Volume 29 - Número 3 - Setembro, 2010
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Volume 29 - Número 3 - Setembro, 2010
Órgão Oficial da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia Órgão Oficial das Sociedades de Neurocirurgia de Língua Portuguesa (ISSN 0103-5355) Editores Gilberto Machado de Almeida Milton K. Shibata Editores Associados Atos Alves de Sousa (Belo Horizonte, MG) Benedicto Oscar Colli (Ribeirão Preto, SP) Carlos Umberto Pereira (Aracaju, SE) Eduardo Vellutini (São Paulo, SP) Ernesto Carvalho (Porto, Portugal) Fernando Menezes Braga (São Paulo, SP) Francisco Carlos de Andrade (Sorocaba, SP) Hélio Rubens Machado (Ribeirão Preto, SP) João Cândido Araújo (Curitiba, PR) Jorge Luiz Kraemer (Porto Alegre, RS) José Alberto Gonçalves (João Pessoa, PB) José Alberto Landeiro (Rio de Janeiro, RJ) José Carlos Esteves Veiga (São Paulo, SP) José Carlos Lynch Araújo (Rio de Janeiro, RJ) José Perez Rial (São Paulo, SP) Manoel Jacobsen Teixeira (São Paulo, SP) Marcos Barbosa (Coimbra, Portugal) Marcos Masini (Brasília, DF) Mário Gilberto Siqueira (São Paulo, SP) Nelson Pires Ferreira (Porto Alegre, RS) Pedro Garcia Lopes (Londrina, PR) Sebastião Gusmão (Belo Horizonte, MG) Sérgio Cavalheiro (São Paulo, SP) Waldemar Marques (Lisboa, Portugal) Sociedade Brasileira de Neurocirurgia Diretoria (2008-2010) Presidente Conselho Deliberativo Luiz Carlos de Alencastro Presidente Vice-Presidente Cid Célio Jayme Carvalhaes Jorge Luiz Kraemer Secretário Secretário-Geral Kunio Suzuki Arlindo Alfredo Silveira D’ Ávila Conselheiros Tesoureiro Albert Vicent B. Brasil Marcelo Paglioli Ferreira Atos Alves de Sousa Secretário Permanente Carlos Roberto Telles Ribeiro Samuel Tau Zymberg Djacir Gurgel de Figueiredo Primeiro Secretário Evandro Pinto da Luz de Oliveira Alexandre Mac Donald Reis José Alberto Landeiro Presidente Anterior José Antonio Damian Guasti José Carlos Saleme José Carlos Saleme Presidente Eleito da SBN 2010 Léo Fernando da Silva Ditzel José Marcus Rotta Luis Alencar Biurrum Borba Presidente do Congresso 2010 Mário Gilberto Siqueira Silvio Porto de Oliveira Nelson Pires Ferreira Presidente Eleito do Congresso 2012 Paulo Andrade de Mello Marco Aurélio Marzullo de Almeida Sebastião Nataniel Silva Gusmão Secretaria Permanente Rua Abílio Soares, 233 – cj. 143 – Paraíso 04005-001 – São Paulo – SP Telefax: (11) 3051-6075/3051-7157/3887-6983 Home page: www.sbn.com.br E-mail: secretariapermanente@sbn.com.br; sbn@sbn.com.br Instruções para os autores Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia, publicação científica oficial da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia e das Sociedades de Neurocirurgia de Língua Portuguesa, destina-se a publicar trabalhos científicos sobre neurocirurgia e ciências afins, inéditos e exclusivos. Em princípio, são publicados trabalhos redigidos em português, com resumo em inglês. Excepcionalmente, poderão ser redigidos em inglês, com resumo em português. Os artigos submetidos para publicação deverão ser classificados em uma das categorias abaixo: • A ordem preferencial de publicação será a cronológica, respeitando-se a proporcionalidade referida anteriormente. • Os direitos autorais de artigos publicados nesta revista pertencerão exclusivamente a Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia. É interditada a reprodução de artigos ou ilustrações publicadas nesta revista, sem o consentimento prévio do Editor. Os autores devem enviar, ao Editor, o seguinte material: • Artigos originais: informações resultantes de pesquisa clínica, epidemiológica ou experimental. Resumos de teses e dissertações. 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Abstract: título do trabalho em inglês; versão correta do resumo para o inglês; indicar KEY WORDS compatíveis com as palavras-chave, também disponíveis no endereço eletrônico anteriormente mencionado. 4. Texto principal: introdução; casuística ou material e métodos; resultados; discussão; conclusão; agradecimentos. 5.Referências: relacionar em ordem alfabética, pelo sobrenome do primeiro autor e, quando necessário, pelo sobrenome dos autores subsequentes; se existir mais de um artigo do mesmo autor, ou do mesmo grupo de autores, utilizar ordem cronológica crescente; nas referências utilizar o padrão de Vancouver; listar todos os nomes até seis autores, utilizando “et al.” após o sexto; as referências relacionadas devem, obrigatoriamente, ter os respectivos números de chamada indicados de forma sobrescrita, em local apropriado do texto principal; no texto, quando houver citação de nomes de autores, utilizar “e cols.” para mais de dois autores; dados não publicados ou comunicações pessoais devem ser citados, como tal, entre parênteses, no texto e não devem ser relacionados nas referências; utilizar abreviatura adotada pelo Index Medicus para os nomes das revistas; siga os exemplos de formatação das referências (observar, em cada exemplo, a pontuação, a sequência dos dados, o uso de maiúsculas e o espaçamento): e acima; notas explicativas e legendas das abreviaturas utilizadas devem ser colocadas abaixo; apresente apenas tabelas e quadros essenciais; tabelas e quadros editados em programas de computador deverão ser incluídos no disquete, em arquivo independente do texto, indicando o nome e a versão do programa utilizado; caso contrário, deverão ser apresentados impressos em papel branco, utilizando tinta preta e com qualidade gráfica adequada. 8.Figuras: enviar duas coleções completas das figuras, soltas em dois envelopes separados; as fotografias devem ter boa qualidade, impressas em papel brilhante, sem margens; letras e setas autoadesivas podem ser aplicadas diretamente sobre as fotografias, quando necessárias, e devem ter tamanho suficiente para que permaneçam legíveis após redução; utilizar filme branco e preto para reproduzir imagens de filmes radiográficos; o nome do autor, o número e a orientação vertical das figuras devem ser indicados no verso delas; os desenhos devem ser apresentados em papel branco, elaborados profissionalmente, em dimensões compatíveis com as páginas da revista (7,5 cm é a largura de uma coluna, 15 cm é a largura da página); figuras elaboradas em computador devem ser incluídas no disquete, no formato JPG ou TIF; a resolução mínima aceitável é de 300 dpi (largura de 7,5 ou 15 cm); os autores deverão arcar com os custos de ilustrações coloridas. Artigo de revista Agner C, Misra M, Dujovny M, Kherli P, Alp MS, Ausman JI. Experiência clínica com oximetria cerebral transcraniana. Arq Bras Neurocir. 1997;16:77-85. Capítulo de livro Peerless SJ, Hernesniemi JA, Drake CG. Surgical management of terminal basilar and posterior cerebral artery aneurysms. In: Schmideck HH, Sweet WH, editors. Operative neurosurgical techniques. 3rd ed. Philadelphia: WB Saunders; 1995. p. 1071-86. 9. Legendas das figuras: numerar as figuras, em algarismos arábicos, na sequência de aparecimento no texto; editar as respectivas legendas, em espaço duplo, utilizando folha separada; identificar, na legenda, a figura e os eventuais símbolos (setas, letras etc.) assinalados; legendas de fotomicrografias devem, obrigatoriamente, conter dados de magnificação e coloração; reprodução de ilustração já publicada deve ser acompanhada da autorização, por escrito, dos autores e dos editores da publicação original e esse fato deve ser assinalado na legenda. Livro considerado como todo (quando não há colaboradores de capítulos) Melzack R. The puzzle of pain. New York: Basic Books Inc Publishers; 1973. Tese e dissertação Pimenta CAM. Aspectos culturais, afetivos e terapêuticos relacionados à dor no câncer. [tese]. São Paulo: Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo; 1995. 10.Outras informações: provas da edição serão enviadas aos autores, em casos especiais ou quando solicitadas, e, nessas circunstâncias, devem ser devolvidas, no máximo, em cinco dias; exceto para unidades de medida, abreviaturas devem ser evitadas; abreviatura utilizada pela primeira vez no texto principal deve ser expressa entre parênteses e precedida pela forma extensa que vai representar; evite utilizar nomes comerciais de medicamentos; os artigos não poderão apresentar dados ou ilustrações que possam identificar um doente; estudo realizado em seres humanos deve obedecer aos padrões éticos, ter o consentimento dos pacientes e a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição onde foi realizado; os autores serão os únicos responsáveis pelas opiniões e conceitos contidos nos artigos publicados, bem como pela exatidão das referências bibliográficas apresentadas; quando apropriados, ao final do artigo publicado, serão acrescentados comentários sobre a matéria. Esses comentários serão redigidos por alguém indicado pela Junta Editorial. Anais e outras publicações de congressos Corrêa CF. Tratamento da dor oncológica. In: Corrêa CF, Pimenta CAM, Shibata MK, editores. Arquivos do 7º Congresso Brasileiro e Encontro Internacional sobre Dor; 2005 outubro 19-22; São Paulo, Brasil. São Paulo: Segmento Farma. p. 110-20. Artigo disponível em formato eletrônico International Committee of Medial Journal Editors. Uniform requirements for manuscripts submitted to biomedical journals. Writing and editing for biomedical publication. Updated October 2007. Disponível em http://www.icmje.org. Acessado em 2008 (Jun 12) 6. Endereço para correspondência: colocar, após a última referência, nome e endereço completos do autor que deverá receber as correspondências enviadas pelos leitores. 7. Tabelas e quadros: devem estar numerados em algarismos arábicos na sequência de aparecimento no texto; devem estar editados em espaço duplo, utilizando folhas separadas para cada tabela ou quadro; o título deve ser colocado centrado 11. Endereço do Editor: Milton K. Shibata Rua Peixoto Gomide, 515 – cj. 144 01409-001 – São Paulo, SP Telefax: (11) 3287-7241 E-mail: mshibata@uol.com.br; neuroh9j@uol.com.br Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia Rua Abílio Soares, 233 – cj. 143 – 04005-006 – São Paulo – SP Tels.: (11) 3051-6075/3051-7157/3887-6983 Fax: (11) 3887-8203 Este periódico está catalogado no ISDS sob o no- ISSN – 0103-5355 e indexado na Base de Dados Lilacs. É publicado, trimestralmente, nos meses de março, junho, setembro e dezembro. São interditadas a republicação de trabalhos e a reprodução de ilustrações publicadas em Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia, a não ser quando autorizadas pelo Editor, devendo, nesses casos, ser acompanhadas da indicação de origem. Pedidos de assinaturas ou de anúncios devem ser dirigidos à Secretaria Geral da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia. Assinatura para o exterior: US$ 35,00. Rua Anseriz, 27, Campo Belo – 04618-050 – São Paulo, SP. Fone: 11 3093-3300 • www.segmentofarma.com.br • segmentofarma@segmentofarma.com.br Diretor-geral: Idelcio D. Patricio Diretor executivo: Jorge Rangel Gerente financeira: Andréa Rangel Gerente comercial: Rodrigo Mourão Editora-chefe: Daniela Barros MTb 39.311 Comunicações médicas: Cristiana Bravo Relações institucionais: Valeria Freitas Gerentes de negócios: Claudia Serrano, Eli Proença e Marcela Crespi Gerente editorial: Cristiane Mezzari Coordenadora editorial: Sandra Regina Santana Diretora de arte: Renata Variso Peres Designer: Flávio Santana Revisoras: Glair Picolo Coimbra e Sandra Gasques Produtor gráfico: Fabio Rangel Periodicidade: Trimestral Tiragem: 2.000 exemplares Cód. da publicação: 10398.1.11 Índice Volume 29 – Número 3 – Setembro de 2010 87 Mulheres na neurocirurgia no Brasil Henrique S. Ivamoto 91 Manobra de Valsalva como preditor do resultado da cirurgia de hérnia discal lombar Luciano Ferreira de Holanda, Rafael Rodrigues Holanda, Amauri Pereira da Silva Filho, José da Costa Leão Segundo, Benedito Jamilson Araújo Pereira, Pierre Vansant Oliveira Eugênio, Vanessa Milanesi de Holanda 95 Experiência no tratamento de aneurismas cerebrais após a implantação da embolização Daniel Rodrigues de Oliveira, Pedro Pianca Neto, Emerson Sena, José Carlos Mariano Viana de Souza, Bernardo de Andrada, Werther Garfield de Almeida, Francisco Doutel, Armando da Glória Júnior, Francisco Weldes, Wagner Mariushi, José Renato Ludolf Paixão, Carlos Henrique Ribeiro 99 Neurólise ulnar sob anestesia local em pacientes com hanseníase José Marcos Pondé, Marcos Antônio Falcão da Silva, Icaro Barros Barreto, Clarissa Cerqueira Ramos 103 Tratamento cirúrgico no acidente vascular cerebral hemorrágico: afinal, o que há de evidências? Robson Luis Oliveira de Amorim, Wellingson Silva Paiva, Eberval Gadelha Figueiredo, Marcelo Prudente Espírito Santo, Almir Ferreira de Andrade, Manoel Jacobsen Teixeira 110Complicações clínicas do traumatismo raquimedular: pulmonares, cardiovasculares, geniturinárias e gastrintestinais Carlos Umberto Pereira, Luciana Franco do Prado de Carvalho, Egmond Alves Silva Santos 118 Fasciite craniana em paciente jovem Francisco José de Alencar, Gerson Luis Medina Prado, Lina Gomes dos Santos, Maria Tereza Paraguassú Martins Guerra, Maximiliano Ramos Pinto Carneiro, Camila Brito Falcão Pinheiro, Márcia Beatriz de Jesus Lima Contents Volume 29 – Number 3 – September, 2010 87 Women in Brazilian neurosurgery Henrique S. Ivamoto 91 Valsalva maneuver as a predictor of herniated lumbar disc surgical treatment results Luciano Ferreira de Holanda, Rafael Rodrigues Holanda, Amauri Pereira da Silva Filho, José da Costa Leão Segundo, Benedito Jamilson Araújo Pereira, Pierre Vansant Oliveira Eugênio, Vanessa Milanesi de Holanda 95 Experience after embolization technique standard use in the treatment of cerebral aneurysms Daniel Rodrigues de Oliveira, Pedro Pianca Neto, Emerson Sena, José Carlos Mariano Viana de Souza, Bernardo de Andrada, Werther Garfield de Almeida, Francisco Doutel, Armando da Glória Júnior, Francisco Weldes, Wagner Mariushi, José Renato Ludolf Paixão, Carlos Henrique Ribeiro 99 Ulnar nerve decompression with local anesthesia in patients with Hansen disease José Marcos Pondé, Marcos Antônio Falcão da Silva, Icaro Barros Barreto, Clarissa Cerqueira Ramos 103 Surgical treatment of spontaneous cerebral hematoma: are there any evidence? Robson Luis Oliveira de Amorim, Wellingson Silva Paiva, Eberval Gadelha Figueiredo, Marcelo Prudente Espírito Santo, Almir Ferreira de Andrade, Manoel Jacobsen Teixeira 110 Medical complications in traumatic spinal cord injury: pulmonary, cardiovascular, genitourinary and gastrointestinal Carlos Umberto Pereira, Luciana Franco do Prado de Carvalho, Egmond Alves Silva Santos 118 Cranial fasciitis in a young patient: case report and review of literature Francisco José de Alencar, Gerson Luis Medina Prado, Lina Gomes dos Santos, Maria Tereza Paraguassú Martins Guerra, Maximiliano Ramos Pinto Carneiro, Camila Brito Falcão Pinheiro, Márcia Beatriz de Jesus Lima Arq Bras Neurocir 29(3): 87-90, setembro de 2010 Women in Brazilian neurosurgery Henrique S. Ivamoto1 Santa Casa da Misericórdia de Santos, Brazil. ABSTRACT Medicine remained as a male profession during many centuries, but the proportion of women rose steadily during the second part of the 20th century in the world and in Brazil. In 2006 they became the majority (51.75%) of the new physicians licensed by the Regional Council of Medicine of the State of São Paulo. Nevertheless, the proportion of women in Neurosurgery and in directive posts in entities of the specialty in Brazil continue very low or absent. Data obtained from the Brazilian Society of Neurosurgery and the Brazilian Academy of Neurosurgery are very similar to those of the American counterparts, like the proportion of women among the associates, around 5%, and one single female chief of a service certified for training in each country. Authors from WINS, an American entity, reported several problems suffered by female neurosurgeons, including gender discrimination. Such occurrences, as reported in online news, should alert against discriminatory attitudes. KEY WORDS Women physicians. Neurosurgery. Statistics. RESUMO Mulheres na neurocirurgia no Brasil A medicina remanesceu como uma profissão masculina durante muitos séculos, mas a proporção de mulheres aumentou constantemente durante a segunda metade do século XX no mundo e no Brasil. Em 2006, elas passaram a constituir a maioria (51,75%) dos novos médicos licenciados pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Todavia, a proporção de mulheres na neurocirurgia e em cargos diretivos de entidades da especialidade no Brasil continua muito baixa ou ausente. Dados obtidos da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia e da Academia Brasileira de Neurocirurgia são muito semelhantes aos das congêneres americanas, como a proporção de mulheres entre as associadas, em torno de 5%, e uma única chefe de serviço credenciado para treinamento em cada país. Autoras da WINS, entidade americana, relataram diversos problemas enfrentados pelas neurocirurgiãs, incluindo discriminações de gênero. Ocorrências dessa natureza, noticiadas em jornais eletrônicos, devem alertar contra atitudes discriminatórias. PALAVRAS-CHAVE Médicas. Neurocirurgia. Estatísticas. Introduction Although the number of women graduating in Medicine is surpassing that of men, few are the female neurosurgeons or trainees in Brazil. A study carried out by female neurosurgeons in the United States reports data that are similar to the Brazilian and points to gender inequity in training programs, in practice and in the ascension to leadership posts in that country.2 Women in medicine Hatshepsut , whose name means “the most notable among the noble ladies”, lived in the 15th century b.C., 1. Santa Casa da Misericórdia de Santos, Brazil. became famous because of her beauty and intelligence and was thought to have had medical knowledge.6,7,11 She was the only direct heir of her father, the pharaoh, who died, but her leadership was not accepted because she was a woman. She had to get married to a half-brother, who took charge of the government. Widowing soon, she became the temporary regent during the minority of her stepson and, in order to overcome the obstacles to become pharaoh, she used an intelligent strategy: she obtained the support of the priests who passed to publicize her idea that she was a semi-goddess, the eldest of the children of god Amon and his representative on earth. With the religious support, she ruled Egypt, leading it to one of the most prosperous phases of its history, encouraging the development of architecture and other arts and sciences. Hatshepsut became known for her successful struggle against the Arq Bras Neurocir 29(3): 87-90, setembro de 2010 historical rejection of female leadership that subsists into postmodernity. In Greek mythology, Aesculapius, the god of healing, had the assistance of his wife Epione, who relieved pain, and of two daughters, Panacea, who knew all the medicines and treatments and Hygeia, the goddess of health and disease prevention. During the Middle Ages and afterwards, in several European countries, women were kept away from medical practice by doctors and by the rest of society, who allowed them to act only as aids, nurses or midwives. In the early 19th century in England and the United States, the first students to enroll in medical schools were targeted with insults and aggressions.14 When Harriot Hunt (1805-1875) tried to enroll in medical school at Harvard with the approval of the dean and teachers, students prevented her entry and she ended up graduating as a homeopathic physician in Syracuse. After being rejected by eleven institutions, Elizabeth Blackwell (1821-1910) enrolled in a small medical school in New York State, thanks to an artifice that the director had used to deceive the students. After graduation, she began fighting for the rights of the female physicians in the United States, England and France. Through the Leoncio de Carvalho Reform, Brazilian Emperor D. Pedro II signed the Decree 7247 on April 29, 1879, that gave “the freedom and right of women to attend courses at the faculties and obtain academic degrees”, opening the doors of higher education, according to Alberto Silva (apud Piccinini13). The first Brazilian woman graduated in medicine was Dr. Maria Augusto Generoso Estrela (1860-1948), who studied in New York and revalidated her diploma in Brazil in 1882. The first female physician to graduate in Brazil was Dr. Rita Lobato Velho Lopes (1867-1954), who entered the medical school of Rio de Janeiro and concluded in the other located in Salvador in 1887. These and other pioneers suffered discrimination. The male dominance continues, but the number of women in medicine has grown in Brazil, United States and other Countries. In the last decades, the Regional Council of Medicine of the State of São Paulo5,12 (Cremesp) has registered a steady increase in the number of women among the new licensees in the State, surpassing the number of men by the first time in 2006 (Table 1). Of the 101,087 physicians in activity in the State of São Paulo in January, 2010, men still are the majority (60%), but a balance is estimated to occur within a decade. The number of women is already larger in 14 of the 53 officially recognized medical specialties. In addition to neurosurgery, other specialties, including orthopedics, thoracic surgery and urology, have a small proportion of female surgeons. 88 Table 1 Numbers of new physician licensees in the Regional Council of Medicine of the State of São Paulo (Cremesp) and the percentage of women Year Total Men Women Women (%) 1980 2,267 1,506 761 33.57 1990 2,293 1,298 995 43.39 2000 2,562 1,419 1,143 44.61 2006 3,030 1,462 1,568 51.75 2007 2,449 1,130 1,319 53.86 2008 3,072 1,445 1,627 52.96 2009 3,029 1,384 1,645 54.31 Women in neurosurgery in the United States Women in Neurosurgery (WINS) is an American neurosurgical entity that encourages the entry of women in the specialty and helps them overcome barriers to their development. According to a survey by Benzil2 and other members of this association, by early 2007 the American Academy of Neurological Surgeons had admitted only one woman and the Society of Neurological Surgeons (SNS) only two. No woman had been president of the American Association of Neurological Surgeons or of the Congress of Neurological Surgeons (CNS), or been member of the American Board of Neurological Surgery or of the Neurological Surgery Residency Review Committee of the Accreditation Council for Graduate Medical Education. The last two entities are responsible for the certification of specialists and for the control of residencies. According to that article, female doctors who can be part of some specialty dominated by men often become victims of the phenomenon they call “glass house”, that isolates them from other team members. Another form of discrimination they identify is the “glass ceiling”, that prevents their rise in their professional and academic careers and within neurosurgical organizations. Besides discrimination, another explanation they give for the small number of women residents in neurosurgery is the insufficient number of female neurosurgeons that could serve as models for the students. Dr. Benzil3 kindly provided us further data on women in neurosurgery in the United States. The book “Heart of a Lion, Hands of a Woman: What Women Neurosurgeons Do”, details related issues. According to recent online news from the United States, some female neurosurgeons have sought the Justice for gender discrimination, a warning to avoid improper attitudes or remarks. Women in Brazilian neurosurgery Ivamoto HS Arq Bras Neurocir 29(3): 87-90, setembro de 2010 Women in neurosurgery in Brazil The first woman to obtain the specialist certification from the Brazilian Society of Neurosurgery (SBN) was Dr. Cleyde Cley da Silva Vescio, at the exam held in Campinas in 1974 (Table 2).15 She had graduated from the Faculty of Medicine of the University of São Paulo in 1969, where she undertook her residency and mastership, becoming a member of the SBN in 1976 and chief of the Neurosurgery Service of the Hospital Matarazzo in São Paulo. According to data provided by the secretariat of the Brazilian Academy of Neurosurgery1 (ABNc), in February 2010 there were 808 full members, 42 of them female. The first woman, a member since 1984, is Dr. Carla Renata Aparecida Vieira Stella, currently the chief of the Department of Neurology and Neurosurgery of the Hospital Casa de Saúde in the city of Campinas. Three female neurosurgeons have held or hold a position in the board of the entity, as secretaries, doctors Lilian Bridges Pinto Machado, Ana Luisa Machado de Oliveira and Mercia Jeanne Duarte Bezerra. Brazilian data1,15 are very similar to those of the United States.3,4 The proportion of women in the SBN and in the ABNc are very similar to that found in the American Association of Neurological Surgeons (AANS) (Table 3), around 5%, and only one woman has taken charge of a service accredited for training in each country (Tables 4 and 5). Table 2 First women approved for certification as specialists by the SBN or by the ABNS (American Board of Neurological Surgery) and year of the exams Entity First specialists Approval ABNS Dr. Ruth Kerr-Jakoby 1961 Dr. Cleyde Cley da Silva Vescio 1974 SBN Table 3 Number of full members of the AANS (American Association of Neurological Surgery) in 2008, the SBN (Brazilian Society of Neurosurgery) in January 2010 and ABNc (Brazilian Academy of Neurosurgery) in February 2010 Entity (year) Members Men Women AANS (2008) 3,545 3,380 165 4.7 SBN (2010) 1,796 1,698 98 5.4 808 766 42 5.2 ABNc (2010) Women (%) Table 4 Chiefs of services certified for training by the ABNS or by the SBN in February 2010 Entity Services Male chief Female chief ABNS 106 105 1 SBN 54 53 1 Women in Brazilian neurosurgery Ivamoto HS Table 5 First women who became chiefs of services certified for training by the ABNS or by the SBN Entity Female chiefs Institution Year ABNS Dr. Karin Muraszko University of Michigan 2005 Dr. Rosilene Morales Santa Casa de Santos 2010 SBN During the quadrennial election for the posts of chiefs of services of the hospital Santa Casa da Misericórdia de Santos, occurred in January 2010, Dr. Rosilene Morales, the only female neurosurgeon in the institution, was elected to occupy the post in the Service of Neurosurgery. Because we had not heard of a female neurosurgeon being the chief of a service with an accredited program, the SBN was consulted. The query was answered by Dr. Samuel Tau Zymberg15: among its 1796 full members, 98 are female, and to date, no woman had been chief of a service licensed for training, so the case was an unprecedented event in the history of the Brazilian Society of Neurosurgery. On several previous occasions, Dr. Morales had assumed the post, but temporarily, acting as substitute. The Santa Casa da Misericórdia de Santos, the oldest Brazilian hospital, founded in 1543 by Brás Cubas, has always been used for the practical teaching of medicine and other health disciplines, a tradition common to all the Santa Casa da Misericórdia hospitals in the Country.8,10 One of its first apprentices was the young Jesuit novice José de Anchieta, who also stands as one of the founders of the village of São Paulo. The Misericórdia of Santos counted with the work of Friar Gaspar, the Andrada brothers, Claudio Luiz da Costa, Martins Fontes, Cerqueira Falcão and other distinguished Brazilian personalities. The Neurosurgery Service was established in 1952, initially as a section, under the direction of Dr. Antonio Ablas Filho, a prominent humanist who received an award from the Vatican and, after his death, had his name given to a public school in the city. Currently, the service counts with a staff of nine neurosurgeons and five trainees, besides a team of physicians of the 10 bed neurosurgical ICU. The hospital is the largest in the coastal region of the State and the Service is accredited for training by the SBN and the by the Brazilian Ministry of Education and Culture. After training in the Neurosurgery Service, Dr. Rosilene Morales was admitted as an attending neurosurgeon in 1986 and received additional training at the Université de Grenoble, France. Lately, she has been visiting the service for epilepsy surgery of Dr. Arthur Cukiert in the city of São Paulo. Her dedication to the patients led to the publication of the article “Women 89 Arq Bras Neurocir 29(3): 87-90, setembro de 2010 physicians, paternal mothers, anonymous heroines”.9 She is member of the SBN, advisor to the Brazilian Society of History of Medicine, cultural director of the Teaching Center of the Santa Casa of Santos, assistant professor at the Metropolitan University of Santos (Unimes), and holds a Master in Education degree, issued by the Catholic University of Santos. In addition to the difficulties pointed out by WINS in the US, it should be recalled that the required training in Neurosurgery is long, surgeries are complex and tiresome, many cases are serious and urgent, deaths and sequelae are common, the media publicizes the concept that medicine is an exact science, the patients expect for mathematical results, the Brazilian society is becoming litigious, the fees are low and inconsistent with the high responsibilities. Several factors discourage young doctors from choosing the specialty in Brazil and stimulate early withdrawal from surgical activities. References 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. Conclusion When some directors of the SBN and of the Brazilian Society of History of Medicine were informed of the election of a woman as chief of a training service in Santos, a new fact in the history of Neurosurgery in Brazil and a further step towards the full emancipation of the female physicians in the Country, they answered with greetings and wishing for the best in her mission. In keeping with the current trend, the Hippocratic art should, in the coming years, be numerically dominated in all areas by the disciples of Epione, Hygeia and Panacea, and will have women like Hatshepsut to inspire them in their struggles against the barriers that still subsist. We thank Ms. Sabrina Fernandes Monteiro (SBN) and Ms. Liene França Bezerra (ABNc) for the statistical information. 90 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. Academia Brasileira de Neurocirurgia Secretariat. Electronic communication in February 2010. Benzil DL, Abosch A, Germano I, Gilmer H, Maraire JN, Muraszko K, et al. 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Endereço para correspondência Henrique Seiji Ivamoto Rua Vergueiro Steidel, 126/2 11040-270 – Santos, SP, Brasil E-mail: hivamoto@yahoo.com.br Women in Brazilian neurosurgery Ivamoto HS Arq Bras Neurocir 29(3): 91-94, setembro de 2010 Manobra de Valsalva como preditor do resultado da cirurgia de hérnia discal lombar Luciano Ferreira de Holanda1, Rafael Rodrigues Holanda2, Amauri Pereira da Silva Filho2, José da Costa Leão Segundo2, Benedito Jamilson Araújo Pereira3, Pierre Vansant Oliveira Eugênio4, Vanessa Milanesi de Holanda5 Serviço de Neurocirurgia do Hospital Antônio Targino, Campina Grande, PB, Brasil. RESUMO Objetivo: Demonstrar o valor da resposta dolorosa à realização da manobra de Valsalva na escolha do tratamento adequado da hérnia discal lombar. Casuística e método: Estudo prospectivo de 2.200 pacientes de ambos os gêneros, de diversas faixas etárias, atendidos e acompanhados no Hospital Antônio Targino e na Clínica de Neurologia e Neurocirurgia Domício Holanda, na cidade de Campina Grande, PB, com diagnóstico de hérnia discal, no período de janeiro de 1993 a outubro de 2008. Os pacientes foram divididos em dois grupos: um grupo de 2.000 pacientes com lombociatalgia decorrentes de hérnias lombares que apresentavam dor durante a manobra de Valsalva e outro grupo de 200 pacientes que tinham as mesmas características clínicas do primeiro grupo, porém não apresentavam exacerbação da dor durante manobra de Valsalva. Resultado: Os 2.000 pacientes que apresentaram dor com a execução da manobra e foram submetidos à cirurgia tiveram boa resposta, enquanto os outros 200 pacientes que não referiram a mesma dor e que foram seguidos de maneira ambulatorial tiveram uma diminuição dessa dor, porém não precisaram de tratamento cirúrgico. Conclusão: A dor provocada pela manobra de Valsalva é sinal extremamente útil no que se refere à triagem desses pacientes. PALAVRA-CHAVE Deslocamento do disco intervertebral lombar e manobra de Valsalva. ABSTRACT Valsalva maneuver as a predictor of herniated lumbar disc surgical treatment results Objective: Demonstrate the value of pain response to the Valsalva maneuver in choosing the appropriate treatment of lumbar disc herniation. Patients and methods: Prospective study of 2,200 patients of both genders in various age groups, treated and followed at Hospital Antônio Targino and Clínica de Neurologia e Neurocirurgia Domício Holanda, Campina Grande, PB, Brazil with disc herniation in the period from January 1993 to and in October 2008. Patients were divided into two groups: one group of 2,000 patients with herniated lumbar disc with radicular pain that presented pain to maneuver Valsalva and another group of 200 patients who had similar clinical characteristics of the first group, but showed no exacerbation of pain during maneuver of Valsalva. Results: The 2,000 patients from the first group (Valsalva-positive) underwent surgery and had a good response, while the other 200 Valsalva-negative patients were followed in outpatient settings, had the pain decreased but did not require surgical treatment. Conclusion: The pain caused by the Valsalva maneuver is extremely useful signal with regard to triage these patients. KEY WORD Intervertebral disk displacement and Valsalva maneuver. Introdução Como toda e qualquer nosologia, o tratamento da hérnia discal possui insucessos e estes se fixam, na maioria das vezes, em uma indicação de tratamento incorreto, ou até mesmo na percepção médica de quando partir para outra forma de tratamento distinta da inicial. Finneson14 propõe uma tabela de escores para avaliar a probabilidade de sucesso da discectomia inicial; porém, de uso bastante laborativo, é negligenciado pelos profissionais. Nossa proposta é bastante simples, de fácil execução, e objetiva trazer a manobra de Valsalva como divisor de águas entre partir para tratamento clínico e lançar mão de terapêutica cirúrgica. 1. Neurocirurgião, doutorando em Medicina pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). 2. Neurocirurgião do Hospital Antônio Targino, Campina Grande, PB, Brasil. 3. Médico. 4. Acadêmico de Medicina da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), PB, Brasil. 5. Residente em Neurocirurgia do Centro Especializado em Neurologia e Neurocirurgia Associados (CENNA), São Paulo (SP), Brasil. Arq Bras Neurocir 29(3): 91-94, setembro de 2010 Casuística e métodos Estudo prospectivo de 2.200 pacientes, de ambos os gêneros, de diversas faixas etárias, atendidos e acompanhados no Hospital Antônio Targino e na Clínica de Neurologia e Neurocirurgia Domício Holanda, na cidade de Campina Grande (PB), com diagnóstico de hérnia discal, no período de janeiro de 1993 a outubro de 2008. Os pacientes foram divididos em dois grupos: um grupo de 2.000 pacientes com lombociatalgia decorrentes de hérnias lombares que apresentavam dor durante manobra de Valsalva e outro grupo de 200 pacientes que tinham as mesmas características clínicas do primeiro grupo, porém não apresentava exacerbação da dor durante manobra de Valsalva. Todos os pacientes obedeceram aos seguintes critérios de inclusão: presença de dor lombar com irradiação para membros inferiores; imagem tomográfica ou mielográfica confirmando a protusão discal; concordância (e/ou de familiar responsável) em participar do estudo. Foram excluídos do nosso estudo apenas os pacientes que não apresentaram pelo menos um dos critérios diagnósticos acima estabelecidos ou que discordaram (e/ou de familiar responsável) em participar do estudo. De cada paciente, foram descritos o quadro clínico, os sinais encontrados ao exame físico e os resultados dos exames diagnósticos. No exame clínico, foram pesquisados os sinais de Kérnig e Lasègue como sinais que acompanham a hérnia discal. Resultados A pesquisa da validação da manobra foi feita acompanhando a evolução do paciente no pós-operatório, daqueles que tiveram indicação cirúrgica por meio da exacerbação da dor durante manobra de Valsalva, no que tange à evolução da dor, retorno às atividades físicas e qualidade de vida. Foram, também, acompanhados os pacientes que não tiveram indicação cirúrgica por essa manobra e, então, estabelecido o tratamento clínico tradicional, mas com a observação dos mesmos pontos quanto a sua evolução. Observamos que 100% dos pacientes do primeiro grupo apresentaram evolução satisfatória, no que se refere tanto à evolução da dor quanto à melhor qualidade de vida; nenhum deles apresentou recidiva da dor e nenhuma complicação ocorreu em decorrência do procedimento. Dentre aqueles que no primeiro momento não foram eleitos ao tratamento cirúrgico e foram acompanhados ambulatorialmente e submetidos a tratamento clínico conservador, nenhum evoluiu de forma a apresentar 92 dor durante execução da manobra de Valsalva, portanto nenhum deles migrou para outro grupo. Tampouco aqueles que previamente apresentaram dor durante manobra de Valsalva tiveram os sintomas regredidos sem tratamento cirúrgico. Discussão A hérnia de disco é uma patologia musculoesquelética responsável pela dor lombar. O termo hérnia de disco é utilizado como termo coletivo para relatar um processo em que ocorre extrusão do anel fibroso, com posterior deslocamento da massa central do disco para os espaços intervertebrais, normais ao aspecto dorsal ou dorsolateral do disco.4 Os problemas decorrentes dessa afecção têm sido os pretextos mais frequentes de escusa do trabalho por inaptidão.3 Diversos fatores de risco ambiental têm sido associados, tais como rotina de carregar peso, dirigir e fumar, além do ciclo fisiológico do corpo humano para a senectude.36 Porém, em estudo retrospectivo realizado por Battié e cols.,5 esses fatores apontaram resultados modestos quanto à manifestação da herniação, os quais corroboram a conjectura de que a etiologia de tal afecção pode ser explicada com base na influência genética, achados esses apoiados por outros autores.6,24,25,29,30,37 O disco intervertebral, constituído pelo núcleo pulposo, anel fibroso e pelo platô vertebral, formado pela cartilagem onde o disco se ensarta, serve, pelo seu arcabouço, de amortecedor entre os corpos vertebrais.15,19 Ele está sujeito às forças de compressão, cisalhamento, flexão, extensão e rotação. Os movimentos e a força que o disco pior tolera são o torque axial, mormente quando este está associado à força de compressão.1,13 Esses maquinismos, à medida que se reproduzem, desencadeiam a degeneração do núcleo pulposo, que vai desidratar.9,23 Quando a degeneração do núcleo pulposo estiver seguida da erosão do anel fibroso, haverá a ruptura interna do disco. A fissura radial do anel fibroso é seguida de prolapso discal, estágio em que o ligamento longitudinal posterior permanece alinhado. Se tal ligamento irromper e o núcleo pulposo degenerado migrar para dentro do canal vertebral, haverá a hérnia extrusa. Quando um fragmento migra dentro do canal, para cima, para baixo ou para o interior do forâmen, tem-se a hérnia sequestrada.38 Chamamos a atenção para o fato de que toda essa evolução poderá advir de forma sintomática ou assintomática. Pacientes saudáveis, jugulados a estudo tomográfico e à primeira ressonância magnética, demonstraram ter hérnia de disco, mesmo imane, sem ter tido jamais dor lombar ou ciatalgia.7,16 Manobra de Valsalva e hérnia discal lombar Holanda LF e col. Arq Bras Neurocir 29(3): 91-94, setembro de 2010 Hoje está ratificado que o anel fibroso do disco é inervado por plexo de finas fibras nervosas que adentram da periferia para o seu interior,21 de modo que o disco labora como ligamento ricamente inervado. A evidência de que o disco pode doer vem de observações clínicas; durante a cirurgia realizada com anestesia local, a compressão da região posterior do anel fibroso produz a dor. A mesma ênfase ocorre quando se realiza a discografia.10,28 Discos normais em pacientes assintomáticos voluntários não apresentam dor.18,32 Patologicamente, a hérnia de disco versa na migração do núcleo pulposo com fragmento do anel fibroso e, ocasionalmente, até da cartilagem do platô vertebral para o interior do canal. Essa herniação provoca dor se comprometer alguma raiz nervosa ou o saco tecal.17 O comprometimento neurológico pode ocorrer por compressão mecânica ou secundariamente ao processo inflamatório, com edema das estruturas nervosas.27 A localização dessas extrusões pode ser dividida, anatomicamente, em: 1) mediana, que normalmente se manifesta por lombalgia aguda, eventualmente com irradiação; 2) hérnia centrolateral, que pode comprometer a raiz transeunte ou a raiz emergente; 3) hérnia foraminal, que compromete a raiz emergente; 4) hérnia extremolateral ou extraforaminal, que compromete a raiz superior, pois o trajeto das raízes lombares é oblíquo. Por isso, é de extraordinária relevância correlacionar os achados de imagem com os dados clínicos, para a correta localização da hérnia.14 É importante salientar que, não obstante o repouso ser vastamente preconizado nesses processos patológicos, não há resultados conclusivos sobre seus benefícios, apesar de Schiltenwolf31 afirmar que com o repouso haveria retração por desidratação da parte herniada do disco e, a seguir, haveria fibrose deste, favorecendo a cura.8 O período de repouso deve estender-se o suficiente para proporcionar a redução do processo inflamatório,39 em razão dos efeitos colaterais decorrentes da ociosidade aprazada; desse modo, a volta à mobilidade deve acontecer de forma gradual, uma semana após o início.11 . Com relação à prescrição de analgésicos, pode-se dizer que eles são necessários, uma vez que o conforto rápido da dor periférica é capaz de prevenir a evolução para o estado crônico, sendo também um ajudante útil para manter o paciente em repouso.12 Os relaxantes musculares são usados, sendo úteis em pacientes com severo espasmo muscular paravertebral, porém devem ser empregados por curto período. A morfina e outras drogas que induzem dependência devem ser evitadas, embora possam ser indicadas em casos extremos. No lugar delas, podem ser administradas drogas psicoativas, indicadas nos casos de pacientes com dor crônica complicada por um componente de ansiedade Manobra de Valsalva e hérnia discal lombar Holanda LF e col. e depressão, bem como o uso de anestésicos que têm demonstrado boa resposta.26 O procedimento cirúrgico é a outra alternativa disponível para o tratamento da hérnia discal, embora sua recomendação ocorra quando o curso natural do processo em questão segue uma piora significativa após o uso de medidas não agressivas. O adequado ponto em que se conclui que ocorreu falha na aplicação de medidas conservadoras é controverso e pode variar consideravelmente de um paciente para outro, dependendo da gravidade dos sintomas e das conjunturas social e econômica dos pacientes, bem como de sua relação com o médico.31 Detectar esse ponto crucial constitui verdadeiro desafio para o conhecimento e experiência do profissional médico. Diversos estudos apontam que o malogro da cirurgia de hérnia de disco está relacionado com o diagnóstico insuficiente e a triagem errada dos pacientes.14,22,33 Pode o cirurgião realizar brilhante cirurgia na coluna de um paciente mal selecionado, transferindo o insucesso pessoal dele ao mau resultado da intervenção cirúrgica. Isso contrastaria com excelentes resultados do tratamento cirúrgico.2,20,34,41 A discordância do ponto de vista dos especialistas e a falta de uma metodologia sistemática atravancam o desenvolvimento de guias clínicos confiáveis para serem postos em prática. Há a necessidade de serem elaborados protocolos padronizados que quantifiquem, comparem e sumarizem os julgamentos de diferentes peritos sobre o melhor tratamento a ser adotado.40 Durante a prática clínico-cirúrgica foi observado que nos pacientes com lombociatalgias decorrentes de hérnias discais lombares, a presença de dor com a manobra de Valsalva seria indicador de tratamento cirúrgico, observando-se melhores resultados nesses pacientes e resposta ao tratamento clínico conservador naqueles que não apresentavam dor com essa manobra. Desde então, passou-se a tomar como protocolo nas indicações cirúrgicas esse sinal, associado aos demais exames propedêuticos padronizados e sempre correlacionando com exames de imagem que comprovavam a hérnia discal. Conclusão A utilização da manobra de Valsalva como preditor cirúrgico no tratamento da hérnia discal tem um valor potencial quanto à indicação do tratamento correto dos portadores daquela patologia e, por consequência, quando bem interpretado, seu resultado torna-se chave para a resolução clínica do quadro. Portanto, pelos valores que vimos em nossa casuística e pela exequibilidade da manobra, vemos o quão simples é a sua execução e bastante significativo o seu resultado na prática. 93 Arq Bras Neurocir 29(3): 91-94, setembro de 2010 Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 94 Adams MA, Hutton WC. Gradual disc prolapse. Spine. 1985;10:524-31. Andrews DW, Lavyne MH. Retrospective analysis of microsurgical and standard lumbar discectomy. Spine. 1990;15:329-35. Atlas SJ, Chang Y, Kammann E, Keller RB, Deyo RA, Singer DE. 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Endereço para correspondência Luciano Ferreira de Holanda Rua Delmiro Gouveia, 299 58107-735 – Campina Grande, PB, Brasil E-mail: luholanda@hat.com.br Manobra de Valsalva e hérnia discal lombar Holanda LF e col Arq Bras Neurocir 29(3): 95-98, setembro de 2010 Experiência no tratamento de aneurismas cerebrais após a implantação da embolização Daniel Rodrigues de Oliveira1, Pedro Pianca Neto1, Emerson Sena1, José Carlos Mariano Viana de Souza1, Bernardo de Andrada1, Werther Garfield de Almeida2, Francisco Doutel3, Armando da Glória Júnior3, Francisco Weldes3, Wagner Mariushi4, José Renato Ludolf Paixão3, Carlos Henrique Ribeiro5 Serviço de Neurocirurgia Prof. Oscar Fontenelle do Hospital Municipal Salgado Filho (HMSF), Rio de Janeiro, RJ. RESUMO Objetivo: Demonstrar os resultados do Serviço comparando embolização e clipagem no tratamento dos aneurismas intracranianos durante o período de 1/9/2007 a 1/12/2008, quando a técnica de embolização foi implantada no Serviço. Pacientes e métodos: Foi realizado estudo retrospectivo no banco de dados do hospital com programa estatístico (Epi Info 2000®) e colhidas informações mediante análise do registro cirúrgico no Serviço naquele período. Os dados foram cruzados pelos dois métodos para cálculo de parâmetros estatísticos. Resultados: No período, foram tratados 61 pacientes: 43 mulheres e 18 homens; em 40 o tratamento foi a embolização e em 21, a clipagem. O tempo médio de permanência dos pacientes submetidos à clipagem foi de 37 dias e o dos submetidos à embolização, de 18,5 dias. Dos 21 pacientes do primeiro grupo, 47% apresentavam idade entre 51 e 60 anos e dos 40 do grupo da embolização, 55% tinham idade entre 41 e 60 anos. A mortalidade global foi de 11,47%; 9,5% nos casos de clipagem e 12,5% no grupo da embolização. Conclusão: Observou-se que a embolização reduziu o tempo médio de permanência e, indiretamente, custos hospitalares, não alterando a taxa de mortalidade. A maioria dos aneurismas diagnosticados era roto, justificando o grande período de internação e a taxa de óbitos. O emprego da embolização foi uma conquista importante do Serviço para a rede municipal do Rio de Janeiro na terapêutica dos aneurismas. PALAVRAS-CHAVE Aneurisma intracraniano. Embolização. Clipagem. ABSTRACT Experience after embolization technique standard use in the treatment of cerebral aneurysms Objective: To demonstrate the results of comparative study between surgical approaches versus embolization in the treatment of cerebral aneurysms in our Service. Patients and methods: Retrospective analysis using the hospital’s databank, with statistical software (Epi Info 2000®). The period of study was September 1, 2007 to December 1, 2008. The data was crossed using statistics parameters. Results: In that period 61 patients were collected, 43 females and 18 males; 40 patients received the treatment by embolization and 21 were submitted to surgery (aneurismal clipping). The hospitalization overall time was 37 days for open surgery and 18.5 days when embolization was the choice. Among open surgery group, 47% aged 51 to 60 years and among the embolization group 55% aged 41 to 60 years. The global mortality was 11.47%; 9.5% in aneurismal clipping and 12.5% in embolization. Conclusion: The embolization presented shorter hospitalization time with lower hospitals coasts. Most of the aneurysms had ruptured, explaining the long hospitalization time; besides the subarachnoid hemorrhage co-morbities had significative contribution in the mortality. The use of embolization in neurosurgery was offers an advance for the intracranial aneurysms. The possibility of choice between the two methods was an important conquest in public health Service of Rio de Janeiro city. KEY WORDS Intracranial aneurysms. Embolization. Clipping. 1. 2. 3. 4. 5. Residente de Neurocirurgia do Hospital Municipal Salgado Filho (HMSF). Médico chefe da Epidemiologia do HMSF. Neurocirurgião estatutário HMSF. Neurocirurgião e neurorradiologista membro da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia (SBN). Neurocirugião, chefe do Serviço de Neurocirurgia do HMSF. Arq Bras Neurocir 29(3): 95-98, setembro de 2010 Introdução Resultados A técnica de embolização de aneurismas intracranianos foi introduzida em 1991 e atualmente é uma alternativa menos invasiva para o tratamento dos aneurismas intracranianos, tendo sido aprovada pelo FDA em 1995.1,4,5 O nosso hospital é um centro de referência da rede municipal do Rio de Janeiro no tratamento das doenças vasculares cerebrais, o único da rede com alta complexidade para a especialidade de neurocirurgia, possui 323 leitos gerais e 30 leitos de neurocirurgia, 8% do total. De janeiro de 2006 a outubro de 2008, o Serviço realizou 10.561 internações e 1.997 cirurgias, com 61 aneurismas clipados no período; em 2007 foram registradas 1.053 internações e realizadas 770 neurocirurgias e em 2008, até outubro, 860 internações com 580 neurocirurgias. O Serviço passou a realizar o tratamento endovascular para aneurismas intracranianos oficialmente em setembro de 2007. O presente artigo pretende demonstrar a experiência do Serviço e os resultados após a implementação da embolização como opção de tratamento menos invasivo e com menores morbidades para os pacientes com aneurismas intracranianos, além do tratamento tradicional, que é a clipagem cirúrgica. Dos 21 pacientes submetidos à clipagem dos aneurismas, 4 eram homens e 17, mulheres. A distribuição etária está apresentada na tabela 1. O tempo médio de permanência hospitalar foi de 37 dias, mínimo de 14 dias e máximo 59 dias, com mediana de 35,5 dias e moda de 31 dias (Tabela 2). Foram realizadas 29 cirurgias, que incluíram: realização de derivações ventriculares, drenagem de hematomas como complicações do sangramento e ressangramento. Total de dois óbitos, ou 9,5% (Tabela 2). Dentre os 40 pacientes submetidos à embolização dos aneurismas, 26 eram mulheres e 14, homens. A distribuição etária está apresentada na tabela 3. O tempo médio de permanência hospitalar foi de 18,5 dias com permanência mínima de 2 dias e máxima de 47 dias, com mediana de 17,3 dias e moda de 21 dias (Tabela 4). Foram realizados 60 procedimentos nesse grupo, que incluíram, além da embolização, derivações ventriculares, drenagem de hematomas como complicações do sangramento. Ocorreu óbito em cinco, com taxa de mortalidade de 12,5% (Tabela 4). Materiais e métodos As informações foram coletadas do banco de dados do hospital, no Serviço de Epidemiologia, por meio do programa Epi Info 2000®, durante o período de 1/9/2007 a 1/12/2008, no qual se passou a realizar o tratamento por meio da técnica de embolização. A coleta dos dados foi realizada de forma retrospectiva. Foram analisados apenas os pacientes que se submeteram ao tratamento do aneurisma, um total de 61; desses, 21 foram submetidos à clipagem cirúrgica (34,4%) e 40, embolizados (65,6%). De rotina, todos os pacientes que adentram na emergência são submetidos à tomografia computadorizada de crânio para diagnóstico da hemorragia subaracnoidea ou punção lombar e, quando pertinente, é realizada arteriografia cerebral dos quatro vasos, mediante a técnica de Seldinger. Esse exame é realizado com agendamento via atendimento ambulatorial para os pacientes com encaminhamento. O exame é discutido em seção clínica e, então, é escolhido o método de tratamento. A análise das variantes foi cruzada por: sexo, idade, tipo de alta, taxa de óbito, sobrevida, tempo médio e global de internação e, então, comparados os dois métodos. 96 Tabela 1 Distribuição etária e gênero – 21 casos clipagem Idade (anos) Homens Mulheres Totais 31-40 00 02 02 41-50 01 05 06 51-60 03 08 11 61-70 00 02 02 Totais 04 17 21 Tabela 2 Distribuição etária e evolutiva – 21 casos clipagem Idade (anos) Sobrevida Óbitos Totais TMP* 31-40 01 01 02 39,5 41-50 06 00 06 38,2 51-60 11 00 11 36,2 61-70a 01 01 02 33,0 Totais 19 02 21 36,5** (*) TMP: Tempo médio de permanência hospitalar, em dias. (**) Média de TMP. Tabela 3 Distribuição etária e gênero – 40 casos embolizados Idade (anos) Homens Mulheres Totais 11-20 01 00 01 21-30 00 02 02 31-40 06 04 10 41-50 02 11 13 51-60 04 07 11 61-70 01 02 03 Totais 14 26 40 Embolização de aneurismas cerebrais Oliveira DR e col. Arq Bras Neurocir 29(3): 95-98, setembro de 2010 Tabela 4 Distribuição etária e evolutiva – 40 casos embolizados Idade (anos) Sobrevida Óbitos Totais TMP* 11-20 01 00 01 13,0 21-30 02 00 02 22,5 31-40 10 00 10 18,4 20,4 41-50 12 01 13 51-60 07 04 11 17,4 61-70 03 00 03 12,3 Totais 35 05 40 17,3** ( ) TMP: Tempo médio de permanência hospitalar, em dias. ( ) Média do TMP. * ** Para os dois grupos, a taxa de mortalidade geral foi de 11,5%. A redução importante do tempo de permanência daqueles submetidos à embolização quando comparada com aqueles submetidos à clipagem cirúrgica é demonstrada nas tabelas 5 e 6. Tabela 5 Comparativo etário e TMP* – Embolizados × clipagem Embolizados Idade (anos) Clipagem Totais TMP Totais 11-20 01 13,0 00 TMP 00,0 21-30 02 22,5 00 00,0 31-40 10 18,4 02 39,5 38,3 41-50 13 20,4 06 51-60 11 17,4 11 36,2 61-70 03 12,3 02 33,0 Totais 40 17,3** 21 24,5** ( ) TMP: Tempo médio de permanência hospitalar, em dias. ( ) Média do TMP. * ** Tabela 6 Comparativo global do TMP* – Embolizados × clipagem Idade (anos) Embolizados Clipagem Global 11-20 13,0 00,0 06,5 21-30 22,5 00,0 11,2 31-40 18,4 39,5 28,9 41-50 20,4 38,3 29,3 51-60 17,4 36,2 26,8 61-70 12,3 33,0 22,6 Totais 17,3** 24,5** 20,9** (*) TMP: Tempo médio de permanência hospitalar, em dias. (**) Média do TMP. Discussão O tratamento endovascular para aneurismas intracranianos é uma técnica relativamente nova, tendo sido introduzido, em 1991, o Guiglielmi detachable coil (Boston Scientific/Target, Fremont, CA) como alternativa à clipagem cirúrgica. Foi inicialmente usado para investigação clínica em 1991 e aprovado pelo FDA Embolização de aneurismas cerebrais Oliveira DR e col. em 1995. Desde então, o tratamento endovascular tem ganhado a preferência para o tratamento de determinados tipos e anatomias de aneurismas intracranianos, com relativa facilidade de acesso e invasão mínima, principalmente ao sistema vertebrobasilar.1,4 Essa técnica foi introduzida na rede municipal do Rio de Janeiro por meio do nosso Serviço e permitiu o tratamento pelo SUS. A opção do tratamento endovascular sem a necessidade de transferência para outras unidades para a realização do procedimento facilita o tratamento do paciente. O volume de pacientes embolizados representou a maioria: 40 pacientes comparados com 21. Pelo fato de o procedimento endovascular ter uma logística mais facilitada no hospital, poder ser realizado com anestesia local, ser realizado logo após a arteriografia diagnóstica, com 24 horas de permanência no CTI e a alta em até 48 horas após o procedimento; o tempo mínimo de até dois dias de permanência hospitalar, entre outros fatores, influiu também no reduzido tempo médio e global de permanência hospitalar, que foi aproximadamente 50% menor comparado aos que foram submetidos a craniotomia e clipagem (Tabelas 5 e 6), reduzindo custos hospitalares, diárias em CTI, visitas médicas e custos com medicação. Outro resultado que chamou a atenção foi a mortalidade de 10% para os submetidos à clipagem cirúrgica (Tabela 2) e de 12,8% entre os submetidos à embolização (Tabela 4). Todos os pacientes que foram submetidos à craniotomia não foram operados na fase aguda; a cirurgia foi eletiva, ou seja, em suas melhores condições clínicas; a equipe possui neurocirurgiões vasculares experientes e uma equipe treinada com um excelente CTI pós-operatório. Alguns dos pacientes embolizados eram pacientes com escore IV na escala de Hunt-Hess, que já estavam em ambiente intensivo e não tinham condições de se submeter ao procedimento cirúrgico, ou seja, pacientes mais graves eram embolizados, por isso não há como comparar estatisticamente a mortalidade dos dois grupos, porque eles são compostos de pacientes diferentes. Em sua grande maioria, o grupo de 61 pacientes foi composto de pacientes na fase aguda do sangramento do aneurisma, pelo fato de nosso hospital ter atendimento de emergência 24h, e com isso foram observadas complicações inerentes ao sangramento dos aneurismas como vasoespasmo, ressangramento, hidrocefalia etc. Conclusão Nosso objetivo com este trabalho não é demonstrar qual a melhor técnica para o tratamento dos aneurismas 97 Arq Bras Neurocir 29(3): 95-98, setembro de 2010 intracranianos ou qual apresenta os melhores resultados, como em outros estudos5, mas comprovar, mediante resultados, a importância de poder realizar ambos os procedimentos em nosso hospital geral, permitindo ao paciente ter a opção de escolher seu tratamento, seja pela clipagem ou embolização. A realização da embolização na rede municipal, apesar de ser um procedimento que demanda alto investimento financeiro e com alto custo, demonstrou a redução importante de gastos hospitalares pela redução do tempo médio e global de internação em até 50%, representados nas tabelas 5 e 6, assim como redução dos custos com diárias em CTI, entre outros. Com a soma de todos esses fatores, concluímos que a realização dos dois métodos de tratamento foi uma conquista importante para a rede pública municipal do Rio de Janeiro. Em nosso hospital, a maioria dos aneurismas diagnosticados é rota, justificando o grande período de internação hospitalar devido à morbimortalidade do sangramento, contribuindo de forma significativa para a taxa de óbitos. O emprego da embolização na neurocirurgia foi um avanço na terapêutica dos aneurismas intracranianos. Essa nova técnica serviu de grande experiência e crescimento profissional da equipe e para o Serviço de Neurocirurgia, assim como para os residentes. Logo após iniciarmos a embolização em larga escala, havia uma grande indicação para a embolização; com o tempo e adaptação, foi elaborada uma rotina para a indicação da melhor técnica de tratamento. Hoje seguimos no aprimoramento de ambas as técnicas tanto na modernização do material utilizado quanto na abrangência da área de atuação, tornando-nos referência para toda a rede municipal do Rio de Janeiro, recebendo pacientes de vários hospitais com doenças cerebrovasculares para a realização de diagnóstico e tratamento. 98 Como em toda rede pública do país, existem dificuldades de logística no hospital que, com o tempo, procuramos superar, para manter e aumentar o grau de qualidade e excelência que nosso Serviço representa para a cidade e para o estado do Rio de Janeiro. Referências 1. 2. 3. 4. 5. Bairstow P, Dodgson A, Linto L, Khangure M. Comparison of cost and outcome of endovascular and neurosurgical procedures in the treatment of ruptured intracranial aneurism. 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Endereço para correspondência Carlos Henrique Ribeiro Hospital Municipal Salgado Filho, 7º andar Rua Arquias Cordeiro, 370 20770-000 – Rio de Janeiro, RJ, Brasil Embolização de aneurismas cerebrais Oliveira DR e col. Arq Bras Neurocir 29(3): 99-102, setembro de 2010 Neurólise ulnar sob anestesia local em pacientes com hanseníase José Marcos Pondé1, Marcos Antônio Falcão da Silva2, Icaro Barros Barreto3, Clarissa Cerqueira Ramos3 Hospital Colônia Dom Rodrigo de Menezes da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, Salvador, BA. RESUMO Contexto: A hanseníase é uma doença endêmica em nosso meio e pode provocar deformidades físicas se não tratada adequadamente. A descompressão cirúrgica do nervo periférico acometido por vezes é necessária para prevenção dessas ocorrências. Objetivo: Relatar a técnica de descompressão de nervo ulnar, o mais frequentemente acometido na hanseníase, realizada ambulatorialmente em serviço de referência no estado da Bahia. Material e métodos: Os autores relatam a experiência com 84 pacientes submetidos à cirurgia ambulatorial de neuropatia compressiva ulnar, entre fevereiro de 2008 e fevereiro de 2009. O quadro clínico mais encontrado foi dor de difícil manejo terapêutico e as incapacidades físicas. As cirurgias tiveram uma média de duração de 30 minutos. O procedimento consistiu em descompressão seguida de neurólise de nervo ulnar sob anestesia local sem utilização de garrote. Resultados: Os pacientes toleraram bem as cirurgias, e a dor, avaliada pela escala analógica, melhorou em praticamente todos os casos. Conclusão: A técnica ambulatorial de descompressão ulnar é um método eficaz, com baixo índice de complicações e adequada para manuseio de doença tão desafiadora como a hanseníase em países em desenvolvimento. PALAVRAS-CHAVE Neurólise de ulnar. Hanseníase. ABSTRACT Ulnar nerve decompression with local anesthesia in patients with Hansen disease Background: Leprosy is endemic in our country leading often to physical deformities when not adequately treated. The surgical decompression of the peripheral nerve involved by the disease sometimes is the best option in order to avoid these occurrences. Objective: To report the surgical technique of ulnar decompression with local anesthesia as an outpatient procedure at a Leprosy Institution in Bahia, Brazil. Material and methods: Eighty-four outpatients were operated between February 2008 and February 2009. Pain of difficult management and the physical disabilities were the predominant symptoms. The procedure consisted of decompression followed by neurolyses under local anesthesia without tourniquet. The median surgical time was thirty minutes. Results: The patients tolerated well the procedure and significant pain relief was obtained in almost all cases. Conclusion: The outpatient surgical decompression of ulnar nerve is efficacious and accompanied by minor complications and is adequate to manage ulnar compression by leprosy in developing countries. KEY WORDS Ulnar neurolysis. Leprosy. Introdução A lepra foi identificada em civilizações remotas como a China, o Egito e a Índia. O primeiro relato data de 600 a.C. Em 1864, Gerhard Armour Hansen correlacionou em um paciente na Noruega o bacilo com a afecção. A doença tem baixa infectividade, com tempo de incubação médio de cinco anos, e a transmissão ocorre por contato cutâneo e por via aérea.1 Existem aproximadamente 10 milhões de pessoas acometidas pela doença no mundo, a maior parte em países em desenvolvimento da África, Ásia e América Latina, apesar de 95% dos indivíduos terem imunidade natural à doença. 1. Professor adjunto doutor da Faculdade de Medicina, Departamento de Neurociências e Saúde Mental, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, BA. 2. Fisioterapeuta do Hospital Dom Rodrigo de Menezes, Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, Salvador, BA. 3. Aluno(a) de graduação da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP), Salvador, BA. Arq Bras Neurocir 29(3): 99-102, setembro de 2010 A lepra é uma doença de caráter endêmico em nosso meio. O Brasil, em números absolutos, possui a segunda população mundial com essa doença, ficando atrás apenas da Índia. Porém, em números relativos supera todos os demais países onde a doença aparece de forma endêmica. O envolvimento do sistema nervoso periférico é comum na lepra e resulta em danos que levam a diversas deformidades.3-5,12 Na forma dita multibacilar, o espessamento do nervo ocorre por invasão direta do bacilo no tecido neural ou devido às reações, enquanto na forma paucibacilar as reações de hipersensibilidade levam a inflamação súbita e edema neural, conduzindo ao quadro de síndromes compartimentais diversas. Frequentemente, o parênquima neural é substituído por tecido fibroso.8 Os sítios de predileção do bacilo, usualmente, são locais de temperatura corporal mais baixa, em torno de 27 a 30 graus Celsius.1,5,6 A perda de sensibilidade é o sintoma mais relatado, seguida por déficit motor. As alterações autonômicas levam ao ressecamento da pele e à formação de fissuras. Os déficits motores acarretam a mão em garra e o pé caído, e as alterações sensitivas conduzem a úlceras tróficas.5-7 Ao tratamento medicamentoso específico se associa, frequentemente, o uso de corticoides que visam reduzir os processos reacionais e melhorar a dor.8,11 A cirurgia é reservada para os casos em que não existe melhora dos sintomas após quatro meses de tratamento clínico, na presença de abscesso do nervo ou, precocemente, nos casos de envolvimento grave do sistema nervoso periférico sem resposta clínica. Objetivo Mostrar a técnica utilizada em 95 cirurgias de neurólise de nervo ulnar realizadas em 84 pacientes portadores de neuropatia compressiva no curso da moléstia de Hansen. Casuística e método Foram operados 135 pacientes com neuropatia compressiva, totalizando 286 cirurgias, entre fevereiro de 2008 e fevereiro de 2009, no Hospital Colônia Dom Rodrigo de Menezes da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia. A média de idade foi de 41,06 anos, com desvio-padrão de 14,57, variando de 6 a 87 anos; 93 pacientes eram do sexo masculino e 42, do feminino; 100 84 foram selecionados por serem portadores de compressão ulnar no curso de tratamento da hanseníase. Os pacientes tinham diagnóstico confirmado por meio de exame baciloscópico ou biópsia. A média entre o aparecimento dos sintomas e o diagnóstico foi de 11 meses, sendo o mais precoce um mês e o mais tardio 50 meses. Os pacientes foram avaliados por um único fisioterapeuta no pré-operatório e três e seis meses após o procedimento cirúrgico. A avaliação consistiu no teste de sensibilidade utilizando filamentos de nylon segundo o método de Siemmens Weinberg, avaliação da força muscular e do grau de incapacidade com escalas específicas. A sensibilidade foi quantificada numericamente de 0 a 5 nos dermátomos correspondentes ao nervos ulnar e mediano no membro superior. O valor 0 corresponde à anestesia total e o valor 5, à sensibilidade normal, com os restantes valores intermediários sendo quantificados de acordo com o paciente. A dor foi quantificada por meio de escala analógica visual com valores de 0 a 10. Nos 84 portadores de compressão ulnar, foi realizado um total de 95 cirurgias. Tanto o lado direito quanto o esquerdo foram acometidos em frequências similares: 45 no direito e 50 no esquerdo; destes, 11 foram operados bilateralmente (12%). Técnica cirúrgica Paciente em decúbito dorsal horizontal com membro superior abduzido e semiflexão do cotovelo. Antissepsia com polvidine alcoólico. Bloqueio anestésico do nervo no cotovelo, 2 cm acima do sulco do nervo ulnar, com 5 ml de xylocaína a 2% com vasoconstrictor (Figura 1). Anestesia do subcutâneo com 15 ml de xylocaína a 2% na face anteromedial do cotovelo no local da incisão cirúrgica. Incisão curvilínea na face anteromedial do cotovelo com cerca de 5 cm de extensão. Hemostasia dos vasos sangrantes com bipolar. Dissecção do plano subcutâneo penetrando na fáscia superficial, de sorte a deixar a fáscia profunda subcutânea para ser utilizada posteriormente, aderida aos músculos. Visualização dos músculos inseridos no epicôndilo medial (pronador redondo, palmar longo, flexor ulnar do carpo, flexor superficial e profundo dos dedos). Liberação do nervo ulnar do seu canal entre os epicôndilos medial e lateral. O nervo ulnar, proximalmente, é liberado até alcançar a arcada de Struthers quase sempre presente. Distalmente, liberação por meio da secção entre os dois feixes do flexor ulnar do carpo (Figura 2). Os ramos articulares do nervo ulnar são seccionados para sua completa liberação. Secção Neurólise ulnar Pondé JM e col. Arq Bras Neurocir 29(3): 99-102, setembro de 2010 do epineuro com liberação do nervo nos sentidos proximal e distal, tendo como reparo para o final da dissecção o ramo motor para o músculo flexor ulnar do carpo, que é mantido intacto. Nessa etapa, faz-se o descolamento da fáscia subcutânea profunda dos seus músculos subjacentes e esse tecido é utilizado para proteção do nervo ventralizado. Fechamento do canal músculo-aponeurótico com pontos separados de fio mononylon 2-0. Ventralização do nervo deitando sobre os músculos do epicôndilo medial e protegido com a fáscia subcutânea anteriormente descolada e fixada com fio Vycril 2-0. Fechamento em dois planos com fio Vycril 2-0 no subcutâneo e mononylon 3-0 em ponto contínuo simples na pele. Curativo oclusivo sem compressão. A média de tempo cirúrgico foi de 30 minutos. Os pacientes foram operados em regime ambulatorial com retirada de pontos cirúrgicos em três semanas. Figura 1 – Bloqueio anestésico. Figura 2 – Compressão no sulco do nervo ulnar. Neurólise ulnar Pondé JM e col. Resultados Os pacientes toleraram os procedimentos de forma bastante satisfatória, sem necessidade de complementação da dose anestésica, sendo apenas referida leve disestesia durante a manipulação do nervo no instante da ventralização na maior parte dos pacientes. Os pacientes, na sua imensa maioria, referiram melhora importante do quadro doloroso no pós-operatório, e a análise estatística com o teste T de Student mostrou valores significativos (p < 0,05). A única complicação, observada em poucos casos e sem consequência, foi a deiscência de sutura. Discussão A doença acomete o sistema cutâneo e os nervos periféricos, tendo predileção por áreas mais frias do corpo como a face e as extremidades.1,5,6,12 A disposição anatômica de alguns nervos atravessa canais naturais; estes acabam funcionando como pontos de angustiamento desses nervos hipertrofiados em decorrência da doença.5-7 Vale mencionar o fato de que nos membros superiores comumente o lado esquerdo é o mais acometido, por ser o normalmente menos exercitado no dia a dia e consequentemente menos aquecido. Os locais mais acometidos são o cotovelo, o canal carpiano, o túnel do tarso e a cabeça da fíbula, comprometendo respectivamente os nervos ulnar, mediano, tibial posterior e fibular.5-7 A descompressão cirúrgica seguida de neurólise é defendida por diversos autores como forma de prevenir as deformidades como mão em garra, mal perfurante plantar, e assim por diante.4,5,8,9 Fato comum em todas essas situações clínicas é um incremento volumétrico no conteúdo dos canais naturais, sem um correspondente aumento do continente, o que gera um mecanismo de lesão secundária, muitas vezes mais significativo que a própria doença. Essa peculiaridade da hanseníase é oposta à encontrada na neuropatia compressiva clássica, habitualmente vista no membro superior direito. A indicação cirúrgica se baseou nos critérios clínicos, levando em consideração a escala de sensibilidade com os fios de Siemmens Weinberg, a perda de força muscular e a presença de alterações tróficas. A sensibilidade variou de 0 a 5, sendo o nível 3 a chamada sensibilidade protetora, nível abaixo do qual os doentes com hanseníase sofrem lesões cutâneas que passam despercebidas. 101 Arq Bras Neurocir 29(3): 99-102, setembro de 2010 Conclusão O método utilizado de anestesia local ambulatorial para descompressão de nervo ulnar se constitui numa técnica segura e eficaz no manuseio de enfermidade tão prevalente em nosso meio. 6. 7. 8. 9. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 102 Agrawal A, Pandit L, Dalal M, Shetty JP. Neurological manifestations of Hansen’s disease and their management. Clin Neurol Neurosurg. 2005;107:445-54. Bryceson A, Pfaltzgraff RE. Medicine in the tropics: leprosy. 3rd ed. Edinburgh: Churchill Livingstone; 1990. p. 133-51. Croft RP, Nicholls PG, Steyerberg EW, Richardus JH, Cairns W, Smith S. A clinical prediction rule for nervefunction impairment in leprosy patients. Lancet. 2000;355:1603-6. Girdhar Bk. Neuritic leprosy. Ind J Lepr. 1996;68:35-42. 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O controle inadequado da pressão arterial sistêmica é uma das principais causas para esse quadro dramático. Várias pesquisas clínicas visando ao controle da expansão do hematoma têm se mostrado satisfatórias, entretanto pouco houve de avanço no tratamento cirúrgico dessas condições. Há inúmeras variáveis que devem ser avaliadas em um paciente com hematoma intraparenquimatoso espontâneo, e esta revisão visa sistematizar o tratamento cirúrgico baseado em evidências. PALAVRAS-CHAVE Acidente vascular cerebral. Hemorragia intracerebral. ABSTRACT Surgical treatment of spontaneous cerebral hematoma: are there any evidence? More than half of patients with spontaneous cerebral hematoma have a poor outcome. The inadequate control of the systemic blood pressure is one of the main causes for this dramatic picture. Several clinical researches seeking the control of the hematoma expansion have shown satisfactory findings, however, little progress was demonstrated in the surgical treatment of those conditions. There are countless variables that should be appraised in a patient with spontaneous cerebral hematoma, and this review intends to systematize the surgical treatment based on evidences. KEY WORDS Stroke. Intracerebral hemorrhage. Introdução A hemorragia intracerebral espontânea responde por até 10% de todos os casos de acidentes vasculares encefálicos (AVE) e em cerca de 50% a evolução é fatal. Há ainda muita controvérsia a respeito do tratamento dessa condição e nem o tratamento clínico ou o cirúrgico mostraram-se eficazes o suficiente para diminuir a morbimortalidade. Os principais fatores relacionados com evolução desfavorável descritos na literatura são volume do hematoma, escore de admissão na Escala de Glasgow, extensão hemorrágica intraventricular ou subaracnoidea, hidrocefalia, uso de agentes anticogulantes e magnitude do edema associado.5,6,8,9,12,14 Teoricamente, a redução do tamanho do hematoma diminui o efeito de massa, reduzindo a pressão intracraniana (PIC) e evitando a progressão do edema e morte celular.1,38,39,41 O tratamento cirúrgico e cuidados pré-operatórios O tratamento cirúrgico clássico é a craniotomia com drenagem do hematoma. Para manejo da PIC, a 1. Divisão de Neurocirurgia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), São Paulo, SP. 2. Coordenador do Pronto-Socorro Neurocirúrgico do HC-FMUSP. 3. Professor titular da disciplina de Neurocirurgia da FMUSP. Arq Bras Neurocir 29(3): 103-109, setembro de 2010 ventriculostomia é uma alternativa importante em casos selecionados. Infelizmente, até o momento não se sabe exatamente o limite para definição de que o tratamento cirúrgico pode mudar o curso da doença. O tratamento inicial visa manter a permeabilidade das vias aéreas e assegurar oxigenação adequada. A investigação de distúrbios plaquetários ou coagulopatias torna-se imperativa, visto a possibilidade clínica de conter a expansão do hematoma, por meio da administração de plaquetas, plasma fresco congelado, vitamina K e/ou complexo protrombínico. Esses pacientes são idealmente conduzidos em ambiente de UTI, com o objetivo de manter os níveis pressóricos estabilizados e o nível de consciência monitorado. Alguns estudos revelam que a hipertensão arterial descontrolada após o evento hemorrágico é um fator de mau prognóstico.13,23,31,32,34 Os hematomas lobares ou aqueles localizados próximos à superfície influenciam mais na decisão cirúrgica do que aqueles localizados no putâmen ou no tálamo.7 A extensão intraventricular do hematoma está associada a uma mortalidade de 45%, comparada com 9% daqueles hematomas restritos ao parênquima22,35 (Quadro 1), e a hidrocefalia é um preditor independente de morte após AVE hemorrágico (AVEH).11 Quadro 1 Fatores de mau prognóstico em AVE hemorrágico • Idade maior que 60 anos • Torpor ou coma na admissão • Extensão intraventricular do hematoma • Volume do edema perilesional • Hidrocefalia • Uso de antiplaquetários ou anticoagulantes O paciente comatoso Quando indicar a cirurgia? Nos pacientes comatosos, a monitorização da PIC deve ser realizada. Nos pacientes sem coagulopatias, com desvio das estruturas da linha mediana, ainda sem indicação para tratamento cirúrgico por meio de craniotomia, o monitor intraparenquimatoso é uma opção. A monitorização da PIC mediante transdutor intraventricular permite tanto o diagnóstico da hipertensão intracraniana (HIC) quanto o tratamento dessa condição. Os pacientes com postura específica ou que apresentam escore 3 na Escala de Coma de Glasgow (ECGlasgow) à admissão geralmente têm prognóstico muito reservado, e a conduta cirúrgica deve ser tomada apenas em casos selecionados no caso de lesões supratentoriais. Alguns autores24,28 têm sugerido melhora da função neurológica em pacientes operados entre 12 e 24 horas de evolução. Kaneko e cols.21 evidenciaram melhor prognóstico (mortalidade de 7% em seis meses) em pacientes operados até sete horas desde o evento ictal. Entretanto, Morgenstern e cols.27 demonstraram aumento na taxa de ressangramento em pacientes operados com menos de quatro horas do ictus. O único estudo randomizado42 direcionado a responder essa questão mostrou que pacientes operados precocemente têm tendência a melhor prognóstico (não estatisticamente significante), e o estudo multicêntrico internacional STICH não revelou nenhum efeito benéfico em termos de prognóstico com a cirurgia precoce após hemorragias supratentoriais.25 Em quem intervir cirurgicamente? Os casos clássicos, em que a terapia cirúrgica se mostra eficaz, são os pacientes com menos de 60 anos, com hemorragias superficiais em hemisfério direito, que pioram neurologicamente. Pacientes com escore menor ou igual a 14 na ECGlasgow e com hematoma supratentorial maior que 5 cm de diâmetro ou 30 cm3 podem beneficiar-se da cirurgia, em contraste com aqueles com escore inferior a 14 e com hematomas menores.23 Entretanto, a cirurgia inequívoca e as diretrizes para intervenção não são bem claras, pois a maioria dos estudos randomizados tem sido inconclusiva. Apesar de o tamanho do hematoma influenciar na decisão cirúrgica, a acessibilidade ao coágulo é mais importante. 104 Craniotomia A craniotomia é o procedimento cirúrgico mais utilizado nos casos de AVEH. Juvela e cols.,19 em um estudo em que foi comparada a cirurgia com o tratamento clínico em pacientes com déficits neurológicos severos ou rebaixamento do nível de consciência, não encontraram diferença estatística significativa. No grupo cirúrgico, a mortalidade foi de 46%, e 50% tornaram-se dependentes, enquanto no grupo clínico 38% morreram e 42% ficaram com sequelas graves. Em um estudo controlado,36 também não foi encontrada diferença com relação ao prognóstico a longo prazo. Em um trial randomizado (STICH) em que Tratamento da hemorragia cerebral Amorim RLO e col. Arq Bras Neurocir 29(3): 103-109, setembro de 2010 foram avaliados 1.033 pacientes, dentre os pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico, 26% tiveram prognóstico favorável comparados com 24% dos pacientes randomizados para o tratamento conservador.25 Até o momento, nenhum estudo controlado demonstrou a superioridade do tratamento cirúrgico em relação aos cuidados clínicos intensivos. Hemorragia putaminal A localização mais comum das hemorragias intracranianas de origem hipertensiva é a de tratamento mais controverso, por causa da profundidade da lesão. A extensão lateral desse hematoma comprime a ínsula, enquanto sua extensão medial pode causar inundação ventricular. Apesar de não randomizado, Kanaya e Kuroda20 estudaram 7.010 pacientes e encontraram que, nos pacientes torporosos ou comatosos e com hematoma de volume maior que 30 cm3, a craniotomia com esvaziamento do hematoma diminui a mortalidade, apesar de não melhorar o prognóstico funcional significativamente. Portanto, em pacientes com hematomas pequenos e com nível de consciência preservado, o manejo clínico em UTI parece ser o mais coerente. Nos pacientes com hematomas com diâmetro maior que 5 cm ou volume maior que 30 cm3 e com comprometimento do nível de consciência, o tratamento cirúrgico pode ser benéfico (Quadro 2). De acordo com os resultados do STICH, pacientes comatosos (ECGlasgow menor que 9) com hematomas em gânglios da base ou tálamo raramente se beneficiam do tratamento cirúrgico.25 Quadro 2 Tendências para o tratamento cirúrgico do AVE hemorrágico • Idade < 60 anos • Glasgow ≤ 13 e > 5 • Diâmetro > 5 cm ou volume > 30 cm3 (hematomas supratentoriais) • Diâmetro > 3 cm ou volume > 16 cm3 (hematomas infratentoriais) • Hematomas lobares (principalmente temporais) e cerebelares • Hemisfério direito Hemorragia talâmica Por causa da profundidade da lesão e da grande quantidade de tecido cerebral a ser dissecado, geralmente é uma lesão não cirúrgica. Auer e cols.3 não encontraram benefício com a cirurgia. Nos casos de grandes hematomas, o prognóstico é muito reservado, a despeito da terapia adotada. Pacientes com hematoma nessa localização podem evoluir com hidrocefalia devida à compressão do terceiro ventrículo ou por Tratamento da hemorragia cerebral Amorim RLO e col. hemorragia ventricular. O estado de coma pode ser em virtude da hidrocefalia, e não da hemorragia talâmica per se; portanto, a introdução de uma derivação ventricular externa (DVE) é essencial nesses casos. Hemorragia pontina Da Pian e cols.10 estudaram hemorragia no tronco cerebral e não encontraram diferenças entre o tratamento clínico e o cirúrgico. Apesar de hematomas maiores que 1,8 cm serem fatais ou causarem graves sequelas, hematomas pequenos estão relacionados com um bom prognóstico funcional em 90% dos pacientes. Hemorragia cerebelar Os pacientes com esse tipo de hemorragia podem apresentar-se à admissão com queixa apenas de cefaleia rapidamente progressiva, ao contrário daqueles com hematomas de tronco que se encontram em coma, na maioria das vezes. A expansão desse hematoma pode comprimir o quarto ventrículo e causar hidrocefalia aguda. A piora do nível de consciência nesses pacientes deve-se à compressão do mesencéfalo ou à hidrocefalia, e o retardo na conduta cirúrgica pode ser fatal. Nos casos em que os pacientes estão torporosos ou em coma, é prudente a realização de DVE e craniotomia ou craniectomia suboccipital de urgência16. Mesmo em pacientes com escore na ECGlasgow de 15, se o volume do hematoma ultrapassar 15 cm3 ou se seu maior diâmetro for maior que 3 cm, pode-se realizar craniotomia/craniectomia suboccipital sem ou com ventriculostomia, dependendo se há ou não hidrocefalia na tomografia computadorizada (TC) de crânio pré-operatória.23 Nos casos de hemorragia estritamente vermiana, sugere-se tratamento conservador em pacientes com escore maior que 13 na ECGlasgow e apenas a realização de ventriculostomia em pacientes com nível de consciência mais rebaixados. Foram encontrados em um estudo prospectivo 100% de boa evolução neurológica em três meses utilizando esse protocolo.2 E se o paciente já se apresentar na admissão em coma profundo? Da Pian e cols.10 encontraram mortalidade de 100% nesses casos, mesmo nos pacientes submetidos à cirurgia de urgência, resultado semelhante encontrado por diversos autores.2,4,26 É importante salientar que alguns autores18 relatam que a perda de reflexos do tronco cerebral por compressão direta pode ser reversível. Infelizmente, ainda se necessitam de estudos controlados baseados no tempo de coma, padrão pupilar e tipo de terapêutica para saber quais os pacientes poderão se beneficiar do procedimento cirúrgico nesses casos. 105 Arq Bras Neurocir 29(3): 103-109, setembro de 2010 Hemorragia lobar A O tratamento específico depende do estado clínico do paciente, das possibilidades diagnósticas e da necessidade de diagnóstico histológico. Diante das inúmeras possibilidades diagnósticas nos casos de hemorragias lobares (Figuras 1 e 2), sempre que possível deve-se realizar a ressonância magnética (RM) do encéfalo ou um estudo radiológico vascular. Em nosso Serviço, quando há dúvida no diagnóstico, é realizada uma angiotomografia, por ser um procedimento de rápida execução e menos invasivo. Nos casos de hemorragias temporais grandes, o tratamento cirúrgico de urgência torna-se imperativo, visto a possibilidade real de herniação uncal. A B B Figura 1 – (A) Hematoma lobar em paciente do sexo feminino, 56 anos, hipertensa, ECGlasgow 14, diâmetro de 4,7 cm. Optouse por tratamento cirúrgico. (B) Controle pós-operatório. 106 C Figura 2 – (A) Hematoma frontoparietal direito em um jovem de 27 anos neurologicamente estável. (B e C) Angiotomografia evidenciando MAV medial ao giro do cíngulo. Optou-se por angiografia e programação cirúrgica em um segundo tempo. Tratamento da hemorragia cerebral Amorim RLO e col. Arq Bras Neurocir 29(3): 103-109, setembro de 2010 Na suspeita de malformação arteriovenosa (MAV), o procedimento cirúrgico somente é indicado se o paciente estiver em risco iminente de vida. O manejo clínico desses pacientes na fase aguda e a programação cirúrgica para ressecção da MAV parecem ser mais apropriados. Se necessária, a conduta cirúrgica na fase aguda tem como objetivo a descompressão por meio da retirada do hematoma, sem ressecção da MAV, visto que a possibilidade de ressangramento da MAV é consideravelmente menor se comparada com a dos aneurismas (4% a 6% em seis meses).15,29,33 Recomenda-se realizar a ressecção da MAV duas a quatro semanas após o ictus. Se houver hemorragia em cisternas ou na fissura silviana e o paciente estiver estável neurologicamente, realiza-se angiografia para identificação de provável aneurisma cerebral. Nos casos mais graves que demandam cirurgia de emergência, pode-se realizar angiotomografia de crânio. Pasqualin e cols.30 avaliaram cerca de 300 casos de hemorragia intracerebral por ruptura de aneurisma, e o território mais acometido foi em topografia de artéria cerebral média (55%). Eles evidenciaram que o retardo na cirurgia estava relacionado com mortalidade de 79%. A cirurgia precoce determinou uma queda da mortalidade para 44%. Wheelock e cols.40 evidenciaram que todos os pacientes não operados morreram e que a mortalidade caía para 29% se o aneurisma fosse clipado na mesma cirurgia. Em um estudo prospectivo e randomizado, Heiskanen e cols.17 encontraram mortalidade de 27% nos pacientes operados em até 48 horas. Recomenda-se a realização de uma craniotomia pterional estendida. Após abertura da dura-máter, o hematoma é parcialmente removido distalmente ao aneurisma para promover o relaxamento do tecido cerebral. A drenagem de liquor da cisterna carotídea ou a lobectomia temporal pode ser alternativa para esse fim se não houver melhora. Procede-se, então, a uma dissecção transilviana com técnica microcirúrgica clássica, clipagem do aneurisma e esvaziamento do restante do hematoma. Se o cérebro estiver inchado, realiza-se a duroplastia com fáscia ou músculo. Se o inchaço persistir, sugere-se não recolocar o retalho ósseo. Há casos em que não se encontra o aneurisma. Nessa situação, a recomendação é drenar o hematoma e não recolocar o retalho ósseo. foi de 70%, resultado significativo estatisticamente. No caso de hematomas com volume maior do que 50 ml especificamente, houve melhora da qualidade de vida no primeiro grupo, mas a mortalidade foi semelhante nos dois grupos. Os autores sugerem que a indicação mais precisa desse procedimento seria nos casos de hematomas lobares em pacientes com menos de 60 anos (Figura 3). Esse benefício talvez seja devido à A B C Outras modalidades de tratamento cirúrgico Tratamento endoscópico Há um estudo randomizado com a avaliação de 100 pacientes em que foi comparada a aspiração endoscópica com o tratamento clínico.3 A mortalidade em seis meses no grupo cirúrgico foi de 42% e no grupo clínico Tratamento da hemorragia cerebral Amorim RLO e col. Figura 3 – Paciente com TC de crânio revelando hematoma temporoparietal esquerdo (A). Realizada trepanação, seguida pela introdução de endoscópio rígido e drenagem do hematoma. A TC pós-operatória revela bom resultado cirúrgico (B). Na ressonância nuclear magnética pós-operatória, sequência FLAIR mostra o hipersinal discreto em torno da lesão denotando mínima manipulação tecidual (C). 107 Arq Bras Neurocir 29(3): 103-109, setembro de 2010 redução do estresse cirúrgico. Entretanto, mais estudos controlados são necessários para definir o real benefício desse procedimento. Nos pacientes com hemorragia ventricular maciça e hidrocefalia, o tratamento por endoscopia pode ser uma ótima opção, pois permite a drenagem do hematoma, a realização de septostomia e a passagem de DVE sob visualização direta, diminuindo, dessa forma, a possibilidade de obstrução do sistema de derivação ventricular. Lise do hematoma com aspiração estereotáxica Em um ensaio multicêntrico37 em que foram avaliados 71 pacientes com hematomas supratentoriais, em que 36 receberam intervenção cirúrgica e 35 foram tratados clinicamente, não houve diferença estatística na mortalidade após seis meses (56% e 59%, respectivamente). O benefício desse procedimento talvez tenha sido mascarado pela taxa de ressangramento de 22%, provavelmente devido ao uso da uroquinase para lise do hematoma. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. Conclusões Enquanto a mortalidade da hemorragia intracerebral espontânea é mais alta do que os outros tipos de AVE, a abordagem imediata pode salvar o paciente. Devem-se considerar vários fatores ao se decidir pelo tratamento cirúrgico ou clínico. O nível de consciência no pré-operatório é o fator preditivo mais importante quanto à morbidade no pós-operatório. O resultado do procedimento cirúrgico não altera os resultados quando se comparam os pacientes em estado de alerta com os comatosos. Entretanto, mais da metade dos pacientes tem nível de consciência alterado, sendo, portanto, candidatos à cirurgia. O cirurgião deve instituir o tratamento antes da piora neurológica. Referências 1. 2. 3. 108 Altumbabic M, Peeling J, Del Bigio M. Intracerebral hemorrhage in the rat: effects of hematoma aspiration. Stroke. 1998;29:1917-23. Auer LM, Auer T, Sayama I. Indications for surgical treatment of cerebellar haemorrhage and infarction. Acta Neurochir (Wien). 1986;79:74. Auer LM, Deinsberger, Niederkorn K, Gell G, Kleinert R, Schneider G, et al. Endoscopic surgery versus medical treatment for spontaneous intracerebral hematoma: a randomized study. J Neurosurg. 1989;70:530-4. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. Brennan R, Bergland R. Acute cerebellar hemorrhage: analysis of clinical findings and outcome in 12 cases. Neurology. 1977;27:527-30. Broderick JP. Intracerebral hemorrhage. In: Gorelick PB, Alter M, editors. Handbook of neuroepidemiology. 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Early surgical treatment for supratentorial intracerebral hemorrhage: a randomized feasability study. Stroke. 1999;30:1833-39. Endereço para correspondência Robson Luis Oliveira de Amorim Rua Alves Guimarães, 642, ap. 82 05410-001 – São Paulo, SP, Brasil Telefones: (11) 9134-4180/(11) 3085-4446 E-mail: amorim.robson@uol.com.br 109 Arq Bras Neurocir 29(3): 110-117, setembro de 2010 Complicações clínicas do traumatismo raquimedular: pulmonares, cardiovasculares, geniturinárias e gastrintestinais Carlos Umberto Pereira1, Luciana Franco do Prado de Carvalho2, Egmond Alves Silva Santos3 Universidade Federal de Sergipe (UFS), Aracaju, SE. Serviço de Neurocirurgia do Hospital João Alves Filho, Aracaju, SE. Serviço de Neurocirurgia do Conjunto Hospitalar do Mandaqui, São Paulo, SP. RESUMO O trauma raquimedular é uma das principais causas de morte entre a população jovem. Além disso, várias complicações são devidas a déficits neurológicos secundários ao trauma raquimedular. A principal complicação é a pulmonar, com alto risco de óbito. A causa mais importante de óbito entre os pacientes com trauma raquimedular é a pneumonia. Entretanto, outras complicações podem estar presentes. Os autores revisaram as complicações clínicas em pacientes com trauma raquimedular. PALAVRA-CHAVE Traumatismo raquimedular. ABSTRACT Medical complications in traumatic spinal cord injury: pulmonary, cardiovascular, genitourinary and gastrointestinal The traumatic spinal injury is one of the most important causes of death in young people. Additionally, many complications are due to neurological deficits secondary to spinal cord injury. The major complication is pulmonary with high risk of death. The most important cause of death among patients with spinal injury is pneumonia. However, others complications can be present. The authors reviewed the clinical complications in patients with spinal injury. KEY WORD Traumatic spinal cord injury. Introdução O traumatismo raquimedular (TRM) resulta de lesões por forças mecânicas aplicadas à coluna espinhal, de intensidade suficiente para lesar o canal vertebral.11 Acomete preferencialmente a coluna cervical em 56% dos casos, seguida por lesões na transição toracolombar (T11-L2) em 24% dos casos e lombar em 20% dos casos.24,88,93 O traumatismo craniencefálico (TCE) aparece em 25% a 50% dos pacientes com TRM, enquanto 5% a 10% dos TCE apresentam TRM associado.44,65 Acomete, principalmente, o gênero masculino15,24,26,88, na proporção de 4:1, predominando entre 15 e 40 anos24,26 ou acima dos 60 anos de idade.24 No Brasil, foram relatados entre 40 a 50 casos novos de TRM/1.000.000 habitantes, aproximadamente o mesmo número de casos relatados nos Estados Unidos.24,26 Na Alemanha, estima-se que, anualmente, haja 17 casos novos/1.000.000 habitantes por ano.26 As principais causas descritas de TRM têm sido: acidentes automobilísticos, queda de altura, mergulho em água rasa, ferimentos por arma de fogo e acidentes de trabalho.15,24,26,88 Ao exame neurológico, 50% a 74% dos pacientes apresentam algum déficit neurológico.33,34 A mortalidade é de aproximadamente 50%.48 Dezesseis a trinta por cento dos pacientes evoluem para óbito antes da admissão hospitalar92 e aproximadamente 20% dos sobreviventes evoluem para óbito dentro de três meses após o trauma.23,25 1. Professor doutor adjunto do Departamento de Medicina da Universidade Federal de Sergipe (UFS), neurocirurgião do Serviço de Neurocirurgia do Hospital João Alves Filho, Aracaju, SE. 2. Doutoranda de Medicina da UFS, Aracaju, SE. 3. Neurocirurgião do Serviço de Neurocirurgia do Conjunto Hospitalar do Mandaqui, São Paulo, SP. Arq Bras Neurocir 29(3): 110-117, setembro de 2010 O nível da lesão neurológica na medula espinhal é classificado com relação ao segmento mais caudal, que apresenta as funções sensitiva e motora preservadas em ambos os lados.26,58,59 Geralmente, após traumas severos, pacientes com lesões parciais poderão desenvolver os mesmos sintomas do trauma completo devido ao choque espinhal, retornando às suas funções em direção caudal-rostral nas primeiras 24 horas após a lesão.58,59 Em contrapartida, lesões secundárias como edema e hemorragia podem causar deterioração neurológica ascendente.57,59 Entre as complicações clínicas gerais, as principais acometem os sistemas respiratório, cardiovascular, gastrintestinal e geniturinário.59,74 O presente trabalho tem como objetivo revisar as principais complicações clínicas ocorridas em pacientes vítimas de TRM. Alterações pulmonares As complicações pulmonares são responsáveis pelo maior número de óbito em pacientes com TRM.11,12,20,27,63,81,86,88 Sua incidência varia de 36% a 83%.12 Oitenta por cento dos óbitos em pacientes hospitalizados com lesão cervical ocorrem por causa pulmonar, sendo a pneumonia responsável por 50% deles.12 As complicações pulmonares na fase precoce são falhas na ventilação, broncoaspiração, seguidas por edema pulmonar e pneumo-hemotórax.12 Segundo Jackson e Groomers,45 atelectasia (36,4%), pneumonia (31,4%) e falha ventilatória (22,6%) foram as mais prevalentes nos cinco primeiros dias de hospitalização. Outras alterações são: diminuição da força inspiratória e expiratória, do volume corrente e da capacidade residual funcional e aumento do volume residual.59,81,88 Atelectasia, distúrbios da ventilação/ perfusão, infecções, hipóxia, hipercapnia e acidose respiratória aparecem com frequência nesses casos.59 Bronquiectasias são frequentes em adultos e raros em crianças.100 O comprometimento medular, principalmente acima de T8, compromete os músculos expiratórios, diminui a efetividade da tosse e, consequentemente, altera o clearance de secreções, aumentando a suscetibilidade desses pacientes a infecções respiratórias baixas.12,20,88 Cardenas e cols.,19 em uma análise multicêntrica, comprovaram a relação entre lesões medulares altas com o aumento da incidência de pneumonia. Jackson e Groomers 45 encontraram alterações respiratórias em 84% dos pacientes com lesão de C1 a C4 e em 60% nas lesões de C5 a C8. Pneumonia Complicações clínicas do trauma raquimedular Pereira CU e col. foi a complicação mais frequente no primeiro grupo, seguida por falhas na ventilação e atelectasias. Sessenta e cinco por cento dos pacientes com lesão de T1 a T12 apresentaram graves complicações pulmonares, mas estas foram relacionadas com traumas torácicos associados. Alguns estudos ainda associam idade avançada,62 tetraplegia,52,62 lesões traumáticas61 e duração da lesão54 como fatores de risco para o aumento da incidência de pneumonias. Waters e cols.,97 em um estudo retrospectivo, observaram prevalência de pneumonia e atelectasia em 45% dos pacientes tetraplégicos, enquanto os paraplégicos apresentaram incidência de 36%. Nash69 correlacionou a maior disfunção imune e consequente maior predisposição a infecções com a gravidade das lesões, mostrando uma possível proporcionalidade entre ambos os fatores. Para Smith e cols.,86 o nível da lesão não influencia o número de pacientes com infecção respiratória alta, provavelmente devido à etiologia viral prevalente nessa patologia. O índice de infecções hospitalares em pacientes com TRM na fase aguda é 25,8% maior que em pacientes sem lesão medular.66,68 Além da maior predisposição a infecções respiratórias, a diminuição da capacidade inspiratória, principalmente em pacientes com comprometimento cervical alto, contribui para a formação de microatelectasias, que poderão acarretar dispneia e insuficiência respiratória,20,86 podendo simular um quadro de asma.20 Além disso, pacientes com comprometimento cervical que necessitam de respiração artificial podem desenvolver pneumonia aspirativa, principalmente se houver disfagia. A disfagia também interfere na qualidade de vida, dieta e comunicação desses pacientes.12,102 Pacientes com lesões completas acima de C3 exigem amplo suporte ventilatório controlado ou assistido-controlado.88 Os pacientes com lesões incompletas e abaixo de C3 necessitam de modos que incorporem a ventilação espontânea como, por exemplo, mandatória intermitente e pressão controlada.88 Pacientes com lesão cervical alta podem apresentar respiração abdominal paradoxal,37,88 ou seja, como a musculatura normal da respiração está paralisada, os músculos acessórios atuam na inspiração expandindo a caixa torácica e invertendo o diafragma e abdômen, ocorrendo o contrário na expiração.37,59 Esses pacientes apresentam um risco aumentado de parada respiratória, podendo evoluir para óbito.81 Em lesões mais baixas, a função diafragmática está preservada, mas deve-se fazer o controle respiratório para evitar fadiga do diafragma e hipoventilação.59 Claxton e cols.,23 em um estudo retrospectivo, avaliaram que 36% dos pacientes com TRM necessitavam de ventilação mecânica por falência respiratória. Desses, 90% se encontravam nos três primeiros dias de hospitalização. 111 Arq Bras Neurocir 29(3): 110-117, setembro de 2010 Alterações cardiovasculares O risco de alterações cardiovasculares é 200% maior em pessoas com TRM.47 O coração é inervado pelo sistema simpático, de T1 a T5, e parassimpático, emergindo principalmente do bulbo.77 Lesões acima de T1 podem levar à desconexão dos centros superiores com predomínio vagal.75 O choque neurogênico, por interrupção das fibras simpáticas descendentes e predomínio da inervação parassimpática, resulta em perda do tônus vasomotor, queda da resistência vascular periférica com diminuição da pré e pós-carga, bradicardia e hipotensão arterial, que poderão resultar em insuficiência cardíaca congestiva.26,75,88 Hipotensão arterial e choque neurogênico são deletérios à medula, já que aumentam a hipoperfusão medular, perpetuando as alterações vasculares (isquemia, hemorragia, vasoespasmo, trombose e aumento da permeabilidade vascular) e inflamatórias (proliferação de citocinas, eicosanoides e leucócitos e a disfunção celular pela diminuição do trifosfato de adenosina, liberação de radicais livres, aminoácidos excitatórios e cálcio celular) secundárias ao TRM.29 Stoner e cols.90 demonstraram que pacientes com TRM têm comprometimento na função arterial em virtude da queda da dilatação mediante fluxo arterial. Comprovaram também que esse prejuízo é ainda maior nos membros inferiores. Leal e cols.,50 em modelo experimental com ratos, observaram que a compressão medular por 60 segundos faz aumentar a pressão arterial no momento da lesão e diminuir a frequência cardíaca, colaborando para a hipótese de descarga simpática no TRM. Após o choque medular, o sistema nervoso simpático volta a funcionar, nessa fase de forma reflexa, sem controle cortical. Os estímulos aferentes são transmitidos pelo feixe espinotalâmico e cordões posteriores em direção ao hipotálamo. A lesão medular, cervical ou torácica alta bloqueia o estímulo, levando a uma hiperatividade simpática generalizada.49,77,83 Essa descarga simpática é responsável pela disreflexia autonômica (DA), que ocorre até três meses após o trauma, e cursa com cefaleia intensa, hipertensão arterial paroxística, midríase, piloereção, sudorese profusa, visão embaçada, bradicardia, congestão nasal e conjuntival, palidez cutânea infralesional, retração palpebral e rash cutâneo eritematoso.17,42,46,49,83,88,94 A DA ocorre da estimulação de receptores situados abaixo do nível da lesão, principalmente localizados na região urogenital.30,83 A DA aparece em mais de 90% dos pacientes com lesões acima de T6 e é mais grave quanto mais alto for o nível da lesão.46 A bradicardia diminui a perfusão dos tecidos, podendo levar à acidose e acarretando lesões secundárias 112 para esses pacientes.59 Ocorre, em geral, da terceira a quinta semana pós-trauma.101 A bradicardia pode ocorrer em consequência da instabilidade autonômica, hipóxia, disfunção diafragmática, atelectasia, consolidação e depressão respiratória.77 Outra complicação da bradicardia, frequente em TRM agudo, é a progressão para assistolia.28 Segundo Lehman e cols.,51 todos os pacientes com lesão cervical completa evoluem com bradicardia, ocorrendo assistolia em 15% dos casos. Entre as alterações eletrocardiográficas podem ser encontrados: batimentos ventriculares e atriais prematuros, alargamento da onda T, onda U, prolongamento do intervalo PR, desaparecimento de ondas P e bloqueios AV de segundo grau.104 Na radiografia simples de tórax, pode ser observada cardiomegalia.75 Além do diagnóstico clínico, a DA pode ser investigada pelo cistometrograma diferencial, no qual a pressão e o pulso do paciente são analisados mediante infusão contínua de solução salina intravesical.84 O tratamento é feito com a supressão do estímulo provocador e o controle medicamentoso da pressão arterial e sudorese supralesional compensatória. 32 A DA sem tratamento pode levar a encefalopatia, crises epilépticas, acidente vascular cerebral hemorrágico, hemorragias retinianas, infarto agudo do miocárdio, insuficiência cardíaca congestiva, arritmias e óbito.16,83,88 Pacientes com lesões medulares altas, acima de T6, podem apresentar hipotensão arterial postural por interrupção simpática, apresentando um quadro de náuseas, tontura e síncope quando na posição supina. Esse sintoma é ainda mais frequente em pacientes tetraplégicos.17 Em lesões de T1 a T5, acima da inervação cardíaca, pode ocorrer também inotropismo positivo e taquicardia.78 Levi e cols.53 demonstraram que o controle e a manutenção da frequência cardíaca, pressão arterial, pressão da artéria pulmonar, ritmo cardíaco, resistência vascular sistêmica e pulmonar e a oxigenação dentro dos padrões melhoram o prognóstico e o quadro neurológico desses pacientes. Alterações urogenitais A bexiga é controlada por mecanismos voluntários e involuntários. O esfíncter uretral externo tem inervação somática proveniente da região sacral que permite o controle voluntário da micção.14 Em sua maioria, pacientes com TRM perdem o controle do esfíncter externo. Sem o relaxamento do esfíncter concomitante à contração vesical, há aumento na pressão intravesical, levando à distensão vesical e superestiramento da bexiga e do músculo detrusor, podendo afetar, inclusive, Complicações clínicas do trauma raquimedular Pereira CU e col. Arq Bras Neurocir 29(3): 110-117, setembro de 2010 a taxa de filtração glomerular renal.14,17 Nesses casos, a retenção urinária é o resultado imediato da lesão medular.17 A dilatação ureteral, por insuficiência na propulsão urinária, pode levar também à hidronefrose.14 O cateterismo vesical intermitente deve ser feito a cada quatro ou seis horas, de acordo com o balanço hídrico do paciente, ou por meio de sonda de demora, que deve ser aberta a cada três ou quatro horas, sendo trocada semanalmente.17,60,87 A cateterização intermitente (CI) feita pelo próprio paciente com adequadas técnicas de higiene não aumenta o risco de infecção, pelo contrário, diminui o risco de infecções cruzadas entre pacientes.76,104 Entretanto, a CI pode levar à formação de fístulas, estreitamentos ureterais, uretrites e epididimorquites.103 Biering-Sorensen e cols.,13 analisando 77 pacientes com TRM após cinco anos de CI, observaram que 81% dos pacientes já tinham sido tratados de infecções do trato urinário (ITU) pelo menos uma vez, 22,2% dos pacientes tiveram de dois a três episódios de ITU por ano e 12%, quatro episódios ou mais. Wyndaele,104 em revisão da literatura, relata prevalência de Escherichia coli, Proteus, Citrobacter, Pseudomonas sp., Klebsiella sp., Staphylococcus aureus e faecalis em pacientes com CI de curta e longa duração, além de Acinetobacter e Streptococcus faecalis em pacientes com CI prolongada. Bakke7 encontrou prevalência de Escherichia coli em pacientes com CI. Noventa e três por cento dos pacientes com Escherichia coli na periuretra apresentam bacteriúria.82 O uso de sonda vesical de demora predispõe a infecções como cistite, pielonefrite, litíase vesical e fístulas uretrocutâneas.59 A ITU é a complicação mais frequente em pacientes com TRM agudo.96,103 Segundo Cabrera e cols.,18 a maior variável de risco para ITU foi o tempo de hospitalização prolongado. A bacteriúria, presente em grande parte dos pacientes com TRM, geralmente é assintomática, mas pode causar alterações em longo prazo como cálculos renais, pielonefrites, falência renal, bacteremia, entre outros.76 Para Penders e cols.,76 a Klebsiella pneumoniae mostrou-se o patógeno mais prevalente em paciente com TRM. Pacientes tetraplégicos com cateterização prolongada tendem a apresentar maior resistência bacteriana que outros pacientes com uso crônico de sondas.70 A terapêutica empírica para ITU em pacientes com TRM é indicada na presença de sintomas clínicos logo após a coleta de amostra para realização da urocultura.70,76 A antibioticoterapia deve ser ajustada após o resultado desse exame. O tratamento de primeira escolha é feito com cefuroxime e fluoroquinolona.76 Galloway e cols.35 avaliaram a efetividade da antibioticoprofilaxia para pacientes com TRM. O risco de resistência bacteriana, a dificuldade no tratamento de emergência para patógenos resistentes, os efeitos Complicações clínicas do trauma raquimedular Pereira CU e col. colaterais dessas medicações, além dos gastos e riscos de infecções cruzadas mais resistentes entre os pacientes hospitalizados, mostraram que o risco sobrepõe o benefício do uso dessas medicações. Wyndaele e De Taeye104 relataram choque séptico em 18,26% dos pacientes com TRM durante internação hospitalar. O uso de sonda vesical de demora predispõe a essa complicação.8,104 Em pacientes com lesão sacral, pode haver dificuldade na contração do esfíncter, levando a um quadro de incontinência urinária.14 Alterações motoras, sensitivas e autonômicas podem levar também à disfunção sexual em pacientes com TRM. Esta pode ser primária, quando por alterações orgânicas, ou secundária, quando ocorre por mudanças psicossociais, e merece atenção dos profissionais de saúde.91 Infecções genitais podem levar à infertilidade nos pacientes com TRM.103 Allas e cols.2 avaliaram a função sexual em homens paraplégicos com CI. Foram realizados dois espermogramas, um antes e outro após um episódio de epididimite, e foi encontrado aumento da azoospermia de 7% para 50% após epididimite. No entanto, para esvaziamento de bexiga neurogênica, pacientes com CI apresentam taxas de fertilidade maiores que pacientes com sonda vesical de demora.73,80 Alterações gastrintestinais Cerca de 1,5 milhão de pessoas, nos Estados Unidos, apresentam lesão medular. Dessas, aproximadamente 400 mil apresentam sintomas gastrintestinais crônicos que são ainda mais frequentes com a progressão da lesão.71,89 Na fase crônica da doença, pesquisas mostram que um terço dos pacientes relata que as alterações colorretais alteram mais a qualidade de vida que as alterações geniturinárias.38,43 A continência fecal é mantida pelo tônus e atividade reflexa dos esfíncteres anais internos e externos e pelos músculos do assoalho pélvico.55 O esfíncter anal externo, inervado pelo nervo pudendo, que surge de S2 a S4, é responsável pelo controle voluntário da defecação. Lesões acima de S2S4 podem levar à perda do controle voluntário sobre a defecação ou à contração mais vigorosa do esfíncter externo anal (EEA).17,71 Lesões acima de S2-S4 também comprometem o nervo pélvico parassimpático, que pode ocasionar hipotonia retal, perda do reflexo retocólico com atraso no esvaziamento intestinal71. Essas alterações podem trazer constipação, empachamento, distensão abdominal e íleo paralítico71. Lesões acima de T5 alteram a coordenação dos movimentos peristálticos entre o antro e o duodeno, causando atraso também no esvaziamento gástrico.31 113 Arq Bras Neurocir 29(3): 110-117, setembro de 2010 Em lesões completas ou parciais da cauda equina, o EEA e a musculatura pélvica se tornam flácidos e perdem a capacidade reflexa de responder ao aumento da pressão intra-abdominal. A perda do controle parassimpático e da inervação reflexa do esfíncter anal interno reduz o relaxamento do tônus anal e leva à incontinência fecal. Em estudo comparativo, foi analisada a prevalência de incontinência fecal em pacientes com TRM com controles do mesmo sexo e gênero. A incontinência fecal foi maior em pacientes com TRM e ainda mais frequente em pacientes com lesão medular completa quando comparados com pacientes com lesão parcial.56 A incontinência fecal afetou a qualidade de vida de 62% dos pacientes comparados com apenas 8% no grupo controle.56 O uso de laxantes (39% contra 4%), assim como hemorroidectomias (9% contra 1,5%), foi mais frequente nos grupos de pacientes com TRM quando comparados com os controles. A hemorroidectomia foi ainda mais frequente em pacientes que necessitavam de evacuações manuais.56 O estímulo endógeno e exógeno de esteroides, assim como a hiperestimulação vagal, predispõe à formação de úlceras gástricas por estresse, chamadas de úlceras de Cushing, que podem acarretar episódios de sangramento digestivo alto com hematêmese e melena.59,88 Esse risco é ainda mais elevado em pacientes em ventilação mecânica e em uso de altas doses de corticosteroides.88 Uma complicação tardia, frequente em pacientes com TRM, é a colelitíase.4,5,67,79 Uma das teorias que tentam explicar a etiologia dos cálculos biliares em pacientes com TRM retrata alteração no ciclo intestinal dos sais biliares em pacientes cujo trânsito intestinal encontra-se mais lentificado. Em estudo comparativo, Rotter e Larraín79 encontraram prevalência de colelitíase em 25% dos pacientes com TRM contra 9% no grupo controle. Não foi encontrada diferença estatisticamente significante quando analisados: nível neurológico da lesão, duração da lesão, idade e índice de massa corporal nesses pacientes.67,79 Apstein e cols.5 encontraram maior prevalência de colelitíase em pacientes com lesão acima de T10 devido ao comprometimento do sistema simpático. Moonka e cols.67 relataram maior incidência de colelitíase em pacientes com lesão medular completa. lesão medular é de 38%,1 com pico de incidência entre 7 e 10 dias.64 A incidência pode variar de 9% a 90%, dependendo dos métodos diagnósticos empregados nos estudos.9,10,21,95 O risco de TVP é maior em pacientes com lesões medulares completas (81%) que incompletas (8%), torácicas que cervicais, principalmente nos primeiros três meses após a lesão.36,59,98,99 A diminuição do tônus vasomotor, do retorno venoso e da contração muscular, a hipercoagulabilidade, a imobilização e o dano direto no sistema venoso profundo predispõem à TVP os pacientes com TRM na fase aguda.1,59 A TVP pode levar à embolia pulmonar, importante causa de morte em pacientes com TRM.22,27,81,85,106 A frequência de tromboembolismo pulmonar (TEP) nos primeiros três meses após a lesão medular é de aproximadamente 5%, sendo o risco maior nas duas primeiras semanas após a lesão.3 Para Green e cols.,41 o TEP se mostrou mais frequente em pacientes com tetraplegia, paralisia completa, alto nível da lesão neurológica, alto índice de massa corporal e ausência de espasticidade. As evidências clínicas de TVP são raras. Aito e cols.1 encontraram evidências clínicas em 9% dos casos em cerca de 35% do total de pacientes com TVP. Nesse estudo, em apenas 2% dos pacientes admitidos durante as primeiras 72 horas do trauma foi detectada TVP. Nos pacientes admitidos entre 8 e 28 dias após a lesão, 26% dos casos tiveram TVP. As medidas profiláticas contra a TVP eram empregadas logo após a internação. Para Yelnik e cols.,105 40% dos pacientes com venografia evidenciando trombose apresentavam sintomatologia clínica para TVP. Nesse estudo, TEP foi a causa de morte em 1,5% dos casos. Pacientes com lesão medular necessitam de profilaxia de rotina para TVP. O tratamento é feito com heparina de baixo peso molecular, warfarin, baixa dose de heparina não fracionada, além de medidas não medicamentosas como mobilização precoce, compressão pneumática dos membros inferiores e uso de meias elásticas.1,3 Apesar de cuidados profiláticos adequados, cerca de 4,5% dos pacientes com TRM têm como causa do óbito a TEP.39,40 Úlceras de pressão Trombose venosa profunda Outra complicação grave em paciente com TRM é a trombose venosa profunda (TVP). Entre todas as admissões hospitalares, os pacientes com TRM agudo apresentam o maior risco de desenvolver TVP.6,36 A incidência de TVP nos primeiros três meses de paralisia por 114 Pacientes imobilizados, com alteração da sensibilidade, irrigação sanguínea, elasticidade e turgor da pele, têm tendência a desenvolver úlceras de pressão.17,59 Os locais mais acometidos estão sobre proeminências ósseas ou próteses.59,72 De acordo com a profundidade da lesão, elas podem ser classificadas em grau I (eritema sem lesões de pele), Complicações clínicas do trauma raquimedular Pereira CU e col. Arq Bras Neurocir 29(3): 110-117, setembro de 2010 grau II (comprometimento de epiderme e derme), grau III (lesão até o tecido celular subcutâneo) e grau IV (lesão extensa com necrose tecidual e dano aos tecidos profundos).59 Devem ser realizadas mudanças de decúbito, de preferência a cada duas horas, fazendo cuidados locais na pele para evitar a formação de úlceras de pressão. 16. 17. 18. 19. 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Augusto Maynard, 245/404 49015-380 – Aracaju, SE E-mail: umberto@infonet.com.br 117 Arq Bras Neurocir 29(3): 118-120, setembro de 2010 Fasciite craniana em paciente jovem Francisco José de Alencar1, Gerson Luis Medina Prado2, Lina Gomes dos Santos3, Maria Tereza Paraguassú Martins Guerra4, Maximiliano Ramos Pinto Carneiro4, Camila Brito Falcão Pinheiro4, Márcia Beatriz de Jesus Lima4 Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Hospital São Marcos, Teresina, PI. RESUMO Fasciite craniana é uma lesão benigna rara do crânio, semelhante à fasciite nodular que ocorre mais frequentemente na infância. Embora seja rara, essa lesão pode mimetizar entidades mais agressivas. Clinicamente, apresenta-se como uma massa indolor e que raramente produz sintomas neurológicos. Objetiva-se, aqui, relatar um caso de fasciite craniana em adolescente de 14 anos, descrevendo os seus achados clínicos, de neuroimagem e anatomopatológicos, além de uma breve revisão da literatura. PALAVRA-CHAVE Fasciite craniana. ABSTRACT Cranial fasciitis in a young patient: case report and review of literature Cranial fasciitis is a rare benign intracranial lesion, similar to nodular fasciitis, most frequently occurring in children. Although rare, this lesion can mimic more aggressive entities. The clinical presentation includes a solid painless lesion, rarely causing neurological symptoms. The purpose of this report is to report a case of cranial fasciitis in a 14 year-old patient, describing relevant clinical, neuroimaging and pathological findings as well as a brief literature review. KEY WORD Cranial fasciitis. Introdução Relato do caso Fasciite craniana (FC) é uma lesão benigna rara do crânio que ocorre quase exclusivamente na infância. Essa lesão é histologicamente idêntica à fasciite nodular. Embora seja rara, essa lesão pode mimetizar clínica e radiologicamente entidades mais agressivas. Clinicamente, apresenta-se como uma massa única, indolor e que raramente produz sintomas neurológicos.4 Objetiva-se, aqui, relatar um caso de FC em adolescente de 14 anos, descrevendo os seus achados clínicos, imagiológicos e anatomopatológicos, além de uma breve revisão da literatura. VRS, 14 anos de idade, sexo feminino, estudante, queixando-se de cefaleia de início há quatro anos, evoluindo com perda progressiva da acuidade visual direita. Encaminhada a serviço de referência, foi atendida por um neurocirurgião que, entre outros exames complementares, solicitou tomografia computadorizada (TC), a qual revelou a presença de uma lesão expansiva de comportamento agressivo com extensão craniofacial, de densidade intermediária e captando o meio de contraste (Figura 1). A ressonância magnética (RM) demonstrou a natureza sólida da lesão com sinal isointenso/T1, hiperintenso/ 1.Neurocirurgião. 2. Radiologista doutor em Medicina pela Universidade de Hirosaki, Japão (revalidado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ), membro titular do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem. 3. Patologista doutoranda em Biotecnologia pela Universidade Federal do Piauí (UFPI)/Renorbio, mestre em Ciências e Saúde pela UFPI, professora-assistente da Disciplina de Patologia Geral da Universidade Estadual do Piauí (UESPI). 4. Acadêmico de Medicina da UESPI. Arq Bras Neurocir 29(3): 118-120, setembro de 2010 T2/FLAIR, captando o meio de contraste paramagnético, além de extenso componente meníngeo (Figura 2). A paciente foi submetida à microcirurgia diagnóstica com suspeita de meningioma, tendo sido realizada craniectomia e retirada de fragmentos da lesão acometendo a meninge. O estudo histopatológico demonstrou tecido fibroconjuntivo permeado por linfócitos, plasmócitos, histiócitos e neutrófilos, caracterizando infiltrado celular policlonal, confirmado por imunoistoquímica. As células foram positivas para CD20, CD30 e CD68; as células fusiformes foram positivas para actina de músculo liso, caracterizando, portanto, processo inflamatório consistente com FC. Figura 2 – RM em cortes axial e coronal, ponderada em T1, após administração de gadolíneo, demonstra as áreas de realce anômalo ao longo da superfície dural direita, bem como componente parenquimatoso no lobo frontal. Figura 1 – TC no plano axial demonstrando a presença de lesão expansiva captando contraste, espessamento dural ao longo da fossa temporal direita e plano esfenoidal, avançando em direção à órbita e etmoide, com sinais de erosão óssea; no plano coronal e em janela óssea evidenciam-se as áreas de erosão esfenoidal. Fasciite craniana Alencar FJ e col. Após o procedimento cirúrgico, a paciente não apresentou qualquer déficit, evoluindo neurologicamente assintomática. A TC de controle evidenciou apenas alterações morfológicas cranioencefálicas, ocasionadas pela abordagem da lesão. A conduta adotada, a partir de então, foi acompanhamento ambulatorial com exames de imagem para seguimento. 119 Arq Bras Neurocir 29(3): 118-120, setembro de 2010 Discussão Conclusão FC é uma lesão benigna rara, histologicamente idêntica à fasciite nodular, e corresponde a uma proliferação fibroblástica autolimitada das fáscias superficial e profunda.12 Essa lesão foi descrita pela primeira vez como parte do espectro da fasciite nodular em um estudo de 1980 feito por Lauer e Enzinger,6 em nove casos. Entre os achados que distinguem FC de FN estão a idade média de incidência da lesão e a sua topografia. A FC é uma lesão extremamente rara, com apenas 40 casos descritos, até o ano de 2003, na literatura.4 A maioria desses casos aponta maior incidência dessa lesão em pacientes pediátricos. Segundo Marciano e cols.7 ocorre quase exclusivamente na infância, abaixo dos 6 anos, mas têm sido descritos casos de FC em adultos. Nenhum fator predisponente foi identificado; entretanto, muitos artigos citam o traumatismo prévio na área afetada como possível fator de desenvolvimento dessa entidade.1,6,8,10,11 Usualmente, a FC se manifesta como uma massa de crescimento rápido, consistência firme e não compressível. Quando presentes outros sintomas, estes são secundários ao efeito de massa e incluem diplopia, proptose, paralisia do nervo facial e hemiparesia.2,3,5,8,9 A excisão cirúrgica constitui o tratamento definitivo para essas lesões. Os achados imagiológicos comumente revelam uma lesão única, lítica do crânio, que é mais bem definida com um componente de partes moles captante do meio de contraste, visto tanto em imagens de TC quanto de RM. O defeito lítico da calota craniana pode vir acompanhado de um halo esclerótico, embora neoformação óssea periosteal de aspecto agressivo também possa ser vista, além de calcificações no componente de partes moles. O achado mais comum inclui erosão da tábua óssea externa, embora extensão para a tábua interna com envolvimento dural tenha sido identificado em cerca de um terço dos casos relatados.4 O componente de partes moles visto na TC ou RM é levemente heterogêneo e demonstra intenso realce. Nas imagens de TC, as lesões também podem aparecer discretamente hiperatenuantes em relação ao tecido cerebral cortical. Na RM, as lesões apresentam-se isointensas em relação ao tecido cortical em imagens ponderadas em T1 e em T2.4 Esse caso exibe os aspectos clínicos, os de neuroimagem e morfológicos típicos dessa rara lesão, que deverá ser lembrada no diagnóstico diferencial de lesões cranianas. 120 Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. Adler R, Wong CA. Cranial fasciitis simulating histiocytosis. J Pediatr. 1986;109:85-8. Clapp CG, Dodson EE, Pickett BP, Lambert PR. Cranial fasciitis presenting as an external auditory mass. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 1997;123:223-5. Iqbal K, Saqulain G, Udaipurwala IH, Ashraf J, Aijaz F, Jalisi M. Cranial fasciitis: presentation as a post-auricular mass. J Laryngol Otol. 1995;109:255-7. Keyserling HF, Castillo M, Smith JK. Cranial fasciitis of childhood. AJNR. 2003;24:1465-7. Kumon Y, Sakaki S, Sakoh M, Nakano K, Fukui K, Kurihara K. Cranial fasciitis of childhood: a case report. Surg Neurol. 1992;38:68-72. Lauer DH, Enzinger FM. 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Endereço para correspondência Maria Tereza Paraguassú Martins Guerra Rua 24 de Janeiro, 2139 64018-650 – Teresina, PI Fasciite craniana Alencar FJ e col.