Desta África do Sul ninguém estava à espera
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Desta África do Sul ninguém estava à espera
Sexta-feira 11 Junho 2010 www.ipsilon.pt SEAN METELERKAMP ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7372 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE Pop Dell’ArteColm Tóibín Norman Manea Broken Social Scene Apichatpong Weerasethakul Die Antwoord e a nova cultura pós-apartheid Desta África do Sul ninguém estava à espera Flash Sumário Die Antwoord A África do Sul de que ninguém estava à espera 6 Pop Dell’Arte Renascidos, tantos anos depois 12 Festival Chopin 18 O maior improvisador de sempre remisturado Norman Manea A vida é um romance 20 Colm Tóibín 24 Um escritor à Henry James de olho em Thomas Mann Apichatpong Weerasethakul Fantasmas em Londres Henri Cartier-Bresson O homem-século 30 32 E.M. Forster no seu quarto de Cambridge: perdida a virgindade aos 38 anos, numa praia egípcia, a escrita deixou de lhe ser urgente Quando Forster teve sexo, deixou de escrever romances Durante anos, o diário secreto de E.M. Forster (1879-1970) esteve guardado em Cambridge, onde o escritor manteve um quarto até morrer. Só em 2008 os investigadores começaram a ter acesso a esse manuscrito. E os resultados estão a aparecer. Na próxima semana, com edição da Bloomsbury, estará nas livrarias a biografia escrita por Wendy Moffat, uma americana filha de ingleses, professora de literatura inglesa no Dickinson College, em Carlisle, na Pensilvânia. De acordo com a imprensa britânica, a grande revelação é esta: Forster, que sempre soube que era homossexual, só teve sexo aos 38 anos e a partir daí deixou de escrever romances. “Eu teria sido um escritor mais famoso se tivesse escrito ou publicado mais, mas o sexo impediu-o”, escreve Forster no seu diário. O último romance que publicou em vida foi “Passagem Para a Índia”, em 1924. Tinha então 35 anos e ainda uma longa vida pela frente. Depois, até morrer, aos 91 anos, só publicou ensaios e relatos de viagem. Manteve na gaveta “Maurice”, o romance “gay” da juventude, lançado após a sua morte. Sabendo agora que Forster era virgem quando o escreveu, Wendy Moffat diz que “Maurice” é “um testamento à extraordinária imaginação” do escritor. O crítico da “New Statesman” acha que o forte desta nova biografia é também o seu fraco. Ou seja, vem preencher lacunas quanto à vida privada de Forster, mas concentra-se demasiado nisso — o sexo. De acordo com Wendy Moffat, foi numa praia egípcia que o escritor perdeu a virgindade com um soldado ferido. Eram conhecidas as experiências amorosas de Forster no Ficha Técnica Directora Bárbara Reis Editor Vasco Câmara, Inês Nadais (adjunta) Conselho editorial Isabel Coutinho, Óscar Faria, Cristina Fernandes, Vítor Belanciano Design Mark Porter, Simon Esterson, Kuchar Swara Directora de arte Sónia Matos Designers Ana Carvalho, Carla Noronha, Mariana Soares Editor de fotografia Miguel Madeira E-mail: ipsilon@publico.pt “Hawk”, o novo álbum da dupla, sai já em Agosto Egipto. Foi para lá em fins da Primeira Guerra Mundial, trabalhar com a Cruz Vermelha. O seu grande amor em Alexandria terá sido Mohammed el Ali, um condutor de eléctricos. Seguiram-se os tempos da Índia e o regresso a Inglaterra. Segundo esta biógrafa, o diário de Forster revela que todos os amantes que foi tendo eram de origem operária. “Quero amar um jovem forte das classes baixas e ser amado por ele e até magoado por ele”, escreve Forster. Isto incluiu marinheiros e polícias. Moffat revela que “o amor da vida” dele foi o polícia Bob Buckingham. Esse romance terá começado em 1930 e durado até à morte. Forster dava-se bem com a mulher de Buckingham e gostava muito do filho de ambos, a ponto de ter comprado uma casa para a família, de os ter ajudado ao longo da vida, e de lhes ter deixado uma herança. O diário britânico “The Times” ouviu o escritor Alan Hollinghurst, um “gay” assumido, sobre estas revelações: “É certamente verdade que para bastantes escritores, e certamente para Forster, a supressão da sexualidade é uma grande força criativa. E, sim, a felicidade que ele encontrou numa relação fez desaparecer a urgência da escrita.” Aos 85 anos, Forster escreveu no diário: “Como me incomoda que a sociedade tenha perdido o meu tempo ao fazer da homosexualidade um crime. Os subterfúgios e as inibições que podiam ter sido evitadas.” Alexandra Lucas Coelho Isobel Campbell e Mark Lanegan vão ter mais um disco a dois aos anteriores “Ballad of The Broken Seas” (2006) e “Sunday at Devil Dirt” (2008). Além da dupla - com Lanegan a cantar em oito das canções e Campbell nas cinco restantes -, participam no álbum convidados como o “singersongwriter” Willy Mason e o exguitarrista dos Smashing Pumpkins James Iha. O alinhamento de “Hawk” inclui ainda duas versões de temas de Towndes Van Zandt, figura de culto da poesia e da música folk norte-americana: “No place to fall” e “Snake song”. A ex-Belle and Sebastian Isobel Campbell e o ex-Screaming Trees (e às vezes Queens of the Stone Age) Mark Lanegan vão lançar o terceiro álbum a meias este Verão: o lançamento está marcado para o dia 16 de Agosto no Reino Unido, e o disco chega uma semana depois aos EUA. “Hawk”, o novo disco, sucede Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 3 Flash Espaço Público Este espaço vai ser seu. Que filme, peça de teatro, livro, exposição, disco, álbum, canção, concerto, DVD viu e gostou tanto que lhe apeteceu escrever sobre ele, concordando ou não concordando com o que escrevemos? Envie-nos uma nota até 500 caracteres para ipsilon@publico.pt. E nós depois publicamos. O último filme mudo de Ford, “Upstream”, foi encontrado quase por acaso na Nova Zelândia Oito portugueses em São Paulo e na Manifesta singularidade da primeira em relação à segunda, por vezes confundidas ao ponto da indistinção.” A exposição irá contar com obras de cerca de 150 artistas de diferentes gerações, destacando-se os nomes de Adrian Piper (EUA), Ai Weiwei (China), Allan Sekula (EUA), Amar Kanwar (Índia), Andrea Geyer (Alemanha), Anri Sala (Albânia), Apichatpong Weerasethakul (Tailândia), Chantal Akerman (Bélgica), Cildo Meireles (Brasil), David Goldblatt (África do Sul), Douglas Gordon (Escócia), Emily Jacir (Palestina / EUA), Francis Alÿs (México), Guy de Cointet (França), Harun Farocki (Alemanha), Ilya Kabakov (Rússia), Hélio Oiticica (Brasil), James Coleman (Irlanda), Lygia Pape (Brasil) – de quem foi escolhida a obra “Divisor” (1968), que será encenada por diversas vezes durante o evento –, Marlene Dumas (África do Sul), Nan Goldin (EUA), Steve McQueen (Inglaterra), Tacita Dean (Inglaterra) e Yael Bartana (Israel). A oitava edição da Manifesta, uma iniciativa nómada – a anterior realizou-se no espaço geográfico do Trentino-Alto Ádige, em Itália –, é comissariada por três colectivos: Alexandria Contemporary Arts Forum (Egipto), Chamber of Public Secrets (Dinamarca) e tranzit. org, uma rede independente de curadores que tem sobretudo operado no eixo compreendido entre a Áustria, a República Checa, a Hungria e a Eslováquia. Um das linhas de trabalho desta iniciativa são as questões relacionadas com a proximidade da região de Múrcia ao Norte de África. Catarina Simão foi convidada pela tranzit. org – o mesmo colectivo que desafiou Carla Filipe – a apresentar na Manifesta o projecto “Fora de Campo (Off Screen)”, realizado a partir do arquivo de cinema de Carlos Bunga e Filipa César integram Moçambique. o contingente de portugueses convocados Óscar Faria Pedro Barateiro, Artur Barrio, Carlos Bunga, Pedro Costa, Filipa César e António Manuel – nomes a que se pode acrescentar o de Yonamine Miguel, angolano, radicado em Lisboa –, na 29ª Bienal de S. Paulo; Carla Filipe, Catarina Simão e novamente Filipa César, recente vencedora do prémio BES Photo, na oitava edição da Manifesta, que este ano se realiza nas cidades espanholas de Múrcia e Cartagena. Estes são os portugueses presentes em duas das mais relevantes exposições deste ano, que serão inauguradas, respectivamente, a 21 de Setembro e a 2 de Outubro. A Bienal de S. Paulo, com coordenação curatorial de Moacir dos Anjos e do crítico de arte Aganaldo Farias, intitula-se “Há sempre um copo de mar para um homem navegar”, um verso do poeta Jorge de Lima, e ancora-se na ideia da impossível separação entre a arte e política. A escolha do tema deve-se a duas razões: o facto de estarmos a viver num mundo em conflito permanente, em que “paradigmas de sociabilidade são o tempo inteiro questionados, e (...) a arte se afirma como meio privilegiado de apreensão e simultânea reinvenção da realidade”; e a convicção de que “por ter sido tão extenso esse movimento de aproximação entre arte e política nas duas últimas décadas, se faz necessário, novamente, destacar a para a Bienal de São Paulo 4 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon Um John Ford perdido foi reencontrado O período do mudo continua a ser uma das grandes fronteiras da historiografia do cinema, em grande parte devido às centenas de filmes realizados antes de 1927 dados como perdidos, porque as suas cópias se extraviaram ou se deterioraram irremediavelmente ao longo dos anos. Mas muitos desses filmes “perdidos” estão agora a ser “encontrados” do outro lado do mundo. Aconteceu recentemente com o “Metrópolis” de Fritz Lang (uma tiragem da versão original sobrevivia esquecida num acervo de Buenos Aires) e voltou agora a acontecer com 75 filmes americanos do período mudo, entre os quais um John Ford perdido, “Upstream”, descobertos quase por acaso na Nova Zelândia. Steve Russell, gestor do New Zealand Film Archive, disse ao “New York Times” que este “é um dos raros casos em que a tirania da distância jogou a favor dos filmes”: uma vez terminada a carreira comercial neo-zelandesa, os estúdios proprietários não se quiseram dar ao trabalho de assumir os portes de devolução e as cópias por lá ficaram, semi-esquecidas até uma visita casual de um arquivista da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas em férias. Embora a colecção do arquivo neo-zelandês seja muito mais extensa, a National Film Preservation Foundation americana, afiliada com a Biblioteca do Congresso, concentrou-se em 75 filmes escolhidos pela sua importância história e cultural. O mais importante é claramente “Upstream”, de 1927, um dos últimos mudos realizados por John Ford, “inventor” do “western” tal como o conhecemos, que os estudiosos consideram um ponto fulcral no seu desenvolvimento como cineasta. Mas entre eles estão também “Won in a Cupboard”, Ariel Pink já no dia 25 no Espaço M, Strange Boys a 14 de Julho no MusicBox Vem aí concertos de Ariel Pink, Bill Orcutt e Strange Boys Um dos cantores mais populares da Síria, um mago das gravações de baixa fidelidade e nomes grandes da guitarra e música progressiva nacional. É assim parte da programação da promotora Filho Único para os próximos tempos. Na próxima quarta-feira, às 22h30, no Lounge, em Lisboa, há “trips” cósmicas induzidas por sintetizadores, via kosmicdream, projecto de Guilherme da Luz, dos Tantra, nome histórico do rock progressivo português. Segue-se, no dia 25, no Espaço M, a antiga Casa d’Os Dias da Água, na Rua Luz Soriano, em Lisboa, Ariel Pink’s Haunted Graffitti, poucos dias depois do lançamento de “Before Today” – o Ípsilon já ouviu o disco e podemos afirmar que está aí um dos grandes álbuns pop do ano, obra maior de um músico que vive realizado em 1914 por Mabel Normand, a estrela feminina das comédias de Mack Sennett, ou “Maytime”, com uma das primeiras grandes vedetas de Hollywood, Clara Bow. Devido à fragilidade da película de nitrato, altamente inflamável, as cópias estão a ser transportadas gradualmente, em pequenas quantidades acondicionadas em barris metálicos. A Fundação iniciou já o restauro de quatro filmes – dois deles financiados pelos estúdios “descendentes” dos seus produtores originais. “Upstream” está a ser recuperado pela Fox e “Mary of the Movies”, uma comédia de 1923, pela Columbia, que redescobriu aquela que é a sua produção mais antiga conhecida. Uma vez terminado o longo processo de restauro, os filmes serão apresentados ao público em projecções especiais e também disponibilizados online pela Fundação, no site filmpreservation. org. num universo completamente seu (um elogio contínuo à história da canção popular eléctrica). Susan Alcorn, que levou a guitarra “pedal steel” para as áreas da improvisação e da experimentação (colaborou com Pauline Oliveros, Jandek, entre outros), apresenta-se na Culturgest do Porto, a 2 de Julho. No dia seguinte, Alcorn actua em duo com o guitarrista português Manuel Mota, na Casa de Teatro de Sintra, numa noite que conta também com Michael Hurley. Com carreira desde 1965, Hurley é admirado pela actual geração neopsicadélica, que o tem como uma das suas grandes influências. Rara aparição europeia para um segredo da música americana. Depois do cancelamento do concerto de Abril, por causa do vulcão islandês Eyjafjallajokull, Bill Orcutt, autor do brilhante “A New Way To Pay Old Debts” (a guitarra acústica como nunca a ouvimos antes), actua na Culturgest do Porto e no Museu do Chiado, em Lisboa, a 9 e 10 de Julho, respectivamente. A programação para Julho da Filho Único conta ainda com dois dias de festa em dois espaços de Lisboa. O primeiro é no dia 14, no MusicBox, com o rock’n’roll sem mácula dos Strange Boys (podem apanhar na Internet Kate Moss a dançar o saxofone infernal de “Be brave” numa curta-metragem de uma cadeia de roupa). Segue-se, logo no dia seguinte, no Lux, a música de festa do sírio Omar Souleyman - que antes actua na Casa da Música, Porto, a 13 de Julho. Pedro Rios APRESENTAÇÃO AGENDA CULTURAL FNAC entrada livre entrada livre APRESENTAÇÃO MAESTRO ÁLVARO CASSUTO Terceiro volume da série dedicada às obras orquestrais de Luís de Freitas Apresentação com a presença do mentor deste trabalhos, o Maestro Álvaro Cassuto que dirige nesta série a RTÉ National Symphony Orchestra. 17.06. 18H30 FNAC CHIADO AO VIVO RITA REDSHOES Lights & Darks Rita Redshoes regressa com Lights & Darks, um disco que nos revela uma artista mais madura, desprendida e directa nas suas canções. 14.06. 18H30 FNAC CHIADO 19.06. 17H00 FNAC BRAGA PARQUE 18.06. 18H00 FNAC GAIASHOPPING 19.06. 21H30 FNAC GUIMARÃESHOPPING 20.06. 22H00 FNAC COIMBRA 18.06. 22H00 FNAC NORTESHOPPING 20.06. 17H00 FNAC LEIRIASHOPPING 24.06. 21H30 FNAC COLOMBO AO VIVO THE GLOCKENWISE Novos Talentos Fnac 2010 Os The Glockenwise são de Barcelos. Veloso, Rafa, Nuno e Fiusa movem-se com grande genica pelos campos mais enérgicos do garage rock. 14.06. 19H00 FNAC BRAGA PARQUE LANÇAMENTO HUMANIDADE Livro de Fernando Nobre Este livro é um espaço de liberdade e de total frontalidade, onde o autor exprime as suas reflexões e pensamentos sobre os desafios, ameaças e esperanças globais. 13.06. 16H00 FNAC VISEU EXPOSIÇÃO A REVOLUÇÃO DE ABRIL NO OLHAR DE CARLOS GIL Fotografias de Carlos Gil A Fnac, em parceria com a Fundação Mário Soares, expõe um conjunto de imagens que pretende recordar um percurso deste país, desde o fim da ditadura até ao fim do sonho de uma revolução de esquerda. 17.04. - 11.07.2010 FNAC CHIADO Consulte todos os eventos da Agenda, assim como outros conteúdos culturais Fnac em Apoio: AO VIVO LANÇAMENTO EXPOSIÇÃO Na Cidade do Cabo, como nas restantes cidades da África do Sul, a luta ainda é política. Mas é também cultural. Os Die Antwoord reflectem os subúrbios brancos da sua cidade. São um fenómeno gerado na net, tão bizarro quanto surpreendente. Não estão sós. Eis a nova geração artística pós-apartheid da África do Sul. Vítor Belanciano Die Antwoord: DJ Hi-Tech, Yo-Landi e MC Ninja Capa SEAN METELERKAMP Geração pós 6 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon s-apartheid Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 7 De um lado do passeio, na baixa da Cidade do Cabo, uma jovem loira que parece saída do último desfile de Karl Lagerfeld. Do outro lado, um jovem negro pede uns trocos. A luta política contra o apartheid terminou há muito, mas ainda existe um importante caminho a percorrer para que a sociedade sul-africana consiga reflectir igualdade de direitos e oportunidades. A cidade ainda é algo esquizofrénica. Com marcas cosmopolitas, um traçado urbano por vezes aliciante e ofertas culturais que fariam inveja a muitas capitais europeias. É uma mistura encardida de Londres, Amesterdão, Miami e mais qualquer coisa de indefinível. Mas, como todas as urbes em transformação, oscila entre o controle e o caos, e as assimetrias entre ricos e pobres transformam o espaço numa zona fortificada. Na Cidade do Cabo, como nas restantes cidades do país, a luta ainda é política. Mas é também cultural. Há uma nova geração, pós-apartheid, na música, nas artes plásticas, no cinema ou na moda que começa a ser conhecida no Ocidente, projectando as contradições e as sobreposições de um país que personifica a mudança e o movimento, mostrando-nos novos horizontes. A maior parte desses criadores poderá não ter o profissionalismo de Nova Iorque ou de Londres. Mas o improviso, o arriscar de novas mesclas, a ausência de uma noção sagrada da História e o sentido de urgência devolvem-nos qualquer coisa de novo e intenso. Não espanta que o Ocidente, em crise de ideias, olhe para eles com fascínio. É isso que tem acontecido nos últimos meses, enquanto o país se prepara para receber o Campeonato do Mundo de futebol, com os Die Antwoord, praticantes de rap-rave. O zef Foi em Fevereiro. Os vídeos “Enter the ninja” e “Zef side” foram colocados na Internet e, do dia para a noite, transformaram os desconhecidos Die Antwoord, da Cidade do Cabo, num dos fenómenos mais surpreendentes dos últimos tempos. A sua caixa de email entupiu e nas semanas seguintes, num ápice, cinco milhões de pessoas viram os vídeos no YouTube antes de qualquer contrato discográfico. Em “Enter the ninja” tomamos contacto com uma sonoridade que tanto remete para o rap como para referências “rave” dos anos 90 ou para sons de videojogos. Identificamos os elementos mas o todo é electrizante. No monólogo introdutório, as primeiras palavras debitadas em afrikaans (o idioma oriundo da colonização holandesa) por MC Ninja, 35 anos, branco, magricela, alto, tatuado, penteado terrível, dentes dourados, transportam-nos para a mescla da África do O zef é uma variante rap adoptada pelas classes trabalhadoras brancas dos subúrbios. Personifica as vidas solitárias que se decidem à volta de jogos de computador. A letargia de domingo em frente à TV 8 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon Há uma nova geração, na música, nas artes plásticas, no cinema ou na moda que começa a ser conhecida no Ocidente, projectando as contradições e as sobreposições de um país que personifica a mudança Sul. “I represent the South African culture. In this place, you get a lot of different things: blacks, whites, coloured, english, afrikaans, xhosa, zulu, watookal. I’m like all these different things, all these different people – fucked into one person”, debita. Pelo meio, surge a pequena Yo-Landi, de idade indefinida, cantando, ameninada, uma letra tão caricata quanto pegadiça: “Ai, ai, ai, i am your butterfly. I need your protection, be my samurai.” Quem também anda por lá é Leon Botha, artista plástico, nascido com doença genética, responsável pelas artes visuais do videoclip que podem ser exploradas na secção “secret chamber” do soberbo site do grupo. O videoclip de “Zef side” é ainda mais desconcertante. Imagens de subúrbios brancos, bêbados cambaleando, motas de grande cilindrada, vulgaridade incorporada, quase um documentário. Celebração da cultura zef da população afrikaner, de tudo o que é trivial. Frases sem sentido ditas por Ninja, trajando uma t-shirt de Vanilla Ice e uns boxers com a capa do álbum “Dark Side Of The Moon” dos Pink Floyd. Por cima, um ritmo electrónico que tanto parece nostálgico como futurista, lançado pelo terceiro membro do projecto, DJ Hi-Tech, responsável pelas “next-level beats”, como lhes chama Ninja, no sentido de “passagem à próxima fase”, como nos videojogos. Por vezes parece que estamos a ver “Rize”, o documentário de David LaChapelle – que se viu envolvido em polémica pela dimensão estetizante dada ao krumping, a dança urbana dos subúrbios de Los Angeles. De imediato, em blogues e redes sociais, começou a discutir-se o fenómeno. Uns juravam que eram a coisa mais genuína que alguma vez tinham ouvido. Outros que era apenas uma paródia. Completamente autênticos ou totalmente falsificados, nunca mais pararam de ser comentados. Pela música, pela imagem, pela atitude Kwaito o funk das townships Praticada por jovens como DJ Mujava ou Spoek Mathambo, o kwaito é a música mais ouvida nos bairros da África do Sul. Mas do rock dos BLK JKS à pop de Thandiswa Mazwai, há um mundo de músicas a descobrir. DJ Mujava: a sua música tem um aliado de peso, os táxis Quando entramos ouve-se uma não conseguir melhor do que música com algo de estranho reciclar-se a si própria, em e de familiar, em simultâneo. ciclos cada vez mais curtos, os Um som sintético, hipnótico, estilos locais ganham terreno. É a meio caminho entre o house neste quadro que deve ser lido mais profundo, com linhas de o interesse à volta do kwaito, ou baixo sombrias e percussões house da África do Sul, género que associamos a África. Os sedimentado, que remonta aos fraseados vocais parecem anos 90, e que é agora dado a inspirados no ragga jamaicano, conhecer ao mundo, sendo capaz mas outras vezes remontam de produzir os seus heróis. ao estilo rap em zulu, xhosa ou Entre eles DJ Mujava, 25 anos, inglês. que lançou um máxi-single Foi há três anos, na Cidade (“Township funk”) há dois anos do Cabo, numa noite de na editora de culto inglesa kwaito. Os corpos balançavam Warp, que viria a dar que falar freneticamente. Éramos os por todo o lado. Habitante de únicos brancos na sala. Havia uma township, nos arredores lascívia no ar e ambiente de de Pretória, a sua música (e festa imparável. Às tantas, dos restantes produtores de dançava-se em cima das mesas, kwaito) tem um aliado de peso em todos os recantos onde era em termos de divulgação – os possível. Se o zef é a expressão táxis. Os condutores gostam de cultural dos subúrbios brancos, rivalizar entre si, em matéria de sistemas de som, e ouvem o kwaito é-o em relação às música em altos berros. chamadas townships, os Apesar da internet, e de todos bairros degradados habitados os outros meios de promoção maioritariamente por negros. Como o kuduro luso-angolano, modernos, continuam a ser o táxi o instrumento ideal o baile funk do Rio de Janeiro para difundir novos gostos ou a cumbia colombiana, é musicais junto das franjas mais mais uma dessas derivações desfavorecidas da população. bastardas de géneros Numa entrevista recente, Elvis estabelecidos, feitos a partir de tecnologia rudimentar Maswanganyi, verdadeiro por jovens que habitam nome de Mujava, realçava o nas periferias das grandes papel dos táxis na propagação cidades. É música muitas da sua música. “Os condutores vezes estigmatizada, vendida de táxis gostam imenso da inicialmente nas ruas, sendo minha música e recebo-os com progressivamente legitimada e regularidade em casa, com o adquirindo autonomia. intuito de lhes dar a ouvir as Nos últimos anos muita dessa últimas produções.” música tem sido recebida nos O único músico africano palcos europeus e americanos pertencente à editora que dançam boquiabertos electrónica mais conhecida ao som de irresistíveis do planeta ainda habita combinações rítmicas, numa township e não parece regressando à expressão mais interessado em prescindir simples, vibrante e directa da dela: “Toda a gente se conhece. música urbana. Enquanto a pop Leva-se uma vida muito ocidental globalizada parece comunitária. Para muita gente PEDRO CUNHA Spoek Mathambo é uma das figuras mais interessantes na exploração do house africano são um problema, para mim parte da população da África do são um reduto de entusiasmo e Sul. Mas não existe uma linha iniciativa”, justifica. definitiva. Mas Mujava está longe de Spoek Mathambo, com álbum estar só. Há uma infinidade de a sair em Agosto na editora produtores com características americana BBE, é uma das semelhantes. Alguns deles figuras mais interessantes na (Pastor Mbhobho, DJ Cleo, Mgo, exploração do house africano, a Survivor, Aero Manyelo, Ntiki solo, ou com o projecto Sweat.X. Mazwai ou Shana) acabam Numa entrevista recente de ser reunidos por Mujava tentava dar a ver dimensão do fenómeno, dizendo que o house na excelente compilação ocupa o lugar que a pop ocupa “Ayobaness! – The Sound Of noutras latitudes. É som de South Áfrican House.” massas, cantada por negros e Quase todas as narrativas brancos, jovens e mais velhos. acerca do kwaito tentam “Noutros países, o house é enquadrá-lo no contexto do fim linguagem de nicho. Aqui o do apartheid. Como se o género lugar das estrelas rap ou dos fosse a banda sonora festiva cantores pop é ocupado pelos desse momento. Mas hoje é mais produtores de house. São eles as do que isso. É aquilo que o hipnossas celebridades”, diz ele. hop já foi para os americanos, Mas nem só de house vivem as uma voz que narra as lutas e os novas gerações sul-africanas. triunfos da vida quotidiana de Se o zef é a expressão cultural dos subúrbios brancos, o kwaito é-o em relação às chamadas townships, os bairros degradados habitados maioritariamente por negros Há também o rock alternativo dos BLK JKS, com álbum (“After Robots”) lançado o ano passado na americana Secretly Canadians. São agentes sabotadores do som rock, com elementos de fusão que uma das bandas mais importantes dos últimos anos, os novaiorquinos TV On The Radio, não desdenharia de todo. São o grupo rock mais conhecido do momento no território, apesar da idiossincrasia da sua música, não surpreendendo que tenham actuado ontem, na Joanesburgo natal, ao lado de Alicia Keys ou Shakira, na festa de lançamento do mundial de futebol. Quem também actuou nesse cerimónia foram os Parlotones, praticantes de um rock sem nada que os distinga. O mesmo não se pode dizer de outra estrela em ascensão no país, Thandiswa Mazwai, que abandonou o projecto de kwaito, Bongo Maffin, para se dedicar a uma carreira a solo. O seu som afro-pop tem tido um aliado de peso: o músico-produtor Culoe de Song, mais um jovem saído das townships de Joanesburgo, que pratica uma música house intensa e hipnótica que promete vir a dar que falar num Ocidente que não deixa de se espantar e influenciar (Vampire Weekend, Dirty Projectors, Very Best) com o que as novas gerações africanas têm para oferecer. BLK JKS: agentes sabotadores do som rock Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 9 O estilhaçar pósapartheid Do design de moda ao cinema, passando pelas artes plásticas, uma nova geração tenta revelar-se ao mundo. É como ter um novo brinquedo e ser criança outra vez, descreve o designer de moda Floy, do colectivo Smarteez, quando lhe pedem para descrever o momento actual na África do Sul. “É tudo novo, inclusive a liberdade”, diz. É verdade. Para os jovens negros, depois da liberdade alcançada pelos pais, trata-se de conquistar um espaço de auto-expressão e de alargar horizontes. Para os jovens brancos é o momento de reavaliar a história recente do país e o papel dos familiares nela, sem ficarem refém dela. Há um estilhaçar de expressões criativas. Não há grandes meios. Mas há vontade de dizer, independentemente deles. Quem o exprime é a realizadora Claire Angelique, que assina “My Black Little Heart”, produzido pela companhia de Lars Von Trier, a Zentropa Films. A câmara segue uma rapariga, viciada em heroína, pelas ruas da cidade de Durban e pelos corredores sombrios da pornografia da internet. No filme, Claire, é a protagonista, Chloe, porque nenhuma actriz quis expor-se tanto. O contacto com a Zoetrope foi fácil. Ela admira o trabalho de Lars Von Trier. Enviou-lhe excertos do seu trabalho. A Zoetrope gostou. E semanas mais tarde aceitou o seu projecto. “Quando existem afinidades criativas, independentemente da 10 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon nacionalidade, é mais fácil”, diz. O mesmo poderia dizer Mikhael Subotzky, 29 anos, um dos fotógrafos mais novos da Magnum, mas com uma série de trabalhos que escapam à lógica da agência. Ele, e outros artistas, têm dado corpo ao projecto Main Street Life, que consiste na transformação de edifícios industriais dos anos 70 num complexo criativo com estúdios, lojas, galerias ou salas de concertos. Como em outras cidades, o propósito é fácil de descortinar: reconverter uma zona de Joanesburgo, anteriormente votada ao esquecimento, e transformá-la num espaço voltado para a criação e lazer. Subotzky tem estúdio em Joanesburgo, mas é um dos muitos artistas que a galeria (Em cima) Claire Angelique, realizadora que acaba de ser produzida pela Zentropa de Lars von Trier; (em baixo) criação do colectivo Smarteez: roupa com materiais baratos de cores vibrantes PEDRO CUNHA Whatiftheworld, na Cidade do Cabo, tem tentado projectar para o resto do mundo. É aí que outros artistas emergentes, como Rowan Smith, Dan Halter, Cameron Platter ou Athi-Patra, têm tido espaço para mostrar o seu trabalho. Athi-Patra, por exemplo, utiliza o vídeo, a fotografia e o design de moda para interrogar questões de corpo, de género e políticas ligadas à roupa, enquanto revelação do que somos, individualmente, e enquanto grupo social. O propósito principal é daremse a conhecer na Europa e nos EUA. Sabem que terão mais possibilidades de o fazer se apresentarem qualquer coisa de exclusivo, mas também de familiar. Como aconteceu com as animações vídeo do colectivo The Blackheart Gang ou os videoclips hiper-realistas de Sean Metelerkamp, 26 anos, para os Die Antwoord ou Sweat.X (são dele as imagens da capa e do plano de abertura deste suplemento) qualquer deles já com convites para trabalhar na Europa. O mesmo se podendo dizer do design de moda. É fácil olhar para as roupas dos Smarteez, colectivo de quatro designers vindos do Soweto, e tentar ler nelas a influência africana. Mas esta é a geração que já cresceu com o YouTube e o Facebook, sendo capaz de se inspirar numa cultura visual global e, ao mesmo tempo, criar uma narrativa própria, sem se subjugar pela padronização. Os Smarteez criam roupa com materiais baratos de cores vibrantes, expressando uma nova atitude, diz Kepi. Os pais iam à igreja, à escola e, depois, tentavam arranjar um trabalho digno para criar a família. Eles querem mais. Já não se trata apenas de subsistir. “Queremos ser felizes.” V.B. Para os jovens negros, depois da liberdade alcançada pelos pais, trata-se de conquistar um espaço de autoexpressão e de alargar horizontes. Para os jovens brancos é o momento de reavaliar a história recente do país e o papel dos familiares nela, sem ficarem refém dela e pelos debates, tendo no centro teses de classe, identidade, raça ou autenticidade. É natural. O zef é uma variante rap adoptada pelas classes trabalhadoras brancas dos subúrbios. Personifica as vidas solitárias que se decidem à volta de jogos de computador. A letargia de domingo em frente à TV. Os lugares de fast-food. Os barbecues da classe média junto de piscinas de água esverdeada. Um hedonismo sem alegria de gente contrariada sem perceber porquê. De rebeldes sem posicionamento político, pouco articulados quando falam, mas expressivos quando utilizam linguagem vernacular. Não exactamente os excluídos em que nos habituámos a pensar quando imaginamos a África do Sul, mas sendo-o também, no contexto da população branca afrikaner. Os Die Antwoord devolvem-nos isso, de forma hiper-realista, através de uma música ascética para voz e ritmo, mas com letras excessivas que retratam essa realidade urbana, com qualquer coisa de divertido mas também de cruel. Entre o senso comum e o sentido de humor. Entre a crónica social e o puro entretenimento. A África do Sul natal divide-se quanto ao acontecimento. Os afrikaners mais velhos vêem-nos como embaraço nacional, pela linguagem suja, enquanto os mais novos os adoram. A mesma relação têm com a música do “rapper” branco Jack Parow, que participa no álbum dos Die Antwoord, ou com a banda rock Fakofpolisiekar. Fazem parte de uma nova geração que já não tem vergonha de ser afrikaner. Possuem uma visão crítica sobre o papel dos pais no processo do apartheid, mas procuram novas formas de auto-expressão. Fora de portas nunca a cultura pop sul-africana tinha sido tão badalada. As mais influentes publicações americanas e europeias, surpreendidas, têm-lhes dedicado espaço. Até há pouco, o álbum de estreia, “$O$“, estava disponível no site para descarregamento gratuito. Mas entretanto, no Facebook, angariaram quase 80 mil seguidores. O penteado da loira YoLandi, rapado dos lados, é seguido em Paris ou Londres. Os Die Antwoord encontraram-se com o realizador Neill Blomkamp (“District 9”) e combinaram colaboração. Em Abril, os agentes da indústria presentes em Los Angeles, para o festival Coachella, viramnos em palco. Conclusão? A gigante Interscope (Eminem, Black Eyed Peas ou Lady GaGa) contratou-os, preparando-se para relançar o álbum de estreia. Depois do acordo, Ninja tratou de mostrar ao mundo o que pensava num vídeo provocador, surgindo com uma tatuagem representado dólares, ao lado do símbolo ying-yang. Pelo meio, a Live nation, a maior companhia de eventos do mundo (a tal que assinou um contrato com Madonna), quer assinar com eles. E já este mês iniciam uma digressão pelos EUA, a Europa e o Japão, com algumas dessas datas a serem partilhadas com a agora cúmplice de editora, M.I.A. Salada de frutas Há semanas, no Festival Spot da Dinamarca, num seminário com agentes da indústria, eram apontados como exemplo feliz de uma ideia com características localizadas capaz de ser apreendida globalmente. Como aconteceu com M.I.A., Buraka Som Sistema ou Major Lazer, que resgataram linguagens desqualificadas, trazendoas para o centro da pop globalizada. O facto de tocarem estereótipos sociais contribuiu para que estoirassem de forma tão rápida. Movem-se numa linha ténue entre a farsa e a arte performativa. São afrikaners, mas não Dis Ninja: “O país é governado por negros e diferentes tipos de pessoas habitam aqui – é uma salada de frutas cultural. Mas ainda não somos um arco-íris” atribuem significado particular a esse facto. Reflecte Yo-Landi: “Na África do Sul imensa gente fala afrikaans. É apenas a nossa linguagem, a que usamos para comunicar. Tem charme e as pessoas riem-se.” E o que têm a dizer os próprios sobre as ambivalências onde são colocados? Às vezes não se levam a sério. “As pessoas pensam muito. Não matutamos sobre o que fazemos, é apenas divertimento”, diz Ninja. “O país é governado por negros e diferentes tipos de pessoas habitam aqui – é uma salada de frutas cultural. Mas ainda não somos um arco-íris. O racismo é coisa antiga, mas em países como os EUA não sei se não será bem pior. É qualquer coisa de escondido. Ao menos, aqui, é declarado.” Outras vezes levam-se a sério: “Sou sério acerca de tudo”, afirma Ninja. “Até sobre o meu penteado. Somos arte pop em fusão com arte erudita. Gostamos tanto de actuar ao vivo como gostamos de filmes. Somos sérios acerca do que fazemos, mas também temos sentido de humor. Algumas pessoas não percebem o nosso estilo e acham que é tudo diversão. Não é verdade. Mas a nossa música não é intelectual – fazemos música para o homem comum.” Watkin Tudor Jones, o nome que se esconde por trás de Ninja, sabe mover-se naquele plano inclinado onde não se percebe onde começa a farsa e acaba a sinceridade. “Ninja não é uma personagem, é uma extensão, uma versão exagerada de mim próprio.” E está longe de ser um novato, tendo liderado projectos como os Evergreen, Constructus Corporaton ou Max Normal. Os Die Antwoord (em afrikaans: “a resposta”) são vistos pelo próprio como a última oportunidade para triunfar na música. A ideia para o projecto veio-lhe da audição da música difundida pelos táxis do Cabo. “Os táxis, aqui, tocam muito alto aquele tipo de som rave. É fácil de ouvir, do outro lado da cidade, o som ‘dum, dum, dum’ a dar, a dar, a dar, como se os táxis fossem discotecas ambulantes. Todo o disco foi concebido a pensar nesses táxis, naquela parada energética sem comparação.” No meio da excitação que têm criado, até pode acontecer que se transformem apenas numa nota de rodapé do YouTube e da Internet, mas também pode suceder que venham a ser o maior colectivo para fomentar festa desbragada por esse mundo fora. Até podem ser a próxima Lady GaGa, ironizou o “Los Angeles Times”, por causa da estética bizarra e da atitude provocadora. Por agora é certo que, onde quer que actuem, vão provocar sorrisos, espanto ou dança descontrolada. Já ninguém consegue ser neutro em relação aos Die Antwoord. Talvez nem Cristiano Ronaldo, Messi ou Káká. Citações retiradas das publicações “Vice”, “Dazed & Confused” e “New York Magazine” Ver crítica de discos págs. 48 e segs. Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 11 Resistentes, românticos e trágicos Música Os Pop Dell’Arte regressam aos álbuns com “Contra Mundum” – quinze anos O disco vai de Kurt Weill à new-wave decomposta, a conversa atravessa vinte e muitos anos de DORA NOGUEIRA Zé Pedro Moura e João Peste 12 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon depois do magistral “Sex Symbol” Symbol”, oito anos depois do belo EP “So Goodnight”. mitos e equívocos. Os Pop Dell’Arrte são resistentes, românticos e trágicos. João Bonifácio E ponto final: não há muitas bandas assim. Quem mais chegou, viu, escandalizou, fez um disco, assistiu à criação ao seu redor de uma tonelada de mitos, e em vez de capitalizar resolveu não só dar um tiro no pé como cravar pregos nas mãos e nos pés, lançando o ocasional single perfeito para o opróbrio, passando anos sem dar concertos e regressando a cada dez ou mais anos para um álbum? Os Pop Dell’Arte não são, decerto, a primeira banda a ser atravessada por histórias de drogas, falta de dinheiro, glória e queda, deserções, zangas e regressos. Mas os Pop Dell’Arte certamente uma das poucas bandas que renascem quando já ninguém acredita e voltam a baralhar o que quer que pensássemos delas. E assim sendo, o que fazem eles quan- do, quinze anos depois de “Sex Symbol”, o extraordinário terceiro disco de originais e último a ser lançado no mercado, regressam com c treze canções novas? Chamam ao disco “Contra Mundum”. No mínimo pode dizer-se diz que isto não é a mais sensata ar arte de sedução da classe média. “A ironia do título é total”, t diz João Peste, o eterno líder, n na sua casa no centro de Lisboa – Peste Pe deixou há dois anos a sua Camp Campo de Ourique nativa, onde a história da banda começou. Surge vestido de fo forma discreta, com ar frágil, de discur discurso calmo mas tremendamente sincero. since Sincero ao ponto de o ouvirmos di dizer que naquele título “pode haver um por cento de amargura – ou até mai mais”. Palavra curiosa, esta: es amargura. Nas entradas futuras d das enciclopédias da música portuguesa, portugu Peste surgirá inevitavelmente co como um iconoclasta, um provocador, talvez mesmo um agitador com o seu quê de exibicionista e o mérito de abordar questões como a homossexualidade, homoss a marginalidade ou as dr drogas de forma excessiva mas comovente. comove E no entanto, o pro provocador é um homem extraordinariamente extraordinariam honesto (isto sempre desconfiá desconfiámos). “Eu assumo que tenho algum alguma amargura – e sempre tive. Até acho que agora tenho menos. Agora te tenho uma filosofia de vida mais calm calma. Tinha uma visão um bocado p pessimista das coisas em novo, o q que alimentava esse lado amargo”. É um homem e extremamente educado, de voz d doce, capaz de dar entrevistas d de cinco horas que acabam com entrevistado e entrevistador a ouvir o lado B de um sin single de George Harrison, “My Sweet Lord”, chamado cha “Isn’t it a pitty”, a canção mais melosa que se pode imaginar. (Tem tamb também uma bela colecção de música mú clássica e de DVDs, que vão v do cinema mais radical a sséries de TV. E a determinado momento da conversa cita a série “Boston Legal” com comovente c determinação. Contamos isto só para qu que o real ainda tenha algu algum valor sobre os mitos.) Com isto is não se quer dizer que não tenha sido (ou seja) um tremendo provocador. Quer dizer que essa imagem é redutora. imag Aliás, quase todas as imagens à volta dos Pop Dell’Arte são redutoras. Mitos “A imagem dos Pop Dell’Arte enquanto vanguardistas é distorcida”, diz Zé Pedro Moura, membro do grupo desde o início – já não esteve em “Ready Made”, o segundo disco, de 1991, e voltou uns anos mais tarde depois de uma passagem pelos Mão Morta. “O ‘Mai 86’ é absolutamente pop”, atira, em forma de demonstração. “Mai 86” é uma daquelas muitas canções extraordinárias dos Pop Dell’Arte que só saíram em single ou em EP e, portanto, nunca chegaram a um público mais alargado. Até nisso eles têm uma forma própria de – chamemos-lhe – trabalhar: a obra é escassa e fragmentária, a formação ao longo dos anos inclui uma infindável lista de nomes. É por coisas destas – mais os sexos erectos nos libretos dos discos – que há mitos à volta do grupo. Mas do ponto de vista deles a coisa é mais simples. “A nossa discografia ser errática”, diz Zé Pedro, fazendo uma pausa, “isso tem graça. A graça da pop é essa: ser livre. Os discos vão saindo quando faz sentido sair. Não compomos para cumprir calendário”. E exemplifica mencionando o caso de “Querelle” que “só faz sentido naquele maxi pela própria essência da canção”. Não é caso único: “Esborre” e “Sonhos pop” (single pop perfeito) foram lançados como singles em Novembro de 1987, um mês depois do máxi de “Querelle” e um mês antes de “Free Pop” - ou seja, de uma penada os Pop Dell’Arte atiraram fora do disco de estreia quatro enormes canções. Porquê? Porque “Esborre” e “Sonhos Pop” “tinham de ser um sete polegadas em vez de saírem em LP”, diz Peste. Tinham. E pronto. Em 1991 resolveram editar essas canções dispersas em “Arriba! Avanti!”. É lá que se pode ouvir um Peste “crooner” a cantar, em “O amor é um gajo estranho”, “O amor nunca me mente quando me venho na sua boca”. Gente a vir-se na boca de outro, aquela forma de cantar, se isto não era facilmente comestível para muitos lisboetas, para os outros eram tremendamente violento. Peste rejeita de imediato o epíteto violento, mas contextualizamos: imaginemos um rapaz sufocado nas sebes altas e nos canteiros aparados da província, com 12 anos à data da edição de “Free Pop”, a mostrar cassetes aos amigos. Prince? Ok. Public Enemy? Coisas de pretos. Mão Morta? Ok, grande rockalhada. Pop Dell’Arte? Mas que paneleirada é esta? Isto é música? Peste pareceu achar graça ao facto de numa terreola perdida do país os miúdos acharem os Mão Morta mais acessíveis que os Pop Dell’Arte, mas interessa-lhe demonstrar que o mito que diz que a errância discográfica se deve a preguiça, drogas e sabe Deus que mais é mentira. “Fizemos o primeiro disco e um single em pouquíssimo tempo, com a morte do meu pai pelo meio”. O processo, confessa, deixou-o queimado e “ainda hoje” quando ouve o disco pensa “que algumas coisas teriam ficado melhor com mais algum tempo de trabalho”. Nesse caso não tem dúvidas: “A pressa prejudicou”. As razões para a errância da obra foram mais prosaicas. Exemplifica Peste que “muitas vezes não houve pura e simplesmente dinheiro para A nossa discografia ser errática... isso tem graça. A graça da pop é essa: ser livre. Os discos vão saindo quando faz sentido sair. Não compomos para cumprir calendário Zé Pedro Moura fazer um LP”. O “So Goodnight” [EP de 2002] era para ser um LP mas não havia dinheiro”. Mesmo a imagem que sempre imaginámos que eles tinham de si próprios merece reparos. Zé Pedro Moura: “A mesma mitificação que dizias sentir em relação aos Pop Dell’Arte, nós sentíamos em relação a Nova Iorque e a Londres. E depois, às tantas, eram pessoas como nós”. Mas, retorque Peste de forma cândida, o seu sonho era tão só “pisar o palco do Rock Rendez-Vous”. Nem os rótulos que se lhes foram sendo colados parecem ser do seu agrado. Peste não gosta “da expressão ‘experimental’”: “Não andamos aqui a experimentar a ver o que é que sai dali. Sabíamos melhor o que é que queríamos do que as pessoas pensam”. O termo “vanguarda” – esqueçam: “É pretensioso”. E com Peste a renegar uma catalogação por ser pretensiosa podem também esquecer o mito de João Peste enquanto “snob-arty”. “Talvez o termo ‘alternativo’ combine connosco, porque tentamos criar alternativas, sim”. Ainda assim, acrescenta, quando começou a ouvir música “no final dos anos 60” na altura “não havia essas divisões”. “No top 10 inglês havia muita coisa radical. Mais tarde é que se criaram essas divisões”. Durante todos estes anos a banda foi acabando e recomeçando, sempre com novos membros. Uma das razões apontadas para as demoras na criação é bastante proverbial: segundo Zé Pedro Moura “cada um de nós faz outras coisas. Para conseguir reunir toda a gente é preciso muito esforço de cruzar horários”. (E lá se vai mais um mito.) Algumas das saídas foram particularmente acrimoniosas, mas Peste garante nunca ter demitido ninguém. “Quando eu decidia voltar a montar os Pop Dell’Arte ligava a quem estava disponível e quem não estava ficava de fora”, diz. Não raras vezes pareceu que poderia haver um revivalismo Pop Dell’Arte – o que ocorreu em parte há dois anos Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 13 Acho que somos desde o início resistentes. Mas também românticos e trágicos. Devia pensar ‘Cada dia que passa é menos um dia’, mas agora penso o contrário: ‘Cada dia que passa há mais dias para fazer o que quero fazer’ João Peste aquando da saída de “Poplastik”, colectânea que reunia três novos temas. Mas nunca houve verdadeira explosão. Peste: “Houve vários momentos certos para a banda. Não sei se este é um desses. Pessoalmente já estou a pensar no próximo disco”. Pelo meio ficou sempre a impressão de que o grupo nunca se tinha cumprido totalmente: deixou monumentos, mas não poderia ter deixado mais? “Quando chegas ao ponto em que te sentes cumprido, é altura de fechar a loja”, atira Zé Pedro Moura. “As coisas fazem-se fazendo. Dizer: ‘Vou fazer isto e acabou’ é muito limitado”. Complementa o pensamento com uma frase que é fundamental para perceber os Pop Dell’Arte actuais: “Se racionalizares a importância do que já fizeste, não fazes nada. É um peso demasiado grande”. Essa racionalização foi feita por Luís San Payo, um dos músicos que durou mais tempo na banda – “um dos músicos mais criativos com que tive a oportunidade de trabalhar”, faz Peste questão de dizer. San Payo “não acreditava que os Pop Dell’Arte pudessem fazer um disco novo ao nível dos antigos”, conta Peste. “Para ele devíamos tocar os temas antigos o melhor possível e preservar o património. E eu estava a borrifar-me para o património. O importante era que os Pop Dell’Arte fizessem um disco novo”. Por isso San Payo saiu – nem seriam os Pop Dell’Arte se não houvesse deserções. “Ele tinha um peso muito grande dentro da banda”, diz Zé Pedro Moura. “A maneira de trabalhar teve de se alterar”. Prisioneiros da liberdade DORA NOGUEIRA Os trabalhos para “Contra Mundum” começaram em 2007, mas as gravações só chegaram em 2008. Peste: o iconoclasta, provocador, talvez mesmo o agitador 14 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon Sendo a banda o que é, houve problemas: “Fiquei doente, no hospital, com duas vértebras fracturadas”, conta Peste. “Demorei quatro meses a recuperar. Não dava para gravar a voz”. Duas canções antigas foram repescadas para o disco: “Eastern Streets” era um tema de uma das primeiras maquetes, “logo de 1985”, diz Zé Pedro Moura. Da autoria de Ondina, que há muito deixou a banda e agora vive em Inglaterra. Outro tema antigo é “La nostra feroche volontà d’amore”, de 2002, canção que a banda “insistiu muito” que Peste gravasse. “Eu achava que podia ficar para outro disco. Pensava que não ia ficar grande coisa. Afinal, quando gravei, ficou grande coisa”. (Peste acrescenta que, “correndo o risco de soar arrogante”, acha que “este disco também é um marco”.) Curiosa esta ideia de pensar que uma canção pode ficar para outro disco, numa banda que grava quando o cometa Halley passa. Mas fiquem sabendo que ainda há mais canções já acabadas na gaveta. Isto levanta um pouco um véu acerca do “modus operandi” do grupo. Zé Pedro Moura: “O João pode estar muito empenhado numa música e eu não acreditar até ver. E depois há frases, como aquela ‘La nostra feroche volontà d’amore’ que me deixam deslumbrado”. Trinta anos depois do começo da amizade, Peste ainda é capaz de deixar os amigos de boca aberta com a sua capacidade de, nas palavras de Zé Pedro Moura, criar “frases simples e fortes” ou aparecer num ensaio com uma melodia toda feita na cabeça. Mas isso não lhe é suficiente: “Acho que ainda não fiz suficientes frases emblemáticas. Gostava de ter mais”. O que, vinte e três aos depois do início, João Peste ainda não tem é “uma vida organizada no sentido de um emprego de oito horas”, mas “resistir é vencer”: “Acho que somos desde o início resistentes. Mas também românticos e trágicos. Devia pensar ‘Cada dia que passa é menos um dia’”, vai dizendo, “mas agora penso o contrário: ‘Cada dia que passa há mais dias para fazer o que quero fazer”. E no fim, revendo a estranha carreira da sua banda e tentando adivinhar o que aí virá e porque raio é sempre tudo tão complicado, atira uma frase de fazer inveja a um Bill Callahan num dia particularmente mau: “Somos prisioneiros da nossa liberdade”. Ver crítica de discos págs. 48 e segs. Kurosawa. Não diz muito, fica num canto, a beber o seu saqué, a absorver tudo, a ouvir, a ver.” McEntire “tem ouvido para o espaço em torno das notas, faz com que tudo seja distinto, que se consiga ouvir as partes de forma clara”. Algo muito diferente da “wall of sound” que Newfeld ambicionava, qual Phil Spector dos tempos modernos. “Ele vivia numa cave e fumava um saco de erva todos os dias. Phil Spector, meu, ele queria viver, ouvir e ver como o Phil Spector. Tem 70 mil compressores e joga com eles como um maestro numa orquestra. O John também o faz, mas é mais minimal.” Morrer para ressuscitar Tudo nos Broken Social Scene é fluído. Andaram cinco anos sem um disco de originais porque andavam entretidos com outros projectos (Apostle Hustle, Do Make Say Think, discos a solo, para citar alguns). Conheceram John McEntire, “sem pressões”. “Fomos a Chicago fazer umas canções, ver como era. A onda foi fixe, ele quis fazer, nós também”, conta. Fizeram parte das canções em Toronto, com o núcleo duro da banda. Compuseram 42 canções, gravaram algumas ideias e foram para a casa-estúdio de McEntire, em Chicago. Finalizaram 24: o disco tem 14 e “Lo-Fi for the Dividing Nights”, EP digital lançado ao mesmo tempo, dez. “Geralmente, somos desorganizados. Não temos um plano. Seguimos o que nos parece bem, o que cada canção pede, o que cada momento pede. Vamos escrevendo ao longo do caminho. Há canções mais sólidas, verso-refrão-verso, mas, por vezes, pegamos nessa canção e fazemos estragos. Quem sabe?”, descreve. Pode também acontecer o contrário: pegarem numa canção, “Sentimental X’s”, que tocavam há um ano em regime instrumental, e enviá-la para a “família” à procura de soluções. A “família”, neste caso, foi Feist, Emily Haines e Amy Millan, cantoras que já tinham colaborado com o grupo, mas nunca no mesmo tema. Andrew Whiteman não brinca quando fala em “família”. “Não há merdas na minha banda. Todos os “Não há merdas na minha banda. Todos os membros são seres humanos decentes e honestos e músicos muito inspiradores. Conhecemo-nos tão bem musicalmente... Isso não surge muitas vezes” Andrew Whiteman Música Havemos de o ver, horas depois, num palco enorme, perante dezenas de milhares de pessoas, fato impecável, guitarra enorme, a gesticular como um rocker, parte da versão de palco da pandilha talentosa que dá pelo nome de Broken Social Scene. Sentado no bar de um hotel, a uns 200 metros da entrada do festival Primavera Sound, em Barcelona, Andrew Whiteman (guitarrista, baixista e vocalista, conforme as ocasiões) é apenas um tipo normal, encantado com o que a sua banda acabou de fazer: um grande disco rock, “Forgiveness Rock Record”, lançado cinco anos depois do último álbum de originais. Em palco, tudo é em grande com a trupe do Canadá. Em Barcelona, Owen Pallett acrescentou o seu violino, Emily Haines trouxe a voz. Há constantes saídas e entradas de músicos em palco e mudanças de instrumentos, num corrupio de guitarras, percussões, trompetes e sintetizadores. Mas em “Forgiveness Rock Record” a trupe é ainda maior: mais de 30 pessoas participaram no novo álbum do grupo formado em 1999, em Toronto. Whiteman agradece aos computadores. “Somos uma banda de computador. Podemos ter milhões de faixas. As pessoas podem gravar em Nova Iorque, em Toronto, em Chicago”, diz. A grandiosidade está no ADN dos Broken Social Scene, banda de formação variável, mas “Forgiveness Rock Record” é menos orquestral do que os antecessores. Está algures entre a tradição indie rock dos Pavement (traduzindo: canções desconchavadas, sempre com um pé fora da estrutura, mas com a dose pop certa) e as aventuras instrumentais típicas do rock canadiano, protagonizado por gente como Do Make Say Think, mas não são facilmente catalogáveis. Curiosidade: Spiral Stairs, um dos Pavement, canta no disco e Kevin Drew deu uma perninha no concerto dos históricos do indie rock, no Primavera Sound. “Somos como [o pintor] Jackson Pollock: atiramos tudo o que temos e depois organizamos, de maneira que faça sentido. Pelo menos para nós”, diz Whiteman. John McEntire, dos Tortoise, que produziu o álbum em parceria com a banda, ajudou no processo. Foi a primeira vez que os Broken Social Scene, habituados a gravar com David Newfeld, trabalharam com McEntire. “Ele é como um samurai de um filme de Akira membros são seres humanos decentes e honestos e músicos muito inspiradores. Conhecemo-nos tão bem musicalmente... Isso não surge muitas vezes.” É por isso, explica, que os Broken Social Scene ainda não cumpriram a promessa, tantas vezes repetida, de terminarem. Ei-la, de novo: “[Durante estes cinco anos] Não parámos. Estamos sempre a trabalhar. Concluímos ‘Temos que fazer mais um [álbum]”. Dissemos que íamos acabar montes de vezes e falamos sempre a sério. Sim, estamos acabados.” Whiteman diz isto, mas reconhece, pouco depois, que, provavelmente, voltarão a fazer música juntos, finda a digressão de ano e meio que têm pela frente e a conclusão das canções “incríveis” que gravaram e não entraram no álbum e no EP. “No núcleo duro da banda há muita fome musical, muita gente a levar as coisas a extremos criativos”, reconhece. A morte será seguida da ressurreição? “Sim, algo assim.” Sosseguemos, portanto. A grandiosidade está no ADN dos Broken Social Scene, banda de formação variável, mas “Forgiveness Rock Record” é menos orquestral do que os antecessores Broken Social Scene: o elogio da família tradicional Cinco anos depois, a trupe canadiana volta aos discos, com “Forgiveness Rock Record”. Falámos com Andrew Whiteman. Pedro Rios, em Barcelona 16 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon ALGO EXCEPCIONAL AGUARDA POR SI EM ABSOLUT.COM Música MIGUEL MANSO Como é que um pianista de jazz e um pianista clássico vêem a música de Chopin? Mário Laginha e António Rosado, os dois convidados em destaque no Festival Chopin promovido pela Orquestra Metropolitana e pelo Teatro Municipal São Luiz que se inicia dia 16, têm em comum uma grande paixão pela obra do compositor polaco, mas abordam-na necessariamente de maneira diferente. Entre o rigor da partitura e o contributo das suas magníficas melodias e harmonias como fonte de inspiração na criação de novos universos sonoros há um mundo de possibilidades e muitas pontes Um pianista de jazz, Mário Laginha, um pianista clássico, António Rosado, e uma paixão: Chopin de sentido. E não será uma heresia abordar Chopin em versão jazzística e improvisar sobre a sua música? “De modo algum, pois também Chopin foi um grande improvisador”, diz Mário Laginha. António Rosado, pianista de formação clássica, não costuma improvisar a partir das partituras, mas refere que estas reflectem de forma evidente essa vertente. “Quando Chopin apresenta o mesmo tema há sempre algo que muda e a forma como usa a ornamentação resulta numa espécie de improvisação escrita.” Entre 16 e 19 de Junho será possível ouvir no São Luiz as peças originais de Chopin por um pianista consagrado como António Rosado e por quatro jovens pianistas finalistas do Concurso Chopin lançado em Março pela Metropolitana, versões orquestrais das peças pianísticas realizadas por outros compositores, mas também uma série de arranjos criados por Mário Laginha para o seu Trio (formado pelo pianista, pelo contrabaixista Bernardo Moreira e pelo baterista Alexandre Frazão). E no final haverá uma “Jam Chopin”, durante a qual todos os músicos (profissionais e amadores) presentes serão livres para se senta- rem ao piano e tocar as suas composições preferidas. O grande improvisador “Nos últimos 100 anos apareceu um estilo, o jazz, que tem quase como matriz o improviso. De certa forma tem graça homenagear o grande improvisador que foi Chopin, improvisando agora com outra linguagem a partir da música dele”, diz Laginha. “Agora associa-se a ideia da improvisação só ao jazz mas nem sempre foi assim. Às vezes digo por brincadeira que o jazz tomou posse do conceito por mérito próprio, mas por desmé- Jam Chopin No próximo Festival Chopin – São Luiz, Lisboa, a partir do dia 16 – António Rosado toca as peças originais e Mário Laginha dará a conhecer os seus arranjos sobre a música do compositor polaco. Para ambos, Chopin é uma paixão e um dos maiores improvisadores de sempre. Cristina Fernandes 18 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon “Tenho prazer em ouvir [jazz] mas não toco. Gostava, mas reconheço que ou não tenho talento suficiente ou que precisaria de aprender e praticar imenso” António Rosado “Há pessoas que pensam que estudei piano clássico e depois me decidi pelo jazz, mas não foi assim. Isso é difícil e raramente funciona” Mário Laginha um tema, há muitos, em Chopin a música sai a jorros. Não podia pegar naquilo tudo, por isso, por vezes escolhi apenas um tema ou dois em cada peça”, explica Laginha. Nas peças que seleccionou como ponto de partida tentou passar um pouco por todos os géneros, incluindo a Balada op. 23, o Estudo op. 10 nº6, os Nocturnos op. 15, nº1, op. 48, nº1, o Prelúdio em Dó menor op. 28, nº20, o Scherzo op. 31 nº2, a Valsa op. 34 nº2 e a Fantasia op. 49. “Achei que seria uma verdadeira homenagem se agarrasse na música de Chopin em vez de fazer novas composições em torno desta ideia. Não compus música, mas fiz arranjos e tomei muitas liberdades”, refere o pianista. “Abordei com enorme respeito a música de Chopin, mas não com deferência. Tentei tomar posse da sua linguagem e haverá também espaços para improvisar.” O grande objectivo para Laginha é que “as pessoas se libertem e não pensem que deviam era estar a ouvir o Chopin genuíno.” Diz que não conhece nenhum outro projecto do género em torno de Chopin, ao contrário do que acontece com Bach, objecto de imensas versões jazzísticas. “É estranho pois algumas obras de Chopin prestam-se bem a este tratamento ou a realizar coisas do tipo das que se fazem no jazz mais ‘mainstream’, quando se vai buscar as músicas da Broadway ou de grandes compositores americanos como [Cole] Porter ou [George] Gershwin.” Entre os pianistas que Laginha mais aprecia em Chopin encontram-se Maurizio Pollini (principalmente por causa dos Estudos) e Sviatoslav Richter, já que não gosta do “lirismo excessivo” que por vezes se cola à música do compositor. Rosado concorda que os Estudos de Pollini foram u marco e diz que, apesar das um diferenças, gosta muito de Rud b binstein e Horowitz. Recorda ttambém Samson François e a forte impressão causada pela descoberta da gravação da integral dos Nocturnos por Ciccolini. Juntamente com o maestro Cesário Costa, António Rosado foi responsável pela selecção dos finalistas do Concurso Chopin associado ao Festival. Os 14 candidatos têm o seu trabalho divulgado no site da Metropolitana através da disponibilização de vídeos com as suas interpretações e os quatro finalistas (Marta Menezes, Tomohiro Hatta, Paulo Oliveira e Raul Peixoto da Costa) têm direito a 500 euros em dinheiro, cada um, e à possibilidade de se apresentarem em recital no São Luiz (de 16 a 18, sempre às 18h30). Ao vencedor terá o privilégio de tocar em Setembro no 29.º Festival Internacional “Chopin nas Noites Outono”, na cidade de Kalisz, a 275 Km de Varsóvia. “Fiquei muito satisfeito com esta iniciativa porque sei que há poucas oportunidades para os jovens em Portugal”, conta Rosado, sublinhando que o nível é muito bom. Na sua opinião, as maiores dificuldades na interpretação de Chopin são a “subtileza harmónica”, pois é difícil “colorir de uma forma justa e acertada”, e fazer cantar o piano. “É curioso que Chopin se sirva tão bem de um instrumento que está nos antípodas do canto, já que é um dos instrumentos mais mecânicos que podemos imaginar. Sugerir todo esse cantar, todas essas melodias fabulosas usando um instrumento de cordas percutidas é um exercício difícil.” Tanto Laginha como Rosado admiram a vertente inovadora do pianismo de Chopin. “Se conseguimos identificar um compositor através da audição de um único compasso, então é porque foi novo em qualquer coisa”, diz Laginha. “É ainda mais surpreendente se pensarmos que Chopin não estava sozinho no mundo com o piano”, acrescenta Rosado. “Uma coisa é estar quase sozinho, outra é ser contemporâneo de Liszt, de Schumann e até de Mendelsshon.” “Há pessoas que pensam que estudei piano clássico e depois me decidi pelo jazz, mas não foi assim. Isso é difícil e raramente funciona”, confessa Laginha. “Inscrevi-me no conservatório para melhorar a técnica, mas a cultura musical ocidental é tão fascinante e imensa que não pude deixar de me sentir atraído por ela. No entanto, sei que não é possível conciliar as duas coisas ao mais alto nível. De resto, não conheço quem faça bem as duas coisas. Friedrich Gulda a tocar jazz era de fugir. Acho que o melhor ainda é o Keith Jarrett, mas se quando toca a música dele é grandioso, na clássica é apenas mais um.” E como é a relação de António Rosado com o jazz? “Pacífica!” [risos]. “Tenho prazer em ouvir mas não toco. Gostava, mas reconheço que ou não tenho talento suficiente ou que precisaria de aprender e praticar imenso.” JARDIM DE INVERNO M/12 AUTORIA NUNO COSTA SANTOS INTERPRETAÇÃO DINARTE BRANCO DIRECÇÃO ARTÍSTICA NUNO COSTA SANTOS DINARTE BRANCO REALIZAÇÃO E EDIÇÃO DE VÍDEO PAULO ABREU SONOPLASTIA SÉRGIO GREGÓRIO LUZ FELICIANO BRANCO PRODUÇÃO EXECUTIVA PRODUÇÕES FICTÍCIAS PRODUÇÃO TEATRO MICAELENSE SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640 BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H T: 213 257 650; BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS SÃO LUIZ JUN~1O Cláudia Galhos João Salaviza António Mega Ferreira Luísa Taveira Fernando Lopes 3O JUN PINA BAUSCH UM ANO DEPOIS Toda a programação em www.teatrosaoluiz.pt © josé frade rito da outra área. É possível ível tros improvisar dentro de outros paradigmas. Bach, Beethoven, en, Chopin eram grandes impro-visadores. Mas o ensino noss conservatórios deixou de incentivar a improvisação”, acrescenta. Também António Rosado considera que seria “interessante e benéfico” incluir a prática da improvisação no ensino. “Permitiria uma grande abertura de espírito e elasticidade para depois abordar mais à vontade o repertório escrito.” Para António Rosado a primeira recordação de Chopin está ligada à interpretação dos Estudos, já que estes fazem parte do programa do curso de piano e de vários concursos. “Recordo-me também de ter tocado muito Chopin num momento importante da minha vida musical, os Cursos do Estoril, onde viria a encontrar o meu professor [Aldo Ciccolini]”, conta. “É um compositor que tenho abordado com frequência mas finalmente tenho a oportunidade de apresentar um programa só com as Baladas e os Scherzos. É um velho desafio, quase uma paixão. Sempre achei interessante esta combinação pois são dois grupos diferentes de obras que se equivalem em muitos aspectos.” No caso de Laginha, a primeira memória de Chopin remonta à infância. “Tinha começado a estudar piano e os meus pais achavam que eu e o meu irmão devíamos assistir ao Concurso Vianna da Motta. Foi aí que comecei a sentir o fascínio pela hipótese de abordar a mesma peça de várias maneiras. Quando mais tarde comecei a estudar clássico, toquei várias obras de Chopin. Ficou-me a memória um universo melódico e harmónico fascinante.” Agora, perante o desafio lançado pelo maestro Cesário Costa, que na qualidade de maestro e presidente da Metropolitana concebeu o projecto de mostrar Chopin de forma mais imaginativa, e pelo então director do São Luiz, Jorge Salavisa, foi esse universo que lhe veio à memória. “Pegamos num Scherzo e não há lá 24, 25 E 26 JUN QUINTA, SEXTA E SÁBADO ÀS 22H00 silva!designers SÃO LUIZ JUN~1O Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 19 Livros Se quiséssemos uma imagem que nos permitisse sintetizar de forma imediata, ainda que simplista, a extraordinária capacidade que o romeno Norman Manea tem de convocar contradições, ele próprio se encarregou de no-la oferecer há semanas, aquando de um encontro no Hotel Plaza, em Lisboa, para promoção de “O Regresso do Hooligan” – a sua suposta autobiografia. Manea estava a receber-nos numa das salas do rés-do-chão do hotel. Perguntámos-lhe onde queria que nos sentássemos e ele, como um Larry David com bonomia, atira de imediato: “Ah, meu amigo, por mim pode deitar-se no sofá, descalçar-se, rebolar no chão. A festa é sua.” A frase é seca, mas foi dita com uma educação tão esmerada que é difícil não lhe reconhecer humor subtil. Não é a atitude que corresponda de forma óbvia à imagem de um judeu ateu, deportado da Roménia pelos nazis, cúmplice e posteriormente vítima dos comunistas, auto-exilado do seu país natal que nem com a democracia o soube apreciar. Mas Manea é tudo menos óbvio. Dissemos-lhe que, não o querendo ofender, estávamos mais interessados em falar do seu livro como se fosse um romance do que discorrer sobre a sua vida pessoal. (Movia-nos uma espécie de pudor em remexer numa dor que sabemos ser verdadeira, mas também verdadeira admiração pela literatura.) Manea, judeu, vítima do nazismo, disse exactamente isto: “Ainda bem. Estou há três dias em Lisboa e só me fazem perguntas sobre mim e a minha desgraça. Parece que ainda não repararam que sou escritor. Estou farto de falar sobre mim. Um livro tem existência própria, prefiro falar do livro.” Para a maior parte das pessoas a última proposição pode parecer estranha: “O Regresso do Hooligan” é, à partida, uma autobiografia, pelo que, no mundo convencional da indústria literária, o mais normal será falar da vida do protagonista. Mas isso não só é tomar por garantido que uma autobiografia é um simples conjunto de afirmações verdadeiras, como é, na prática, brincar à Oprah com um grande escritor. Ademais, “O Regresso do Hooligan” não é uma autobiografia convencional: Manea aparece o menos possível, enche o romance de “ideias” sobre o que é ser judeu, recusa-se a oferecer imagens do horror. Conta uma história em que os heróis estão cheios de defeitos – inclusive ele próprio, que aderiu ao aparelho comunista. E depois há o punho de escritor que controla o processo de rememoriação e entrega a narrativa num registo ambíguo: se não soubéssemos que era autobiografia, pensaríamos tratar-se de um romance. “Isso é óptimo, porque eu queria que o livro se lesse como um romance”, diz-nos, antes de nos oferecer mais exemplos de como o seu livro tem sido difícil de classificar: “Se reparar, o subtítulo do livro é radical- mente diferente em cada país. Em alguns países chamaram-lhe ‘romance’, noutros ‘autobiografia’, em terceiros ‘autobiografia romanceada’. Aqui não tem subtítulo, o que me agrada, porque assim o leitor tem de decidir.” A memória involuntária A natureza romanceada de tão trágico livro pode bem decorrer da relação ambígua que o escritor mantém com a ideia de exposição absoluta. “Foi desconfortável voltar a esta vida e não gostei de me pôr no centro e de vender a minha vida numa época em que este tipo de objectos é tão vulgar.” Na realidade, nunca teve “nenhum plano de escrever uma autobiografia”. Foi “pressionado” pelo editor. Manea resistiu o mais que pôde, mas a dada altura resolveu aceder: “Primeiro, podia ser uma experiência interessante, se fosse uma leitura desconfortável. Segundo, esperava enganar o meu editor não escrevendo o tipo de autobiografia de que se está à espera.” Ambos os feitos foram conseguidos. Manea poupa nas descrições do Holocausto e da crueldade comunista, ou seja, poupa detalhes mais óbvios, mais reconhecíveis e vendáveis para recriar uma atmosfera: a do homem que ao nascer já sabe que está condenado a viver nas margens. No fundo, Manea recria um universo mental judeu universalmente reconhecível enquanto “outcast”. “Uma autobiografia é acerca de in- Norman Manea não é uma vítima, é um tremendo escritor A sua autobiografia narra a história de um judeu ateu deportado pelos nazis que pertenceu à juventude comunista antes de se dedicar à escrita e exilar-se. Não é uma biografia de uma tragédia: é um romance de um grande escritor. João Bonifácio 20 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon Judeu ateu, deportado da Roménia pelos nazis, cúmplice e posteriormente vítima dos comunistas, auto-exilado do seu país natal... formação. Mas um romance nunca é sobre informação – está para lá disso. Um computador não pode escrever um romance, porque não sabe ser vago e uma grande parte do mérito de um romance é saber ser vago, não ser sempre directo. Pelo que o livro é um híbrido, como todos os romances são, e é construído sobre a ideia de ambiguidade – e isso vem da escrita e vem dos seres humanos. Tudo isso afasta o livro da habitual autobiografia.” Manea, que está hoje com 74 anos mas mantém uma jovialidade e vontade de diálogo imensas, adora conversar sobre literatura. Tem uma teoria curiosa sobre o que é um romance: “Um romance é uma história adiada: atrasa-se a história o mais que se pode. Porque uma história, na verdade, são duas frases. E só com tempo podemos ver como ela é maior do que parece.” Na prática esta simples ideia contém a génese da literatura: é nesse atraso, no espaço que esse atraso concede, que se enche uma personagem. No caso em concreto a ideia de “atraso” é tão mais pertinente quanto a personagem principal, durante mais de meio livro, surge-nos como um zombie que, tendo de decidir se aceita voltar à Roménia pela primeira vez em décadas, é atravessado por uma avalanche de recordações. Manea gosta de ater-se nos pormenores técnicos das analepses que conduzem o livro, mas recusa a ideia que tínhamos de ter trabalhado até ao ínfimo detalhe o momento da entrega de informação – um dos achados que torna o livro uma obra-prima: ao suprimir detalhes essenciais às várias personagens (os familiares) durante longos períodos Manea consegue torná-las, a cada revelação, mais contraditórias, mais vivas. “Não se pode planear tudo num romance, sabe? Porque os detalhes aparecem da própria vida interior do romance. Começa-se de A para B, mas depois vai-se para F e para B e depois para Z.” Isto é assim porque, segundo Manea, “a própria vida é assim, pelo que a vida dos textos também acaba por ter de ser assim: nada obedece a uma lógica linear”. É por isso, diz, que o livro “não é uma memória cronológica”. Cita Proust, dizendo que “a única memória autêntica é involuntária” e há algo de ético nisto: “Uma memória voluntária é uma memória pré-estabelecida. Não é isso que quero.” Quer a maior aproximação possível à vida e na vida “somos atravessados por memórias que não controlamos, em momentos que não controlamos”. Dá como exemplo o momento, no livro, em que descobre que antes de ser casada com o seu pai a sua mãe já “Foi desconfortável voltar a esta vida e não gostei de me pôr no centro e de vender a minha vida numa época em que este tipo de objectos é tão vulgar” fora casada. Isto, um simples divórcio, pode parecer uma questão menor. Mas um divórcio na década de 40, que não é referido durante décadas e décadas, e que surge como um relâmpago, vindo do nada, sem trovão que o anuncie, no meio do livro – isto é técnico, e isto dá-nos conta do silêncio a que uma comunidade está obrigada. Porém isto não é só técnica – isto é vida. “O divórcio da minha mãe surge de forma tão inesperada como surgiu na vida real. Ninguém me tinha contado até ao dia em que ela me disse tudo numa viagem de comboio.” Manea podia ter ficado por aqui, mas acrescentou uma simples frase que demonstra como funciona um grande romancista: “Agora, num romance, momentos como este são importantes: revelações vindas do nada que alumiam o que está para trás.” Outro exemplo dessa ideia de “atraso”, de informação que quando controlada deixa de ser informação para ser algo maior, é a personagem do pai. O pai é apresentado ao mesmo tempo que a mãe e depois fica mais de cem páginas sem ter protagonismo, antes de a sua trágica história ser despachada em meia dúzia de linhas pungentes. “Isso decorre de ele próprio ter sido muito discreto e solitário. Falava muito pouco e era muito taciturno, ao contrário da minha mãe. O meu pai teve uma infância infeliz. Era austero, mas muito gentil. A minha mãe ocupava a cena. Ela mantinha as relações com os vizinhos, preocupavase com as coisas sociais, etc. Por isso ele demora tanto a aparecer no livro.” Voltemos à cisão entre técnica literária e vida: o resultado do silêncio do pai é uma aparição depurada no livro. E o resultado dessa aparição é que “muita gente fica mais impressionada com a presença económica do pai. Talvez pela sua dignidade”. Aqui Manea estipula uma diferença quase biológica para chegar a uma das passagens fundamentais do livro: “A minha mãe não queria saber de dignidades, mas das relações humanas. Há um momento no livro em Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 21 “Quando escrevi este livro, já havia uma data de gente a escrever sobre o horror. Há bibliotecas inteiras sobre o tema. Do ponto de vista literário estou cansado disso. Parti do princípio que o leitor já conhece os truques de escrita da acumulação de detalhes do horror. E acredito na inteligência do leitor, com a sua capacidade de perceber o que está implícito” que eles estão a ser deportados e ele diz que não quer sobreviver, porque a sua camisa tinha ficado suja na deportação – mas ela diz-lhe que as camisas voltarão a ficar brancas. São assim as mães. Todas têm essa força vital. Não é puro, não é moralmente perfeito, mas é uma força da vida.” O intruso Por tudo isto fica claro que Manea está longe de ser um parente literário de Primo Levi. “Quando escrevi este livro, já havia uma data de gente a escrever sobre o horror. Há bibliotecas inteiras sobre o tema. Do ponto de vista literário estou cansado disso. Parti do princípio que o leitor já conhece os truques de escrita da acumulação de detalhes do horror. E acredito na inteligência do leitor, com a sua capacidade de perceber o que está implícito.” Por isso lidou com o Holocausto “de forma oblíqua”. “O que o Primo Levi faz é mais uma descrição directa. Foi útil, mas é algo que fica antes da literatura. É um documento e não necessariamente artístico.” Levi tem servido para Manea perceber a dificuldade do ser humano em apreender a ambiguidade da vida. Manea dá aulas de literatura nos EUA e costuma entregar aos seus alunos dois livros, para experimentar a reacção deles. “Na minha aula ensino o ‘Se Isto É Um Homem’. No livro há uma personagem, Henry the Dealer, que negoceia sua sobrevivência com toda a gente. Anos mais tarde, o homem que inspirou a personagem escreveu seu próprio livro [“Speak You Also”, de Paul Steinberg]. É muito interessante comparar os dois livros: o retrato de Primo Levi fê-lo sofrer muito pela vida fora, mas mesmo assim no seu livro ele dá ainda mais informação negativa a seu respeito. O que notei é que os meus alunos sentiam a necessidade de estar de um dos lados – ou do lado do Levi ou do lado do Henry the Dealer.” Conclusão: “As pessoas procuram simplificar, têm dificuldade em aceitar que é tudo muito mais complexo que isso. O que quero dizer é isto: mesmo numa situação extrema, de 22 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon vida ou morte, em que as opções são diminutas, eu defendo que a vida é complicada e ambígua.” O próprio Manea demonstra isso em “O Regresso do Hooligan” quando confessa – de forma narrativa e não “confessional” – a sua participação na juventude comunista. Há uma explicação para isto que se entrevê no livro e que constitui um extraordinário tratado da mente humana – resumível assim: “Nós, judeus, somos vistos na Roménia como ‘hooligans’. No meu caso penso que o termo que mais se aproxima dessa ideia é ‘intruso’. Eu fui visto como um ‘intruso’ e queria ser visto como um ‘cúmplice’.” É extraordinária a forma como torna viva essa noção de intruso no livro – de como nos faz sentir que já em miúdo ele sabia que estava do lado de fora. “Esse sentimento de isolamento, de não merecimento da fortuna, está no ar, nos cozinhados da mãe, no silêncio do pai – mas ninguém o diz explicitamente.” O que é magnífico no livro é a forma como essa exclusão pode ser universalizável, algo de que Manea tem plena consciência: “Num caso essa noção não dita poderá ser vir da província e ser filho de proletários e torna-se um problema de classe, noutros, como o meu, será um problema étnico.” “Enquanto criança sente-se que a nossa situação é especial. A minha mãe era extremamente ansiosa, era uma mulher do gueto. O gueto nunca a deixou. A província é outro gueto, um grupo isolado de pessoas que não são aceites no centro e por isso se convencem que não querem pertencer ao centro. Essas situações potenciam crescimentos desprovidos da noção de ‘oportunidade’. Podem, no entanto, ter um aspecto positivo: os judeus são considerados inteligentes. Porquê? Não é nada biológico, é só que têm de se confrontar com mais dificuldades. Têm de ser melhores que os outros porque partem com desvantagem.” É isto que um escritor faz: “Mostra as armas necessárias para um homem se adaptar. A literatura é uma maneira de questionar a nossa presença efémera. De propor questões perturbadoras.” Falar com Norman Manea é ter a oportunidade de conhecer alguém que resiste. Resiste ao facilitismo da biografia trágica, resiste a ser visto como outra coisa que não um escritor, resiste a não pensar. Por isso no final arriscámos uma pergunta a que não temos direito: – Senhor Manea, as camisas voltaram a ficar brancas? – Não, nunca mais ficaram. Se isto é um homem? É mais que isso. É um escritor. Dos poucos vivos que merecem ser lidos. + Csar Awards 2005 Vencedor Blue Dragon Award Coleco 4 DVD. Incio: 4/06/2010 á Fim: 25/06/2010 á Preo por DVD: Û1,95 á Preo Total: Û7,80 . Promoo limitada ao stock existente Primavera, Vero, Outono, Inverno... e Primavera D V D A pedido de vrios amantes da stima arte, apresentamos mais 4 filmes premiados. Agora sim, a melhor coleco de filmes premiados est completa. 4 de Junho 4 ) S A D A N 5 (CA PE 1,9 O A Û IC R IS BL PO A Pò M O M CO srie psilon II Melhor Filme da Unio Europeia 11 de Junho A Vida um Milagre de Emir Kusturika de Ki-duk-Kim Festival Veneza 2007 Vencedor Prmio FIPRESCI Melhor Realizador Melhor Actriz Melhor Fotografia Melhor Guarda-Roupa 18 de Junho 25 de Junho de Vincent Gallo de Alain Resnais The Brown Bunny Coraes PAULO PIMENTA A escrita de Colm Tóibín deve muito às formas de restrição da poesia, diz o autor, que só recentemente leu o “Livro do Desassossego” de Pessoa: “Foi devastador” 24 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon “Interesso-me por pessoas que deslizam pela vida” O escritor irlandês Colm Tóibín, nascido em 1955, celebrizou-se com “O Mestre”, uma notável biografia romanceada dos últimos anos de Henry James. Foi em 2004, para azar de David Lodge, cujo romance “Autor, Autor”, também centrado em James, e publicado no mesmo ano, foi notoriamente abafado pela concorrência. Tóibín esteve esta semana em Portugal para lançar o seu último livro, “Brooklyn”, a história de uma rapariga irlandesa, Eilis, que emigra para os EUA nos anos 50. Um romance bastante “jamesiano”, como reconhece nesta entrevista, na qual confessa ter ficado devastado com “O Livro do Desassossego”, diz que gostava que Bille August adaptasse ao cinema um dos seus livros (uma vez que Bergman já não está cá para o fazer) , e deixa no ar a sugestão de que, depois de James, a sua próxima “vítima” poderá bem ser Thomas Mann. As críticas que li a “Brooklyn” falavam todas de Henry James. Era uma referência previsível, já que fizera dele o protagonista do seu romance anterior, “O Mestre”, e centrou agora este livro numa mulher que vai da Europa para os EUA, o que sugere um James às avessas. Era até tão previsível, que confesso ter começado a ler “Brooklyn” convencido de que não o iria achar tão “jamesiano” como isso. Mas, no fim, a impressão que me ficou é que é mesmo uma espécie de James adaptado às classes média e baixa. Interessou-me uma coisa que Henry James aperfeiçoou nos seus romances, um ponto de vista muito difícil, ao qual podemos chamar a intimida- “Vi uma exposição de Jasper John, ‘Gray’. Fiquei maravilhado com tudo o que era possível exprimir só com o cinzento. Neste livro tentei ser muito cuidadoso com isso” de da terceira pessoa. Tudo é visto pelos olhos do protagonista, todo o conhecimento é confinado ao que essa pessoa vê e pensa. O escritor não intervém para descrever personagens. O mundo torna-se o mundo do protagonista, mais do que o mundo do autor. Um aspecto bastante “jamesiano” de “Brooklyn” é também a sua atenção aos pequenos sinais de snobismo, mas aqui entre remediados e pobres. Sim, as personagens estão sempre muito atentas à posição social, à natureza exacta do emprego que cada um tem, a essas diferenças mínimas. Tem tudo a ver com poder, talvez ainda mais do que nas classes altas. Uma coisa bastante óbvia nos seus livros é que não usa nenhum desses truques a que muitos dos actuais autores de sucesso recorrem para “prender” o leitor. “Brooklyn” está cheio de situações que teria sido fácil desenvolver num sentido mais dramático. Eilis, a protagonista, poderia ter ficado grávida do namorado, ou poderia ter reagido aos avanços da Sra. Fortini, ou ter sido pressionada pela mãe para ficar na Irlanda. Mas o que acontece é sempre o mais plausível. Em certo sentido, diria que a grande força deste livro vem de todas essas oportunidades que deliberadamente desperdiça. Vi uma exposição de Jasper Johns chamada “Gray” [cinzento]: todos os quadros eram cinzentos. Fiquei maravilhado com tudo o que era possível exprimir só com o cinzento, usando tons e texturas. Ele deve ter tido vontade de fazer ali um grande risco vermelho, e até o fez noutras obras, mas não nestas. Neste livro tentei ser muito cuidadoso com isso. Garantir que lidava com elementos fundamentalmente verdadeiros. Chegava a um ponto e pensava: o que é que vou fazer aqui? Será que existe a possibilidade de não fazer nada? Noutro momento, dizia-me: não está a acontecer aqui grande coisa, como é que raio vou continuar? E pensava: “Escreve apenas umas frases que sejam verdadeiras, junta alguma emoção ao teu objecto, em vez de partires para grandes momentos de excitação, que não seriam verdadeiros”. Livros Em “Brooklyn”, Colm Tóibin segue a lição de Henry James e cria um mundo estritamente confinado ao olhar e à mente da protagonista. “É como ter um guardanapo pousado numa toalha e só poder olhar para o guardanapo”, diz nesta entrevista. Luís Miguel Queirós Outro ponto forte de “Brooklyn” parece-me ser o espaço que dedica à casa da Sra. Kehoe, onde Eilis fica a viver nos EUA. Consegue dar uma impressão quase física daqueles interiores. Os interiores são um conceito essencial em “Brooklyn”, porque aquilo é a mente de Eilis. É importante a casa, e também o seu quarto. O mundo exterior é-lhe estranho e, até certo ponto, ininteligível. O livro passa-se no pós-guerra, mas não há menção à guerra. Há uma breve passagem em que Eilis quer saber se o que aconteceu aos judeus… Sim, mas ela só pergunta: “Foi na guerra? Foi na guerra?”. Percebe-se que não sabe nada do que se passou. E não há também nenhuma referência à política irlandesa. As grandes questões simplesmente não estão lá. São as aventuras de uma psicologia. É uma coisa difícil de fazer. É como ter um guardanapo pousado numa toalha e só poder olhar para o guardanapo. A Filosofia ALAIN RENAUT Colecção Pensamento e Filosofia PF 125 P.V.P.: €37,80 Esta obra permite a todos descobrir, compreender e aprofundar a Filosofia. A primeira parte aborda a questão do sujeito político, sujeito gramatical, sujeito filosófico ao tratar das noções de consciência, de percepção, do inconsciente, do Outro. A segunda parte debruça-se sobre a cultura e apela às questões da linguagem, da arte. Na terceira parte do livro o autor leva o leitor através da questão da razão e do real apoiando-se em noções de teoria, de experiência, de demonstração, de interpretação, do ser vivo, da matéria. Na quarta parte a política é questionada através da sociedade, da justiça, do direito e do Estado. Na quinta e última parte é feita a síntese das reflexões sobre a moral através dos problemas de liberdade, de dever e de felicidade. ALAIN RENAUT, autor de uma obra considerável de Filosofia Política, ensina esta disciplina na Universidade de Paris-IV-Sorbonne. Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 25 PAULO PIMENTA Depois do Henry James de “O Mestre”, Cóibín tem agora Thomas Mann debaixo de olho A história política da Irlanda está presente em alguns dos seus primeiros livros, mas o tema parece ter deixado de o interessar. Comecei a perguntar-me se teria alguma coisa a acrescentar. Havia essa ideia de que era preciso meter a política nos romances, mas ninguém lê o Lobo Antunes para saber como Portugal lida com os seus problemas económicos. Se querem a Irlanda contemporânea, comprem jornais, que são baratos, ou liguem o rádio. Eu aprendi a fugir disso, a concentrar-me nos elementos emocionais. O tempo em que fui jornalista ajudou-me a libertar-me de tudo isso. A promoção editorial de “Brooklyn” tem enfatizado a angustiante indecisão de Eilis, entre a sua “felicidade” na Irlanda e a sua promessa de regressar aos EUA. No entanto, a impressão com que fico é que nenhuma das hipóteses lhe agrada especialmente. Pois não. Ela não se sente confortável no mundo, que para ela é um “puzzle”. Há leitores que têm dificuldades com o livro por Eilis ser tão estranha e tão passiva. Preferiam uma pessoa afirmativa, capaz de tomar decisões. Samuel Beckett refere uma conferência de Jung, em Londres, em que este falou de um doente que não tinha nascido como deve ser, no qual algo de fundamental não tinha emergido. Beckett, claro, adorou a ideia. Eu tentei lidar com algo semelhante, mas de uma maneira mais suave. Interessome por pessoas que deslizam pela vida. Em 1975, logo após ter-se licenciado, foi para Barcelona, onde viveu três anos. O que o levou a partir? Alguém me disse que se arranjava trabalho em Barcelona. Era assim tão difícil conseguir um emprego na Irlanda, nessa altura? Provavelmente não, mas quando me disseram aquilo, decidi logo partir. Nunca lá tinha estado, não falava espanhol. Se fosse Madrid, não teria ido. Mas Barcelona… até o som da palavra me fascinava. Não tive noção de como isso iria mudar tudo na minha vida. Foi uma coisa política, mas também sexual. Acrescentou uma grande riqueza à minha vida ter ido para lá tão novo. 26 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon Voltou em 1978, mas só em 1990 publicou o seu primeiro romance, “South”, inspirado na sua experiência catalã. Mas já tinha o livro pronto em 1986. Demorei quatro anos a conseguir publicá-lo. Por acaso, uma parte desse romance foi escrita em Lisboa e no Algarve. “O Mestre” foi muito lido como um romance sobre a homossexualidade de Henry James. No entanto, apesar de algumas notáveis cenas de desejo não consumado, como aquela em que James partilha a cama com Oliver Wendell Holmes, não me pareceu que o tema fosse assim tão dominante. Era muito tentador ir mais longe. Mas interessava-me esfriar isso, tornar tudo aquilo cinzento. Nesses últimos anos, em Inglaterra, James estava muito interessado na ideia de renúncia, e essa ideia do “não” pareceu-me mais excitante do que as suas aventuras sexuais. Além da cena na cama, há aquela em que ele ouve Anderson [o escultor Hendrik Anderson] tirar a roupa no quarto ao lado. Seria muito menos emocionante, para o leitor, se Anderson tivesse aberto a porta e entrado. Alguns cineastas fazem isso muito bem. Há uma cena maravilhosa num filme de Eric Rohmer , “O Amor às Três da “Há uma certa pressão para que os escritores ‘gay’ não tornem as suas personagens homossexuais demasiado tristes, como sei que as minhas são” Tarde”, quando Chloé vai tirar a blusa, começa a erguê-la, e depois acaba por voltar a pô-la para baixo. Em livros seus anteriores, as ligações homossexuais não são muito felizes e tendem a acabar mal, há uma data de personagens que contraem sida. No entanto, em “Brooklyn”, a noite de sexo entre Eilis e Tony, além de ser muito convincente, é, tanto quanto isso é possível num livro seu, uma cena feliz. Isto não é um bocado atípico num escritor “gay”? Sim, é óbvio que Tony quer mesmo a rapariga, não quer mais nada. Fode-a e quer repetir. Fica-se com a impressão de que vão ter uma vida sexual muito interessante. Há uma certa pressão para que os escritores “gay” não tornem as suas personagens homossexuais demasiado tristes, como sei que as minhas são. Mas tenho uma história já escrita, que sairá em Outubro, em que acho que consigo chegar lá: são dois homens paquistaneses, em Londres, que têm sexo muito satisfatório. Ainda a propósito de “O Mestre”, o livro saiu em 2004, um pouco antes de outro romance sobre James, “Autor, Autor”, de David Lodge, que se queixou amargamente de que a recepção da sua obra foi prejudicada por essa coincidência. Quer falar um pouco desse episódio? Não creio que tenha sido uma coincidência. No ano em que publicámos os nossos romances, saíram vários outros livros sobre James. Todos a pegar no lado sexual. Quem estivesse atento veria que James se estava a tornar muito interessante. Sabemos tudo sobre Joyce ou Eliot. Mas em James ainda havia muitas zonas misteriosas e ambíguas. Estava ali à espera de que alguém pegasse nele. Deve ter sido difícil para Lodge, porque eu sou irlandês. Como é que o sacana do irlandês, católico, melancólico, que nunca na vida tinha escrito um romance de temática literária, vai aparecer com um livro destes, surgido do nada? Como talvez fosse de esperar, centrou-se nos anos finais, mais sombrios, de Henry James. Interessavam-me esses anos em que ele não produziu nenhum livro importante, com a possível excepção de “The Turn of the Screw”. É uma fase de consciência do fracasso, de envelhecimento, de distância. Estranhamente, “O Mestre” é um livro largamente autobiográfico, porque fui descobrindo na vida de James várias coisas que me aconteceram. Os homossexuais da minha geração tendiam a ter relações muito intensas com mulheres. Depois, tudo mudou muito rapidamente. Na América, isso aconteceu nos anos 80, mas na Irlanda foi já nos anos 90, quando já era tarde para mim. Não havia um modelo a adoptar, não nos conseguíamos encaixar facilmente. Mesmo em Barcelona, que era muito mais liberal, quando via um casal “gay” num restaurante, torcia o nariz, não gostava daquilo, parecia-me esquisito. Só quando amigos meus começaram a viver juntos abertamente é que tudo se foi tornando mais natural. Mas no meu tempo, na Irlanda, era como tinha sido no século XIX. Além disso, quando escrevi o romance, estava sozinho, metido no meio de livros, e não me foi difícil pôr-me na pele de James. A sua escrita ficcional revela um cuidado decisivo com a forma, num sentido que associamos mais facilmente à poesia… É porque estou mesmo mais interessado na poesia e em certas formas de restrição. No imenso poder que há entre as palavras. Não sei bem como me lerá alguém que não seja um leitor de poesia. Gosto muito de Elizabeth Bishop, que li nos anos 70, quando ainda só havia um livro dela publicado na Irlanda, e também de Thom Gunn, ou de um poeta como Wallace Stevens. E interessam-me alguns autores do século XVI, como Fulke Greville. Eliot também se interessou bastante por ele. Sim, e a mim interessa-me o próprio Eliot, sobretudo o dos “Quatro Quartetos”. Interessam-me essas formas musicais, que são como uma só linha com pequenas variações. Bishop ouvia muito Webern, que compunha dessa maneira: deixava a linha ir até a um certo ponto, mas não além disso. Interessa-me não fazer o grande momento Bartók, não ter o chocar dos címbalos, deixar tudo subsumido. Na ficção, quem são as suas referências? Gosto de Alice Munro e, também no Canadá, de Alistair MacLeod. Na Irlanda, de John McGahern [19342006]. E, para lá de James, não aprecia outros romancistas do século XIX e do início do século XX? Jane Austen é fascinante, e também Joseph Conrad. Já em muita ficção contemporânea só vejo linguagem e pirotecnia. Mas há surpresas. Só recentemente é que li o “Livro do Desassossego”, de Pessoa, e foi devastador. Não conseguia perceber como é que aquilo funcionava tão bem. É uma obra-prima. Também gosto muito de um autor húngaro chamado László Krasznahorkai, autor de “Melancolia da Resistência” [1989], que foi adaptado ao cinema por Bélla Tarr. E há um realizador, Ingmar Bergman, que é, para mim, uma figura central. Agora ando a ver se arranjo maneira de o Bille August ler um dos meus livros, mas não há maneira de o conseguir contactar. Estou farto de perguntar se alguém o conhece. Também seria de esperar que gostasse de Thomas Mann. Ando de olho nele, ando de olho nele. Estive em Princeton, onde ficou quando chegou à América, e já visitei a casa onde ele depois viveu, que ainda está nas mãos da família que a comprou aos Mann. música TEMA ENTRE MUROS ÓBIDOS 5 > 27 JUNHO 2O10 FRONTEIRA / DIÁLOGO / MURALHA / OCUPAÇÃO / PATRIMÓNIO / HISTÓRIA / MARCO / LIMITES / INTERVENÇÃO / TERRITÓRIO Comissária Convidada: FILIPA OLIVEIRA > > > > > > > DOMINGO A 5.ª FEIRA 10H>13H e 14H>18H > 6.ª FEIRA, SÁBADO E VÉSPERAS DE FERIADO 10H>13H e 14H>23H ARTISTAS PROJECT ROOMS EXPOSIÇÕES CONVERSAS COM... WORKSHOPS DJ SETS JARDIM DO MUSEU MUNICIPAL / PADRÃO CAMONEANO / CDI CLOSING PARTY > CONVENTO S. MIGUEL DAS GAEIRAS > 26.06 / 20H > FEIRA DESIGN & CRAFT The Necks PRAÇA DE SANTA MARIA > 06.06 / 10H>18H > CONCERTO - MONTE LUNAI ARMAZÉNS EPAC > 10.06 / 21H 16 Junho 22h00 M/6 www.obidosjunhodasartes.pt música David Maranha Manuel Mota Richard Youngs 21 Junho 22h00 M/6 obidosja@cm-obidos.pt | Tel.: (+351) 262 955 500 Praça de Santa Maria, Rua Direita, 78_86 | 2510-086 ÓBIDOS DOM 04 JUL 22:00 PRAÇA | € 20 TROBAR NOVA A nova tournée de Adriana Calcanhotto traz uma série de canções de grandes autores como Arnaut Daniel, Bob Dylan, Caetano Veloso, Vinícius de Moraes ou Arnaldo Antunes, ao que junta alguns dos seus temas mais célebres. Samba, bossa nova e pop encontram–se nas reinterpretações desta personalidade fundamental da MPB. APOIO www.teatromariamatos.pt PATROCINADOR VERÃO NA CASA MECENAS CASA DA MÚSICA APOIO INSTITUCIONAL MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA PATROCINADOR VERÃO NA CASA SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE DUPLO PARA O CONCERTO DE ADRIANA CALCANHOTTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES. Pardal Monteiro O pri MÁRIO NOVAIS/ BAFCG Nem damos por isso, mas muitas das construções mais monumentais de Lisboa – do Instituto Pardal Monteiro. Ana Tostões conta, numa autobiografia, a história do arquitecto INE 1931 Instituto Superior Técnico, Faculdade de Letras de Lisboa, Biblioteca Nacional, Instituto Nacional de Estatística, gare marítima da Rocha Conde de Óbidos, gare marítima de Alcântara, Igreja de Nossa Senhora de Fátima, edifício do Diário de Notícias, Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Hotel Tivoli, Hotel Ritz. Arquitecto: Porfírio Pardal Monteiro (1897-1957). A enumeração não é, certamente, a melhor forma de começar um texto. Mas neste caso justifica-se: corresponde à sensação de surpresa e de esmagamento que temos quando folheamos a fotobiografia de Pardal Monteiro escrita por Ana Tostões e publicada na colecção “Fotobiografias Século XX”, dirigida por Joaquim Vieira para o Círculo de Leitores (naquela que é, nesta série, a primeira biografia de um arquitecto). As imagens dos edifícios familiares sucedem-se página após página, e a pergunta é inevitável: também fez este? “O cidadão normal passa por todas estas obras de Pardal Monteiro e não tem ideia de que foi tudo feito pelo mesmo homem”, diz Ana Tostões. “E estamos a falar de obras que não são comuns, são grandes equipamentos. É ele, sem dúvida, que faz as obras mais importantes de Lisboa entre os anos 20 e os anos 50”. E é, sobretudo, “o primeiro moderno em Lisboa, juntamente com Carlos Ramos”. São, todas elas, obras do Estado Novo. Ana Tostões chama-lhes no livro “os equipamentos mais monumentalmente vitais do Estado Novo” e, portanto, “a imagem visível do regime quando, na primeira fase de afirmação política, interessava inovar e dar sinal de diferença, competência e eficiência.” Por tudo isso, o nome de Pardal Monteiro está sempre inevitavelmente ligado ao do ministro das Obras Públicas de Salazar, Duarte Pacheco. “Ter estas grandes encomendas foi uma sorte, um destino”, explica Ana Tostões. “Ele cruza-se com Duarte Pacheco na altura em que este está a encomendar os grandes equipamentos para o país e sobretudo para a cidade de Lisboa”. E assim, o jovem Pardal Monteiro, filho de um canteiro de Pêro Pinheiro, Sintra (a empresa familiar ganhou fama com os trabalhos de cantaria) e formado em Arquitectura na Escola de Belas-Artes de Lisboa, viu, aos 30 anos, ser-lhe 28 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon O SÉCULO ILUSTRADO/ HML O edifíco do Instituto Nacional de Estatística, junto ao Instituto Superior Técnico, é a primeira grande obra pública que Pardal Monteiro inaugura em Lisboa Igreja de Fátima 1933 A Igreja de Nossa Senhora de Fátima dividiu opiniões. Sectores mais conservadores entre os católicos consideraram-na “feia”, mas o cardeal Cerejeira, patriarca de Lisboa, defendeu a sua modernidade confiado o ambicioso projecto de construção do Instituto Superior Técnico. Foi uma enorme prova de confiança. “Duarte Pacheco também era jovem, tinha mais dois anos do que Pardal Monteiro”, lembra Ana Tostões. “E se confiava em si próprio também podia confiar num jovem arquitecto. Havia, como noutros países da Europa na altura, nomeadamente a Itália fascista, uma vontade política de marcar o país com infra-estruturas e edifícios que assinalassem uma nova época. Duarte Pacheco precisava de uma nova linguagem.” Novo mundo Pardal Monteiro deu-lhe isso. Mas antes manifestou algum incómodo perante este “ajuste directo” da encomenda e sugeriu ao ministro que se realizasse um concurso público, no qual também participaria. A reacção surge no livro nas próprias palavras de Pardal Monteiro (Ana Tostões teve acesso às memórias que o arquitecto escreveu no final da vida, uma das bases deste livro). “Pacheco mal me deu tempo para falar porque imediatamente me interrompeu dizendo: ‘Tenho a seu respeito boas informações dadas por pessoas que me merecem a maior confiança. Você é o arquitecto que eu e o Conselho escolhemos. Portanto só tenho um caminho a seguir: entregar-lhe o projecto para o Instituto ou confiar este trabalho a um arquitecto estrangeiro, portanto escolha.” Pardal Monteiro avançou para a obra – um programa ambicioso e um orçamento curto (10 500 contos distribuídos por três anos), num terreno irregular e acidentado. “A vastidão do programa era praticamente incompatível com aquela verba”, escreveria mais tarde. A solução que propôs foi a de evitar uma construção única e enorme, fragmentar o instituto em vários blocos, o que lhe permitira também crescer quando houvesse vontade (e dinheiro) para isso. Pardal conhecia bem a arquitectura que se estava a fazer no estrangeiro. “Tinha uma grande ambição como arquitecto e ela leva-o a viajar, esclarecer-se, informar-se e criar uma rede internacional.” O Técnico permitialhe pôr em prática essa linguagem moderna, que se justificava até pelas limitações orçamentais, que lhe permitiram, nas suas palavras, “abandonar corajosamente qualquer preocupação de formalismo clássico e académico”, de decoração de fachadas. “Ele está a criar uma linguagem própria a partir de outro modo de construir, com betão e de uma maneira muito mais económica.” A Lisboa da época dividiu-se. O Técnico é “a primeira obra moderna com impacto na cidade”. Sinal disso é a cena do filme “Maria Papoila”, de Leitão “[Pardal Monteiro] Tinha uma grande ambição como arquitecto e ela leva-o a viajar, esclarecer-se, informar-se e criar uma rede internacional” rnacional Ana Tostões Ana Tostões de Barros, em que a ingénua provinciana que chega a Lisboa para servir, de repente se descobre na parte nova da cidade, na escadaria do Técnico. “Não é por acaso que o IST é escolhido como símbolo de um outro mundo, do novo.” Duarte Pacheco apoiou sempre as opções do arquitecto (a ruptura entre os dois só aconteceria mais tarde por motivos não inteiramente esclarecidos). Mas a verdadeira polémica pública surgiria com outra obra: a Igreja de Nossa Senhora de Fátima. Se os lisboetas aceitavam que a linguagem moderna pudesse ser usada numa escola para engenheiros, outra coisa totalmente diferente era usá-la numa igreja. Mas aí Pardal Monteiro contou com o mais inesperado dos apoios: o do cardeal ca Cerejeira, patriarca de Lisboa. Enq Enquanto os sectores mais conservadores entre os arquitectos considevador ravam, como escreveu Tomás Ribeiro ravam Colaço na “Arquitectura Portuguesa” Colaç que “a “ Igreja Nova é muito feia”, o cardeal Cerejeira ripostava: “Quancard to a ser moderna, não compreend demos sequer que pudesse ser outra coisa. Todas as formas artísou ticas do passado foram modernas tic em relação ao seu tempo.” S q rimeiro moderno em Lisboa Para os vitrais, Pardal Monteiro convidou o artista que foi sempre o seu maior colaborador, Almada Negreiros, mas na igreja intervieram vários outros artistas, dos escultores Francisco Franco e Leopoldo de Almeida, a pintores como Henrique Franco e Lino António. O mesmo Almada fez as pinturas murais das duas gares, a da Rocha do Conde de Óbidos e a de Alcântara, os frescos no edifício do Diário de Notícias, as tapeçarias do Hotel Ritz (“um novo conceito de hotel de luxo introduzido em Portugal pela mão de Pardal Monteiro”), e os desenhos nas fachadas da Cidade Universitária. Pardal Monteiro e Almada – que desenhou o amigo, com um longo nariz e os óculos redondos, num retrato dedicado “Ao arquitecto Pardal Monteiro que me fez vitralista e fresquista e amigo” – estavam ligados “por uma ideia de excelência”, acredita Ana Tostões. “O melhor arquitecto e o melhor pintor – Pardal Monteiro encontrava em Almada um artista à altura da sua modernidade –, e o melhor político, Duarte Pacheco”. Mas com o ministro a relação não sobreviveria e no final da década de 30 deu-se a ruptura. Os motivos não estão esclarecidos. A autora cita o livro de João Vieira Caldas sobre Pardal Monteiro para recordar “o que se dizia à boca fechada”: que Duarte Pacheco costumava “comentar os desenhos que lhe eram apresentados riscando-os com o lápis, hábito que irritava profundamente Pardal Monteiro”. Quando lhe mostrou os desenhos para o arranjo do Terreiro do Paço Ducal em Vila Viçosa, o arquitecto resolveu apresentá-los cobertos por um vidro que impedia os tão odiados traços. “Duarte Pacheco não disse nada na altura, nem voltaria a falar no assunto, mas a sua relação com Pardal Monteiro esfriou completamente e não voltou a chamá-lo para qualquer tipo de trabalho ou de conselho.”, conta Vieira Caldas. Ana Tostões admite, contudo, que possa ter sido outra a causa da zanga. “Julgo que possa ter a ver com o processo das gares marítimas. É a obra em que Pardal Monteiro se empenha mais, e eram inicialmente uma coisa monumental. Vinham de Alcântara à 1949 O Laboratório Nacional de Engenharia Civil é feito já na última fase de trabalho de Pardal Monteiro, que Ana Tostões descreve como “prodigiosa”, com “um conjunto excepcional de projectos” feito em apenas dez anos (entre os quais a Biblioteca Nacional, a Cidade Universitária e o Hotel Ritz) Rocha, as duas gares eram ligadas por uma galeria coberta por um terraço de betão armado, havia um enorme farol que era a entrada da barra”. O projecto foi substancialmente reduzido e perdeu muito do seu impacto. “Pardal Monteiro ficou muito incomodado com isso e deve ter reagido”. Segue-se um período difícil. Com um atelier profissional montado e com pouco trabalho, Pardal dedica-se sobretudo a fazer habitação, prédios de rendimento. Em Março de 1940 lança, por carta, um apelo desesperado a Salazar: “Condenado ao suicídio profissional, último e inesperado passo da carreira que tanto me apaixonou, apelo para V.Exª como última esperança de salvação.” Mas será só depois da morte de Duarte Pacheco, num acidente de viação em 1943, e terminada a II Guerra, que consegue recuperar – é aí que surgem o LNEC, a Biblioteca Nacional, a Cidade Universitária, o Ritz. A Biblioteca Nacional será o seu último grande projecto, iniciado em 1954, mas já terminado pelo sobrinho António Pardal Monteiro, doze anos após a morte do tio. Em Setembro de 1956 sofre um acidente vascular cerebral, e em Novembro outro. É na cama, durante a doença, que dita à mulher (entre Outubro e Novembro de 56) as memórias que servem de base ao trabalho de Ana Tostões neste livro. Incapaz de suportar a invalidez, desesperado com a situação em que se encontra, mergulha numa profunda depressão. A 12 de Janeiro de 57, pouco antes de cumprir 60 anos, escreve, com dificuldade (os médicos tinham-lhe aconselhado a fazer testes de caligrafia como terapia): “Percalços vários atiraram comigo para uma depressão moral que me tirou o ânimo para tudo. Não posso porém estar nesta apatia que me embrutece.” Em Dezembro do mesmo ano, no dia 16, toma um frasco de barbitúricos e põe termo à vida. “Não suportou ser visto como uma pessoa deficiente, com incapacidade, matou-se com 60 anos. O projecto final foi o do suicídio”, diz Ana Tostões. Ficou a obra – ligada ao Estado Novo, sim, “mas com uma linguagem tão seca, tão dura, que resiste ao tempo, uma modernidade com um sentido clássico, feita para durar.” Pardal Monteiro na juventude ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO Pardal, Almada e Duarte Pacheco LNEC Livros MÁRIO NOVAIS/ BIBLIOTECA DE ARTE DA FUNDAÇÃO GULBENKIAN Superior Técnico à Biblioteca Nacional, passando pelo Hotel Ritz – têm a mesma assinatura: que, durante o Estado Novo, modernizou a cidade. Alexandra Prado Coelho Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 29 Ao aceitar a Palma de Ouro de Cannes, em Maio, Apichatpong Weerasethakul agradeceu a “todos os espíritos e todos os fantasmas da Tailândia”, acrescentando: “Eles tornaram possível eu estar aqui”. Não era uma piada (como aquela em que elogiou o cabelo do presidente do júri, Tim Burton), ninguém se riu, prova de que o público sabia do que é feito o cinema de Apichatpong. Os seus filmes têm feito os críticos admitirem que não têm a certeza do que se trata, o que não os impede de fixarem este tailandês como um dos autores mais estimulantes do cinema contemporâneo. Enraizado no budismo e num gosto de infância pela ficção científica, bem como no contacto com a técnica surrealista do “cadavre exquis” (espécie de jogo colectivo, em que cada participante faz um desenho numa folha de papel e esconde-o parcialmente, passando-o ao participante seguinte, para que ele o continue) que lhe apontou o caminho para a estrutura elíptica dos seus filmes, o cinema de Apichatpong tem-se furtado ao “name-dropping” de referências, como se tivesse constituído um território todo seu. O realizador tem explicitado o desejo de trabalhar fora das convenções narrativas (realismo, linearidade, causalidade estão fora de jogo), e ao pô-lo em prática tem mostrado que aquilo a que chamamos cinema também pode ser outra coisa. “Temos tendência para estabelecer uma certa lógica quando vemos filmes”, disse ao jornal “The Guardian”. “Mas para mim eles são mais poderosos e diversos do que isso. Eu quero abrir o mistério da vida. Encontram-se coisas que não conseguimos explicar, e esse é o prazer de viver.” É essa disponibilidade – ou de desejo de descoberta – que o cinema de Apichatpong Weerasethakul espera do espectador; o realizador faz questão de dizer que a montagem dos filmes é sempre completada pela imaginação de quem os vê. “Tropical Malady” (2004, exibido no IndieLisboa em 2005 e posteriormente na Cinemateca) e “Syndromes and a Century” (2006) são filmes-bifurcação, com duas partes distintas, a primeira centrada num ambiente de vila e a segunda embrenhando-se na floresta, uma espécie de mundo paralelo onde figuras humanas podem assumir a forma de animais – uma metáfora dos sonhos, ou do inconsciente. Imagens ou figuras da primeira parte reaparecem na segunda parte, como se esta fosse uma versão (não-explícita) da primeira. “Uncle Boonmee Who Can Recall His Past Lives”, que lhe valeu a Palma de Ouro, e que a Midas vai estrear em Dezembro (será a primeira obra de Weerasethakul a estrear comercialmente em Portugal), é sobre um homem que está a morrer e que passa os seus últimos dias rodeado pela fa- Ao aceitar a Palma de Ouro de Cannes Apichatpong Weerasethakul agradeceu a “todos os espíritos e todos os fantasmas da Tailândia” mília: o fantasma da mulher reaparece, o filho pródigo regressa sob uma forma não humana. E, claro, também há a floresta. Os “Cahiers du Cinéma” já classificaram o trabalho de Apichatpong como “cinema da reincarnação”. O próprio, que acredita na transmigração de almas entre humanos, plantas, animais e fantasmas, tem comparado o cinema à reincarnação. “O cinema”, diz na sua nota de intenções sobre “Uncle Boonmee”, “é a maneira do homem de criar universos alternativos, outras vidas”. “Uncle Boonmee” é baseado num livro de um monge budista do nordeste da Tailândia, território onde Apichatpong, 39 anos, nasceu e cres- ceu. Ele relata a experiência de um velho homem que um dia chegou a um templo do nordeste da Tailândia para aprender meditação. Ele contou ao monge que enquanto meditava profundamente, conseguia ver as suas vidas passadas desfilarem, como se fosse um filme. E nelas assumia a figura de animais ou até de um espírito vagueando pelas planícies. O monge publicou o seu livro em 1983, reunindo essa e outras experiências semelhantes. Foi esse livro que levou Apichatpong a realizar uma viagem de pesquisa à província de Isan, nordeste da Tailândia, em 2008 (o próprio realizador é natural de uma pequena vila de Isan chamada Khon Kaen), em busca do verdadeiro Boonmee, que já falecera. Apichatpong conheceu e falou com os dois filhos do homem, mas o argumento do filme é inteiramente ficcional. Primitive “Uncle Boonmee” faz parte de um projecto em múltiplos suportes, “Primitive”. Além do filme, ele consiste numa instalação de sete ecrãs, chamada “Primitive” (mostrada em Munique, Liverpool e Paris, no ano passado), na curta “A Letter to Uncle Boonmee” (exibida no IndieLisboa), num livro e numa video-instalação de 11 minutos, “Phantoms of Nabua”, que pode ser vista no British Film Institute, em Londres. Todos parti- lham o facto de se situarem na província de Isan, em Nabua, vila junto à fronteira com o Laos com uma história de violência: tornou-se um bastião da resistência ao governo totalitário da Tailândia nos anos 60, palco de confrontos violentos entre a comunidade local, tida como comunista (apesar de muitos camponeses nem sequer conhecerem o significado do termo “comunismo”, sublinha Weerasethakul), e os militares, que resultou em várias mortes e levou os homens da vila a refugiarem-se na selva. Nabua continuou ocupada pelos militares até à década de 1980. Apichatpong permaneceu meses na região, falando com os habitantes locais, filmando e gravando depoi- O fogo encantado de A Começam a faltar razões para não saber pronunciar Apichatpong Weerasethakul: ganhou a P Vimos a instalação “Phantoms of Nabua” (obra ao negro, iluminada pelo f Tanto cinema em apenas 11 minutos. Kathleen G 30 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon mentos. “Foi como uma recolha de informação”, explicou ao “New York Times”. “Eu tinha uma vaga ideia do que acontecera em Nabua”, disse à revista britânica “Sight & Sound”, “mas aprendi muito mais com as pessoas de lá. A dimensão completa da violência nunca foi relatada, e ainda hoje não é muito conhecida no resto da Tailândia”. O projecto “Primitive”, nota, é diferente do seu trabalho anterior, porque até agora os seus filmes lidavam com a sua memória pessoal, a sua família, o seu círculo de amigos. “Esta é a memória de outras pessoas. Eu estava interessado nisso porque aquele território tem uma história muito intensa”, explicou à revista “Dazed & Confused”. “Tive de passar algum tempo lá para formar a minha memória do lugar e descobrir as histórias secretas que as pessoas partilharam comigo” (“New York Times”). Este é o “background” das várias componentes do projecto “Primiti- ve”, mesmo que elas não assumam contornos explicitamente políticos e possam ser fruídas, sem que o espectador tenha noção do trauma histórico que deixou os jovens de Nabua órfãos de pai. Foi sobre esses rapazes – os descendentes dos camponeses rebeldes, mortos pelos militares – que Apichatpong se concentrou, levandoos a recriar histórias e mitos locais. “Durante o tempo em que o exército ocupou a vila, a maior parte dos homens fugiram para a selva”, diz Weerasethakul. “Só ficaram as mulheres e as crianças. Para mim, é uma espécie de ‘statement’ só ter homens. Eles foram libertados. Eles estão na terra que lhes pertence. Não estão a ser perseguidos na sua própria casa.” Exposições O projecto “Primitive” : a curta “A Letter to Uncle Boonmee” (o IndieLisboa exibiu-a), a instalação “Phantoms of Nabua” (por ser vista no British Film Institute, Londres) e a longa, e Palma de Ouro de Cannes, “Uncle Boonmee Who Can Recall His Past Lives” funcionário aponta a lanterna para o meio da sala, para indicar os pufs brancos no chão, frente ao ecrã). É uma instalação ou uma curta-metragem? Difícil traçar a linha: o contexto de apresentação é semelhante a uma sala de cinema e o filme parece mais narrativo do que o cinema de Apichatpong – o realizador não usa as instalações para ser, digamos, mais livre. Filmado no crepúsculo e à noite, “Phantoms of Nabua” abre com um plano de uma lâmpada florescente rodeada de árvores, e depois prossegue com uma sucessão de planos de relâmpagos caindo sobre o solo, que se assemelham a bombas. A seguir, um grupo de rapazes joga futebol num campo aberto com uma bola a arder. Aí voltamos a ver a lâmpada florescente do plano inicial: está fixa num poste junto a um ecrã onde as imagens dos relâmpagos são projectadas – o filme dentro do filme. A bola em fogo acerta no ecrã, que acaba por se incendiar, e a tela branca consume-se rapidamente, sob o olhar dos rapazes, até sobrar apenas a estrutura (semelhante a uma baliza). O desaparecimento da tela revela o projector, que se encontrava por detrás e que continua a funcionar, apontado aos espectadores, projectando os clarões dos relâmpagos no fumo. (Não deixa de ser curioso, uma obra denominada de “instalação” e apresentada numa galeria, ser tão irredutivelmente cinematográfica, e reflectir sobre a natureza do cinema; o plano frontal do projector parece dizer: “O cinema são vocês, espectadores”.) “Phantoms of Nabua” reflecte a habitual dualidade dos filmes de Api- “Temos tendência para estabelecer uma certa lógica quando vemos filmes”, disse ao “The Guardian”. “Mas eles são mais poderosos do que isso” chatpong (as luzes e o negro, o filme dentro do filme). Como é habitual no cinema do tailandês, ele trabalha a memória e a reminiscência, mas de forma oblíqua, não directa (no caso de “Phantoms of Nabua”, por exemplo, é preciso ler a folha de sala do BFI para ter noção do contexto político das imagens). Foi feito para ser mostrado “online” no “site” www. animateprojects.com, onde pode ser visto (mas, desconfiamos, não é a mesma coisa que uma sala escura). Há uma personagem em “Uncle Boonmee Who Can Recall His Past Lives” que pergunta: “O que há de errado com os meus olhos? Estão abertos, mas não consigo ver.” É uma interpelação que o cinema de Apichatpong Weerasethakul faz aos espectadores: “Estão a ver-me?” Vê-lo importa mais do que saber pronunciar o seu nome. Fantasmas de Nabua “Phantoms of Nabua”, que o Ípsilon viu em Londres, no BFI de Southbank, onde permanece até 3 de Julho, é projectado numa galeria escura (o e Apichatpong Weerasethakul a Palma de Ouro de Cannes, e está em todo o lado. o fogo e por relâmpagos) em Londres. n Gomes em Londres Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 31 O espelho do mun Henri Cartier-Bresson, um dos pais da fotografia moderna, como já não se via há três décadas em solo americano: retrospectiva no MoMA, em Nova Iorque, até ao final do mês. Mais do que uma obra, é todo um século que está em revista. Francisco Valente, em Nova Iorque Nascido em 1908, desaparecido 96 anos mais tarde, Henri Cartier-Bresson foi das poucas pessoas que puderam testemunhar a passagem de um dos séculos mais importantes da História. Mas não fosse ele um dos chamados “pais” da fotografia moderna e talvez esse facto tivesse sido pouco relevante. “Henri Cartier-Bresson: The Modern Century”, a retrospectiva que o Museum of Modern Art (MoMA), de Nova Iorque, acolhe até ao próximo dia 28, omostra justamente como os dois, Cartier-Bresson e o século XX, caminharam lado a lado. Vindo de uma família burguesa parisiense cuja fortuna assentara numa fábrica têxtil, Henri Cartier-Bresson mostrou cedo o seu desconforto relativamente aos modos de vida, ainda que seguros, do seu círculo de sangue mais próximo. Recusando um futuro numa empresa familiar, encontraria um estímulo nos circuitos intelectuais de Paris, onde travou conhecimento com as ambições artísticas e políticas das sensibilidades intelectuais da cidade. Estamos nos anos 20 e 30 da Europa pré-guerra: vive-se um ambiente fervilhante na arte europeia, assim como tempos revolucionários na sua sociedade industrial. É então que se aproxima dos surrealistas. Conhece Max Ernst e Julien Levy (que viria a mostrar o seu trabalho mais tarde), entre outros que, como acontecerá com grande parte dos seus encontros na vida, permanecerão sempre seus amigos (e de quem mais tarde fará retratos). As origens do surrealismo viriam a darlhe o estímulo que procurava fora do seu meio: uma fuga da moral burguesa e um refúgio na vanguarda. Sendo esse, antes de mais, um movimento baseado no amor, Cartier-Bresson aprendeu a abrir a sua mente às sensibilidades emocionais e intelectuais de um outro mundo. As suas origens encontravam-se para além de uma cidade - um mundo de novas formas cubistas cuja inspiração caía na arte africana, que se revia na exaltação romântica de Rimbaud, nas possibilidades narrativas de Joyce, na justiça e no idealismo de Hegel. Será a influência deste grupo que o fará ver a paridade entre ideias e culturas, a existência de um mundo sem hegemonias explícitas. Peter Galassi, curador da exposição agora patente no MoMA – a primeira retrospectiva do fotógrafo em solo americano em três décadas, numa altura em que merece, depois da sua morte em 2004, um novo tratamento e uma reapreciação institucional – sublinha a sensibilidade do fotógrafo: “Tinha uma inteligência muito grande 32 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon A China em movimento de Mao Tsé-Tung, e do “grande salto em frente”, que Cartier-Bresson fotografou durante quatro meses em 1958 e precoce. Tinha uma cultura muito rica, uma bagagem que levava com ele quando se escapava para tirar fotografias pelo mundo. Era um rebelde, mas ao mesmo tempo não deixou de ser um ‘grande burguês’. No entanto, as suas fotografias eram óptimas, porque em qualquer situação em que se encontrasse, em qualquer patamar da escala social, conseguia adaptar-se a ela e percebê-la. E isso reflecte-se muito no seu trabalho”. O momento decisivo Com a Europa ainda (mas cada vez menos) em paz, Cartier-Bresson explora as suas motivações criativas, sem sucesso, na pintura. Será na fotografia que virá a formar o seu caminho: uma estrada onde travará conhecimento com as civilizações e as culturas que rodeiam a europeia, então ainda o centro do planeta. Numa primeira fase, vira-se para o cenário da rua e para as suas personagens, um palco que irá definir as suas primeiras fotografias conhecidas: o momento mágico em que o fotógrafo captura o acto de vida e o preserva na possibilidade fotográfica de parar o tempo. É o seu “momento decisivo”, aquele que define algumas das suas imagens mais emblemáticas, mostrando o cenário essencial e despido do tempo. Daqui sairá a fotografia moderna, a captação do movimento da vida como tema fotográfico. Cartier-Bresson acrescentar-lhe-ia o seu instinto gráfico: um corpo que nunca irá tocar no chão alagado das traseiras da estação de Saint-Lazare, ou jovens crianças que se multiplicam geometricamente nas janelas e nos destroços de uma paisagem que parece não existir. Em 1939, a Europa entra em guer- ra e o fotógrafo é chamado. Com a rendição francesa, torna-se prisioneiro de guerra, condição da qual conseguirá sair após fugir do seu campo de detenção. Será depois do fim do conflito, com um continente devastado e traumatizado, que decide ir ao encontro do mundo. Um outro colega e amigo, Robert Capa, convence-o a enveredar pelo fotojornalismo. Juntos, estão na origem da criação da agência Magnum, que se irá tornar num dos mais fortes espelhos da realidade humana, e Cartier-Bresson, talvez o único fotógrafo do grupo que conseguiu sempre estar entre a função do jornalista e a visão criativa de um artista, fará do mundo uma plataforma para o seu trabalho. A dualidade de espírito entre a fotografia como arte e como profissão acabaria por marcar a sua carreira, criando, segundo Peter Galassi, uma tensão positiva, e abrindo o caminho para a descoberta e a assimilação de outras culturas: “A sua opção pelo fotojornalismo enriqueceu muitíssimo o seu trabalho”, afirma o curador. A profissão de fotojornalista, tal como ela se reconfiguraria depois da guerra, era um veículo perfeito para um olhar independente. “É essa a importância da Magnum: permitir aos fotógrafos trabalhar para as publicações sem serem empregados delas. [A agência] dava uma forma ao desejo de CartierBresson de encontrar o mundo e tentar apreendê-lo.” Estudar o mundo A partir de 1947, Cartier-Bresson deu sequência às suas primeiras viagens de antes da guerra, tornando-se num “funcionário artista” em permanente deslocação. A fotografia era o seu modo de viagem e a viagem era o seu “Temos aqui um europeu branco de uma classe confortável que vai dar uma volta ao mundo. Podemos dizer que isso é a personificação de uma atitude colonial, mas podemos também dizer que é o desafio de ver o mundo como um conjunto de culturas muito diferentes, e de as apreciar, assimilar e respeitar” Peter Galassi, curador modo de vida; como objecto, interessava-lhe o Homem e a sua intervenção na paisagem. Uma atitude original dentro de um mundo ainda colonial e assente em supremacias civilizacionais, caracterizada pelo estudo atempado da realidade e pelo respeito por quem é fotografado. No fundo, a aceitação precoce de um interesse na verdade multicultural da humanidade. Galassi fala desta sensibilidade específica do fotógrafo: “O mais extraordinário no trabalho de Cartier-Bresson é toda a sua amplitude geográfica e histórica. É o único fotógrafo em que isso é verdade: vemos o mundo tal como era antes da revolução industrial, e que ele adorava tanto”. O comissário evoca, como exemplo, as fotografias tiradas em Portugal (na Nazaré, em 1955): “A fotografia dos pescadores portugueses com as redes de pesca poderia ter sido feita há centenas de anos atrás. Esse mundo não tinha realmente desaparecido, apesar de o trabalho dele também entrar pelo nosso mundo da tecnologia e do mercado. É essa a amplitude extraordinária do seu trabalho.” O interesse de Cartier-Bresson pelas diferentes civilizações, assim como o desejo de assimilação dos seus diferentes modos de vida, resultam num retrato honesto dos povos, despojado de dramatização ou de artifícios. Tal como os seus primeiros trabalhos, as imagens do pós-guerra são marcadas por um respeito igualitário pelos seus intervenientes. Para Cartier-Bresson, nenhum assunto e nenhuma pessoa estava abaixo do seu interesse. “Temos aqui um europeu branco de uma classe confortável que vai dar uma volta ao mundo. Podemos dizer que isso é a personificação de uma atitude colonial, mas podemos também dizer que é o desafio de ver o mundo como um conjunto de culturas muito diferentes, e de as apreciar, assimilar e respeitar”, nota o comissário. O instinto do fotógrafo levou-o ainda a estar presente em vários momentos decisivos desses outros mundos, nomeadamente no funeral de Gandhi na Índia, cujas imagens foram as únicas que o Ocidente recebeu. Nesses anos, Cartier-Bresson explorou ainda vários países da Ásia: o Paquistão, o Sri Lanka, a Indonésia, a Singapura e a China (a sua estadia de quatros me- Exposições undo ses em 1958 resultou no trabalho “The Great Leap Forward”, o retrato da industrialização chinesa de Mao, presente na exposiç ão). Tornou- se igualmente no primeiro ocidental a fazer um retrato fotográfico do povo da União Soviética após a morte de Estaline em 1953, abrindo o olhar da Europa para um mundo que chegava apenas como mito aos ouvidos do resto do continente. Um retrato que não se diferenciava, afinal, assim tanto da imagem daqueles que o viam do outro lado. CartierBresson iria contrapor essas imagens com várias outras de muitas viagens aos Estados Unidos, o país estrangeiro que mais visitou, estabelecendo, assim, um verdadeiro retrato comparativo do empenho físico e laboral do mundo comunista e da ordem corporativa do Ocidente capitalista: o mundo enquanto ele acontecia. O elogio da diferença Mas se Cartier-Bresson funcionou como os olhos do Ocidente para tantas partes inacessíveis do planeta, o que dizer hoje da sua relevância numa época em que as distâncias deixam de existir? “Claro que, agora, tudo mudou”, diz Paul Galassi. “Não apenas a maneira de viajar, mas aquilo que ele sentia que era a força da modernidade, a tecnologia e o mundo do consumismo. Nesse sentido, o mundo está muito diferente, mais nivelado, e, se Henri Cartier-Bresson tivesse surgido no mundo actual, talvez seguisse outro caminho”. O fotógrafo mantinha uma preocupação de tolerância nas suas imagens - a própria luz CHARLES PLATIAU/ REUTERS Cartier -Bresson, o século XX numa máquina fotográfica Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 33 “O mais extraordinário no trabalho de Cartier-Bresson é toda a sua amplitude geográfica e histórica. É o único fotógrafo em que isso é verdade: vemos o mundo tal como era antes da revolução industrial, e que ele adorava tanto (...), [e] o nosso mundo da tecnologia e do mercado. É essa a amplitude extraordinária do seu trabalho” Peter Galassi, curador das fotografias dá igual relevância aos seus elementos, mantendo uma coesão e uma harmonia que respeitam uma superfície uniforme. Por outro lado, o estudo cultural que o seu trabalho oferece sobressai ainda mais nos dias de hoje. Galassi continua: “Quanto mais as superfícies de duas culturas se parecem uma com a outra, maiores são as diferenças culturais que as caracterizam por baixo delas. Henri Cartier-Bresson estava interessado em explorar essas diferenças, em conhecê-las e inscrevê-las no seu trabalho. A oportunidade que a fotografia tem de se inscrever e apreender um mundo diferente ainda existe. Consegue imaginar o quão divertido seria para ele fotografar-nos com todos os nossos pequenos aparelhos? Podia-se fazer um livro só sobre isso.” Se a distância entre culturas não se extingue, Cartier-Bresson ter-nosá ajudado a vê-la melhor. No entanto, é necessário um tempo de assimilação intrínseco ao método de captação do momento fotográfico. Algo que também hoje é relevante, numa época em que se pede uma imagem urgente e imediata, sem pensamento. “O desafio ainda existe”, diz Galassi. “É verdade que estamos enterrados em imagens. Mas ainda temos o controlo sobre o que fazemos com elas. As fotografias podem ser parte de uma maneira de apreender e perceber o mundo.” A gestão de uma herança “Henri Cartier-Bresson: The Modern Century” questiona ainda o excesso As traseiras da Gare de Saint-Lazare, em Paris, uma das primeiras imagens carismáticas de CartierBresson 34 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon de controlo editorial que as imagens fotográficas sofrem desde a segunda metade do século XX, indo ao encontro da dificuldade que o fotógrafo sentiu em relação às várias intervenções que as suas fotografias sofreram, algumas das quais não sabemos sequer se correspondem, de facto, à visão original que o autor tinha delas. A turbulência desses processos, assim como o desejo impulsivo de captar o próximo momento de vida, levaram-no a criar um sentimento de indiferença em relação ao modo como eram expostas as suas imagens nas plataformas de comunicação da altura e a concluir que o essencial da fotografia estava antes e no exacto momento em que a captava, sem artifícios posteriores. Galassi nota que Cartier-Bresson se encontrava “num extremo” do modo como os fotógrafos tentavam gerir a recepção do seu trabalho. A herança que instituições como o MoMa têm de gerir torna-se, deste modo, na verdadeira pós-produção das suas imagens. “Ele deu-nos a responsabilidade de montar o seu trabalho. As suas imagens são tão ricas que irão surgir ao longo do tempo através de maneiras de ver diferentes.” Diferenças que Cartier-Bresson nos mostrou através de um olhar respeitoso da cultura e da vida em todas as suas formas e feitios, e de valores universais como o tempo, a tolerância e a compreensão da matéria humana. De todas as épocas, esta é aquela em que podemos escolher devolver a ética desses valores às imagens. MIGUEL MANSO Die Antwoord David Leavitt Dos táxis da Cidade do Cabo para o mundo. Pág. 48 A matemática da sociedade britânica em “O Escriturário Indiano”. Pág. 42 Simon Schama Jia Zhang-ke O cronista da transformação da China regressa com “24 City”. Pág. 52 CHRISTOPHE SIMON/ AFP O historiador inglês cruza o Atlântico para concluir que nunca devemos desistir da América. Pág. 41 Inauguração trabalhos da artista que constituem, segundo a crítica e historiadora de arte Jennifer P. Borum, “uma peça absolutamente vital do discurso autoetnográfico” americano. A mais recente exposição de João Penalva é um desconcertante elogio â cumplicidade entre a obra de arte, a ficção e o sonho. José Marmeleira Pavlina e o Dr. Erlenmeyer De João Penalva. Lisboa. Chiado 8 Arte Contemporânea. Largo do Chiado, nº8. Tel.: 213237346. Até 25/06. 2ª a 6ª das 12h às 20h. Instalação, Outros. mmmmn Na companhia de “Ich bin ein Baixinher”, de Fernando Brito, “Pavlina e o Dr. Erlenmeyer”, de João Penalva (n. 1949) é já uma das melhores exposições da programação iniciada no ano passado pelo curador Bruno Marchand no espaço Chiado 8 Arte Contemporânea. E a justificação afigura-se elementar. O artista, que vive em Londres desde 1976, transforma a exposição numa câmara escura onde cabem história, ficção e sonho. Para tal, reutiliza alguns dos elementos ou modos de fazer que têm caracterizado a sua produção, nomeadamente no seguimento da individual “A Colecção Ormsson”, realizada em 1997 no Pavilhão Branco do Museu da Cidade: a sugestão de narrativas entre a ficção e realidade, a diluição das competências do “Pavlina e o Dr. Erlenmeyer” reproduz, ampliando-o depois por via da imagem em movimento, o modelo da exposição de “foyer” artista e do curador, e o entendimento da exposição não enquanto apresentação determinada de obras, mas como obra. “Pavlina e o Dr. Erlenmeyer” é constituída por duas peças ou, antes, dois momentos organizados a partir de intervenções na luz e na arquitectura. O primeiro reproduz o modelo da exposição de “foyer” para introduzir o espectador à história de Dr. Emil Erlenmeyer, químico alemão do século XIX que propôs a fórmula moderna da naftalina. E assim que isso acontece, por meio de uma apurada cenografia, a realidade suspende-se. Da penumbra emergem bancos de veludo e, à volta destes, uma enorme vitrina e vários objectos e imagens dispostas na parede. Que o espectador é convidado a ver ou a ler: uma fotografia e um retrato expressionista do cientista, textos sobre a sua biografia, fórmulas escrita a giz, números sobre papel, esculturas em pedra, um cartaz publicitário do início do século XX, um recipiente de vidro. A natureza diversa das peças, o facto de nunca se complementarem, a ausência de ilustração e a absurdo de algumas passagens escritas impedem a construção de uma ficção efectiva e articulada. Aqui, a existir, ela é construída pelo espaço entre os “objectos” e os documentos reunidos por João Penalva; por aquilo que neles conseguimos projectar, com ou sem a anuência do artista-curador: o nosso prazer de olhar e as memórias das nossas ficções e histórias. Algumas imagens indiciam, entretanto, o segundo momento: a instalação “Pavlina”, afinal a suposta “continuação” da exposição do “foyer”. Encontramo- Outros. De Collier Schorr. Der Geist Unserer Zeit De Fernando Brito. Lisboa. Museu Colecção Berardo. Praça do Império - Centro Cultural de Belém. Tel.: 213612878. Até 15/08. Sáb. das 10h às 22h. 2ª a 6ª e Dom. das 10h às 19h. De Si Scott, Tavo, António Cerveira Pinto, entre outros. Agenda Inauguram A Invenção Da Glória. D,Afonso V e as Tapeçarias de Pastrana Tapeçaria, Outros. Oceans De Richard Schur. Lisboa. Carlos Carvalho - Arte Contemporânea. Rua Joly Braga Santos, Lote F - r/c. Tel.: 217261831. Até 06/08. 2ª a 6ª das 10h30 às 19h30. Sáb. das 12h30 às 19h30. Inaugura 16/6 às 21h30. Pintura. Continuam Tudo O Que é Sólido Dissolve-Se no Ar: O Social na Colecção Berardo Lisboa. Museu Colecção Berardo. Praça do Império - Centro Cultural de Belém. Tel.: 213612878. Até 12/09. Sáb. das 10h às 22h. 2ª a 6ª e Dom. das 10h às 19h. Pintura, Outros. Mais Que a Vida De Vasco Araújo, Javier Téllez. Lisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian. Avenida de Berna, 45A. Tel.: 217823700. Até 06/09. 3ª a Dom. das 10h às 18h. Vídeo, Fotografia, Instalação, 36 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon de Junho, uma exposição no Porto, a sua primeira em Portugal. “Gangs of New York” inaugura às 18h, na Wrong Weather (Av. da Boavista, 754). A exposição inclui 30 O prazer da ficção Lisboa. Museu Nacional de Arte Antiga. Rua das Janelas Verdes - Palácio do Alvor. Tel.: 213912800. De 12/06 a 12/09. 3ª das 14h às 18h. 4ª a Dom. das 10h às 18h. Inaugura 12/6 às 10h30. Richard Schur na Carlos Carvalho, em Lisboa A fotógrafa, cineasta e videasta nova-iorquina Katrina Del Mar, que chegou a trabalhar com Nan Goldin como gestora do seu estúdio, tem a partir de hoje, e até 30 DANIEL MALHÃO Exposições aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente Guimarães. Centro Cultural Vila Flor. Avenida D. Afonso Henriques, 701. T. 253424700. Até 27/6. 3ª a sáb das 10h às 12h30 e das 14h às 19h. Domingo e feriados das 14h às 19h. Fotografia. Sines. Centro Cultural Emmerico Nunes. Largo do Muro da Praia, 1. Tel.: 914827713. Até 10/07. 2ª a Sáb. das 14h30 às 18h30. Ilustração, Design, Outros. Escultura, Pintura, Outros. 41º 52’ 59’’ Latitude N / 8º 51’ 12’’ Longitude O De Jorge Barbi. Uma Casa De Pedro Cabrita Reis. Lisboa. Centro de Arte Moderna - José de Azeredo Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.: 217823474 . Até 11/07. 3ª a Dom. das 10h às 18h. Lisboa. 3 + 1 Arte Contemporânea. Rua António Maria Cardoso, 31. Tel.: 210170765. Até 10/07. 3ª a Sáb. das 14h às 20h. Fotografia, Outros. Fotografia, Desenho, Vídeo, Outros. Para o Cego no Quarto Escuro à Procura do Gato Preto Que Não Está Lá De Dave Hullfish Bailey, Marcel Broodthaers, Hans-Peter Feldmann, Peter Fischli, David Weiss, entre outrros. En El Escenario Del Tiempo De Gerado Sanz. Lisboa. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da CGD. Tel.: 217905155. Até 29/08. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das 11h às 19h. Sáb., Dom. e Feriados das 14h às 20h. The Last Cigarette De Rita Barros. Lisboa. Caroline Pagès Gallery. Rua Tenente Ferreira Durão, 12 - 1º Dto. T. 213873376. Até 31/7. 2ª a sáb. 15h às 20h. Desenho, Fotografia. Outros Sítios Mais De Pedro Cabrita Reis. Lisboa. Galeria Miguel Nabinho - Lisboa 20. Rua Tenente Ferreira Durão, 18B. T. 213830834. Até 31/7. 3ª a 6ª das 11h às 20h. Sáb. das 12h às 20h. Desenho, Fotografia. Pra Quem Mora Lá, O Céu é Lá - OSGEMEOS De Gustavo Pandolfo, Otávio Pandolfo (OSGEMEOS). Lisboa. Museu Colecção Berardo. Praça do Império - Centro Cultural de Belém. Tel.: 213612878. Até 19/09. Sáb. das 10h às 22h. 2ª a 6ª, Dom. e Feriados das 10h às 19h. Pintura, Outros. German Faces - Collier Schorr Photoespaña 2010 Fotografia, Outros. Nasreen Mohamedi: Notas Reflexões Sobre o Modernismo Indiano Lisboa. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da CGD. Tel.: 217905155. Até 29/08. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das 11h às 19h. Sáb., Dom. e Feriados das 14h às 20h. Pintura, Fotografia. Sines Digital (SD’10) Entre-Campo De Carlos Mélo. Porto. Centro Português de Fotografia - Cadeia da Relação do Porto. Campo Mártires da Pátria. Tel.: 222076310. Até 11/07. 2ª a 6ª das 10h às 18h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 19h. Fotografia. Lisboa. Ermida de Nossa Senhora da Conceição. Travessa do Marta Pinto, 12. Tel.: 213637700. Até 18/07. 3ª, 4ª, 5ª e 6ª das 11h às 18h. Sáb. e Dom. das 14h às 18h. Fotografia, Outros. Um desejo de tempo la, formada por som, vídeo e uma projecção de slides, numa pequena sala onde não faltam cadeiras (e onde algo nos aguarda). A narrativa agora é a de um sonho que as legendas, reveladas pelo movimento dos “slides”, contam. E Pintura de João Jacinto na o que contam? Um encontro Fernando Santos, Porto. imaginado entre uma traça e uma Óscar Faria etimologista reformada, de nome Pavlina. A descrição tem, diz-nos Pele Atrasada um texto, pretensões científicas (o De João Jacinto. sonho é da própria Pavlina e Porto. Galeria Fernando Santos. R. Miguel elemento de uma investigação Bombarda, 526. Tel.: 226061090. Até 31/07. 3ª a 6ª sobre o fenómeno do inconsciente das 10h às 12h30 e das 15h às 19h30; 2ª e Sáb. das 15h às 19h30. nos reformados), mas no fim, pela sua confusão e arbitrariedade, Pintura. furta-se a qualquer ordem ou interpretação. Resta para ser lida ou mmmmn olhada como os objectos da outra sala. Ou o lento clarão que desenha Em 2005, a Kunsthaus Baselland, em no vídeo um contorno ampliado da Basileia, na Suíça, acolheu a traça, sempre que o nome do exposição “Space invaders: a insecto aparece nomeado no sonho. discussion about painting, space ant Fragmentos de uma exposição que its hybrids.” Comissariada por é uma obra. Sabine Schaschl-Cooper, a mostra Há uma palavra que se adequa à pintura de João Jacinto: informe 2009 ANA BRAGA, INÊS MOURA E SUSANA PEDROSA APRESENTAM OS TRABALHOS PREMIADOS PELA 5ª EDIÇÃO DO BES REVELAÇÃO. DE 15 DE ABRIL A 18 DE JUNHO /// ENTRADA GRATUITA Graça Morais Algés. Centro de Arte Manuel de Brito - Palácio dos Anjos. Alameda Hermano Patrone. Tel.: 214111400. Até 19/09. 3ª a Dom. das 11h às 18h. Pintura. Por Paris De Vieira da Silva, Júlio Pomar, René Bértholo, Lourdes Castro, entre outros. Algés. Centro de Arte Manuel de Brito - Palácio dos Anjos. Alameda Hermano Patrone. Tel.: 214111400. Até 19/09. 3ª a Dom. das 11h às 18h. Pintura, Outros. Leitão, 51/53. Tel.: 213970719. Até 04/09. 3ª a Sáb. das 11h às 19h. Pintura, Desenho, Instalação, Escultura, Fotografia. Cornelius Cardew e a Liberdade da Escuta Porto. Culturgest. Avenida dos Aliados, 104 Edifício da CGD. Tel.: 222098116. Até 26/06. 2ª a 6ª e Sáb. das 10h às 18h. Vídeo, Fotografia, Outros. Constant Le Breton (1895-1985) Les Limites Du Désert De João Tabarra. Lisboa. Galeria Graça Brandão. Rua dos Caetanos, 26A (Bairro Alto). Tel.: 213469183. Até 26/06. 3ª a Sáb. das 11h às 20h. Fotografia, Vídeo. Fotografia Sem Fotógrafo De Ed Ruscha, Hans-Peter Feldmann, Christian Boltanski, Sol LeWitt, Joseph Kosuth, entre outros. Porto. Museu de Serralves - Biblioteca. Rua Dom João de Castro, 210. Tel.: 226156500. Até 31/08. 2ª a Sáb. das 10h às 18h. Fotografia, Outros. A Museum is to Art What a Great Translator is to a Writer De André Gomes, Gonçalo Sena, Sara & André, Yonamine, entre outros. Lisboa. Baginski Galeria/Projectos. R. Capitão Lisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian. Avenida de Berna, 45A. Tel.: 217823700. Até 08/08. 3ª a Dom. das 10h às 18h. Pinturas, Aguarelas. Investigations of a Dog De vários autores. Alcoitão. Ellipse Foundation - Art Centre. Alameda das Fisgas, 79. Tel.: 214691806. Até 05/09. 6ª, Sáb. e Dom. das 11h às 18h. // MORADA Praça Marquês de Pombal nº3, 1250-161 Lisboa // HORÁRIO Segunda a Sexta das 9h às 21h // TELEFONE 21 359 73 58 // EMAIL besarte.financa@bes.pt Pintura, Outros. Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 37 Exposições aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente pretendia testemunhar um suposto renascimento da pintura, que curiosamente surgia, desta vez, no pós-11 de Setembro – uma sobrevida para a qual haverá diversas explicações, sendo porém relevante pensar-se se essa situação não advirá de uma contínua reinvenção do meio, muitas vezes decorrente de um qualquer efeito pós-traumático: do expressionismo abstracto após a Segunda Guerra Mundial ao “efeito Tuymans”, designação cunhada em 2004 por Jordan Kantor, em artigo publicado na “Artforum”. As recorrentes mortes e ressurreições da pintura provocaram, provocam ainda, uma cadeia infinita de equívocos, distraindo muitas vezes das questões essenciais próprias a um meio, que, sublinhe-se uma vez mais, não cessa de expandir as suas condições de existência no mundo, um processo em que assume uma particular relevância a experiência adquirida na prática do ateliê. É esse lugar onde a obra ganha consistência, espessura e densidade que faz com que a sua aparição nos conduza sempre a uma origem relacionável com um aumento da potência de agir: há uma outra vida após o contacto com esse instante em que o desejo se cumpre. A pintura pode ser assim definida como a concretização de um desejo: um desejo de tempo, de um outro tempo em contraponto a este, quotidiano. Um tempo mais lento ou mais veloz. Um tempo que se acumula camada a camada, se expande para as bordas, escorre na direcção do centro da terra, ou se eleva para o céu. Um tempo cheio de cores e de sensações. É uma acumulação de experiências, esse tempo, tal como nos ensina Rainer Maria Rilke numa das páginas mais belas de “Os Cadernos de Malte Laurids Brigge”, onde se pode ler: “Devia-se esperar e acumular sentido e doçura durante toda a vida e se possível durante uma longa vida, e então, só no fim, talvez se pudessem escrever dez versos que fossem bons. Porque os versos não são, como as gentes pensam, sentimentos (esses têm-se cedo bastante), - são experiência.” João Jacinto (Mafra, 1966) propõe uma série de trabalhos em que o tema é a própria pintura, a sua condição de existência no contexto da arte actual. As diversas declinações a que o artista sujeita as suas obras provêm de um mesmo exercício: testar os limites estruturais de uma obra que ora se afasta de um centro para evocar uma paisagem – abstracta, é certo –, ora se aproxima de uma fisicalidade determinada pela acumulação de matérias, ora assume uma vontade de abarcar outros territórios, dirigindo-se, sem medo, ao exterior de si, e aceitando o erro e a justaposição como elementos de composição. As pinturas, por vezes, são viradas do avesso, outras expõem a sua nudez, mas é sobretudo a sua dimensão corpórea, colorida, excessiva, que aqui importa: há uma palavra que parece adequar-se a estes trabalhos, informe. Onze telas grandes. Nove telas pequenas. Óleos sobre tela, datados de 2008 a 2010. E ainda 15 papéis – auto-retratos, casas de pintores A pintura vista como texto, numa exposição exigente, ontem como hoje refractária aos esquemas da arte para consumo massificado mortos e rosas, temas recorrentes na obra do artista. Há qualquer coisa de carne, em algumas obras; noutras sente-se a intimidade da pele. Vê-se também uma permanente corrosão e imaginam-se fungos, líquenes, pequenos acontecimentos minerais e vegetais que se cristalizaram numa acumulação cores: materializações de um tempo que se procura a si próprio nesse espaço de solidão, de abandono, o lugar certo para o acto criativo. Imagens da ruína? Da decomposição que sucede à morte? Há nestes trabalhos um desafio às certezas, aos compromissos mediados, aos discursos eficazes. Por vezes, eles parecem falhar, mas, de facto, estão absolutamente certos: sem títulos. Uma informação complementar, que sintetiza a exposição, tal como nos é dada na folha de sala: “Pintura abstracta, sobre tela, sobre papel. João Jacinto pinta no chão e desenha na parede… Pintura a óleo (muitíssimo óleo…), desenhos a carvão e a cinza de charuto…”. O charme discreto do texto escrito A arte também se faz sobre a palavra: a colecção de Eric Fabre prova-o. Luísa Soares de Oliveira Algumas Obras a Ler - Colecção Eric Fabre De Joseph Kosuth, Isidore Isou, Joseph Wolman, Laurence Winner, Victor Burgin, Raymond Hains, entre outros. Lisboa. Museu Colecção Berardo. Praça do Império - Centro Cultural de Belém. Tel.: 213612878. Até 15/08. 2ª a 6ª e Dom. das 10h às 19h. Sáb. das 10h às 22h. Desenho, Outros. mmmmn A exposição “Algumas Obras a Ler”, inaugurada recentemente no Museu 38 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon Colecção Berardo, não será das mais fáceis que esta instituição tem apresentado. Resulta de um convite ao galerista belga Eric Fabre para mostrar a sua colecção pessoal, reunida durante anos em torno do conceito do texto escrito como suporte da obra artística. Muitas das obras exigem uma atenção demorada que hoje, na época em que a visita de uma exposição é frequentemente feita à velocidade com que se consomem montras num qualquer centro comercial, é difícil de prestar. A velocidade que aqui se pede é outra; as obras vivem do achado conceptual, para além das designações que este tipo de atitudes artísticas foi tomando: arte conceptual, letrismo ou neodadaísmo, e que são afinal a tentativa (falhada à partida) de recuperar, já em tempos de contemporaneidade, a atitude provocadora e optimista das primeiras vanguardas. O começo da exposição exemplifica bem o que afirmamos. Um manifesto de Isidore Isou, figura central deste tipo de prática do lado de cá do Atlântico, é atravessado por traços de tinta que deixam transparecer uma ligação à pintura que o artista acabou por nunca descurar. Em frente, uma série de telas viradas ao contrário, dispostas ao longo da parede, mostram do avesso a inicial do seu autor, Gil Joseph Wolman: trata-se da série das pinturas “dépeintes”, um adjectivo que tanto pode traduzir-se por “pintadas” como por “descritas”. A ambiguidade que o título introduz em ambas as peças acaba por concentrar toda a riqueza de sentidos que estes, como outros artistas, quiseram imprimir às suas obras. Esta é, de facto, a grande constante de toda a exposição. Se a pintura pode ser lida como um texto – se ela foi de facto lida por um número impressionante de teóricos e historiadores que, nos últimos cem anos, de Panofsky a Benjamin, se esforçaram por abstrair da emoção estética que a obra provoca, parece que esse indizível, esse algo que a radicalidade da proposta letrista ou conceptual trazia consigo irrompe a cada passo do que vemos. Quer se trate dos “Modelos Comparativos” do grupo Art & Language (um colectivo formado por Terry Atkinson, David Bainbridge, Michael Baldwin, Ian Burn, Charles Harrison, Joseph Kosuth e outros), um estudo das críticas publicadas numa famosa revista de arte visando destacar modelos e tiques de linguagem, das charadas, da pasta com livros ou da própria biblioteca de Isou (recriada para a exposição segundo a ordem pré-definida pelo seu autor), das definições de dicionário de Kosuth (impressas também para a exposição, já que algumas só existiam em projecto), do fascínio pelas técnicas fotomecânicas de reprodução do texto, das traduções que se esbatem até destruírem o texto, é uma multiplicidade de criadores e obras inesperada e gratificante que aqui se exibe. Há aliás um parentesco evidente entre estes trabalhos e o dadaísmo. À imagem do movimento que surgiu em Berlim em 1916, a negação da arte, tal como ela é entendida e alimentada pela socidade ocidental, é aqui um princípio de que não se abdica. Tal como sucedeu nessa altura, a aceitação pública destas obras não foi nem é fácil, tanto mais que muitos dos artistas aqui representados nunca se coibíram de atacar o “establishment”, quer pela via dos directores dos museus, quer dos críticos de arte, quer de quem exercesse o poder de decisão e compra no meio artístico. Por isso, passados 30 ou 40 anos da realização destas obras, é ainda difícil encontrá-las nos museus. Paradoxalmente, como dizíamos no começo deste texto, todas elas relevam de uma extrema sofisticação teórica. Não se dirigiam ao grande público, com ainda hoje se percebe. O letrismo, como a arte conceptual, só poderiam ter nascido num meio restrito de grande exigência cultural: não o da televisão, da revista de actualidades, ou o da arte para as massas; mas o da elite educada, do museu, da universidade, da biblioteca. E nada mudou a este respeito. Teatro/Dança aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente Um auto sacramental de Calderón de la Barca para o Convento dos Cardaes, em Lisboa Calderón de la Barca numa missa do século XXI O novo Teatro do Ourives recupera um texto barroco e a tradição de o encenar nas ruas como festa social e exaltação barroca da fé católica. António Marujo Os Mistérios da Missa De Calderón de la Barca. Pelo Teatro do Ourives. Encenação de Júlio Martin da Fonseca. Com José Nogueira Ramos, José Reis Jorge e ainda Sara Ideias, Carla do Carmo Bulhões, José Sebastião, Bruno Couto e Bruno Moreira. Lisboa. Convento dos Cardães. R. do Século, 123. De 16/06 a 18/06. 4ª a 6ª às 21h30. Tel.: 213427525. Entrada gratuita. Pegue-se num auto sacramental de Calderón de la Barca, num grupo de teatro que nasce ao mesmo tempo que ensaia e numa encenação que procura reconstituir a festa social que, por esta altura do ano, o teatro barroco propunha na Espanha católica do século XVII. É de tudo isto que nasce a peça “Os Mistérios da Missa”, a primeira criação do Teatro do Ourives – e já lá vamos ao nome. O texto é um entre as dezenas de autos sacramentais escritos por Pedro Calderón de la Barca para serem representados nas ruas, por altura do Corpo de Deus, festa católica que o Concílio de Trento promovera com mais intensidade para exaltar a fé católica, afirmando a sua diferença em relação às fés dos judeus e dos protestantes. As pessoas vinham para a rua, em massa, assistir à procissão do Corpus Christi, que culminava com a encenação de um dos mistérios – no caso de Madrid, onde Calderón viveu a maior parte da sua vida, na Plaza Mayor. Estas encenações eram “um espectáculo operático”, explica ao Ípsilon Júlio Martin, 48 anos, encenador do Teatro do Ourives (e do TUT-Teatro da Universidade Técnica, onde substituiu Jorge Listopad, desde 2009). Os autos eram sempre à volta do sacramento da missa, mas tinham “uma infinidade de argumentos”. Nas ruas, quatro carros andavam pelas cidades, convergindo depois para uma praça e para o cenário já preparado no local. Calderón de la Barca não é um estranho para Martin que, enquanto actor do TUT, protagonizou o Segismundo de “A Vida é Sonho”, na Torre de Belém. O dramaturgo espanhol, recorda Martin, trabalhou com engenheiros italianos na criação do “espectáculo total” que caracterizou o teatro barroco espanhol. Os anjos voavam, os demónios saíam de alçapões em fogo, havia trombones e música, danças… No caso dos autos sacramentais, explica, o que Calderón de la Barca “pretendia era envolver os mistérios num ambiente de festa, e que a alegria desse cobertura ao mistério.” A presente encenação de “Os Mistérios da Missa” optou, no entanto, por levar o texto para dentro de igrejas e capelas – depois de ter passado pelo Castelo de Sesimbra e pelo Seminário de Almada, chega na quarta-feira ao Convento dos Cardaes, em Lisboa. Não é uma escolha casual: ali foi encenada “A Troca”, de Paul Claudel, já há mais de 20 anos, pelo Teatro do Mundo, após o que o espaço tem acolhido intervenções artísticas muito diversas. “Este texto tem um lado mais intimista, optámos por fazê-lo dentro de uma igreja”, argumenta o encenador. A proximidade e a festa são dadas pela deambulação dos actores entre os espectadores e pela presença dos músicos – que tocam ao vivo – num espaço, o de uma igreja, que remete também para uma experiência comunitária. O texto agora usado é uma adaptação em prosa (o original é em verso) do actor alemão Harry Hardt, traduzida para português por Costa Ferreira. Nesta encenação, foram introduzidas ligeiras alterações: a figura do Judeu é substituída pelo Farisaísmo e o Romano dá lugar ao Paganismo. Opções que pretenderam retirar alguma virulência à linguagem da época, “muito datada e que surgiria como ruído” – o mesmo sucedeu com referências litúrgicas entretanto em desuso. Estamos, por isso, perante uma versão que humaniza o ritual litúrgico e acentua a dimensão teatral dos rituais católicos. Nesse sentido, é um texto contemporâneo – ou, melhor ainda, intemporal, já que é essa justamente “a marca da criação artística”. O Teatro do Ourives, enfim: inicialmente constituído por profissionais e amadores apenas para este espectáculo, o grupo evoluiu e, enquanto ensaiava, ficou a ideia de prosseguir. Como nasceu à sombra da Vale d’Ácor, instituição católica M;F;;TOF ëFNCG;ML?JL?M?HN;{Æ?M Mç;N|+->?DOHBI NIGMNIJJ;L> NIGMNIJJ;L> Ug)+0W M;F;P?LG?FB; KO;LN;;Mà<;>I ,+B-* >IGCHAIÉG;NCH|? +0B** ?MNLONOL;@CH;H=C;>;J?FI ?MNLONOL;@CH;H=C;>;J?FI MVÖT÷NÓSJP÷MPQFT Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 39 Teatro aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente estreou-se anteontem no Estúdio Zero, Porto. É um texto difícil – confirma-nos o encenador Rogério de Carvalho -, pleno de adjectivos fortes e advérbios incisivos, cuja linguagem autêntica estabelece pontes com a tragédia contemporânea, de Beckett a Fassbinder. Aqui há um jogo de poder com trejeitos orwellianos, onde a linguagem é acção. Duas mulheres em tensão latente, em busca da dignidade perdida, num cenário intencionalmente inóspito, vazio, testemunha de uma mudança. “As coisas alteram-se”, e o desconforto instala-se, com a inversão das dependências e das relações. “Não se trata de um jogo de classes. Estas mulheres são algo. Uma catarse pós-apocalíptica”, esclarecenos Rogério de Carvalho. Algo mudou na relação das mulheres, talvez se esteja no “limite da possibilidade de reprodução humana”. Qualquer coisa acaba para Sôfregas e sufocantes, as outra começar, na nova protagonistas abrem espaço à livre incursão das Boas Raparigas descodificação da linguagem de Barker, com reminiscências do Genet num texto de Howard de “As Criadas”. Às duas mulheres, Barker. Filipa Mora junta-se um “pérfido animal”, qual “cão mecânico”. Talvez invenção das “Mulheres Profundas, Animais duas mulheres, talvez o reflexo da Superficiais” personalidade do marido que “tem De Howard Barker. Pelas Boas de ter” a antiga senhora, propõe Raparigas. Encenação de Rogério de Rogério de Carvalho. Assim se figura Carvalho. Com Carla Miranda, Maria um intermediário entre o interior e o do Céu Ribeiro, Miguel Eloy. exterior, quem sabe delas próprias. Porto. Estúdio Zero. R. do Heroísmo, 86. Até 4/07. 3ª Os temas do futuro da humanidade, a Sáb. às 21h45. Dom. às 17h. Tel.: 225373265. da alienação e da crise da cultura aproximam a mensagem de alguns Perdidos os valores, encenados os pensamentos de Heidegger, sugere o jogos e estimuladas as expectativas, encenador. Pistas: o mundo que mulheres profundas são estas, encontra-se esgotado e a única vítimas da repulsa e do prazer dos certeza é a própria indefinição; a percalços da vida? “As coisas impossibilidade da sobrevivência alteram-se”, dizem, e tudo se humana não se coloca, não existe transforma. simplesmente. “O meu marido tem de te ter”, Tudo é possível nesta peça aberta. ouve-se em tom imperativo. No A condição humana e os seus cenário, restos de qualquer coisa, limites, os valores e/ou a ausência vestígios de um paradigma perdido, deles. ”As coisas alteram-se”, e duas mulheres de identidades ouvimos. Para o encenador, uma algures trocadas pela mudança, a tal mudança implica sempre uma mudança. “Mulheres Profundas, contra-revolução. Talvez este seja Animais Superficiais” é uma obra um grito surdo à sociedade aberta, e uma peça sobre a própria contemporânea, onde a voz que se indefinição: encomenda especial da levanta é a do teatro de Howard companhia a Howard Barker, autor Barker. Talvez. predilecto das Boas Raparigas, Duas mulheres (Maria do Céu Ribeiro e Carla Miranda) trocam de identidade nesta peça aberta de recuperação de toxicodependentes, o nome foi Júlio Martin buscá-lo à peça “A Loja do Ourives”, de Karol Wojtyla – o Papa João Paulo II, que “era apaixonado pelo teatro e foi actor.” Mas remete também para as “pedras preciosas que são as pessoas e as situações”. Ficou a vontade de continuar, com outros projectos, mas sem qualquer carácter confessional: “Somos um grupo de teatro.” No início do auto, diz a Sabedoria à Ignorância: “Em breve tu própria saberás, compreenderás, verás claramente a essência do grande mistério deste mundo.” Tudo se transforma Agenda Teatro Estreiam Testosterona Pelo Grupo Chévere. De e com Patricia de Lorenzo, Natalia Outeiro, Xron. Tondela. Cine Tejá - Novo Ciclo ACERT. R. Dr. Ricardo Mota. Dia 12/06. Sáb. às 21h45. Tel.: 232814400. Continuam O Quarto + Comemoração De Harold Pinter. Encenação de Jorge Silva Melo. Pelos Artistas Unidos. Com Cândido Ferreira, João Meireles, João Miguel Rodrigues, Lia Gama, Sylvie Rocha, Alexandra Viveiros, António Simão, João Meireles, Pedro Carraca, Sílvia Filipe, Sylvie Rocha, Carlos Paca, Américo Silva, Tiago Matias, Vânia Rodrigues. Neto, Alexandre Lopes, Mia Farr. Lisboa. Teatro da Comuna. Pç. Espanha. Até 27/06. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 217221770. 5€. Agora a Sério De Tom Stoppard. Encenação de Pedro Mexia. Com Afonso Lagarto, Ana Brandão, Diana Costa e Silva, João Reis, Nuno Casanovas, Pedro Lima, São José Correia. Lisboa. Teatro Aberto - Sala Azul. Pç. Espanha. Até 31/12. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 213880089. 7,5€ a 15€. A Casa dos Anjos De Luís Mário Lopes. Encenação de Ana Nave. Pelo Teatro Aberto. Com Custódia Gallego, Pedro Laginha, Sandra Barata Belo. Lisboa. Teatro Aberto - Sala Vermelha. Pç. Espanha. Até 11/07. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 213880089. 7,5€ a 15€. Confissões de um carrasco na hora de ir para a cama IN Possibilidade De Joana Furtado. Encenação de Joana Furtado. Com José Mateus, Nuno Bernardo, Pedro Barbeitos, Ruben Garcia, Ruben Saints. Lisboa. Casa Conveniente. Rua Nova do Carvalho, 11 (ao Cais do Sodré). Até 28/06. 2ª a Dom. às 22h. Tel.: 964407007. O Argumento - Product De Mark Revenhill. Pela Escola de Mulheres. Encenação de Isabel Medina. Com Hugo Sequeira. Lisboa. Clube Estefânia. R. Alexandre Braga, 24-A. Até 30/06. 5ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 213542249. 7,5€ a 10€. Cabeças Falantes - Festival de Monólogos. O Rei Está a Morrer Homens de Escabeche De Ana Istarú. Encenação de António Feio. Pela Seiva Trupe. Com Joana Estrela, José Fidalgo. Porto. Teatro do Campo Alegre. R. das Estrelas s/n. Até 30/06. 3ª a Sáb. às 21h45. Dom. às 16h. Tel.: 226063000. Quixote De António José da Silva. Pelo Bando. Encenação de João Brites. Com Catarina Félix, Félix Lozano, Joana Bergano, Joana Manaças, Pedro Ramos, Sandra Rosado, Susana Blazer. Continuam De Nuno Preto. Pelo Mau Artista. Encenação de Nuno Preto. Com Nuno Preto, Paulo Calatré, Sara Costa, Sara Pinto Pereira, Susana Madeira, Tânia Dinis, Teresa Alpendurada. Festivais Gil Vicente. Lisboa. Teatro Turim. Estrada de Benfica, 723 A. Até 26/06. 4ª a Sáb. às 21h30. Dança Ivanov Guimarães. Centro Cultural Vila Flor. Avenida D. Afonso Henriques, 701. Dia 11/06. 6ª às 22h. Tel.: 253424700. 5€ a 7,5€. Os Cães De Alexander Gerner. Encenação de Alexander Gerner. Com Gonçalo Ruivo, João Saboga, Miguel Telmo, Tiago Fernandes. Lisboa. Teatro da Trindade - Sala Principal. Largo da Trindade, 7 A. Até 13/06. 4ª a Sáb. às 20h30. Dom. às 16h30. Tel.: 213420000. 8€ a 14€. Almada. Teatro Municipal de Almada - Sala Principal. Av. Professor Egas Moniz. Até 20/06. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 212739360. 6€ a 13€. De Anton Tchékhov. Pela Truta. Encenação de Tonan Quito. Com António Fonseca, Carla Galvão, João Pedro Vaz, Joaquim Horta, Paula Diogo, Pedro Lacerda, Raul Oliveira, Rita Durão, Sílvia D. Filipe, Tónan Quito. Até 27/06. 4ª a Sáb. às 21h45. Dom. às 17h30. Tel.: 213420000. Até Que Deus é Destruído Pelo Extremo Exercício da Beleza Porto. Sala-Estúdio Latino. R. Sá da Bandeira, 108. Até 18/07. 4ª a Dom. às 21h45. Tel.: 919917835. 7,5€ a 10€. O Saguão De Spiro Scimone. Encenação de Jorge Silva. Com Daniel Martinho, João de Brito, Luis Barros. Monte Estoril. Teatro Municipal Mirita Casimiro. Avenida Fausto Figueiredo. Até 12/06. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 17h. Tel.: 214670320. Amor de D. Perlimplim com Belisa em seu Jardim De Federico Garcia Lorca. Pela Candilejas del Desierto Compañia Teatral. Encenação de José Blanco Gil. Com José Blanco Gil, Virgínia Ordoñez, Maria de la Luz Peréz, Manuela Gomes, Carlos Catarino, Sérgio Coragem, Manuela Gomes. Lisboa. Teatro Ibérico. R. Xabregas, 54. Até 13/06. 5ª a Sáb. às 21h30. Tel.: 218682531. 10€. Medeia, a Estrangeira De Patrícia Carreira. Encenação de Patrícia Carreira. Com Nicole Pschetz, Carlos Viera de Almeida, André Amálio, Carolina Matos. De Vera Mantero. Com Brynjar Bandlien, Loup Abramovici, Marcela Levi, Pascal Quéneau, Vera Mantero, Andrea Stotter. Viseu. Teatro Viriato. Lg. Mouzinho Albuquerque. Dia 12/06. 2ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Tel.: 232480110. 5€ a 10€. Los Girasoles Rotos De Sabine Dahrendorf. Pelo Ballet Contemporâneo de Burgos. Com Javier Semprún, Sara Sáiz Oyarbide, Carlota de Luís Mazagatos, Laura Molina Herrera, Erick Patrick Jiménez Vindas, Cristina Calleja Volado. Guarda. Teatro Municipal da Guarda - Grande Auditório. Rua Batalha Reis, 12. Dia 12/06. Sáb. às 21h30. Tel.: 271205241. 7,5€. As Bodas + Fauno + A Sagração da Primavera Lisboa. Teatro da Comuna. Pç. Espanha. Até 13/06. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 22h00. Dom. às 17h. Tel.: 217221770. Amor com Amor se Paga De Tchékhov, Strindberg, Ibsen, Karl Valentin. Pela Companhia Teatral do Chiado. Encenação de Juvenal Garcês. Com Alexandra Sargento, Emanuel Arada, João Carracedo, Manuela Cassola. Lisboa. Teatro-Estúdio Mário Viegas/Companhia Teatral do Chiado. Lg. Picadeiro, 40. Até 31/12. 6ª às 22h. Tel.: 707302627. 25€. De Eugene Ionesco. Encenação de João Mota. Com Carlos Paulo, Ana Lúcia Palminha, Tânia Alves, Rui 40 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon Noites Brancas De Fiódor Dostoiévski. Encenação de Francisco Salgado. Com Sofia Dinger, Bernardo Almeida. Lisboa. Teatro da Trindade. Largo da Trindade, 7 A. Pela Companhia Nacional de Bailado. Braga. Theatro Circo - Sala Principal. Av. Liberdade, 697. Dia 11/06. 6ª às 21h30. Tel.: 253203800. 12€ a 16€. Livros aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente História A complexidade da América Uma História do Futuro é uma contradição nos termos. Schama é um historiador tão célebre quanto polémico. O resultado é um contributo luminoso para se perceber esse grande país que funciona (ainda) como o El Dorado do mundo. Teresa de Sousa O Futuro da América Simon Schama Civilização mmmmm A primeira cena começa numa tarde gélida nas ruas de Des Moine, Iowa, a 3 de Janeiro de 2008. Termina (na edição inglesa) com uma terrível interrogação, inspirada no “Anjo da História” de Klee. Será Barack Obama o “Anjo da História” ou o “Anjo impotente” da História? No caminho, Simon Schama percorre a história da América da maneira mais improvável: a partir de alguns dos seus actores, na sua maioria figuras de segundo plano, que representam as pulsões contraditórias entre o seu lado luminosos e o seu lado obscuro. Como ele próprio diz, “é a história das tensões entre as diferentes formas de se olhar a si própria”. Mas comecemos pelo próprio autor. Simon Schama é um historiador britânico com a sua vida divida irmãmente entre os Estados Unidos (ensina na Universidade de Colúmbia) e a sua terra natal. Na melhor tradição britânica, já contou a história da GrãBretanha em 15 episódios transmitidos pela BBC ou, noutra série televisiva famosa, analisou a importância da pintura na história europeia a partir de oito quadros consagrados, de Caravaggio a Rothko. A sua obra “The American Future – a History”, publicada em 2008 e traduzida agora pela Civilização para língua portuguesa, serviu de base a uma outra série para a BBC. É um grande comunicador e um grande divulgador. Criticado entre alguns dos seus pares por subordinar a form forma ma ao conteúdo, a verdade é que q e os seus livros se tornam qu numa n nu ma leitura compulsiva. A sua narrativa da América a é construc nstruco ída através de uma viagem com personagens reais que atravessa a Guerra da Independência e a Guerra Civil, passa pela emancipação dos escravos no século XIX ou pelo combate pelos direitos cívicos dos negros nos anos 60 do século XX, pelas sucessivas vagas de imigrantes que formam o “melting pot” que faz da América o único país do mundo em que a multiculturalidade é congénita. O seu objectivo é descrever o combate de ideias sobre quatro grandes traços que definem historicamente a nação americana: a guerra, a religião, a imigração/etnicidade e a abundância. Ele próprio reconhece que a necessidade de filmar essa história o levou, muitas vezes, à descoberta das personalidades que simbolizam este combate de ideias. Numa entrevista à PÚBLICA quando do lançamento da edição portuguesa, dá um exemplo: “Eu andava a tentar encontrar um fio condutor para a América de Bush e da Halliburton para a forma como a guerra do Iraque foi travada, que corresponde a uma visão brutal da forma como os problemas devem ser resolvidos através dos meios militares”. Foi aí que se deparou com a figura de Montgomery Meigs, um militar do tempo da Guerra Civil que simbolizava a tradição oposta sobre o poder militar. E é daí que parte para o debate fundador entre Jefferson e Hamilton para compreender a natureza da República americana: a maior democracia do mundo versus o maior império do mundo. “O império da liberdade versus a república cezarista”. Este é o capítulo sobre a guerra. Há um terceiro sobre a etnicidade ou, se se quiser, o que significa ser americano: a tensão entre a América como o “cadinho de Deus onde todas as raças da Europa se fundem e se reforma” (século XIX) ou a América nativista que combate primeiros os irlandeses e os alemães, depois os chineses, depois os mexicanos. “O fervor da América”, o segundo capítulo, opõe o racionalismo iluminado de Jefferson e a moralidade cristã oficial de Adams. Um último, sobre a ideia de abundância, descreve uma nação que se habituou a não conhecer limites e que se vê hoje diaria- -25*(6$/*8 (,52 DViEjV K GRPjVK _0 MIGUEL MANSO &/(0(17,1$&$%5$/ Ô/7,026 (63(&7É&8/26 12,7(6%5$1&$6 DSDUWLUGH1RLWHV%UDQFDVGH),Ð'25'2672,e96., HQFHQDomR)UDQFLVFR6DOJDGRSURGXomR3URFXUDUWH VDODHVW~GLRDWp-81_DViEK_0 +$9,$800(1,1248((5$3(662$ 3RHPDVSDUDD,QIkQFLDGH)(51$1'23(662$ HQFHQDomR/XFLQGD/RXUHLUR_FRP-RVp)LJXHLUHGR0DUWLQV ViEHGRPKSDUDWRGDDIDPtOLD_0 6Ð+2-( SDUDHVFRODVGXUDQWHDVHPDQD_VREPDUFDomR “O Futuro da América” é uma leitura obrigatória para quem quer perceber o que está hoje em jogo nos EUA e, portanto, no resto do mundo ($0$1+® $57(_(6&2/$_&2081,'$'( (1&217526GH-XQKRD-XOKR Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 41 Livros aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente Leitura mente confrontada com os seus próprios limites. O livro, como o próprio autor admite, é sobre a complexidade da América e a sua inesgotável capacidade de superar as crises. Tem uma conclusão: que “nunca é aconselhável desistir da América”. Por isso, Schama escreve na sua introdução: “Poderei indicarvos o preciso momento em que a democracia americana ressuscitou: foi às 19h45 (hora da Europa Central) do dia 3 de Janeiro de 2008. O céu cinzento não ostentava nenhum sinal a dizer ‘Dia Histórico’”. O dia em que o Iowa fez a sua escolha para candidato democrata à Casa Branca. Se queremos perceber o que hoje está em jogo, então a leitura do livro é obrigatória. A tradução é competente. Ensaio O design e as suas palavras Uma obra excêntrica mas essencial: vinte e dois textos curtos que desmontam de modo quase casual as palavras mais comuns do discurso do design. Mário Moura Uma Filosofia do Design - A Forma das Coisas Vilém Flusser (Trad. Sandra Escobar) Editora: Relógio de Água mmmmn No que diz respeito ao design, este não é um livro particularmente bonito, nem por dentro, nem por fora – o que talvez afugente algum do seu público alvo. É pena, porque é uma obra excêntrica mas essencial, vinte e dois textos curtos, cheios de reviravoltas que, escapando-se a exemplos óbvios e a nomes sonantes, desmontam de modo quase casual as palavras mais comuns do discurso do design, desarticulando finalmente a própria relação deste com a sociedade, a arte, a ciência, a ética e a cultura. Começa-se, justamente, pela própria palavra “design”, descobrindolhe novos sentidos a partir de velhas interpretações. Hoje o termo é associado a “desenho” ou “projecto”, mas Flusser recupera-lhe outros significados, mais negativos, como “conspiração”, “trama” ou “intriga”, todos sinónimos de “design” na língua inglesa. Visto deste modo, o de42 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon Graça Lobo, Virgílio Castelo e Jorge Silva Melo lêem excertos de Samuel Beckett e James Joyce, no Instituto sign deixa de ser uma acção neutra, mas passa a ser visto como algo que engana, que se atravessa no caminho, nem sempre com as melhores intenções; quanto ao designer, passa a ser “um conspirador dissimulado que estende as suas armadilhas”. Através do design, engana-se a natureza, substituindo “o que é natural pelo que é artificial”, transformando “dissimuladamente simples mamíferos condicionados pela natureza em artistas livres”. Esta análise etimológica torna-nos “conscientes de toda a cultura ser uma fraude, de nós sermos burlões burlados, e de qualquer interesse pela cultura equivaler a um auto-engano”. Mas será que se pode redimir o design depois desta tomada de consciência? Flusser confessa finalmente que a intenção – mais um sinónimo de design – do seu ensaio é mostrar os seus aspectos insidiosos; poder-se-ia igualmente sublinhar a relação da palavra design com termos mais optimistas, como as palavras alemãs Zeichen, “sinal”, Anzeichen, “indício”, Vorzeichen, “presságio” ou Abzeichen, “marca distintiva” – tudo dependendo da intenção ou seja do design. A equivalência entre intenção e design introduz um tema recorrente ao longo do livro: a responsabilidade do designer e a dificuldade de manter uma ética convincente dentro do design. A industrialização veio fragmentar os processos de trabalho; tarefas que eram produzidas por uma única pessoa, neste momento são distribuídas por longas cadeias de produção, sendo a responsabilidade dispersa de igual modo. Já não é possível, portanto, isolar a responsabilidade quando as coisas correm mal. É uma visão pessimista, mas Flusser apresenta também algumas soluções. No ensaio “O design: um obstáculo à remoção de obstáculos”, por exemplo, ele lembra que a palavra “objecto” se aproxima bastante de “obstáculo” mas também de “objectar”; um objecto é, portanto, algo que – tal como o design – se atravessa no caminho das pessoas. Mesmo quando se produzem objectos com o intuito de resolver um problema, de remover um obstáculo, está-se a criar novos problemas, novos obstáculos. No entanto, é possível – e aqui entra de novo em jogo a intenção – criar objectos não com o fim de se atravessarem no caminho, mas de dialogarem com outras pessoas, comunicando com elas. Para Flusser, a “responsabilidade é a decisão de responder por algo perante outras pessoas. Significa lealdade em relação aos outros”; estes objectos, ao colocarem a sua ênfase na comunicação, encarnam uma responsabilidade perante os outros, perante a sociedade. Qualquer um destes ensaios demonstra bem o método de Flusser: através da etimologia de uma palavra descobrem-se sentidos inesperados que permitem pôr em relevo o papel que esse conceito desempenha ac- Franco-Português, Lisboa (inserido no Festival do Silêncio) a 16 de Junho às 21h30. tualmente ou a forma como poderá evoluir no futuro. Por vezes, não se trata apenas da maneira como uma palavra muda ao longo do tempo, mas do modo como é interpretada em diferentes lugares. Flusser recorre frequentemente ao inglês, ao alemão, ao francês para ilustrar os seus argumentos, uma versatilidade linguística que deriva sem dúvida do seu percurso: nascido em Praga, em 1920, foi o único sobrevivente da sua família, desaparecida nos campos de extermínio; emigraria para São Paulo em 1940, onde foi director de uma fábrica de transformadores e professor universitário de filosofia; do Brasil, voltaria a emigrar nos anos 70, desta vez para França, tendo vindo a falecer em 1991, num acidente de automóvel na sua cidade natal, Praga, à qual regressou para dar uma conferência. Os seus textos sobre design, embora publicados num sem número de revistas e antologias entre 1970 e 1991, só seriam reunidos em livro depois da sua morte, revelando uma forma extremamente critica de pensar o design, que não resvala porém para o moralismo fácil e típico de o apresentar como algo simplesmente reprovável, publicidade e consumo com aspirações a forma de arte, vendo-o sempre como uma tarefa que, quando é executada de modo responsável é tão importante, complexa, útil e digna de consideração como outra coisa qualquer. Muita desta reflexão será desperdiçada nos próprios designers, para quem um livro sobre palavras parecerá talvez supérfluo. Por tradição, os designers não gostam de falar, a maioria nem gosta de palavras – se não estivermos a falar de letras, das suas formas, do seu desenho. Falar sobre design é uma espécie de derrota, uma admissão que este às vezes precisa de um empurrãozinho para funcionar. Dito de outro modo: uma filosofia do design parece supérflua. Porém, mesmo o designer mais pragmático passa mais tempo a falar, a discutir e a argumentar do que gostaria de admitir – também para ele, as palavras são ferramentas. Presença da “presença” Indícios de Oiro – Volume I Eugénio Lisboa Imprensa Nacional-Casa da Moeda mmmnn Publicado há vários meses mas tardiamente distribuído, “Indícios de Oiro” assinala os oitenta anos de Eugénio Lisboa, que correspondem a décadas de intervenção crítica. Autor de obras ensaísticas importantes, como “Crónica dos Anos da Peste” (19731975), Lisboa andou na órbita “presencista”, tendo estudado em especial a obra de José Régio, de quem foi amigo. Os dois grossos volumes de “Indícios de Oiro”, que reúnem textos dispersos, também são, de algum modo, crítica presencista. Não porque se ocupam apenas dos escritores ligados à revista coimbrã, mas porque os ensaios partem de pressupostos críticos afins aos de Régio e seus colegas. O próprio título é, além da homenagem poética óbvia, um sinal: Lisboa procura “indícios”, ou seja, intuições críticas, do “oiro”, que corresponde ao que Régio chamava “um caso”. Interessa-lhe encontrar intuitivamente os grandes casos da literatura, nomeadamente da portuguesa. Embora tenha sido professor universitário, Eugénio Lisboa tem uma mentalidade ostensivamente não-académica, e a sua tendência polémica tem como alvo frequente a universidade portuguesa, e o cânone que esta terá estabelecido. Lisboa rejeita algumas ideias dominantes. O domínio do significante sobre o significado, a tendência hermética, e aquilo a que chama o “vocabulário ingramável” e a “sintaxe teratológica”. Por mais equívoca que sejam essas palavras, defende no essencial uma literatura de realismo e claridade. Um realismo plural, aberto ao social e ao metafísico. E uma claridade de simplicidades aparentes, com zonas de sombra. Ocupando-me nesta recensão apenas do primeiro volume (sobre autores portugueses), direi que é notória a valorização de autores que estão do lado de uma certa “legibilidade”, como Namora ou Eugénio. No que ao romance diz respeito, a bíblia de Lisboa é o Forster de “Aspects of the Novel” (1927). O ensaísta faz justiça aos contistas portugueses, em textos lúcidos sobre Domingos Monteiro, Branquinho da Fonseca e Maria Judite de Carvalho, que apontam diferentes caminhos realistas, do comezinho ao inquietante: “ (…) nas narrativas de Domingos Monteiro, nada é só o que parece: o real não é só real e sugere ou coabita com ou promove o sobrenatural, as pessoas são mais do que à primeira vista nos é transmitido, as histórias despretensiosamente contadas são mais do que histórias bem contadas, a vida aparentemente mais banal transmuta-se em destino, o banal quotidiano enche-se inesperadamente de conteúdo mítico ou simbólico (…)” (pág. 210). O ensaísta também não aceita certos “diktats” intelectuais, como aquele que menospreza o biografismo. Ao contrário, acha úteis as biografias bem feitas, e na recensão a uma vida de Júlio Dinis (paradigma da legibilidade) mostra como se criam falsas imagens dos escritores, no caso de um romancista que, segundo Eça, “viveu de leve, escreveu de leve, morreu de leve”, resumo que Eugénio Lisboa considera escandaloso. Lisboa recupera igualmente autores ignorados por causa da sua discrição, enaltecendo o regionalismo vernáculo de João de Araújo Correia ou o minimalismo ensimesmado de Saul Dias. O negregado “psicologismo” também é resgatado, e Lisboa diz que o que serve para Proust também há-de servir para a pátria. E há ainda um perceptivo ensaio que demonstra que David Mourão-Ferreira não é, como se julga, um poeta totalmente luminoso. Às vezes aparecem juízos bastante discutíveis. Será verdade que Urbano Tavares Rodrigues nunca é toldado pela cegueira partidária, como aqui se diz? Que Sílvio Lima foi o nosso maior ensaísta? Que o instinto sexual é decisivo em Torga? Pontos que ficam por provar. Em contrapartida, o autor tem intuições e deduções excelentes, como as páginas sobre um Rodrigues Miguéis americano que nunca saiu de facto de Lisboa, ou sobre a correspondência de Jorge de Sena que rasura a interioridade. E também há belos textos de literatura comparada: a aproximação de “A Selva” a “Heart of Darkness” ou a noção de exílio em Pessoa e Cavafis. Nem todos os ensaios são elogios: o autor é severo com a obsessão Nobel de Vergílio, e ajusta velha contas presencistas com Casais Monteiro. Se Eugénio Lisboa abusa das citações, é verdade que também regista os factos, alguns menos conhecidos, para que possamos formar o nosso juízo. O volume I de “Indícios de Oiro” acaba menos bem, com um punhado de textos sobre alguns autores dispensáveis que deslustram um pouco o critério exigente de Eugénio Lisboa. Mas começa muito bem, com evocações em que a literatura não se distingue da vida. É o caso de um Camões visto do Índico (o autor nasceu em Moçambique), ou dos tocantes textos sobre Camilo como autor que nos faz companhia (com o pai em fundo). É também na “vida” (e não apenas nos “textos”) que encontramos o oiro e os indícios. Pedro Mexia Um bispo e um céptico olham-se na praça Diálogo em Tempo de Escombros Manuel Clemente com José Manuel Fernandes Pedra da Lua mmmnn A primeira virtude desta obra é trazer para o espaço público o debate de ideias, raro em Portugal. Não é conversa de café ao sabor do vento circulante, nem uniformizada no politicamente correcto dominante sobre cada tema. Antes aprofunda razões, cruzando referências e saberes, com uma linguagem acessível de invulgar qualidade e riqueza. O debate protagonizado em “Diálogo em Tempo de Escombros” por José Manuel Fernandes, ex-director do PÚBLICO, “duplamente céptico, face ao país e face a Deus”, e Manuel Clemente, bispo católico do Porto, coloca questões arredadas do debate político e social: a actual situação portuguesa e as suas causas históricas, a educação, economia, papel do Estado, lugar da Igreja Católica e da afirmação crente no espaço público, e a figura de Bento XVI. Há três textos de cada autor, iniciados com perguntas de José Manuel Fernandes. O prefácio é de José Tolentino Mendonça. Não é nova a experiência de ler um crente e um não-crente em diálogo, há experiências anteriores: Umberto Eco e o cardeal Carlo Martini (“Em que Crê Quem Não Crê”, ed. Gráfica de Coimbra); Joseph Ratzinger (o actual Bento XVI) com Jürgen Habermas (revista Estudos) ou com Flores d’Arcais (“Existe Deus?”, ed. Pedra Angular); ou Eduardo Prado Coelho e D. José Policarpo (“Diálogos sobre a Fé”, ed. Notícias). Sendo um debate de ideias, vale a pena enunciar e discutir algumas. José Manuel Fernandes manifesta o seu pessimismo em relação a Portugal, país “estruturalmente pobre” e dependente dos poderes públicos; per- gunta se os católicos mais aguerridos não são os que têm orientações mais conservadoras e se a moral sexual da Igreja não está hoje ultrapassada; interpela a capacidade de intervenção da Igreja no espaço público ou as mudanças que Bento XVI deveria protagonizar; enuncia as ideias da “terceira vaga de ateísmo”; e reconhece que o sistema de ensino perpetua desigualdades. Manuel Clemente defende a democracia mais participada, com escuta e ponderação, na qual crentes e nãocrentes se encontrem numa cidadania comum; reconhece a “escassa” qualidade do catolicismo português; admite a possibilidade do debate sobre temas como o celibato; verifica o individualismo da pós-modernidade; lamenta a extinção da componente religiosa da educação portuguesa em 1759 (expulsão dos jesuítas) e em 1834 (extinção das ordens religiosas); defende a pedagogia que valorize cada aluno e observa a esperança que se descobre no trabalho de muitas instituições, pessoas e grupos. Dois tópicos para a discussão: José Manuel Fernandes coloca o ónus de muitos dos problemas do lado da política. Mas, hoje, o verdadeiro poder está nos grandes grupos financeiros, que ninguém elegeu e dos quais dependem os próprios políticos. Basta ver a actual crise e as promessas de maior regulação dos “mercados”. E ver como não estamos perante empresas do PSI20 cujo destino depende “das suas relações com o governo”, mas precisamente do seu contrário: FERNANDO VELUDO/ NFACTOS ENRIC VIVES-RUBIO O debate protagonizado por um José Manuel Fernandes “duplamente céptico, face ao país e face a Deus”, e Manuel Clemente, o bispo do Porto, coloca questões arredadas do debate mais mediático governo e políticos dependentes de interesses de empresas. A encíclica de Bento XVI Caritas in Veritate (Caridade na Verdade), que o ex-director do PÚBLICO bem cita, diz que “é causa de graves desequilíbrios separar o agir económico do agir político, cuja função seria buscar a justiça através da redistribuição”. D. Manuel Clemente nota, a propósito da pós-modernidade e do subjectivismo subjacente, que “palavras como efémero, intenso, lúdico tornaram-se vulgares”. Mas este é o quadro ao qual o catolicismo é hoje chamado a responder. A própria fé é individual, mesmo se vivida em matriz comunitária, genética ao cristianismo. O próprio D. Manuel escreve: “Cristo converte-nos à realidade de cada pessoa, não à irrealidade do todo.” Por isso, a subjectividade há-de ser tida em conta em questões como a moral sexual. Para evitar que muitos católicos convivam mal com o facto de outros terem posições diferentes sobre o aborto, por exemplo, mas não se espantem com os católicos que defendem actos como a intervenção dos Estados Unidos no Iraque, apesar de a guerra ser “uma derrota da humanidade” na expressão de João Paulo II. Última nota: José Manuel Fernandes reconhece o “preconceito anti-religioso hoje dominante na maioria dos meios de comunicação social”; D. Manuel Clemente fala de uma “resistência à crença” na política e nos média; no prefácio, a ler também com atenção, Tolentino Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 43 Livros aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente Bestseller Ficção Matemática da sociedade britânica Um romance sobre a diferença – de culturas, de classes, de orientações sexuais – e sobre as ideias contraditórias num tempo particular. Helena Vasconcelos O Escriturário Indiano David Leavitt Ed. Teorema mmmmn Em 1913, a crise política e económica na Europa é já uma realidade mas em Cambridge, Inglaterra, a vida segue as mesmas rotinas. Na Universidade centenária que observa ainda, quase intactos, os preceitos e normas medievais, a busca do conhecimento e as demonstrações de sabedoria convivem com praxes e rituais fora de moda. A Matemática mantém-se, desde Sir Isaac Newton, como disciplina obrigatória para todos os cursos, sendo os alunos obrigados a passar o “Tripos”, teste rebuscado e inútil contra o qual se rebela G.H. Hardy, figura central de “O Escriturário Indiano”, romance histórico do americano David Leavitt que regressa (depois do arriscado “Enquanto a Inglaterra Dorme” que lhe valeu um processo por plágio interposto por Stephen Spender) ao tema da complexa e hierarquizada sociedade britânica. Hardy, um matemático famoso e uma das mentes mais brilhantes da sua geração, trabalha na demonstração da hipótese de Riemann, um problema que envolve os números primos – Leavitt é, também, autor de uma breve biografia do matemático Alan Turing, o “pai” dos computadores –, quando recebe uma carta vinda da Índia, enviada por S. Ramanujan, um simples empregado num escritório em Madras, que afirma que descobriu sozinho, e sem o benefício de qualquer formação académica, a so44 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon dos mais vendidos do mercado nacional. É uma extensão do volume “Eclipse” e é contada pela voz da jovem vampira Bree Tanner, que tem uma breve aparição nesse livro. Na Grã-Bretanha, no primeiro dia, venderamse 79 exemplares por lução para esse e outros problemas. mais uma vítima colateral devido às literalmente de Ramanunjan. A sua Deslumbrado com os exemplos doenças que contrai nesse período – atitude possessiva é, no romance, apresentados por Ramanujan, Har- consequência da má nutrição e falta semelhante à de Alice Neville, a mudy desenvolve esforços – juntamen- de vitaminas – em que a escassez de lher de outro matemático que acote com o seu colega e amigo J.E. Lit- alimentos se torna ainda mais cruel lhe o indiano nos primeiros tempos tlewood – para trazer “a máquina para um vegetariano convicto. e se preocupa com o seu bem-estar, calculadora indiana” para InglaterNuma época em que o individualis- lançando-se em cómicas aventuras ra. Depois de grandes dificuldades, mo é exaltado, G.H. Hardy surge, em culinárias vegetarianas e alegando Ramanujan chega e, com ele, uma “O Escriturário Indiano”, como um que Ramanujan só é bem tratado em torrente de exotismo e estranheza. herói moderno: um matemático so- sua casa. Os seus ciúmes erótico-maEntre Hardy, o revolucionário que bredotado, o único que, inicialmente, ternais competem com os de Hardy se libertou da tradicional corrente compreende o valor de Ramanujan, que, para além de ignorar a cultura e newtoneana, conhecido pelas suas o intelectual dedicado, o esteta, o necessidades do seu excêntrico condescobertas no âmbito da Teoria dos homossexual discreto, o pacifista e vidado, desenvolve um certo fascínio números e da Análise matemática, e o homem coerente e corajoso que predatório por Ramanujan que ele o indiano que desde criança se en- apoia Bertrand Russell quando este imagina como “um jovem Gurka de tretém a formular “quadrados mági- é julgado e preso. No entanto, o au- espada em punho”. cos” e que faz descobertas sucessivas, tor não foca apenas estes aspectos da Mais do que a história de uma relacriando teoremas e conjugações de sua personalidade, detendo-se em ção extraordinária num tempo extrarara beleza, surge uma colaboração zonas bem mais obscuras como o seu ordinário, “O Escriturário Indiano” é estreita mas não isenta de atritos. sentimento de culpa pelo suicídio do um romance sobre a diferença – de Mais tarde, Hardy dirá que a convi- amante, o desprezo pela vida conju- culturas, de classes, de orientações vência com Ramanujan foi o único gal dos seus colegas heterossexuais, a sexuais – e sobre as ideias contradiepisódio romântico da sua vida mas arrogância intelectual e os complexos tórias num tempo particular. Leavitt engane-se quem pensa que ele esta- por não pertencer ao mesmo estra- aproveita para retratar Cambridge ria a referir-se (apenas) a um aspecto to social que os seus amigos. Hardy como um microcosmos onde alguns sentimental. também é criticado pela forma co- dos melhores pensadores acabam Hardy é um homem de Cambridge, mo, em nome da Ciência, se apodera por ser derrotados pela máquina de um membro activo da célebre sociepropaganda bélica e introduz aparidade secreta “Os Apóstolos” – à qual ções relâmpago de, por exemplo, Witpertenceram figuras ilustres como tgenstein e D. H. Lawrence, bem com Bertrand Russell, G. E. Moore, John referências especiais aos membros Maynard Keynes e Lytton Strachey –, do Bloomsbury Group que acolhia um homossexual assumido e um ateu os pacifistas mais ferrenhos. convicto; Ramanujan é “o outro”, o A Guerra, para além do campo de estrangeiro oriundo de uma terra batalha que clama milhões de vidas exótica e distante, o hindu ortodoxo, e tudo destrói (a Biblioteca de Louvegetariano, ascético e distante que vaina, onde estudou Damião de Góis, afirma que a sua singularidade como é arrasada pelos alemães que assim matemático é devida à intervenção fazem desaparecer milhares de madirecta de uma deusa (Namagiri) – o nuscritos góticos e renascentistas) é, também, a arena onde a Razão que, obviamente, irrita Hardy. Com o deflagrar da Guerra, Raé destronada pela barbárie, manujan é obrigado a ficar em onde os nacionalismos se Cambridge mais cinco anos, sobrepõem aos princípios um tempo que Leavitt desfilosóficos e científicos – creve com (demasiada) Hardy afirma não distinlentidão e minúcia. Mais guir um matemático frando que contar as pecês de um alemão, de um ripécias do trabalho inglês, de um indiano, uma em conjunto dos vez que o que interessa são os respectivos trabalhos – e onde dois matemátios melhores amigos se tornam cos, aproveita inimigos. para perspecNeste livro, Leavitt trata a Mativar o início temática como uma metáfora da do século XX individualidade, da liberdade, da e o despertar inteligência e da criatividade em do Modernistempos sombrios, sem descurar a mo, com a sua crença inicial no verosimilhança e vivacidade que poder do ser humainsufla nas suas personagens, mesno para recriar e memo nas que são fictícias, como lhorar o mundo, com Mais do que sobre uma relação extraordinária num Anne, a amante de Littlewood, e a ajuda da Ciência, tempo extraordinário, David Leavitt debruça-se Thaye, o soldado amante de Haraqui sobre a diferença – de culturas, de classes, dy, que dão corpo a algumas das crença essa que é de orientações sexuais cenas mais eróticas do livro. duramente posta à prova pela barbárie No final, fica o som da voz da Guerra que acacáustica de Hardy, o seu voo ba por reclamar pelas alturas da matemática um número astropura e o que escreveu na sua nómico de vítimas. “Apologia de um Matemático” Ramanujan, que : “nada do que fiz ao longo da vida teve a menor utilidade nunca consegue adaptar-se ao Inprática. Nenhuma das miverno, aos trajes, nhas descobertas fez ou à alimentação, fará, para o bem ou para o mal, a menor diferença paaos costumes ingleses, morrerá, será ra melhorar o mundo” ZUNINO CELOTTO/GETTY IMAGES) Mendonça nota o “paradoxo” de “idealizar uma sociedade aberta e, ao mesmo tempo, clandestinizar uma porção fundamental dela”, como seja a experiência crente. A debater. António Marujo “A Breve Segunda Vida de Bree Tanner: Uma Novela de Eclipse” (ed. Gailivro), o novo livro da Saga Luz e Escuridão, de Stephenie Meyer, publicado em Portugal a 5 de Junho em simultâneo com a edição norte-americana e inglesa, já está na lista minuto. E até à meia-noite de 5 de Julho, o original, “The Short Second Life of Bree Tanner”, pode ser lido online, de graça, em www.breetanner.com. Uma prenda de Stephenie Meyer para os seus fãs. A haver um traço distintivo na escrita de Elsa Morante, o sentimento de perda será o mais eloquente Iniciação e castigo Elsa Morante coloca as suas personagens no centro da mais absoluta solidão. Eduardo Pitta A Ilha de Arturo Elsa Morante (Trad. Hermes Serrão) Relógio D’Água mmmmn Ao contrário de seu marido, Alberto Moravia, a poeta e escritora italiana Elsa Morante (19121985) é uma ilustre ausente da edição portuguesa. Agora, ao fim de 50 anos, “A Ilha de Arturo” volta às livrarias. Aparentemente, a tradução de 1960 não suscitou o interesse pela obra, nem sequer por “Il mondo salvato dai ragazzini”, os magníficos poemas que coligiu em 1968. Elsa Morante escreveu “L’Isola di Arturo” em 1956. Este romance de iniciação obteve instantâneo sucesso de público e de crítica, valendo-lhe o Prémio Strega. Em 1962, Damiano Damiani adaptou-o ao cinema. “Memorie di un fanciullo” (subtítulo do livro) tem acção localizada na ilha de Prócida, onde vive Arturo. A casa que serve de cenário à intriga foi durante dois séculos um convento de frades, passando depois a quartel. É nesse território masculino que Arturo cresce, ao lado de Silvestro, um antigo co- SÃO LUIZ JUN ~1O 16 A 19 JUN FESTIVAL CHOPIN silva!designers Ciberescritas Ponto de não retorno Q uando S. chegou a Lisboa, depois de uma viagem a Nova Iorque, sentou-se no sofá da sala e lamentou não ter trazido na mala um iPad, o novo tablet da Apple, que ainda não se sabe quando estará à venda em Portugal. M. não foi a Nova Iorque, mas mal soube que o iPad ia ser vendido em Espanha, encomendou um através da net para ser entregue na morada de familiares que vivem naquele país. Quando o aparelho chegou às suas mãos, em Lisboa, M. percebeu que nada ia voltar a ser como antes. Percebeu que está a acontecer uma revolução na forma como lemos jornais e revistas. Para isso bastou-lhe ir buscar a nova aplicação que a revista norte-americana “Wired” fez para o iPad. Ler esta revista num iPad, com todas as possibilidades que um ecrã táctil dá ao leitor, é fantástico. De repente, uma publicidade a um carro transforma-se num jogo interactivo. Uma imagem numa entrevista passa a ser, ao toque de um dedo, um vídeo com o entrevistado. Uma infografia ganha vida, muda de cor. Tudo isso graças ao deslizar e toque dos dedos. Há uma sensação de proximidade que não se tem quando se lê num computador. Quando peguei num iPad pela primeira vez, não foi amor à primeira vista. Mas as semanas vão passando, e agora o tablet da Apple não me sai da cabeça. Um iPad é muito mais pesado que um Kindle. Escrever no iPad é uma maçada e as dedadas ficam no ecrã e os reflexos também. Mas a rapidez do aparelho é impressionante. Ler banda-desenhada, por exemplo, com a aplicação da Marvel para o iPad, é entrar noutra dimensão. Ler livros infantis no iPad ou a versão de “Alice no País das Maravilhas” da AtomicAntelope é um divertimento. No You Tube já se encontram vídeos onde se podem ver crianças de dois anos e meio a interagirem com o aparelho. Na segunda-feira, Steve Jobs, durante a apresentação do novo modelo do iPhone, o smartphone da Apple, disse que se vende um iPad em cada três segundos e que já foram vendidos mais de um milhão de aparelhos em 28 dias. Acrescentou: foram descarregados mais de 5 milhões de livros para estes aparelhos, durante os primeiros 65 dias de funcionamento da loja dedicada aos livros em formato electrónico da Apple, a iBookstore. Falou em 2,5 livros por cada aparelho vendido, mas não especificou se os livros descarregados eram gratuitos. A aplicação iBooks, além de estar disponível no iPad, vai passar a estar também disponível no iPhone 4 como um download gratuito através da App Store. A aplicação inclui a iBookstore, que permite procurar, comprar e ler livros num dispositivo móvel e que tem mais de 60 mil títulos disponíveis. Quando se estiver a ler um livro podem fazer-se marcas, destaques e notas. Os utilizadores do iBooks poderão também ler e gravar PDF directamente na aplicação. E vão poder ler o mesmo livro no seu iPad, no iPhone ou no iPod touch. A Sony fez uma sondagem nos EUA e percebeu que 11 por cento dos americanos que compraram um iPad o fizeram porque queriam ler livros. “Daqui a cinco anos vai ser vendido mais conteúdo digital do que impresso”, afirmou ao “The Telegraph” Steve Haber, o presidente da divisão da Sony que se dedica aos leitores digitais. No mercado editorial e dos e-books, diz ele, chegou-se ao ponto de não-retorno. WWW.TEATROSAOLUIZ.PT zinheiro, “doublé” de ama-seca, que o alimenta com leite de cabra. No tempo do anterior proprietário, Romeo, o Amalfitano, ficaram famosas as festas onde só eram admitidos rapazes muito jovens, grande parte dos quais, depois da sua morte, apareceram a reclamar presentes. Na Casa dos Guaglioni, assim chamada na terra, não entravam mulheres (em dialecto local, “guaglioni” é um termo pejorativo para rapazinho). Romeo era o amigo dilecto de Wilhelm Gerace, a quem deixou a propriedade em herança. É ali que Wilhelm instala a mulher e o amante, inibindo a primeira de interferir na sua vida: “E não será a ti, minha menina, que terei de dar conta das minhas fantasias! [...] E se tu pensas, pobre boneca piolhosa, se tu pensas que, lá por sermos casados, tenho de ficar agarrado aos teus farrapos, é melhor que te desenganes desde já.” Fez-lhe um filho, naturalmente. Arturo, o protagonista, tem catorze anos. Órfão de mãe, mantém com o pai uma relação distante. Vive encerrado no mundo da heroicidade viril das narrativas de cavalaria, tendo por horizonte a baía de Nápoles e o afecto da cadela Immacolatella. Mas Immacolatella morre ao parir cinco cachorrinhos. À ilha, Arturo viu chegar Nunziata, nova mulher do pai, adolescente pouco mais velha do que ele: “Ninguém pensaria que fosse uma noiva [...] Ora, é verdade que uma mulher com quinze ou dezasseis anos [...] já é grande e desenvolvida, ao passo que um rapaz [...] é considerado uma criança.” A pouco e pouco, Arturo desenvolve uma atracção pela madrasta, ao mesmo tempo que o pai se apaixona por Tonino Stella, um recluso da penitenciária local que beneficiou de amnistia. Arturo não gosta desse homem de musculatura ostensiva e “passo elástico e vigoroso de jóquei” que domina o pai. Um dia, abandona Prócida na companhia de Silvestro: “À volta do nosso navio, o mar era todo uniforme, infinito como um oceano. Já não se via a ilha.” A guerra está iminente, e Arturo disposto a oferecer-se como voluntário para escapar ao “huis clos” em que a casa se transformara. Filha “bastarda”, como então se dizia, Elsa Morante coloca as suas personagens no centro da mais absoluta solidão. Se podemos isolar um traço distintivo, o sentimento de perda será o mais eloquente. Sobre este livro em particular, disse várias vezes (como Flaubert da Bovary) “Arturo sou eu”. Nunca saberemos como seria se o tivesse escrito hoje, livre de ambiguidades identitárias e do discurso oblíquo (e oblíquo apesar do realismo das imagens) dos anos 1950. Ou se a dicotomia entre uma tez loura e outra morena — Wilhelm Gerace, filho de mãe alemã, é um louro genuíno; Arturo, como Tonino Stella e os habitantes da ilha, são morenos de olhos escuros — seria expressa do mesmo modo. ANTÓNIO ROSADO 16 JUN RECITAL DE PIANO QUARTA ÀS 21H00 SALA PRINCIPAL M/3 17 E 18 JUN COM A ORQUESTRA METROPOLITANA DE LISBOA MAESTRO JEAN-SÉBASTIEN BÉREAU QUINTA E SEXTA ÀS 21H00 SALA PRINCIPAL M/3 19 JUN MÁRIO LAGINHA TRIO SÁBADO ÀS 21H00 SALA PRINCIPAL M/3 APOIOS SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640 BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H T: 213 257 650; BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS Quando peguei num iPad não foi amor à primeira vista. Mas agora o tablet da Apple não me sai da cabeça iPad http://www. apple.com/pt/ ipad/ http://www.apple.com/pt/ipad/ apps-for-ipad/ iBooks http://www.apple.com/pt/ipad/ features/ibooks. html As crianças e o iPad http://www. youtube.com/wa tch?v=pT4EbM7 dCMs&feature=r elated isabel.coutinho@publico.pt http://www.youtube.com/watch? v=bhdoHtnD4Ts (Ciberescritas já é um blogue http://blogs.publico.pt/ ciberescritas) Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 45 Concertos aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito mmmmmMuito BommmmmmExcelente Bomm mm m mm mm mmE Ex xc ce elente Festival Os The Fall, uma das mais resistentes instituições nascidas do pós-punk britânico (acabam de lançar “Your Future Our Clutter”, o seu 28.º álbum de estúdio), são o nome maior do festival M Milhões de F Festa, que vai acontecer em Barcelos, rock dos Valient Thorr, a pop electrónica de Appaloosa, a estranha música de dança dos Crystal Fighters, bem como os filhos da terra Black Bombaim, Aspen, Alto!, entre outros. O cartaz, que ainda não está fechado, pode ser consultado em http:// www.milhoesdefesta.com. O activismo de Ursula Rucker quinta-feira em Lisboa, no Festival Silêncio! Pop Com que voz Meredith Monk num concerto único na Guarda. Mário Lopes Meredith Monk Vocal Quartet Guarda. Teatro Municipal da Guarda - Grande Auditório. Rua Batalha Reis, 12. 5ª, 17, às 21h30. Tel.: 271205241. 15€. Dizer que a música de Meredith Monk é única, sendo certo que o é, soa tanto a cliché quanto a perene classificação dos Rolling Stones como “reis do rock’n’roll”. Mas a verdade é esta: Meredith Monk, nascida em 1942 em Nova Iorque, preservou para si um espaço singular na música das últimas três décadas. Música, compositora, performer, coreógrafa ou realizadora, Monk nunca conteve a sua criatividade em espaços estanques, como se revelará ao público que assistir na próxima quinta-feira, dia 16, ao seu concerto no Teatro Municipal da Guarda, data única em Portugal. A sua marca mais identificável é a voz que Meredith Monk despe de palavras para descobrir novos Meredith Monk, a voz interior mais singular da América, faz-se acompanhar por três elementos do seu Vocal Ensemble 46 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon entre 23 e 25 de Julho. A banda de Mark E. Smith, o único membro permanente dos Fall, actua no segundo dia do festival. O cartaz, com mais de 60 bandas, produtores e DJ, repartidos por três palcos, conta ainda com a electrónica cheia de sol dos Delorean, o significados no som, mas esse é “apenas” um dos elementos da sua intervenção. Exemplo fácil: na década de 1980, realizou os filmes “Ellis Island” e “Book of Days”. Claro que não eram apenas cinema, eram ópera e instalação, e tiveram também existência em palco e em disco. “Formada” nos circuitos vanguardistas nova-iorquinos na década de 1960, movimentando-se entre as artes de palco e as formas musicais, teria no minimalismo de Steve Reich ou de Philip Glass as suas bases fundadoras. O óbvio, pela segunda vez, será referirmo-nos à densidade onírica da sua música, que Björk, para o bem e para o mal, tomou como referência, e à forma como as suas técnicas vocais nos ligam a algo tão próximo do animismo quanto de uma ideia de meditação (budista?). Abrangente, presente em bandas sonoras de Godard e dos Coen, com obra exposta no passado no Lincoln Center ou no Whitney Museum, Meredith Monk apresentou na primeira década do século XXI a sua primeira peça para orquestra, “Possible Sky”, encomendada pela New World Symphony, e a primeira composição para quarteto de cordas, “Stringsongs”, para o Kronos Quartet. Na Guarda, surge em formato mais “clássico”. Ou seja, incluída no Vocal Ensemble que fundou em 1978 e que vem sendo um dos seus formatos de actuação musical privilegiados. A acompanhála estarão Theo Bleckmann, Allison Sniffin e Katie Geissinger. O silêncio é uma arma Ursula Rucker + JP Simões Lisboa. MusicBox. R. Nova do Carvalho, 24 - Cais do Sodré. 5ª, 17, às 23h. Tel.: 213430107. 12€. Festival Silêncio! 2010 - Lisboa Capital da Palavra. O silêncio, como bem sabemos, é um bem cada vez mais raro. Na cidade então, é praticamente inacessível. Caminhamos a olhar para ecrãs, a ouvir vozes debitarem informações e publicidade, a receber música a toda a hora, em todo o lado, numa lógica que reduz tudo a um ruído de fundo incessante, ladainha contínua a que já não reconhecemos sentido. O Festival Silêncio surge, logo pelo título, como uma espécie de resistência. Porque é um festival das palavras, da força do verbo. Porque pretende que o público seja transportado no que ouve, que discuta o que lê. A segunda edição, que decorre entre 16 e 26 de Junho, será um evento multidisciplinar espalhado por toda a cidade de Lisboa, entre o Goethe-Institut, o Instituto Franco-Português, o Maria Matos, o cinema Nimas e o MusicBox. Dia 17, quinta-feira, este último acolhe os primeiros grandes destaques musicais do festival, a americana Ursula Rucker e o português JP Simões. Primeiro sobe a palco JP Simões, o músico, cantor e compositor que, quer nos Quinteto Tati quer no seu trabalho a solo (“1970” é um dos álbuns portugueses mais marcantes da década), se firmou como um dos nossos grandes “prosadores” em canção, um ensaísta (a contragosto, certamente) da sua geração. Depois dele, chega Ursula Rucker, uma das mais célebres representantes da “spoken word” na música popular. No mundo pós hip-hop, a cantora e poeta nascida em Filadélfia descobriu na palavra a força do seu activismo. A sua música, onde a electrónica e o hip-hop se juntam a ecos da soul e do jazz das décadas de 60 e 70, existe para dar força àquilo que Rucker tem para dizer. Vence pelo poder da sua expressividade e pela justeza das palavras sobre a condição feminina, a política (com Rucker à esquerda), a ecologia, a igualdade. Em álbuns como “Supa Sista”, ou no último, “Ruckus Soundsysdom”, de 2008, não abre novos campos de debate, intensifica o discurso sobre os de sempre. Até 26 de Junho, o Festival Silêncio acolhe debates e conferências, tertúlias em volta de livros, concertos e “poetry slams”, contando com a presença, no que à música diz respeito, de nomes como Saul Williams e João Peste (dia 25) ou David Maranha, Richard Youngs e Manuel Mota, estes últimos reunidos em formato trio no Maria Matos (dia 21). Jazz Inclassificáveis! Uma das maiores bandas do mundo (“New York Times” dixit) de visita a Lisboa: The Necks. Rodrigo Amado The Necks Lisboa. Teatro Municipal Maria Matos - Sala Principal. Av. Frei Miguel Contreiras, 52. 4ª, 16, às 22h. Tel.: 218438801. 5€ a 12€. Os australianos The Necks, que chegam à sala principal do Maria Matos, em Lisboa, na próxima quarta-feira, têm vindo a conquistar a unânimidade da crítica e do público num ponto essencial – os seus espectáculos são considerados uma das melhores experiências em concerto da actualidade. E porquê? Aparentemente ninguém o sabe dizer, mas os inúmeros relatos de concertos que a banda tem realizado por todo o mundo referem coisas como “uma experiência quase religosa”; “é um total mistério como três músicos conseguem soar como 18”, “uma vibrante viagem emocional para o desconhecido”. Partindo do zero absoluto, sem regras ou planos pré-definidos, Chris Abrahams no piano, Lloyd Swanton no contrabaixo e Tony Buck na bateria conjuram um novo mundo sónico que se encontra em permanente mutação, de disco para disco, de concerto para concerto, iludindo classificações e executando La Shica, da Andaluzia para o Theatro Circo, em Braga The Necks, ninguém no jazz faz concertos como os deles O Keefe Jackson Quartet aterra em Viseu e Lisboa vindo de Chicago, a cidade do jazz uma alquimia rigorosa cujos ingredientes são o minimalismo, a livre improvisação, o rock, o jazz, o experimentalismo, a erudita contemporânea ou, pura e simplesmente, o som. contemporânea nascida a partir do duo de flauta de flauta e percussão de Paula Azguime e Miguel Azguime, têm este fim-de-semana uma segunda etapa no Centro Cultural de Cascais. Será uma dupla comemoração, uma vez que se assinalam também os 50 anos de Miguel Azguime com um concerto pelo Sond’Ar-te Electric Ensemble (hoje, às 21h30) integralmente Keefe Jackson Quartet preenchido com obras a solo deste Viseu. Teatro Viriato - Café-Concerto. Lg. Mouzinho compositor e percussionista, que ao Albuquerque. 4ª, 16, às 22h. Tel.: 232480110. 3,5€. longo das últimas décadas tem Lisboa. Centro Cultural de Belém - Cafetaria desenvolvido uma linguagem de Quadrante. Praça do Império. 5ª, 17, às 22h. Tel.: grande liberdade e mostrado uma 213612400. Entrada gratuita. inquietação constante na procura de novos caminhos. Serão Chicago ameaça, cada vez mais, interpretadas as obras “De l’Étant roubar o título de “cidade do jazz” a Qui Le Nie” para piano e electrónica Nova Iorque, vivendo dias de uma (encomenda do Ministério da actividade musical febril onde se cruzam e misturam centenas de Cultura); “Soit Seul Sûr de Son” para instrumentistas de uma nova violino (encomenda da Casa da geração de músicos para os quais Música); “Le Dicible Enfin Fini” não existem fronteiras ou limites (electrónica); “moment à entre estilos musicais. Digno l’extrêmement...”, para violoncelo e representante de toda essa vibração, electrónica (encomenda do Collectif “Seeing you See” é o nome do éOle); e “No Oculto Profuso”, para registo de estreia do Keefe Jackson clarinete e electrónica. Quartet, editado recentemente para Hoje ainda, o compositor belga a editora nacional Clean Feed - uma Peter Swinnen dará uma conferência mistura poderosa de pós-bop, blues, às 11h na Escola Superior de Música melodias harmolódicas e livre de Lisboa, com o título “A guide to improvisação. Liderado por Jackson, contemporary music in Flanders”, e um jovem saxofonista em ascenção a o Sond’Ar-te Electric Ensemble destacar-se como compositor e (agrupamento criado em 2007 por improvisador, o quarteto integra iniciativa da Miso Music) apresenta ainda três experientes às 15h um ensaio aberto de leituras improvisadores que têm vindo a com o objectivo de promover a marcar a vanguarda musical da escrita musical para a sua formação cidade do vento: o trombonista Jeb de base e oferecer um laboratório Bishop (membro da formação experimental para os compositores. original dos Vandermark 5), o Amanhã, também às 21h30, o contrabaixista Jason Roebke Sond’Ar-te Electric Ensemble (colaborações com Fred Lonberg interpreta um programa centrado na Holm e Mike Reed, entre muitos criação musical contemporânea no outros) e o baterista Nori Tanaka feminino, do qual se destaca a estreia ( Jeff Parker ou Jim O’Rourke, entre absoluta de “Le Navigateur du Soleil outros). Incandescent – quatrième lettre”, de Isabel Soveral (encomenda da Miso Music), e faz também a primeira audição de uma obra colectiva, concebida à maneira de um “cadavre exquis” surrealista, com a participação de 20 compositores. Trata-se da terceira experiência do género promovida pela Miso Music, uma vez que em Abril foram já apresentados outros dois “cadavres Os 25 anos da Miso Music exquis” no Instituto Franco-Português, e os 50 de Miguel Azguime um deles com a num programa de concertos. participação de 25 Cristina Fernandes compositores e outro com 50. No Sond’Ar-te Electric Ensemble final do concerto de Direcção Musical de Pedro Neves. amanhã, será ainda Cascais. Centro Cultural de Cascais. Av. Rei apresentado o CD Humberto II de Itália. Hoje e “Pas de Deux” amanhã, às 21h30. Tel.: 214848900. Entrada gratuita. (etiqueta Portugaler), As comemorações um projecto dos 25 anos da Miso de Isabel Music Portugal, Soveral e associação António destinada à Chagas promoção e Ao longo das últimas décadas, Rosa. divulgação da Miguel Azguime tem desenvolvido criação musical uma linguagem musucal de grande liberdade Chicago, Portugal O russo Grigory Solokov no Festival de Sintra Agenda Bana em homenagem esta noite, no São Luiz Sexta 11 Bana - A Homenagem Com Celina Pereira, Dany Silva, Mayra Andrade, entre outros. Lisboa. Teatro Municipal de São Luiz – Sala Principal. R. Antº Maria Cardoso, 38-58, às 21h. Tel.: 213257650. 15€ a 25€. Kap Bambino + Shy Child + Danger Kap Bambino Porto. Teatro Sá da Bandeira. R. Sá da Bandeira, 108, às 23h59. Tel.: 222003595. 17,5€ (dia) a 27€ (passe). Clashclub. Son of Dave Lisboa. Café Teatro Santiago Alquimista. R. Santiago, 19, às 22h. Tel.: 218884503. 15€. JP Simões Coimbra. Oficina Municipal do Teatro – Sala Grande. Rua Pedro Nunes, às 21h30. Tel.: 239714013. 12€. LAURA HAANPAA 96, às 18h30. Tel.: 213240580. 20€ a 60€. Yuksek + The Whip + Motor Jamie Cullum Porto. Teatro Sá da Bandeira. R. Sá da Bandeira, 108, às 23h59. Tel.: 222003595. 17,5€ (dia) a 27€ (passe). Ponta Delgada. Teatro Micaelense. Largo de S. João, às 21h30. Tel.: 296308340. 25€ a 30€. La Shica Concerto Campestre & Quarteto Arabesco Direcção Musical de Pedro Castro. Braga. Theatro Circo – Sala Principal. Av. Liberdade, 697, às 22h. Tel.: 253203800. 12€. MUSA - Ciclo no Feminino. Alcobaça. Mosteiro de Alcobaça - Sacristia, às 18h. Tel.: 262505120. 8€. Pablo Milanés Cistermúsica - XVIII Festival de Música de Alcobaça. Serpa. Pç. República, às 21h30. Tel.: 284540100. Entrada gratuita. Son of Dave Segunda 14 Guimarães. São Mamede - Centro de Artes e Espectáculos. R. Dr. José Sampaio, 17-25, às 22h. Tel.: 253547028. 12,5€ a 15€. Grigory Sokolov Dan Riverman Festival de Sintra 2010. Obras de Bach, Brahms e Schumann. Coimbra. Oficina Municipal do Teatro - Tabacaria. Rua Pedro Nunes, às 22h. Tel.: 239714013. 5€. Teresa Salgueiro & Lusitânia Ensemble Sintra. Centro Cultural Olga Cadaval. Pç. Dr. Francisco Sá Carneiro, às 21h30. Tel.: 219107110. 15€ a 20€. Terça 15 Christian Muthspiel Trio B Fachada Vila Real. Teatro de Vila Real – Auditório Exterior. Alameda de Grasse, às 22h30. Tel.: 259320000. Entrada gratuita. Aveiro. Teatro Aveirense – Sala Principal. Pç. República, às 22h. Tel.: 234400922. 8€. Jorge Palma Batucada Sound Machine Anaquim Olhão. Auditório Municipal. Av. Dr. Francisco Sá Carneiro, lote B3 r/c, às 21h30. Tel.: 289710170. 10€ a 12€. Sérgio Godinho Quarta 16 Sines. Centro de Artes - Auditório. R. Cândido dos Reis, às 22h. Tel.: 269860080. 5€. Pedro Moutinho + Tiago Bettencourt Lisboa. Castelo de São Jorge. Castelo, às 22h. Tel.: 218800620. 12,5€. Festa do Fado 2010. Noiserv Barcelos. Biblioteca Municipal - Auditório. Largo Doutor José Novais, 47, às 22h. Tel.: 253809641. 3€. Lisboa. Casa Fernando Pessoa. Rua Coelho da Rocha, 16, às 21h30. Tel.: 213913270. Entrada gratuita. Cacique 97 Caldas da Rainha. Centro Cultural e Congressos – Grande Auditório. Rua Doutor Leonel Sotto Mayor, às 21h30. Tel.: 262889650. 10€ a 12,5€ Subscuta. Bilan + Marenostrum + Batucada Sound Machine Angela Maria + Cacique 97 + Malick Pathé Sow + Moya Kalongo Vila do Conde. Cais da Alfândega, às 22h. Tel.: 229351641/42. Entrada gratuita. 3.º Ollin Kan - Festival Internacional das Culturas em Resistência. Custódio Castelo Faro. Teatro Lethes. R. Portugal, 58, às 21h30. Tel.: 289820300. 10€. I Festival Guitarra Portuguesa - Algarve 2010. Trio Com Isabel Alcobia (soprano), Jorge Vaz de Carvalho (barítono), Carla Seixas (piano). Clássica Duplo aniversário 213612400. 10€. Cacique 97 Vila do Conde. Cais da Alfândega, às 22h. Tel.: 229351641/42. Entrada gratuita. 3.º Ollin Kan - Festival Internacional das Culturas em Resistência. Todd Terje + Pinkboy + Pan Sorbe Lisboa. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique Armazém A, às 23h. Tel.: 218820890. Consumo obrigatório. Vienna Mozart Trio Funchal. Teatro Municipal Baltazar Dias. Av. Arriaga, às 21h30. Tel.: 291220416. 10€ (dia) a 50€ (passe). Sintra. Quinta da Regaleira. Rua Barbosa du Bocage, às 17h. Tel.: 219106650. 20€. Festival de Sintra 2010. Obras de Schumann. Concerto Campestre & Quarteto Arabesco Direcção Musical de Pedro Castro. Castelo Branco. Igreja de Santa Maria do Castelo, às 21h30. Tel.: 272348590. 5€ (concerto) a 25€ (passe). 16.º Festival Internacional de Música de Castelo Branco. Quinteto Drummond de Vasconcelos XXXI Festival de Música da Madeira. Funchal. Teatro Municipal Baltazar Dias. Av. Arriaga, às 18h. Tel.: 291220416. 10€ (dia) a 50€ (passe). Paulo Soares XXXI Festival de Música da Madeira. Faro. Teatro Lethes. R. Portugal, 58, às 21h30. Tel.: 289820300. 10€. I Festival Guitarra Portuguesa Algarve 2010. Sábado 12 Sequeira Costa Lisboa. Centro Cultural de Belém – Pequeno Auditório. Praça do Império, às 19h. Tel.: Porto. Casa da Música – Sala 2. Pç. Mouzinho de Albuquerque, às 22h. Tel.: 220120220. 10€. Ciclo Jazz Galp - Áustria 2010. Lisboa. MusicBox. R. Nova do Carvalho, 24 - Cais do Sodré, às 22h30. Tel.: 213430107. 6€. António Rosado Lisboa. Teatro Municipal de S. Luiz – Sala Principal. R. Antº Maria Cardoso, 38-58, às 21h. Tel.: 213257650. 10€ a 20€. Festival Chopin. Ver texto na pág. 18 e segs. Fuck Buttons Lisboa. Lux. Av. Infante D. Henrique - Armazém A, às 23h. Tel.: 218820890. 15€. Sandy Kilpatrick Braga. Theatro Circo – Sala Principal. Av. Liberdade, 697, às 22h. Tel.: 253203800. 8€. Kosmicdream Lisboa. Lounge. R. Moeda, 1, às 22h30. Tel.: 213953204. Entrada gratuita. Cynic Lisboa. MusicBox. R. Nova do Carvalho, 24 - Cais do Sodré, às 22h. Tel.: 213430107. 20€ a 22€. Histórias do Castelo Com Bernardo Sassetti (piano), Sinfonietta de Lisboa. Lisboa. Castelo de São Jorge. Castelo, às 22h. Tel.: 218800620. 12,5€. Quinta 17 António Rosado e Orquestra Metropolitana de Lisboa Direcção Musical de Jean-Sébastien Béreau. Lisboa. Teatro Municipal de S. Luiz – Sala Principal. R. Antº Maria Cardoso, 38-58, às 21h00. Tel.: 213257650. 10€ a 20€. Festival Chopin. Ver texto na pág. 18 e segs. Capella Pratensis, Miguel Borges Coelho e Marta Zabaleta Domingo 13 Lisboa. Centro Cultural de Belém – Pequeno Auditório. Praça do Império, às 21h30. Tel.: 213612400. 12€ (concerto) a 30€ (passe). Rodrigo Leão & Cinema Ensemble + Danças Ocultas De Bach a Kurtág, nas Fronteiras da Clareza. Porto. Casa da Música – Sala Suggia. Pç. Mouzinho de Albuquerque, às 21h30. Tel.: 220120220. 30€. Elena Vorobey Lisboa. Coliseu dos Recreios. R. Portas St. Antão, The Ruby Suns Coimbra. Oficina Municipal do Teatro - Tabacaria. Rua Pedro Nunes, às 22h. Tel.: 239714013. 8€. Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 47 Discos 48 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente Pop Belo pagode Uma patuscada do subúrbio sul-africano. Revitalizante. Vítor Belanciano Die Antwoord $0$ (www.dieantwoord.com) mmmmn Podem ser apenas mais um episódio do “grande barrete do rock & roll”, tal como ele nos foi contado por Malcolm Maclaren e os Sex Pistols. Podem ser apenas uma caricatura. Uma farsa. Um pagode para ver se pega. Mas que belo e tão singular pagode são os sul-africanos Die Antwoord. Uma patuscada de subúrbio que pode ter sido gerada ao milímetro, mas ainda assim revitalizante. Pode-se pegar neles por diversos ângulos, dos mais enaltecedores aos mais depreciativos, mas ainda assim o que sobreviverá será a sua peculiaridade. Como tantos outros antes deles nos últimos anos – de M.I.A. aos portugueses Buraka Som Sistema –, pegaram em linguagens musicais e códigos culturais desacreditados pelo bom gosto instituído e atribuíram-lhe renovadas propriedades. Em primeiro lugar o que surpreende é a língua, mistura de inglês com afrikander, debitada ao estilo do rap de forma singular. Ninja é o durão, o poeta de rua que diz palavrões de forma quase irreflectida. Yo-Landi é a menina inocente, a quem é alterada sinteticamente a voz para ser ainda mais ameninada. Depois existe a música, mistura de linguagens ouvidas nas raves de qualidade duvidosa dos primórdios dos anos 90, um tecno e house encardido e trivial, mas permeável a batidas sintéticas do hip-hop. Aquilo que, no papel, pode soar mal, em disco sobrevive à discrição. Algumas canções subsistem pela sensibilidade pop. Outras, pelo contrário, pelo seu efeito imediato, sem mediação. Em parte pelos excelentes videoclips, algumas delas já são clássicos da internet, em pouco mais de três meses. É o que acontece com “Beat boy”, batida electrónica generosa nos graves, com a voz de Yo-Landi em duelo verbal com Ninja, ou “Enter the ninja”, o tipo de rap electrónico que possui propriedades aditivas. Até há poucos dias este álbum encontrava-se disponível para descarregamento gratuito no site oficial do grupo (www.dieantwoord. Die Antwoord: o epíteto de sensação da internet já ninguém lhes tira com), tendo sido entretanto retirado. Ao que parece está a ser preparada uma versão ligeiramente diferente desta, com convidados, para ser editada oficialmente no mercado físico. Mas o epíteto de sensação da internet já ninguém lhes retira. Perto do coração O melhor Lokua Kanza é o que regressa à fonte. Aquele mesmo que se reencontra em “Nkolo”. Luís Maio Lokua Kanza Nkolo World Village, distri. Harmonia Mundi mmmmn Depois de duas décadas passadas em Paris, Lokua Kanza mudou-se para o Rio de Janeiro. É do outro lado do Atlântico, no entanto, que assina uma dos álbuns mais próximos das suas raízes e um dos seus melhores de sempre. Nascido na República Democrática do Congo (antigo Congo Belga) de pai congolês e mãe ruandesa, foi na juventude apadrinhado por Ray Lema, depressa ganhando protagonismo na cena musical de Kinshasa, onde veio a liderar o ensemble do Ballet National com apenas 19 anos. Chegado a Paris, em 1984, foi chamado a arranjar e produzir uma infinidade de artistas world, incluindo estrelas como Youssou N’Dour, Miriam Makeba e Papa de piano ou de sanza (piano de dedos Wemba. O seu álbum de estreia congolês) ali, umas percussões chegou dez anos depois e revelou artesanais pelo meio - a uma voz límpida e melíflua, instrumentação nunca vai muito para cantando as suas raízes sobre além disso, sobretudo nunca sobe o instrumentação acústica e esparsa. A volume acima da música de fundo. O suave quietude dessa estreia veio acento é decididamente colocado no depois dar lugar a álbuns de trabalho das vozes, em primeiro colorações mais pop, fusões lugar na de Kanza, que hoje, aos 52 anos, domina na perfeição todas as electrónicas e produções artificiosas, particularidades do seu tremolo raramente convincentes. Pelo meio extraordinário. Uma voz que, no regressou às fontes no bem mais entanto, nunca está sozinha, e talvez conseguido “Toyebi Te”(2002), mais que em todos os discos direcção que agora volta a tomar precedentes, a aposta é nos jogos de depois de “Plus Vivant” (2005), parada e de resposta com o seu experiência fracassada de cantar um grupo de coristas, mas também com álbum inteiro em francês. outras vozes solistas masculinas, “Nkolo” é, então, de novo um incluindo o primo Rene e o disco de matriz acústica. Uns acordes evangelista Kool Matope. É evidente a de guitarra acústica aqui, umas notas Lokua Kanza: ternura e encantamento VIVA A SARDINHA! 14 MAIO / 15 JULHO Tudo pela canção Nem revolução nem subversão, tudo pela canção. Mais de uma mão cheia delas são de excepção, três eram dispensáveis. João Bonifácio Pop Dell’Arte Contra Mundum Presente mmmnn DORA NOGUEIRA Tentar situar ou definir esteticamente um disco dos Pop Dell’Arte, qualquer disco dos Pop Dell’Arte, no próprio “corpus” da banda é um exercício ingrato, porque a obra é uma manta de retalhos incompreensível pelos padrões habituais. Nos Pop Dell’Arte um terceiro disco de originais (“Sex Symbol”, 1995) pode distar doze anos do anterior disco de estúdio e um EP como “Ilogik Plastik” (1989) pode conter uma pérola como “O amor é... um gajo estranho” e ser tão fundamental quanto o primeiro e mítico disco, “Free Pop” (1987). Estamos perante uma banda errática, que deita trunfos fora, que parece quase sabotar as suas possibilidades de êxito (e isto mesmo tendo em conta que muitas das canções dos EPs e singles acabaram recolhidas no magistral “Arriba! Avanti! Pop Dell’ Arte”). Além disso, esteticamente os Pop Dell’Arte sempre pareceram tão propensos a estilhaçar a new-wave e todas as regras da pop convencional como a fazer refrões (notáveis em “Sex Symbol”). O que leva à questão: o que pode significar hoje um novo álbum dos Pop Dell’Arte? Não havia música nova desde 2002, com o belíssimo EP “So Goodnight”, e para encontrar o anterior álbum da discografia é preciso recuar ao magistral “Sex Symbol”. Temos que lidar com a questão de outra forma: cada objecto assinado pelos Pop Dell’Arte deve ser visto como um objecto em si mesmo, esquecendo o que está para trás, não procurando incluí-lo em nada, excepto no seu próprio mundo. Ou pelo menos era assim até agora, porque “Contra Mundum” tem, em metade do disco, marcas estéticas que o aproximam de “Free Pop”, em particular nessa espécie de desconstrução da new-wave que os marcou no início. Isso é notório na estupenda canção de abertura, “Ritual Transdisco”, em que um beat semi-disco suporta a refrega entre as malhas de teclas e de guitarra (tão bom quanto qualquer coisa dos LCD Soundsystem), é notório em “Eastern Streets”, em que uma estupenda figura de guitarra se apoia num beat que lembra os Konk, é notório em “Mr Sorry”, percorrido pela sombra das Delta 5, é notório em “Electric G”, electro negro percorrido pela sombra de uns tais Pop Dell’Arte. Isto é um território que lhes pertence, uma espécie de autofagia pop em que linhas de baixo repetitivas, percussões em tempos inusitados e guitarras angulares colidem de modo a que um manco com prisão de ventre dance com a graciosidade de uma Ruth Bryden aristocrata. Mas “Contra-Mundum” não é só isso. Há por ali psicadelismos negros (“Wild’n’chic”), homenagens a Kurt Weill (“My rat ta-ta”), avarias que lembram ou os Radiohead de “Kid A” ou os Pop Dell’Arte de “All you need is money” (“Slave for sale”) ou o regresso ao universo onírico de “So Goodnight” em “La nostra feroche volontà d’amore”. O pior do disco, o dispensável, está nas faixas melancólicas, dominadas pela presença das teclas (“Diary of a soldier” ou “Har megido’s lullaby”) ou na faixa a capella fadista “Noite de chuva em campo de Ourique”. Sabemos o que vão dizer por aí: que “Contra Mundum” é uma súmula dos caminhos percorridos ou um regresso a “Free Pop” em que o “free” já não soa a novo. Mas nunca foi importante o “free” ou o “novo”. Importantes são as canções. E “Contra Mundum” tem mais de uma mão cheia delas que entram para o canône dos Pop Dell’Arte. Digamos Mais uma mão cheia de canções que entram para o cânone Pop Dell’Arte assim: enquanto o melómano adolescente anda aos pulos pela nova cena estranha que apareceu aqui no bairro recusando tudo o resto, o melómano batido borrifa-se para a revolução e a subversão e quer é a canção. Portanto, quando vos disserem que isto é igual a “Free Pop” (o que é mentira) respondam que John Ford fez sempre o mesmo filme e que Philip Roth fez sempre o mesmo livro. Quanto a João Peste: veja se volta antes dos nossos netos morrerem, ok? Rusko O.M.G.! Mad Decent, distri. Popstock mmnnn Nos últimos tempos, vários artistas dubstep ensaiaram movimentos de emancipação face aos ditames mais rígidos do género. A compilação “5 Years of Hyperdub”, editada em 2009, foi elucidativa a esse respeito. Também “O.M.G.!”, primeiro álbum em nome próprio de Rusko, autor do hino do género “Cockney Thug”, mostra que o dubstep tem vindo a misturar-se com outras linguagens da música de dança, ao ponto de nos questionarmos se ainda estamos perante dubstep. Em “O.M.G.!”, Rusko propõe uma música quase pop, com canções a rondar os quatro minutos e convidados como Gucci Mane (na exuberante “Got Da Groove”, com efeitos robóticos a esculpir a voz do “rapper”) e Amber Coffman, dos Dirty Projectors, transformada em diva “garage” na orelhuda “Hold On”, potencial êxito de pista. “I Love You” opera uma curiosa síntese entre a tareia de linhas de baixo característica do dubstep e o “auto-tune” típico das últimas produções R&B, “Kumon Kumon” vai beber ao jungle e “District Line” é dub, sem “step”. Apesar destes bons sinais, “O.M.G.!” é também pródigo em momentos dispensáveis, como o dancehall de “Rubadub Shakedown”, a milhas dos companheiros de editora Major Lazer, e, com excepção de “Hold On”,, nenhum tema faz mossa ou On perdura nos ouvidos. Pedro Rios FESTA DO FADO 3 A 27 JUNHO PÔR-DO-FADO 3, 10, 17, E 24 JUNHO, 19H MUSEU DO FADO M/3 17 JOSÉ MANUEL NETO CONVIDA MARIA AMÉLIA PROENÇA FADO NO CASTELO 4, 5, 11, 18, 19, 25 E 26 JUNHO, 22H CASTELO DE SÃO JORGE 12,5Ô M/3 11 PEDRO MOUTINHO & TIAGO BETTENCOURT 18 PAULO DE CARVALHO CONVIDA ANA SOFIA VARELA 19 JOÃO FERREIRA ROSA, MARIA DA FÉ, BEATRIZ DA CONCEIÇÃO E MARIA DA NAZARÉ CONVIDAM ARGENTINA SANTOS NOITES DE FADO 5, 12, 19 E 26 JUNHO, 22H FÁBRICA BRAÇO DE PRATA 8Ô M/16 HÉLDER MOUTINHO, RICARDO PARREIRA, MARCO OLIVEIRA E YAMI NO ADRO DA IGREJA RODRIGO 6, 20, 27 JUNHO MIRADOURO DE SANTO ESTÊVÃO M/3 FERNANDO SILVA, JAIME SANTOS E ANTÓNIO MOLIÇAS NOITES DE FADO 8, 15 E 22 JUNHO, 23H CHAPITÔ M/16 RICARDO ROCHA, MARCO OLIVEIRA E JOÃO PENEDO O FADO E A REPÚBLICA JUNHO E JULHO, TERÇA A DOMINGO, 10H ÀS 18H MUSEU DO FADO PARA TODAS AS IDADES JUNHO E JULHO, SEGUNDA A SÁBADO, 14H ÀS 20H SOCIEDADE NACIONAL DE BELAS ARTES PARA TODAS AS IDADES EXPOSIÇÃO ANDAR EM FESTA AS FESTAS DE LISBOA NOS TRANSPORTES PÚBLICOS 11, 13, 16 A 20 JUNHO, 16H E 19H FADO NOS ELÉCTRICOS ELÉCTRICO 28 ACESSO NORMAL PARA VIAGEM DE COMBOIO / PARA TODAS AS IDADES MARCHAS POPULARES 12 JUNHO, 21H AVENIDA DA LIBERDADE ENTRADA LIVRE / PARA TODAS AS IDADES DESFILE TODA A PROGRAMAÇÃO EM WWW.FESTASDELISBOA.COM J;NLI=CH;>IL JLCH=CJ;F G?>C;J;LNH?LM J;NLI=CH;>IL?M ;JICIM DILH;FI@C=C;F N?F?PCMÅII@C=C;F silva!designers / andré da loba conexão com os espirituais negros e o regresso de Lokua às suas memórias de menino de coro em escolas católicas de Kinshasa, mas essa herança é sempre ou quase recriada em arranjos vocais inusitados, que produzem os melhores momentos deste seu sexto álbum a solo. Para o fim há um tema cantado em francês, outro em português abrasileirado (a meio caminho entre Caetano e Milton). Não chegam, porém, a constituir desvios significativos num disco que destila ternura e encantamento. Rusko: isto ainda é dubstep? Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 49 FERNANDO VELUDO Discos aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente RED Trio: novos caminhos, irresistíveis turbulências sonoras Os Blind Zero nunca ultrapassam a mediania em “Luna Park” clássico de Bill Evans, com o qual gravou “Sunday at the Village Vanguard” e “Waltz for Debby”, e no quarteto americano do pianista Keith Jarrett valeram-lhe ainda um mmnnn convite por parte de John Coltrane Cinco anos depois para integrar o seu grupo. Convite de “The Night que Motian recusaria. Mas a sua Before And A New relevância é enorme, não apenas Day”, os Blind como “sideman”, mas também Zero regressam como compositor e líder dos seus com um disco que projectos, nomeadamente os trios os põe, em definitivo, à vontade com que gravou com Joe Lovano e Bill uma luminosidade pop que os Frisell, formação responsável pelos primeiros álbuns não fariam superlativos “It Should’ve Happened adivinhar. “Snow girl” (refrão sólido, a Long Time Ago” e “Monk in sábias intromissões de teclas), “Slow Motian”. O seu estilo, time love” (melodia de teclado a simultaneamente subtil e poderoso, lembrar a pop lúdica de David evoca o método de um pintor, Fonseca, refrão épico), os dois colorindo cada traço, cada nova “singles” já editados, e “Back to the direcção sugerida pelos restantes fire” (crescendo final que indicia músicos, com absoluta segurança e uma rara visão do resultado final a audições repetidas dos Arcade Fire) alcançar. são boas canções apontadas às Tendo cumprido 79 anos, Motian rádios e que mostram uma banda já raramente toca ao vivo, o que sem medo de encaixar na categoria torna este “Lost in a Dream”, genérica “pop-rock”. É, aliás, neste gravado ao vivo o ano passado no novo registo (que, na verdade, os Village Vanguard de Nova Iorque, Blind Zero já tinham aflorado no um “acontecimento”. Rodeado de disco anterior) que geram melhores dois grandes músicos, Chris Potter resultados. “Violent day”, com um no saxofone e Jason Moran no piano, piano discreto e um baixo Motian constrói um registo poético, propulsivo, também dá bons sinais, onde um crescendo subtil de energia mas “Luna Park” nunca ultrapassa a transporta o trio da enorme mediania e, em algumas canções, contenção dos primeiros temas, com como “Hanging wall” e “Loose destaque para o tema título - de uma ends” (balada cliché, agravada por intensidade lírica que nos faz suster um piano lamechas), parece não ter a respiração - ao ímpeto rítmico e direcção. Pouco para uma banda que já gravou um bom disco rock, “A maior angularidade de “Ten”, “Drum music” ou “Abacus” (com um Way to Bleed Your Lover” (2003). extraordinário solo de bateria). Pedro Rios Mais do que a enorme vitalidade de Motian, a grande surpresa de “Lost in a Dream” vem de Moran – mais contido, com um toque europeu que lhe assenta como uma luva – e acima de tudo, de Potter, que aqui utiliza uma subtileza e Aos 79 anos, Paul Motian, suavidade mestre do drumming jazz, tímbrica que raramente edita um dos registos mais lhe é tocantes da sua carreira. ouvida. Blind Zero Luna Park Redlemon Music, distri. EMI Jazz Drumming Rodrigo Amado Vermelho vivo Uma das mais originais propostas nacionais no domínio da improvisação. Nuno Catarino RED Trio RED Trio Clean Feed, dist. Trem Azul mmmmn O RED Trio é um grupo nacional dedicado à improvisação. Junta Gabriel Ferrandini (bateria), Hernâni Faustino (contrabaixo) e Rodrigo Pinheiro (piano) e, tendo os pés assentes no jazz, vai mais além. A música do RED Trio assim é herdeira do jazz nas suas premissas base, a improvisação e a comunicação, mas incorpora também uma vertente exploratória que a leva para outra dimensão. Os instrumentos são criativamente explorados até ao tutano, tendo como objectivo final uma sonoridade original. Subvertendo ideias tradicionais, o trio esquece noções de melodia e harmonia e trabalha ao nível das texturas, desenvolvendo uma música que não é Paul Motian Lost in a Dream ECM, dist. Dargil Há muito que Paul Motian garantiu um lugar de destaque entre os 50 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon Clássica Chopin com pronúncia original No seu primeiro registo com orquestra, o vencedor do Concurso Chopin de 2005, Rafal Blechacz, interpreta os dois concertos do seu compatriota. Rui Pereira Chopin Concertos para piano e orquestra Rafal Blechacz, piano Jerzy Semkov, direcção de orquestra Royal Concertgebow Orchestra DG 477 8088 mmmmn grandes nomes do jazz. As suas participações no trio alimentada por momentos individuais, mas pela noção da unidade colectiva. Antes de mais, o piano está subjugado a um papel democrático, colocando-se ao mesmo nível que contrabaixo e bateria; os três instrumentos trabalham num mesmo patamar, desenvolvendo esforços partilhados num trabalho de pesquisa, de entrelaçar das pontas soltas resultantes da composição no momento, elementos comuns que vão sendo progressivamente aperfeiçoados. Com este método de trabalho o RED Trio vai à procura de novos caminhos e nesse processo vai descobrindo irresistíveis turbulências sonoras. O resultado é absolutamente original, criativo, exemplar. mmmmn Paul Motian: um acontecimento discográfico com registos de qualidade inteiramente dedicados ao romântico de Varsóvia. Numa interpretação que peca por manifestar as estratégias expressivas de forma um pouco óbvia, com demasiada transparência agógica, o jovem vencedor do Concurso Chopin de Varsóvia em 2005, Rafal Blechacz, faz o seu primeiro registo com orquestra interpretando os dois concertos do seu mais célebre compatriota, mostrando grandes qualidades sonoras e um virtuosismo técnico de grande consistência. Com uma boa fluência rítmica, fraseados muito claros onde demonstra uma articulação perfeita, Blechacz é acompanhado pela Orquestra do Concertgebow, aqui dirigida pelo veterano Jerzy Semkov, maestro polaco particularmente apreciado no repertório russo do período romântico. No conjunto, merece destaque o extraordinário resultado nos últimos andamentos de ambos os concertos, onde o pianista obtém um efeito impressionantemente cristalino, com um virtuosismo quase musculado, em sintonia com a escrita “em estilo brilhante” de Chopin. Após dois bem sucedidos registos a solo, um primeiro com os Prelúdios de Chopin e um segundo dedicado à Primeira Escola de Viena, o jovem pianista polaco mantém-se como uma das grandes promessas da nova geração de pianistas. O ano de 2010, bicentenário do nascimento de Chopin, continua a pontuar o mercado Rafal Blechacz é uma das grandes promessas da nova geração de pianistas TER 29 JUN 21:00 SALA SUGGIA | € 15 1ª PARTE CÉU 2ª PARTE ROBERTA SÁ Apontada por Caetano Veloso como o futuro da MPB, Céu é considerada uma importante revelação da música brasileira. Melodias simples e belas, várias referências musicais e sofisticação são aspectos que marcam as suas canções. Roberta Sá destaca-se pelas soberbas interpretações de canções históricas da MPB, tendo colaborado com grandes figuras como Ney Matogrosso ou Chico Buarque, mas consagra também as canções dos novos autores. Em palco, conta com a participação de António Zambujo. JANTAR+CONCERTO € 30 APOIO PATROCINADOR VERÃO NA CASA MECENAS CASA DA MÚSICA APOIO INSTITUCIONAL MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA PATROCINADOR VERÃO NA CASA FILMES CONCERTO: 7 de Julho (00:30) Rita Red Shoes “Thirteen Films About Lights And Darks” SHOWCASE 8 de Julho (00:30) Orelha Negra "Soundtracks for the city" FILME CONCERTO 9 de Julho (00:30) Drumming e François Sahran "Enciclopédia da Fauna" FILME CONCERTO 10 de Julho (00:30) Bruno de Almeida, Tó Trips e Pedro Gonçalves "Esse Olhar Que Era Só Teu" CONCERTO INSTALAÇÃO A PARTIR DE IMAGENS DOCUMENTAIS DE AMÁLIA RODRIGUES WWW.CURTAS.PT Competições de Curtas/ Programas Especiais de Filmes/ Concertos/ Exposições/ Festas/ Workshops e Debates/ Curtinhas (filmes e actividades para crianças) +info: www.curtas.pt/festival WWW.NOTYPE.PT ©2010 SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE DUPLO PARA O CONCERTO DE ROBERTA SÁ | CÉU. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES. Cinema aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente O que motiva Jia Zhang-ke é ser testemunha do momento em que o comunismo e o capitalismo ainda coexistem na China Estreiam Nas ruínas de Chengdu Jia Zhang-ke filma o irreversível – as mudanças na China – na certeza de que o irreversível dispensa comentários e juízos de valor. Luís Miguel Oliveira 24 City Er shi si cheng ji De Jia Zhang-ke, com Joan Chen, Zhao Tao, Lv Liping. M/12 MMMnn Lisboa: Medeia King: Sala 3: 5ª Domingo 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30 6ª Sábado 2ª 14h, 16h30, 19h, 21h30, 24h série ípsilon II Sexta-feira, dia 18 de Junho, o DVD “The Brown Bunny”, de Vincent Gallo +4 DVD Todas as sextas, por €1,95. 20 anos 52 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon Agora que o poder – o económico, pelo menos – se vai lenta mas parece que firmemente trasladando para oriente, haveria muito boas razões para, e mesmo se não pelo cinema (sim, sim, é muito “parado”), se ir prestando atenção aos filmes de Jia Zhang-Ke. Eles são como “despachos”, no sentido noticioso do termo (sendo que não se confundem seguramente com “despachos” da Xinhua), mostramnos um bocadinho do que vai acontecendo “lá bas”. “Lá bas”, na sua China natal, que vai trocando (ou “adaptando”) as suas raízes comunistas por uma nova e bem exibida condição de potentado capitalista à escala global. Jia ZhangKe (que nasceu em 1970) tem sido um cronista desta transformação ou, melhor dizendo, dos efeitos, verificáveis no terreno, desta transformação. Uma China que se moderniza, que “racionaliza” a sua vocação camponesa e operária para se converter aos “serviços”, e já não tem pruridos em – como se vê em “24 City” – fechar e demolir um parque industrial para no mesmo espaço fazer erguer um complexo de condomínios de luxo e hotéis de 5 estrelas. É esta China, ou o que desta China fica entalado no meio da “mudança de paradigma”, que Jia Zhang-Ke vem contando há anos, como aos espectadores que viram “Plataforma” (desolado épico geracional que foi o primeiro Jia estreado em Portugal, e um dos “filmes da década”), “O Mundo” (sobre um parque temático nos arredores de Pequim que é a “globalização” em auto-paródia involuntária) ou “Still Life” (sobre uma cidade prestes a ser submergida pela construção de uma barragem) não é preciso explicar. Em “24 City” a crónica de Jia chega-nos de Chengdu, cidade que durante décadas teve o seu coração numa unidade industrial dedicada ao fabrico de motores para os aviões da Força Aérea Chinesa. A fábrica foi desactivada, as instalações estão em demolição (no fim do filme já foram demolidas) e no lugar delas vai nascer um moderníssimo bairro habitacional a que chamam a “Cidade 24”, a 24 City. É claro que, e pese toda a introdução acima, os adeptos do maniqueísmo bem explicadinho (comunismo = mau / capitalismo = bom – ou vice-versa) mais vale ficarem em casa a ler os cronistas dos jornais portugueses. Jia não é mais crítico, ou mais entusiasta, de um “sistema” ou de outro, e não é de todo esse o plano do seu discurso ou do seu interesse. O que o motiva é a transformação, e ser testemunha do momento – curto, na grande escala das coisas – em que esses dois mundos ainda coexistem, numa expressão palpável e verificável de tudo aquilo em que chocam e se contradizem. Na verdade, e isto é nítido pelo menos desde “Still Life”, Jia está para a China contemporânea como Tati esteve para o avanço da “urbanidade” sobre a “ruralidade” na França do pós-II guerra. Filma o irreversível, na certeza de que o irreversível dispensa comentários e juízos de valor. Se alguma coisa balança, é (como sempre) o coração: Jia está com os que ficam para trás, com os que trabalharam na fábrica, com os que acreditaram (mais ou menos) na retórica política e patriótica com que os educaram, e está com os filhos deles, os que já são doutro mundo e querem comprar apartamentos para os pais. Vemo-los e ouvimo-los, em relatos e depoimentos, reencontros (logo a abrir, entre dois antigos operários), passeios pela carcaça da fábrica de Chengdu, e curtos apontamentos ficcionais cuja natureza é não se distinguirem fundamentalmente das cenas propriamente documentais (é, digamos, a “mesma coisa”, sem hierarquia de “verdades” ou “mentiras”). Há uma cena em que a câmara segue uma personagem no momento em que ela passa por dois jactos da Força Áerea Chinesa que agora, com as insígnias desbotadas, estão a ganhar pó antes de seguirem para a sucata – e esses dois jactos, que já foram certamente um “orgulho” e agora são dois trastes que para ali estão, exprimem maravilhosamente o sentido de perda (em toda a perda é o sentido que importa, não o que se perde) de que todo o filme se embebe, e que Jia incentiva recorrendo a intertítulos com fragmentos de poemas chineses (mais dois de Yeats) e a um manancial de belíssimas e muito melancólicas canções chinesas, quase sempre “lançadas” por uma passagem dalgum testemunho (quer dizer: a força das canções amplia-se porque a gente percebe a que ponto o seu poder evocativo é real e está incrustado nas vidas daquela gente). E também pensamos num filme português recente, que encontrava a sua maneira de filmar – com o mesmo sentido de perda – os despojos de um Portugal desaparecido sem dizer forçosamente que esse Portugal era melhor do que o que temos hoje: as “Ruínas” de Manuel Mozos. Estas “ruínas” de Chengu vistas por Jia Zhang-Ke não serão o filme mais notável, ou mais importante, que o seu realizador já fez – não são uma “Plataforma”, não são um “Still Life”. Mas também já percebemos que Jia Zhang-Ke avança como um coleccionador, e que cada nova peça – cada novo filme, cada novo lugar – vale por si mas vale ainda mais pela amplitude que acrescenta à colecção. Evidentemente, é um filme a não perder. A Mulher do Viajante no Tempo The Time Traveler’s Wife De Robert Schwentke, com Eric Bana, Rachel McAdams, Ron Livingston, Arliss Howard. M/12 MMMnn Lisboa: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 3: 5ª Domingo 13h20, 16h10, 18h50, 21h50 6ª 16h10, 18h50, 21h50, 00h10 Sábado 13h20, 16h10, 18h50, 21h50, 00h10 2ª 3ª 4ª 16h10, 18h50, 21h50; Medeia Saldanha Residence: Sala 7: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h20, 17h30, 19h40, 21h50, 00h30; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 12: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h10, 21h50, 00h10 Sábado 14h10, 16h40, 19h10, 21h50 Domingo 11h30, 14h10, 16h40, 19h10, 21h50, 00h10; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h45, 16h30, 19h, 21h40, 00h15; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h45, 15h20, 18h, 21h40, 00h05; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h35, 18h10, 21h10, 23h50; ZON Lusomundo Odivelas Parque: 5ª Domingo 13h20, 16h, 18h40, 21h40 6ª 16h, 18h40, 21h40, 00h15 Sábado 13h20, 16h, 18h40, 21h40, 00h15 2ª 3ª 16h, 18h40, 21h40; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05, 15h40, 18h20, 21h30, 00h05; ZON Lusomundo Torres Vedras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h45, 16h25, 18h55, 21h45, 00h30; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h40, 18h30, 21h50, 00h20; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 4ª 13h20, 15h50, 18h45, 21h45, 00h25 3ª 13h20, 15h50, 18h45, 21h45 Porto: Arrábida 20: Sala 12: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h15, 16h45, 19h20, 22h, 00h35 3ª 4ª 16h45, 19h20, 22h, 00h35; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h20, 19h30, 22h, 00h30; ZON Lusomundo GaiaShopping: 5ª 6ª Sábado 13h15, 15h55, 18h30, 21h30, 00h10 Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 15h55, 18h30, 21h30; ZON Lusomundo MaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 13h40, 16h30, 19h15, 22h 6ª Sábado 4ª 13h40, 16h30, 19h15, 22h, 00h40; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h, 18h50, 21h30, 00h10; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h50, 21h30, 00h10; ZON Lusomundo Glicínias: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h20, 19h10, 21h55, 00h40 “A Mulher do Viajante no Tempo”: à moda antiga Andamos todos a resmungar que Hollywood já não sabe fazer filmes “à moda antiga” e, nem de propósito, cai-nos no colo esta fantasia melodramática que remete para os grandes melodramas clássicos (“Vitória Negra”, 1939, de Edmund Goulding, é citado directamente) e para os romances fantásticos que fitas como “O Fantasma Apaixonado” ( Joseph L. Mankiewicz, 1947) e “O Retrato de Jennie” (William Dieterle, 1948) popularizaram e Hollywood retomou a espaços — mais recentemente com o êxito-surpresa de “A Casa da Lagoa” (Alejandro Agresti, 2006). Obviamente, este romance impossível entre uma artista sonhadora (Rachel McAdams) e um bibliotecário com uma bizarra anomalia genética (Eric Bana) que o propulsiona para a frente e para trás no tempo não está ao nível desses clássicos, mas também não quer estar — contenta-se em fazer um eficientíssimo melodrama onde a plausibilidade científica sucumbe rapidamente às emoções arrebatadas do grande amor face às grandes questões da vida. E o alemão Robert Schwentke (“Flightplan – Pânico a Bordo”, 2005) encena a sua história com a quantidade exacta de contenção e elegância, consciente que há uma fronteira fina entre o ridículo e o grandioso e determinado a manterse sempre do lado certo, muito ajudado pela convicção do elenco e por uma produção técnica impecável a todos os títulos. É o tipo de filme modesto mas desenvolto que o sistema de estúdios fazia com uma perna atrás das costas, aproveitando para rodar as suas equipas e actores, mas que hoje parece perdido numa paisagem industrial virada para o “blockbuster” formatado. Não por acaso, este filme “fora de tempo” na Hollywood moderna ficou na prateleira seis meses enquanto a produtora New Line era absorvida pela casa-mãe Warner, acabando por se tornar num pequeno êxito no Verão americano de 2009 – era simpático que o mesmo acontecesse por cá, embora o ano de atraso com que estreia e o lançamento algo despachado não o façam prever... Jorge Mourinha Nada Pessoal Nothing Personal De Urszula Antoniak, com Lotte Verbeek, Stephen Rea. M/12 MMMnn Lisboa: UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 14: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 14h, 16h, 18h, 20h, 22h, 24h Sábado 14h, 16h, 18h, 20h, 22h Domingo 11h30, 14h, 16h, 18h, 20h, 22h, 24h É uma das melhores estreias que tivemos oportunidade de ver nos últimos anos – pelo absoluto controlo formal que a polaca As estrelas do público Jorge Mourinha Luís M. Oliveira Mário J. Torres Vasco Câmara A Mulher do Viajante no Tempo mmmnn nnnnn nnnnn nnnnn Eu Sou o Amor mmmmm mnnnn mmmmn nnnnn Um Funeral à Chuva mnnnn nnnnn A A Muitos Dias Tem o Mês mmnnn nnnnn nnnnn nnnnn Noite e Dia mnnnn mmmmn mmnnn nnnnn Nada de Pessoal mmmnn nnnnn nnnnn nnnnn 24 City mmmnn mmmnn nnnnn mmmnn Vencer mmmmn mmmnn mmnnn mmnnn Sexo e a Cidade 2 A nnnnn nnnnn nnnnn Wendy e Lucy mmmmn mmnnn nnnnn mmmnn radicada na Holanda Urszula Antoniak manifesta nesta primeira longa-metragem, pelo modo como “Nada Pessoal” trilha um caminho intensamente (diríamos casmurramente) pessoal que subverte deliberadamente as convenções da narrativa tradicional e onde tudo é dito sem o ser, ou antes, é mais sugerido do que explicado. É a história do encontro, num remoto ponto da costa irlandesa, entre duas pessoas que decidiram, cada uma a seu modo, deixar para trás o mundo na sequência do fim de uma história de amor (ele por viuvez, ela nunca o saberemos). Misantropos e eremitas, Anne e Martin acabam por construir aos poucos uma relação tocante e silenciosa, ancorada na decisão comum de não fazer perguntas sobre o passado e de viver apenas no momento presente, que vacila entre a necessidade de contacto e a vontade de não deixar mais ninguém entrar para não voltar a sofrer. Magnificamente fotografado por Daniel Bouquet, “Nada Pessoal” vive não apenas da delicada gestão dos silêncios e dos ritmos que Antoniak domina com fluência como sobretudo das magníficas interpretações de Lotte Verbeek e do veterano irlandês Stephen Rea (que reconhecemos como cúmplice habitual de Neil Jordan). É, por isso, pena que a realizadora/argumentista estique o seu determinismo quase niilista ao ponto de ruptura num “último acto” cuja opacidade procurada sublinha a tal “casmurrice” de que falámos e corre o risco de perder o espectador. Nada que, no entanto, estrague a surpresa de uma das melhores primeiras obras europeias recentes e a revelação de uma realizadora a seguir com atenção. J. M. portugueses que se endividou para lá das suas capacidades financeiras, substituindo a proverbial voz-off pelo modo como deixa os seus “heróis” contarem as suas histórias em off enquanto os mostra a fazerem as suas vidas no dia-a-dia. É nesse contraste entre o sofrimento resignado das vozes e o quotidiano normalíssimo de uma lida da casa, uma conversa na rua, uma refeição que se cozinha que o filme se ganha e dá corpo e espessura a figuras que de outro modo seriam apenas estatísticas ou números. Não é, felizmente, uma reportagem televisiva alargada (apesar de sentirmos que pontualmente há redundâncias que não adiantam nada), mas a sua estreia em sala não deixa de ser algo surpreendente na medida em que é um objecto que tem uma respiração muito mais de pequeno écrã. J. M. Continuam Wendy and Lucy De Kelly Reichardt com Michelle Williams, Walter Dalton, Larry Fessenden, Will Oldham. M/12 para as margens que habitualmente não vemos — e estamos também a olhar para um realismo quase táctil no modo como se instala de pedra e cal no meio do mundo real, e no modo como o transfigura num espaço de solidão e desespero pela simples força do seu olhar e pela presença extraordinária de Michelle Williams. J. M. Um Funeral à Chuva De Telmo Martins com Sandra Santos, Pedro Gorgia, Alexandre Silva, Hugo Tavares, João Ventura, Luís Dias, Pedro Diogo, Sílvia Almeida. M/16 a Lisboa: ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 18h10, 21h35, 00h25; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h30, 21h30, 00h15; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 4ª 20h50, 23h45 3ª 23h45; ZON Lusomundo Dolce Vita Miraflores: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 18h; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h10, 24h; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h40, 00h30; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 21h10 Porto: ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 18h, 21h, 23h50; ZON Lusomundo Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 21h, 23h50 4ª 23h50; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h, 23h45; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h10, 23h55; ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h10, 17h10, 21h30 6ª Sábado 14h10, 17h10, 21h30, 00h30 “Um Funeral à Chuva” é um filme incipiente, cheio de buracos e de incompetências narrativas, mas não adianta chover no molhado: trata-se quase de um filme de amadores, sem meios, nem pretensões por aí além; a fórmula óbvia de fazer “Os Amigos de Alex” à portuguesa pode ter funcionado na estranha (e suicida) estratégia de o projectar em tantas salas, na esperança de o transformar (pelas piores razões?) num “filme de culto”. O filme é mau, mas porquê arrasá-lo quando se resgatam tantas outras aventuras recentes, igualmente indigentes, de “profissionais” com outras responsabilidades? O melhor é esquecê-lo e tomá-lo por um exercício escolar, fora de tempo. M.J.T. Seja responsável. Beba com moderação. www.jameson.pt MMMMn Lisboa: Medeia King: Sala 2: 5ª Domingo 3ª 4ª 13h45, 15h45, 17h45, 19h45, 21h45 6ª Sábado 2ª 13h45, 15h45, 17h45, 19h45, 21h45, 00h15 Muitos Dias Tem o Mês De Margarida Leitão com . M/12 MMnnn Lisboa: CinemaCity Classic Alvalade: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h45, 15h30, 17h15, 19h, 21h45 6ª Sábado 13h45, 15h30, 17h15, 19h, 21h45, 23h50 A primeira longa-metragem de Margarida Leitão foi apresentada pela primeira vez no IndieLisboa 2009, mas a sua temática não perdeu actualidade com o ano que decorreu até esta chegada surpresa às salas. “Muitos Dias Tem o Mês” é um documentário que segue o quotidiano de um grupo de Filme de hoje na evidente “economia da pobreza” que manifesta — uma actriz e uma mão cheia de personagens fugazes, ausência de música, quase total ausência de cenários que não sejam pré-existentes - “Wendy and Lucy” é também um filme que ressoa com as grandes ficções sociais da “americana”, clássica (as “Vinhas de Ira” de Steinbeck filmadas por Ford, as imagens clássicas da Grande Depressão) ou moderna (a impossível nostalgia do “Lado Selvagem” de Sean Penn). Porque é um filme sobre o que resta quando se perdeu tudo, sobre a força que tem de se arrancar das entranhas para sobreviver quando já não parece haver mais força, e sobre o modo como a comunidade (não) está lá para nos ajudar. Estamos na América de Bush mas já com um olho na América de Obama, a olhar . Easygoing Irish. Para quem leva o riso bem a sério e se aplica na boa disposição, a Jameson preparou um conjunto de festas verdadeiramente divertidas. Entre num caso sério de gosto pela vida. Há poucas oportunidades assim. Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 53 Cinema aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente Elizabeth Taylor,“Cleópatra” Cinemateca Portuguesa R. Barata Salgueiro, 39 Lisboa. Tel. 213596200 Segunda, 14 Quarta, 16 A Loja da Esquina The Shop Around the Corner De Ernst Lubitsch. Com Frank Morgan, James Stewart, Margaret Sullavan. 97 min. M12. Feras Humanas Man Hunt De Fritz Lang. Com George Sanders, Joan Bennett, John Carradine, Roddy McDowall, Walter Pidgeon. 105 min. 15h30 - Sala Félix Ribeiro A Minha História Hold Back the Dawn De Mitchell Leisen. Com Charles Boyer, Olivia de Havilland, Paulette Goddard. 116 min. O Lamento da Imperatriz Bénédicte Billet De Pina Bausch. Com Mariko Aoyama, Anne Marie Benati, Bénédicte Billet. 106 min. 19h30 - Sala Luís de Pina O Touro Enraivecido Raging Bull De Martin Scorsese. Com Cathy Moriarty, Frank Vincent, Joe Pesci, John Turturro, Robert De Niro. 128 min. 21h30 - Sala Félix Ribeiro Os Verdes Anos 15h30 - Sala Félix Ribeiro Palermo ou Wolfsburg Palermo oder Wolfsburg De Werner Schroeter. Com Nicola Zarbo, Otto Sander, Ida di Benedetto. 176 min. 19h - Sala Félix Ribeiro The Ring De Alfred Hitchcock. Com Carl Brisson, Lillian Hall-Davies, Ian Hunter, Gordon Harker. 73 min. 19h30 - Sala Luís de Pina Cleópatra Cleopatra De Joseph L. Mankiewicz. Com Elizabeth Taylor, Pamela Brown, Rex Harrison, Richard Burton. 243 min. 21h30 - Sala Félix Ribeiro Nobreza de Campeão The Set-Up De Robert Wise. Com Robert Ryan, Audrey Totter, George Tobias. 70 min. 22h - Sala Luís de Pina Quinta, 17 Um Eléctrico Chamado Desejo A Streetcar Named Desire De Elia Kazan. Com Karl Malden, Kim Hunter, Marlon Brando, Vivien Leigh. 117 min. De Paulo Rocha. Com Isabel Ruth, Paulo Renato, Rui Gomes, Ruy Furtado. 90 min. 22h - Sala Luís de Pina Terça, 15 O Grito Il Grido De Michelangelo Antonioni. Com Steve Cochran, Alida Valli, Betsy Blair. 105 min. 15h30 - Sala Félix Ribeiro As Minas de São Pedro da Cova + Uma Fábrica de Trigo + Tin Sardines / Conservas de Sardinha. 37 min. 19h30 - Sala Luís de Pina O Grande Ditador The Great Dictator Fala com Ela Hable con Ella De Pedro Almodóvar. Com Darío Grandinetti, Javier Cámara, Leonor Watling, Rosario Flores. 112 min. M16. O Mundo do Silêncio Le Monde du Silence De Jacques-Yves Cousteau, Louis Malle. 86 min. De Charles Chaplin. Com Billy Gilbert, Charles Chaplin, Henry Daniell, Jack Oakie, Reginald Gardiner. 123 min. M6. 19h - Sala Félix Ribeiro 21h30 - Sala Félix Ribeiro Perdida Mente + O Espelho Lento Perdida Mente De Margarida Gil. Com José Airosa, Eunice Correia, José Pinto. 63 min. O Lamento da Imperatriz Bénédicte Billet De Pina Bausch. Com Mariko Aoyama, Anne Marie Benati, Bénédicte Billet. 106 min. Walkower De Jerzy Skolimowski. Com Elzbieta Czyzewska, Joanna Jedlewska, Teresa Belczynska. 75 min. 22h - Sala Luís de Pina 22h - Sala Luís de Pina 54 • Sexta-feira 11 Junho 2010 • Ípsilon Lisboa: CinemaCity Beloura Shopping: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h40, 00h10; Medeia Saldanha Residence: Sala 8: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h10, 21h40, 24h; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 2: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 14h, 16h35, 19h10, 21h45, 00h20 Sábado 14h, 16h35, 19h10, 21h45 Domingo 11h30, 14h, 16h35, 19h10, 21h45, 00h20; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h, 23h50; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 4ª 21h30, 00h25 3ª 00h25; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h25, 00h20; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 18h20, 24h Porto: Arrábida 20: Sala 9: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h, 16h40, 19h25, 22h05, 00h45 3ª 4ª 16h40, 19h25, 22h05, 00h45; ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h55, 18h50, 21h45 6ª Sábado 13h, 15h55, 18h50, 21h45, 00h40 O filme de Herzog não precisa de comparações com o homónimo de Abel Ferrara (“remake” ou não, interessa pouco) para fazer todo o sentido: há um outro tipo de transcendência, uma redução da tragédia às leis de um acaso jogado com a costumeira noção de excesso visual, ainda que controlado. Podemos até embirrar com o estilo de Herzog, pouco previsível para repegar nas profundezas do “film noir”, mas como paródia (num sentido sério do termo) acaba por funcionar, não sem que sintamos um certo vazio indefinível de exercício sem rede. Subverter é um dos prazeres do cineasta e como subversão o prazer das imagens acaba por triunfar do aleatório. M.J.T. Noite e Dia Bam gua nat/Night and Day De Hong Sang-Soo, com Kim Young-ho, Park Eun-hye, Hwang Su-jung. M/12 Porto: Medeia Cine Estúdio do Teatro Campo Alegre: Cine-Estúdio: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 22h; 19h - Sala Félix Ribeiro 19h30 - Sala Luís de Pina MMMnn Mnnnn 15h30 - Sala Félix Ribeiro Nobreza de Campeão The Set-Up De Robert Wise. Com Robert Ryan, Audrey Totter, George Tobias. 70 min. Polícia Sem Lei The Bad Lieutenant: Port of Call - New Orleans De Werner Herzog com Nicolas Cage, Eva Mendes, Val Kilmer. M/16 21h30 - Sala Félix Ribeiro É a primeira vez que o coreano Hong Sang-soo, aclamado ao longo dos últimos anos pela comunidade crítica e de festivais, vê um filme seu chegar ao circuito comercial português – pena é que a estreia não seja mais auspiciosa, porque “Noite e Dia” é um filme algo atípico no seu percurso, rodado em Paris sob os auspícios do Musée d’Orsay ao abrigo do mesmo programa que que levou ao “Voo do Balão Vermelho” de Hou Hsiao-Hsien e “Tempos de Verão” de Olivier Assayas. Hong tem sido considerado o Éric Rohmer coreano – percebe-se porquê na história de um pintor coreano que, fugindo a uma possível pena de prisão por ter fumado um charro, se instala dois meses em Paris e alterna chorosas chamadas para a esposa com tentativas de sedução de uma compatriota estudante com tendências mitómanas. Estruturado como o diário do pintor, que vai flanando por Paris em busca da sua identidade, “Noite e Dia” é mais interessante no modo como transfere a “coreanidade” das suas personagens intacta para o ambiente parisiense, mas perde-se na duração excessiva (duas horas e meia) que distende até à irritação o charme desastrado dos encontros e mentiras da pequena comunidade exilada e a dilui numa sensação de aborrecimento que é fatal para o filme. J.M. Eu Sou o Amor Io Sono l’Amore De Luca Guadagnino, com Tilda Swinton, Flavio Parenti, Edoardo Gabbriellini. M/12 Mnnnn Lisboa: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 2: 5ª Sábado Domingo 12h50, 15h40, 18h10 6ª 2ª 3ª 4ª 15h40, 18h10; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 13: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h10, 21h45, 00h15 Sábado 14h10, 16h40, 19h10, 21h45 Domingo 11h30, 14h10, 16h40, 19h10, 21h45, 00h15 Porto: Arrábida 20: Sala 18: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 13h55, 16h40, 19h20, 22h, 00h45 3ª 4ª 16h40, 19h20, 22h, 00h45 Esforçado “pastiche” de qualquer coisa que se imagina representar, na cabeça de Guadagnino, o “melodrama clássico”, aqui confundido com uma acumulação de sinais - aristocratas italianos, a mulher de meia idade revigorada pela paixão, a ópera (com citação do “Philadelphia” de Jonathan Demme!) – postos a funcionar como as campainhas do Sr. Pavlov. Kitschíssimo, e frequentemente intragável: que horrorosa é aquela “epifania com gambas”, por exemplo, e que enervantes aqueles planos com folhinhas e insectos a acompanhar o sexo entre a aristocrata e o cozinheiro (folhinhas e insectos que, quase de certeza, Guadagnino foi pilhar à “Lady Chatterley” de Pascale Ferran, que por sua vez os tinha ido buscar a Renoir - mas “Eu Sou o Amor” é isto: citação de citação). E da citação nem Hitchcock escapa, naquele apontamento “Vertigo em San Remo” (caracol capilar e tudo), tão a despropósito que quase chegava a ter graça não fosse o estilo “clipesco” e publicitário daquilo (até se fica à espera de ver aparecer o “Martini man”). Mas a câmara de Guadagnino é quase sempre bastante irritante, género mexe e remexe só para não estar quieta (aqueles movimentos em frente tão curtos que parecem pulinhos), e o único “excesso” que há aqui é o ornamental, que seria interessante se fosse capaz de se tornar no centro do próprio filme, de se constituir em razão de ser de alguma coisa digna de ver (isso era mais para um Schroeter, mas o segredo deve ter ido para a cova com ele). À desmesura – “clássica”, digamos – não se chega com fantasias borboleteantes mas pelo seu oposto: pelo físico, pela gravidade, pelo movimento em rasgo que converte a paixão em energia e a inscreve, para assim o transfigurar, no espaço da banalidade quotidiana. Ora ide lá – por exemplo tão bom como qualquer outro - perguntar ao Sr. Mur Oti por um certo “travelling”.L.M.O. Estômago - Uma história nada infantil sobre poder, sexo e gastronomia Estômago De Marcos Jorge, com João Miguel, Fabiula Nascimento, Babu Santana. M/16 MMnnn Lisboa: CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 7: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 23h50; Medeia Monumental: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h50, 00h30; UCI Freeport: Sala 2: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h50, 18h45, 21h30 6ª 15h50, 18h45, 21h30, 23h50 Sábado 13h30, 15h50, 18h45, 21h30, 23h50 Domingo 13h30, 15h50, 18h45, 21h30 Porto: Medeia Cidade do Porto: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30 Habituados que estamos a uma certa pobreza do cinema brasileiro exibido entre nós, não certamente representativa do muito que se faz além-Atlântico ( Júlio Bressane continua ausente da exibição comercial), este “Estômago”, comédia negra bem engendrada e com um olhar bizarro e criativo sobre as contradições sociais do “país irmão”, merecia, apesar de alguma facilidade expressiva (a gastronomia como metáfora carece de maiores ambições narrativas), uma mais cuidada atenção por parte de um público português desconfiado, devido à oscilação entre indigestos “novelões” e insuportáveis demagogias populistas. “Estômago” é um pequeno filme sobre o poder e sobre o fascínio dos pormenores insignificantes, simpático e despretensioso: o suficiente para despertar a curiosidade e o respeito pela diferença. M.J.T. DVD Deneuve (“O Último Metro”), Ardant (“Finalmente Domingo”), Moreau (“Jules e Jim”) Cinema O homem que gostava das mulheres Jeanne, Catherine, Fanny ou Françoise - tal como François as amou. Mário Jorge Torres O Amor e as Mulheres Caixa François Truffaut Jules e Jim mmmmm Angústia mmmmm As Duas Inglesas e o Continente mmmmn Uma Bela Rapariga mnnnn O Último Metro mmmmn A Mulher do Lado mmmmn Sem extras MK2, Distribuição: Valentim de Carvalho Multimédia Se há cineastas bem representados no nosso mercado de vídeo, certamente que François Truffaut funciona como um dos nomes de topo: desde a caixa que inclui a saga Doinel até versões soltas de filmes de vários momentos da sua carreira, em diferentes editoras, temos um pouco de tudo. O que esta caixa propõe é uma espécie de visão temática, com a designação global de “O Amor e as Mulheres”, o que inclui seis películas, mas poderia estender-se, pelo menos, a outras tantas. Não discutimos a selecção da maior parte dos objectos, mas estranhamos a ausência de, por exemplo, “O Homem Que Gostava das Mulheres” (1977), “A História de Adèle H” (1975) ou “A Sereia do Mississipi” (1969). Dito isto, uma escolha é uma escolha e a ela nos devemos limitar, até porque passa por edições estrangeiras (no caso vertente, a da MK2, no que parece constituir uma vontade de integrar a obra completa em segmentos temáticos), distribuídas entre nós, e por questões de direitos videográficos. “Jules e Jim” (1962), o primeiro cronologicamente, expõe muitas das premissas depois desenvolvidas: obra-prima da inscrição da paixão no contexto histórico, o filme encena um “ménage à trois”, no final da “belle époque”, culminando com a Grande Guerra de 1914-1918 e com um trágico final, contrastante com a alegria de viver e a força do capricho, que a famosa canção do filme cristaliza. No centro, está uma das cinco grandes divas do universo do cineasta, quase todas representadas nesta caixa (só falta a Adjani, para já não falar de Julie Christie), Jeanne Moreau, belíssima e prodigiosamente tentadora: da sua emancipação resulta o triângulo amoroso, a paixão em estado puro, o amor louco jogado com maestria. Tudo está no sítio certo, tudo abre para a paisagem e para os rostos dos actores, em deslumbrante Cinemascope e glorioso preto-ebranco. A boémia de um mundo em convulsão e o prazer de viver reflectem o mundo de Truffaut com todas as suas contradições. Se “Jules e Jim” apresenta o “amor livre”, “Angústia” (1964) – continuamos a preferir o magnífico título original, “La Peau Douce” – debruça-se sobre a trangressão, o adultério, a história de um homem casado ( Jean Desailly, como uma espécie duplo adulto do realizador) que se apaixona por uma jovem, uma perturbante Françoise Dorléac – irmã de Catherine Deneuve na vida e no ecrã (“As Donzelas de Rochefort” de Demy) no seu máximo esplendor cedo ceifado por uma morte prematura. Como pano de fundo, não a leveza transgressora dos romances de Pierre Henri-Roché, mas a tessitura complexa de Balzac, as traições, as mentiras, as verdades dolorosas e fracturantes. Parcialmente filmado em Lisboa, onde o protagonista vem fazer uma conferência sobre o romancista, é um dos mais filmes secretos a agridoces de Truffaut e, provavelmente, o mais devedor da estética da “Nouvele Vague”: tudo é misterioso, subtil, intuído, mesmo as angústias de uma relação avassaladora, mas controlada. “As Duas Inglesas e o Continente” (1971) regressa à escrita de Roché, como em “Jules e Jim”, evidenciando no início as marcas literárias, e inverte o triângulo anterior, desta vez, um homem e duas mulheres, centrado no “alter ego” Jean Pierre Léaud (o Doinel da saga) e sem a força das outras actrizes emblemáticas: Kika Markham fotografa bem a cores, mas carece da densidade das suas demais “heroínas”. Percebe-se a inclusão para permitir visionar o díptico, a atracção pelo eterno feminino, mas falta a loucura da Moreau ou a incandescência de Fanny Ardant. Dito isto, o filme corresponde a uma espécie de aguarela, espantosa variação sobre a obsessão e o desejo. “Uma Bela Rapariga” (1972) não fazia qualquer falta neste contexto, mesmo para quem queira fazer da insuportável histeria de Bernadette Lafont uma aspiração ao estrelato. Trata-se, rivalizando com “L’Argent de Poche” (1976), do pior filme do realizador: nem “policial”, nem história de amor, passa por um tom de comédia inconsequente de uma ex-presidiária e de um sociólogo que se deixa prender pelo seu objecto de estudo, sem que se vislumbre o objectivo último de tão pobre exercício. A Lafont corta todas as hipóteses de rima com as grandes divas do realizador, sempre demasiado histriónica e fazendo do esgar a sua expressão preferida. Por que razão preferir tal descalabro às profundidades de “Adèle H”? “O Último Metro” (1980) ganhou imenso com o tempo e revê-lo agora significa redescobrir um olhar inteligente sobre os tempos da ocupação, sobre a paixão oculta em olhares e jogos de acaso: Catherine Deneuve é magnífica, Depardieu perfeito, a metáfora do teatro funciona na perfeição, com um fabuloso final em “trompe l’oeil”, complexificando a “velha” ideia “truffautiana” do trio amoroso. E, se a reconstituição histórica é cuidada, da fotografia pastosa às velhas canções da guerra, dos penteados às curiosidades de época, o melhor passa pela poderosa universalização da acção, de forma a traçar um retrato profundo da alma humana, da representação, dos sentimentos exacerbados, dos medos e pequenas traições, tudo disfarçado de memória magoada e transversa dos anos 40. “A Mulher do Lado” (1981) tinha que figurar nesta “antologia” sobre o amor e as mulheres: rima com “La Peau Douce”, muitos anos depois, no modo como encena os limites do casamento burguês, o adultério e a atracção irresistível. E, depois, introduz no mundo do realizador a sua diva final (e definitiva), Fanny Ardant. A clandestinidade, o regresso a antigos amores, o imponderável da paixão sem freios, tudo irrompe pelo ecrã dentro em golfadas de cor, em olhares furtivos, em descontrolado erotismo, como se Truffaut tivesse a noção de que estava a fechar todos os ciclos, iniciados com “Jules e Jim”. No cômputo geral, uma importante revisita em excelentes cópias de imagem e som, razoável legendagem e boa apresentação gráfica. Só é pena não possuir nenhum extra, para além dos “trailers”, a permitir contextualizar a reunião temática sugerida. Ípsilon • Sexta-feira 11 Junho 2010 • 55
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