualmente responsável pelo futuro da sua cidade, do país e do mundo,
começando a lutar pela busca de um desenvolvimento sustentável na sua cidade,
com justiça social e qualidade de vida para todos. Para este fim, primeiro o
planejamento sustentável deve se orientar para trabalhar pela criação de políticas
urbanas que permitam uma distribuição mais equitativa da renda e dos recursos
produzidos na cidade (assim como o uso responsável destes), com principal ênfase
na alocação destes recursos nos setores mais desprovidos da cidade, tentando
enfrentar desta maneira o esquema vigente de acumulação capitalista e desmontar
o quadro social de exclusão social produto deste mesmo esquema. Para este
propósito, o planejamento e desenvolvimento sustentável devem estar ligados à
criação de uma verdadeira cultura contra-hegemônica, de um lado, capaz de
derrubar os valores impostos pelo “deus-mercado”, de outro, capaz de mostrar aos
atores envolvidos a importância da união em torno de um ideal maior para a
construção de um projeto alternativo de mudança social. Mas, isto só se logra a
partir da reconstrução de valores a partir da escala local, principalmente no nível de
bairros e comunidades, já que é a partir desta escala que é possível retomar na
55
população, o caminho da ética, da visão do mundo e da esperança por um futuro
melhor, substituindo o ter pelo ser, a competição pela solidariedade, no desafio da
construção de um novo projeto de sociedade e de cidade mais justa e democrática
(LEROY, BERTUCCI, ACSELRAD, PÁDUA, SCHLESINGER e PACHECO, 2002).
Desta maneira, e em segundo lugar, o termo “sustentável” se transporta para o
objetivo da construção da “sustentabilidade democrática em nossas cidades”, para o
qual sua tarefa consiste em começar por fortalecer as camadas populares,
integrando-as e transformando-as em sujeitos políticos de seu ambiente material,
social, econômico e cultural, com seus direitos amplos e garantidos. Direitos que
podem ser exercidos em espaços urbanos amplos, construídos por eles mesmos ou
adjudicados pelo Estado, onde se possa desenvolver com total liberdade o exercício
democrático da política, tanto em defesa dos direitos humanos ou do meio ambiente,
como na luta e confronto dos planos e projetos que comprometem sua comunidade
ou bairro, assim como suas vidas, em embates que transbordam para a esfera
pública. Já que é a partir da própria experiência, do saber e da imaginação dos seus
atores e sujeitos unidos a seus ideais, aspirações e desejos, que nascem as opções
transformadoras, iniciativas ou impulsos inovadores que podem permitir alcançar,
por conseguinte, um desenvolvimento sustentável do bairro, comunidade e cidade.
Para compreender melhor a proposta apresentada, podemos comparar as
características do planejamento convencional e do planejamento integral urbano
sustentável, conforme o Quadro I, onde estão realçadas as características típicas ideais de cada um desses modelos. Nele podemos perceber que os dois modelos se
diferenciam segundo a forma como concebem ou atuam em relação à participação,
a cidade, a sustentabilidade, a intervenção nos bairros populares, a qualidade de
vida e o desenvolvimento.
QUADRO 1: Comparação da política de planejamento urbano convencional ou
predominante com a de Planejamento Integral Urbano Sustentável.
Planejamento urbano convencional ou
predominante
Planejamento Integral Urbano Sustentável
- Os planos de âmbito metropolitano estão dirigidos
principalmente a melhorar o aspecto físico de uma
- Os planos procuram a integração física, espacial,
social, cultural e econômica da cidade como um
56
parte da cidade, geralmente em áreas de maior
interesse para a instalação do capital privado.
- O tema do desenvolvimento está relacionado
somente ao desenvolvimento “físico e econômico”
da metrópole.
- Os planos se caracterizam por ter um perfil
predominantemente tecnocrático, conformado por
unicamente instrumentos técnico-normativos.
todo, incluindo toda sua população.
- Se busca o desenvolvimento equilibrado e ampliado
de cada uma das áreas e setores existentes no
território, compreendendo “a cidade como um todo”
e abrangendo a sua vez todas as esferas e âmbitos de
desenvolvimento possíveis.
- Os planos têm um enfoque principalmente humano e
social, via um desenvolvimento com justiça, inclusão
social e qualidade de vida para todos.
- Suas políticas urbanas específicas para bairros - As políticas urbanas dirigidas aos bairros populares
populares são fragmentadas e sobrepostas, não
permitindo um desenvolvimento integral nem
continuo no tempo.
procuram alcançar um desenvolvimento integral e
holístico destas áreas e, portanto da cidade.
- Na relação entre o poder público e a população dos - Os recursos são distribuídos equitativamente em todas
bairros e comunidades mais carentes, perduram as
práticas clientelistas e burocráticas em questão a
trâmites, serviços e demandas diversas que os
moradores fazem às entidades do governo
correspondentes.
as áreas e setores populares, sem exceção, e ao
mesmo tempo a população trabalha na forma de
autogestão, procurando criar suas próprias fontes de
recursos para assim poder subvencionar ou concluir
suas obras e iniciativas.
- A participação democrática, na realidade se - Se
restringe a um tipo de “pseudoparticipação”, na
qual a população intervém na fase de consulta e
levantamento de observações.
- Se usa a sustentabilidade para transportar a idéia de
qualidade de vida para o meio ambiente e assim
poder estetizar a cidade e criar maiores espaços
verdes, mas em função de fazê-la mais atrativa para
o capital privado.
desenvolve uma verdadeira participação
democrática, já que a população participa em cada
fase do processo de elaboração, debate e decisão dos
planos, projetos ou orçamentos, tanto de nível local
como metropolitano.
- Se trabalha no sentido da construção da
“sustentabilidade democrática em nossas cidades”,
fortalecendo as camadas populares para transformálas em sujeitos políticos de seu ambiente material,
social, econômico e cultural, com seus direitos
amplos e garantidos, e onde a qualidade de vida é o
resultado e a meta final.
Em suma, um planejamento integral urbano sustentável busca estabelecer princípios
e diretrizes que possam servir na construção de uma sociedade e uma cidade mais
justa, equitativa e democrática, onde exista um desenvolvimento equilibrado e
ampliado de cada uma das áreas e setores existentes no território, compreendendo
“a cidade como um todo”, onde a população conviva com princípios de igualdade,
solidariedade e respeito pela pessoa e pelo meio ambiente, e por sua vez, participe
de forma livre e espontânea, contribuindo com soluções e propostas em todas as
esferas e âmbitos de desenvolvimento, com ênfase na promoção da qualidade de
vida para todos e, portanto da dignidade humana. Assim, partindo de todo o anterior
exposto sobre a formulação de nosso conceito de Planejamento Integral Urbano
Sustentável, se pode construir um modelo normativo que sirva de referência para a
avaliação de políticas urbanas para bairros populares no Perú (Quadro 2).
57
QUADRO 2: Modelo normativo de referencia para a avaliação das políticas urbanas
para bairros populares no Perú, baseado no enfoque de Planejamento
integral Urbano Sustentável.
Política de planejamento integral
Integrando a cidade como um todo, com uma visão
ampla de desenvolvimento que englobe todas as áreas e
setores da cidade, incluindo as suas diferentes classes
sociais;
distribuindo de forma eqüitativa a renda, os
equipamentos e serviços urbanos;
garantindo os direitos sociais a todos os cidadãos, para
que possam participar com total democracia e liberdade
em cada um dos processos de tomada de decisão;
outorgando as facilidades necessárias à toda a população
(especialmente dos setores mais carentes e excluídos)
para estas fazerem suas próprias escolhas de vida, de
melhoramento da qualidade de vida e de acesso livre às
oportunidades de emprego existentes na cidade;
integrando vários âmbitos ou campos de intervenção nos
aspectos social, humano, econômico-produtivo, urbanoterritorial, ambiental, educativo, cultural e legal.
Política de planejamento participativo
incluindo toda a população (com ênfase na participação
popular) a participar de forma democrática nos
processos de tomada de decisão sobre temas que
comprometem ao futuro de nossas cidades;
incentivando a iniciativa popular.
Política de planejamento urbano
envolvendo um conjunto de conhecimentos de ordem
econômica, política, social, cultural, legal e ambiental,
que sejam a soma das contribuições tanto dos diferentes
profissionais assim como da população local;
promovendo soluções de desenho urbano que fortaleçam
as relações sociais internas.
Política de planejamento sustentável
promovendo um desenvolvimento eqüitativo, produtivo
e autônomo de cada uma das áreas e setores da cidade
num período prolongado de tempo, partindo pela escala
local;
buscando uma efetiva redução da pobreza com poupança
de recursos;
buscando novas alternativas e iniciativas de produção
que incentivem à população num trabalho coletivo,
sendo também uma fonte de emprego e recursos locais,
permitindo à população administrar de forma eficiente o
território e seus recursos (autogestão);
articulando-se econômica e socialmente em redes –
locais, nacionais e internacionais – vinculadas ao que
tem sido denominado de economia popular e solidária;
tendo como objetivo a construção da “sustentabilidade
democrática em nossas cidades”, começando por
fortalecer as camadas populares, integrando-as e
transformando-as em sujeitos políticos de seu ambiente
material, social, econômico e cultural, com seus direitos
amplos e garantidos.
58
CAPÍTULO II. AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS URBANAS NO DESENVOLVIMENTO
DE BAIRROS POPULARES NO PERU
Este capítulo consiste num resgate das políticas urbanas para bairros populares no
Peru desde os anos 50 até a atualidade. Estas políticas são organizadas por
sucessivos períodos de governo aos quais lhes correspondem determinados
modelos que os caracterizam, desde aqueles de tipo “assistencialistas” até os
contemporâneos denominados de “convencionais ou tecnocráticos”.
No interior desses períodos de governo, se fará uma abordagem especial dos
modelos ou propostas mais representativos, dando ênfase naqueles que tiveram
uma aproximação ao enfoque do que se conhece como Planejamento Integral
Urbano Sustentável – tomando como referência, quando possível, algumas
experiências brasileiras. Da mesma forma, se buscará fazer uma sistematização dos
programas e dos diversos projetos pontuais característicos do modelo neoliberal e
convencional de planejamento urbano.
2.1. Modelos de Políticas urbanas para bairros populares no Peru desde os
anos 50 até a atualidade.
De acordo ao introduzido anteriormente e para poder ter um julgamento crítico sobre
o papel do Estado nos diferentes governos é fundamental discutir o funcionamento
das principais políticas urbanas peruanas (de habitação, de regularização, de
melhoramento das condições do bairro, de atendimento em geral, etc.) e as
estratégias de intervenção que este tem efetuado frente ao problema crescente dos
assentamentos e bairros populares informais, e que formam parte inerente do
processo de urbanização das cidades mais populosas do Perú.
2.1.1. Período 1950 – 1980: do assistencialismo ao planejamento das “Barriadas
Assistidas”
As primeiras atuações do Estado, primeiro durante o governo militar do Gal. Manuel
A. Odría (1948-1956) e logo durante o governo civil de Manuel Prado (1956-1962)
tiveram uma forte linha paternalista e clientelista dirigida aos grupos urbanos de
59
baixos recursos, já que segundo Dietz (2000), eles viam aos pobres como “uma
potencial fonte de apoio político”. Naquele momento as intervenções do Estado se
deram sobre o já estabelecido, quer dizer, naqueles bairros informais tradicionais
nos quais não se planejou nem sua formação nem sua organização – a ocupação de
solo se realizou antes de ser planejado e habilitado o espaço, só com algumas
exceções nas quais:
Odría utilizou o Estado para organizar grupos de invasores e indicar que
lugares podiam ser invadidos sem provocar a repressão estatal, ou para
habilitar terrenos para moradores despejados das áreas tugurizadas de
Lima como conseqüência do processo de desenvolvimento urbano levado a
cabo por uma das companhias urbanizadoras oligopólicas do país. (DIETZ,
2000, p. 260)
Segundo Dietz (2000), parece claro que Odría sabia muito bem que naquela época
nem o setor público nem o privado podiam nem estavam interessados em oferecer
moradias de baixos recursos, e que a melhor ou única solução era incorporar a este
expansivo setor, para assim neutralizá-lo.
Assim que as intervenções do Estado formaram parte das anteriormente
denominadas
“políticas
assistencialistas”,
conformadas
por
programas
de
‘remodelação’ e melhoramento urbano, assim como de ações de regularização ou
‘saneamento’ com a dotação de serviços e a ‘legalização’ do bairro dando-lhe um
nome, assim também a concessão ao ocupante do correspondente título de
propriedade, sendo que “para ao final de seu governo Odría e sua esposa tinham
outorgado quase 9000 títulos de propriedade [...]” (DIETZ, 2000 p. 259). Tudo isto,
pouco depois foi amparado pelo marco legal da Lei 13517 “Ley de Barrios
Marginales”
10
(Lei de Bairros Marginais), que “regularizou o processo mediante o
qual as barriadas podiam ser reconhecidas oficialmente, convertendo-se assim em
10
Segundo a Lei 13517 (1961), ‘Remodelação’, se explica como a adequação do bairro às normas
técnicas urbanísticas básicas e de planejamento; o ‘Saneamento’ vem a ser a execução das obras
necessárias de saneamento básico, como a instalação de serviços de água, esgoto, eletrificação,
incluindo a construção e melhora de vias; e a ‘Legalização’ se refere ao procedimento para delimitar o
bairro, dar-lhe um nome e estabelecer a situação jurídica do terreno matriz, assim como do ocupante,
até o outorgamento do Título de propriedade e sua inscrição registral.
60
‘sujeitos de ajuda” 11 (DIETZ, 2000, p. 261). Esta lei foi criada durante o governo de
Prado, que “apresentou naquela época idéias progressistas sobre regularização, [...]
das ‘barriadas’12 existentes” (ANEMIYA, 2003), introduzindo algumas políticas para
as barriadas de Lima, desta maneira com a Lei 13517 se incorporou a função da
Coorporación Nacional de la Vivienda – CNV(Corporação Nacional da Moradia),
agência estatal já criada no ano 1946, “encarregada de fazer cadastros e
planejamento urbano, assim como de entregar títulos de propriedade aos moradores
dos ‘assentamentos humanos reconhecidos” (DIETZ, 2000, p. 262). Também se cria
a constituição do Fondo Nacional para Vivienda (Fundo Nacional para Moradia) com
o objetivo de incentivar a criação de associações, cooperativas de poupança e
mutuais de créditos – que tinham como organismo central ao Banco de la Vivienda
del Perú - BANVIP (Banco da Moradia do Perú) – segundo Dietz (2000), destinadas
a modernizar e fazer mais eficiente a indústria da construção, apoiando sobretudo
ao setor privado e oferecendo empréstimos ou facilidades de acesso aos programas
“privados” de moradia, como único eixo de solução. Depois do governo de Prado,
”os militares que se mantiveram somente por um ano, substituíram a Corporação
Nacional de la Vivienda pela Junta Nacional de la Vivienda (Junta Nacional da
Moradia) que começou a implementar mais amplamente a Lei 13517” (DIETZ, 2000,
p. 262), e cujas novas atribuições eram as de:
Investigar o problema da moradia, formular o Plano Geral de Moradia de
Interesse Social, fixar normas para as moradias urbanas e rurais destinadas
a famílias de baixos recursos econômicos [...], por outro lado – assim como
no Brasil – [...] promover a formação de Urbanizações populares de
Interesse Social (UPIS) (INADUR, 1991, VADEMECUM del Estudio Integral
11
Sua política só ofereceu “ajuda” aos assentamentos humanos “reconhecidos” previamente,
proibindo a formação de novos assentamentos e suprimindo-lhes qualquer ajuda, enquanto não
seguiram as guias para a remodelação e legalização dos mesmos, exigiu para isso que os povoadores
entregassem seu trabalho em troca da ajuda estatal, incorporando a “autogestão” como parte do
vocabulário oficial do Estado.
12
As ‘Barriadas’, se podem denominar também ‘favelas’, ‘barracos’ ou assentamentos humanos.
Segundo Córdova no livro: “La vivienda em El Perú”, são aqueles bairros formados sobre terras
invadidas que não estão sujeitos a nenhum plano de traçado preconcebido ou que o são muito
rudimentares; carecem dos serviços públicos e sociais mais elementares, assim como das condições de
salubridade ambiental adequadas. Segundo Gustavo Rio Frio, as ‘barriadas’ são caracterizadas pelo
fato de ocupar de maneira muito desordenada terrenos de escasso valor.
61
de los Programas de Vivienda ejecutados o promovidos por el Estado Períodos 1969-1990).
Sendo que “na prática, por limitações orçamentárias só se deu ênfase à dimensão
legal e assistencialista da intervenção, mas quase não se executaram as UPIS”
(ANEMIYA, 2003).
É desta forma que o Estado, através dos governos sucessivos de Odría e Prado
intervém nos bairros populares de Lima, incorporando como contraponto a
experiência revolucionaria cubana, com a frase característica: “Façamos de cada
povoador um proprietário”, tentando desta maneira afastar o fantasma do socialismo,
buscando fomentar a pequena propriedade urbana, com um marco legal adequado
para reconhecer e titular pela primeira vez os bairros populares, assim como
oferecer alguns serviços de melhoramento e renovação urbanos (BURGA, 1989).
De acordo com os trabalhos feitos pela CEPAL sobre a marginalidade urbana na
América Latina, este tipo de conduta adotada pelo Estado, de tolerar num primeiro
momento o crescimento periférico dos bairros populares, se explicaria em razão
desse tipo de ocupação urbana ser concebido como “[...] um mecanismo de
integração na sociedade urbana dos segmentos populacionais recém-chegados à
cidade, ainda que de forma marginal [...]” (ECHEVARRIA e MEDINA, 1970 apud
QUEIROZ RIBEIRO e DOS SANTOS JUNIOR, 2005, p.93), já que de outra forma
não se adaptariam às exigências econômicas, sociais e políticas necessárias para
sua real integração à cidade. Portanto, era essencial, antes de tudo:
[...] a criação de uma ‘economia moral’ capaz de gerar bens e serviços
necessários à vida urbana e uma sociabilidade indutora da manutenção dos
laços de pertencimento social dos indivíduos ao grupo. Os autores
acrescentam que este tipo de [...] “economia moral” terminaria por suscitar
uma participação na sociedade urbana, ainda que subordinada aos
mecanismos do clientelismo, da qual se beneficiavam os moradores dos
bairros populares das cidades da America Latina, em termos de acesso a
uma parcela de recursos urbanos distribuídos pelo poder público
(ECHEVARRIA e MEDINA, 1970 apud RIBEIRO e SANTOS JUNIOR, 2005,
p.93).
Ainda que logo estes não soubessem como tirar proveito de seu pedaço de terra, já
que este tipo de políticas nunca esteve acompanhado de uma orientação adequada
62
ao povoador, nem de espaços de interlocução entre o Estado e comunidade, assim
como tampouco de políticas de desenvolvimento integral e socioeconômico das
comunidades. Portanto, só se deu solução a alguns dos problemas, ao passo que
outros só se resolveram depois de muitos anos e graças a outros fatores.
Esta linha de políticas assistencialistas teve continuidade durante o primeiro governo
civil de Belaúnde (1963-1968), mas, sobretudo no discurso e não tanto na prática, já
que por um lado, deu-se prosseguimento à política de permissividade da ocupação
horizontal dos bairros periféricos pelos setores populares, mas, de outro,
desenvolveu-se políticas de habitação mediante conjuntos habitacionais, que não
atingiam prioritariamente o atendimento dos déficits de moradia das camadas de
renda mais baixa, já que o financiamento para acessar a uma habitação destas, só
era possível ser alcançado pelos setores de classe media13 (tais como os conjuntos
residenciais de San Felipe e Santa Cruz em Lima) (BURGA, 1989). Isso significa
que esse tipo de atuação do Estado para com os bairros populares poderia ser
caracterizado mais como uma política de tolerância da informalidade do que uma
solução efetiva face à pobreza crescente; “os assentamentos humanos e seus
habitantes estavam localizados muito por debaixo na sua lista de prioridades”
(DIETZ, 2000, p. 263), aprofundando mais a segregação e a exclusão urbana e
trazendo maiores dificuldades para a garantia do “direito à moradia e à cidade”
(LEFÉBVRE, 2001). Mas a pesar de que Belaúnde prestara pouca atenção aos
pobres de Lima, algumas ações tiveram efeitos de longo alcance, como seu
programa de descentralização que trouxe como resultados que os governos locais
foram desde então sujeitos à eleição popular e não eleitos pelo governo central. Isto
permitiu eficazmente a criação de vários novos distritos limeños compostos por
assentamentos humanos, nos quais se deu vitalidade à atividade e a participação
política local (DIETZ, 2000). Paralelamente,
[...] enquanto as elites peruanas e seus partidos políticos tentavam
desenvolver uma estratégia para ganhar o apoio da crescente população
limeña entre os anos 50 e 70, os moradores dos bairros populares e
assentamentos humanos não cruzaram os braços esperando que o Estado
13
Existia uma incompatibilidade entre o preço oferecido e as possibilidades de aquisição dos
mais pobres, o qual incrementou o déficit dos sem moradia.
63
ou os partidos políticos atuassem em seu beneficio. Os próprios moradores
(com ou sem ajuda do Estado ou dos partidos) formaram associações
vizinhais com o fim de organizar-se e trabalhar por metas comuns através
da ‘autogestão’ ou para apresentar demandas aos organismos do Estado.
Apesar de que o Estado esteve disposto a ajudar à conformação de tais
associações – sob a Lei 13517 – muitas comunidades formaram suas
próprias organizações e logo demandaram ser reconhecidas (DIETZ, 2000,
p. 266).
Depois da intervenção sobre o existente, ou seja, das políticas de tipo
assistencialistas se passou à “intervenção planificada” ou a política de “barriadas
planificadas e assistidas” durante uma conjuntura e política do Estado totalmente
atípica, correspondente a um período de regime militar de esquerda, a cargo do
general Velasco Alvarado.
O Modelo de Planejamento das “Barriadas Planificadas e Asistidas”
Este tipo de planejamento particular de barriadas assistidas corresponde aos
sucessivos governos militares populistas dos generais Velasco Alvarado (19681975) e Morales Bermúdez (1975-1980) também denominado de “Revolução das
Forças Armadas”, mas cuja referência principal é atribuída ao regime do Velasco, o
qual se disse experimentou políticas redistribuitivas, reformistas e dirigidas pelo
Estado14 com uma retórica social-populista que deixava claro que “os pobres do país
seriam o objetivo principal do que os militares chamavam a ‘revolução das forças
armadas’ e da ‘sociedade de plena participação” (DIETZ, 2000, p. 267); por estas
razões teve a iniciativa de implementar a política de “barriada planificada e asistida”.
Segundo Henry Dietz, os militares deste governo:
[...] não só mantiveram um claro e reiterado compromisso verbal de
reestruturar o estilo corrupto e elitista dos governos anteriores, mas também
aplicaram medidas sociais e econômicas para implementar suas metas, tais
como a Comunidade Industrial – para transferir aos trabalhadores à
propriedade e administração das empresas [...] e a amplamente discutida
Lei de Propriedade Social, de 1974, medidas que tocaram a vida de milhões
de peruanos.
14
Segundo Henry Dietz, todos os governos militares se caracterizaram por instituir severas
limitações aos direitos humanos, mas de fato, o Peru foi a exceção notável da América Latina, o regime
do Velasco Alvarado, experimentou políticas redistributivas e reformistas com participação popular,
no qual os abusos aos direitos humanos foram mínimos (DIETZ, 2000).
64
Esta penetração do governo era intencional, todas as políticas eram
dirigidas a incorporar o maior número de cidadãos a estas estruturas, para
assim ajudar não só a sustentar a Revolução, como também prover
oportunidades para que os próprios cidadãos influíssem nas decisões que
afetavam sua vida diária, tanto no trabalho como na casa (DIETZ, 1986, p.
36).
Foi assim, que o governo buscou atender aos setores populares com políticas que
promoviam uma ocupação ordenada do espaço, procurando primeiro a realocação
dos moradores das novas ocupações para zonas planejadas com fins de expansão
urbana, que poderiam cumprir a função de “bolsones barriales” e permitiriam acolher
a população migrante da Serra, a proveniente dos excedentes de outras favelas e a
de espécies de cortiços (tugúrios) do centro da cidade, nos quais se brindava
terrenos (lotes legalizados), se investia em serviços e equipamentos, mas tudo
“coordenadamente” (co-gestão) através de uma participação organizada (BURGA,
1989), mas “controlada” da população. Quer dizer, a participação cidadã se limitava
a organizações “aprovadas” unicamente pelas oficinas governamentais distribuídas
em vários dos bairros populares e assentamentos humanos; ou seja, pese a
proclamar que existisse “uma democracia social de plena participação”, todas as
ações destinadas a fomentar a mobilização e a participação políticas eram criadas e
dirigidas desde cima (DIETZ, 1986). Embora nos anos seguintes, “a participação
ampla do povo, originalmente destinada a servir como veículo para o cambio
econômico de avançada, em pouco tempo chegou a ser um fim em si mesma”
(DIETZ, 1986, p. 36). O caso de Villa El Salvador é um típico exemplo disso, já que
“muitas das propostas iniciais que lhe deram vida foram retomando-se,
impulsionadas pela mesma população que, despojada do apadrinhamento do
Estado, começou a caminhar por si só” (BURGA, 1989, p. 28).
As oficinas governamentais a que nos referimos no parágrafo anterior, encarregadas
de organizar, mobilizar e oferecer apoio aos assentamentos e bairros populares,
assim como implementar a política de barriadas asistidas, foram duas: Num inicio a
ONDEPJOV (Oficina Nacional de Povos Jovens e Assentamentos Humanos
Urbanos), formada justamente quando o Governo Revolucionário substituiu à antiga
Junta Nacional de la Vivienda pelo Ministerio de Vivienda e Construcción (D.L.N°
17528) (DIETZ, 1986). As funções desta eram as de coordenar todas as ações do
65
governo, trabalhar no programa de distribuição de títulos de propriedade, e promover
a organização comunitária – baseada num esquema que consistia na eleição de três
representantes por manzana (quarteirão) ou unidade de assentamento, chamados
de secretários de coordenação, organização e economia, constituindo estes três um
“comité vecinal” – assim como a realização de projetos de melhoramento comunal,
todos estes deviam contar com sua aprovação (DIETZ, 1986 e ZAPATA, 1996). A
ONDEPJOV funcionou por apenas dois anos, logo disso foi absorvida pelo
aperfeiçoado e recém criado SINAMOS (Sistema Nacional de Apoio à Mobilização
Social), agencia especial do Estado também encarregada de organizar e oferecer
apoio às comunidades, mas através da qual se desenvolvia uma relação direta entre
o poder político e os setores populares, já que cumpria também a função de
canalizador na formulação de demandas da população. Por outro lado, as ações de
desenvolvimento iam mais além do saneamento urbano e a legalização, “o
SINAMOS enfatizou também na educação, saúde, cultura, produção e serviços,
como atividades nas que a população organizada teria algo a dizer e a fazer para
alcançar o desenvolvimento” (ZAPATA, 1996, p. 89).
A intervenção planificada toma como base de referencia o primeiro Plano de
Desenvolvimento Urbano Metropolitano de Lima e Callao (PLANDEMET15) –
documento elaborado durante a gestão do prefeito de Lima, Luis Bedoya Reyes,
somente em 1967, pela ONPU (Oficina Nacional de Planejamento e Urbanismo),
apesar da já existência deste organismo há 20 anos – no referente aos planos de
expansão urbana e aos usos a serem destinados para aquelas zonas (ZAPATA,
1996).
No referente aos projetos de organização e melhoramento comunal, estes foram
sendo implementados com a formulação dos Planos Urbanos (criação de planos de
manzaneo e loteamento com um desenho original que promoveria o espírito
“autogestionário” já que cada um dos “grupos residenciais” funcionava como
“pequenas comunidades urbanas”, além dos planos de infra-estrutura básica, de
15
Sobre a base do Plandemet se aprovou o Plano de Zonificação de Lima Metropolitana 19771990. Porém, poucas de suas intenções lograram concretizar-se.
66
serviços comunitários e os de promoção econômica) – feitos por profissionais
encarregados pela Prefeitura de Lima, os quais também apoiaram com assistência
técnica in situ (ZAPATA, 1996) – e os Planos de Desenvolvimento Urbano Integral
Local, elaborados a partir das iniciativas e aspirações dos próprios moradores que
tiveram uma participação ativa no processo de desenvolvimento de sua comunidade
em diferentes áreas, com a inovadora estratégia da “autogestão”16, que tem
permitido notáveis avanços em alguns bairros populares, tal como é o caso de “Villa
El Salvador” e “Huaycán”, situados nos cones Sul e Leste respectivamente na
cidade de Lima - Perú, sendo a primeira, quer dizer, a comunidade de Villa El
Salvador17 (1971) a que surgiu como a primeira experiência de barriada planificada e
que, em pouco tempo, deixou de ser um assentamento humano (favela) para se
desenvolver e transformar num distrito totalmente consolidado e reconhecido.
A política urbana de “barriada planificada e assistida” e o SINAMOS foi decrescendo
durante o subseqüente governo militar, a cargo do general Francisco Morales
Bermúdez (1975-1980), num momento que o Perú começou a atravessar uma crise
16
A autogestão é um termo muito utilizado pelos ideólogos da Revolução Velasquista, tem a
ver com a idéia de que o povo organizado dirija seu próprio desenvolvimento. (BURGA, 1989, p. 19).
Mas este termo já havia sido apropriado durante o governo do Prado.
17
No Perú, o fenômeno que inspirou algumas publicações, estudos e debates foi a
transformação em curto tempo do assentamento humano (favela) de Villa El Salvador em um distrito
(bairro institucional) consolidado, que se denominou autogestionário, no qual se transformou terrenos
eriazos em habitat urbano, e que se inscreve na política de ‘barriadas planificadas ou assistidas’ do
Estado que procurava a organização da população dos bairros populares para que mediante
estratégias de ‘autogestão’ e ‘co-gestão’ promovam o desenvolvimento integral de seu território. Foi
assim, que promoveu a ocupação ordenada, legal e particular de Villa El Salvador, na qual os
moradores aproveitando a conjuntura política se mobilizaram e conformaram uma organização sólida
que denominariam logo: “Comunidad Autogestionária de Villa El Salvador (CUAVES)” e que
trabalhava em função de quatro campos fundamentais de ação, chegando a formar cerca de 4000
organizações e mais de 100 grupos residenciais, reunidos por grupos de 16 quarteirões em torno a
uma praça central. A particularidade da CUAVES é que sempre manteve um diálogo estreito com o
Estado através do SINAMOS, e obteve resultados para suas necessidades e aspirações em curto tempo
(por exemplo no caso dos serviços públicos totais Villa El Salvador em menos 10 anos, à diferença de
outros bairros populares que se formaram na mesma época e obtiveram seus serviços só depois de 20
a 30 anos). Em poucos anos Villa El Salvador foi crescendo economicamente, apesar de, em certos
momentos não contar mais com o apoio do Estado pelas trocas sucessivas de governo, este recebeu
apoio por parte de ONGs e orçamento municipal, com os quais financiou a criação de áreas não
convencionais como uma zona agropecuária, um Parque Industrial e um Sistema de comercialização e
abastecimento de alimentos, que são a base que o mesmo povo gerou como parte de sua luta por
construir sua própria estrutura econômico-produtiva que lhe garanta o desenvolvimento integral do
distrito.
67
econômica, na qual os grupos urbanos de baixos recursos foram os que sofreram
com maior força as conseqüências de tal crise. Quer dizer, quando o general
Velasco foi derrocado por Morales Bermúdez, a maioria das reformas e políticas
urbanas que os militares anteriores tinham levado a cabo foram congeladas ou
haviam sido descartadas por este último, já que ele teve que assumir um número de
decisões econômicas difíceis e politicamente anti-populares, chegando inclusive a
enfrentar o movimento sindical, pressionado pela crescente inflação, os problemas
do pagamento da dívida externa, o FMI e o Banco Mundial, pelas quais teve que
tomar sérias medidas de austeridade. Isso levou à rápida perda da legitimação do
governo militar, ao desajuste de grande número de organizações vicinais que se
respaldavam em SINAMOS e a crescentes protestos contra o regime, que se
fizeram visíveis através de freqüentes e massivas greves, sendo a mais
representativa, a marcha organizada por 20.000 hab. de “Villa El Salvador” em
protesto pelo custo da água e pela ausência de professores nas escolas e de
serviços públicos de transporte (ZAPATA, 1996 e DIETZ, 2000).
A única iniciativa de política urbana que iniciou dentro do governo de Morales
Bermúdez e que foi continuada nos sucessivos governos de Belaúnde e do primeiro
mandato de Alan García foi a criação do Fondo Nacional de Vivienda - FONAVI,
(Fundo Nacional da Moradia) criado por decreto de Lei N° 22591 no ano 1979 e que
inicia sua existência legal a partir da administração do Banco de la Vivienda del Perú
(BANVIP), cuja finalidade era a de atender progressivamente à necessidade de
moradia dos trabalhadores contribuintes e em função de seus ingressos – mas, isto
excluía os trabalhadores informais ou aqueles de pouco ingresso mensal. Somado a
isto, o problema principal foi a ampliação de sua finalidade principal ou específica
(de moradia) para outros fins mais gerais como obras de acondicionamento da área
habitável, programas de habilitação urbana, obras de saneamento e eletrificação e
programas de desenvolvimento do habitat rural, dando preferência para este último
tipo de obras gerais e de maior envergadura, o qual foi uma das causas do
esgotamento dos recursos do fundo, que deveriam ser destinados principalmente ao
financiamento de moradias e que o que trouxe foi muitas dores de cabeça aos
fonavistas contribuintes, os quais iam perdendo cada vez mais a esperança e sonho
68
de ter sua “casa própria” ou a possibilidade de recuperar o seu dinheiro investido
durante muitos anos (Fonte: FONAVI em Liquidação18). Faz dez anos que o FONAVI
está paralisado, com o programa enfrentando a crítica dos trabalhadores que
realizaram mensalmente um pagamento com a expectativa de obter sua moradia
num futuro próximo e que até agora continuam esperando.
Em termos gerais, fazendo um resumo do período, se pode dizer que se começou a
notar um incremento nos déficits de moradia entre os anos 1961 e 1971, tendo uma
leve descida entre os anos de 1972 e 1980, para novamente continuar seu
incremento a partir de 1981. Este quadro se volta mais crítico ao fazer uma
avaliação mais profunda da problemática de moradia, analisando os déficits
qualitativos – a dizer, aquelas unidades de moradia em más condições por
deterioração, carência de serviços ou outras causas afins – e os déficits
quantitativos ou demográficos (ver tabela 2).
TABELA 2
DÉFICIT QUALITATIVO E QUANTITATIVO DE MORADIA A NIVEL NACIONAL,
URBANO E DE LIMA METROPOLITANA EM 1961, 1972 e 1981.
1961
CIFRAS DOS CENSOS
1972
1981
143080
85082
179159
- Déficit qualitativo
502653
694488
172763
- Total
2. URBANO NACIONAL
645733
779570
351922
NIVEL
1. NACIONAL
- Déficit quantitativo
(Demográfico)
- Déficit quantitativo
20635
63761
161733
- Déficit qualitativo
238673
316297
164839
- Total
259308
380058
326572
- Déficit quantitativo
10942
27834
81373
- Déficit qualitativo
110604
159237
92213
- Total
121546
187071
173586
3. LIMA METROPOLITANA
FONTE: CENSOS NACIONAIS DE POPULAÇÃO E MORADIA 1961, 1972 e 1981
ELABORAÇÃO: INADUR. Evaluación Integral de los Programas de Vivienda Ejecutados y/o
Promovidos por el Estado 1991.
18
Fonte pessoal obtida a partir do Memorando N° 133-2008-EF/43.90 pelo qual se me brindou a
informação correspondente ao Informe N° 015-2008-EF/43.90-CE proveniente do FONAVI em
Liquidação.
69
2.1.2. Período
planejamento
1980-1990:
início
do
modelo
convencional-tecnocrático
de
No Perú, desde inícios dos 80 até a atualidade, o Estado também começa a assumir
as
influências
da
concepção
neoliberal,
tentando
desenvolver
políticas,
majoritariamente orientadas à inserção do país nos novos ritmos da economia
global, o que implica adotar os enfoques neoliberais nas estratégias de ação do
Estado – principalmente na cidade de Lima – visando modernizar e criar uma cidade
mais atraente para a instalação de novas empresas e investidores estrangeiros.
O modelo neoliberal foi incorporado como estratégia desde o segundo governo de
Belaúnde (1980-1985), caracterizado pela “privatização das empresas estatais,
estímulos à inversão privada doméstica e internacional, redução de tarifas e
barreiras ao comércio” (DIETZ, 2000, p. 102), entre outras, que não tiveram efeitos
favoráveis ao estímulo da economia. Com respeito a suas políticas urbanas (como
no seu primeiro mandato) continuavam sendo principalmente, “projetos de inversão
a grande escala para a construção de moradias para a classe média, recebendo
menor atenção aqueles setores de baixos recursos”, quer dizer os assentamentos
humanos e bairros populares informais, os quais foram deixados a sua sorte;
inclusive “as iniciativas de Velasco, como a distribuição de títulos de propriedade nas
barriadas e a instalação de infra-estrutura básica, se retraíram” (DIETZ, 2000).
A única política de governo que apareceu em certo momento formando parte do
crescimento de alguns bairros populares foi o FONAVI, que era complementado com
a participação de outras entidades como o Banco Central Hipotecario, as Mutuales
de Vivienda, a Empresa Nacional de Edificaciones (ENACE), o Banco de Materiales
(BANMAT) – que construiu o maior número de unidades de moradia nos setores
populares entre 1980 e 1982, entre outras entidades vinculadas ao setor moradia.
Mas, cada qual tinha certas normas e requisitos que deveriam cumprir-se para a
aquisição de uma linha de crédito ou a aceitação como “contribuinte”, que muitas
vezes não facilitava o acesso à maioria de pobres urbanos, por outro lado, no caso
dos projetos estatais de ENACE, estes utilizaram entre 1980 e 1982 todos os
recursos do FONAVI para a construção quase exclusiva de edifícios multifamiliares
70
para setores médios e quando ingressaram eventualmente nos setores populares
com um ou outro projeto de moradia popular, se guiavam por determinados
protótipos de moradia que, em geral, não levavam em conta o contexto existente e
nunca se chegaram a integrar ao bairro ou urbanização à que se estavam inserindo,
porque não trabalhavam de forma integral senão por etapas (BURGA, 1989 e
ZAPATA, 1996); além disso, às vezes ocupavam áreas que não haviam sido
destinadas a moradia senão a outros fins públicos da comunidade (isto amparado
pela Lei N° 23283), gerando distorção e destruindo os modelos originais – sendo o
caso mais ressaltante a que se deu em Villa El Salvador. A todo o anterior se podem
somar todos os problemas que trouxe com os anos o FONAVI aos seus
contribuintes, já enunciados no período anterior.
Mas também se pode acrescentar que foi durante o presente governo de Belaúnde
que começa a iniciativa do Estado de:
[...] declarar de interesse público e de prioridade nacional a execução em
terrenos “eriazos” do programa denominado “Techo Própio” (TEPRO), baixo
a Lei N° 23948, cujo objetivo era de outorgar lotes de terreno eriazos a
pessoas naturais não proprietárias nem possuidoras diretas de imóveis
urbanos em nenhum outro lugar da República do Perú. Os lotes seriam
entregues com obras mínimas de execução imediata (Traço,
acondicionamento de vias e loteamento com demarcação com nodos
permanentes), sendo o regulamento do programa aprovado por D.S N° 00185-VC (INADUR, 1991, VADEMECUM del Estudio Integral de los
Programas de Vivienda ejecutados o promovidos por el Estado - Períodos
1969-1990).
A lei foi criada ainda durante o governo de Belaúnde, mas sua real implementação e
funcionamento começa a partir do governo de Alejandro Toledo, que abre uma
carteira de créditos distribuídos pelo Fondo Mi Vivienda (Fundo Minha Habitação),
organismo que faz parte do Ministerio de Vivienda, Construcción y Saneamiento.
Portanto,
o
funcionamento
do
programa
Techo
Próprio
será
abordado
posteriormente e de forma mais ampla durante o correspondente governo de
Alejandro Toledo Manrique.
Por outro lado, Belaúnde foi eleito “para governar uma sociedade que ao mesmo
tempo era propensa à participação e à mobilização” (em parte impulsionada ao
71
longo do governo militar de Velasco) e “que esperava e necessitava mais de parte
do Estado” (DIETZ, 2000, p. 218). No entanto,
[...] as estratégias neoliberais e as políticas de estabilização do FMI que o
governo de Morales Bermúdez tinha iniciado, produziram dificuldades
econômicas, especialmente nos bairros populares e grupos de baixos
recursos do país (DIETZ, 2000, p. 218).
De igual forma Belaúnde, na intenção de desenvolver algumas iniciativas de
organização comunitária ressuscitou o Cooperación Popular- Coop. Pop (sua
organização para o desenvolvimento comunitário do seu primeiro governo), mas
nunca teve suficientes fundos e nem chegou a existir efetivamente (DIETZ, 2000).
No ano de 1983, foi um ano de eleições municipais em todo o país e a Izquierda
Unida - IU, encabeçada por Barrantes, ganhou a alcaldía (prefeitura) de Lima e a
simpatia das classes baixas de Lima, já que ele instaurou uma quantidade de
programas destinados a beneficiar as classes baixas da cidade, um desses foi o
Vaso de Leche, destinado a beneficiar a um milhão de crianças limeñas por dia e
que ajudou a organizar a mais de 7500 comités (associações) para a implementação
do programa em todos os bairros populares e assentamentos humanos da cidade,
assim como a criação de comedores populares (restaurantes populares), programas
que ao pouco tempo se estenderam por todo o país (DIETZ, 2000). Também durante
seu governo e ao final de 1984, a população de menores recursos começou a
receber de novo o apoio direto do Estado a nível local, quer dizer, Barrantes e sua
nova administração promoviam a formação e desenvolvimento de alguns bairros
populares e comunidades, de acordo a sua política que propugnava o
desenvolvimento
e
proposta
de
modelos
de
organização
de
“empresas
autogestionárias” para a satisfação dos problemas de moradia em co-gestão com a
prefeitura; como no caso do atual distrito de Carabayllo e a Comunidad Urbana
Autogestionária de Huaycán, sendo esta última a que recebeu a atenção especial do
político visionário, que com idéias provenientes de experiências européias, queria
também, assim como em Villa El Salvador, começar a edificar uma espécie de
cidade-jardim ou cidade-empresa que fosse auto-sustentável em vários aspectos,
quer dizer a proposta partia de uma concepção urbanística e arquitetônica que
contemplava o valor social e organizativo como um aspecto fundamental na solução
72
física do problema da moradia popular, portanto teve uma grande influência no
crescimento e desenvolvimento do atual Centro poblado de Huaycán. (Fonte:
entrevista a dirigente da CUAH, 2008; INADUR, 1991, Sintesis Global del período
1980-1985 e TÁVARA, 2007)
O governo que segue a continuação foi o de Alan Garcia Pérez (1985-1990), quem
durante sua campanha prometeu reverter o enfoque ortodoxo e dedicar-se a
políticas e metas democráticas, mas só nos dois primeiros anos de seu governo se
apresentaram melhoras significativas em várias áreas chaves, como a expansão do
PNB. Em relação aos bairros populares, as iniciativas de governo se limitaram a
desenvolver quatro programas de assistência de emergência (no enfrentamento do
caos econômico) para oferecer emprego e ingressos aos grupos de mais baixos
recursos, estes foram: O PROEM, quem promovia emprego fora das enormes
restrições laborais, o IDESI, que promovia acesso ao crédito para micro-empresas
em áreas urbanas, o PAD, quem trabalhou com os comedores populares e ofereceu
uma ou outra infra-estrutura nos assentamentos humanos de Lima e por último o
PAIT, que deu emprego, mas só de caráter “temporário” a um grande número de
povoadores dos assentamentos para a construção de obras públicas (a maioria
monumentos faraônicos sem sentido), pagando-lhes salários mínimos. Todos
tiveram um começo vitorioso, mas as severas dificuldades financeiras dos anos
seguintes a 1987, as inadequações do aparato administrativo do Estado, assim
como a natureza politizada e freqüentemente clientelística do APRA de impor
controle sobre as organizações e movimentos populares foram os motivos do
fechamento de cada um destes programas (DIETZ, 2000).
Paralelamente, o Estado assume neste período uma atenção prioritária aos setores
de menores ingressos com a modalidade de “habilitação progressiva”, mas muito
destes projetos tiveram nos anos seguintes altos níveis de desocupação, por várias
razões: critérios técnicos errôneos ou a falta destes, respeito a sua localização ou
até o sobre-dimensionamento nos requerimentos reais da demanda da população
que dentro de um período de incremento da crise econômica, se encontrava no nível
73
ou abaixo do standard de subsistência, o qual fazia destinar o mais mínimo recurso
econômico ao rubro de alimentação. Também,
[...] os recursos do FONAVI durante o governo de Garcia, não só se
orientavam aos projetos de ENACE, SENAPA e aos financiamentos
correspondentes ao Banco de Materiales (BANMAT), como em 1982, senão
que se tinham diversificado em vários outros, de tal jeito que ENACE
absorveu o 51.4%, o BANMAT, as SEDAS e SENAPA o 8.8%, o PRATVIR
(Projeto para o Acondicionamento Territorial e Moradia Rural) o 4.4%, e as
mutuais de poupança e préstimo o 19.7% (INADUR, 1991, Sintesis Global
del periodo 1985-1990).
Quer dizer, os recursos exclusivos para o financiamento ou empréstimos para
moradias ficaram reduzidos neste período, sendo que o déficit de moradias se fez
mais crítico do que em períodos anteriores (1969-1979 e 1980-1985) (ver tabela 3),
podendo-se verificar isso ao fazer a análise da relação entre o incremento da
população e a oferta de moradia que outorgava tanto o Estado como o mercado
imobiliário (INADUR, 1991, Sintesis Global del período 1985-1990).
TABELA 3
AVALIAÇÃO DAS NECESSIDADES DE MORADIA EM
LIMA METROPOLITANA (PERIODOS 1969-1990)
PERÍODOS
OFERTA DE
MORADIA (*)
DÉFICIT ACUMULADO
NO PERIODO
1969-1979
252472
319275
1980-1985
131843
263827
1986-1990
120629
334800
(*) Oferta do mercado imobiliário mais oferta do Estado.
FONTE: CENSOS DE POPULAÇÃO E MORADIA 1961, 1972
e 1981.
ELABORAÇÃO PROPIA
A isto, pode-se acrescentar os abusos que se cometeram ao usar de forma errônea
a Lei N° 23283, utilizando para fins de moradia não só os terrenos urbanos de
propriedade do Estado, como também aqueles de propriedade privada sem uso, o
qual provocou uma série de denuncias e juízos que até a atualidade seguem
levando a cabo os proprietários de aqueles terrenos.
74
2.1.3. Período 1990-2008: continuação do modelo tecnocrático e surgimento de
novas concepções de planejamento
No âmbito metropolitano em geral, a atuação principal do Estado neste período de
tempo passa a estar voltada à construção de grandes complexos arquitetônicos de
comércio
e
negócios,
assim
como,
as
quase
obsessivas
propostas
de
melhoramentos ou construções de anéis e intercâmbios viários, avenidas e vias
expressas, baseados no segundo PLANDEMET - Plano de Desenvolvimento
Metropolitano de Lima e Callao 1990-2010 (plano urbano de perfil tecnocrático
elaborado durante a gestão do prefeito de Lima: Ricardo Belmont Cassinelli ao início
de 1990, mas que foi revisado, avaliado e atualizado ao final de 1991, junto com a
criação do Instituto Metropolitano de Planificación - IMP), ou nos “Planos
Estratégicos” Municipais – que vão mais no sentido do melhoramento das condições
econômicas e impulso produtivo ou empresarial do setor do que no aprimoramento
das condições de existência e desenvolvimento humano e social – muitas vezes não
vinculados à nenhum plano, caindo no esquema adotado por vários países, como
diria Maricato, das “idéias fora do lugar e o lugar fora das ideais” (MARICATO,
2000).
O PLANDEMET 1990-2010, que vigora até a atualidade, se criou com a finalidade
de combater as supostas tendências negativas do crescimento da Metrópole,
procurando o ordenamento urbano, que implica a: desconcentração funcionalterritorial metropolitana, o descongestionamento do Centro Histórico de Lima, a
elevação da densidade urbana e a incorporação “seletiva e programada” de áreas
de expansão urbana. Para começar, o esquema de desconcentração funcionalterritorial metropolitana fomenta a exclusão social e a segregação urbana, porque
localiza as principais atividades comerciais e financeiras à Área Central
Metropolitana, e de serviços de nível metropolitano ao eixo Lima - Miraflores (que
abarca as zonas onde vivem e trabalham as classes medias e altas de Lima), no
entanto, para as Áreas Urbanas Desconcentradas, que abarca os distritos menores
e os bairros populares (onde se localizam as classes baixas de Lima); o Plano só se
limita a enunciar a provisão de equipamentos e serviços de nível inter-distrital e
local, assim como a promoção de atividades econômicas nesses âmbitos – como se
75
fossem suficientes para o desenvolvimento daqueles setores – “com a finalidade de
diminuir os deslocamentos da população” há a Área Central e ao eixo Lima Miraflores, (limitando a livre mobilidade e escolha de realização pessoal de cada ser
humano), isto expresso claramente no mesmo PLANDEMET no Cap. V da
Concepção do Plano (IMP, 1990).
No referente à elevação da densidade urbana, o PLANDEMET propõe intensificar a
ocupação e uso da área urbana “ocupada” e o aumento da renda, quer dizer não
propõe maiores áreas de expansão urbana, exceto a incorporação “seletiva e
programada” de longo prazo e somente de formas de ocupação do solo ligadas a
atividades produtivas, especialmente os assentamentos humanos que organizem ou
se organizem em função de atividades agropecuárias e agroindustriais e sistemas
de
comercialização
alternativos
(dos
produtos
gerados
em
centros
de
aprovisionamento, mercados e férias) (IMP, 1990), de novo limitando a livre
organização comunitária, que poderia querer organizar-se a partir de outros fins que
reflitam os desejos e metas coletivas para o desenvolvimento comunitário, alias o
PLANDEMET supõe que a maioria das áreas para expansão urbana são férteis,
sendo que na realidade as áreas livres que tem diminuído com o crescimento
acelerado da cidade são em sua maioria terrenos de condição eriaza.
Mas fazendo uma revisão geral desde os anos 1990 até a atualidade, podemos
inferir que dos objetivos e finalidades para o qual foi concebido o PLANDEMET,
quase os únicos projetos realizados são aqueles referentes ao melhoramento dos
aspectos físico-espacial da cidade na Área central e eixo Lima - Miraflores
(remodelações
de
parques,
placas
e
avenidas),
mas,
principalmente
o
correspondente ao ordenamento viário (intercâmbios e anéis viários, avenidas, vias
expressas, etc.), como já foi abordado inicialmente. Sendo que, no caso especifico
dos bairros populares unicamente se restringe a propor uma ou outra obra pública,
mais que tudo equipamentos públicos comunitários e especialmente asfaltamento de
ruas e avenidas locais, é dizer tampouco oferece nenhum tipo de solução de nível
integral.
76
Tudo isso, somado ao perene e até cansativo discurso democrático, que também foi
incorporado na retórica do PLANDEMET em um de seus objetivos que propunha a
“incorporação das experiências de participação comunal no desenvolvimento urbano
da metrópole”, em lembrança, especialmente da experiência de Villa El Salvador,
mas este foi um mais dos objetivos que ficou só no papel, porque a nomeada
democracia, na modalidade que assumiu e assume na realidade não permite uma
participação popular plena nos espaços públicos e tampouco consegue um dialogo
direto entre Estado e população, onde se dê uma resposta imediata às exigências e
necessidades principais dos bairros populares ou assentamentos humanos, como no
caso do SINAMOS, durante o governo de Velasco. Os espaços públicos atualmente
e em sua maioria servem como um teatro para poder legitimar os processos políticos
vigentes, inclusive aqueles nos quais se debatem os orçamentos e os planos que
poderiam alterar as condições de vida e rumo das cidades. Portanto, nos anos 1990,
[...] a população dos bairros populares percebia a participação no âmbito
local, como um meio mais viável para sobreviver, que intentar extrair
recursos e atenção de parte do Estado, o qual se tinha convertido em uma
fonte pouco confiável de assistência [...] (DIETZ, 2000, p.233).
Também nos anos 1990, no marco da Agenda 21 Local, iniciou-se um processo de
construção de alianças entre autoridades locais, empresas e instituições públicas,
sociedade civil (ONGs19 e movimentos sociais) e associações empresariais (locais e
nacionais) para a construção dos Planos estratégicos locais ou municipais – já
nomeados no parágrafo inicial – mas pela metodologia e enfoque principalmente
econômico e empresarial ao qual vão dirigidos, nunca alcançaram a ter os
resultados, a magnitude de alcance e a continuidade que chegou a ter a experiência
comunitária da CUAVES com seu “Plano de desenvolvimento Integral de Villa El
Salvador”.
Apesar desse quadro, é preciso reconhecer que se criaram e se desenvolvem ainda,
no Perú, políticas que foram voltadas para resolver os problemas dos bairros
populares, mesmo que se restrinjam a alguns programas pontuais que não formam
19
Algumas das ONGs que vêm trabalhando de maneira participativa são: o Foro Cidades para a
Vida, desde 1997, com uma proposta do Projeto Manual de Agenda 21 Local para as cidades do Perú,
também CARE-Perú; e a partir dos anos 80, DESCO (Centro de Estudios y Promoción del Desarrollo).
77
parte de plano nenhum. Mas para explicar cada um destes programas e políticas
urbanas é preciso localizá-las dentro do correspondente período de governo no qual
começaram a serem implementadas, as principais são:
O programa COFOPRI – Comissão de Formalização da Propriedade Informal e o
RPU (Registro Predial Urbano) decorrente da Lei de Promoção de Acesso à
propriedade Formal (Dec.Leg. N°803), que surgiu no ano 1996 a partir da influência
das idéias de De Soto20 contando com a assistência e ajuda do Banco Mundial no
governo de Alberto Fujimori (1990-2000) – e que ainda continua em funcionamento
no atual governo de Alan Garcia – busca formalizar e integrar à população das áreas
informais ao mercado, implementando um sistema ‘paralelo’ desburocratizado e
expeditivo de formalização da propriedade, para converter em proprietários todas as
famílias ‘possecionarias’ dos assentamentos informais, a fim de que tenham livre
aceso ao mercado imobiliário formal e aos créditos, que lhes permitam acessar aos
serviços básicos e sustentar seu próprio desenvolvimento. (TURKSTRA, 2000 apud
ANEMIYA, 2003). Mas, apesar de todas as expectativas criadas, o programa por si
mesmo não integrou nem garantiu o desenvolvimento físico e socioeconômico dos
bairros onde se fez o processo de titulação. Na realidade, este programa:
[...] contradiz o processo de melhoramento urbano. Portanto, não se pode
afirmar que é o primeiro passo em um processo de inclusão urbana, mas
sim, de um processo legal de exclusão urbana. A formalização da
propriedade do solo tem “formalizado” estas famílias em sua condição de
excluídos (RIOFRÍO, 2006).
Além disso, não todos os moradores dos bairros populares adotam por acessar um
crédito, simplesmente porque uns não estão interessados e outros porque não
querem correr o risco de hipotecar sua moradia ou ficar amarrados a um crédito por
muitos anos, entre outros fatores a ser analisados mais adiante.
Outra das políticas do governo central que foi e continua sendo uma grande fonte de
ajuda social na implementação e desenvolvimento dos bairros populares e setores
20
O economista Hernando de Soto, no seu livro: “O mistério do capital”, explica a forma como o
imenso e inativo capital da propriedade informal integrado ao mercado formal pode garantir o
melhoramento econômico dos pobres urbanos e, portanto do país.
78
de baixos recursos, não só das áreas urbanas como também rurais, é o
FONCODES - Fondo Nacional de Compensación y Desarrollo Social, criado a partir
do Decreto Legislativo N° 26157 no ano 1991, com um enfoque de política de
desenvolvimento com ênfase na luta contra a pobreza, também dentro do governo
de Alberto Fujimori e continuado nos sucessivos governos de Alejandro Toledo e o
atual governo de Alan Garcia; cujo objetivo central é de financiar a execução de
Projetos de Inversão Social, em todo o país, preferencialmente o fomento do
emprego, desenvolvimento de obras de saneamento, de programas de saúde, de
educação, fomento à micro-empresa e a atenção de situações de emergência. O
fomento do emprego se dá através da geração de capacidades que possibilitem
elevar os ingressos das famílias pobres e a eventual contratação temporária de
mão- de-obra local, quer dizer da mesma comunidade organizada onde se executa a
obra de beneficio social21.
Com respeito ao tema de promoção de emprego temporário podemos citar a
continuação o Programa social produtivo urbano “A trabajar urbano” (A trabalhar
urbano), criado por Decreto de urgência N° 130-2001 já dentro do governo de
transição de Valentín Paniagua (2000-2001) surgindo como parte de uma medida de
emergência à recessão econômica de mais de quatro anos, que durou até fins de
2001. Este programa continuou nos sucessivos governos de Alejandro Toledo e no
vigente governo de Alan García, apenas mudou de nome para o Programa de
emergência social produtivo “Construyendo Perú” (Construindo Perú), mas estando
sempre voltado à geração de ingressos temporários oferecendo emprego aos
moradores e moradoras das comunidades para o co-financiamento de obras
públicas que incentivem o desenvolvimento local22, porém principalmente obras
simples e de curta duração, portanto o trabalho deles acaba quando terminar cada
obra, e tampouco existe uma continuidade imediata de uma obra a outra, portanto
não conduz a uma estabilidade econômica.
21
Fonte pessoal obtida a partir da descarga do Decreto de Lei publicado no diário oficial “El
Peruano”, assim como da pagina web do programa Foncodes: http://www.foncodes.gob.pe/.
22
Fonte pessoal obtida a partir da visita à pagina web do programa Construyendo Perú:
http://www.construyendoperu.gob.pe/.
79
A respeito dos projetos de habitação, o Estado que era o encarregado dos
financiamentos e créditos para subvenção de moradias no período anterior de 19801990, os abandona neste período, preferindo transferir ao mercado o papel de
distribuidor de recursos e inversões para o desenvolvimento do solo urbano e a
construção de moradias (ANEMIYA, 2003), como é o caso do Fondo MiVivienda
S.A. (Fundo Minha Habitação), que é uma empresa de direito privado, criada em
1998 no governo de Alberto Fujimori (e que continua suas funções até hoje),
mediante Lei N° 26912 e compreendida sob o âmbito do Fondo Nacional de
Financiamento de la Actividad Empresarial do Estado - FONAFE, adstrita ao
Ministerio de Vivienda, Construcción y Saneamiento. A partir disso o Estado tem
oferecido através do Fondo MiVivienda programas de habitação básica, sendo o
mais representativo e com maior auge durante os últimos anos, mas que se inicio a
partir do governo de Alejandro Toledo, o programa Techo Própio (Teto Próprio) que
permite acessar a um lote numa área de expansão urbana e que está dirigido a
famílias que recebem uma renda ‘conjugal’ equivalente a três salários mínimos ou
que contam com pelo menos 10% do preço da obra em poupança23, mas requer um
processo extenso de aprovação tanto do projeto como das famílias, que muitas
vezes deixa na incerteza a muitas delas, e por outro lado tem sido aproveitado em
beneficio particular dos promotores imobiliários, as quais fazem mal uso dos
recursos destinados às moradias, barateando na construção das mesmas.
Outro dos programas de habitação que corresponde também ao Fondo MiVivienda e
que foi incorporado dentro do atual governo de Alan Garcia é o Proyecto Mi Hogar,
mas este já não é dirigido às famílias de menores recursos, porque para acessar um
crédito destes, as exigências no referente ao salário mensal são maiores
(aproximadamente 4 salários mínimos ou mais dependendo do valor da moradia)
entre outros, exigidos pelas Instituições Financeiras (Bancos, edpymes, caixas
rurais, caixas municipais, cajás de poupança e Crédito, entre outras.) 24, quer dizer
23
Fonte pessoal obtida a partir da visita feita ao local do Fondo MiVivienda S.A. , assim como
de sua pagina web: http://www.mivivienda.com.pe/.
24
Fonte pessoal obtida a partir da visita feita ao local do Fondo MiVivienda S.A. , assim como
de sua pagina web: http://www.mivivienda.com.pe/.
80
este programa principalmente é dirigido às famílias de classe média, assim como
eram os projetos de habitação da época de Belaúnde.
Também ainda se desenvolve o programa de financiamento para a autoconstrução,
construção e ampliação de moradias com empréstimo de materiais, através dos
créditos outorgados pelo Banco de Materiales (BANMAT)
25
, empresa estatal de
direito privado fundada no ano 1980 por Lei N° 23220, dentro do segundo governo
de Belaúnde e que funciona até a atualidade (INADUR, 1991, VADEMECUM del
Estudio Integral de los Programas de Vivienda executados ou promovidos pelo
Estado - Períodos 1969-1990). O Banco de Materiales, no inicio, utilizava os
recursos do FONAVI para o financiamento de moradias principalmente nos bairros
populares e chegou a ser considerado como o organismo que prestou maior ajuda a
estes setores (INADUR, 1991, Sintesis Global del período 1980-1985), mas que nos
últimos anos incrementou o tipo de requisitos necessários para ser credor de um de
seus créditos, assim como os juros mensais, impossibilitando a disponibilidade de
acesso da maioria de população dos setores populares. Por outro lado, um
inconveniente que sempre afetou aos solicitantes de financiamento é a demora pelo
processo longo dos trâmites burocráticos prévios à aprovação dos expedientes para
a aquisição do empréstimo, além disso, têm existido casos de clientelismo político
na aprovação de determinados projetos, nepotismo na colocação de funcionários do
banco ou de determinados financiamentos, entre outros não tão esclarecidos, como
malversação de recursos.
Já durante o penúltimo governo de Alejandro Toledo (2001-2006), continuam se
desenvolvendo os projetos de FONCODES, os programas A trabajar urbano e,
sobretudo com maior ênfase o programa Techo Próprio. Alem disso, no ano 2001,
se incorpora um novo programa do Ministerio de Vivienda, Construcción y
Saneamiento, nos referimos ao programa Mi Barrio (Meu Bairro), dirigido á
população dos bairros urbanos populares para melhorar de forma “integral” o seu
entorno habitacional e condições de vida, com obras de infra-estrutura urbana,
serviços de água e esgoto, pistas e calçadas, serviços comunais e áreas verdes,
25
Pagina web do BANMAT: http://www.banmat.org.pe/.
81
mediante o financiamento compartido e a participação conjunta do Governo Central
(através do Ministerio de Vivenda), governo local e comunidade do bairro em
inversões e intervenções de natureza física, social, ambiental, legal e institucional,
assim como a realização de ações de desenvolvimento social e comunitário26. Este
programa ainda que começasse com muitas expectativas não chegou a ser
implementado em muitos bairros populares, isso talvez se deva ao fato de que não
se chegaram a concretizar os esforços e recursos conjuntos entre os atores
responsáveis, portanto os objetivos principais do programa que eram de luta contra
a pobreza, precariedade urbana e integração física, social e econômica destes
bairros à cidade, só se resolveram de forma mínima.
Agora analisando o panorama geral de uma perspectiva mais ampla, existe uma
evidência preocupante, no sentido que não se tem um Plano Integral de
desenvolvimento de Lima Metropolitana que oriente a transformação sócio-espacial
da cidade, no sentido amplo da palavra “desenvolvimento”, quer dizer, que permita
um melhoramento não só das condições físicas, econômicas e legais, como
também, sociais, ambientais e culturais de “toda a cidade metropolitana”, quer dizer,
incluindo a todos os setores sem exceção, só existem planos de desenvolvimento
urbano a nível distrital, que na sua maioria se revelam inconsistentes e
improvisados. Aliás, como já sabemos o documento do qual se rege na atualidade a
Municipalidade de Lima é o PLANDEMET 1990-2010, mas que só consiste num
plano urbano metropolitano de corte tecnocrático, que não propõe nenhuma solução
aos problemas dos crescentes assentamentos humanos e bairros populares, e
unicamente se restringe a propor ao interior destes, uma ou outra obra pública, mas
que tudo referente a equipamentos públicos comunitários e, sobretudo asfaltamento
de ruas e avenidas, porém tampouco se oferece nenhum tipo de solução ao tema do
déficit de moradias e de emprego, nem do desenvolvimento das capacidades
humanas e sociais.
26
Fonte pessoal obtida a partir da visita feita ao local do Ministerio de Vivienda, Construcción y
Saneamiento, assim como da pagina web do programa Mi Barrio: http://www.vivienda.gob.pe/
mibarrio/.
82
Nessa perspectiva crítica, vale à pena destacar duas propostas ou alternativas que
foram elaboradas em Lima e que podem ser consideradas como parte das novas
concepções
de
planejamento
urbano,
mas
que
efetivamente
não
foram
implementadas ou ficaram inconclusas. Essas são o “Plano Integral de
Desenvolvimento Metropolitano” (1997) e “Por uma Lima e um Callao Verdes”
(2007), que junto às experiências brevemente abordadas da “Comunidad
Autogestionária de Villa El Salvador” e a “Comunidad Autogestionária de Huaycán”,
parecem tentativas no sentido de buscar realizar cidades mais justas, igualitárias,
democráticas e sustentáveis, já que incorporam em suas diretrizes e propostas,
aspectos que se aproximam da nossa concepção e ideário do que consideramos
como Planejamento Integral Urbano Sustentável. Por esta razão, estas experiências
e propostas serão apresentadas mais detalhadamente, assim como avaliadas no
capítulo seguinte.
2.1.4. Linha do tempo das políticas urbanas para bairros populares no Perú
Conforme ao desenvolvido anteriormente, podemos notar que as políticas urbanas
dirigidas aos bairros populares no Perú apresentaram e apresentam ainda
características particulares, que foram agrupadas em três modelos de intervenção
correspondentes a determinados períodos de tempo, compreendidos entre os anos
50 até a atualidade.
Ao interior destes períodos, as políticas urbanas para bairros populares no Perú
(representadas em planos, programas e projetos) sofreram diferentes mudanças
conforme os sucessivos períodos de governo, mostrando serem na maioria dos
casos políticas de curta duração ou que ficaram inconclusas, mas que em outros
casos vigoraram por muitos anos, sendo que algumas ainda funcionam na
atualidade, no entanto poucas destas tenham mudado só de nome.
Portanto, para efeitos de mostrar uma ilustração mais clara do inicio, funcionamento
e vigência das políticas urbanas para bairros populares no Perú, oferecemos na
continuação um gráfico à maneira de resumo (Gráfico 2) donde elaboramos “a linha
do tempo” das políticas urbanas anteriormente apresentadas no subcapítulo 2.1.
GRÁFICO 2
83
84
2.2.
Avaliação crítica das políticas implementadas para o desenvolvimento
dos bairros populares no Perú.
A principal dificuldade das políticas urbanas para bairros populares enunciados
anteriormente – que vai mais além dos problemas internos ou de funcionamento das
mesmas – é que não formam parte de uma política ou plano integral de
desenvolvimento, quer dizer não contam com uma visão holística que abarque todas
as esferas sócias e âmbitos de desenvolvimento, de forma participativa e
sustentável, portanto, como expliquei no inicio, só permitem resolver alguns
problemas dos bairros populares, deixando sem solução outros também relevantes.
Por conseguinte, não chegam a solucionar de maneira efetiva a problemática da
cidade, decorrente da crescente pobreza urbana, do processo de exclusão,
marginalidade e da apropriação desigual do espaço social urbano.
Mas tentando avaliar por períodos de governos, podemos denotar que durante o
primeiro período analisado, a atuação do Estado em relação aos bairros populares –
ou nas denominadas “barriadas” populares – não chegou a representar um
desenvolvimento integral e substantivo nas condições de vida dos moradores dos
bairros populares nos quais se introduziu políticas de tipo “assistencialistas”. A
“barriada” por si mesma era pensada como “a solução” naquela época de contínuas
migrações da população da serra e selva à capital limeña, quer dizer existia uma
política de permissividade da ocupação horizontal, mas sem que se previsse
nenhum
tipo
de
programa
de
moradia
popular
para
estas,
portanto
a
“autoconstrução” e construção espontânea vinham a ser a única solução viável que
encontravam os mesmos moradores para enfrentar o déficit de moradia. A partir
dessa realidade existente, o Estado e suas políticas “assistencialistas” só
intervinham no interior destas barriadas ou bairros populares para tentar “curar os
erros já cometidos”, quer dizer, da forma e condições de desordem e insalubridade
em que já se encontrava a ocupação informal, como conseqüência da omissão do
poder público. Portanto, as intervenções realizadas, referentes às políticas de
remodelação, saneamento e legalização só lograram solucionar uma parte dos
problemas, mas em geral o que fizeram foi incrementar e consolidar ainda mais a
problemática existente; a isto se pode adicionar a falta de programas de promoção
85
do emprego e a ausência da participação ativa da população nas intervenções
realizadas. Com efeito, o não compromisso com a inclusão social bloqueava as
oportunidades de acesso à cidadania da população dessas áreas, que percebiam
como inalcançáveis a realização de seus propósitos à nível pessoal e como
comunidade.
Dentro do mesmo primeiro período avaliado, das políticas assistencialistas
passamos ao tipo de política correspondente às “barriadas planificadas e asistidas”
cujo exemplo mais representativo vem a ser a Comunidade Urbana Autogestionária
de Villa El Salvador e que guarda semelhança com a política de desenvolvimento de
bairros populares promovida posteriormente durante o governo municipal de Lima de
Alfonso Barrantes, com a proposta de modelos de organização “autogestionários”,
cujo caso mais representativo é a Comunidade Urbana Autogestionária de Huaycán.
Em relação a estes casos, ainda que tenham se traduzido em um par de
experiências pontuais, e apesar de ter-se inserido durante conjunturas políticas de
características particulares, nas quais a população teve que adaptar-se ou enfrentar
determinadas condições ou situações do sistema de governo, as propostas iniciais
para aqueles bairros populares como parte das políticas do Estado, tem tido um
enfoque mais holístico ou integral para atender os temas de desenvolvimento para
estas áreas, buscando de alguma maneira atender aos aspectos ou âmbitos físicoespacial, legal, econômico, cultural e social dos moradores e sua comunidade.
Nessas experiências, ressalta-se a particularidade desses diferentes âmbitos de
desenvolvimento serem trabalhados conjuntamente com a população local buscando
continuamente sua participação ativa e, portanto a inclusão social, assim como
também sua inserção no espaço territorial-metropolitano. Mas, ao nosso ver
infelizmente, este tipo de políticas não foi continuado nos sucessivos governos pelas
continuas mudanças de tipos de governo e pelos diversos enfrentamentos às crises
econômicas dos anos seguintes.
O período seguinte, que corresponde ao inicio do modelo convencional-tecnocrático
de planejamento, está caracterizado em linhas gerais pela influência da concepção
neoliberal, que se reflete em suas políticas urbanas pontuais e desvinculadas de
86
qualquer plano, voltadas, majoritariamente, a atender principalmente ao capital
privado nacional e estrangeiro com uma atenção menor para os bairros populares e
setores de baixos recursos. Para começar, em relação às políticas pontuais
referentes aos programas de habitação popular, o governo, desde o início deste
período até hoje, tende a cair no erro de colocar em mãos de Bancos ou instituições
de direito privado, quer dizer nas mãos do mercado, a administração e distribuição
dos fundos para moradia de interesse social – sejam de fontes nacionais ou
estrangeiras, provenientes dos organismos de cooperação internacional ou de
agencias de fomento multinacionais. Isto outorga a estas instituições o direito de
colocarem a seu critério, taxas de interesse e juros muito acima do “bolso” dos mais
pobres, ou senão requisitos que não contemplam as condições de vida de grande
parte da população que necessita acessar crédito para sua habitação. Portanto, a
maioria dos projetos de habitação popular de iniciativa do governo, mas a cargo das
diversas instituições privadas, quase sempre é voltada para o atendimento das
classes medias, ou só esteve ao alcance destas.
Por essa razão, programas como o FONAVI
27
(Fundo Nacional da Moradia), que se
encontrava sob a administração do Banco de La Vivienda Del Perú (BANVIP) e era
complementado com a participação de entidades como o Banco Central Hipotecario,
as Mutuales de Vivienda, a Empresa Nacional de Edificaciones (ENACE) e o Banco
de Materiales (BANMAT) não chegaram a cobrir a demanda de moradia popular,
que incrementou consideravelmente entre os anos 1980 e 1990. Exceção deve ser
feita ao BANMAT28, que com a modalidade de habilitação progressiva construiu o
maior número de unidades de moradia nos setores populares entre 1980 e 1982, em
contraponto com o programa ENACE que na mesma época se voltou principalmente
para a construção de edifícios multifamiliares para classe média. Por outro lado, a
construção de moradia popular – pela mesma preferência do capital e da
administração privados – tem sido encarregada a consultorias e empresas
27
Além dos problemas particulares que o FONAVI trouxe consigo nos anos seguintes e que já
foram abordados anteriormente no final do período 1950-1980 e a inícios do período 1980-1990.
28
Além dos inconvenientes que o BANMAT gerou aos prestamistas desde o ano 2002, assim
como sua vinculação direta com os partidos de governo vigentes, já abordado dentro do período 19902008.
87
construtoras privadas, as quais sempre inventam estratégias para ganhar um
excedente ou lucro acima do normal, seja através do barateamento de materiais de
construção, de mão de obra inexperiente e mal paga, ou de formas ineficientes de
construir. É por uma destas razões que o programa Techo Próprio (Teto Próprio)
não tem coberto ainda a demanda de moradia nem obtido os resultados nem os
objetivos propostos inicialmente, embora seja o projeto que mais êxito teve –
sobretudo no penúltimo governo de Alejandro Toledo – pela sua maior facilidade de
acesso das camadas sociais mais pobres.
Na continuação do modelo tecnocrático de planejamento, o exemplo mais
representativo da política urbana desenvolvida foi o Plano de Desenvolvimento
Metropolitano de Lima - PLANDEMET 1990-2010, que consiste num plano urbano
de corte e perfil técnico, quer dizer, onde são definidos unicamente instrumentos
técnico-normativos
orientados
ao
desenvolvimento
físico
da
metrópole
(principalmente das áreas que considera mais importantes: Área central e eixo Lima
- Miraflores) e que não propõe elementos para o desenvolvimento integral da cidade
como um todo, incluindo a sua população em geral. Em nossa opinião, este plano
fomenta, com efeito, a segregação urbana e a exclusão social, afastando os setores
populares das áreas centrais e mais bem providas da cidade, com medidas e
instrumentos que reprimem a liberdade destas pessoas de poderem fazer suas
próprias escolhas de vida.
O prosseguimento do modelo tecnocrático se caracteriza por uma maior expansão
de políticas pontuais, quer dizer aqueles programas ou projetos específicos feitos
para determinados fins, mas que não se integram ou não formam parte de nenhum
plano que os organize ou os oriente. Portanto, ainda que se tenham criado
programas com o fim de promover o desenvolvimento ou melhoramento “integral”
dos bairros populares, tal como Meu Bairro (Mi Barrio) e Construindo Perú
(Construyendo Perú), na realidade estes só oferecem solução a uma parte dos
problemas que atingem os bairros populares (com obras só de natureza física) e não
abrangem outros âmbitos importantes para um real desenvolvimento destas áreas,
tentando resolver déficits importantes como o desemprego, a falta de moradia, de
88
acesso a uma adequada saúde, educação, cultura, participação cívica, capacitação
em diferentes áreas, entre outros.
Outro exemplo importante para trazer ao debate vem a ser a política pontual de
regularização fundiária ou titulação, o caso do programa COFOPRI (influência de De
Soto) – motivo de alguns debates e análises por críticos tanto nacionais como
estrangeiros. Se bem que é um fato que este programa vem titulando desde 1996
grande parte dos proprietários de lotes dos bairros populares e favelas, contando
inclusive com a assistência e ajuda do Banco Mundial, o COFOPRI não conseguiu
cobrir as expectativas nem os objetivos para os quais foi criado, e isso por diversas
razões com as quais concordamos e que já foram avaliadas tanto na tese de
Anemiya (2003) como no livro de Riofrío (2006), podendo-se destacar algumas:
Primeiro, a titulação não permite uma inclusão ou integração real destes bairros à
cidade e tampouco garante o desenvolvimento físico do bairro, nem o
desenvolvimento socioeconômico das famílias; segundo, a titulação não resultou ser
suficiente para acessar um crédito, nem garantir a capacidade de reembolso do
prestatário, pelas mesmas condições de pobreza que limitam suas oportunidades
reais de aceso ou de manutenção do crédito; terceiro, o incremento do valor do
prédio e da renda (produto de um bem inscrito e legalizado), frente às condições de
pobreza, pode levar inclusive às famílias a perder seu bem e a um maior
desamparo. Finalmente, ao passar da “tenencia” ou “posse” à “propriedade”, existe o
risco de abandono temporal do lote (dando este para outros fins e usos que
permitam ao proprietário um incremento na sua renda, enquanto este mora em outra
área da cidade) e a quebra do compromisso pelas melhorias do bairro, reduzindo a
coesão social e diminuindo a participação comunal para a produção de serviços e
obras importantes para o melhoramento do hábitat e a qualidade de visa das
pessoas que habitam nela.
Em suma, as políticas urbanas para bairros populares que se implementaram de
forma separada, não vinculadas a um plano integral que os envolva, não chegaram
na realidade a produzir um desenvolvimento significativo para aquelas áreas, só
chegaram a alcançar, e em algumas partes, as metas de acordo aos fins para as
89
quais foram criadas. Apesar de tudo anteriormente dito, vale a pena destacar as
propostas de “Plano Integral de Desenvolvimento Metropolitano” e “Por uma Lima e
um Callao Verdes”, que – apesar do primeiro ser uma proposta que foi paralisada e
da outra ainda estar em fase de aprovação – incorporaram em suas diretrizes e
propostas aspectos característicos do que concebemos como um planejamento
integral urbano sustentável, que busca uma melhora significativa nas condições de
vida dos bairros populares e da cidade como um todo, abrangendo vários âmbitos e
temas de desenvolvimento, trabalhados também com a preocupação de manter sua
viabilidade através do tempo, e a inclusão e a participação democrática de todos os
atores sociais.
90
CAPÍTULO III - ANÁLISE DAS EXPERIENCIAS DE PLANEJAMENTO URBANO
INTEGRAL PARTICIPATIVO E SUSTENTÁVEL NO PERÚ
O objetivo desse capítulo é desenvolver alguns estudos de casos, tomando duas
experiências e duas propostas representativas da incorporação de princípios do
Planejamento Integral Urbano Sustentável, executadas na cidade de Lima,
abordando primeiro os casos da “Comunidad Urbana Autogestionária de Villa El
Salvador” (CUAVES) e a “Comunidad Urbana Autogestionária de Huaycán” (CUAH)
– observando em cada um destes, suas respectivas gêneses, históricos, impacto no
desenvolvimento urbano, principais avanços e resultados obtidos, a importância da
conjuntura política no seu desenho, concepções expressas, atores sociais
envolvidos, retóricas utilizadas e conflitos ocorridos. Além disso, buscou-se analisar
as propostas do “Plano Integral de Desenvolvimento Metropolitano” e “Por uma Lima
e um Callao Verdes”, observando também nestas suas respectivas gêneses,
princípios ou diretrizes, assim como os principais avanços e bloqueios ou conflitos
ocorridos.
Imediatamente,
após
as
abordagens
de
cada
um
dos
casos
apresentados, se faz uma avaliação destas com base no modelo construído de
planejamento integral urbano sustentável, buscando descobrir os principais
bloqueios, limites e conquistas de todas as modalidades. Por fim, nossa intenção foi
concluir com uma análise para identificar os fatores da efetiva inserção e
implementação deste tipo de políticas para o PIUS.
É nesse capítulo que se pretende explorar a hipótese que o planejamento integral
urbano sustentável e participativo traz melhores resultados, pelo menos sob o ponto
de vista da inclusão social e da promoção do direito à cidade, do que um
planejamento tecnocrático ou convencional. Aliás uma conjuntura política particular
do governo pode permitir uma maior organização e participação política dentro dos
bairros populares através do desenvolvimento sócio-espacial.
91
3.1. A “Comunidad Urbana Autogestionária de Villa El Salvador” (CUAVES) Impacto no desenvolvimento urbano, conquistas e resultados alcançados.
“Porque nada tenemos lo haremos todo” (CUAVES, 1971).
A CUAVES, na realidade, foi o nome que deram os primeiros habitantes e
impulsores de Villa El Salvador à organização popular democrática que se formou na
primeira etapa da historia e formação do agora consolidado distrito de Villa El
Salvador.
A CUAVES é o maior distrito popular de Lima, com uma população estimada atual
de 402.809 habitantes29 e que se configura como a primeira experiência de política
urbana correspondente às “barriadas planificadas e assistidas”, considerada também
como a experiência de auto-organização popular de bairro mais importante na
historia do urbanismo de Lima, já que possui características especiais no que diz
respeito a sua organização e planejamento urbano, via o desenvolvimento integral
do bairro e sua população. Além disso, pode ser tomada como um exemplo efetivo
de coordenação entre o Estado, a comunidade e as organizações não
governamentais, na busca deste desenvolvimento.
Sendo assim, para obter um enfoque mais amplo da experiência da Comunidade
Urbana Autogestionária de Villa El Salvador, que depois nos ofereça elementos úteis
que nos ajudem a reconhecer os fatores chaves de inserção e implementação deste
tipo de políticas, assim como também na avaliação final desta mesma,
consideramos importante abordar os aspectos de gênese, história, importância da
conjuntura política no seu desenho, organização sócio-territorial, principais
conquistas e resultados alcançados, impacto no desenvolvimento urbano, retóricas
utilizadas, papel dos atores públicos, instituições civis e representantes do
movimento social, assim como os conflitos ocorridos através do tempo.
29
Fonte: Elaboração feita pela Direção Técnica de Demografia - INEI, oficina general de
estadística e informática – MINSA, a partir do CENSO NACIONAL DE POBLACION 2005 – INEI.
92
A fundação de Villa El Salvador e a conjuntura política e social
A historia de Villa El Salvador inicia um 27 de Abril de 1971 com uma invasão de
mais de duzentas pessoas na zona de Pamplona, pertencente ao distrito de São
Juan de Miraflores localizada a 13 kms. ao sul do centro de Lima, à qual se
somaram pouco a pouco um grande contingente de pessoas procedentes das zonas
tugurizadas30 do centro de Lima, dos excedentes de outros assentamentos humanos
e favelas ou simplesmente aqueles que tinham necessidade de moradia, chegando
a somar nove mil pessoas aos dois dias da primeira invasão. Este sucesso se deu
durante o governo militar do general Velasco Alvarado, que se bem não era
democraticamente eleito, se caracterizou por ser um governo militar diferente, de
orientação esquerdista e que experimentou com políticas socialistas, redistribuitivas
e reformistas dirigidas pelo mesmo Estado.
No entanto, o ministro do interior Armando Artola, que pertencia a uma linha de
oposição do governo, decidiu usar a repressão para despejar aos invasores, mas ao
não conseguir seus propósitos pela força e união que colocaram os ocupantes da
invasão para não ser removidos do lugar, este optou por deter aos principais
organizadores da invasão, em momentos que já se tinha avançado com o Ministério
de Moradia em temas de reassentamento e cadastramento. O impacto que teve
estes fatos violentos na opinião pública, junto à pressão exercida pelos proprietários
daqueles terrenos ante o governo, o crescimento em aumento da população limeña
e a mobilização da Igreja católica a favor dos despossuídos sob a liderança do
Monseñor Barbarén (que também foi preso por Artola) fizeram com que o presidente
Velasco tomasse a decisão, primeiro, de demitir Artola de seu cargo, libertando o
bispo e, segundo, se propusesse a tarefa de apoiar aos invasores elaborando uma
solução imediata aos seus problemas, principalmente de moradia.
A soma de todos esses acontecimentos descritos, somado à força que colocou a
30
As zonas tugurizadas podem ser explicadas como áreas amontoadas, de espaços reduzidos e
sem critério formal que caracterizam algumas moradias (que no caso de Lima se localizam,
maiormente no centro da cidade) nas quais vivem mais famílias da densidade aceitável (nº de famílias
por unidade de moradia).
93
mesma população por melhorar suas condições de vida e a vontade do próprio
presidente de buscar uma saída para os problemas daquela população, pode-se
dizer, de acordo com alguns autores como Riofrío e Zapata (RIOFRÍO, 1991;
ZAPATA, 1996) foram as principais causas do surgimento desta particular
experiência de planejamento urbano e autogoverno popular, que se aproxima aos
princípios do que consideramos um planejamento integral, sustentável e
democrático.
Voltando de novo à historia de VES, a solução do governo consistia em reassentar
aos invasores de Pamplona para uma área de expansão urbana correspondente à
Tablada de Lurín, na qual se respeitariam os usos para os quais tinham sido
destinadas aquelas áreas (residencial, industrial e florestal), em base ao primeiro
PLANDEMET de 1967. Nesta nova área de terreno se lhes ofereceria todo o apoio
que fosse necessário para sua instalação; foi assim, que Velasco aproveitando a
situação que se lhe apresentava, decidiu experimentar in situ um projeto novo que
tinha em mente, referente à criação de uma “cidade modelo para os mais pobres”
que se constituísse como o “modelo de sociedade urbana” que sonhava para o Perú.
Paralelamente, um dos mais importantes dirigentes de VES, Antonio Aragón, queria
também transformar a VES numa Comunidade Urbana Autogestionária, chegando
até convencer aos mesmos funcionários de SINAMOS31 de que os títulos de
propriedade deviam ser coletivos e estar nas mãos das instituições populares
representativas da comunidade, aliás, ele via a cooperação como mecanismo para
conquistar um futuro melhor para os que careciam de tudo (ZAPATA, 1996).
Foi assim que o governo, tendo como meta a construção deste novo “modelo de
cidade para os mais pobres” implementou a política de “barriadas planificadas e
assistidas” e encarrega a tarefa de planejamento urbano e desenho de VES a uma
equipe de jovens profissionais da UNI32 encabeçados pelo Arquiteto Miguel Romero,
31
Explicou-se dentro do capítulo II, pag. 59, que SINAMOS era uma agencia especial do Estado
durante o governo militar, encarregada de organizar e brindar apoio às comunidades, e através da
qual se desenvolvia uma relação direta entre o poder político e os setores populares, já que cumpria a
função de canalizadora na formulação de demandas da população, sempre e quando esta também
guardasse certa lealdade partidária.
32
UNI: Universidad Nacional de Ingeniería.
94
que trabalhavam nas repartições públicas vinculadas à questão dos bairros. Por
outro lado, Jorge Carbonell, que estava a cargo dos projetos que o Estado apoiava a
nível local colaborou muito com as iniciativas de Aragón e juntos levaram adiante o
plano de desenvolvimento integral que buscava realizar as idéias das quais nasceria
a CUAVES (ZAPATA, 1996).
A CUAVES, sua organização e o planejamento urbano
A “Comunidade Urbana Autogestionária de Villa El Salvador” - CUAVES, como se
explicou no inicio, foi o nome com que foi constituída a instituição popular
representativa do assentamento humano de Villa El Salvador pelos seus principais
dirigentes comunitários, depois de duas grandes assembléias acontecidas no ano de
1973. Pouco depois, o Estado deu reconhecimento oficial à nascente organização a
fim de que esta pudesse realizar todas as atividades necessárias para seu
desenvolvimento (ZAPATA, 1996), mas que encaminhasse suas demandas através
da agencia especializada do governo, o SINAMOS.
As siglas de “CUAVES” envolvem dois conceitos muito importantes de analisar: O
primeiro termo, “comunidade”, tem a ver com uma instituição andina de longa
tradição, com uma sólida organização baseada na ajuda mútua, não só no que se
refere ao âmbito social senão também produtivo. O segundo termo, “autogestão”
reforça o dito sobre a comunidade no que se refere ao aspecto da gestão. Este
termo – muito utilizado pelos ideólogos da Revolução Velasquista – tem a ver com a
idéia de que o povo organizado dirija seu próprio desenvolvimento (BURGA, 1989).
Os fins e objetivos da CUAVES, segundo seu primeiro estatuto eram os de:
Procurar o desenvolvimento humano e social de acordo a valores solidários,
comunitários de liberdade e justiça, gerar uma base produtiva e suporte
econômico, através das empresas de propriedade social de produção e
outras de serviços comunais, aperfeiçoando seus mecanismos de
autogoverno local como expressão revolucionária de uma democracia de
participação plena e contribuir permanentemente para alcançar e consolidar
uma sociedade socialista humanista libertaria (CORONADO, 1996, p. 28).
95
Para alcançar estes objetivos se desenhou uma trama urbana particular que
respondia ao funcionamento de uma estrutura orgânica eficiente constituída pela
mesma população. A trama urbana (ver Gráfico 3) tem uma estrutura homogênea
em base a repetição de uma célula básica, esta vem a ser o “módulo urbano ou
grupo residencial” (ver Gráfico 4) e baseado neste módulo foi que se começou a
urbanizar VES com a conformação inicial de 100 grupos residenciais. Cada grupo
residencial tem as seguintes características: está constituído por 16 manzanas
(quarteirões) – cada manzana por sua vez é composta por 24 lotes de 140m² (7 x
20m.) cada uma – organizadas ao redor de um espaço livre, chamado de “parque
central”, reservado para a construção de um equipamento (quadra esportiva, local
pré-escolar, clube de madres, sala de reunião, biblioteca, etc.), pensado para ser
propriedade coletiva do “grupo residencial”, sendo o produto do trabalho cooperativo
dos moradores do grupo.
GRÁFICO 3
NC
PLANO URBANO DE FUNDAÇÃO DE VES
GRÁFICO 4
GRUPO RESIDENCIAL DE VES
Fonte: Elaboração própria em base ao Plano N°7 do livro de Jorge Burga et al (1989), p. 25.
96
GRÁFICO 4
GRUPO RESIDENCIAL DE VES
Este tipo de organização da trama urbana tem permitido que cada grupo residencial
funcione desde o inicio como “pequenas comunidades urbanas”, isto pela
combinação de duas formas de propriedade: a familiar sobre o lote e a comunal
sobre o equipamento a ser construído no parque central, que guardava semelhança
com a experiência comunal que muitos tinham tido nas comunidades andinas de
onde a maioria provinha. Assim mesmo, cada um dos pequenos equipamentos
construídos progressivamente em cada um dos grupos residenciais tem sido produto
do trabalho coletivo e se constituíram no elemento coesivo das relações no interior
do grupo residencial.
No referente à estrutura orgânica da CUAVES, elaborada em base à trama urbana
descrita, esta era distribuída em três níveis de autogoverno local: a) Comitê de
manzana (quarteirão); b) Junta diretiva central do “Grupo Residencial” e c) A
assembléia geral de delegados. Os organismos de autogoverno e administração
comunal eram: a) A assembléia geral de delegados; b) O conselho executivo
comunal; c) O comitê de vigilância; d) Os conselhos da área econômica: Produção,
serviços e comercialização; e) Os conselhos da área social: Educação, saúde e
previsão social; e f) Organismos de apoio: Comitê de planificação, unidade
97
econômica financeira, unidade de administração geral, comitê de assessoramento e
comitês especiais.
Esta estrutura funcionava da seguinte maneira: cada manzana (quarteirão) tinha
seus delegados, os quais se reuniam periodicamente e prestavam contas ante a
diretiva do correspondente “Grupo residencial”. Por sua vez, a CUAVES reunia os
delegados de todos os grupos residenciais a participarem eventualmente das
assembléias gerais de delegados para discutirem sobre temas mais abrangentes
referentes a problemas da conjuntura política, mas principalmente aqueles que
tinham a ver com o desenvolvimento físico, econômico, ambiental e social da
comunidade. Isto favoreceu a que, durante vários anos vigora-se a chamada “cultura
de assembléia”, somado ao caráter democrático que sempre caracterizou esta
organização.
Voltando ao planejamento urbano, o Arquiteto Romero, além do desenho da zona
residencial correspondente à trama urbana homogênea em base a repetição do
“módulo ou núcleo residencial” e, respeitando os usos de solo destinados para a
área de terreno destinada a VES segundo o PLANDEMET de 1967, considerou
importante desenhar uma zona residencial vinculada a uma zona industrial, para o
qual projetou 380 ha. como reserva para a construção de um parque industrial,
projetando também as zonas agropecuária e de praias, assim como a previsão de
uma área de 36 ha. para a localização do parque zonal metropolitano (ver Gráfico 5).
Finalmente, a retórica que acompanhou a fundação de VES, referente ao
planejamento de uma cidade “autogestionária” junto com a linguagem da “autoajuda”, com sua especial incidência na “cooperação” e no progresso a ser alcançado
através do trabalho foram decisivos na formação da consciência comunal do
assentamento (ZAPATA, 1996).
98
GRÁFICO 5
PLANO DE ZONIFICAÇÃO DE VES
Fonte: Programa Urbano DESCO -2002
A CUAVES e seu impacto no desenvolvimento urbano - principais conquistas e
resultados alcançados
Apesar de ter havido épocas difíceis na historia da CUAVES, com vários problemas,
avanços e retrocessos na sua organização e no desenvolvimento urbano, o balanço
é bastante positivo, quando se pode constatar que é o assentamento humano que
mais logros e resultados obteve num período muito curto de tempo em relação a
outros assentamentos.
Assim também, o uso do planejamento e a participação popular em cada uma das
etapas do projeto integral de desenvolvimento, junto com os avanços nos serviços
99
básicos, educação e saúde, sobretudo, tem servido como guia para a ação em
outras experiências de bairros populares (RIOFRÍO, 1991).
Podemos começar dizendo, que uma das causas principais do impacto que Villa El
Salvador teve no desenvolvimento urbano, desde o início, foi primeiramente o tratarse de uma barriada que foi previamente planificada e que, portanto contava e conta
até agora com um acondicionamento territorial e desenho urbano eficiente, que
permitiu o crescimento ordenado de VES e a construção de equipamentos
comunitários excepcionais em nível de bairros populares em Lima Metropolitana –
como é o caso do Parque Zonal Metropolitano Huáscar, que abastece não só à
população de VES, senão a todo o cone sul de Lima. A isto contribui também, como
parte do desenho urbano, sua estrutura modular homogênea, baseada no “grupo
residencial”, que constitui a unidade urbanística e organizativa mais importante do
projeto, já que permitiu a conformação e funcionamento da CUAVES, como
organização representativa de toda a comunidade.
Em segundo lugar, a existência de uma organização autônoma e uma população
com uma identidade própria e uma força inigualável para lutar pelas adversidades
trabalhando via o desenvolvimento do bairro e o melhoramento de sua qualidade de
vida, fizeram o possível para que os projetos básicos de mais urgência na fase
inicial, como instalações das redes de água, esgoto e eletricidade, se
concretizassem num curto período de tempo (em 8 anos já se tinha avançado nos
setores 1, 2 e 3, que constituem 80% da área residencial), assim como também a
construção de locais para educação e saúde, já que os primeiros dirigentes viam a
educação como “a força libertadora que abriria a porta da prosperidade e ajudaria a
sair da pobreza”; e a saúde, trabalhando por ela, se estaria “lutando contra todos os
fatores limitantes do desenvolvimento físico e social do homem” (RIOFRÍO, 1991).
Em geral muitas de suas retóricas e concepções expressas desde o início pelos
seus principais dirigentes, como a de construir uma cidade autogestionária,
acompanhada de frases como: “porque nada temos, faremos tudo” e aquela outra de
“antes que casas....fábricas, saúde social e parque industrial para o desenvolvimento
100
comunal” – que apontavam a trabalhar dentro do projeto de autogoverno comunitário
para a instalação rápida dos serviços e equipamentos urbanos, assim como para a
criação de fontes de trabalho – foram fatores que mantiveram a população motivada
e autoconfiante, a fim de trabalhar pelo alcance de cada um dos seus objetivos
propostos. Isto, apesar dos problemas externos que iam se apresentando pela
mudança de governos e a crise que piorava e atingia cada vez mais à população
dos setores populares. Portanto, nos momentos que o Estado não oferecia nenhum
tipo de apoio a VES, foi a mesma população que retomou os projetos e propostas
iniciais e começou a caminhar por si mesma (BURGA, 1989).
As principais conquistas e resultados que VES obteve desde o inicio até a atualidade
e que produziram um impacto no desenvolvimento urbano e na vida dos moradores,
podem ser citados na continuação:
O primeiro é a CUAVES mesma, quer dizer a organização vem a ser o principal
logro, já que deu à população desde o inicio, a força social necessária para
desenvolver um projeto integral, autônomo e solidário; já que um fator que sempre
distinguiu a esta organização é seu espírito cooperativo, sua capacidade
representativa e democrática, e por outro lado, sua vocação pela planificação;
traçando constantemente metas e estabelecendo programas para alcançá-las.
Em segundo lugar, a trama urbana de VES estimulou e facilitou a organização social
de base, porque distribuiu espacialmente a população na forma de pequenas
comunidades, isto graças a seu desenho modular, que facilitou a reunião e ajudou a
definir a identidade comum da população, porque generalizou um padrão de conduta
onde o essencial era a cooperação para a construção de um equipamento coletivo
no nível de “grupo residencial”, equipamento que como já se explicou anteriormente,
era projetado no centro de cada grupo residencial (ZAPATA, 1996).
Em terceiro lugar, o desenvolvimento alcançado no referente à infra-estrutura
educativa, devido a que o tema da educação, como foi explicado anteriormente, era
uma das metas iniciais dos primeiros fundadores de VES, por sua importância na
101
luta contra a pobreza. Foi assim, que desde o inicio se conformaram comitês próescola, onde participavam todos os moradores maiores de idade, dando quotas e
realizando atividades pró-fundos para a construção das escolas. Isto permitiu que
cerca de 70% da infra-estrutura educativa e do mobiliário do ensino fundamental e
médio tenham sido produto das contribuições e trabalho da mesma população. A
isso se soma alguns financiamentos provenientes da UNICEF que fizeram possível
alcançar desde o ano 1971 até a atualidade os resultados que podem apreciar-se na
tabela 4 a seguir.
TABELA 4
N° DE CENTROS EDUCATIVOS PÚBLICOS E PRIVADOS EXISTENTES
EM VILLA EL SALVADOR (2008)
SECTOR
NÍVEL
TOTAL
PÚBLICO
PRIVADO
•
Educação Infantil
42
20
62
•
Ensino Fundamental
05
18
23
•
Ensino Médio
04
08
12
•
Educação Especial
01
-
01
•
Institutos Educativos
Superiores e Centros
Ocupacionais
03
08
11
55
(50.4)
54
(49.5)
109
(100)
TOTAL
(%)
FONTE: PADRÃO DE CENTROS EDUCATIVOS E PROGRAMAS EDUCATIVOS
EM 11 DE MARÇO DE 2008 E CENSO ESCOLAR 2006 - MINEDU.
ELABORAÇÃO PRÓPRIA.
Outro dos resultados mais satisfatórios no que diz respeito à educação foi o nível de
identidade com VES gerada tanto nos estudantes antigos como novos, já que houve
sempre uma preocupação para que as crianças conheçam a sua comunidade, a sua
organização e os princípios e valores comunitários que esta defende, e isto se deu
graças ao labor dos professores e dos mesmos pais de família, logrando que nas
novas gerações ainda se perceba esse amor por VES (RIOFRÍO, 1991).
Em quarto lugar, é importante mencionar o desenvolvimento alcançado no que diz
respeito ao tema da saúde, onde seus avanços não só se deram em relação à infra-
102
estrutura senão também nas ações preventivas e educativas que formavam parte do
“Plano Único de Saúde”, documento elaborado como grande iniciativa popular nos
primeiros anos de VES pelo mesmo Conselho de Saúde da CUAVES, mas que só
chegou a ser aprovado no ano de 1985 com a participação de toda a população, o
setor de saúde do Estado e as ONG’s especializadas comprometidas em seu apoio.
Trabalhar pela saúde também constituía uma das metas iniciais propostas pela
CUAVES, já que esta queria chegar a “estabelecer uma relação entre saúde, bemestar da população e conseqüentemente, a justiça social” (RIOFRÍO, 1991). Foi
assim, que graças também aos trabalhos comunitários, o auxílio de materiais da
UNICEF e nos últimos anos do Estado, VES obteve amplos resultados que podem
ser vistos na atualidade (Ver Tabela 5).
TABELA 5
NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS
DE SAÚDE EXISTENTES EM VILLA EL SALVADOR (2008)
TIPO DE ESTABELECIMENTO
Nro
•
Postos médicos de saúde
13
•
Hospitais
05
TOTAL
18
FONTE: OFICINA GENERAL DE ESTADÍSTICA E INFORMÁTICA – MINSA
ELABORAÇÃO PRÓPRIA.
Em quinto lugar, cabe destacar como já foi anunciado anteriormente, a rapidez com
que foram instaladas as redes de água, esgoto e eletricidade, logrando-se um
avanço de 80% da área residencial em apenas 8 anos, em relação a outros
assentamentos ou bairros populares nos quais estes serviços só chegaram entre 15
e 30 anos depois de sua fundação, como nos casos do distrito de San Martin de
Porres e Tablada de Lurín. Na atualidade se conta com a totalidade de serviços
básicos cobertos em toda a área residencial e industrial projetada nos primeiros
planos urbanos, incluindo a trama urbana feita por ENACE e o bairro de
Pachacamác. Mesmo assim, segundo dados do censo e da Municipalidade distrital
103
de Villa El Salvador, ainda falta cobrir as áreas de ocupação informal de pouco
tempo de formação (ver Tabelas 6, 7 e 8).
TABELA 6
ABASTECIMENTO DE ÁGUA DE VILLA EL SALVADOR
EM 2008
Categorias
Rede pública dentro da moradia
Rede pública fora da moradia, mas
dentro do edifício
Reservatório de uso público
Carro-pipa ou similar
Poço
Rio, acéquia, manancial ou similar
Outro
Total
Casos
%
56.298
78,08%
1.143
1,59%
2.211
10.183
552
2
1.718
72.107
3,07%
14,12%
0,77%
0,00%
2,38%
100,00%
Fonte: Censo 2005 – X de População e V de Moradia – INEI.
TABELA 7
ABASTECIMENTO DE ESGOTO DE VILLA EL SALVADOR
EM 2008
Categorias
Casos
Rede pública dentro da moradia
Rede pública fora da moradia, mas
dentro do edifício
Poço séptico
Poço cego ou negro / latrina
Rio, acéquia ou canal
Não tem
Total
%
56.775
78,74 %
1.003
1,39 %
1.121
11.263
15
1.930
72.107
1,55 %
15,62 %
0,02 %
2,68 %
100,00 %
Fonte: Censo 2005 – X de População e V de Moradia – INEI.
TABELA 8
ABASTECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA DE VILLA EL SALVADOR
EM 2008
Categorías
Casos
%
Eletricidade
Querosene (pavio / lâmpada)
Petróleo / gás
Vela
Gerador
Outro
Não tem
Total
65.849
229
43
1.643
10
3.748
585
72.107
91,32 %
0,32 %
0,06 %
2,28 %
0,01 %
5,20 %
0,81 %
100,00 %
Fonte: Censo 2005 – X de População e V de Moradia – INEI.
104
Em sexto lugar, se pode contar também como conquista a porcentagem alcançada
de PEA33 ocupada que trabalha no mesmo distrito de VES, o valor corresponde a
54.7%, de acordo ao informe estatístico sobre o mercado de trabalho de Lima - Sul
do ano 2006 feito pelo MTPE - Observatório Socioeconômico Laboral Lima Sul. Esta
cifra de trabalhadores de VES constitui um resultado positivo caso se leve em conta
um dos objetivos principais a se propôs a CUAVES desde o inicio, como parte de
seu Plano de desenvolvimento integral, que consistia em criar fontes de trabalho
para os moradores, construindo um micro-circuito econômico que potencializasse
seu desenvolvimento. Mas, é necessário indicar, que o objetivo foi alcançado ainda
que não todo o PEA esteja relacionado ao tema micro-empresarial industrial como
se pretendia no inicio, podendo-se verificar no informe estatístico sobre o mercado
de trabalho de Lima - Sul do ano 2006 feito pelo MTPE, no qual de 69591 jovens
ocupados de VES, a maior porcentagem destes se localiza no ramo da atividade de
comércio e serviços (66.9%), seguido pela atividade industrial ou micro-empresarial
(21.6%) e depois à de construção civil (6.6%), entre outras (Ver gráfico 6).
GRÁFICO 6
VES: JOVENS OCUPADOS SEGUNDO RAMA DE
ATIVIDADE, 2006
Jovens Ocupados: 69591
Fonte: Convenio MTPE-PROPOLI-CS. OSEL Lima Sul. Encuesta de
Hogares Especializada em Níveis de Emprego. Dezembro 2006
Elaboração: MTPE – Observatório Socioeconômico Laboral Lima Sul.
33
PEA: População Econômicamente Ativa.
105
Em sétimo lugar, em relação ao item anterior, se pode contar também que Villa El
Salvador tem respondido ao desafio de sobrevivência criando suas próprias fontes
de ocupação (num inicio o constituíam as empresas comunais, mas logo de sua
falência foram aparecendo de forma considerável os trabalhadores por conta própria
ou independentes), isso apesar da crise que golpeou a organização e a comunidade
pelas sucessivas mudanças de governos.
Em oitavo lugar, se pode nomear a efetiva coordenação desenvolvida ao longo da
historia da VES, – apesar dos problemas políticos que iam apresentando-se pelas
sucessivas trocas de governos – entre o Estado, a comunidade (CUAVES) e as
organizações não governamentais, quando se tratava de construir ferramentas e
diretrizes que orientassem na busca do desenvolvimento integral e sustentável de
Villa El Salvador e sua comunidade (RIOFRÍO, 1991).
Em nono lugar, a nível cultural se criou um Centro de Comunicação Popular - CCP,
promovido pelos mesmos dirigentes da fase inicial de VES. Este centro cultural com
o passar dos anos foi sendo implementado e adaptado, assim o teatro popular que
no inicio era uma atividade espontânea e leve, passou desde finais dos anos 70 a
ser constituído por uma equipe permanente de atores locais, o que permitiu que
através do CCP, Villa El Salvador tivesse bastante influência dentro e fora do distrito,
graças ao nível profissional de seus trabalhos, que permitia uma vinculação e
intercambio de experiências com outros jovens de outros bairros populares de Lima.
Inclusive se conseguiu que a UNESCO declarasse ao CCP “projeto piloto de
comunicação popular”, o qual permitiu receber alguns financiamentos que
permitiram por sua vez pagar alguns programas de rádio em uma estação local e
outras atividades (ZAPATA, 1996).
E por último, a experiência de VES constitui um exemplo para outras comunidades
já que é o primeiro bairro popular que pensou e desenhou um plano integral e
participativo de desenvolvimento34, buscando abranger e atender todos os aspectos
34
O uso do planejamento e a participação social estiveram sempre presentes em cada uma das
etapas do projeto integral (RIOFRÍO, 1991).
106
possíveis – estabelecendo diretrizes com suas respectivas estratégias para os
campos econômico, político-institucional e ideológico-cultural, reforçados com
políticas específicas de desenvolvimento urbano, desenvolvimento industrial, saúde,
alimentação, comercialização, educação, cultura e recreação; promovendo dentro
destas vários outros aspectos específicos, principalmente o referente ao tema de
emprego e renda local (CORONADO, 1996) –, em favor tanto da comunidade como
de sua população, a fim de obter uma melhora significativa na qualidade de vida
destas pessoas, assim como um maior acesso às oportunidades que lhes
permitissem alcançar seus objetivos pessoais e coletivos.
Papel dos atores públicos, instituições civis e representantes do movimento social no
desenvolvimento de VES
Primeiro podemos começar falando do papel que cumpriram os atores públicos na
experiência de VES, quer dizer a importância da atuação do Estado com sua
agencia especializada do governo, o SINAMOS; que como já foi abordado em partes
anteriores da tese, teve uma influência fundamental na formação, organização e
desenvolvimento inicial de VES. Quer dizer, a formação de VES se deu durante uma
conjuntura política particular, correspondente ao governo militar do general Velasco
Alvarado, caracterizado por ser um governo militar diferente, de orientação
esquerdista e que experimentou com políticas socialistas, redistributivas e
reformistas; ligado à especial simpatia que este sentia pelos setores populares,
segundo alguns observadores como Villanueva, Einaudi, Moreira e Velasco
(DIETZ,1986). Sendo assim, durante seu mandato se promovia a organização
comunal, o qual constituiu um impulso importante para a realização do projeto de
autogoverno popular da comunidade de Villa El Salvador, como um modelo
experimental de planejamento urbano do Estado, no qual o mesmo presidente
(Velasco Alvarado) colocou seu maior interesse e atenção, em razão a todos os
eventos acontecidos em torno a sua formação e para o qual ofereceu todo seu apoio
técnico e moral, a fim de que chegasse a ser a “cidade modelo para os mais
pobres”, que funcionasse autogestionariamente e se constituísse no “modelo de
sociedade urbana socialista” que sonhava para o Perú (ZAPATA, 1996).
107
Este sonho foi complementado com o SINAMOS que, além de ser um intermediário
entre a população e o governo, sua função consistia também em transmitir a
ideologia35 de Velasco, estimulando a participação popular para juntos formarem a
primeira “comunidade autogestionária” que não só resolvesse os problemas de
moradia e serviços, como também estivesse ligada às atividades produtivas
(BURGA, 1989). Mas principalmente, o SINAMOS foi instrumental na conformação
de uma tradição de participação coletiva nos assuntos da comunidade (ZAPATA,
1996). Foi assim, que esta agência do governo conseguiu a meta de mobilizar
grandes quantidades de pessoas de Villa El Salvador, os quais motivados criaram
uma organização eficiente que representou a toda a comunidade, a CUAVES; e foi
através desta organização que a população de VES propôs metas e construiu
diretrizes para alcançar seu desenvolvimento integral (DIETZ, 2000).
A continuação, para explicar qual foi o papel que desempenharam as instituições
civis no desenvolvimento de VES, devemos especificar que nossa abordagem está
referida basicamente ao tipo de atuação que tiveram as ONGs, algumas
universidades e instituições de cooperação internacional durante o processo de
formação e desenvolvimento desta comunidade. Para começar, tanto as ONGs
como as instituições de cooperação internacional foram importantes aliadas desde
os anos 80, já que atuaram como intermediárias na realização de determinadas
metas ou projetos traçados – como parte do seu primeiro Plano Integral de
Desenvolvimento elaborado pela CUAVES –, não só apoiando através de recursos
econômicos ou oferecendo parte da infra-estrutura necessária para a implementação
ou consecução de algumas destas metas ou projetos (principalmente os
relacionados ao equipamento social e as redes sanitárias e elétricas), como também
contribuíram
em
outros
trabalhos,
como
assessoramento
no
plano
de
desenvolvimento urbano; assistência técnica para a construção de moradias e
35
A ideologia que Velasco queria transmitir através do SINAMOS era a de que a população bem
organizada, em comunidades autogestionárias poderia avançar na constituição de cidades-empresa
com vocação industrial e que seria capaz através de seu máximo esforço de alcançar seu próprio
desenvolvimento. Velasco queria formar através de SINAMOS, organizações sociais que pudessem
oferecer o apoio necessário no autodenominado “Governo Revolucionário das Forças Armadas”, para
esta finalidade o SINAMOS enfatizou na educação, saúde, produção e serviços, como atividades nas
que a população organizada teria algo que dizer e que fazer para alcançar seu desenvolvimento.
108
canais de abastecimento de água; capacitação popular em diversas áreas e temas
(sobretudo o tema micro-empresarial ou de empresas comunitárias); criação de
alguns projetos de educação, saúde36 e programas de apoio ao setor informal; assim
como também, a elaboração de vários estudos, pesquisas e censos referentes aos
temas de população, moradia, saúde, educação, emprego e renda, entre outros.
As principais ONG’s que trabalharam no desenvolvimento de VES são: CIDIAG
(Centro de Informação e Desenvolvimento Integral da Autogestão), CEPROC
(Centro de Promoção Comunal), UNICEF, Cáritas, CARE-Perú, FOVIDA (Fomento
da Vida), TIPACOM (Ateliers infantis projetados para a comunidade), Tierra de
Niños, CIED (Centro de Investigação, Educação e Desenvolvimento) e DESCO
(Centro de Estudos e de Promoção do Desenvolvimento). Todas elas atuaram em
diversos momentos e em diversos temas de acordo a sua especialidade, inclusive
algumas ainda continuam fazendo labores neste distrito, como é o caso de DESCO.
Por outro lado, Villa El Salvador se articulou com outros países através de processos
de hermanamiento ou formou irmandades com oito cidades européias, através das
quais obteve financiamentos para a construção de algumas obras sociais, de
limpeza pública e de tratamento de água, assim como na implementação de projetos
culturais. Além disso, se pode destacar a diferença das ONGs, que os recursos
provenientes, tanto das instituições de cooperação internacional como das
hermandades chegava diretamente ao governo local, quer dizer à municipalidade
distrital de VES, sem intermediários, o que facilitava o uso e administração imediata
daqueles recursos.
Por outro lado, é importante também mencionar o papel que desempenharam
algumas universidades no desenvolvimento de VES, refiro-me ao engajamento
desinteressado dos estudantes das áreas de arquitetura e engenharia das
universidades San Marcos, Ricardo Palma, UNI e Católica que também apoiaram
desenvolvendo planos e brindando assistência técnica ou assessoramento in situ
aos moradores, para a construção de algumas moradias, escolas, centros de saúde,
36
O auxílio das ONGs foi um dos elementos que possibilitaram a elaboração do Plano Único de
Saúde (PLUS) em VES.
109
locais comunitários, mercado, entre outros. Isto, em coordenação com a mesma
população interessada e de acordo com as suas necessidades, a qual através da
própria oficina de engenharia da CUAVES colocava estas necessidades no papel e
promovia os projetos em coordenação direta com os estudantes.
Finalmente, é necessário pôr especial atenção ao papel preponderante que
exerceram os representantes do movimento social, principalmente a CUAVES, na
formação e desenvolvimento de Villa El Salvador, já que sem a força, a capacidade
organizativa, sua vocação pela planificação, assim como, o sentimento que
colocaram em cada um dos seus empreendimentos e atos, não seria possível
alcançar os resultados que marcam este importante distrito do sul de Lima.
Não devemos esquecer que na fase inicial de VES, a população organizada através
da CUAVES construiu diretrizes e objetivos de desenvolvimento, aos quais lhe
correspondiam determinadas ações ou projetos, que constituíam as demandas que
logo eram canalizadas através da oficina especializada do governo, o SINAMOS,
mediante a qual se desenvolvia uma relação direta entre a população e as
autoridades do governo, sendo várias destas demandas atendidas em troca de
fidelidade política. Mas esta forma de atuação passiva e dependente por parte da
população acabou nos anos de 1974, com o fim do governo do general Velasco
Alvarado, já que o governo também militar que lhe procedia do general Morales
Bermúdez congelou todas as políticas reformistas e socialistas que Velasco vinha
desenvolvendo com os setores populares. Assim mesmo, os governos posteriores a
Bermúdez tampouco deram muita atenção aos setores populares, quer dizer o
Estado deixou de ser mais uma fonte de ajuda e assistência para estes,
desenvolvendo-se a partir disso uma “autogestão” por parte dos próprios
povoadores.
Foi então, a partir dos anos 75 que a população de VES não ficou de braços
cruzados esperando uma resposta por parte do Estado, senão que imediatamente
se mobilizou para continuar desenvolvendo e alcançando as metas e objetivos que
se tinha proposto na sua fase inicial, via a construção de uma comunidade
110
autônoma e integral que não dependesse necessariamente do sistema capitalista.
Esta mobilização se deu através do trabalho e esforço conjunto dos próprios
moradores ou para referirmos nos termos que eles utilizavam na “autogestão” da
mesma população organizada (DIETZ, 2000), a qual buscava os meios para o
alcance dos objetivos e metas; e isto o fazia, investindo seu tempo, dinheiro e
energias em atividades comunais ou dialogando diretamente com outros países e
instituições de cooperação internacional na busca de financiamentos, os quais
permitiram a consecução de varias das metas e projetos propostos pela CUAVES.
Ao anterior se deve ressaltar o espírito de cooperação e o sentimento identitário que
acompanhou a população de VES, sentimento que foi transmitido de geração em
geração, fazendo possível que a juventude atual ainda sinta orgulho de morar e
formar parte deste distrito. A isto se devem acrescentar os valores que
caracterizavam os habitantes e representantes do movimento social de VES,
sobretudo no que se refere à solidariedade, fraternidade e confiança, tanto nas
relações dentro da comunidade, como desta com o exterior. Estes sentimentos
compartilhados lhes permitiram trabalhar unidos, apoiando-se mutuamente em
busca do mesmo horizonte, que era o desenvolvimento integral de sua comunidade.
Os déficits e conflitos ocorridos através do tempo na CUAVES
O primeiro grande conflito e crise comunitária que sofreu a VES está diretamente
relacionado ao fim do governo do general Velasco Alvarado e a conseqüente
tomada de poder do também militar e premier Francisco Morales Bermúdez, que
cancelou todas as políticas reformistas e socialistas para com os bairros populares
que tinha experimentado o anterior mandatário, deixando também de apoiar às
organizações sócias, que no caso de Villa El Salvador constituía a CUAVES.
Por outro lado, em pouco tempo de mandato do general Morales, a crise econômica
tinha aumentado, junto ao crescimento da inflação, mas o governo em vez de buscar
uma solução adequada a este grave problema achou que uma das formas de
encarar a crise era contraindo a demanda, que para ele consistia em primeiro,
111
enfrentar o movimento sindical que tinha sido fortalecido no governo anterior e
segundo, cortar toda classe de ajuda para com os setores populares. Por essa
razão, sua forma de atuar estava caracterizada pela repressão constante aos
dirigentes das organizações sócias, principalmente as de maior hierarquia, como a
CUAVES. Isto ocasionou em VES, por um lado, um período de estancamento nas
metas e projetos que estavam avançando, somado ao incremento das dívidas pelos
empréstimos a diferentes instituições que o governo anterior se tinha comprometido
a pagar e que o atual não queria assumir. Por outro lado, esta situação também deu
lugar a constantes mobilizações e marchas de protesto por parte da população de
VES ante o Estado – dando-se a passagem de uma etapa de colaboração da
população para com o Estado a uma etapa de ruptura e ênfase na demanda e
conflito para com este –, algumas destas com resultados favoráveis, mostrando sua
capacidade de luta e de exigência.
O segundo conflito está relacionado diretamente ao ponto anterior, quer dizer, surge
a partir da eliminação da proteção do Estado (durante o governo de Morales
Bermúdez) para com os projetos de desenvolvimento econômico de VES e,
sobretudo aqueles caracterizados por serem de propriedade social. Isto ocasionou a
quebra de dois projetos que tinham sido promovidos pela CUAVES e apoiados
durante o governo de Velasco, refiro-me à Caixa Comunal de Poupança de VES e a
maioria das empresas comunais (no caso destas últimas também se atribui à má
gestão interna e à escassa especialização destas), que já permitiam à população
contar com um ingresso que lhes permitia de certa forma canalizar e financiar
algumas obras de urbanização local (ZAPATA, 1996).
O terceiro conflito tem a ver com a desordem ocasionada na trama original de VES,
pela imposição de um padrão tradicional de loteamento que vinha efetuando o
Estado a partir dos anos 80, através da Empresa Nacional de Edificações – ENACE.
Este novo padrão urbano de loteamento não contemplou o contexto, portanto
ocasionou um rompimento tanto físico como organizativo, quer dizer, tanto a
descontinuidade e, portanto destruição do modelo original, que estava funcionando
de forma eficiente, como a desarticulação da própria organização, que não podia
112
continuar usando o esquema organizativo de grupo, manzana e lote, em torno a uma
área e equipamento em comum (RIOFRÍO, 1991 e ZAPATA, 1996). A nova trama
urbana de ENACE não conta com uma organização definida, assim mesmo, suas
áreas de equipamento se localizam de forma indefinida ou improvisada, já que não
se previu especialmente áreas de reserva para estes fins, portanto, as que estão
previstas no plano não contam com nenhum tipo de critério funcional. Em resumo,
ENACE descontinuou um traçado urbano que tinha funcionado de forma bastante
exitosa e que na época já tinha uma reputação bastante estendida, o qual ocasionou
em VES, problemas de integração interna entre dois bairros construídos com espírito
diferente, por serem os dois baseados em tramas ou padrões urbanos distintos.
Sendo o problema principal do projeto de ENACE o fato de que esta nova população
não se organizasse mais em comunidades urbanas (ZAPATA, 1996).
O quarto conflito ou retrocesso ocorrido em VES aconteceu estranhamente, pouco
tempo depois de que a luta e resistência do movimento social contribuíra ao retorno
das liberdades democráticas no inicio dos anos 80, com a passagem do governo
militar do general Morales Bermúdez para o governo civil de Belaúnde Terry. Neste
período, aconteceu um processo de desinteresse na população de VES tanto para
com os acontecimentos políticos externos, como os que tinham a ver com mesma
comunidade; isto se traduziu numa notável diminuição nas reuniões de base, onde a
população local deixou paulatinamente de acudir às reuniões em nível de manzanas
e só continuou reunindo-se em nível de Grupo residencial até a atualidade.
Uma das causas deste desinteresse e diminuição da participação da população de
VES nas reuniões como movimento social se atribui ao fato de uma vez logrado um
nível razoável de urbanização, a população preferiu ocupar-se de sua economia
particular. Por essa razão, a população deixou de ter um tecido organizacional tão
denso como na sua fase inicial, mas não por isso se desorganizou totalmente, já que
ainda se conserva o tecido em nível de grupo residencial, entre outras coisas porque
só neste nível a população possui bens em comum (os correspondentes
equipamentos coletivos centrais), que constituem um fator de coesão das relações
sóciais-institucionais (ZAPATA, 1996).
113
O quinto importante conflito ocorrido em VES surgiu pouco tempo depois que Villa El
Salvador fosse ascendida à categoria de distrito ao início dos anos 80 e pela Lei de
Municipalidades 23853 se iniciasse um processo de transferência de funções e
responsabilidades para os bairros populares de maior envergadura, como no caso
de VES, que a partir disso começou a funcionar como Municipalidade distrital,
promovendo um novo plano integral de desenvolvimento, mas, desta vez,
impulsionado pelo poder local. Apesar de que a idéia inicial era de que este plano
fosse trabalhado em conjunto com a CUAVES, esta organização rapidamente
contemplou que tinha perdido o rol de representante da comunidade ante os
poderes públicos, já que qualquer trâmite acabava passando agora pela
municipalidade, perdendo a CUAVES o rol de interlocutor privilegiado da
comunidade. Assim, apesar de diversos esforços para estabelecer a harmonia, o
que primou nas relações CUAVES/Município foi a rivalidade, que acabou
comprometendo a ambas as organizações. Isto somado ao esfriamento das boas
relações entre a municipalidade distrital de VES e a municipalidade provincial de
Lima que perduraram somente até meados dos 80, devido à troca de governo assim
como de partido na prefeitura de Lima (ZAPATA, 1996).
Outro dos conflitos ou retrocessos que se pode assinalar tem a ver com o fato de
Villa El Salvador nunca ter conseguido ser um distrito produtivo, já que nunca
chegou a funcionar plenamente seu Parque Industrial, como tinham sido algumas
das metas iniciais. A primeira razão está ligada à criação da APEMIVES (Associação
de Pequenos e Medianos Industriais de Villa El Salvador), instituição que ia
organizar uma serie de talleristas e pequenos produtores, só que estes, ao invés de
ter relações de complementaridade, atuaram sempre de forma competitiva. Por outro
lado, a APEMIVES foi motivo de contradições e conflitos entre o Estado central, as
organizações locais (principalmente a CUAVES quem queria constituir empresas
comunais) e o município distrital; já que cada um destes queria que algum de seus
representantes presidisse o diretório desta instituição.
Em forma geral, outra das razões do fracasso do Parque Industrial se deve a que o
processo de produção que se desenvolve neste é bastante disperso e pouco
114
programado, devido a uma escassa especialização das atividades de trabalho –
exceto pela atividade de marcenaria que é uma das maiores e que conta com uma
grande demanda em nível de Lima Metropolitana –, o qual não lhe permite
desenvolver-se, competir nem interagir com outros ramos produtivos a nível local,
nacional e internacional. Além disso, um dos objetivos principais do parque industrial
era oferecer fontes de trabalho local que permitissem melhorar a economia da
população de VES através de empresas autogestionárias e de propriedade local,
mas o fato é que a maioria dos ateliers existentes não tem esse caráter, por outro
lado, a maioria dos talleristas e produtores individuais do parque industrial provêm
de outras partes de Lima, devido em parte a que os lotes habilitados para ateliers, se
vão afastando cada vez mais da capacidade econômica dos villasalvadoreños e a
gente trabalhadora do cone sul (BURGA, 1989; RIOFRÍO, 1991).
O último conflito, e talvez um dos mais difíceis, foi o que teve que enfrentar Villa El
Salvador num contexto de grave crise econômica peruana, quando o movimento
terrorista de Sendero Luminoso (SL) penetrou no distrito a partir dos anos 80 e se
instalou
numa
parte
deste,
mas
especificamente
no
assentamento
de
Pachacamác37, usando este como centro de ação, para tomar o controle de várias
das associações de base de VES, já que SL tinha preferência por aquelas barriadas
baseadas na idéia da ajuda mútua e da autogestão38. Sendo assim, SL recrutava
pessoal para participar do movimento senderista – principalmente jovens
universitários e profissionais villasalvadoreños com boa educação, mas excluídos
socialmente e com escassas oportunidades de trabalho dentro de Lima –, atacava
as autoridades municipais locais, dedicava artigos num jornal desprestigiando a
organização da CUAVES, chegando a debilitar esta organização e logrando
inclusive a dominá-la brevemente, no momento que ganhou forte presença no
37
Se explicou em páginas anteriores que o assentamento humano de Pachacamác, por contar
com uma trama diferente correspondente ao desenho de ENACE não se chegou a integrar à estrutura
urbana original de VES e tinha uma organização de base fraca que tampouco formava parte da
CUAVES, como organização sólida e representativa da comunidade, o qual favoreceu a que esta
facilmente caísse nas mãos de Sendero Luminoso.
38
Sendero Luminoso (SL) achava que as instituições de base de caráter autônomo seriam um
obstáculo para seus planos, já que eram expressão de um processo de democratização da sociedade
peruana que começava a contar com uma cultura popular independente e essa independência de
critério era o verdadeiro inimigo de SL.
115
assentamento de Pachacamác. Outro dos conflitos que trouxe a penetração do SL
foi a campanha de desprestigio, assim como diversos atentados que causou às
diversas associações que desenvolviam atividades em VES, sobretudo à
FEPOMUVES, associação de mulheres que tinha alcançado bastante prestigio em
VES, encarregada de fazer funcionar dois programas do governo impulsionados pelo
partido de IU: o vaso de leite e os comedores populares (ZAPATA, 1996).
Mas em resumo, o que ocasionou o processo de violência acontecido em VES pela
presença do Sendero Luminoso foi o enfraquecimento da mesma idéia de
comunidade, junto à perda dos vínculos sociais, que tinham sido fortalecidos em
épocas anteriores. Este processo durou até inícios dos anos 90, com o
derrocamento de SL pelas forças armadas durante o governo de Alberto Fujimori, a
partir do qual VES adquire uma nova força, retomando a planificação e deixando de
ser só uma comunidade para passar a ter um caráter mais metropolitano e integrado
ao continuo urbano de Lima (ZAPATA, 1996).
FOTO 1: A comunidade de Villa El Salvador em sua
fase inicial
FOTO 2: Avenida Central de via dupla
FOTO 3: Parque Zonal Metropolitano
Huáscar
116
FOTO 4: Municipalidade Distrital de
Villa El Salvador
FOTO 5: Parque Industrial de
Villa El Salvador
Para culminar com a abordagem da experiência da Comunidade Urbana
Autogestionária de Villa El Salvador, torna-se fundamental fazer uma avaliação da
mesma com base às políticas e princípios do modelo construído de planejamento
integral urbano sustentável (modelo autogestionário), analisando seus principais
bloqueios, limites, assim como conquistas alcançadas desde sua etapa de formação
até a atualidade.
QUADRO 3: Avaliação da experiência da Comunidade Urbana Autogestionária de Villa El
Salvador com base no modelo normativo de planejamento integral urbano sustentável
(modelo autogestionário): bloqueios, limites e conquistas.
Políticas e princípios de
Planejamento Integral Urbano
Sustentável
Política de
planejamento
integral
• Integrando a cidade como um
todo, com uma
visão ampla de
desenvolvimento
que englobe todas
as áreas e setores da
cidade, incluindo as
suas
diferentes
classes sociais.
Bloqueios
Limites
Conquistas
• A integração deste
bairro popular com
Lima Metropolitana
se dá mais que tudo
no aspecto físicoespacial e, em parte
no tema cultural, mas
não se pode perceber
nos aspectos social
nem econômico.
• Se chegou a integrar
espacialmente
este
bairro popular ao
continuo urbano de
Lima Metropolitana,
através de importantes vias de acesso
que comunicam a
esta com distintos
pontos da cidade de
Lima.
Esta integração também se dá a nível
cultural, a partir da
criação do Centro de
Comunicação Popu-
117
• Distribuindo de
forma eqüitativa a
renda, os equipamentos e serviços
urbanos.
• Garantindo os
direitos sociais a
todos os cidadãos,
para que possam
participar com total
democracia
e
liberdade em cada
um dos processos
de
tomada
de
decisão.
• Outorgando as
facilidades necessárias a toda a população
(especialmente dos setores
mais carentes e
excluídos)
para
estas fazerem suas
próprias escolhas de
vida, de melhoramento da qualidade
de vida e de acesso
livre às oportunidades de emprego
existentes na cida-
• A agencia especial
do governo militar:
SINAMOS, ao querer
organizar a população
de VES de acordo
com seus interesses,
privou a esta num
inicio de contar com
uma identidade individual e uma liderança independente e
efetiva, provocando
por sua vez que
surgissem diferenças
de objetivos entre
este organismo e os
povoadores.
• O equipamento
urbano do Parque
Industrial
permitiu
uma
distribuição
parcial da renda, no
sentido de que só tem
sido aproveitado por
o 21,6% da PEA
local.
• A participação se
viu em parte restringida por interesses
pessoais do governo
militar, que queria
que esta se mobilizasse a seu próprio
beneficio.
• As fontes e tipos de
emprego propostos a
partir
do
plano
original com a retorica da autosuficiência foram feitos
só para servir e ficar
de forma restrita ao
âmbito
local
e,
portanto não permitiram uma vinculação
com outras esferas e
ramos econômicos a
nível metropolitano.
Isto faz que a nova
lar - CCP, promovido
pelos mesmos dirigentes da CUAVES
e, que teve bastante
influência dentro e
fora
do
distrito,
graças à especialização profissional em
seus trabalhos, que
permitiu uma vinculação e intercâmbio
de experiências com
outros jovens de
outros bairros populares de Lima.
• A construção do
equipamento: Parque
Zonal metropolitano
Huáscar
permitiu
uma integração com
outros
bairros
e
setores do cone sul,
assim como também,
potencializar a zona.
• Através da política
implementada se promoveu a participação garantindo à
população de VES, os
seus direitos sociais.
• A proposta era
dirigida
especialmente a melhorar as
condições de vida das
famílias mais desprovidas que não contavam com moradia
própria nem tinham
acesso aos serviços
básicos nem aos
equipamentos públicos essenciais, somado à carência de
emprego.
118
de.
população de jovens
pense que a única
maneira de alcançar
melhores condições
de vida, seja saindo e
procurando fora de
sua comunidade.
• O plano original de
VES englobou vários
aspectos
(urbano,
social, econômico produtivo, cultural,
recreativo e legal),
com propostas de
intervenção para cada
um destes temas, que
permitiram em comjunto um desenvolvimento integral da
comunidade.
• Integrando vários
âmbitos ou campos
de intervenção nos
aspectos social, humano, econômicoprodutivo, urbanoterritorial, ambiental, educativo, cultural e legal.
Política de
planejamento
participativo
• Incluindo toda a
população
(com
ênfase na participação popular) a
participar de forma
democrática
nos
processos de tomada de decisão sobre
temas que comprometem ao futuro de
nossas cidades.
• Incentivando a
iniciativa popular.
• Nas primeiras etapas de conformação
de VES, a inclusão da
participação popular
e o apoio de parte do
Estado se deram em
troca de fidelidade
política. Mais tarde
aconteceu um processo de desinteresse e
diminuição desta participação nas reuniões
como
movimento
social, atribuídas ao
fato de uma vez
logrado um nível
razoável de urbanização, a população
preferiu ocupar-se de
sua economia particular. Isso, somado
ao contexto de grave
crise
econômica
peruana, quando o
movimento terrorista
de Sendero Luminoso
(SL) penetrou no
distrito a partir dos
anos 80 e se instalou
numa parte deste,
tomando o controle
de varias das associações de base de
VES.
• Se incluiu a
participação popular,
para que através de
sua organização, a
CUAVES, se atuasse
de forma ampla e
democrática em cada
um dos processos de
tomada de decisão
dos planos, projetos e
ações a serem propostos, via o desenvolvimento integral
da comunidade.
• A iniciativa popular
foi
um
aspecto
119
incentivado e promovido pelo mesmo
aparelho estatal.
Política de
planejamento
urbano
Política de
planejamento
sustentável
• Envolvendo um
conjunto de conhecimentos de ordem
econômica, política,
social,
cultural,
legal e ambiental,
que sejam a soma
das contribuições
tanto dos diferentes
profissionais assim
como da população
local.
• As propostas de
planejamento eram
dirigidas principalmente para resolver
as carências imediatas da população de
VES, mas não se
pensou em propor
ações de desenvolvimento para o futuro,
provocando
assim,
um desinteresse e
diminuição da participação da população
de VES como movimento social, no
momento que se tinha
alcançado um nível
razoável de urbanização.
• Promovendo soluções de desenho
urbano que fortaleçam as relações
sociais internas.
• O rompimento tanto
físico como organizativo ocasionado na
trama original de
VES, pela imposição
em determinado momento de um padrão
diferente de loteamento imposto pelo
Estado através de
ENACE.
•
Tendo
como
objetivo a construção da “sustentabilidade democrática em nossas
cidades”,
começando por fortalecer
as camadas populares, integrando-as
e transformando-as
em sujeitos politi-
• Na sua proposta de
planejamento urbano
integral de desenvolvimento não foi incorporado nem trabalhado o aspecto ambiental.
• Sua proposta de
planejamento urbano
abrangeu
vários
campos de conhecimento transmitidos
em diversos âmbitos
de desenvolvimento,
que foram produto do
trabalho coordenado
e de contribuições em
conjunto da população local organizada, das instituições
públicas e civis e, de
profissionais
independentes.
• A particularidade do
desenho modular homogêneo de VES,
permitiu estimular e
facilitar o desempenho de sua organização
social
(a
CUAVES), ao distribuir espacialmente a
população em forma
de pequenas comunidades, ajudando a
definir a identidade
comum da população,
onde a cooperação e
o trabalho conjunto
eram essenciais para
a construção de um
equipamento coletivo
no nível de “grupo
residencial”.
• O projeto de autogoverno comunal, na
figura da CUAVES,
entrou em crise a
partir de que Villa El
Salvador
fosse
ascendida à categoria
de distrito e se criasse
a
Municipalidade
distrital de VES, ao
início dos anos 80, já
• Se promoveu o
funcionamento de um
projeto
de
autogoverno comunitário
(cristalizado
na
CUAVES) que com a
retórica da “autogestão” impulsionou
à mesma população
local a trabalhar para
o alcance de cada
120
cos de seu ambiente
material,
social, econômico e
cultural, com seus
direitos amplos e
garantidos.
que qualquer trâmite
acabava
passando
agora
por
esta,
perdendo a CUAVES
o rol de interlocutor e
representante privilegiado da comunidade
ante
os
poderes
públicos. Assim, o
que primou sempre
nas
relações
CUAVES - Municipalidade distrital foi
sempre a rivalidade,
que acabou comprometendo a ambas as
organizações.
• Buscando uma
efetiva redução da
pobreza com poupança de recursos.
• Buscando novas
alternativas e iniciativas de produção que incentivem
à população num
trabalho coletivo,
sendo também uma
fonte de emprego e
recursos locais, permitindo à população administrar de
forma eficiente o
território e seus
recursos
(autogestão).
• O processo de
produção que se
desenvolve no Parque
Industrial é bastante
disperso e pouco
programado, devido à
escassa especialização das atividades de
trabalho; o qual não
lhe permite competir
nem interagir com
outros ramos produtivos a nível local,
nacional e internacional.
Por outro lado, sua
administração não se
desenvolveu de forma
autogestionária nem
cooperativa,
na
• A maioria dos
talleristas (donos de
atelieres) e produtores individuais com
que conta o parque
industrial provêm de
outras
partes
de
Lima, devido em
parte a que os lotes
habilitados para esses
fins, se vão afastando
cada vez mais da
capacidade
econômica
dos
villasalvadoreños e a
gente trabalhadora do
cone sul.
uma de suas metas e
propósitos
como
parte de um planejamento integral de
desenvolvimento no
longo prazo, atualizado periódicamente e que permitiu
importantes logros,
tanto da comunidade,
como a nível pessoal.
• Para a construção
de moradias, serviços
básicos e equipamentos comunitarios
no nível de “grupo
residencial” – dirigidos a reduzir a
pobreza, melhorando
as condições de vida
da população de VES
– foi a mesma população
que,
de
forma
voluntaria,
trabalhou
coletivamente
para
sua
realização, poupando
desta maneira no
referente à mão de
obra de fora.
• Se incentivou a
criação
de
uma
economia local autosustenida, através da
construção de um
Parque
Industrial,
onde se desenvolvem
atividades
microempresariais e que
fornece postos de
trabalho à população
local.
121
medida em que seus
associados (pequenos
e medianos industriais de VES) nunca
tiveram relações de
complementaridade e
atuaram sempre de
forma competitiva.
3.2. A “Comunidad Urbana Autogestionária de Huaycán” (CUAH) - Impacto no
desenvolvimento urbano, conquistas e resultados alcançados.
“Por uma vivienda digna” (CUAH, 1985).
A CUAH, também vem a ser o nome com que batizaram a esta comunidade os seus
primeiros habitantes, os quais lhe deram o nome de “Huaycán”, em razão deste
nome refletir a localização de um acidente geográfico muito comum nas quebradas
(encostas) secas, refiro-me aos deslizamentos de terra, conhecidos no Perú como
“huaycos ou huaicos”39, que na área onde se ergue esta comunidade costumam
ser bastante freqüentes.
A Comunidade Urbana Autogestionária de Huaycán é um centro povoado
pertencente ao distrito de Ate-Vitarte, situado no cone este de Lima Metropolitana,
de uma extensão de 576.696 ha e que conta na atualidade com uma população
superior aos 150.000 habitantes40, além de constituir-se na segunda experiência de
auto-organização popular de bairro mais importante na história do urbanismo de
Lima, mas que desta vez surge não como um projeto de iniciativa do governo
central, mas sim do governo municipal de Lima e também durante uma conjuntura
política particular, correspondente ao partido socialista de Izquierda Unida a meados
dos anos 80, que assim como durante o governo de Velasco, também promoveu a
formação e desenvolvimento de alguns bairros populares com fins de autogestão,
sendo Huaycán o exemplo mais representativo daquela época.
39
Huayco ou Aluvión refere-se ao deslizamento por processo gravitacional de lodo e pedras
ocorridos em encostas secas. Também o que na Venezuela tem adotado o nome de deslave e no Brasil
de movimentos de massa.
40
Fonte: La Red de estudos sociais para a prevenção de desastres de Lima, a partir das
informações do MINSA sobre o Hospital Local de Huaycán.
122
Por outro lado, na CUAH, a diferença do que ocorreu em VES, se conseguiu
promover um mecanismo de gestão compartilhada e concertada entre o Governo
Local e a população organizada41 para a ocupação planificada de terrenos em Ate,
na busca por atender as demandas de moradia dos grandes setores pobres da
capital e oferecer-lhes a sua vez, uma alternativa diferente às comuns e freqüentes
tomadas de terras em áreas perimetrais da cidade, que não contam com condições
de segurança nem de habitabilidade. Além disso, no caso de Huaycán também se
pode agregar o seu caráter preventivo em relação aos desastres naturais, que foi
incorporado desde um inicio no desenho urbano original.
Sendo assim, para obter um enfoque mais amplo desta experiência, que depois nos
ofereça elementos úteis que nos ajudem a reconhecer os fatores chaves de inserção
e implementação deste tipo de políticas, assim como também na avaliação final
desta mesma, consideramos importante abordar os aspectos de gênese, história,
importância da conjuntura política no seu desenho, organização sócio-territorial,
principais logros e resultados alcançados, impacto no desenvolvimento urbano,
retóricas utilizadas, papel dos atores públicos, instituições civis e representantes do
movimento social, assim como os conflitos ocorridos através do tempo.
A fundação de Huaycán e a conjuntura política e social
A Comunidade Urbana Autogestionária de Huaycán nasce de uma invasão de
terrenos eriazos localizados na periferia da cidade de Lima, em 15 de Julho de 1984,
data em que grupos organizados de famílias de baixos recursos sem a possibilidade
de conseguir moradias dentro do mercado imobiliário formal, decidem “invadir” ou
ocupar estes terrenos de encostas de uma área pertencente ao distrito de AteVitarte para assumir o papel de serem atores e gestores de suas próprias iniciativas;
quer dizer, assumir em conjunto com o governo municipal desse momento a gestão
e governo de sua própria comunidade. Este processo de co-gestão acontece graças
à conjuntura política favorável existente naquela época, refiro-me à presença do
41
O qual no aconteceu em VES já que as relações entre a municipalidade local e a população
organizada na figura da CUAVES, sempre estiveram marcadas pela rivalidade.
123
partido de Izquierda Unida - IU, encabeçada por Barrantes Lingán na prefeitura de
Lima, que ganhou a simpatia das classes baixas de Lima, já que instaurou uma
quantidade de programas destinados em seu beneficio e foi ele mesmo, quem
propiciou durante sua administração municipal, o desenvolvimento de um modelo de
cidade autogestionária para os mais pobres, em momentos de profunda crise do
fundo habitacional e como resposta às crescentes e incontroláveis invasões de
terrenos eriazos, em zonas e condições cada vez mais perigosas. Assim, o sonho de
Barrantes foi traduzido em Huaycán, o qual se configurou como a segunda42
experiência mais representativa que dá inicio a um novo período de formas de
intervenção democrática com participação popular (LA RED, 2005).
Foi assim que, por sua localização e características especiais já mencionadas (zona
propensa a ocorrência de “huaicos”), Huaycán foi escolhido para desenvolver nele a
primeira intervenção planificada de parte da municipalidade metropolitana nos
processos de assentamento popular. Desta maneira, em 3 de Maio de 1984 se
constitui, respaldado por Decreto de Alcaldía Nº 040 da Municipalidade de Lima,
Metropolitana (MLM), o Programa Especial de Habilitação Urbana Progressiva da
área de Huaycán (PEH), feito com o objetivo de planificar, projetar, coordenar,
administrar a obtenção de recursos e desenvolver a área mencionada a favor
daqueles que não contavam com moradia própria e tinham escassos recursos. Isso,
a propósito de nascer como um programa no convencional de moradia, assim como
uma proposta de habilitação urbana de caráter integral, progressiva e participativa
destinada a desenvolver a infra-estrutura de serviços (saneamento, energia, etc.),
equipamento urbano (saúde, educação, recreação, etc.), apoiar a iniciativa popular
para a autoconstrução com o uso de tecnologias apropriadas, progressivas e de
baixo custo e, principalmente, promover o planejamento urbano para um
desenvolvimento integrado do lugar.
Desta maneira, a Municipalidade de Lima definia naquele momento seu papel como
42
A primeira experiência deste tipo o constitui a Comunidade Urbana Autogestionária de Villa El
Salvador.
124
promotora da “autogestão”43 popular e, para esses fins é que designa uma Equipe
Técnica (ET), estável e de permanência real na zona, para propiciar uma gestão
democrática e participativa com os povoadores, em todos os momentos do
planejamento urbano e para a aplicação das inovações técnicas que se
promoveram. (LA RED, 2005).
É nesse contexto que Huaycán começa a conformar-se, na sua fase inicial, com 23
organizações, que compreendiam seis assentamentos humanos (AAHH) e 17
cooperativas e associações de moradores comprometidas com o programa urbano,
procedendo a ocupação inicialmente com 2.000 das 12.000 famílias inscritas, que de
maneira organizada e pacífica ingressaram no terreno de encosta para constituir o
que logo depois se tornaria o Comitê de Gestão do Assentamento Humano
Huaycán. Este foro de co-gestão estava integrado por representantes de cada
organização social participante (diretos das Unidades Comunales de Viviendas UCV’s), assim como representantes da Municipalidade de Lima Metropolitana e da
Municipalidade do distrito de Ate-Vitarte, funcionando até inícios de 1987 e tendo
como primeiro secretario executivo de Huaycán o Eng. Eduardo Figari Gold, que foi
também o encarregado pela prefeitura de Lima para desenvolver o projeto urbano.
Por outro lado, a organização comunitária, na qual participavam o conjunto de
organizações e que queria agir independentemente do Comitê de Gestão, se
constituiu num inicio na Associação de moradores da Quebrada de Huaycán, que
dera pauta logo à criação da Comunidade Autogestionária de Huaycán (CUAH),
como resultado de seu primeiro congresso de povoadores.
Apenas ocupado o terreno, os dirigentes procederam em organizar as estruturas de
gestão e de segurança para o controle da ocupação. Tal era o nível de controle e
organização inicial, que todos os inscritos no PEH possuíam credenciais de suas
respectivas organizações, que deviam apresentar para poder ingressar ou sair da
área ocupada. Nesse contexto e depois de pouco tempo de iniciada a ocupação, a
43
Em Huaycán o termo “autogestão” foi inserido pelo mesmo visionário e promotor desta
experiência, o prefeito de Lima daquela época Barrantes Lingán; logo depois este termo vai ser
apropriado e usado pela mesma população, que vai nomear a sua mesma organização de
autogestionária.
125
zona
de
Huaycán
foi
crescendo
aceleradamente,
sendo
conformada
majoritariamente por uma alta percentagem de pessoas que se vinham afastando
cada vez mais da zona de violência (localizada no sul - centro do país) e que se
foram localizando, progressivamente, em grupos de famílias pertencentes a uma
mesma região, o que ajudou rapidamente a sua adaptação e integração e,
sobretudo a suportar as dificuldades comuns que se viviam nesses momentos ante a
falta de moradia, serviços básicos, equipamentos e oportunidades que lhes
permitissem obter melhores condições de vida (LA RED, 2005).
A CUAH, sua organização e o planejamento urbano
A Comunidade Urbana Autogestionária de Huaycán – CUAH, é a organização
comunitária representativa deste centro povoado, que pela originalidade e audácia
de atrever-se a querer determinar seu próprio desenvolvimento, tem gerado opiniões
a favor e - em não poucos casos - campanhas muito duras contra esta iniciativa.
Mas o fato real é que foi a partir desta proposta inovadora de organização
democrática e participativa de parte da Municipalidade Provincial de Lima em
coordenação com as organizações de povoadores, que se promoveu e apoiou a
gestão popular em Huaycán, dando abertura a todas as suas iniciativas e
possibilidades, as quais voltadas à prática permitiram que os primeiros anos fossem
determinantes e os de maior desenvolvimento para esta comunidade.
Quer dizer, desde o inicio do programa PEH se esperava a consolidação de uma
organização de moradores sob uma figura jurídica que lhe permitisse melhorar as
condições de gestão, a partir da participação ativa da população. Para esses fins se
conformou a CUAH, para que esta trabalhasse nas tarefas de planejamento e
execução das diversas atividades, assim como dos mecanismos de gestão –
autogoverno e planos de desenvolvimento local – que lhes permitissem reduzir seus
níveis de pobreza mediante a geração de emprego e alternativas de produção para
a população de Huaycán (LA RED, 2005).
Sendo assim, a CUAH, ao configurar-se como a organização democrática de
participação popular, formada como resultado das varias reuniões de trabalho que
126
tiveram as 23 organizações de moradores em coordenação com a Municipalidade
Provincial de Lima, nas quais as primeiras colocavam suas próprias expectativas em
torno ao projeto, fez com que estas, inclusive nos momentos de crise da
organização, resistissem deixá-lo num primeiro momento. Isto na prática significou
que a vontade dos moradores esteve presente em todo o desenvolvimento do
projeto PEH, como representantes diretos de uma das partes dos que tomavam as
decisões, sendo membros do projeto integral, assim como de uma determinada
UCV44 e de uma Zona, mas todos da mesma organização (LA RED, 2005).
A CUAH, independentemente do projeto PEH, baseava sua ação na prática dos
seguintes princípios básicos, segundo seu primeiro estatuto: Democracia popular,
independência soberana, centralismo democrático, disciplina consciente, vigilância e
autodefesa (prática do respeito dos acordos e decisões da assembléia),
solidariedade de classe, crítica e autocrítica (corrigir os erros e aprender do
fracasso), principio de frente única, (prática da união dos povoadores sobre o
reconhecimento de quem somos) e principio da organização vizinha (CUAH, 1993).
Criada a CUAH, esta se converteu no instrumento legal de luta da comunidade,
orientando a oferecer soluções para as reivindicações mediatas e imediatas, ante a
necessidade, principalmente da conquista por melhores condições de vida e justiça
social (CUAH, 1993). Sua estrutura em forma de pirâmide esta conformada por as
UCV’s nas bases, cada UCV escolhe um presidente e sua Junta Diretiva, a qual é
reconhecida legalmente e representa seus interesses ante a assembléia zonal que
agrupa uma determinada quantidade de UCV’s (15 em média). Isto em razão, da
urbanização em geral estar subdividida em zonas, identificadas por uma letra do
alfabeto e às quais lhe correspondem um número variável de UCV’s, regidas pelas
Secretarias ou Juntas Diretiva Zonais; as quais por último coordenam seus esforços
com a oficina central da comunidade, denominado CONSEJO EJECUTIVO
CENTRAL (CEC). Foi assim, através desta estrutura, que todos os desenhos,
44
UCV = Unidad Comunal de Vivienda (Unidade Comunal de Moradia) que se constitui no
núcleo e célula da urbanização e organização social comunitária, conformada por aprox. 60 famílias.
127
gestões, iniciativas e propostas foram o resultado das reuniões de UCV’s, reuniões
zonais, plenárias de dirigentes e assembléias de povoadores (ver gráfico 7).
GRÁFICO 7
ESTRUTURA ORGANIZATIVA DA CUAH
JUNTA DIRETIVA CENTRAL
COMITÉ DE GESTÃO
MUNICIPALIDADE DE
ATE-VITARTE
J.D. UCV
J.D. UCV
J. D.
ZONA
L
J.D. UCV
J. D.
ZONA
L
J.D. UCV
J.D. UCV
J. D.
ZONA
L
J.D. UCV
J.D. UCV
J.D. UCV
J. D.
ZONA
L
MUNICIPALIDADE DE LIMA
METROPOLITANA
Fonte: Elaboração própria em base ao documento: Experiencia 12 HUAYCÁN - Construyendo
una Ciudad Segura y Saludable de LA RED, 2005.
Uma vez consolidada a organização e, tendo como órgão reitor o Comitê de Gestão
da CUAH, se procedeu a dar inicio ao longo processo de participação democrática,
que fosse o eixo fundamental no planejamento urbano e implementação do PEH,
convertendo a quebrada de Huaycán num espaço de desenvolvimento habitacional
democrático e popular, sendo nesses momentos, “Por uma vivienda digna”, o lema
de todo morador. Para esses fins, a Municipalidade de Lima, como promotora da
gestão popular, designa uma Equipe Técnica (ET), estável e de permanência real na
zona, para que propiciasse uma gestão democrática e participativa com os
povoadores em todos os momentos do planejamento urbano e na aplicação das
inovações técnicas que se promovessem (LA RED, 2005).
Foi desta maneira que o assentamento humano de Huaycán se foi constituindo e
desenvolvendo organizadamente, respeitando o desenho de planejamento urbano
proposto por seus técnicos e sua representatividade dirigente desde o inicio, o que
permitiu ordem e crescimento ordenado em busca de soluções a suas
128
necessidades. Esta proposta partia de uma concepção urbanística e arquitetônica
que da mesma forma que em VES, contemplava o valor social e organizativo como
um aspecto fundamental na solução física do problema da moradia popular, portanto
teve uma grande influência no crescimento e desenvolvimento deste atual centro
poblado. (Fonte: entrevista a dirigente da CUAH, 2008).
Portanto, para que o desenho urbanístico cumprisse sua função social-organizativa,
se desenharam grandes manzanas (quarteirões) que conformariam cada certo grupo
Unidades Comunales de Vivienda (UCV’s) (ver Gráfico 8) de aproximadamente 1 ha.
e, compostas de 60 lotes cada uma, com suas respectivas áreas comuns e de
serviço, de forma similar que em VES, com o objetivo de que estas se constituam na
célula da urbanização e da organização urbanística, reforçando a dinâmica comunal
dos povoadores. Quer dizer, a concepção e desenho das UCV’s também se fez no
sentido de reforçar os laços de vizinhança e identidade entre seus membros, por
esta razão se desenhou a disposição dos lotes ao borde do perímetro de cada
Unidade Comunal, de maneira tal que confluam para espaços abertos, evitando
assim que os vizinhos se isolem. Por outro lado, a comunicação entre UCV’s se dá
através de passagens, e principalmente através de quatro entradas, afastadas das
avenidas principais que possuem lotes maiores onde se desenvolve a atividade
comercial e que também se encontra subdividida nas denominadas Unidades de
Vivienda Comercial (UVC’s). (ver Gráfico 8).
Em suma, a urbanização de Huaycán encontra-se dividida em zonas que vão desde
a letra "A" até a "Z", agrupando cada zona determinado número de unidades
comunales de vivienda (UCV’s) e unidades de vivienda comercial (UVC’s). No caso
das UCV’s, o desenho destas esteve feito especialmente para organizar de forma
mais eficiente o espaço e sua população, com lotes unifamiliares de uma área de 90
m² em vez dos 120 m² que tem as moradias tradicionais, o qual lhe permite otimizar
o espaço. Esta redução do espaço em cada lote se deve a que as áreas verdes
foram consideradas fora das casas (no espaço central comum), ao serem as
moradias especialmente dispostas à borda do perímetro de cada Unidad Comunal
de Vivienda, deixando uma área livre central, que é de propriedade comum, para a
129
localização de uma área recreativa ou de lazer, assim como de um local da mesma
extensão de um lote, para o desenvolvimento da atividade comunal, funcionando
como sede de reuniões para tomadas de decisões da comunidade, e também para
cobrir com outras funções como, comedor e botequim comunal (LA RED, 2005).
GRÁFICO 8
PLANO URBANO DE HUAYCÁN - EXEMPLO DE UMA “UNIDAD
COMUNAL DE VIVIENDA” (UCV) E DE UMA “UNIDAD DE
VIVIENDA E COMERCIO” (UVC)
X= 0
3162
1. 1
840
6
8705
6 0 .4 8
49
Y=
X =307
1 2 2 .9 1 9
6
Y=
8676
0 1 3 .8 3
29
Fonte: Elaboração própria em base ao Plano Base de COFOPRI (Comissão de
Formalização da propriedade Informal), no ano de 1998.
130
Além disso, na CUAH assim como em VES, desde o primeiro momento estiveram
definidas a dimensão e localização das áreas de terreno e seus usos, o qual permitiu
que não se habitasse área de terreno que não houvesse sido assinalada como área
para moradia, moradia-comercio,
recreação, produção,
entre
outras. Mas,
diferentemente da CUAVES, esta experiência tem a particularidade de tomar em
conta os estudos geomorfológicos, topográficos e hidrográficos, que caracterizam a
encosta de Huaycán, estudos que foram essenciais para o reconhecimento dos
caminhos das antigas galerias naturais geradas pelos huaicos, sendo consideradas
pelos técnicos no momento de fazer o desenho urbano, os quais projetaram sobre
elas as três grandes avenidas que serviriam como coletoras e condutoras no caso
de que pudessem acontecer huaicos futuros e, evitando assim também que as
moradias sejam construídas em zonas de risco (LA RED, 2005).
Em relação ao ponto anterior, também a localização dos núcleos de serviços, áreas
de comércio e atividade para a pequena indústria foram definidos previamente
desde a proposta inicial, sendo repartidos de forma geral em cada zona ou grande
manzana (quarteirão). Progressivamente, a par do processo de ocupação e
desenvolvimento de Huaycán, estes núcleos foram-se consolidando, através da
construção de postos médicos, o hospital Huaycán, escolas públicas de educação
inicial, ensino fundamental e médio (somando 30 aproximadamente) e, outra
quantidade similar de escolas privadas a partir do ano de 1996, a local da polícia,
igrejas, comedores populares, etc. Sendo também definidas as zonas de comercio
varejista e projetada a localização dos Mercados de Abastecimento e das faixas
comerciais, assim como as áreas para a atividade de pequena industria ou moradiaatelier, todas estas com o fim de permitir gerar novas fontes de emprego.
No referente ao conceito de propriedade, na CUAH, também de forma similar que
em VES, se definiu a combinação de dois tipos, a dos lotes unifamiliares e os de
propriedade comunitária ou aspecto coletivo designados às áreas comuns, assim
como alguns parques e equipamentos sociais maiores, construídos majoritariamente
pelos mesmos moradores. Isto, em razão de que se planejara desde o início, que a
população fizesse esses projetos em mutirão, quer dizer, que ela mesma se
131
encarregasse da construção destes núcleos e serviços com o propósito de satisfazer
coletivamente suas necessidades. Portanto, o trabalho comunitário foi a base da
habilitação, tanto para as obras gerais (serviços básicos e tratamento de resíduos
sólidos) como para cada UCV nos trabalhos de serviço comunitário como limpeza e
habilitação de terrenos, construção dos serviços comunitários, coleta de lixo,
transporte de água, construção de letrinas (poças sépticas), etc. (LA RED, 2005).
A CUAH e seu impacto no desenvolvimento urbano - principais conquistas e
resultados alcançados
O principal impacto gerado pela CUAH, como sistema de organização social
estruturada e fortalecida, que contou com um planejamento prévio e desenho urbano
integral, é o de ter permitido em poucos anos que a comunidade se desenvolva, já
que a população elevou sua consciência para organizar-se e, com a retórica da
“autogestão”, trabalhou de forma constante pela gestão de seu desenvolvimento na
busca de respostas a cada uma de suas necessidades, nos diferentes temas
(moradia, serviços básicos, equipamentos urbanos, educação, saúde, emprego e
renda, etc.) e, nos quais obteve resultados apreciáveis que se podem constatar na
atualidade, sobretudo no que respeita à infra-estrutura urbana, acesso a serviços
básicos (luz, água e esgoto) e públicos (limpeza pública, transporte, ornato, etc.);
obtidos num período relativamente curto de tempo, se comparado este a outros
assentamentos humanos e distritos (exceto Villa El Salvador). A isto contribuiu a
concepção e desenho das UCV’s como parte do planejamento urbano, nas quais –
como já foi abordado anteriormente – os lotes estão dispostos especialmente para
que as famílias de cada unidade de moradia participem trabalhando coletivamente
não só pela gestão de sua propriedade, como também pela propriedade comunitária,
o qual contribuiu no desenvolvimento integral de cada UCV e, no conjunto da
urbanização permitiu alcançar resultados em poucos anos, desde sua fundação.
Assim também, o modelo de organização com a retórica da “autogestão” apropriada
pelos representantes desta mesma, permitiu que se organizassem a sua vez, os
trabalhadores de transporte público, os comedores populares, os organismos
culturais, os trabalhadores de comércio ambulante e formal, os trabalhadores de
132
distintas áreas, etc. Tudo isso, permitiu potencializar sua organização, e isto se
podia constatar, principalmente no momento de tomar decisões nos seus
congressos de povoadores (LA RED, 2005; ASOCIACION LABORAL PARA EL
DESARROLLO - ADEC-ATC, 2000).
Em segundo lugar, o fato do projeto de Huaycán ser concebido como uma proposta
integral, progressiva e participativa de desenvolvimento urbano – apesar de ter-se
desenvolvido mais alguns aspectos em relação a outros, se toma-se como
referência sua proposta inicial – abriu campo primeiro, para que se desenvolvesse
um processo racional e ordenado de participação entre vizinhos, os quais colocaram
muito ímpeto para conseguir formar um assentamento humano satisfatório que
brinda melhores condições de vida e oportunidades a seus povoadores, e que
considera o respeito pelo meio ambiente e o tema da justiça social. Por conseguinte,
o seu caráter integral fez ampliar o horizonte comum de intervenção urbana,
propondo soluções abrangentes que permitiram cobrir vários outros temas além do
esquema convencional, propondo assim soluções aos aspectos urbano, social,
econômico, produtivo, educativo, ecológico-ambiental, etc. Por conseguinte, foram
incorporadas ao projeto urbano, inovações tecnológicas para o desenvolvimento de
programas de saneamento integral, se criaram unidades produtivas comunais para
fornecer aos povoadores de trabalho local em longo prazo e, junto à habilitação
urbana,
se
realizaram
estudos
e
projetos
necessários
para
o
melhor
acondicionamento da quebrada.
E, finalmente o seu caráter progressivo, influiu nesta experiência, no sentido de
pensar em novas soluções, optando assim pela concessão progressiva dos serviços
básicos, consoante com as expectativas e alcances da população, de maneira tal
que os povoadores em todo momento, tenham os meios mínimos indispensáveis
para garantir-se adequadas condições de vida na área. Em resposta a isto, se
procurou que toda obra ou inversão fosse cumulativa, servindo de base para
sucessivos avanços dentro de um planejamento integral de longo prazo. Foi assim
que para o saneamento ambiental se considerou um sistema progressivo e de baixo
custo, baseado no uso racional da água, o abastecimento de água por etapas, a
133
recuperação e preservação dos canais de irrigação existentes, uma proposta
inovadora de evacuação de excretas, o uso da água do rio da zona (Rímac) e o
desenvolvimento e promoção de micro-recheios sanitários (LA RED, 2005).
Outro dos impactos gerados é a segurança com que conta a área do terreno, em
conseqüência do fato que nesta experiência, a exceção de outros assentamentos
humanos, os desenhos de habilitação urbana desde o início responderam a critérios
de gestão de riscos e fenômenos naturais; o qual permitiu desenvolver uma proposta
de planejamento urbano integral, responsável, coerente e eficiente que permite
prevenir à população das adversidades futuras, no caso de que aconteçam
novamente huaicos ou deslizamentos na zona.
Agora, é importante destacar os principais conquistas e resultados que Huaycán
obteve desde o inicio até a atualidade e que produziram um impacto no
desenvolvimento urbano e na vida dos moradores, podem ser citados a seguir:
Para começar, se pode constatar como um avanço importante, o fato do
planejamento e desenvolvimento do bairro ter sido realizado em conjunto com as
autoridades municipais, tanto de Lima Metropolitana como da Municipalidade Local
de Ate-Vitarte, somado à participação de algumas instituições acadêmicas e
profissionais independentes. Quer dizer, que se abreu um espaço de diálogo e
participação entre distintos atores, mas com o objetivo comum de buscar melhores
condições e oportunidades de vida para a população de Huaycán (LA RED, 2005).
Em segundo lugar, se pode considerar como conquista e um potencial importante, o
fato de contar durante vários anos, sobretudo na fase inicial, com uma organização
e, portanto uma população solidária, criativa, entusiasta, decidida e com vontade em
todo momento de trabalhar pelo seu desenvolvimento, enfrentando qualquer tipo de
obstáculos. Portanto, a participação organizada da população em todo o
desenvolvimento de Huaycán – na tomada de decisões do processo de habilitação,
desenho urbano, autoconstrução de moradias e serviços básicos comuns e próprios;
em ações de pressão e demanda para fazer que o governo local e central cumpra
134
com as obras oferecidas; em distintas atividades de capacitação, em múltiplas
atividades culturais, esportivas e tradicionais; etc. – foi o fator chave que permitiu à
CUAH obter resultados dos projetos mais urgentes, num período relativamente curto
de tempo em relação a outros assentamentos humanos e distritos, principalmente
nos temas de moradia, serviços básicos e públicos (LA RED, 2005).
Em terceiro lugar e, vinculado ao ponto anterior, se pode contar também como uma
conquista a forma atual como estão constituídas as organizações de mulheres de
Huaycán (Clubes de Mães e Comedores Autogestionários), em razão a que estas
gozam atualmente de uma maior autonomia, apesar dos conflitos e problemas
internos entre antigas e novas dirigentes, somado as interrupções provocadas em
determinados momentos por Sendero Luminoso e as Forças Armadas, e por outro
lado a intervenção do Estado através de seu organismo, o PRONAA, que também
se encarregava da repartição de alimentos, mas de forma clientelista e desvinculado
totalmente dos clubes de madres e os comedores autogestionários. Algo melhor
acontece com as organizações juvenis45 de Huaycán, já que neste caso, se trata de
organizações relativamente novas, de poucos anos de formadas e que, pese a seu
número reduzido e ao contexto adverso em que surgem, tem sabido manter-se e
tendem a crescer. Estas organizações surgiram em resposta ao processo
excludente do sistema capitalista da qual são objeto os jovens no momento de
querer buscar um futuro melhor na cidade e ante a necessidade de encontrar
alguma solução aos vários problemas que os afetam – principalmente o baixo nível
de educação, as altas taxas de desemprego e subemprego juvenil, entre outros. O
fato é que apesar do número destas organizações ainda ser pequeno e a
participação dos jovens ser igualmente minoritária, as organizações juvenis de
Huaycán encerram um grande potencial (ADEC-ATC, 2001).
Em quarto lugar, podemos considerar como uma conquista importante o fato de que
Huaycán tenha alcançado uma cobertura da sua infra-estrutura urbana, acesso aos
serviços básicos (luz, água e esgoto) e públicos (limpeza pública, transporte, ornato,
45
Os jovens, adolescentes e crianças constituem aproximadamente dois terços da população de
Huaycán.
135
etc.) em pouco tempo depois de sua fundação, o que não tem acontecido antes nem
depois em nenhum outro assentamento humano ou distrito, a exceção do distrito de
Villa El Salvador.
Para começar, em relação à infra-estrutura urbana, o papel da população como
representante da CUAH, trabalhando pela gestão de seu desenvolvimento permitiu
que a intervenção da municipalidade distrital tenha sido efetiva, sobretudo, no
referente à construção da infra-estrutura viária, cobrindo com asfalto praticamente
todas as principais vias, que tem permitido que a comunicação entre as distintas
zonas de Huaycán seja mais rápida, assim como da comunidade em seu conjunto
que se integra facilmente a distintos pontos da cidade de Lima. Atualmente, ainda
restam por asfaltar importantes trechos de algumas vias, sobretudo, aquelas que
chegam até as zonas mais altas de Huaycán. No entanto, é preciso reconhecer que
se avançou muito nesta tarefa e, o mais importante é que a municipalidade continua
trabalhando com entusiasmo, apesar dos problemas de arrecadamento de impostos
que se apresentam na zona (ADEC-ATC, 2001).
Em relação aos serviços básicos, falando em termos gerais, pode dizer-se que na
atualidade, 100% das moradias localizadas nas zonas baixas de Huaycán contam
com acesso aos serviços de água, esgoto e luz; com conexões internas às moradias
na sua totalidade. No entanto, nas zonas altas e mais novas, a situação se torna um
tanto diferente; de qualquer modo, ainda que não existam cifras oficiais, as
porcentagens estimadas nestas partes não deixam de ser consideráveis, sendo que
aproximadamente 80% das moradias destas zonas tem conexão de luz e no que
concerne aos serviços de água e esgoto, o nível de acesso se reduz a 70%, que
equivale a dizer que só uma de cada cinco moradias não conta com acesso a estes
serviços (ADEC-ATC, 2001).
No referente à infra-estrutura esportiva, Huaycán conta com uma interessante
relação neste campo, que inclui trinta e nove quadras esportivas, dois complexos
esportivos, dois campos de futebol, um estádio e uma quadra de voleibol. A
conquista concerne ao fato de que a maior parte desta infra-estrutura foi construída
136
pela própria comunidade, contando com o apoio da Municipalidade de Ate - Vitarte
(ADEC-ATC, 2001).
Em quinto lugar, cabe mencionar as conquistas que esta comunidade tem chegado
a
alcançar também num curto tempo desde sua fundação, no que se refere à
construção dos equipamentos públicos aos serviços sociais mais necessários, os
quais respondem a um dos seus objetivos iniciais e estão concentrados nos Núcleos
de Serviço, de acordo ao planejamento original. Assim temos: A Agência Municipal
descentralizada; escolas estatais de educação infantil, ensino fundamental e médio;
Instituto superior de educação técnica; programas de PRONOEI (estimulação inicial
para crianças menores de 3 anos); WAWA WASI’s (Creches para crianças menores
de 2 anos); Hospital público; Estação de Bombeiros; Câmara de Comércio; oficinas
descentralizadas do Poder Judicial; a Catedral (a terceira que se construiu em Lima);
3 Emissoras de rádio (a mais importante é a Radio Emmanuel, de propriedade da
Paróquia “San Andrés” e que tem cumprido um rol importante no desenvolvimento
da comunidade); Comedores comunitários; Oficina do Comitê Central da
comunidade; etc. (LA RED, 2005).
Mas falando especificamente da Agencia Municipal de Huaycán, sua construção e
inauguração, em Julho de 1998, constitui um aporte concreto do governo local da
CUAH para a comunidade, ao funcionar esta como um órgão independente,
encarregado de promover o desenvolvimento da comunidade e de brindar uma série
de serviços sociais dentro das atribuições do governo local. Esta Agência Municipal
conta com distintas áreas, a saber: Seguridade Cidadã; Defesa Civil; Participação
Comunitária; Serviços Públicos e Sociais (transporte, limpeza pública, ornato, etc.); e
Defensória Municipal do Menor e o Adolescente (DEMUNA) (ADEC-ATC, 2001).
Em sexto lugar, é necessário mencionar a dinâmica econômica importante que se
tem gerado em Huaycán nos últimos anos, isto se deve majoritariamente às
atividades
econômicas
complementares
e
atividades
comerciais
que
se
desenvolvem nas Faixas Comerciais localizadas ao longo das avenidas principais e
que compõem as denominadas UVC’s (Unidades de Vivienda Comercial) e, em
137
parte ao ainda elementar, mas crescente desempenho do seu Parque Industrial. Isto
se potencializa em razão da concepção dos novos dirigentes de valorizar o trabalho
como meio de superação da pobreza, diferentemente dos antigos dirigentes da
CUAH, que só pensavam em cobrir suas demandas imediatas, confundindo em
parte o espírito organizativo que deu origem a CUAH (Fonte: entrevista a presidente
da ONG ADEC-ATC, 2008).
Então, a atividade econômica de Huaycán se desenvolve da seguinte maneira: Os
distintos sectores econômicos que existem em Huaycán (agropecuário, PYMEs,
comercio, transporte, etc.) fornecem um total de 9.580 postos de trabalho. Destes
setores econômicos, em primeiro lugar se localizam as atividades comerciais,
majoritariamente correspondentes ao setor informal, mas que conseguem gerar o
maior número de postos de trabalho, sendo que o 82.3% destes são ocupados por
pessoas que residem no lugar e que formam parte do 48,6 % da PEA ocupada que
trabalha na mesma comunidade. Por outro lado, o Parque Industrial, conta com 530
grêmios ou associações de microempresários que ocupam suas instalações – sendo
um dos mais importantes e de regular tamanho a Associação de Pequenas
Empresas Industriais de Huaycán (APEIH), que agrupa 93 microempresários –,
apesar de que a maioria destas PYMEs somente produz para o mercado de
Huaycán. A exceção, a ser destacada como um aspecto positivo é o surgimento há
alguns anos atrás, de algumas PYMEs – ainda que poucas – que colocam seus
produtos em outros mercados ou trabalham a pedido, vendendo diretamente a
clientes ou empresas estrangeiras; produtos tais como: calçados, tecidos de lã e
alpaca, confecções diversas, marcenaria, cerâmica, artesanato, etc. Todo o citado
constitui resultados importantes se leva-se em conta que um dos seus objetivos
principais, que se propôs a CUAH desde o início, como parte de seu Plano de
desenvolvimento integral consistia em criar fontes de trabalho para os moradores,
impulsionando ações de cooperação no plano social e econômico (ADEC-ATC,
2001; Testimónio de Constitución de la CUAH, 1989; e entrevista ao dirigente da
CUAH, 2008).
138
Outra de suas principais contribuições, que pode considerar-se também como uma
conquista é o fato de em Huaycán se utilizarem critérios de preservação e cuidado
com o meio ambiente, o que não aconteceu em nenhum outro assentamento
humano. Para esses fins, se promoveu o emprego massivo de recursos do lugar,
com materiais de baixo custo e o uso de tecnologia apropriada para os
requerimentos da população. Portanto, se empregou de maneira massiva a pedra
como material de construção, considerando a abundancia desse recurso na encosta
de Huaycán. Também o uso de tijolos de concreto vibrado e componentes de
concreto pré-fabricado in situ, dada a existência de um areal em plena exploração na
zona (LA RED, 2005).
Finalmente, vale destacar que Huaycán, vivenciando esse processo de aprendizado
com base em avanços e fracassos, conta ainda na atualidade com um Plano de
Desenvolvimento Integral, que formulado coletivamente – com a participação de sua
população
como
representantes
do
movimento
social,
autoridades
locais,
instituições civis, técnicos e profissionais –, vai servir de guia para as futuras
intervenções que se desenvolvam na área.
Papel dos atores públicos, instituições civis e representantes do movimento social no
desenvolvimento de Huaycán
Esta experiência constitui por si mesma, um exemplo de participação e
estabelecimento de ações concertadas e negociadas, por parte da população
envolvida, técnicos e autoridades locais ou dos organismos de gestão, organismos
setoriais, universidades e escolas profissionais, etc.
A seguir destacaremos algumas menções que correspondem às ações ou ao papel
que exerceram tanto os atores públicos, as instituições civis, assim como os
representantes do movimento social no desenvolvimento de Huaycán:
Para iniciar, no que diz respeito ao papel que cumpriram os atores públicos nesta
experiência, é importante mencionar primeiro que a formação da CUAH ocorreu
numa conjuntura política particular, correspondente ao partido de Esquerda Unida -
139
IU de Barrantes Lingán na prefeitura de Lima, o qual, como já se disse em outras
ocasiões, experimentou políticas socialistas, tendo desta vez a iniciativa e empenho
de levar adiante novamente46 um projeto de barriada planificada e modelo de cidade
autogestionária dirigida aos mais pobres, a partir de um planejamento urbano
integral feito com participação popular, ou seja, em coordenação com a organização
social comunitária. Com esses propósitos, a Municipalidade de Lima não só foi
responsável pelo desenho e monitoramento do projeto técnico de desenvolvimento e
habilitação urbana, senão que também propiciou uma gestão democrática e
participativa com os povoadores, para todos os momentos da planificação urbana
(LA RED, 2005).
Os outros atores públicos que atuaram no desenvolvimento de Huaycán foram a
Municipalidade Distrital de Ate-Vitarte e o governo central, a primeira como parte da
equipe tripartite do Comitê de Gestão, participando no planejamento, formulação e
atualização do projeto urbano e, a qual apoiou por sua vez nos trabalhos de
consecução dos serviços e na legalização dos planos de zoneamento. Agora no
referente ao papel do governo central, este se concentrou em dirigir seus auxílios ao
financiamento de obras para serviços sociais, como a construção de escolas, postos
médicos, avenidas e ruas, etc.; geralmente como resultado das exigências e
demandas da mesma população organizada.
Em segundo lugar, a atuação das instituições civis aparece junto à conformação da
CUAH, desde sua fase inicial e durante as várias etapas do seu desenvolvimento,
aportando com recursos econômicos, capacitação, estudos e investigações,
assessoramento técnico especializado e participação na construção do plano de
desenvolvimento integral. O primeiro grupo de instituições civis que trabalharam em
Huaycán era formado pelas ONG’s; mas, ainda que estas no tivessem muita
atuação nesta comunidade – por um lado, pela atitude de desconfiança em certo
momento da mesma população em direção a estas47 e também, porque em
46
A primeira experiência deste tipo o constitui a Comunidade Urbana Autogestionária de Villa El
Salvador.
47
A atitude de desconfiança da população de Huaycán em relação às ONG’s aparece em razão
de que em momentos de enfraquecimento da população, um conjunto destas aproveitando a situação,
140
determinada época, elas mesmas não queriam ingressar em Huaycán por medo do
terrorismo que se vivia antes dos anos 90 – ajudaram mais que tudo no referente à
realização de alguns estudos técnicos específicos prévios à habilitação urbana;
investigações, capacitação e assessoramento para a aplicação das inovações
tecnológicas; assim como a formulação de alguns planos de desenvolvimento
econômico para Huaycán e projetos pontuais, como do Parque Industrial. Desta
maneira, se pode mencionar algumas das principais ONG’s que atuaram de uma ou
outra forma no processo de desenvolvimento da CUAH, estas foram: ASOCIACION
LABORAL PARA EL DESARROLLO (ADEC-ATC), CENCA, CARE, CENTRO-IDEA
e PIRKA. Ao anterior se pode somar também o apoio econômico e técnico de
algumas instituições de cooperação internacional, como o Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Programa de Preparação ante
Desastres (DIPECHO) do Departamento de Ajuda Humanitária da Comissão
Européia (ECHO). Tais programas foram importantes aliados desde o início na
promoção desta experiência e, portanto acompanharam na elaboração ou realização
de determinadas metas ou projetos traçados para o desenvolvimento de CUAH –
como parte do seu primeiro Plano Integral de Desenvolvimento.
O seguinte grupo de instituições civis está conformado pelas associações e
cooperativas de moradia e as organizações comerciais da comunidade. As primeiras
apoiaram através do seu auxílio econômico inicial para a organização (sua quota de
ingresso) e participando também em algumas decisões sobre a proposta técnica e,
as segundas além de oferecer também o seu apoio econômico, trabalharam na
habilitação das principais vias e das faixas comerciais.
E, no terceiro grupo de instituições civis se vão localizar as faculdades de
engenharia civil e arquitetura de duas importantes universidades de Lima, a
Universidad Nacional de Ingenieria (UNI) e a Universidad Ricardo Palma; e também
a Escuela de periodismo Jaime Bausate y Meza. As duas primeiras ofereceram
apoio técnico, acompanhamento e assessoramento técnico nos processos de
ingressa a esta comunidade tentando implementar e impulsionar programas e projetos que não eram
necessários nem foram consultados previamente ante a população.
141
habilitação e desenho urbano, atuando por sua vez com estudantes dos últimos
anos de estudos para apoiar no levantamento dos planos topográficos, desenhos de
lotes e planos de tratamento urbano; e a escola de periodismo através do apoio
proporcionado à equipe técnica da comunidade para o desenho de campanhas de
comunicação e programas de difusão radial comunitária.
Finalmente, a participação e o compromisso de autogestão, da mesma população de
Huaycán, como representantes do movimento social (da CUAH) foram vitais para
fazer viável esta proposta de auto-organização popular de bairro, isso somado aos
valores de solidariedade, confiança e reciprocidade para com os seus concidadãos,
em cada uma das fases do projeto de desenvolvimento urbano, principalmente no
referente ao trabalho comunitário.
Quer dizer, os valores antes mencionados se refletiram no trabalho comunitário, no
sentido de que para a construção das moradias, obras gerais de habilitação urbana,
limpeza e preparação de terrenos, construção dos serviços comunitários, coleta de
lixo, transporte de água, construção de letrinas (poças sépticas), etc.; a população
fazia mutirão, com o propósito de satisfazer coletivamente suas necessidades.
Assim também, o trabalho com resíduos sólidos, e os temas de água e saúde
contaram com ampla participação dos homens, mulheres e jovens representantes do
movimento social (da CUAH), chegando a se reunir ao redor de 300 pessoas só
para atender assuntos de limpeza, de saúde e para ver o controle da qualidade da
água. Por essa razão, para garantir o bom uso e controle deste recurso, algumas
ONG’s – como já foi dito anteriormente – se encarregavam de preparar a população,
ministrando palestras informativas ao interior de cada UCV, chegando às vezes
estas palestras estarem dirigidas para um fórum de aproximadamente 1550
pessoas.
Os déficits e conflitos ocorridos através do tempo na CUAH
Um dos seus principais conflitos que enfrenta a CUAH quase desde um inicio é que
a maior parte da população de Huaycán ainda se pode considerar como pobre e não
142
são poucas as famílias, sobretudo nas zonas altas, que vivem numa situação de
extrema pobreza; mas ainda não existe uma cifra oficial ao respeito. O problema da
pobreza em Huaycán, no entanto, tem pouco a ver com a falta de acesso aos
serviços básicos, já que muitas famílias das zonas baixas, que contam com acesso
a todos os serviços, vivem ainda em situação de pobreza. Mas, a pobreza está
associada, neste caso, ao baixo nível educativo da população de Huaycán, que se
traduz em altas taxas de desemprego e subemprego48 – o que não ocorre em VES
(ADEC-ATC, 2000).
A situação da educação – e isto esta relacionado ao ponto anterior - é sumamente
crítica em Huaycán. Quer dizer, esta comunidade conta com uma importante infraestrutura educativa; mas a qualidade do serviço, tanto nas escolas públicas como
privadas, é um pouco baixa. Isto faz, com que perto de 12% da população em idade
escolar fique cada ano sem estudar, e isso, não somente por problemas
econômicos; já que existe um importante setor que se desvincula da escola,
sobretudo no ensino médio, porque considera que os conhecimentos que se
oferecem nela não lhe serão úteis.
Em geral, apesar de que a CUAH tenha avançado muito nos vinte seis anos que tem
de existência, sobretudo – como já disse em outras ocasiões – no que diz respeito
ao acesso aos serviços básicos e públicos. Isto não quer dizer que o tema da
habilitação urbana tenha sido superado por completo, posto que ainda falta construir
algumas pistas e calçadas em uma grande porcentagem da área que ocupa a
comunidade. Portanto, não se pode dizer, em conseqüência, que Huaycán seja uma
área urbana consolidada quando parte do projeto de habilitação ainda não se
encontra concluído; em todo caso, se trata de uma área em vias de consolidação ou
semi-consolidada. Na atualidade, grande parte deste trabalho esta sendo retomado
através de recursos do programa do Estado “Construyendo Peru” (que antes era “A
trabajar Urbano”) e novamente o trabalho coletivo da população interessada por
cada UCV, o qual demonstra que a iniciativa dos vizinhos é ainda fundamental para
a solução destes problemas (ADEC-ATC, 2001).
48
Aproximadamente 51,4% da população de Huaycán se encontra desempregada.
143
Os problemas de falta de consolidação da área total de Huaycán começaram desde
finais dos anos 80, já que ingressaram a Huaycán novos contingentes de população
que, favorecidos pela ausência de quem controlasse e normatizasse a ocupação
nessa época, cobriram rapidamente todas as áreas destinadas a moradias,
chegando inclusive a assentar-se em lugares improvisados, sem as condições
mínimas para ser habilitados (as zonas altas) (LA RED, 2005).
Outro dos déficits importantes que afeta diretamente a população de todas as idades
de Huaycán, é representado pela ausência de áreas verdes e espaços de recreação
ou lazer, sendo provavelmente o serviço público menos desenvolvido com que conta
esta comunidade. Mas, o problema não tem a ver com a ausência de terrenos que
sejam destinados para estes fins – já que na proposta inicial se tinha previsto as
zonas para estes usos –, mas sim com o descuidado estado em que estas se
encontram. Com efeito, em Huaycán existem cinco parques de grande extensão –
sem contar os parques ou campos infantis de menor tamanho – que cobrem uma
área total de 84.385 ha; o equivalente a 4.4% da área urbana da comunidade. Mas,
o problema radica em que estas áreas verdes, com a exceção do Parque Central, se
encontram bastantes descuidadas ou só se conta apenas com o terreno que tem
sido reservado para esse propósito, como no caso do Parque Ecológico de
Huaycán, que tem uma extensão de 4.5 ha. Em outros casos, a arborização tem
avançado um pouco mais, mas ainda falta construir a infra-estrutura. Tudo isso,
somado ao problema da escassez da água, que impede se ofereça uma adequada
manutenção às áreas verdes49 (ADEC-ATC, 2001).
49
Um caso particular, a propósito do tema das áreas verdes e a preservação do meio
ambiente, vem a ser o Projeto Primas Huaycán Verde, proposto na fase inicial do planejamento
urbano, mas que atualmente se encontra bastante descuidado. Este projeto é bastante ambicioso e tem
como objetivo arborizar as ladeiras dos morros de Huaycán de um setor de aproximadamente 10 ha.,
buscando, paralelamente, favorecer a irrigação urbana através da instalação de canais que cheguem
até as zonas A, B, C, D e E, as mesmas que permanecem inativas. Inicialmente, o projeto Huaycán
Verde esteve a cargo da ONG CIUDAD, que não só foi a entidade que contribuiu em seu desenho,
como também a que começou sua execução na primeira metade da década dos 90. Posteriormente, por
problemas internos que se suscitarem nesta ONG, o projeto foi abandoado, para ser retomado em
março de 1999 por parte do CEC – CUAH em coordenação com a Municipalidade de Ate – Vitarte e o
Colegio Juan XXIII. Mas, atualmente o projeto se encontra semi-paralisado, com uma infra-estrutura
que por desgraça, não se encontra em bom estado. Ao anterior cabe agregar as dívidas que se
acumulam de anos anteriores com Luz del Sur e com o Fundo Contravalor Peru – Francia, sendo que a
última chega a 168.000 dólares. Fora a todos estes problemas, tem-se realizado algumas plantações de
144
Agora, especificamente, no caso da Comunidade Urbana Autogestionária de
Huaycán (CUAH) e sua estrutura organizativa que responde a um esquema
piramidal de participação, com o decorrer do tempo, se tem tornado obsoleta. Quer
dizer, o seu modelo organizativo, que concebe a participação como um envolvimento
generalizado da população, funcionou bem em seus inícios, quando a prioridade da
população era o aceso aos serviços básicos de luz, água e esgoto; mas de forma
similar que à de VES, à medida que estes problemas se foram solucionando sobretudo nas zonas baixas de Huaycán -, a organização comunitária pouco a
pouco começou a enfraquecer-se. A este enfraquecimento contribuiu também a
ação do Sendero Luminoso e das Forças Armadas nos anos mais críticos da guerra
interna (1990 - 94), que fez que a população se inibisse de participar na organização
comunitária. Tudo isso, somado à corrupção de um importante setor dirigente – e ao
fato irreversível de Huaycán ser, na atualidade, uma comunidade muito mais
complexa do que foi quando se fundou –, deu lugar à atual crise orgânica da CUAH,
que se traduz numa desconfiança geral da população em relação à gestão
comunitária que gera, a sua vez, uma baixa participação dos vizinhos nas distintas
instancias da organização comunal (ADEC-ATC, 2001).
Outro dos problemas e carências existentes se dá em torno às atividades
econômicas desenvolvidas em Huaycán. Primeiro, porque a maioria das atividades
comerciais nas quais trabalha a maior porcentagem da população desta
comunidade, não se encontram integradas ao sistema econômico formal, sendo em
sua maior parte, atividades que operam dentro do circuito da economia informal.
Nesse sentido, tendem a reproduzir a pobreza na qual vive a maioria desta
população. Por outro lado, os grêmios e associações de pequenos microempresários
– PYMEs só se restringem a oferecer seus produtos ao mercado de Huaycán, sendo
muito poucos os que colocam seus produtos em outros mercados e, os que o fazem,
em sua maior parte, operam através de mecanismos indiretos. Alguns – sobretudo
frutas e a municipalidade tem colocado uma pessoa para a manutenção das motobombas e o cuidado
da zona; o qual resulta insuficiente. Prova disso, vem a ser a invasão que tem ocupado parte da área
do projeto. Tudo isso, faz pensar no futuro do Projeto Huaycán Verde ainda como algo incerto, já que
nem a municipalidade nem o CEC - CUAH contam com os recursos necessários para continuá-lo e,
tampouco se conta com financiamento de alguma entidade cooperante do exterior.
145
na linha de calçado – o fazem através da subcontratação com empresas de maior
tamanho que contam com um mercado próprio e que buscam baratear custos
através deste mecanismo, entanto outros trabalham para outras PYMEs melhor
posicionadas. Em suma, como se pode apreciar, o principal problema que padecem
as PYMEs de Huaycán é a ausência de cultura empresarial de seus proprietários; o
que, somado à desconfiança que existe entre eles, explica o baixo nível de
desenvolvimento alcançado (ADEC-ATC, 2001).
FOTO 6: Praça de Armas de Huaycán
FOTO 8: Parque Industrial de Huaycán
FOTO 7: Agência Municipal de Huaycán
FOTO 9: Moradias - Atelier do Parque
Industrial
Para culminar com a abordagem da experiência da Comunidade Urbana
Autogestionária de Huaycán, torna-se fundamental fazer uma avaliação da mesma
com base às políticas e princípios do modelo construído de planejamento integral
urbano sustentável (modelo autogestionário), analisando seus principais bloqueios,
146
limites, assim como conquistas alcançadas desde sua etapa de formação até a
atualidade.
Quadro 4: Avaliação da experiência da Comunidade Urbana Autogestionária de Huaycán
com base no modelo normativo de planejamento integral urbano sustentável (modelo
autogestionário): bloqueios, limites e conquistas.
Políticas e princípios de
Planejamento Integral Urbano
Sustentável
Política de
planejamento
integral
Bloqueios
Limites
Conquistas
• Integrando a cidade como um
todo, com uma
visão ampla de
desenvolvimento
que englobe todas
as áreas e setores da
cidade, incluindo as
suas
diferentes
classes sociais.
• Além do aspecto
urbano - espacial, não
se desenvolveram à
parte políticas urbanas que vinculem
social, econômica ou
culturalmente
este
bairro popular, ao
resto da cidade.
• A integração deste
bairro popular com
Lima Metropolitana
só
se
consegue
espacialmente, mas
não nos aspectos
social, cultural, nem
econômico.
• Distribuindo de
forma eqüitativa a
renda, os equipamentos e serviços
urbanos.
• Não se propôs
nenhum equipamento
urbano
de
nível
metropolitano
que
propiciasse uma integração desta comunidade com outras
áreas da cidade. O
Parque Ecológico de
Huaycán – que conta
com uma extensão de
4.5 há -, só foi
desenhado para servir
à população local e
conta apenas com o
terreno,
reservado
para esse propósito.
• Apesar dos postos
de
trabalho
ser
ocupados em sua
maioria pela população de Huaycán, sua
escassa especialização ou tipo de
atividade não permite
melhorar o nível
econômico desta população, que continua
sendo
considerada
como pobre.
• Se chegou a
integrar espacialmente este bairro
popular ao contínuo
urbano de Lima
Metropolitana, através de importantes
vias de acesso que
comu-nicam a esta
com distintos pontos da cidade de
Lima.
• O equipamento
Parque
Industrial
somado às atividades econômicas
complementares e
atividades comerciais que se desenvolvem nas Faixas
Comerciais e que
conformam
as
UVC’s (Unidades
de Vivienda Comercial) fornecem
postos de trabalho
que são aproveitados por 82.3% das
pessoas residentes
no lugar.
• Garantindo os
direitos sociais a
todos os cidadãos,
para que possam
participar com total
democracia e liberdade em cada um
dos processos de
tomada de decisão.
• Os direitos sociais
referentes a uma
participação livre e
democrática
foram
garantidos somente
durante o período de
governo promotor da
experiência e política
urbana.
•
• As fontes e tipos de
Outorgando
as
• Através da política implementada
se promoveu a
participação em todos os momentos
da
planificação
urbana, garantindo
à população de
Huaycán, os seus
direitos sociais.
• A proposta de
147
Política de
planejamento
participativo
facilidades necessárias a toda a população (especialmente dos setores mais
carentes e excluídos) para estas fazerem suas próprias
escolhas de vida, de
melhoramento da
qualidade de vida e
de acesso livre às
oportunidades
de
emprego existentes
na cidade.
• Integrando vários
âmbitos ou campos
de intervenção nos
aspectos social, humano, econômicoprodutivo, urbanoterritorial, ambiental, educativo, cultural e legal.
emprego propostos a
partir do plano original com a retórica
da
autosuficiência
foram feitos só para
servir e ficar de
forma restrita ao
âmbito local, mas não
permiti-ram uma vinculação com outras
esferas
e
ramos
econômicos a nível
metropolitano.
• Incluindo toda a
população (com ênfase na participação popular) a participar de forma democrática nos processos de tomada
de decisão sobre
temas que comprometem ao futuro de
nossas cidades.
• A participação
começou a debilitarse a partir de que os
problemas de acesso
à moradia e aos
serviços básicos de
luz, água e esgoto, se
foram solucionando.
A este enfraquecimento também se
soma a ação do
Sendero Luminoso e
das FF. AA. nos anos
mais
críticos
da
guerra interna (1990 94), que fez com que
a população se inibisse de participar na
organização comunitária. Tudo isso,
somado à corrupção
de um importante
setor dirigente em
determinado
momento, que deu lugar
à atual crise orgânica,
que se traduz numa
cidade autogestionária era feita a
favor daqueles que
não contavam com
moradia própria e
tinham
escassos
recursos, com o
objetivo de melhorar suas condições
de vida, assim
como acesso às
oportunidades em
geral com justiça
social.
• O plano original
de Huaycán englobou vários aspectos
(urbano,
social,
econômico - produtivo, cultural, ambiental e legal),
com propostas de
intervenção
para
cada um destes
temas, que permitiram em conjunto
um
desenvolvimento integral da
comunidade.
• Se incluiu a
participação popular, para que através
de sua organização, a CUAH, se
atuasse de forma
ampla e democrática em cada um
dos processos de
tomada de decisão
dos planos, projetos
e ações a serem
propostos, via o
desenvolvimento
integral da comunidade.
148
desconfiança geral da
população à direção
comunitária.
• Incentivando a
iniciativa popular.
Política de
planejamento
urbano
• Envolvendo um
conjunto de conhecimentos de ordem
econômica, política,
social,
cultural,
legal e ambiental,
que sejam a soma
das contribuições
tanto dos diferentes
profissionais assim
como da população
local.
• Promovendo soluções de desenho
urbano que fortaleçam as relações
sociais internas
• A iniciativa popular foi um aspecto incentivado e
promovido
pelo
mesmo
aparelho
estatal.
• As propostas de planejamento eram feitas
principalmente
para
resolver
as
carências imediatas
da população de
Huaycán, mas não se
pensou em propor
ações de desenvolvimento
para
o
futuro, provocando
assim, um desinteresse e diminuição da
participação da população de Huaycán
como
movimento
social, quando se
tinha alcançado um
nível razoável de
urbanização.
• O rompimento tanto
físico como organizativo da trama original
de Huaycán, surge a
partir dos anos 80,
quando ingressam em
Huaycán novos contingentes de população que, favorecidos pela ausência
de quem controlasse
e normatizasse a
ocupação nesse momento, cobriram rapidamente as áreas
livres, assentandose
até
em
lugares
improvisados, sem as
condições mínimas
para ser habi-litados.
• Sua proposta de
planejamento urbano abrangeu vários
campos de conhecimento transmitidos em diversos
âmbitos de desenvolvimento,
que
foram produto do
trabalho
coordenado e aportes em
conjunto da população local organizada, as instituições
públicas e civis e,
profissionais independentes.
• O desenho da trama
urbana original, correspondente à urbanização de Huaycán,
apesar de estar concebida para facilitar a
organização
social
comunitária, aparece
um tanto desordenada, por não seguir
um padrão modular, o
que ocasiona uma
ineficiente integração
geral do bairro, assim
como uma desorientação para os visitantes que chegam de
outras
partes
de
Lima, e esta desorientação se dá inclusive nos mesmos
moradores.
• A particularidade
do desenho das
UCV’s de Huaycán,
como parte do planejamento urbano,
nas quais os lotes
estão dispostos à
borda do perímetro
de cada Unidade
Comunal, confluindo para espaços
abertos, contribuiu
e facilitou o desempenho de sua organização social (a
CUAH), onde as
famílias de cada
unidade de moradia
participavam trabalhando
coletivamente tanto pela
gestão
de
sua
propriedade, como
da
propriedade
comunitária, contribuindo assim, ao
desenvolvimento
149
integral de cada
UCV e, do conjunto
da urbanização.
Política de
planejamento
sustentável
• Tendo como objetivo a construção
da
“sustentabilidade democrática
em nossas cidades”,
começando por fortalecer as camadas
populares, integrando-as e transformando-as em sujeitos politicos de
seu ambiente material, social, econômico e cultural,
com seus direitos
amplos e garantidos.
• Promovendo um
desenvolvimento
eqüitativo, produtivo e autônomo de
cada uma das áreas
e setores da cidade
num período prolongado de tempo,
partindo pela escala
local
• Os projetos e programas, como parte
das metas e propósitos pelos quais a
população
de
Huaycán lutava –
pela sua característica
de estarem dirigidos a
resolver as necessidades imediatas da
população – eram,
maiormente resolvidos no curto prazo,
não
permitindo,
portanto, uma vinculação
maior
ou
interesse por parte
desta em relação a
continuar trabalhando
por
políticas
ou
propostas com uma
visão maior em longo
prazo.
• O projeto de autogoverno comunitário,
na figura da CUAH,
entra em crise a partir
de 2001, ano em que
esta organização foi
suplan-tada pela nova
gestão municipal e o
governo central começou a aplicar uma
política assistencialista que neutraliza a
ação
criativa
da
mesma
população.
Isso vai fazer com
que organização comunitária realize sua
gestão em conflito
permanente com as
instituições estatais.
• Se promoveu o
funcionamento de
um projeto de autogoverno comunitário que com a
retórica da “autogestão” impulsionou
à
mesma
população local a
trabalhar para o
alcance de cada
uma de suas metas
e propósitos, como
parte de um planejamento urbano
integral e sustentável, chegando a
obter importantes
logros.
•
Se
procurou
dentro dos lineamentos do planejamento
integral
urbano sustentável,
que toda obra ou
inversão fosse cumulativa, servindo
de base para sucessivos avanços (ou
etapas) dos projetos. É assim, por
exemplo, que para o
saneamento
ambiental se considerou um sistema
progressivo e de
baixo custo, baseado no uso racional
da água, o abastecimento da água
por etapas, a recuperação e preservação dos canais de
irrigação existentes,
uma proposta progressiva de evacuação de excretas, o
uso de água do rio
Rímac (o rio da
150
• Buscando novas
alternativas e iniciativas de produção que incentivem
à população num
trabalho coletivo,
sendo também uma
fonte de emprego e
recursos locais, permitindo à população administrar de
forma eficiente o
território e seus
recursos (autogestão).
•
Articulando-se
econômica e socialmente em redes –
locais, nacionais e
internacionais
–
vinculadas ao que
tem sido denominado de economia
popular e solidária.
• Tendo como objetivo a construção da
“sustentabilidade
democrática em nossas cidades”, começando por fortalecer as camadas
populares
• O processo de
produção que se
desenvolve no Parque
Industrial é bastante
disperso e pouco
programado, devido à
escassa especialização das atividades de
trabalho; o qual não
lhe permite competir
nem interagir com
outros ramos produtivos a nível local,
nacional e internacional.
Por outro lado, existe
uma ausência de
cultura empresarial
por parte dos proprietários do Parque
Industrial; o que,
somado à desconfiança que existe
entre eles, não lhes
permite atuar de
forma autogestionária
nem alcançar a formular propostas em
conjunto.
• A maior percentagem da PEA de
Huaycán
trabalha
dentro do ramo das
atividades
comerciais, mas, que em
sua maioria não se
encontram
integradas ao sistema econômico formal. Nesse
sentido, tendem a
reproduzir a pobreza
na qual vive a
maioria desta população.
zona) e o desenvolvimento e promoção de microaterros sanitários.
• Se incentivou a
criação de uma economia local autosustentável, através
da construção de
um Parque Industrial onde se desenvolvem atividades
micro-empresariais,
somado às atividades comerciais das
UVC’s, localizadas
nas Faixas comerciais da urbanização e, que fornecem
ambas, postos de
trabalho, que são
aproveitados quase
em sua totalidade
pela população local.
• Os grêmios e
associações de pequenos micro-empresários – PYMEs só
oferecem seus produtos ao mercado de
Huaycán,
sendo
muito poucos os que
colocam seus produtos em outros mercados, quer dizer, sua
articulação em redes
econômicas é ainda
parcial, apesar de que
pouco a pouco este
número esteja incrementando-se.
• Se chegou a desenvolver
uma
“sustentabilidade
democrática” ao interior de Huaycán.
151
3.3.
A proposta do “Plano Integral de Desenvolvimento Metropolitano” 50
Corresponde a uma proposta elaborada pelo Instituto Metropolitano de Planificación
– IMP (Instituto Metropolitano de Planejamento), sob encargo da Municipalidade
Metropolitana de Lima dentro do governo municipal de Alberto Andrade Carmona, no
ano 1997, com a finalidade de reformular e inovar o vigente PLANDEMET 19902010, pelo seu caráter fundamental de ser um Plano Urbano, quer dizer, centrado
unicamente em instrumentos técnico-normativos orientados ao desenvolvimento
físico da metrópole. Portanto, de acordo com a Ordenança 99, se tratou de
reformular o Plano vigente e inová-lo em termos mais abrangentes, de
desenvolvimento integral com uma projeção de médio prazo, 1998-2002.
O Plano proposto abordava o “desenvolvimento integral”, quer seja Metropolitano ou
Distrital, como um processo de múltiplas dimensões: econômico, social, cultural,
político-institucional, urbano-espacial e ambiental; que transforma a realidade, de um
ou de outro âmbito, desde uma perspectiva humana totalizadora. Quer dizer, que os
protagonistas e destinatários do conjunto de propostas do Plano são os homens e
mulheres, que de maneira associada, familiar ou individual, procurem os objetivos de
bem-estar que física, psíquica, econômica, social e culturalmente são desejáveis e
possíveis no nível de desenvolvimento da sociedade como um todo.
Para esse fim, o Plano correspondente estava dirigido à promoção, consolidação e
generalização das condições e oportunidades de diferentes tipos, que permitissem
aos
amplos
setores
afetados
por
variadas
condições
de
marginalidade,
vulnerabilidade e precariedade, a acessar de modo permanente os bens e serviços
que lhes permitam desfrutar de melhores condições de habitat e de bem-estar
integral.
Por outro lado, o “desenvolvimento” a que se referia o Plano Integral de
Desenvolvimento Metropolitano, apontava para as seguintes características: ser
50
Fonte: INSTITUTO METROPOLITANO DE PLANIFICACIÓN, 1997.
152
democrático, sustentável, equitativo e integral. Tudo isso, reforçado com as
diretrizes gerais do Plano que apresentavam orientações específicas por cada um
dos âmbitos dos seus temas de envolvimento, sendo que os correspondentes ao
desenvolvimento e inclusão social dos bairros populares são nomeados de forma
mais específica dentro dos âmbitos e diretrizes para o desenvolvimento econômico,
social, cultural e urbano, descritos a seguir:
- Dentro das diretrizes econômicas: A política do desenvolvimento econômico tem
como objetivo central melhorar as condições de vida da população metropolitana,
“em especial” dos setores em situação de pobreza e de extrema pobreza, através
de um conjunto de medidas que promovam a inversão privada geradora de
emprego, assim como a promoção e apoio às pequenas e microempresas
geradoras de auto-emprego para amplos setores e bairros populares. Assim
mesmo, pelas limitações inerentes às funções do Conselho Metropolitano e
Conselhos distritais e dos escassos recursos que estes dispõem, o alcance dos
objetivos para o desenvolvimento econômico propunha a concertação de esforços
conjuntos do Governo Central, o empresariado privado, as ONG’s, os grêmios das
pequenas e microempresas e a população em geral, quer dizer uma
cooperatividade sistêmica, nos termos de De Paula Monteiro no seu livro
“Cooperação” (Monteiro, 2003). Também, se propunha a implementação de um
Sistema de Informação interconectado em rede sobre os diferentes serviços
oferecidos nos diversos distritos da metrópole, assim como o estabelecimento de
quotas de aquisição de bens e serviços produzidos pelas pequenas e
microempresas nas compras.
- Dentro das diretrizes sociais: A política para o desenvolvimento social tinha por
objetivo o reforço dos processos de integração e coesão social e o
enfraquecimento e/ou a erradicação dos fatores de exclusão e de marginalização
social. Para isso, se indicava a melhoria e elevação das condições de vida
existentes, principalmente daqueles setores sociais afetados pelas diversas
carências, que não permitem o alcance das metas de bem-estar que individual,
familiar e coletivamente se propõem alcançar. Para isso se propunha ampliar ou
153
otimizar os atuais serviços e infra-estruturas socialmente necessários e melhorar o
serviço de seguridade cidadã como um componente consolidado e permanente.
Alem disso, para fins de “desenvolvimento social” se propunha animar e que este
seja o resultado da promoção e consolidação de diversas formas de participação
vizinhal e cidadã na própria gestão da metrópole e dos distritos. Por outro lado, a
concertação dos diferentes atores sociais e agentes públicos e privados a nível
interdistrital e distrital, devia converter-se no componente decisivo para a gestão da
cidade.
- Dentro das diretrizes culturais: tinha-se por objetivos a promoção e consolidação da
tolerância e respeito mútuo das diferentes identidades culturais existentes, também
promover a ampliação da cobertura dos serviços de infra-estrutura culturais que
facilitem o livre desenvolvimento de atividades e manifestações culturais diversas
(artes, deportes, recreação, etc.). Por outra parte, a gestão municipal devia
empreender a avaliação e a tarefa de assumir responsabilidades decisivas no
processo de educação da população metropolitana em idade escolar, assim como
também a tarefa de organizar programas permanentes de capacitação da
população economicamente ativa envolta em atividades de produção e
comercialização de bens e serviços através das micro e pequenas empresas.
- Dentro das diretrizes urbanas: propunha-se que as normas de ocupação do solo
fossem flexibilizadas de modo a permitir maiores compatibilidades de uso,
reduzindo a especialização das atividades urbanas, isto complementado com a
incorporação de novas áreas de expansão urbana. Por outro lado, se promoveria a
execução de projetos municipais de habilitações urbanas progressivas com
padrões de maior densidade urbana e, enquanto aos serviços básicos urbanos se
coordenaria com as empresas de serviços as ações necessárias para assegurar a
cobertura de abastecimento da demanda metropolitana, assim como o incentivo à
participação da iniciativa privada no campo do saneamento.
Como podemos verificar, a proposta de Plano Integral de Desenvolvimento
Metropolitano tinha muitas condições para ser um plano que funcionasse de forma
154
eficiente, com muitas expectativas de obter bons resultados no referente ao
desenvolvimento integral da metrópole, mas o problema foi que logo depois de ser
formulado e aprovado, ao passar à etapa de implementação e execução só se teve
um avanço de 30% do total de programas, projetos e ações que deviam ser
executadas como parte das diretrizes para o desenvolvimento dos diferentes
âmbitos previstos. Isso devido ao fato das mesmas autoridades que o formularam
começarem a colocar muitos entraves para a continuidade do mesmo. As razões
principais que se conhecem é que sua ênfase ampla na inclusão da participação
cidadã na tomada de decisões e na aprovação de projetos entorpecia a execução
rápida e efetiva dos projetos já decididos desde cima, apesar de que já entrava em
funcionamento a Ordenança N° 620-MML que regulamenta que para o processo de
aprovação do Plano de Acondicionamento Territorial e Desenvolvimento Urbano de
Lima, este deve passar necessariamente pela aprovação e consulta dos moradores
do bairro (consulta vecinal), a fim de que eles possam formular suas observações,
alterações e recomendações respectivas. De qualquer forma, depois dos supostos
problemas atribuídos ao Plano Integral de Desenvolvimento Metropolitano, este ficou
apenas no papel, não sendo tomado mais em conta, nem no governo municipal que
se encarregou de sua elaboração nem os sucessivos governos municipais de Lima,
os quais só se regem pelo PLANDEMET 1990-2010.
Para culminar com a abordagem da proposta do Plano Integral de Desenvolvimento
Metropolitano, torna-se fundamental fazer uma avaliação da mesma com base às
políticas e princípios do modelo construído de planejamento integral urbano
sustentável (modelo autogestionário), analisando seus principais bloqueios, limites,
assim como conquistas alcançadas desde sua etapa de formação até a atualidade
(ver Quadro 5).
155
QUADRO 5: Avaliação da proposta de Plano Integral de Desenvolvimento Metropolitano
com base no modelo normativo de planejamento integral urbano sustentável (modelo
autogestionário): bloqueios, limites e conquistas.
Políticas e princípios de
Planejamento Integral Urbano
Sustentável
Política de
planejamento
integral
• Integrando a
cidade como um
todo, com uma
visão ampla de
desenvolvimento
que englobe todas
as áreas e setores
da cidade, incluindo as suas diferentes classes sociais.
• Integrando vários âmbitos ou
campos de intervenção nos aspectos social, humano, econômico
-produtivo, urbano-territorial, ambiental, educativo,
cultural e legal.
Bloqueios
Limites
Conquistas
• O Plano urbano
proposto concebia o
tema de “desenvolvimento integral”, seja
Metropolitano
ou
Distrital, como um
processo de múltiplas
dimensões: econômico, social, cultural,
político-institucional,
urbano-espacial e ambiental; que transformassem a realidade,
de um ou de outro
âmbito, desde uma
perspectiva humana
totalizadora.
Quer
dizer,
onde
os
protagonistas e destinatários do conjunto
de propostas do Plano
seriam os homens e
mulheres, que de
maneira
associada,
familiar ou individual,
conseguissem
seus
objetivos de bemestar, desejáveis e
possíveis para alcançar o desenvolvimento da sociedade
como um todo.
• A política de desenvolvimento urbano integral, como
processo de múltiplas
dimensões (econômico, social, cultural,
político-institucional,
urbano-espacial e ambiental), ficou somente como objetivo no
papel, já que suas
ações e projetos,
destinados ao desenvolvimento e inclusão social dos bairros
populares,
nunca
foram efetivamente
implementados.
• A implementação
de um Sistema de
Informação interconectado em rede –
que integraria de
alguma forma os
distintos setores e
bairros populares de
Lima – sobre os diferentes serviços oferecidos nos diversos
pontos da metrópole
–, ficou só no nível
de proposta.
156
• Garantindo os
direitos sociais a
todos os cidadãos,
para que possam
participar com total democracia e
liberdade em cada
um dos processos
de tomada de
decisão.
• Outorgando as
facilidades necessárias à toda a
população (especialmente
dos
setores mais carentes e excluídos) para estas
fazerem suas próprias escolhas de
vida, de melhoramento da qualidade de vida e de
acesso livre às
oportunidades de
emprego existentes na cidade.
• Integrando vários âmbitos ou
campos de intervenção nos aspectos social, humano, econômico
-produtivo, urbano-territorial, ambiental, educativo,
cultural e legal.
• O plano integral de
desenvolvimento ficou estancado em sua
etapa inicial, atribuindo-se ao fato das
mesmas autoridades
que o formularam
começarem a colocar
muitos entraves para
a continuidade do
mesmo, já que sua
ênfase ampla na
inclusão da participação cidadã na
tomada de decisões e
na aprovação de projetos entorpecia a
execução rápida e
efetiva dos projetos já
decididos desde cima.
• O conjunto de
medidas sociais, econômicas, urbanas e
culturais, como parte
das diretrizes do
plano integral de
desenvolvimento, que
promoviam de forma
geral, um melhoramento das condições
de vida existentes – a
partir da ampliação e
otimização do acesso
à habitação, serviços
básicos, equipamentos urbanos e às oportunidades de emprego –, ficaram só na
maneira de proposta.
• A participação
popular – nos processos de construção e
tomada de decisão
dos planos, projetos e
ações como parte do
plano integral de
desenvolvimento, –
ficou paralisada junto
ao mesmo plano urbano, a partir da decisão em determinado
momento, do mesmo
governo de interromper o funcionamento
do plano.
• No curto tempo que
durou a implementação da proposta se
promoveu e consolidou diversas formas
de participação vicinal e cidadã na
própria gestão da
metrópole e dos distritos. Portanto, foram
garantidos na população dos bairros populares de Lima, os seus
direitos sociais.
• O Plano correspondente estava dirigido à
promoção, consolidação e generalização
das condições e oportunidades de diverso
tipo, que permitam
aos amplos setores
afetados por variadas
condições de marginalidade, vulnerabilidade e precariedade,
acessar de modo
permanente os bens e
serviços que lhes
permitam desfrutar de
melhores condições
de habitat e de bemestar integral.
• O plano integral de
desenvolvimento metropolitano esteve desenhado para reunir os
seguintes princípios:
ser democrático, sustentável, equitativo e
integral; que formam
parte dos diferentes
âmbitos de intervenção que abrange o
plano, nos temas
social, urbano, econômico e cultural.
157
Política de
planejamento
participativo
Política de
planejamento
urbano
Política de
planejamento
sustentável
• Incluindo toda a
população (com
ênfase na participação popular) a
participar de forma democrática
nos processos de
tomada de decisão
sobre temas que
comprometem ao
futuro de nossas
cidades.
• Não se chegou a
produzir uma verdadeira participação da
população, primeiro
porque esta não formou parte na elaboração do plano e
segundo porque sua
atuação ficou inconclusa, na medida em
que em pouco tempo
de funcionamento do
plano, foram fechados os canais ou
modos de participação.
• Se incluiu e
promoveu
diversas
formas de participação vicinal e cidadã, para que através
de suas organizações,
atuassem de forma
livre e democrática,
trabalhando em todo
momento tanto pela
gestão da metrópole,
como dos distritos e
bairros populares.
• Envolvendo um
conjunto de conhecimentos de
ordem econômica,
política,
social,
cultural, legal e
ambiental, que sejam a soma das
contribuições tanto dos diferentes
profissionais
assim como da
população local.
• Dos âmbitos de
desenvolvimento propostos como parte
das diretrizes do
plano integral, só se
teve um avanço de
30% do total de
programas, projetos e
ações que deviam ser
executadas, já que o
plano ficou parado
(sem continuidade),
pelas razões anteriormente expostas.
• Sua proposta de
planejamento urbano
abrangeu vários princípios e campos de
conhecimento transmitidos em diversos
âmbitos de desenvolvimento.
Assim
mesmo, para o alcance de determinados
fins se propôs a
concertação dos diferentes atores sociais e
agentes públicos e
privados a nível interdistrital e distrital, e
que deviam converterse no componente
decisivo para a gestão
da cidade.
• Promovendo soluções de desenho
urbano que fortaleçam as relações
sociais internas.
• Não se promoveram
soluções de desenho
urbano que fortalecessem as relações
sociais internas. A
proposta só se limitou
a promover a execução de projetos
municipais de habilitações urbanas progressivas com patrões
de maior densidade
urbana.
• Promovendo um
desenvolvimento
eqüitativo, produtivo e autônomo
de cada uma das
áreas e setores da
cidade num perío-
• A proposta só se
limitava a promover a
generalização do acesso de modo permanente aos bens e
serviços que lhes
permitam desfrutar de
• O Plano promovia
um desenvolvimento
equitativo, na medida
em que por um lado,
estava direcionado a
consolidar e generalizar as condições e
158
3.4.
do prolongado de
tempo, partindo
pela escala local.
melhores condições
de habitat e de bemestar integral, mas
não propunha ações
para o alcance desses
propósitos.
• Buscando novas
alternativas e iniciativas de produção que incentivem à população
num trabalho coletivo, sendo também uma fonte de
emprego e recursos locais, permitindo à população
administrar
de
forma eficiente o
território e seus
recursos (autogestão).
• A proposta de • As oportunidades de
incentivo à criação de emprego e autouma economia local, emprego oferecidas
como parte das dire- como
parte
das
trizes
econômicas, propostas de desenonde se propunham volvimento econômialgumas alternativas co, não foram pene iniciativas de pro- sadas para ter uma
dução, nunca chegou vinculação
maior
a ser imple-mentada.
com outros ramos e
grêmios produtivos
em outras escalas,
além do âmbito local,
nem para incentivar à
população num trabalho coletivo e autogestionário.
• Tendo como objetivo a construção da “sustentabilidade democrática em nossas
cidades”.
• Não se chegou a
desenvolver
uma
“sustentabilidade democrática”, na medida em que as propostas e ações dirigidas a esses fins
ficaram estancadas ou
inconclusas.
oportunidades de diferentes tipos e, por
outro estes aspectos
seriam aproveitados
pelo conjunto da
população, com ênfase nos setores e
bairros mais carentes
da cidade.
• Se incentivou a
criação de uma economia local autosustentável,
como
parte da política do
desenvolvimento econômico, que tinha
como objetivo central
melhorar as condições
de vida da população
metropolitana,
“em
especial” dos setores
em situação de pobreza e de extrema pobreza, através de um
conjunto de medidas
que promoveriam a
inversão privada geradora de emprego,
assim como a promoção e apoio às pequenas
e
microempresas geradoras
de auto-emprego a
amplos setores e
bairros populares.
A proposta do Plano “Por uma Lima e um Callao Verdes” 51
Corresponde a uma iniciativa da Municipalidade Metropolitana de Lima e a
Municipalidade do Callao com o apoio do Conselho Nacional do Ambiente
51
Fonte: PLAN POR UNA LIMA Y UM CALLAO VERDES, Grupo GEA, 2007.
159
(CONAM), realizada em aliança com o Ministério de Vivienda, Construcción y
Saneamento (MVCS) e o Instituto de Defensa Civil (INDECI), sob os auspícios do
Programa de Naciones Unidas para el Medio Ambiente (PNUMA), o Programa de
Naciones Unidas para los Asentamientos Humanos (UM-HABITAT) e o Programa de
las Naciones Unidas para el Desarrollo (PNUD).
O Plano “Por uma Lima e um Callao Verdes” faz parte de uma estratégia e um Plano
de Ação para implementar o “Pacto por uma Lima e um Callao Verdes” subscrito em
18 de Janeiro de 2007. O Pacto em si vem a ser o resultado de um inédito processo
de consulta e participação acerca da problemática ambiental da cidade realizado
desde o ano 2004, no marco da Iniciativa de Gestão Ambiental Urbana de Lima e
Callao que congregou a todas as Instituições, organizações, líderes, especialistas e
cidadãos em geral, para a tomada de decisões e a elaboração de um acordo sobre a
cidade.
O Plano busca promover, como o nome o indica, uma Lima e um Callao saudável e
verde para todos seus habitantes, contribuindo com instrumentos, mecanismos e
experiências para ordenar a ocupação do solo; garantir o uso sustentável das bacias
(cuencas) e o uso eficiente da água; proteger os ecossistemas e ampliar o verde
urbano. Nesse sentido, o plano procura dar respostas aos seguintes aspectos:
- A desarticulação da gestão territorial e a debilidade da gestão ambiental a nível
local;
- A ocupação desordenada do solo e o uso ineficiente da água nas três bacias
hidrográficas que sustentam Lima e Callao;
- A escassez de moradia adequada para satisfazer as necessidades dos setores
populares e
- A perda dos vales agrícolas, dos ecossistemas naturais e a escassez de espaços
verdes e recreativos nas áreas urbanas.
Além disso, a finalidade principal do Plano é dotar à cidade de instrumentos e
capacidades técnicas e institucionais para promover uma adequada gestão
160
ambiental e territorial, que garantissem uma ocupação sustentável do solo e um uso
eficiente da água para todos os usos urbanos. Para isso o Plano promove os
princípios das quatro dimensões da sustentabilidade: Dimensão de governabilidade,
dimensão ambiental, dimensão social e dimensão econômica; incentivando temas
como a gestão participativa e concertada, a minimização no consumo de recursos
para as atividades urbanas (água, solo e energia), infra-estrutura e serviços de
qualidade (transporte, água, deságüe, energia), assim como de serviços educativos
e de saúde, moradias dignas e alta seguridade, mais áreas verdes e espaços
públicos de encontro social, eco-eficiência e produção mais limpa, entre outros (Plan
por uma Lima y um Callao Verdes: Hacia uma Agenda 21 Local. Grupo GEA, 2007).
O Pacto por uma Lima e um Callao Verdes foi assinado, mas ainda falta a etapa de
aprovação e implementação da Estratégia e Plano de Ação do mesmo nome, para
alcançar os objetivos expostos. Para estes fins, se estão recolhendo novamente
determinado número de assinaturas de pessoas e instituições a favor, para que este
seja efetivamente aprovado e posto em ação.
Para culminar com a abordagem da proposta do Plano por uma Lima e um Callao
Verdes, torna-se fundamental fazer uma avaliação da mesma com base às políticas
e princípios do modelo construído de planejamento integral urbano sustentável
(modelo autogestionário), analisando seus principais bloqueios, limites, assim como
conquistas alcançadas desde sua etapa de formação até a atualidade.
QUADRO 6: Avaliação da proposta de Plano “Por uma Lima e um Callao Verdes” com base
no modelo normativo de planejamento integral urbano sustentável (modelo autogestionário):
bloqueios, limites e conquistas.
Políticas e princípios de
Planejamento Integral Urbano
Sustentável
Política de
planejamento
integral
• Integrando a
cidade como um
todo, com uma
visão ampla de
desenvolvimento
que englobe todas
Bloqueios
Limites
Conquistas
• O plano de ação
para a implementação
do Pacto “Por uma
Lima e um Callao
Verdes”, como politica e proposta de
• Não se propõem
claramente canais de
participação popular,
onde a população
possa decidir livremente que é o melhor
• O plano busca
promover de forma
integral, uma Lima e
um Callao saudável e
verde para todos seus
habitantes,
contri-
161
as áreas e setores
da cidade, incluindo as suas
diferentes classes
sociais.
• Garantindo os
direitos sociais a
todos os cidadãos,
para que possam
participar
com
total democracia e
liberdade em cada
um dos processos
de tomada de
decisão.
• Outorgando as
facilidades necessárias à toda a
população (especialmente
dos
setores mais carentes e excluídos) para estas
fazerem suas próprias escolhas de
vida, de melhoramento da qualidade de vida e de
acesso livre às
oportunidades de
emprego existentes na cidade.
• Integrando vários âmbitos ou
campos de intervenção nos aspectos
social,
planejamento integral
urbano e sustentável,
foi subscrito, mas
ainda não chegou a
ser aprovada nem
implementada a estratégia para alcançar
seus objetivos. Para
esses fins, se estão
recolhendo
novamente determinado
número de assinaturas de pessoas e
instituições a favor,
para que seja efetivamente posto em
andamento.
para sua cidade e
fazer suas próprias
escolhas de vida. O
plano em geral está
mais
focado
na
dimensão ambiental,
promovendo
uma
adequada
gestão
ambiental e territorial, onde a população entra em cena,
sendo provida de
instrumentos e capacidades técnicas para
garantir este objetivo.
buindo com instrumentos, mecanismos
e experiências para
ordenar a ocupação
do solo; garantir o
uso sustentável das
bacias (cuencas) e o
uso eficiente da água;
proteger os ecossistemas e ampliar o
verde urbano. Assim
mesmo, o fato de
todos estes propósitos
mencionados, formar
parte de quatro dimensões de sustentabilidade urbana, nas
quais o plano propõe
atuar e que são:
Dimensão de governabilidade, dimensão
ambiental, dimensão
social e dimensão
econômica.
• Se incentivou o
tema referente a uma
gestão participativa e
concertada, que garantiria os direitos
sociais.
• O plano busca uma
integração de toda a
cidade metropolitana,
mas em relação aos
bairros
populares,
apenas se limita a
propor a satisfação de
suas
necessidades
elementares.
Portanto, não oferece
soluções de melhoramento de sua economia, através de alternativas ou iniciativas
de produção que ofereçam fontes
de
emprego começando
pela escala local.
• O conjunto de
medidas e estratégias
formuladas para cada
uma das quatro dimensões de susten-
• O Plano procura
satisfazer as necessidades dos assentamentos
humanos,
bairros e setores populares mais carentes,
dando respostas a temas como, a escassez
de moradia, de infraestrutura e serviços
urbanos de qualidade
(transporte, água, esgoto e energia), de
serviços educativos e
de saúde de qualidade.
• Como parte das
dimensões de sustentabilidade, o plano
incentiva amplos temas como: a gestão
162
humano, econômico-produtivo,
urbano-territorial,
ambiental, educativo, cultural e
legal
Política de
planejamento
participativo
• Incluindo toda a
população (com
ênfase na participação popular) a
participar de forma democrática
nos processos de
tomada de decisão
sobre temas que
comprometem ao
futuro de nossas
cidades.
• Nos processos decisórios de construção
da estratégia e Plano
de ação do “Pacto por
uma Lima e um
Callao Verdes”, não
se deu ênfase à
participação nem à
iniciativa popular e
isso, se pode constatar no conteúdo do
mesmo plano que não
reflete as aspirações
da maioria da população dos setores e
bairros populares.
tabilidade urbana como parte do plano de
ação “Por uma Lima
e um Callao Verdes”,
ainda só figuram no
papel, já que falta a
etapa de aprovação e
implementação
do
mesmo plano.
participativa e concertada, a minimização no consumo de
recursos para as
atividades
urbanas
(água, solo e energia), infra-estrutura e
serviços de qualidade
(transporte, água, deságüe, energia), assim
como de serviços
educativos
e
de
saúde, moradias dignas e seguras, mais
áreas verdes e espaços
públicos
de
encontro social, ecoeficiência e produção
mais limpa, entre
outros.
• O processo participativo concertador
somente se deu na
fase previa à subscrição do “Pacto por
uma Lima e um
Callao Verdes”, onde
se formulou também
a estratégia e o Plano
de Ação do mesmo
nome. Mas, ainda
falta que a população
novamente se reúna
para
atualizar
e
retroalimentar a proposta, uma vez aprovada e, para que sua
implementação seja
mais efetiva.
• O “Pacto por uma
Lima e um Callao
Verdes”– cuja implementação esta ligada
à estratégia e Plano
de ação do mesmo
nome –, vem a ser o
resultado de um inédito processo de consulta e participação
acerca da problemática ambiental e que
congregou a todas as
instituições, organizações, líderes, expertos
e cidadãos em geral,
para a toma de decisões e a elaboração
de um acordo sobre a
cidade.
• Se incentivou o
tema da gestão participativa e consertadora, mas não o referente à iniciativa popular.
• Para que sejam
implementadas
as
estratégias de ação
correspondentes
às
quatro dimensões de
sustentabilidade urbana, se está esperando
a etapa de aprovação
da proposta.
• Sua proposta de
planejamento urbano
busca promover os
princípios das quatro
dimensões de sustentabilidade urbana para o futuro de Lima e
Callao: Dimensão de
governabilidade, dimensão
ambiental,
• Incentivando a
iniciativa popular.
Política de
planejamento
urbano
• Envolvendo um
conjunto de conhecimentos de
ordem econômica,
política,
social,
cultural, legal e
ambiental, que sejam a soma das
contribuições tanto dos diferentes
163
dimensão social e
dimensão econômica,
com estratégias de
ação para cada uma
destas dimensões.
profissionais
assim como da
população local.
• Promovendo soluções de desenho
urbano que fortaleçam as relações
sociais internas.
Política de
planejamento
sustentável
• Promovendo um
desenvolvimento
eqüitativo, produtivo e autônomo
de cada uma das
áreas e setores da
cidade num período prolongado de
tempo, partindo
pela escala local.
• Buscando novas
alternativas e iniciativas de produção que incentivem à população
num trabalho coletivo, sendo também uma fonte de
emprego e recursos locais, permitindo à população
administrar
de
• Como parte das
finalidades do plano,
não se chega a
promover soluções de
desenho urbano que
fortaleçam as relações sociais internas.
As propostas como
parte da dimensão
social só se limitam a
propor instrumentos e
mecanismos para oferecer soluções a determinados aspectos
pontuais, como: melhorar a qualidade da
infra-estrutura, dos
serviços urbanos, dos
serviços educativos e
de
saúde,
criar
maiores áreas verdes
e espaços públicos de
encontro e oferecer
moradias dignas e
seguras.
• O Plano promove
um desenvolvimento
equitativo, na medida
em que busca desenvolver uma cidade
saudável e verde para
o aproveitamento de
todos seus habitantes.
• Não se propõem
estratégias para promover um desenvolvimento produtivo e
autônomo de cada
uma das áreas e setores da cidade como
um todo – especialmente daqueles mais
desprovidos, incluindo a sua população –,
num período prolongado de tempo e
partindo pela escala
local.
• Os temas interessantes incentivados
no plano e conduzidos para um uso e
administração
eficiente do território e
seus recursos, tampouco se podem
realizar pelas mesmas
razões antes expostas
de falta de aprovação
da estratégia e plano
• O plano, à exceção
de outros, incentivou
alguns temas dirigidos a um uso e
administração
eficiente do território e
seus recursos e, isto
através de suas propostas de minimização no consumo de
recursos para as
atividades
urbanas
164
forma eficiente o
território e seus
recursos
(autogestão).
• Tendo como objetivo a construção da “sustentabilidade democrática em nossas
cidades”,
de ação para alcançar
seus objetivos.
(água, solo e energia), proteção dos
recursos naturais, a
incorporação
dos
temas de eco-eficiência e produção mais
limpa, promoção de
uma sociedade recicladora, entre outros.
Estes temas por sua
vez, vão impulsionar
à população a integrar-se num trabalho
coletivo e por outro
lado permitem uma
redução das condições de pobreza
existente com poupança de recursos.
• Quando o Plano for
implementado se poderá desenvolver uma
“sustentabilidade democrática”, na medida em que existem
propostas e ações dirigidas a esses fins.
3.5. Fatores chaves de inserção e implementação de políticas para o
Planejamento Integral Urbano Sustentável no Perú.
Imediatamente depois da abordagem das experiências peruanas de bairros
populares, assim como das propostas onde se tem desenvolvido políticas que
consideramos serem as que mais se aproximam aos princípios de um Planejamento
Integral Urbano Sustentável, podemos avaliar em conjunto, quais foram os fatores
chaves que permitiram sua inserção e implementação, e também sendo o caso,
quais foram as circunstancias pelas quais não foram implementadas ou continuadas.
Para começar, depois de ter analisado as duas experiências e as propostas que se
aproximaram dos princípios de um planejamento integral urbano sustentável,
podemos verificar que em todas elas, a conjuntura política particular do governo
(civil ou militar) de corte predominantemente socialista, que aconteceu em certas
épocas da historia da urbanização popular em Lima, foi determinante para poder
inserir e começar a desenvolver propostas junto a políticas urbanas deste tipo, que
165
incluíam e promoviam a participação social, como sendo essencial para a autoorganização do bairro a partir da construção do seu plano de desenvolvimento
integral. Isso somado às circunstancias que vinham acontecendo naquela época,
refiro-me à pressão exercida pelos grandes contingentes de população que de forma
crescente e incontrolável iam ocupando cada vez mais terrenos eriazos localizados
em zonas e condições cada vez mais perigosas. Assim mesmo, o fato deste tipo de
propostas serem promovidas pelo mesmo aparelho estatal, incorporando as
retóricas de “autogestão”, “democracia social de plena participação”, “gestão
democrática e participativa”, entre outras; – para que a população ocupe um papel
de protagonista e trabalhe pelo seu desenvolvimento – criou compromissos
iniludíveis deste em relação ao bairro popular ou assentamento humano e, lhe
outorgou à população atribuições para exercer pressão sobre o mesmo. Portanto,
ainda que os bairros populares e assentamentos humanos recentes procurem cada
vez mais a sua independência e autonomia no momento de tomar decisões e
realizar ações; é melhor e necessário contar com a iniciativa e aprovação das
autoridades políticas do governo local e metropolitano correspondente, assim como
trabalhar coordenadamente junto com estas, para que estas ações se realizem de
forma ordenada tomando como base o plano de desenvolvimento integral, que
trabalhado em conjunto com estas e outras instituições da sociedade civil, vai
permitir designar responsabilidades e compromissos de apoio por parte destas
autoridades para cada uma das etapas de conformação do bairro e implementação
da proposta.
Com respeito ao tema da inserção deste tipo de políticas, ao anterior também se
soma o fato das duas experiências de comunidades autogestionárias terem contado
num inicio com uma agencia especial ou equipe técnica do governo, instalada na
mesma comunidade e a qual ajudou nas primeiras etapas de conformação de cada
uma destas experiências – ainda que no caso da primeira se desse com fins um
tanto clientelistas e para obter lealdade política – a organizar, mobilizar e oferecer
apoio à população, em todos os momentos de execução do projeto de habilitação e,
também a canalizar as demandas da população, permitindo que se desenvolva uma
relação direta entre o poder político e o bairro popular.
166
Agora, no referente à implementação destas políticas, estas se realizaram devido à
presença de vários fatores em conjunto, sendo o primeiro e, o mais importante a
força, vontade e solidariedade da mesma população para trabalhar árdua e
coletivamente, com o objetivo de melhorar tanto suas condições e oportunidades de
vida no aspecto pessoal como de sua comunidade, devido ao fato de terem os
mesmos interesses e problemas em comum pelos quais lutarem. O segundo fator
vem a ser o fato deste tipo de propostas terem sido pensadas e dirigidas
especialmente para buscar o desenvolvimento integral destas comunidades e
bairros populares, o que tem permitido a sua vez, que estas fossem não só
acolhidas rapidamente pelos grupos de famílias interessadas, senão também
geridas e coordenadas por estas mesmas. A isto se lhe soma outro fator importante,
que constitui o fato da população envolvida, estar conformada, majoritariamente por
grupos de famílias pertencentes ou procedentes da mesma região geográfica do
país e, portanto com os mesmos costumes e uma tradição comunitária, que foi
continuada no mesmo grupo residencial ou unidade comunal de vivienda, o que
favoreceu rapidamente na sua adaptação e integração em conjunto e, sobretudo a
suportar as dificuldades comuns que se viviam – a falta de moradia, serviços
básicos, equipamentos e oportunidades –, sobretudo na fase inicial de cada uma
das experiências.
Outro fator que influiu na implementação deste tipo de políticas e propostas, se deve
em grande parte à continuidade, condução e mobilização ou “gestão” que a mesma
população como representante do movimento social, empreendeu em determinados
momentos – de falta de apoio, estancamento ou abandono deste tipo de projetos por
mudanças ou crise de governo –, já que tinha assumido o tema da “autogestão”
como responsabilidade própria, ou simplesmente tinha começado a adotar um
comportamento autogestionário, como uma atitude racional, através da qual
obteriam as metas e objetivos que lhe permitiriam um desenvolvimento integral do
bairro. Assim, nas duas experiências, esta continuidade, condução e mobilização por
parte da mesma população se deram primeiro, no sentido de esta se reunir
periodicamente para retomar e atualizar o seu Plano de desenvolvimento integral,
fazendo-se responsável pela gestão, execução e conclusão de cada um dos
167
programas e projetos como parte das metas e objetivos propostos. Para esses fins,
a população organizada como representante do movimento social se manteve
sempre ativa, trabalhando de forma conjunta para o alcance destas metas e
objetivos e, o fazia, investindo seu tempo, dinheiro e energias tanto em atividades
comunais, assim como também dialogando e coordenando diretamente com outros
países e instituições de cooperação internacional, algumas ONG’s, instituições
acadêmicas e profissionais independentes, na busca de apoio técnico, capacitação e
financiamentos. Com efeito, sem o apoio destas entidades que cooperaram com
ambas comunidades talvez não tivesse sido possível sobreviver diante das crises do
Estado e das forças capitalistas que se impõem no cenário político atual.
No caso das propostas do “Plano Integral de Desenvolvimento Metropolitano” e o
Plano “Por uma Lima e um Callao Verdes”, apesar de a primeira chegar a se inserir
e começar a se implementar, nenhuma das duas chegou a funcionar efetivamente.
Isto por razões distintas, mas que guardam relação entre si e tem a ver mais que
tudo com a falta de vontade e apoio político da maioria de governos de corte
tecnocrático, para desenvolver efetivamente este tipo de propostas que incorporam
a participação popular como sendo fundamental para a tomada de decisões de
qualquer tipo, no seu bairro ou comunidade. Isso, somado ao fato dos sucessivos
governos não darem continuidade aos planos, mudarem de propósitos de um
momento a outro, ou até contar com interesses opostos aos descritos nos mesmos
planos de desenvolvimento por ele promovidos. Foi assim, que no referente à
proposta de “Plano Integral de Desenvolvimento Metropolitano”, – como foi explicado
em partes anteriores – depois de ter sido realizado um avanço de 30% do total de
programas, projetos e ações que deviam ser executadas como parte das diretrizes
para o desenvolvimento integral, foi o mesmo governo proponente que começou a
colocar muitos obstáculos para a continuidade do mesmo, já que sua ênfase ampla
na inclusão da participação cidadã na tomada de decisões e na aprovação de
projetos entorpecia a execução rápida e efetiva dos projetos já decididos desde
cima. E, no caso da proposta do “Plano por uma Lima e um Callao Verdes”, o Pacto
do mesmo nome, prévio a sua aprovação e implementação foi assinado desde o ano
de 2007, mas ainda falta chegar a culminar estas últimas etapas para que possa ser
168
inserido oficialmente, por esta razão e, devido ao estancamento destes processos
por parte do aparelho estatal, foi a mesma população interessada que teve a
iniciativa de recolher novamente determinado número de assinaturas de pessoas e
instituições a favor, para que seja efetivamente aprovado e implementado.
169
CONSIDERAÇÕES FINAIS: Possibilidades, limites e desafios para a
generalização e implantação do Planejamento integral urbano sustentável e
participativo no Perú.
Depois de ter-nos aprofundando no capítulo anterior, primeiro na abordagem das
experiências junto às propostas que se aproximam ao enfoque de planejamento
integral urbano sustentável, seguido em cada um dos casos pela análise mesma
destas experiências e propostas tomando como referência o “quadro do modelo
normativo para a avaliação das políticas urbanas para bairros populares no Perú”,
baseado no enfoque construído de Planejamento integral Urbano Sustentável, para
depois passar à explicação dos fatores chaves que permitiram ou influíram na
inserção e implementação deste tipo de políticas; podemos ter uma base e
panorama mais amplo para identificar e debater sobre quais são as possibilidades,
limites e desafios que se apresentam no entorno urbano, quando se quer ou se
pretende incorporar este tipo de políticas para bairros populares.
Para começar, quando se fala de possibilidades, o mesmo termo sugere a condição
deste modelo e enfoque construído de planejamento integral urbano sustentável vir
a ser real, mas como se constitui ainda numa opção ou alternativa, requer portanto
de determinados fatores, acontecimentos ou circunstancias para ser propulsionado e
efetivamente implementado. O que leva a dizer que as possibilidades para sua
generalização e implantação são muitas e favoráveis – e isto se pode constatar nas
experiências anteriormente abordadas –; quer dizer, este tipo de políticas para o
planejamento integral urbano sustentável podem ser desenvolvidas sim, mas
depende da existência de certas condições necessárias, sendo algumas destas as
enunciadas a seguir:
A primeira vem a ser a necessidade de contar com um governo comprometido com
valores da justiça social e da democracia, que, à nosso ver se relacionam com o
espírito socialista e democrático. Portanto, estamos nos referindo a um governo que
esteja interessado e aberto à incorporação, promoção, legalização, assim como na
generalização de novas propostas e alternativas de planejamento para a cidade, que
se aproximem ao enfoque do modelo de planejamento construído, sobretudo
170
aquelas que promovam o desenvolvimento junto à inclusão e justiça social de cada
um dos setores e bairros que compreendem a cidade como um todo. Além disso,
que este governo tenha a vontade e a capacidade de propiciar e incentivar o
desenvolvimento de uma gestão democrática e participativa, em todos os momentos
de formulação e implementação da proposta de planejamento integral urbano
sustentável, facilitando tais processos e oferecendo os respectivos espaços e canais
de participação.
A segunda vem a ser a necessidade de contar com o apoio, coordenação e
concertação das principais entidades públicas, instituições civis (ONG’s, instituições
de
cooperação
internacional,
universidades,
institutos,
etc.),
assim
como
profissionais independentes e estudantes de universidades que queiram trabalhar de
forma solidária e cooperativa, contribuindo cada qual dentro de seu campo de ação,
com a finalidade de alcançar um desenvolvimento integral urbano e sustentável da
cidade como um todo, que é o fim principal do modelo de planejamento construído.
Ao anterior, pode-se reforçar a importância de cada comunidade, bairro popular,
distrito ou cidade onde vai ser inserida a proposta, estar integrada em redes de
apoio mútuo, que estejam comprometidas principalmente com uma agenda de
transformação e desenvolvimento humano e social.
A terceira e, a mais importante é a necessidade de contar com uma população
motivada e auto-confiante, capaz de pensar de que sua participação e trabalho em
conjunto
e
de
forma
constante,
elaborando
estratégias
e
iniciativas
“autogestionárias” de desenvolvimento em vários aspectos – que lhes permitam
resolver no possível as suas necessidades para evitar depender o mínimo do apoio
do Estado ou outros organismos –, assim como a inserção de valores como
solidariedade, fraternidade e confiança são fundamentais para alcançar cada um dos
seus objetivos a nível pessoal e comunitário. Esta afirmação surge a partir das
experiências anteriormente avaliadas, onde se pode constatar que nas quais houve
maior participação, cooperação e intervenção popular em cada uma das etapas de
desenvolvimento da comunidade respectiva, esta alcançou suas metas e objetivos
mais rapidamente, que em outras nas quais a participação foi escassa ou nula.
171
Assim também, ao tema da participação se deve somar o retorno da confiança e
credibilidade por parte da população em relação ao aparelho do Estado, em razão
das
propostas
de
planejamento
convencional
que
acostuma
promover,
caracterizadas ao longo da história por ter tido um perfil, maiormente tecnocrático e
com promessas políticas que nunca chegam a ser cumpridas ou concluídas.
Agora, com respeito aos limites que se apresentam na atualidade para que se possa
generalizar e implantar o modelo de Planejamento integral urbano sustentável e
participativo, destacamos os seguintes itens:
O primeiro limite está relacionado diretamente com a existência de um Estado, que
ainda atua influenciado pelo espírito da política neoliberal e, portanto, continua
reproduzindo
na
atualidade,
um
modelo
convencional
e
tecnocrático
de
planejamento urbano (caracterizado por instrumentos técnico-normativos), que se
reflete em políticas urbanas pontuais, segmentadas e desvinculadas de qualquer
plano que as oriente e integre e, que acima de tudo, se encontram voltadas,
principalmente, em atender ao capital privado nacional e estrangeiro, portanto, com
poucas intenções de desenvolver políticas de planejamento urbano que busquem a
inclusão social, a justiça e a democracia. Isto se reflete numa atenção menor para os
bairros populares e setores de baixos recursos, com políticas em sua maioria
voltadas somente para a satisfação das necessidades imediatas, portanto, deixando
em segundo plano os projetos, iniciativas e propostas de desenvolvimento em
âmbitos maiores e diversos que permitiriam a estas áreas excluídas, uma integração
real à cidade como um todo. E quando se propõe políticas a partir de planos mais
abrangentes, democráticos e inclusivos, estes geralmente ficam somente no papel,
já que os interesses distintos dos poderes públicos e privados impedem sua
implementação ou simplesmente, como diria Maricato, “quando a preocupação
social surge no texto, o plano não é mais cumprido, transformando-se no planodiscurso” (Maricato, 2000), ao qual acrescentaria além da “preocupação social”, o
tema da “participação popular” na construção e debate dos planos para a cidade.
172
A isso também se soma a atitude do Estado como poder público frente às carências
e necessidades da população dos assentamentos humanos e bairros populares,
refiro-me às ainda existentes relações clientelistas e burocráticas que se
desenvolvem entre este e as classes populares de Lima, no momento de satisfazer
uma demanda (alocação ou construção de moradias, equipamentos e serviços
urbanos) ou implementar qualquer tipo de proposta ou estratégia de ação, sobretudo
se esta faz parte de um plano urbano que busca o desenvolvimento e a inclusão
social. Isto faz com que a agilidade para a efetivação deste tipo de trâmites e
serviços (referente às propostas, programas, projetos e ações) esteja diretamente
vinculada a um favoritismo e troca por fidelidade política.
Por outro lado, ainda em relação à atitude do Estado e, a partir do visto nas
experiências e propostas analisadas, podemos constatar que somente nos casos
das experiências de Villa El Salvador e Huaycán, e como exceção, o Estado
promoveu a participação popular e a auto-organização comunitária de bairro,
chegando a propor inclusive soluções de desenho urbano que fortaleceram as
relações sociais internas, como parte da implementação de sua política, garantindo
a esta os seus direitos sociais enquanto estava vigente o governo promotor da
experiência – apesar dos próprios limites no caso do governo militar de querer que a
população se mobilize no seu próprio beneficio. Mas em geral, como no caso das
ultimas propostas apresentadas, este não oferece claramente canais de participação
popular nem permite que se desenvolva uma verdadeira participação democrática
neste nível, no momento da construção e tomada de decisão dos planos,
programas, projetos e ações que vão ser inseridos na cidade e que vão influir em
suas vidas e as de sua comunidade; inclusive naqueles que ostentam denominações
como “participativo, inclusivo, integral e democrático”, como no caso do “Plano
Integral de desenvolvimento metropolitano” – no qual a participação popular ficou
paralisada em determinado momento, por decisão do mesmo governo de cortar com
o funcionamento do plano, por razões que se atribuem ao fato de sua ênfase ampla
na inclusão da participação cidadã na tomada de decisões e na aprovação de
projetos entorpecerem a execução rápida e efetiva dos projetos já previamente
elaborados e decididos pelas mesmas instâncias do governo junto a seus
173
assessores e técnicos. Quer dizer, os bloqueios e limites da maioria destes planos
com enfoque democrático e participativo – nos quais se incorpora como processo a
“concertação” ou “consenso” entre vários atores na busca de objetivos comuns – é
de terminar sendo manipulados pelos interesses dos grupos dominantes,
conformado pelos atores públicos ou privados, que atuam em função do capital,
convertendo os espaços públicos de participação num teatro que serve para poder
legitimar as ações que já foram decididas desde cima.
Outro dos limites para a generalização e implantação do modelo e enfoque de
Planejamento integral urbano sustentável esta relacionado diretamente à visão de
curto prazo e dirigida a poucos âmbitos, como mostram as experiências e propostas
de governo avaliadas, quer dizer, ainda que na maioria destas, o plano de
desenvolvimento respectivo ia junto a uma retórica de “integrabilidade”, “autogestão”
e “sustentabilidade”, onde se buscava abranger vários âmbitos de desenvolvimento
com propostas e ações que iam até o longo prazo; o que aconteceu na realidade é
que estas propostas de desenvolvimento foram dirigidas principalmente a resolver
as carências ou necessidades mais imediatas da população (moradia, serviços
básicos, equipamentos urbanos para educação, saúde e recreação e infra-estrutura
urbana), mas não foram pensadas ações de desenvolvimento para o futuro, que
permitissem uma maior vinculação e continuidade à proposta de planejamento, o
que provocou um desinteresse e progressiva diminuição da participação da
população destes bairros como organização social, quando se tinha alcançado um
nível razoável de urbanização. Ao anteriormente abordado, cabe agregar outro limite
que aparece sempre na implementação destes tipos de planejamento, é que em
nenhuma das experiências e propostas analisadas se chega a propor realmente
políticas, junto a mecanismos e estratégias que permitam à população dos bairros
populares sair de seu estado de excluídos social e culturalmente, assim como de ter
um baixo nível econômico; portanto permitam incluir a esta com igualdade de
condições com a população de outras áreas da cidade, a participar livremente das
oportunidades que possa oferecer a cidade como um todo. Isto se pode verificar nas
experiências de planejamento de Villa El Salvador e Huaycán, as quais em seus
intentos por buscar uma alternativa de produção que fosse uma grande fonte de
174
emprego para a população local construíram ambas um Parque Industrial que além
de não cumprir com seu principal objetivo, os tipos de emprego estão feitos para
servir de forma restrita ao âmbito local, não permitindo-lhes ampliar seus
conhecimentos e portanto, suas expectativas econômicas; somado ao fato do
Industrial contar com uma produção dispersa e pouco programada, traduzida numa
escassa especialização, que não lhe permite competir nem interagir com outras
redes produtivas a nível regional, nacional e internacional. Isso somado a uma
ausência de cultura empresarial por parte dos proprietários do Parque Industrial, o
qual não lhes permite atuar de forma autogestionária nem alcançar a formulação de
propostas em conjunto.
Outro limite comum existente e que se demonstra a partir das experiências de Villa
El Salvador e Huaycán é o que acontece ao interior destas organizações sociais de
tipo “autogestionário” e, na relação destas com o governo local com o passar dos
anos. Refiro-me aos conflitos internos que em determinado momento começam a
aparecer e que são provocados pelos mesmos dirigentes ou representantes destas
organizações por motivos diversos, como diferenças políticas, burocratização
dirigente, lutas pelo poder e corrupção de importantes setores dirigentes; os quais
deram lugar no caso de VES ao enfraquecimento da organização e no caso de
Huaycán, à atual crise estrutural, que se traduz numa desconfiança geral da
população em relação à organização comunitária. A isto, se lhe soma outro tipo de
conflitos internos, mas gerados por fatores externos, quer dizer, quando a
organização comunitária passa a ocupar um segundo plano no momento que por lei,
a comunidade ou bairro popular ao qual pertence, sobe de categoria e começa a
assumir suas funções através do órgão local competente (Municipalidade ou
Conselho Menor), perdendo assim a organização comunitária seu rol de interlocutor
e representante privilegiado da comunidade ante os poderes públicos, e iniciando-se
acima disso uma rivalidade entre esta e o governo local correspondente, como
ocorre no caso de VES, onde nas relações CUAVES - Municipalidade distrital
perdura ainda uma rivalidade, que os desvincula de objetivos comuns e acaba
comprometendo ambas as organizações.
175
O outro limite responde diretamente à falta de recursos próprios das municipalidades
locais para desenvolver este tipo de propostas de planejamento, a maioria destas
municipalidades não destina recursos de seu orçamento – proveniente do
arrecadamento de impostos – que seja exclusivo para estes fins, ou pode figurar no
papel, mas nunca chega a ser utilizado; assim mesmo nos orçamentos participativos
não se lhe dá muita importância a estes aspectos, dando-se preferência em geral às
obras civis que cobrem as necessidades mais imediatas da população. Isso somado
ao fato das organizações autogestionárias não capitalistas se tornar frágeis quando
se tem que enfrentar sozinhas à concorrência do setor capitalista e as condições
desfavoráveis da correspondente política de governo. Portanto, como se pode ver
nas experiências apresentadas, para a implementação da proposta sempre foi e é
necessário o apoio econômico, assim como a colaboração por parte das instituições
não-governamentais, das instituições de cooperação internacional, dos fundos
internacionais, igrejas, universidades, entre outros.
Finalmente, frente aos vários limites abordados que se apresentam quando se quer
generalizar e implantar um tipo de política de Planejamento integral urbano
sustentável e participativo na agenda oficial atual, existem certos desafios que
devem ser afrontados e superados necessariamente para que se produza uma
efetiva realização deste tipo de proposta de planejamento. Alguns dos mais
importantes serão expostos a seguir:
a) Mudar a atitude clientelista, dessolidária e burocrática de parte do Estado e, sua
atuação através do seu modelo convencional e tecnocrático de planejamento
urbano, o qual aparece sendo um desafio dificílimo de superar, mas que pode ser
trabalhado pouco a pouco, partindo por uma mudança de atitude e visão por parte
das mesmas autoridades, funcionários e técnicos que trabalham nas suas
instâncias, já que é nas mãos deles que se colocam a maioria de iniciativas, sonhos
e expectativas da população, especialmente dos bairros e setores mais carentes da
cidade, os quais, sendo superado o desafio devem ser o foco de atenção das
políticas urbanas caso se queira realmente desenvolver e melhorar os aspectos
físicos, econômicos, ambientais, sociais e culturais da cidade como um todo. Isso,
176
com a finalidade de que não se siga repetindo o antigo esquema de segregação e
exclusão urbana, que impede um verdadeiro desenvolvimento urbano integral, assim
como o acesso à cidadania e a uma democracia eficaz a todos os que formam parte
da cidade.
b) Renovar a confiança e a credibilidade de parte da população em relação à figura
do Estado e as promessas e propostas de planejamento que este promove, mas
para que este desafio seja efetivado é necessário que o primeiro desafio
anteriormente abordado seja superado.
c) Ampliar a participação popular nos processos de tomada de decisão e debate dos
planos, programas, projetos e ações a serem inseridos na cidade. O poder público
deve incentivar a participação, tentando criar novos mecanismos ou novas políticas
como parte dos planos urbanos, que procurem reincorporar e fazer valer os direitos
de cidadania de cada pessoa em particular que faz parte da cidade, estimulando sua
participação política, através da facilitação de canais de participação em espaços
públicos livres de qualquer tipo de coerção, onde estes possam manifestar suas
necessidades, desejos e aspirações na busca de uma melhor qualidade de vida e
um desenvolvimento pleno de suas faculdades a nível pessoal, assim como em
todos os âmbitos que inferem no desenvolvimento integral da cidade como um todo;
para poder assim chegar a construir uma cidade mais justa, equitativa e solidária,
com maior democracia e espírito público.
d) Desenvolver metodologias e instrumentos visando implantar e generalizar um tipo
de planejamento que busca o desenvolvimento integral e a inclusão social, junto a
alternativas de produção não hegemônicas e, a partir do trabalho cooperativo de sua
população; num contexto geral atual de pressão e concorrência do setor capitalista,
assim como de um Estado que tende a ceder cada vez mais terreno político ao
poder econômico hegemônico, favorecendo sua instalação na menor oportunidade
que se lhe apresenta. O desafio, que guarda relação com a questão anterior,
consiste em buscar os meios para que a organização comunitária possa sobreviver
de forma autônoma quando em determinado momento acabar o apoio tanto do
177
Estado como dos organismos de cooperação internacional, entre outras instituições
civis.
e) Mudar a visão de curto prazo, imediatista e de resolução de poucos âmbitos que
se tem mostrado ao momento de implementar as políticas, estratégias e ações,
como parte dos objetivos ou diretrizes do plano de desenvolvimento correspondente
às experiências e propostas de governo avaliadas. Para esse fim, torna-se
necessário começar pelo desafio de repensar ou construir as metas e objetivos dos
planos com uma visão e horizonte mais amplo, para que suas respectivas
estratégias, propostas e ações permitam um seguimento da proposta e uma
vinculação destas com ações no futuro. E, o segundo desafio que vai complementar
o primeiro, procura buscar os meios necessários para acabar de uma vez com a
pobreza e exclusão urbana, e garantir a toda a população da cidade os seus direitos
sociais, através de um planejamento urbano que realmente seja inclusivo,
democrático e permita um desenvolvimento integral da cidade como um todo, com
um amplo acesso a todas as oportunidades e serviços que esta possa oferecer.
f) Manter a harmonia e as boas relações entre a organização representativa da
comunidade, de tipo “autogestionário” e governo local correspondente, a partir do
momento que o correspondente assentamento, bairro popular ou comunidade sobe
à categoria de distrito e se cria a Municipalidade ou Conselho Menor, instituição
através da qual este começa a assumir suas funções administrativas sobre o
território e sua população. Quer dizer, apesar do fato de cada uma destas
organizações querer levar vantagens para seu lado, fazendo valer sua autonomia ou
hierarquia, é necessário buscar os meios que permitam que ambas atuem de forma
cooperativa e solidária, vinculando-se através de objetivos comuns. Este desafio
pode ser reforçado com outro que busque a eliminação das práticas “anti-valores”
que surgem em determinado momento no interior das organizações sociais de tipo
autogestionário, que enfraquecem estas e dificultam o efetivo prosseguimento do
trabalho comunitário baseado no correspondente plano integral de desenvolvimento.
178
g) Buscar reverter a tendência de escassez de recursos das municipalidades tanto
locais como metropolitanas para a implementação deste tipo de proposta de
planejamento com fins de desenvolvimento, o qual não é um desafio insuperável,
quando as autoridades municipais não só tem a intenção ou vontade, senão que
realmente querem e se comprometem em buscar alternativas e soluções que
permitam superar este desafio, para que assim possa ser implementada a proposta
de planejamento que permitirá um desenvolvimento integral da sua cidade ou
território de jurisdição. Portanto, a superação deste desafio, se torna um elemento
necessário para poder implantar e, sobretudo generalizar um modelo de
planejamento integral urbano sustentável e participativo na agenda oficial atual.
h) Finalmente um dos desafios gerais a ser enfrentado formula-se na forma de uma
indagação, e vem a ser: como desenvolver e implantar novamente um tipo de
proposta de planejamento integral urbano sustentável na agenda oficial atual e a
partir do âmbito local, quando se pode observar que todas as experiências e
propostas apresentadas que se aproximam deste enfoque e modelo de
planejamento, não chegaram a alcançar em sua integralidade todas as metas e
propósitos traçados desde o início, e tampouco houve uma posterior continuidade da
auto-organização comunal nem da proposta de planejamento, quando se tinha
alcançado um nível razoável de urbanização e isso, devido aos diversos obstáculos
e limites do próprio modelo e outros que se apresentaram em determinado momento
– e que foram anteriormente abordados.
179
Recomendações
Sem querer esgotar todas as medidas que se tornam necessárias para fazer
possível uma efetiva inserção e generalização de um modelo de Planejamento
integral urbano sustentável e participativo na agenda oficial atual, gostaríamos de
sugerir algumas iniciativas que poderiam contribuir na realização destes fins, e que
serão apresentadas a seguir:
A primeira que surge a partir de tudo o anteriormente exposto, é que consideramos
indispensável o papel do Estado como fortalecedor e garantidor dos direitos sociais,
elaborando políticas junto a propostas de planejamento que promovam a integração
e participação de toda a população, incluindo todas as esferas sociais e facilitando
canais de participação, para que juntas construam estratégias de desenvolvimento,
nos campos econômico, político, cultural e de acesso à moradia, a uma educação e
saúde adequadas e aos serviços básicos, equipamentos urbanos e oportunidades
laborais diversas. Para esses propósitos, é necessário que este se comprometa
primeiro, a mudar de atitude (superando todos os limites e desafios anteriormente
expostos) e segundo, a buscar enfrentar os mecanismos produtores de
desigualdades; desta maneira não se siga repetindo o mesmo esquema de
segregação urbana e exclusão social, próprio do planejamento tecnocrático e
convencional, que impede um verdadeiro desenvolvimento urbano equitativo e
integral, assim como o acesso à cidadania e a uma democracia eficaz a todos os
que fazem parte da cidade, portanto um acesso e “direito à cidade” em toda sua
dimensão – de acordo ao abordado por Lefebvre. Só desta maneira será possível
renovar a confiança e a credibilidade de parte da população em relação à figura do
Estado e suas promessas, propostas, e ações como parte de suas políticas focadas
principalmente nos bairros populares.
Ao anterior cabe agregar, que a articulação e trabalho em conjunto da população
com o Estado resulta sendo uma estratégia necessária se quer-se produzir uma
efetiva implementação de uma proposta de planejamento integral urbano sustentável
na cidade, a qual priorize o melhoramento das condições de vida dos bairros
180
populares. Isto no sentido da população poder vigiar as ações deste, de tal maneira
que não ceda terreno político às forças hegemônicas capitalistas, buscando assim,
mobilizar seus recursos a favor dos setores populares.
Agora, para mudar a perene atitude clientelista, não solidária e burocrática do
Estado, é necessário começar por mudar a atitude de suas autoridades e
funcionários e, isto só se pode conseguir partindo pela educação, quer dizer
investindo e enfatizando no melhoramento e na qualidade de ensino, de tal maneira
que através desta se inculque na população, os valores e os conhecimentos
necessários para formar pessoas capazes de agir de forma correta em todo
momento e ante qualquer circunstância. Assim mesmo, a inversão e ênfase no
melhoramento e a qualidade de ensino, vai contribuir também para que a população
dos bairros e setores populares saiam de uma vez de sua condição de pobreza, que
ainda os caracteriza; já que na informação de todos os direitos e leis que garantem
sua cidadania, se encontram as ferramentas necessárias que lhes vão permitir lutar
e agir pelos seus direitos a uma cidade e a uma vida digna. Permitindo, por outro
lado aumentar sua capacidade de associativismo e cultura política, já que quanto
maior o nível de educação das pessoas, maior sua capacidade de associação.
Por outro lado, para que se dê uma efetiva implantação do modelo de planejamento
integral urbano sustentável na agenda oficial atual, torna-se necessário primeiro,
pensar em grande, propondo objetivos com um horizonte amplo e soluções de
intervenção no longo prazo, para o desenvolvimento dos aspectos social, humano,
econômico-produtivo, urbano-territorial, ambiental, educativo, cultural e legal; cujas
ações tenham uma continuidade ou vinculação no tempo, estando sempre em
continua renovação, permitindo assim, que se produza uma efetiva sustentabilidade
da proposta com o tempo, que se vai refletir numa efetiva mudança na qualidade de
vida de toda a população e, portanto, um real desenvolvimento de cada uma das
escalas territoriais, começando pela escala local no nível de bairros e comunidades,
que conduze a um desenvolvimento maior da cidade como um todo.
181
Assim também, ao implantar um modelo de planejamento integral urbano
sustentável no âmbito local, se deve tomar as considerações necessárias do caso
para evitar, no caso da comunidade ou bairro popular onde vai ser inserida a
proposta, que esta não fique isolada nem dê as costas à realidade das mudanças
que se estão produzindo nas outras escalas regionais, nacionais e globais; isso é
fundamental para melhorar internamente nos aspectos econômicos, culturais e
sociais, assim como oferecer melhores serviços e atenção aos moradores da
comunidade. Ao anterior, também se deve acrescentar a importância da associação
e colaboração em redes de apoio de um mesmo ramo ou com iniciativas similares
(seja produtivo, humano-social, cultural, etc.), não só no nível local como também
nas diferentes escalas, como as regionais, nacionais, até as globais; o qual se torna
necessário primeiro, para poder enfrentar a concorrência do setor capitalista e poder
sobreviver de forma autônoma, não dependendo das condições políticas favoráveis
do governo e, em segundo para permitir um maior desenvolvimento do ramo, assim
como o fortalecimento dos grupos que a compõem, conseguindo desta maneira
gerar maiores e melhores oportunidades de trabalho local e de oferta de serviços à
comunidade.
Complementando a recomendação antes mencionada, pensamos que apesar do
território de âmbito local onde se insere a proposta estar integrada ou associada em
redes produtivas, sociais ou culturais de cooperação nas diversas escalas territoriais
maiores, é necessário igualmente, que este conte com estratégias autônomas para
diversos aspectos (sociais, culturais, econômicos, entre outros) e, iniciativas de
autogestão, para que desta maneira mantenha sua integridade e, ante qualquer
eventualidade ou obstáculo que se apresente no caminho, possa continuar e até
resolver por si mesmo as suas necessidades, evitando assim, depender quando
mínimo do apoio do Estado ou outros organismos – como no caso da comunidade
Autogestionária de Villa El Salvador em Lima-Perú, que nos momentos em que não
recebiam apoio por parte do Estado, eles continuaram e se mantiveram unidos e
sólidos, coordenando juntos suas ações de desenvolvimento.
182
Outro fator que ajudaria na implantação de um modelo de planejamento urbano
deste tipo viria a ser que as municipalidades locais e distritais se comprometam a
reservar um fundo econômico que seja destinado exclusivamente a estes fins e
permita ajudar tanto na fase de elaboração, como na implementação de cada uma
das estratégias, programas, projetos e ações como parte do respectivo plano de
desenvolvimento. Mas isso não significa deixar de buscar ou dar as costas às fontes
de ajuda e financiamento externo (ONGs, instituições de cooperação internacional,
fundos internacionais, etc.), as quais resultam ser fundamentais tanto para a
capacitação nas diversas etapas de empreendimento do plano como na execução
ou continuidade de determinados programas ou projetos que requerem um grande
orçamento para sua efetivação.
Assim mesmo, outra das metas e ações importantes que se deve promover para que
se produza uma efetiva implantação de um modelo de planejamento construído,
consiste em buscar que na comunidade, bairro popular ou cidade onde vai ser
inserida a proposta, se fortaleçam as relações sociais, tanto a partir da proposta de
desenho como, principalmente, na inversão de tempo em práticas e ações coletivas,
que incentivem o acúmulo de princípios e regras de harmonia, cooperação,
complementaridade, reciprocidade, solidariedade e confiança, desenvolvidas entre
todos os integrantes da comunidade, bairro ou cidade; que os mantenha sempre
unidos, identificados e vinculados através de objetivos comuns, para que cada qual,
no papel que lhe corresponde como ator público, membro de uma instituição civil ou
representante do movimento social, busque o bem pessoal e coletivo, buscando
continuamente alternativas e iniciativas de desenvolvimento que lhe permitam
melhorar suas condições de existência, assim como realizar plenamente suas
capacidades humanas e aspirações pessoais e de grupo.
Finalmente, para que o modelo de planejamento integral urbano sustentável seja
generalizado é necessário não só uma mudança de atitude de parte do Estado,
como também que as experiências e propostas que a partir deste modelo se
promovam e incorporem, busquem a eficiência em todas suas ações ao momento da
implementação da respectiva proposta – tendo levantado todos os limites e
183
afrontado todos os desafios abordados na primeira parte deste capítulo –, permitindo
assim, que tanto a população como as mesmas autoridades do governo, realmente
sintam e acreditem que só através deste tipo de planejamento que envolve a
participação e trabalho em conjunto de toda a população, é que se pode conseguir
alcançar grandes metas e objetivos de desenvolvimento tanto no nível pessoal,
como da comunidade e da cidade em toda sua dimensão, com práticas de justiça
social,
democracia
e
sustentabilidade.
oficialmente em sua agenda política oficial.
Sendo
desta
maneira,
incorporado
184
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