Homens normais, tudo de excepcional
Transcription
Homens normais, tudo de excepcional
Sexta-feira 7 Maio 2010 www.ipsilon.pt Josh e Ben Safdie Delorean Vashti Bunyan Ruy Duarte de Carvalho Stooges Monks Homens normais, tudo de excepcional ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7337 D DO PÚBLICO CO,, E NÃO NÃO PODE PODE SER SER VEN E DIDO SEPAR SEPARADAME ADAME D NTE The National, “High Violet” The National 6 Rapazes normais, com um novo disco todo especial Vashti Bunyan Amor, rejeição e um concerto no Lux 12 The Stooges + The Monks 18 O punk antes do punk, em duas reedições históricas Cornelius Cardew 20 Um compositor tão paradoxal como o século XX, na Culturgest-Porto Josh e Ben Safdie 24 Os vencedores do IndieLisboa em discurso directo Ruy Duarte de Carvalho 28 Meteu-se num carro e fez a volta à África do Sul FIMFA Um segredo bem guardado há dez anos Ficha Técnica Directora Bárbara Reis Editor Vasco Câmara, Inês Nadais (adjunta) Conselho editorial Isabel Coutinho, Óscar Faria, Cristina Fernandes, Vítor Belanciano Design Mark Porter, Simon Esterson, Kuchar Swara Directora de arte Sónia Matos Designers Ana Carvalho, Carla Noronha, Mariana Soares Editor de fotografia Miguel Madeira E-mail: ipsilon@publico.pt 32 ANNE-CHRISTINE POUJOULAT/ AFP Flash Sumário RUI GAUDÊNCIO Spielberg vai adaptar “War Horse”, do escritor inglês Michael Morpurgo O artista português, Prémio EDP Novos Artistas em 2009, vai levar os seus trabalhos ao Palais de Tokyo e ao Musée d’Art Moderne de la Ville de Paris - a seguir, desce à terra em Guimarães Gabriel Abrantes sem tréguas em Paris Gabriel Abrantes (Chapel Hill, EUA, 1984) é daqueles artistas que não dá descanso à obra. Troca-lhe as voltas (Arte? Cinema?), confunde-lhe os lugares (“Black box”? Grande ecrã? Cubo branco?) e mostra-a, generosa e furiosamente, em Portugal (onde foi o destinatário do Prémio EDP Novos Artistas em 2009) e no mundo. Dele vimos há dias, no IndieLisboa, o filme “History of Mutual Respect” (o júri do festival deu-lhe o Prémio Media Recording para a melhor curtametragem portuguesa a concurso); nos próximos meses, vamos poder visitar duas exposições, uma lá fora e outra cá dentro. Entre 11 de Junho e 5 de Setembro, na capital francesa, Abrantes integra “Dynasty”, que reúne trabalhos de 40 artistas no Palais de Tokyo e no Musée d’Art Moderne de la Ville de Paris. O comissariado é de Fabrice Hergott e MarcOlivier Wahler, e a colectiva tem como objectivo revelar curtas-metragens “Olympia I” e “Olympia II” (2008), até às mais recentes, passando por “Too Many Daddies, Mommies and Babies”, o trabalho com que venceu o Prémio EDP. Ao todo, serão mostrados perto de dez filmes e vídeos, disponíveis em projecções e em monitores. Com a exposição, chegará um livro editado pelo próprio, com textos de, entre outros, Alexandre Melo e João Ribas, actual curador do MIT List Visual Arts Center, em Boston. Para explorar e revelar o processo de trabalho de Gabriel Abrantes, desenvolvido em guiões, notas, colagens, desenhos e fotografias. José Marmeleira Steven Spielberg interessa-se pela I Guerra Mundial Steven Spielberg já é um veterano de filmes sobre a II Guerra Mundial (1939-1945). Com “O Resgate do Soldado Ryan” (1998), o cineasta trouxe de novo o conflito ao cinema e ganhou cinco Óscares; antes, com “A Lista de Schindler” (1993), tinha ganho sete. Entre outras obras sobre o tema, produziu ainda os filmes “As Bandeiras dos Nossos Pais” (2006) e “Cartas de Iwo Jima” (2006), ambos realizados por Clint Eastwood, e a série “Irmãos de Armas” (2001), sobre um grupo de soldados americanos que chega à Normandia no Dia D (1945). Muito recentemente, com a mesma equipa, voltou à II Guerra Mundial com “The Pacific” (2010), espécie de “Irmãos de Armas 2”, mas agora na frente do Pacífico. Entretanto, ficou a saber-se esta semana que Spielberg vai, pela primeira vez, abordar a I Guerra Mundial (1914-1918) em “War Horse”, adaptação do livro infantil com o mesmo nome do escritor inglês Michael Morpurgo. Publicado em 1982, o livro relata a amizade entre um rapaz inglês e um cavalo, que se separam quando deflagra a I Guerra Mundial e que voltam a cruzar-se no decurso do conflito. “War Horse” já foi adaptado para teatro e está em cena no National Theatre, em Londres. O filme da Dreamworks chegará aos cinemas dos EUA em Agosto de 2011, meses antes do aguardadíssimo “Tintin: o Segredo do Unicórnio”, também de Spielberg. “a sensibilidade artística emergente em França”. Gabriel Abrantes, que estudou na École National des Beaux-Arts de Paris entre 2005 e 2006, apresentará dois filmes corealizados com Benjamin Crotty: “Visionary Iraq”, no Palais de Tokyo (onde será o “Metrópolis” vai primeiro artista português a voltar, om mais 25 expor desde a transformação do edifício minutos em centro de arte Realizado por Fritz Lang e estreado em Berlim em 1927, “Metrópolis” foi contemporânea), e uma um dos filmes mais aclamados da obra inédita a ver no museu história do cinema. Quase com duas parisiense. horas e meia de duração, ç , foi visto iel Em Setembro, Gabriel na sua totalidade Abrantes terá uma o individual no Centro Cultural Vila Flor, em m Guimarães: “Histories ies of Mutual Respect: Films by Gabriel Abrantes in Collaboration with Benjamin Crotty, Daniel Schmidt, Katie tie Widloski”. Em ão destaque, a produção fílmica e cinematográfica do artista/cineasta, dass Algumas das imagens cortadas pela Paramount para “adaptar” o filme ao gosto médio americano foram recuperadas e vão ser mo as obras seminais, como incluídas numa nova versão, mais completa, do filme, a sair em DVD Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 3 Flash apenas por altura da estreia. As críticas e os lucros de bilheteira na Europa foram mornos e, por isso, a Paramount Pictures, o parceiro americano do estúdio alemão que produziu o filme, a UFA, retirou “Metrópolis” de circulação e fez alguns cortes drásticos na película, resultando em menos uma hora de filme. Na altura, a Paramount justificou a decisão dizendo que a montagem de Lang era complicada de mais para o público americano. A versão original não voltou a ser vista e pensou-se que tinha sido irreversivelmente destruída. Até 2008, altura em que a perseverança de Fernando Peña, arquivista de filmes argentino, foi recompensada. Há 20 anos que Peña ouvia falar na existência de uma cópia do filme no Museo del Cine de Buenos Aires, mas a burocracia impedia-o de chegar até ela. Há dois anos, conseguiu. E descobriu mais 25 minutos de filme até aqui desconhecidos. A versão completa da obra-prima de Fritz Lang foi exibida em Fevereiro no Festival de Cinema de Berlim. Agora, o Film Forum, de Nova Iorque, vai voltar a mostrar “The Complete Metropolis”, e a versão aumentada do filme vai mesmo ser editada em DVD, no final do ano, depois da projecção em várias salas dos EUA. Espaço Público Este espaço vai ser seu. Que filme, peça de teatro, livro, exposição, disco, álbum, canção, concerto, DVD viu e gostou tanto que lhe apeteceu escrever “Metrópolis” é o filme mudo mais icónico da sua época, principalmente pela ambição visual de Lang. Mas, até agora, não tínhamos a história completa. “Estes acrescentos são essenciais para a compreensão total da narrativa”, disse ao “New York Times” Noah Isenberg, professor de cinema na The New School de Nova Iorque. As imagens são granuladas e, por isso, distinguem-se facilmente da versão restaurada em 2001, na qual foram inseridas. Algumas são cenas mínimas, de segundos, que ilustram as reacções das personagens e acentuam o seu estado de espírito. Mas também há planos de vários minutos que foram inteiramente cortados pela Paramount. Thin Man parece agora uma personagem muito mais sinistra, uma combinação de espião e detective. E o seu assistente pessoal, que desaparece numa das cenas iniciais, desempenha um papel muito maior. Ainda é o mesmo filme? Não totalmente. “Já não é um filme de ficção científica. Agora é um filme que abrange muitos géneros, um épico sobre conflitos antiquíssimos”, argumenta Martin Koerber, arquivista e historiador alemão que supervisionou os restauros de 2001 e 2008. Todos aos dez anos da Tate Modern O “frontman” dos Sonic Youth, Thurston Moore, e os portugueses Filipa Oliveira e Miguel Amado constam entre as dezenas de artistas, provenientes de todo o mundo (do Rio de Janeiro a Xangai), que foram convidados para fazer experiências na festa dos primeiros dez anos de vida da Tate Modern. Desde que abriu portas, a 12 de Maio de 2000,, a galeria londrina dedicada à arte contemporânea recebeu 45 milhões de visitantes, número com que se tornou o museu de arte contemporânea Mais de 45 milhões de visitantes já passaram pelo principal museu de arte contemporânea do Reino Unido 4 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon mais visitado do mundo. Só entre 2008 e 2009, a Tate Modern contabilizou 4,65 mihões de entradas (uma média de 13 mil por dia); no mesmo período, o Centro Pompidou, de Paris, ficou-se por 3,53 milhões de visitantes e o MoMA, de Nova Iorque, pelos 2,8 milhões. O início das comemorações da primeira década da galeria está marcado para o próprio dia do aniversário, 12, com um desfile de 300 crianças que, acompanhadas de uma banda, irão caminhar até ao edifício com um bolo de sobre ele, concordando ou não concordando com o que escrevemos? Envie-nos uma nota até 500 caracteres para ipsilon@publico.pt. E nós depois publicamos. Os filmes mudos de Hitchcock vão ressuscitar Antes dos grandes sucessos de Hollywood, Alfred Hitchcock realizou uma série de filmes mudos, que já davam sinais do estilo, do trabalho de câmara e dos argumentos de suspense desenvolvidos pelo realizador nos trabalhos seguintes. Durante décadas, esses filmes estiveram esquecidos. Agora, o British Film Institute (BFI) vai restaurar nove dessas obras e apresentá-las numa série de sessões públicas em 2012, como peça central de uma retrospectiva dedicada ao realizador. Embora o “The Independent” avance que as exibições farão parte das Olimpíadas Culturais, o programa artístico que decorrerá em paralelo aos Jogos Olímpicos de Londres, ainda não há confirmação. Alguns dos filmes serão projectados no BFI e outros serão musicados por músicos experimentais e farão parte do programa Além de fazer experiências com a sua guitarra, Thurston Moore também vai ler poesia nos dez anos da Tate Modern O British Film Institute vai restaurar nove filmes a tempo dos Jogos Olímpicos de 2012 de diversos festivais de música. Da retrospectiva também fará parte uma exposição de objectos relacionados com os filmes e com as bandas sonoras do compositor Bernard Herrmann, que colaborou com Hitchcock em filmes como “Psycho”, “O Homem que Sabia Demasiado” ou “Vertigo - A Mulher que Viveu Duas Vezes”. “Queremos analisar a influência [de Hitchcock] no mundo actual”, justificou ao “Independent” Eddie Berg, director artístico do BFI. A directora do instituto, Amanda Neville, disse que a iniciativa irá “ressuscitar os filmes de Hitchcock que não estão na ponta da língua de toda a gente”. Alguns dos filmes precisam de restauro. “Três deles não poderão ser projectados – a dimensão dos danos seria enorme”, acrescentou. Entre os filmes que serão restaurados e apresentados incluem-se “The Pleasure Garden” (1925), “The Lodger” (1926) e “The Farmer’s Wife” (1927). aniversário que será distribuído pelos visitantes. Mas o principal item dos festejos é mesmo o “No Soul For Sale – A Festival for Independents”, que decorre de 14 a 16 deste mês. É justamente no programa deste festival que a dupla de curadores Filipa Oliveira + Miguel Amado (que já tinha participado na primeira edição do No Soul For Sale em Junho do ano passado, em Nova Iorque, com o projecto “If you don’t know what the South is it’s simply because you are from the North”, incluindo trabalhos de Julieta Aranda, Lilibeth Cuenca Rasmussen, Carlos Motta e Miguel Palma) aparece ao lado de artistas como Martin Creed, Prémio Turner em 2001. A programação do festival visa misturar diversos tipos de disciplinas, das artes plásticas à música, do cinema à poesia, e culminará na criação, sem entraves na liberdade criativa, de uma aldeia de arte global. Thurston Moore, por exemplo, vai recitar poesia do seu “Ecstatic Peace Poetry Journal” e dedicar-se à exploração das artes visuais e da música experimental. Durante os três dias do festival, a Tate Modern terá as portas abertas ao público e, nas duas primeiras noites, só fechará à meia-noite, aproveitando a boleia da iniciativa nacional “Museums at Night”. A pretexto dos dez anos, os visitantes são também convidados a publicar as suas memórias relacionadas com a galeria, e nomeadamente vídeos e fotos das suas experiências com as peças da Unilever Series (um programa de instalações que já levou diversos artistas a intervir no Hall das Turbinas da Tate Modern, que na sua primeira encarnação foi uma central eléctrica), que serão posteriormente compilados num filme. APRESENTAÇÃO AGENDA CULTURAL FNAC entrada livre entrada livre LANÇAMENTO OBJECTIVOS DE DESENVOLVIMENTO DO MILÉNIO No Ano Europeu de Luta Contra a Pobreza e a Exclusão Social, a Fnac apresenta uma selecção das imagens premiadas no concurso de fotografia, organizado pelo Instituto Superior de Engenharia do Porto e pela Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo. 11.05. 18H00 FNAC STA. CATARINA AO VIVO ANA BEATRIZ MANZANILLA E PEDRO SAGLIMBENI MUÑOZ Duos para violino e viola de Villa-Lobos e Martinu Músicos venezuelanos residentes em Lisboa que fazem parte da Orquestra Gulbenkian e da Orquestra Sinfónica Portuguesa. 07.05. 22H00 FNAC CASCAISHOPPING 09.05. 17H00 FNAC CHIADO AO VIVO NU SOUL FAMILY Never Too Late To Dance Virgul (Da Weasel) e Dino (Expensive Soul) são a cara dos Nu Soul Family. A música de dança conhece uma versão eclética entre momentos pop, house e disco. 08.05. 17H00 FNAC CASCAISHOPPING 15.05. 17H00 FNAC GAIASHOPPING 13.05. 22H00 FNAC MAR SHOPPING 21.05. 22H00 FNAC ALMADA 14.05. 22H00 FNAC NORTESHOPPING 22.05. 17H00 FNAC ALFRAGIDE AO VIVO TIAGO BETTENCOURT Em Fuga Após o sucesso de O Jardim, com o single Canção Simples, Tiago Bettencourt volta à Fnac para uma actuação ao vivo do seu último disco, gravado entre o Canadá e Lisboa. 21.05. 22H00 FNAC LEIRIASHOPPING 14.05. 21H30 FNAC COLOMBO 22.05. 22H00 FNAC COIMBRA 15.05. 22H00 FNAC NORTESHOPPING 23.05. 17H00 FNAC ALMADA 16.05. 17H30 FNAC CASCAISHOPPING EXPOSIÇÃO UMA FOTO DE CADA VEZ Fotografias de Gonçalo Cadilhe Gonçalo Cadilhe fotografa desde que iniciou a sua carreira de viajante, há quase vinte anos, mas sempre canalizou a sua energia para a produção literária. No entanto, a pequena selecção de fotografias aqui reunida não deixa de piscar o olho à sua produção literária. 18.04. - 12.05.2010 FNAC COLOMBO Consulte todos os eventos da Agenda, assim como outros conteúdos culturais Fnac em Apoio: AO VIVO LANÇAMENTO EXPOSIÇÃO O caso de amor com os National continua. Porque eles f personagens grandiosas de um épico. Ao quinto disco, “High como os U2 ou ser a melhor banda do mundo. Retrato do tudo no discurso parece ponderado. Resumindo: está, surpreendentemente, sóbrio. “Eu não bebo assim tanto”, responde com um certo acossamento. Anos antes, este homem era o primeiro a brincar com a sua fama de bebedor compulsivo. Agora, casado e pai, perto de se tornar uma estrela a sério com “High Violet”, há nele certos cuidados: “Nunca começo a beber antes da noite e só bebo no palco, mas antes e depois do concerto não bebo”, repete. Agora Matt Berninger é pai e não bebe. Isto é uma grande diferença face ao que lhe conhecíamos: no Sudoeste, em 2007, não largou uma garrafa de Porto durante a conversa de uma hora que mantivemos antes do concerto. No ano seguinte, na Au- KEITH KLENOWSKI É segunda-feira, dez da manhã em Nova Iorque e há em Matt Berninger, o barítono que lidera os National, algo diferente, pelo menos tendo em conta as conversas mantidas com ele desde que falámos pela primeira vez há cinco anos: as palavras não lhe saem entarameladas, não há oscilações entre monólogos sorumbáticos e explosões verborreicas inacabáveis, The National Champanhe nas la Magna, em Lisboa, nem chegou a haver a entrevista marcada, porque estava entretido a beber e a conversar com fãs e esqueceu-se da conversa combinada. Antes do turbilhão de digressões em que “Boxer” enfiou o grupo, Berninger era uma personagem menos reservada – com a mesma quantidade de angústia que hoje lhe notamos, mas um pouco menos de precaução na exposição. A pureza em diálogo nessa altura era tanta que no Sudoeste contou-nos o amor de Bryan Davenport por erva, revelou-nos que na banda ninguém tomava drogas duras. Depois acrescentou, quase com vergonha: “Não sei, se calhar devíamos tomar”. Bryan Davenport, já agora, é o ba- terista maravilha, despenteado, barbudo e tremendamente bonito, irmão de Scott, o careca barbeado do baixo pulsante. O resto da banda é composto pelos gémeos Bryce e Aaron Dessner, os líderes das guitarras da banda. “Mal acabam os concertos vou para o hotel deitar-me ou ler”, diz-nos Berninger. Um dos gémeos Dessner, antes do concerto da Aula Magna, contara-nos o mesmo, acrescentando um pormenor: Berninger ia logo para o hotel não por uma questão ética, mas sim “para telefonar à mulher, que quer saber onde ele anda”. A mulher de Matt Berninger (que, tal como os restantes membros da banda, vem de Cincinnati, Ohio, e é um produto da classe média local) Capa s fazem de nós, gente angustiada com as suas banalidades, Violet”, a banda de Matt Berninger tem de decidir entre ser artista neste momento da sua vida. João Bonifácio s nossas sombras KEITH KLENOWSKI tem as suas razões para querer manter o marido em rédea curta: no Sudoeste Berninger dizia-nos, com mais um dos muitos cigarros que fuma quase a cair-lhe da mão: “Já viste a quantidade de mulheres bonitas que estão ali fora? Jesus, às vezes olho para estas mulheres e penso ‘Eu gostava de fazer amor com uma mulher assim’. Mas depois penso na minha namorada [à data não estavam casados] e...”. E ficou a olhar para o chão com um ar tão comiserado consigo mesmo que parecia uma das personagens das suas canções. Uma boa parte do charme deste quinteto de personalidades bem marcadas reside nesta simultânea consciência e fascínio com o pecado. Ninguém disse que era preciso pecar para haver culpa – e Berninger sabe bem que se pode sentir uma avassaladora culpa só por se pensar em pecar. “Quer dizer, isto não são problemas, não são verdadeiros problemas, mas todas as canções dos National são sobre isso”, disse ele nessa noite, repetidas vezes. “Isso” é querer e não poder, fazer e “saber que se está a fazer merda”: a comichão versus a razão, dicotomia usada nas canções dos últimos dois discos dos National, “Alligator” (2005) e “Boxer” (2007), até à exaustão, e que lhes valeu uma crescente legião de fãs, invariavelmente literatos e abusadores de medicamentos de prescrição: membros da geração recibo verde, da geração a prazo, da geração sem poiso. A perfeição da imperfeição As angústias de Berninger são as dos fãs e os fãs envelhecem ao mesmo tempo que Berninger, como se houvesse entre eles um miraculoso “update” de angústia que os mantivesse em sintonia. Cada vez que um muda de angústia os outros também e assim continuam o seu caso de amor. O que nos traz de volta à mudança no discurso de Berninger e às questões em jogo neste momento decisivo na vida nos National em que eles lançam “High Violet”. A banda tem vindo a subir as vendas a cada disco, e “Boxer” atingiu os 350 mil exemplares só nos EUA, o que nesta altura da indústria, para uma banda desta dimensão, é extraordinário. De “High Violet” espera-se que expluda, embora, como Berninger nos disse esta semana, com eles “não há explosões, há um constante crescendo”. Mas não é só em termos de dimensão da banda que estão numa encruzilhada: eles têm de decidir entre serem como os U2 ou serem a melhor banda do mundo. Tinham ainda mais um dilema pela frente: “Alligator” e “Boxer” não foram apenas discos perfeitos, foram os discos perfeitos na altura perfeita, com a evolução perfeita para uma geração reconhecida pela sua imperfeição. O que fazer a seguir? Foi com esses problemas que meio milhão da melhor gente que aí anda se relacionou: com o pateta alegre que cantava “I used to be carried in the arms of cheerleaders”, com o romântico desesperado que gritava “I won’t fuck us over”, com o mentiroso confiante nas suas mentiras que dizia “We’ll stay inside ‘till somebody finds us do whatever the tv tells us”. Meio milhão da melhor gente que tem estas frases tatuadas na rede neuronal, porque elas são simultaneamente grandiosas e íntimas – e é esse, tanto a nível lírico como a nível musical, o trunfo dos National: conseguirem que algo soe íntimo e tornar esse íntimo épico. Como é que eles – problemáticos profissionais – podiam resolver este problema sem enlouquecer? Resposta: não podiam e enlouqueceram. Como é que eles escolheram o caminho a seguir? Resposta: não escolheram, estava mesmo ali. O que é que eles fizeram? Juntaram o melhor dos dois mundos anteriores. Mais importante que tudo: “High Violet”, vai fazer deles a melhor banda do mundo? Na mente de Berninger Retrato do artista neste momento da sua vida: “Tenho uma filha de 16 meses e isso mudou-me bastante. Quando se tem filhos o mundo deixa de ser sobre nós – bem, infelizmente continuo obsessivo comigo próprio. Começa-se a tentar perceber como melhorar o mundo só que isso traz ainda mais raiva porque não só não conseguimos resolver nada como ainda por cima não podemos fugir da responsabilidade. Não podemos mais querer que tudo se foda. Antes podíamos simplesmente ir para uma barraca longe de tudo e mandar tudo e todos – problemas, responsabilidades, mulheres, dignidade – para o caralho. Agora tem de se querer saber, temos de nos importar. E para ser honesto, agora nós importamo-nos com muita coisa. Mas não é fácil”. Este é um tratado sobre a mente de Berninger. A oscilação entre o “eu” e o “nós” é representativa da confusão entre o caso particular e a generalização, confusão que o leva a tantos labirintos lógicos, mas, simultaneamente, dá às suas canções uma universalidade nada negligenciável (ele tem um talento imenso em transformar um problema seu numa canção em que todos se possam rever). A assumpção de um mar de diferença entre o que é certo, o que nos dizem que é certo, o que nós queremos fazer e o que nós achamos que devemos fazer está representada naquele parágrafo – e é destas múltiplas hipóteses que nascem as canções dos National, é esta complexidade que atrai a multidão simultaneamente bibliófila e beberrona que os segue. (É curioso reparar como os fãs dos National são parecidos com os National: gente de classe média, média alta, angustiada com as suas banali- Matt Berninger entre os gémeos Bryce e Aaron Dessner, guitarristas; atrás, à direita, Bryan Davenport, baterista; à esquerda o irmão Scott, o baixo pulsante dos National “É daí que vem a tristeza e a raiva destas canções – das m toda a gente: queremos ser mais românticos e agradar à nossa m medrosos. E é muito difícil ser tudo isso” 8 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon Comentário João Bonifácio E finalmente o rock é perigoso Eles não fazem as meninas tirar as cuecas e os meninos tomar drogas. Eles fazem as mulheres divorciar-se e os homens irem à farmácia buscar medicamentos. Os National são assunto de gente grande. E isso sim, é perigoso. N ão é propriamente lisonjeiro para o rock’n’roll que a frase paradigmática que marca o início da sua história seja “A whop bop-a-lu a whop bam boo”. E não deixa de ser sintomático que quem melhor a proferiu, Little Richard, fosse um homossexual que aí fingia ser um galifão com uma mulher em cada esquina. Nessa maravilhosa canção traçou-se o caminho do rock’n’roll durante décadas: gente com esqueletos no armário transforma-se numa outra coisa que sempre desejou ou sempre achou que devia ser, e o sexo era laudado como objectivo único da vida. A mitologia transformou o rock’n’roll na banda-sonora do sexo, usando para isso todos os truques possíveis – menos palavras bem medidas. Tivemos décadas disto e, acima de tudo, tivemos a mitificação “ad nauseum” disto, que atingiu o zénite quando alguém se lembrou de dizer que os Rolling Stones eram perigosos. Porquê? Porque faziam as meninas tirar as cuecas e punham os rapazes a tomar drogas. Destruíam os lares. Não se duvida, mas falta acrescentar um pormenor: um pouco de literatura diz-nos que as meninas sempre foram céleres a tirar as cuecas, mesmo que sempre tenham sido magistrais a esconder essa sua excelsa qualidade. Em “O Cálice e a Espada”, Riane Eisler fala-nos mesmo de sociedades mais próximas de regimes matriarcais em que o amor era livre e poligâmico. E recordando a “Medeia” será difícil sustentar que os lares só começaram a ser destruídos no dia em que as cachopas viram um sujeito de lábio de boi a berrar. Que não se diminua o valor do rock’n’roll, tanto musical como sociológico. Mas que não se lhe atribua qualquer perigo – a explosão do rock na década de 60 é simples consequência da moral sufocante dos anos 50 que por sua vez é consequência da grande guerra. O rock estava no lugar certo no momento certo. A questão é que para não se ser alinhado é preciso ter-se consciência do que está em jogo e para se ser rebelde é preciso – ao contrário do título do filme de Nick Ray – alguma causa. E isto implica inteligência e capacidade de usar as palavras. Com a devida excepção do primeiro álbum dos Velvet Underground, isto só surgiu, no rock, no final da década de 70 com os Joy Division. Ian Curtis fez o favor de acabar depressa com qualquer veleidade intelectual que o rock pudesse ter e ainda assim dificilmente se poderá sustentar que os Joy Division não fossem uma banda adolescente. Os seus seguidores, com o suposto poeta maldito Ian McCuloch à cabeça, idem. Andámos muitos anos assim até que os Radiohead conseguiram um feito extraordinário: fazer com que tudo na sua música, do uso de ruídos passando pela forma como o seu vocalista usava a voz ou as suas estranhas imagens literárias, se tornasse um símbolo da desagregação emocional que é marca do século XXI. Foi a primeira vez que o rock esteve próximo de ser adulto sem ser balofo (ao contrário, por exemplo, dos Pink Floyd). É por isso que dizemos sem o mínimo pudor que os National são verdadeiramente a primeira banda de rock’n’roll perigosa que existiu ao cimo da Terra. Todos os discos dos National são uma variação “ad infinitum” sobre aquilo a que poderíamos chamar “os indiferenciados”: gente que se destaca pela sua absoluta falta de destaque, gente que não hesita em hesitar, que caminha passo firme para o tropeção, gente desconfortável com a sua temperatura, que não suporta o pouco peso que tem na vida dos outros. Mas ao contrário dos Stones, as meninas que ouvem pela primeira vez os National não vão a correr trocar fluidos ou experimentar os simpáticos efeitos do Rohypnol. A descarga épica e emocional que os National produzem, associada à constante repetição de aforismos eficazes, levam a uma segunda atenção ao texto. E o texto, que à partida pode ser lido como simples confirmação de que a vida é por norma uma merda, revela-se de uma complexidade rara, abraça o erro, a queda e o disparate, sem nunca os glorificar (e isto é extraordinário no rock), comove-se por quem tropeça, não sabe se há-de ser hedonista e quando o é arrepende-se. Isto é: está ideologicamente contra tudo o que os Stones representam. O discurso dos National é o da dúvida incessante, da culpa e do horror à culpa, do questionamento constante da ideia de identidade, do desdobramento constante das encruzilhadas que se apresentam ao ser humano. Eles não fazem as meninas tirar as cuecas e os meninos tomar drogas. Eles fazem as mulheres divorciar-se e os homens irem à farmácia buscar medicamentos. Pela simples razão de nunca ninguém no rock ter pensado tanto e de forma tão apelativa com Matt Berninger. Os Stones sempre foram uma brincadeira de adolescentes da mesma forma que tomar drogas sempre foi brincadeira de adolescentes, mesmo quando praticada por adultos, se não for pensada, se apenas for hedonismo puro. Ao contrário, os National são assunto de gente grande. É a diferença entre um tipo sentir-se um super-homem porque toma a droga X, ou aguentar as angústias e calar porque tem crianças para tratar. E isso sim, é perigoso, e agora sim, há perigo numa guitarra eléctrica. Os Stones sempre foram brincadeira de adolescentes. Os National são assunto de gente grande dades, fechada sobre a sua cabeça, gente tímida capaz de irrupções psicóticas ou de manifestações de exibicionismo ou decadência a milhas do seu comportamento normal. Frígidos emocionais capazes de um grande coração. Não há como não gostar deles – isto é, de todos nós) O parágrafo citado vinha a propósito de “Afraid of everyone”, uma das novas canções, particularmente emblemática da viragem temática que “High Violet” encerra. Berninger está convencido de que este disco é radicalmente diferente dos anteriores. Mas Berninger não toca um único instrumento. “Para mim, vistos agora, ‘Boxer’ e ‘Alligator’ são mundos de fantasia e ‘High Violet’ é um disco de alguém que se importa. É um disco em que se diz: ‘Afinal tudo importa’. Tudo importa, o que torna tudo mais assustador. Mas também mais recompensa- dor”, diz, antes de lançar: “É um disco com o real lá dentro”. Este é o facto fundamental: Berninger é pai e um solipsista – e um solipsista perante a paternidade, leva um nó, um “angustiante” nó no seu esquema de sobrevivência. Esse esquema de sobrevivência (fugir) deixa de ser eficaz quando há um ser que não sai do mesmo lugar (a filha), pelo que a angústia retorna e tem de ser canalizada para fora de casa. De onde: “Eu tive de começar a olhar para o mundo outra vez”. De onde: os outros discos são de fantasia e este é sobre o real. Toda a mudança pessoal implica uma revisão do passado, mas aqui é notório que Berninger tenta ver a obra anterior com olhos mais positivos. Recordando “Alligator”: “Aquelas afirmações grandiloquentes como ‘I used to be carried in the arms of cheerleaders’, muito disso é fantasia ou ilusão – alguém que em desespero se ima- s mesmas coisas que obcecam a mulher, queremos ser menos Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 9 ABBEY DRUCKER gina melhor do que é, de forma mais ou menos patética. Mas isso também pode ser comovente. Se o nosso passado não é glorioso, qual o problema? Porque não havemos de inventar que fomos carregados em ombros por ‘cheerleaders’?” Faz o mesmo exercício com “Boxer”: “‘Boxer’ não era sobre casais a esgadanharem-se. Era sobre as pessoas fecharem as portas, desligarem-se do mundo exterior, procurarem uma zona de conforto. Era uma rejeição do mundo exterior, mas eles apreciavam a solidão. Eles não vão matar-se um ao outro, eles escolheram estar sozinhos”. “‘High Violet’ é o oposto. É a escolha da abertura ao mundo como fuga ao sufoco. É um disco que confronta o que há por aí. Lide com o que lidar – tomar decisões como viver em Nova Iorque ou no campo ou como gerir o que os outros pensam de nós, ou a paranóia informativa –, é um disco sobre o impacto do exterior”. Só mais uma frase: “Este é um disco de alguém que esteve fechado sobre si mesmo e está de novo a tentar entrar no mundo – não porque queira, mas porque a isso foi obrigado – e a tentar resolver problemas. Obviamente, não é um caminho cheio de felicidade”. Isto lembra-vos alguém? A chatice da classe média O método de trabalho dos National é simples: os gémeos Dessner mandam a Berninger malhas de guitarras por e-mail, e às que o barítono diz que sim toda a banda se junta para recriar o material. Como Berninger reescreve obsessivamente as letras as canções acabam por levar milhentas voltas. Os gémeos Bryce a Aaron Dessner são os mais musicais da banda, no sentido em que são os que têm mais preparação académica. Bryce estudou na Yale School of Music e, segundo o “New York Times”, Steve Reich – com quem já colaborou – é fã da banda. “O que trabalha mais é o Bryce. O Bryan é o mais emocional. Eu sou o mais chato”, dizia Berninger no Sudoeste. Para “High Violet” excederam-se na sua obsessão com fazerem algo novo. Berninger recusou uma vintena de esquissos de canções porque eram dedilhadas. Queria guitarras eléctricas e deu como definição do som: “alcatrão quente”. “Tínhamos feito alguns dos melhores dedilhados que alguma vez ouvi”, disse Bryce. “E ele atirou-os todos para o lixo”. Todos não: um ou outro ouvem-se em fundo em duas ou três canções. Para algumas canções gravaram 80 versões, para no fim acabarem por voltar ao som das demos iniciais. “Acho que nos cansámos da perfeição sónica de ‘Boxer’. Estava tudo demasiado perfeitinho. Queríamos um pouco mais da sujeira de ‘Alligator’”, explica-nos Berninger, sem reparar no paradoxo que é fazer 80 versões de uma canção porque não quer tudo perfeitinho. “Houve uma grande procura da forma ideal das canções, mas no fim acabámos por voltar às demos, por achar que a base das canções estavam lá”. Canções como “Terrible love” ou “Little faith” têm “grandes partes que foram retiradas das demos iniciais”, mesmo que depois os arranjos de cordas ou os coros ou os metais tenham sido gravados em estúdio. Na realidade, reconhece Berninger, “a maior parte das canções são as mais complexas que alguma vez escrevemos, têm coros, metais, cordas, mas queríamos manter o som sujo que tínhamos feito no início”. Isto é um eufemismo para a carga de trabalhos que tiveram. No fim acabaram por aproveitar “uma bateria daqui, uma guitarra dali” para conseguirem o tal som que ele imaginava: “Uma combinação do sujo primordial com meticulosas e sofisticadas harmonias posteriores”. O que é importante notar aqui é a obsessiva ética de trabalho dos rapazes: levam o perfeccionismo ao limite. Como se não bastasse, funcionam em democracia – isto é, uma canção só vai para a frente se todos estiverem satisfeitos. O que por vezes leva a que todos tenham vontade de se aniquilar mutuamente. “Fomos educados a fazer o que está certo”, diz Berninger. É filho de um advogado que, por alguma razão, cismou em viver nos piores bairros de Cincinnati. E é esta a diferença entre Matt e os restantes: nenhum deles teve uma infância difícil, mas Matt viu o que outros não viram. Lê-se em todas as entrevistas e nota-se em conversa com eles: a cisão entre “ser normal” (ditame que qualquer filho de classe média conhece bem) e “fazer bem” (ditame que qualquer filho de classe média conhece bem) é neles levada ao expoente máximo. É essa ascensão de classe média que viu o lado sujo que os leva a querer manter as canções, por mais experimentais que sejam, sempre do lado mais directo possível. Por exemplo: quando os manos se põem com experiências artísticas e as enviam por e-mail para Berninger, ele manda-os passear. Ao “New York Ti- Uma parte do charme deste quinteto de classe média reside no fascínio com o pecado mes” Aaron dizia que “para ele tem de ser sempre uma experiência emocional”. Berninger não quer cá experiências artísticas só porque sim. É como se se vigiasse constantemente. É o dado mais importante acerca dele: a hiper-activa auto-consciência de Berninger. Longo monólogo de um vocalista quando mencionamos “autoconsciência”: “A auto-consciência é uma grande parte das canções dos National. A ansiedade existente em todas as situações vem da auto-consciência. De não se gostar de como se está nessas situações, de se desejar ser melhor, mais simpático, mais bem falante, mais à vontade. De não se saber como reagir – seja no trabalho ou na família. Essa auto-consciência da falha mói muito, está sempre presente. É acerca de, no fundo, não se ter muita auto-confiança. E é daí que vem a tristeza e a raiva que há nestas canções – das mesmas coisas que obcecam toda a gente: queremos ser mais românticos e agradar à nossa mulher, queremos ser mais simpáticos, queremos ser menos medrosos. E é muito difícil ser tudo isso. Por isso julgamo-nos constantemente. Tudo isto implica muito trabalho: não é fácil amarmos a nossa mulher, os nossos pais, os nossos filhos, os nossos amigos. Não é fácil sequer amarmo-nos. E isso acarreta ansiedade. Que, no fundo, pode ser muito positiva, porque funciona como um balanço dos prós e dos contras, como um alerta que nos impulsiona a fazer alguma coisa”. Este é o fio condutor dos discos dos National: a auto-consciência. Por mais aberto ao mundo que “High Violet” seja, é essa auto-consciência que traz grandiosidade à banda. Sim, em “High Violet” há mais mundo. Mesmo numa canção como “Sorrow”, “que é uma celebração da tristeza, que é sobre alguém que é triste desde sempre mas gosta da sua tristeza, que precisa dela”, há um distanciamento maior. Mesmo numa canção tremenda como “Afraid of everyone”, que é sobre o medo da paternidade, esse medo é escudado num olhar mais frio, “uma espécie de estado de coisas entre as pessoas normais na América: de um lado temos os liberais, do outro os conservadores e vivemos bombardeados por esta dicotomia extremada, sem saber no que acreditar”. O medo da paternidade, revelado na frase “with my kid on my shoulders I’ll try not to hurt anybody I love”, é investido de uma outra grandeza: esta torna-se uma canção “sobre não magoar os outros estando disposto a tudo para defender a família. Põe-se a criança aos ombros para a proteger e tenta-se não ferir os que estão ao lado. Quando se tem filhos as prioridades mudam e há uma ideia de guerra contra tudo o que possa ferir ou separar-nos das crianças, mas tem-se de evitar essa guerra”. Mas isto são os National e a seguir a essa frase vem ‘But I don’t have the drugs to sort this out’. O que significa isto? “É simples. É que não faço a mínima ideia como resolver este dilema”. Qual dilema? “Tudo isto”. “Nós só estamos a deitar champanhe para dentro das sombras”, diz Berninger. “Isso revigora-nos”. Depois o agente corta a chamada. Nós cá em baixo abrimos a boca e engolimos o champanhe. Ver crítica de discos págs. 52 e segs. “Nós só estamos a deitar champanhe para dentro das sombras. Isso revigora-nos” 10 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon direcção artística Cesário Costa METROPOLITANA 80.ª Edição da Feira do Livro de Lisboa T E M P O R A D A 29 de Abril a 16 de Maio de 2010 Parque Eduardo VII 2 0 0 9 | 2 0 1 0 Livros, Cultura e Animação 07 de Maio | Sex Tânia Ganho sessão de autógrafos das 15:00 às 17:00 Título editado: A Lucidez do Amor Luís Bigotte Chorão Lourenço P. Coutinho sessão de autógrafos das 15:00 às 17:00 Título editado: Cinco de Outubro sessão de autógrafos das 15:00 às 17:00 Título editado: A Crise da República e a Ditadura Militar hora do conto às 16:00 Leonor Mexia Título editado: A caixa da avó Maria atelier/ workshop de ilustração às 17:30 Ana Biscaia Título editado: Poesia de Luís de Camões para Todos Xavier Phillips violoncelo Mark Stringer direcção musical Orquestra Metropolitana de Lisboa 08 de Maio | Sáb Paul Hoffman sessão de autógrafos das 15:00 às 17:00 sessão de autógrafos das 15:00 às 17:00 Títulos editados: A Ofensa, Derrocada Sofia Marrecas Ferreira sessão de autógrafos das 15:00 às 17:00 Título editado: Poesia de Fernando Pessoa para Todos Maria C. Vicente sessão de autógrafos das 15:00 às 17:00 Título editado: Os Dias da Febre J. Pedro Baltasar José António Gomes e António Modesto sessão de autógrafos das 15:00 às 17:00 Título editado: O Sangue da Terra João Pedro Marques sessão de autógrafos das 15:00 às 17:00 Títulos editados: Rua dos Anjos, Este Lago não Existe Título editado: O Braço Esquerdo de Deus Ricardo M. Salmón Vítor Burity da Silva sessão de autógrafos das 15:00 às 17:00 Título editado: Jaguar sessão de autógrafos das 15:00 às 17:00 Título editado: Bichos faz-de-conta M. João Lopo de Carvalho hora do conto às 17:00 Títulos editados: Animais à Solta, Um menino diferente Ana Fernandes atelier/ workshop de ilustração às 18:00 Título editado: O Príncipe no Reino dos Lagartos 09 de Maio | Dom Paul Hoffman sessão de autógrafos das 15:00 às 17:00 Título editado: O Braço Esquerdo de Deus Ricardo M. Salmón Título editado: Tartan - As Velas da Liberdade sessão de autógrafos das 15:00 às 17:00 Título editado: Jaguar sessão de autógrafos das 15:00 às 17:00 Títulos editados: A Ofensa, Derrocada Nuno Silveira Ramos e Pedro Silveira Ramos J. Pedro Baltasar Teresa Champalimaud e Maria Almada sessão de autógrafos das 15:00 às 17:00 Título editado: Castelos de Algodão Doce sessão de autógrafos das 15:00 às 17:00 Sofia Marrecas Ferreira sessão de autógrafos das 15:00 às 17:00 Título editado: O Sangue da Terra Tânia Ganho Título editado: A Lucidez do Amor Oo FRANZ SCHUBERT SINFONIA N.º 8, A GRANDE sessão de autógrafos das 15:00 às 17:00 obras de Ludwig van Beethoven | Dmitri Chostakovich | Franz Schubert Domingo, 9 de Maio, 17h00 Centro Cultural de Belém | Grande Auditório Amor e rejeição Para esta londrina nascida em 1945, tudo começou em Nova Iorque com a descoberta de um músico e de um disco, “Freewheelin’”, de Bob Dylan. O início da década de 60 e Vashti expulsa de uma escola de arte, em Oxford, por se “concentrar demasiado numa expressão artística diferente” – estudava pintura mas dedicava mais tempo a compor canções. A chegada a Nova Iorque e Bob Dylan: “Toda aquela ideia do músico nómada, quase um saltimbanco, atraía-me muito. Isso, juntamente com as letras, foi uma educação extraordinária. Abriu todo um mundo”. Foi ao ouvi-lo que decidiu insistir, determinada, numa carreira musical. Acontece que Vashti Bunyan, que olha para os anos 60 e para as transformações que neles ocorreram como um “levantamento muito pequeno” – “não éramos tantos quanto isso a fugir à normalidade” -, “mas muito eficiente, muito excitante”, não sabia como se enquadrar neles. “Nunca fiz parte de qualquer cena. Era muito solitária e nunca me alinhei a ninguém. Usava jeans e camisolas de homem e recusava que me modelassem enquanto cara bonita. Além disso, pensava que ninguém queria fazer o que eu queria e, portanto, não achava que fossem possíveis grandes progressos”. Mesmo aqueles que compreendiam a sua música pareciam inacessíveis. Vashti conheceu Nick Drake e Joe Boyd, produtor do seu primeiro álbum, “Just Another Diamond Day” (1970), composto durante a viagem até à Escócia, queria que gravassem juntos. Impossível: “Das poucas vezes que estive com ele, não trocámos uma palavra. Virava-se de costas, de olhos na parece. Era um génio e uma alma perdida, era muito infeliz. Ele tão tímido e eu tão tímida... Nunca nos conhecemos verdadeiramente”. Vendo imagens das suas raras aparições televisivas em meados da década de 60, percebemos tudo. “Some things just stick in your mind”, a canção de Jagger e Richards que Andrew Loog Oldham lhe ofereceu, e ela a cantá-la nas suas calças brancas e camisa preta, a desviar os olhos da câmara. Aquele, repare-se, era o auge da sua carreira – “estava muito determinada a ser uma cantora pop e a levar as minhas canções às tabelas de “Voltei à música onde a tinha deixado, como se o resto da minha vida tivesse continuado numa dimensão diferente. Deixei a música com 25 anos e é aí que ainda estou. Talvez chegue ao ponto em que serei eu 35 ANOS o ro e aos 30” Entre o primei shti Música Vashti Bunyan está receosa. Não pelos concertos que se avizinham e que a trarão ao Lux, em Lisboa, no próximo dia 13 de Maio, quinta-feira. Disso falaremos depois. Do seu percurso errante, da preciosidade da sua música, que viveu primeiro entre sombras e timidez, descobriu depois uma luminosa intimidade, e se silenciou 35 anos (sim, 35) antes de se fazer ouvir novamente, quando Devendra Banhart, Joanna Newsom ou os Espers lhe disseram que sim, a sua música era especial. Pouco depois de atender o telefonema do Ípsilon na sua casa em Edimburgo, falou-nos da viagem que faria no dia seguinte até Estocolmo. Acabada de chegar de Los Angeles, onde um vulcão islandês (esse, pois claro) a manteve retida durante duas semanas, prepara-se para viajar novamente e teme que o Eyjafjallajökull lhe atrapalhe a vida uma segunda vez. Não deixa de ser curioso este receio de Vashti Bunyan. Há 40 anos tentou uma carreira na pop e, desiludida com o fracasso, deixou tudo para trás. Tudo: partiu de Londres com o namorado em direcção a uma comuna na Escócia fundada por Donovan. Não viajou de comboio, autocarro ou avião, nada disso: cavalo e carroça. Assim, teve tempo para compor e gravar um álbum de doces “lullabies”, ignorado então, reconhecido agora como um clássico; teve tanto tempo que, quando chegou à comuna, Donovan já não estava lá. Ei-la então agora, quatro décadas depois, preocupada com vulcões e aviões, mas a rir quando lhe sugerimos que, caso as cinzas vulcânicas atrapalhem, sempre poderá descobrir um meio de transporte alternativo: “Mas o cavalo é tão lento, é certo que não chegaria a tempo a Lisboa”. Em Lisboa, Vashti Bunyan tocará principalmente canções de “Lookaftering”, o álbum que editou em 2005, o tal que pôs fim ao um silêncio de 35 anos. De uma delicadeza comovente, cantado numa voz que se ergue da aparente fragilidade, “Lookaftering” é, com as suas guitarras acústicas dedilhadas, os seus pianos ondulantes, as flautas, oboés e orquestrações, um olhar terno sobre o que ficou para trás. Sem angústia, finalmente. m, Va segundo álbu -se num ou ch fe an Buny ên longo sil cio, 2005 quebrado em O próximo álbum de Vashti Bunyan, diz ela, será certamente o último, mas a história dela é uma história de recomeços: quem sabe... A longa viagem de Vas Vashti Bunyan desistiu duas vezes. Quando quis ser cantora e percebeu que n e quando pôs o sonho bucólico que era a sua vida num álbum ignorado. Três décadas depois, f 12 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon SÃO LUIZ ABR/MAI ~1O 29 ABR A 15 MAI QUARTA A SÁBADO ÀS 21H00 DOMINGO ÀS 17H30 SALA PRINCIPAL M/18 WWW.TEATROSAOLUIZ.PT alizados quando as nossas preocupações são encontrar água, o próximo prado para o cavalo ou lenha para o fogo. Tive um filho e estava a viver na natureza. Os sonhos que estavam nas canções de ‘Diamond Day’ eram a realidade.” A viagem, diz, curou-a da “grande depressão” com que tinha abandonado Londres. O álbum não só não resultou exactamente como pretendia, como foi responsável por nova desistência. Desta vez total. Foi um rotundo fracasso comercial recebido pela crítica com escárnio e classificado como ingénuo e infantil. Vashti baixou os braços. “Em vez de deixar que aquilo me destroçasse, decidi simplesmente que não servia para a música, que era óbvio que não era boa o suficiente. Mesmo que isso fosse uma terrível rejeição da minha vida e dos meus sonhos.” Continuou a viajar com o namorado pela Escócia e pela Irlanda, criou uma família. Ao longo desses 30 anos, pegou na guitarra uma única vez, para ensinar o filho a tocá-la. vendas”. Mas as suas canções eram de um intimismo desarmante, marcado por frio invernoso e por imagens de solidão. Não podia resultar. Depois de dois singles sem sucesso, desistiu pela primeira vez. “Cresci no meio de Londres e desde a infância que sonhava com a paisagem, com o campo”, conta. Quando a carreira pop falhou, foi procurar esse sonho. Ela, o namorado e o cão de ambos, a cavalo até à Escócia. “Éramos muito românticos. Como não tínhamos dinheiro para gasolina, achámos que precisávamos apenas de um cavalo. Afinal, os cavalos só precisam de erva. Éramos inocentes a esse ponto... e estúpidos [risos]. Mas foi uma grande estupidez que se transformou em grande sabedoria.” Vêmo-la na capa de “Just Another Diamond Day”: o lenço na cabeça, o avental e a saia negra, ela em frente à portada de uma casa com telhado de colmo, e à esquerda de um grupo de animais campestres. Gravado num intervalo da viagem com músicos dos Fairport Convention e da Incredible String Band, com orquestrações a cargo de Robert Kirby, soa a deslumbrante sonho bucólico, uma ode à inocência de dias que correm lentos entre verde prado e azul lago. Para Vashti, porém, nada daquilo era sonho. “[Na viagem] passei de uma infância muito protegida à vida a sério, o que foi um choque. Mas aprendi como viver sem electricidade, sem dinheiro, sem tudo aquilo que tomamos por garantido. Aprendi que podemos sentir-nos re- Um dia, por curiosidade, teclou o seu nome num motor de pesquisa da Internet e deparou-se com o seu passado, redescoberto. “Just Another Diamond Day” fascinava uma nova geração de melómanos e um deles, Devendra Banhart, chegou mesmo a escrever-lhe, declarando toda a sua admiração. Vashti Bunyan reeditou o álbum, pegou novamente na guitarra, cantou. “Era algo que tinha enterrado tão fundo que perceber que ainda estava ali foi maravilhoso”. Mais, foi como se todo o tempo em que negara a música não tivesse existido. “Voltei à música onde a tinha deixado, como se o resto da minha vida tivesse continuado numa dimensão diferente. Deixei a música com 25 anos e é aí que ainda estou. Talvez chegue ao ponto em que serei eu aos 30.” Desde que quebrou o seu voto de silêncio, muito aconteceu. Gravou com os Piano Magic ou com os Animal Collective Editou um novo álbum, “Lookaftering”, que considera o fechar do ciclo iniciado em “Just Another Diamond Day” e que lhe permitiu começar a pôr em disco “todas as orquestras” que tem na cabeça – musicais do início do século XX, Noel Coward, hinos religiosos e canções de Natal. Em Lisboa, será acompanhada pelo guitarrista Gareth Dixon e pela multi-instrumentista Jo Mango. O futuro? Olha para ele sem pressas. Porque esperou 35 anos até gravar novamente. Porque ainda não superou o desgosto da morte, a 3 de Outubro de 2009, de Robert Kirby, com quem começara a trabalhar em novas formas de “tirar a orquestra da cabeça”. E porque quer sentir “que todas as peças se encaixam”, quer ter a certeza de que se orgulhará da música que gravar. Será, provavelmente, o último álbum que gravará. Mas nada de angústias. Haverá sempre tempo para um regresso de Vashti Bunyan. Ver agenda de concertos na pág. 50 e segs. ashti Bunyan e não se enquadrava na pop dos anos 60, , faz uma aparição no Lux, a 13 de Maio. Mário Lopes Texto MARK RAVENHILL Tradução ANA BIGOTTE VIEIRA Direcção Artística e Encenação GONÇALO AMORIM Adereços e Figurinos ANA LIMPINHO MARIA JOÃO CASTELO Sonoplastia SÉRGIO MILHANO Desenho de Luz JOSÉ MANUEL RODRIGUES Espaço Cénico RITA ABREU Direcção de Produção PAULA FERNANDES (Primeiros Sintomas) Interpretação CARLA MACIEL CARLOTO COTTA PEDRO CARMO PEDRO GIL ROMEU COSTA A reposição do espectáculo é uma co-produção SLTM / Primeiros Sintomas SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640 © carla rosa baptista A redescoberta Shopping & Fucking Prémio da Crítica 2007 da Associação Portuguesa de Críticos de Teatro BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H T: 213 257 650; BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS SÃO LUIZ MAI/JUN ~1O De 21 de Maio a 9 de Junho, o alkantara festival, na sua 3ª edição, acolhe cerca de 30 performances de dança, de teatro e de tudo o que se encontra entre eles, de artistas oriundos de mais de 20 países. Mais uma vez, o São Luiz é o principal co-produtor. Alemanha / Egipto EUA 21 E 22 MAI 4 A 6 JUN RADIO MUEZZIN BARE SOUNDZ STEFAN KAEGI (RIMINI PROTOKOLL) SEXTA E SÁBADO ÀS 21H00 SALA PRINCIPAL M/12 O Ministério dos Assuntos Religiosos egípcio quer introduzir um sistema de rádio fechado que transmitirá a voz de um único muezim ao vivo e em simultâneo para todas as mesquitas de Estado. Cairão no silêncio milhares de muezins? Brasil 28 E 29 MAI H3 BRUNO BELTRÃO / GRUPO DE RUA DE NITERÓI SEXTA E SÁBADO ÀS 21H00 SALA PRINCIPAL M/6 Beltrão continua a desenvolver o seu próprio vocabulário, no desafio entre a coreografia contemporânea e as várias formas de street dance. SAVION GLOVER SEXTA E SÁBADO ÀS 21H00 DOMINGO ÀS 17H00 SALA PRINCIPAL M/6 O bailarino de sapateado que emprestou os seus pés a Mumble, o pinguim de Happy Feet, é hoje visto como um dos grandes revolucionários deste género. Portugal 24, 25 E 31 MAI 1, 7, 8 E 9 JUN AMIGOS COLORIDOS UM PROJECTO ALKANTARA FESTIVAL E PRADO ÀS 23H00 JARDIM DE INVERNO M/12 Rendez-vous amorosos para os artistas e blind dates para o público. Um espaço/tempo para encontros (im)possíveis, intensos e apaixonados. Serão todos encontros irrepetíveis. Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 13 Música O Verão azul dos Delorean Depois de El Guincho, há outro projecto espanhol que vale a pena conhecer: os Delorean, praticantes de pop electrónica eufórica, acabam de lançar o álbum “Subiza”. Vítor Belanciano Os melómanos mais atentos deram por eles no ano passado, através do EP “Ayrton Senna”, um curto conjunto de canções assentes numa pop eufórica de vozes juvenis e dinâmicas electrónicas. Muitos devem ter pensado que se tratava da estreia dos espanhóis Delorean, mas não é bem assim. O grupo começou há dez anos, em Zarautz, uma pequena localidade perto de San Sebastián. Nessa altura praticavam uma sonoridade muito diferente, esclarece o vocalista e baixista Ekhi Lopetegi. “No País Basco existia uma cena ‘hardcore’ muito dinâmica, e durante alguns anos fomos influenciados por ela. Mas a partir de determinada altura começámos a sentir vontade de encetar uma mudança e foi isso que acabou por acontecer.” Durante esses primeiros tempos, lançaram três álbuns. O EP do ano passado significou uma grande viragem e o álbum “Subiza”, agora mesmo lançado, apenas veio reafirmá-la. No espaço de um ano muita coisa se alterou. O grupo tornou-se conhecido um pouco por todo o lado e o seu som transformou-se por completo, sendo agora muito mais dançável, capaz de agradar a quem gosta da pop caleidoscópica de grupos como Cut Copy ou das electrónicas de dança conotadas com editoras como a Kompakt ou a Border Community. “Gostamos de muitos géneros, de house a dubstep, de rock a pop, de Prefab Sprout aos Cocteau Twins e a nossa música reflecte-o”, diz Ekhi. Hoje é uma pop dançante, quase sempre à beira da exaltação, aquela que praticam. Uma transformação que é capaz de estar relacionada com uma mudança de residência. Desde há dois anos, os quatro membros do grupo vivem em Barcelona. “Há oito anos queria estudar em Barcelona, começar vida aqui. Tal como San Sebastián, onde cresci, é uma cidade com mar por perto e isso é muito bom.” Ekhi ri-se quando lhe recordamos que sempre que a imprensa americana fala deles são imediatamente conotados com a capital da Catalunha. Como se a costela lúdica da sua música pudesse ser explicada, em exclusivo, pela geografia. “Quando os americanos pensam em Espanha, imaginam logo sol e mar. Com Portugal, deve ser o mesmo. San Sebastián é até muito chuvosa. Barcelona é muito soalheira, mas essa é apenas meia verdade. Não vale a pena chatearmonos com esses estereótipos. Cada pa- Naturais de Zarautz, uma pequena cidade costeira ao lado de San Sebastián, os Delorean mudaram-se há dois anos para Barcelona 14 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon ís tem o seu imaginário, coisas que o simbolizam e que toda a gente identifica. Quando considero a música que sai da Suécia, romântica e melodramática, penso logo ‘Oh! Eles não têm sol, só podem fazer música melancólica!’ Enfim, é apenas a minha ideia da Suécia. Pode ter um fundo de verdade, mas também de imaginação.” Manhattan primeiro, a Espanha depois NACHOALEGRE Há dois anos, graças à aclamação internacional do álbum “Alegranza”, do projecto El Guincho, a Espanha que consome pop e rock anglo-saxónico, flamenco ou a música ligeira das discotecas de pior fama, o chamado bakalou, começou a olhar para a sua pop mais alternativa. A música de El Guincho é feita de cânticos dançantes, combinação de microrganismos resgatados à pop africana, a ladainhas tribalistas, ao calipso das Antilhas, ao dub jamaicano, ao tropicalismo brasileiro ou ao rock lúdico dos anos 60, numa toada que resulta hipnótica e delirante. A Espanha não lhe prestava muita atenção, mas quando os mais influentes jornais americanos (do “Washington Post” ao “New York Times”) e sítios da Internet (Pitchfork) começaram a fazer peças sobre El Guincho, acordou. Com os Delorean aconteceu exactamente o mesmo. O “El País” de 16 de Abril escrevia sobre eles, a propósito de uma digressão recente pelos Estados Unidos, e titulava ironicamente o artigo com a frase “Primeiro conquistaremos Manhattan... e depois a Espanha?” Para os espanhóis que, tal como Portugal, nunca tiveram grande tradição de exportar cultura pop, o feito ainda está a ser digerido. “Sim, claro, que o interesse internacional é bom para o nosso reconhecimento em Espanha”, afirma Ekhi, sugerindo que a visibilidade nos EUA e na Europa se deve a uma sonoridade diferente, “que não cabe na prateleira do indierock, mas também não é completamente estranha”, ao factor Internet e a uma série de remisturas (The xx, Franz Ferdinand, Cold Cave, Mystery Jets) que lhes permitiram apurar os dotes de produção, e expô-los a públicos que nunca deles tinham ouvido falar. Existe também um contexto internacional que ajuda a explicar a aceitação do grupo neste momento. Como escrevíamos no ano passado (em “Brisa de Verão”, 14 de Outubro), não se pode falar de um movimento à escala global, nem sequer de um som agregado, mas há sensibilidades comuns em grupos oriundos dos EUA (Dum Dum Girls, The Drums, Best Coast, Pearl Harbour ou Washed Out) ou da Suécia (Studio, JJ, Air France, The Though Alliance) que permitem falar da difusão de uma forma de estar, entre o desejo de evasão e a utopia de um Verão intemporal. Aliás os títulos do álbum, “Subiza”, e de algumas canções (“Endless sunset” ou “Warmer places”), evocam um Verão que já lá vai. “O disco foi gravado no Verão, na povoação de Subiza, na região de Navarra, e remete para esse período em que, entre o trabalho, nadávamos e fazíamos refeições em família”, recorda Ekhi Em Barcelona, não estão sós. Há uma série de outros nomes ( John Talabot, Sidechains, Requesters ou Extraperlo) com quem mantêm afinidades criativas, algumas nascidas no clube Desparrame, onde nos últimos Os Delorean partilham com grupos oriundos dos EUA ou da Suécia uma sensilidade e uma forma de estar, entre o desejo de evasão e a utopia de um Verão intemporal BEKH>E:;I (&CW_e('$)&Ð(&"&& BekH^eZ[i"ekjhehWleYWb_ijWZeiBWcX"Z_if[diWgkW_igk[hWfh[i[djW[i[ [ij|Z[h[]h[iieWedeiiefWifWhWWfh[i[djWhei[kcW_ih[Y[dj[jhWXWb^eW iebeEd[=eeZJ^_d]$ 9e#fheZke0<kdZWeEh_[dj[%?dYkXWZehWZÊ7hj[i ?D<EHC7wÂ;I;H;I;HL7I0(')+.+(** -&-()*()*J?9A;JB?D;rmmm$j_Ya[jb_d[$iWfe$fj 8?B>;J;IÀL;D:70CKI;K:EEH?;DJ;"<D79"MEHJ;D"BE@7IL?7=;DI78H;K" 8B?II"B?L$8KB>EI7E[_hWiFWhgk[[9$9$ZeFehje[fedjeiC;=7H;:;$ c[Y[dWifh_dY_fWb c[Y[dWiZei[if[Yj|Ykbei 7l$8hWib_W":eYWZ[7bY~djWhWDehj[r')+&#)+(B_iXeWrJ[b$0(')+.+(&&r;#cW_b0_d\e6\eh_[dj[$fjrmmm$cki[kZeeh_[dj[$fj tempos têm aprofundado os dotes como DJs, embora continuem a tocar num formato clássico de banda, com guitarra, teclas, baixo e bateria. “O som das canções ao vivo é muito similar aos discos, é imediatamente reconhecível, embora seja mais intenso”, nota Ekhi, reconhecendo que não está posta de parte a hipótese de se apresentarem noutros formatos. O que os Delorean desconhecem, e os espanhóis em geral, é o que se passa em Portugal em termos de música. E o mesmo se pode dizer no sentido contrário. “Conheço os Buraka Som Sistema [foram 1º lugar do top de singles espanhol há meses], mas pouco mais”, admite Ekhi. “É muito estranho. Gosto imenso de Portugal, já estive aí por diversas vezes e não consigo explicar porque vivemos tão separados. É embaraçoso estarmos tão próximos e conhecermos tão pouco dos nossos países. Ainda por cima a língua não é assim tão diferente. E mesmo que fosse, a música é uma linguagem internacional.” A dos Delorean está aí. Uma pop ultra sintética que parece querer fixar instantâneos perfeitos da vida para os devolver em êxtase. Diz Ekhi: “O que gosto mais de fazer? Ler e estudar [está a doutorar-se em filosofia], mas não existe nada como a música. Faznos levitar.” Ver crítica de discos na pág. 52 e segs. Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 15 ALEXANDRE NOBRE ções com o seu singular tratamento de “Povo que lavas no rio”, de Amália Rodrigues. “Embora não seja o único, A Naifa tem sido o projecto mais consistente, importante e revolucionário dentro deste género”, sublinha. Para o radialista Henrique Amaro, as iniciativas revolucionárias e pioneiras d’A Naifa começam na própria estrutura: “Nunca, nem em Portugal, nem no resto do mundo, se tinha tocado fado com bateria”. “A própria banda teve de aprender com ela própria como conjugar o timbre e as regras da guitarra portuguesa com uma secção rítmica rock e uma lírica muito própria”. Música E agora, A Naifa? “Voltem, por favor! Isto aqui ficou um ambiente subterrâneo depois do vosso pequeno milagre: o pessoal passa os dias à espera do carteiro”. A mensagem, deixada por um dos seguidores d’A Naifa no blogue do projecto, podia dar um livro. E deu: “Esta depressão que me anima”, edição de autor limitada a 500 exemplares, lançada no final do mês passado, documenta a primeira fase de um projecto que começou em 2004 e que, no ano passado, fez luto pela morte de um dos fundadores, João Aguardela, vítima de cancro do estômago. “O João Aguardela fez parte da última geração que, nos anos 80 e 90, apostou nas raízes portuguesas para as transformar em música com uma componente popular e rural muito forte”, recorda Miranda, vocalista dos O’queStrada. Em “3 minutos antes de a maré encher”, documentário de 2006 que enriquece o DVD incluído no livro, Aguardela admite fazer parte da última geração que viveu com uma música portuguesa ainda activa e presente no quotidiano nacional. Desde então, os portugueses voltaram a cantarolar música popular na l í n - gua materna por via de projectos bem-sucedidos como os Deolinda ou os próprios O’queStrada. Ao olhar para trás, Miranda recorda que, no princípio do novo século, “havia um vazio desse tipo de bandas”, e considera que A Naifa “teve um papel muito importante no relançamento da poesia portuguesa em músicas de abordagem pop”. “Ao conferir arranjos mais modernos e originais, dentro do fado, A Naifa veio abrir caminhos dentro da música popular”, aponta Tó Trips, guitarrista dos Dead Combo. Juntamente como os O’queStrada e os Gaiteiros de Lisboa, actuou em Novembro na “justa homenagem a Aguardela”, noite que tem sido apontada como o momento em que A Naifa encontrou forças para continuar a rasgar. “Mais do que pesado, o ambiente era emotivo, e notei neles uma vontade incrível de continuar o projecto, o que me deixou muito feliz”, lembra o jornalista António Pires, confesso A Naifa faz parte de “uma linhagem muito nobre da música popular portuguesa que começou uma adaptação da electrónica ao fado. Tem sido [um] projecto revolucionário” António Pires admirador da banda. A Naifa, diz, faz parte de “uma linhagem muito nobre, rara e bastante original da música popular portuguesa que, nos anos 80, começou uma adaptação da electrónica ao fado”, continuando a fazer o caminho iniciado por António Varia- Depois do livro e da homenagem, A Naifa continua, agora sem Aguardela. “Convém não esquecer que foram o João e o Luís [Varatojo] que tornaram este projecto uma realidade. É uma ideia repartida que ficará sempre a perder sem a capacidade criativa do João. Não podemos ir por aquele cliché de não haver insubstituíveis”, nota Henrique Amaro. Na nova formação que chega à estrada hoje, com um concerto no Barreiro, o baixo passa a ser assumido por Sandra Baptista que, além de ter realizado o documentário e alguns videoclips sobre a banda, foi companheira de Aguardela. “Acho que todas as coisas são o que são e podem renovar-se. A identidade está lá e ninguém melhor do que a Sandra pode relançar musical e espiritualmente A Naifa”, atenta Miranda. “Estou cheio de expectativas quanto a este novo alinhamento da banda. A nova secção rítmica pode trazer-nos muitas surpresas”, diz António Pires, que, tal como a vocalista dos O’queStrada, viu Baptista assumir o baixo no concerto de homenagem. Mas o entusiasmo deve-se sobretudo à outra substituição, a de Paulo Martins por Samuel Palitos (ex-Sitiados e Censurados) no papel de baterista: “O Samuel colaborou várias vezes com eles e chegou a actuar numa festa do Avante [em 2008] a abarrotar. Sem querer tirar valor ao Paulo, que também é um óptimo baterista, o Samuel tem uma energia e uma atitude muito próprias que podem levar a banda para outros caminhos”. A nova digressão d’A Naifa passa, à excepção do último concerto, marcado para o Castelo de São Jorge, em Lisboa, apenas por auditórios, o que não surpreende Pires: “É um projecto que resulta melhor em salas de teatro do que em festivais”. A viagem pelos mais diversos pontos do país começa logo, no Auditório Municipal Augusto Cabrita, e tem paragens previstas em cidades como Cartaxo, Faro, Portalegre, Aveiro, Horta, Coimbra, Guimarães e Caldas da Rainha. Depois de um ano de luto, A Naifa foi ao amolador e promete voltar a cortar tradicionalismos musicais cristalizados no tempo. A digressão d’A Naifa começa hoje no Barreiro e termina em Lisboa, no Castelo de São Jorge Ver agenda de concertos págs. 50 e segs. Esta Naifa que nos anima Um ano depois do desaparecimento de João Aguardela, A Naifa volta a desferir novos golpes. Com um livro, “Esta depressão que me anima”, viagem documental (e sentimental) aos primeiros anos da carreira, e uma digressão. O primeiro concerto é hoje. Luís Carlos Soares 16 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon A C INE M AT E C A P O RT U GU E S A A P R E S E NTA em colaboração com o G A B I N ET E E M P O RT U GA L D O PA R L A M E NTO E U R O P E U P RÉ MIO S D O C I N EM A EU R OPE U - LU X Criado pelo Parlamento Europeu em 2007, por ocasião das comemorações dos 50 anos do Tratado de Roma, o Prémio Lux tem na escolha do seu nome uma referência em latim à palavra “luz” e, simultaneamente, aos irmãos Lumière. A sua instituição representa assim uma homenagem do Parlamento Europeu ao cinema, procurando distinguir a produção cinematográfica europeia e a sua diversidade linguística, com o objectivo de promover o cinema na Europa e apoiar a difusão da produção cinematográfica europeia. 10 Maio às 19:00 | Sala Dr. Félix Ribeiro BELLE TOUJOURS de Manoel de Oliveira Portugal/França, 2006 70 min / legendado em português 12 Maio às 19:00 | Sala Dr. Félix Ribeiro AUF DER ANDEREN SEITE Do Outro Lado de Fatih Akin Alemanha, Turquia, 2007 122 min / legendado em português 12 Maio às 22:00 | Sala Luís de Pina WELCOME Welcome – Bem Vindo de Philippe Lioret França, 2009 110 min / legendado em português 14 Maio às 21:30 | Sala Dr. Félix Ribeiro LE SILENCE DE LORNA O Silêncio de Lorna de Luc e Jean-Pierre Dardenne AUF DER ANDEREN SEITE de Fatih Akin, Alemanha, Turquia, 2007 Bélgica, 2008 105 min / legendado em português Rua Barata Salgueiro, 39 em Lisboa www.cinemateca.pt Música Quatro americanos em Londres, seres estranhos. As botas de salto alto e as roupas brilhantes, a exuberância muito estilizada, as boas maneiras dos artistas e uma androginia cuidadosamente encenada. Quatro americanos em Londres, ignorados no seu próprio país, sozinhos em estúdio. Sem produtor, sem dealers, fotógrafos ou managers, a recriar um submundo muito particular. Iggy And The Stooges, ano 1973, o de “Raw Power”. Álbum mítico da história do rock’n’roll, considerado o rastilho para a explosão cultural do punk, três anos depois, foi agora reeditado em tratamento “deluxe”. Cinco americanos na Alemanha. Ex-soldados que, terminado o serviço militar, escolheram não voltar. “Podem fazer bom dinheiro a tocar por aqui”. Quatro músicos que percorrem a Alemanha a tocar Chuck Berry antes de se transformarem numa outra coisa. Alienígenas, completamente alienígenas. Capas negras, atadas em nó branco sobre o peito, camisas igualmente negras, cabeça revelando a tonsura que, se dúvidas houvesse, provava o seguinte: isto era muito sério, isto não eram cinco estrangeiros a quererem destacar-se com um truque de imagem. “Isto” eram os Monks, ano 1965, o do seu único álbum. “Vocês são o som do futuro”, disseramlhes dois alemães que os compreenderam. O mundo demorou a fazê-lo. “Black Monk Time”, reeditado há alguns meses, é um dos discos mais singulares da história da música popular urbana – algo que o mundo só perceberia devidamente quando, mais de dez anos depois, explodiu o punk. Nos Monks e nos Stooges, a préhistória de uma história. A do punk como afronta estética e violento abanão nos valores do politicamente correcto, como manifestação de liberdade individual, visceral e autodestrutiva. Não é preciso avançar até 1976 para sentir o pulsar dessa vertigem. Ele está ali, nos Monks, provocadores que não deixaram nada ao acaso – eram músicos e artistas dadaístas, pensamento e acção. Ele está nos Stooges de Iggy Pop – que eram uma pulsão física incontrolável, corpo e impulso. O som do futuro Não se chamavam ainda Monks. Os 5 Torquays pareciam simplesmente uma banda beat inspirada pela British Invasion, mas havia algo que os distinguia. Nisso repararam Walter Niemann e Karl Remy, o primeiro estudante de design, o segundo de arte. Nos Monks e nos Stooges, a pré-história de uma história. A do punk como violento abanão nos valores do politicamente correcto e manifestação de liberdade, visceral e autodestrutiva. Não é preciso avançar até 1976 para sentir o pulsar desta vertigem Ouviram como aqueles ex-soldados americanos corroíam as canções com camadas de feedback, como o público interrompia a dança e os donos dos clubes exasperavam, culpando o equipamento, enquanto a banda apreciava o cenário. No final de um concerto, Walter e Karl falaram com eles. “Vocês são o som do futuro”. Eis então os 5 Torquays a transformar-se, naquele hoje de 1965, no dia de amanhã. Walter e Karl assumiram o lugar de managers e ajudaram a dar corpo às transformações que a música sofria (soubesse disto e o recentemente falecido Malcolm McLaren teria estado em Hamburgo em 1965, tirando notas). Nasciam os Monks. Os cinco membros da banda cortaram o cabelo de acordo com o nome e passaram a vestir-se como tal, 24 horas sobre 24. Faziam-se acompanhar a maior parte do tempo por um fotógrafo, Charles Wilt (curiosamente, seria mais tarde fotógrafo oficial d a Presidência Reagan), que tinha como missão retratar todos os passos do quotidiano da banda. Actuavam todos os dias (seis horas nos dias de semana, oito aos fins-de-semana) e viviam em quartos ou caves dos prédios dos clubes que os contratavam. Deixaram de existir Gary Burger, Larry Clark, Dave Day, Roger Johnston e Eddie Shaw. Existiam apenas os Monks, os anti-Beatles: a banda para o futuro que não seria bonito. A música acompanhou a mudança. “Livrámo-nos da melodia. Tudo era orientado para o ritmo. Bam, bam, bam. Concentrámo-nos no ‘over-beat’”, contou Eddie Shaw, baixista de “fuzz” diabólico. Dave Day, guitarrista, trocou a guitarra por um banjo electrificado. Roger Johnston, ao perceber que os címbalos da bateria não estavam afinados com o feedback, dispensou-os – o som tornou-se seco, marcial. E Gary Burger, o vocalista, encarnou o traje que usava de forma perversa. Vejamos. “Éramos demasiado estranhos e indiscretos para que as pessoas se metessem connosco [na rua]”, recordou Eddie Shaw há alguns anos. “Os estranhos olhavam-nos com perplexidade porque as nossas acções não reflectiam o traje. Era andrógino de uma forma bizarra e quase artificial”. Gary Burger, que dava voz à congregação, tornou-se vocalista estridente, à beira de demência, e as letras transformaram canções como “Monk time” (“Why do you kill all those kids in Vietnam?”), “Shut up” ou “Complication” em campo de batalha. Na reedição de “Black Monk Time”, Jochen Irmler, dos alemães Faust, pioneiros da música industrial, do noise, do rock como performance de vanguarda, resume tudo desta forma: “Isto era dizer NÃO, uma nova liberdade, um NÃO positivo. Musicalmente era como um novo início.” Alienígenas em Inglaterra Oito anos depois, em 1973, Iggy Pop aterrava em Londres com o seu novo parceiro musical, o guitarrista James Williamson. Resgatado por David Bowie, preparava-se para dar início a uma carreira a solo. Depois da edição do histórico segundo álbum, “Funhouse”, em 1970, os Stooges, afogados em dívidas e heroína, sem instrumentos (vendidos) ou inspiração (demasiado pedrados), colapsaram. Iggy, salvo por um fã inglês a caminho do estrelato, estava pronto para recomeçar. Longe de casa, da pequena e boémia cidade estudantil de Ann Arbor, às portas de Detroit, tinha uma vaga ideia do que faria: ainda nos EUA, Williamson mostrara-lhe o riff de uma nova canção, negra e insinuante, qual dança sexual e ameaçadora. Era o embrião de “Penetration”, uma das canções chave de “Raw Power”, o álbum que, à chegada a Londres, Iggy não sabia ainda que iria gravar. Se os Monks eram seres alienígenas Iggy Pop, um “espinho encravado na ordem estabelecida” Regresso ao futuro do punk Quatro americanos em Londres, estranhos num mundo que lhes era estranho, a fazerem a única coisa que sabiam: The Stooges e “Raw Power”, 1973. Cinco americanos na Alemanha, capas negras e cabeça revelando uma tonsura: The Monks e “Black Monk Time”, 1965. Agora que estão reeditados, voltemos ao punk, quando ainda não tinha nome. Mário Lopes 18 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon passeando pela Alemanha com as suas capas e as suas tonsuras, Iggy Pop não o seria menos. Basta ver as fotos da altura: ele em parque londrino no seu blusão de cabedal com leopardo estampado, de tronco nu e calças justíssimas de cor berrante. Na América, os Stooges, confrontantes e excessivos, alimentavam-se do ódio e do terror que causavam. Como descreveu o crítico Lester Bangs, pareciam “ter construído uma carreira ao não ultrapassar os seus traumas de adolescência”. “São fascinantes e autênticos, a apoteose de todos os pesadelos dos pais”. Saídos da Detroit de MC5 ou Mitch Ryder, não pertenciam realmente a nenhuma cena. Aguentavam sós as garrafas atiradas pelo público, o ar enojado dos que viam Iggy mutilar-se em palco e saltar sobre a audiência de tronco nu e ensanguentado (ou coberto de manteiga de amendoim). Em Londres, eram respeitados, mas o fascínio que suscitavam nascia, pre- cisamente, da sua absoluta singularidade. Por isso Iggy e James Williamson não conseguiram encontrar uma secção rítmica que os acompanhasse, não encontraram quem pudesse entrar realmente no gangue – “estes gajos usam roupas estranhas”, recorda o guitarrista no DVD que acompanha a reedição de “Raw Power”. Num ápice, a estreia a solo de Iggy Pop transforma-se num novo álbum dos Stooges. Os irmãos Ron (guitarrista) e Scott Asheton (baterista) são convidados a juntar-se-lhe em Londres e todas as peças se conjugam. Vivia-se a euforia do glam-rock, com Marc Bolan, David Bowie ou Mott The Hoople, mas Iggy Pop, olhando além da maquilhagem e da roupa exuberante, ouvia Chuck Berry e Little Richard. Como recordou recentemente à “Clash Magazine”: “Pegámos em Chuck Berry e Little Richard e filtrámo-los através daquilo que somos”. O segredo, como se perceberá, está naquele “aquilo que somos”: o Iggy que lia o “Times” sob o sol inglês, imaginando como ser “um espinho encravado na ordem estabelecida”, e o grupo que o acompanhava, “sistematicamente preguiçoso, pouco comunicativo, irrealista, desagradável – para toda a gente – e absolutamente intransigente”. No estúdio em que ninguém entrava, os Stooges gravaram um dos álbuns mais virulentos, selvagens e provocadores que a história da música popular conheceu: “gimme danger, little stranger, so I can feel your disease”. Não há fim para esta história Na Alemanha, os Monks estavam em casa. Os estudantes de arte adoravamnos, os habitués dos clubes das zonas boémias idem. Eram, dizem, os preferidos das prostitutas dos “Red Light District” de Hamburgo e da lendária Oma, velhota que, anos antes, introduzira os Beatles às maravilhas do “speed”. Tudo isto, porém, era pouco. Cruzaram-se com Jimi Hendrix, os Kinks ou os Troggs, mas “Black Monk Time” teve edição vedada nos EUA e em Inglaterra. Demasiado estranhos e ambiciosos para o seu tempo, implodiriam pouco depois. Nas vésperas de uma digressão pelo Vietname – ouvi-los cantar “My brother died in Vietnam” em Saigão seria a subversão suprema -, Gary Burger recebeu um postal de Larry Clark. Voltara aos EUA e despedia-se dos Monks. O fim de uma história que, na verdade, não acabou: Mark E. Smith viria a destacá-los como uma das suas maiores influências, Colin Greenwood exulta, “It’s always Monk time!” e os Black Lips dizem que o seu mundo mudou depois de os ouvirem. Quanto aos Stooges, tudo acabou como tinha começado. Praticamente ninguém comprou “Raw Power”. A agência de David Bowie abandonouos, a banda regressou à América e, ali, enquanto se sucediam os concertos, a espiral de excessos rapidamente se tornou incontrolável. A 9 de Fevereiro de 1974, a história da banda acabava onde começara. O último concerto teve lugar no Michigan Theater, em Detroit. Dois anos depois, o punk tomava conta de Inglaterra e alastrava mundo fora. The Clash, The Damned, Sex Pistols. Todos eles destacaram um album específico como influência fundamental. Esse mesmo: “Raw Power”. Ver críticas de discos na pág. 52 e segs. Os Monks foram grandes na Alemanha, e depois nada: acabaram nas vésperas de uma digressão ao Vietname que seria a suprema subversão Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 19 Depois de ter abraçado a vanguarda, Cornelius Cardew revoltou-se contra o elitismo e virou à esquerda, m primeiros anos continuou a inspirar artistas de todos os quadrantes, de Brian Eno a Christian Wolff. Uma e Cardew e a liberdade de escrita”, reconstitui uma aventura que foi musical, mas também p , o para Cornelius Cardew 20 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon com notação musical muito simples, como sucede em “The Great Learning”, composição escrita entre 1968 e 1971 a partir das sete passagens iniciais do “Ta Hio”, o primeiro dos quatro livros que formam o conjunto clássico de pensamentos morais atribuídos a Confúcio (ver caixa). A diversidade das técnicas utilizadas nesta obra resume praticamente todas as tentativas de rejuvenescer a prática musical após o declínio do serialismo enquanto forma musical predominante, no período subsequente ao pós-guerra. Da liberdade à ditadura A Scratch Orchestra de Cornelius Cardew incluía músicos e não-músicos: algumas das suas peças eram verdadeiramente conceptuais, no sentido em que não podiam ser executadas A reflexão política de Cardew sobre o estatuto da produção e da recepção musicais levaram-no a instigar uma das mais importantes tentativas de reivindicação democrática da cultura de vanguarda através da criação da Scratch Orchestra. Nascido a partir das aulas que o compositor leccionava, em 1968, no Morley College (um colégio de educação para adultos no Sul de Londres), este colectivo questionava as limitações sociais da A conversão de Cornelius Cardew (de pé) ao maoísmo e aos princípios da Revolução Cultural levou-o a rejeitar o idioma mais complexo e avançado das suas obras anteriores Cardew trabalhou com Stockhausen e ficou fascinado pelas experiências de Cage, mas pouco a pouco começou a desconfiar do “elitismo” da música contemporânea: quanto menos formação musical prévia melhor KEITH ROWE Música Cornelius Cardew (1936-1981) é uma das personalidades mais paradoxais da música do século XX, e o seu percurso criativo inevitavelmente suscita reações contraditórias. Ao renegar a vanguarda dos anos 60, da qual tinha sido um dos membros, em favor de ideais políticos comunistas e de um estilo “populista” para as massas, passou a ser olhado de soslaio. Mas o experimentalismo radical que praticou nos anos anteriores, a relação com as artes gráficas e com outras formas de expressão, bem como o questionamento do próprio acto de fazer música e da formação musical convencional, levaram a que se tornasse um figura reverenciada por outros sectores da criação artística. É sintomático que a herança de Cardew seja hoje sobretudo reclamada por compositores como Gavin Bryars, Brian Eno, Michael Nyman, Frederic Rzewski ou Christian Wolff, que se posicionam numa região de fronteira em relação ao núcleo duro da música erudita. Independentemente do que foi feito dele, é um percurso que merece reflexão - e a exposição “Cornelius Cardew e a liberdade da escuta” que a Culturgest-Porto inaugura amanhã, acompanhada por um programa de concertos, performances e conversas com curadoria de Dean Inkster, Jean-Jacques Palix, Lore Gablier e Pierre Bal-Blanc, é uma excelente oportunidade para o fazer. A formação inicial de Cornelius Cardew foi bastante convencional e típica de um músico britânico: recebeu treino musical no Coro da Catedral de Canterbury (1943-50) e prosseguiu depois os estudos na Royal Academy of Music (1953-57). Uma bolsa permitiu-lhe transferir-se entretanto para Colónia a fim de explorar o universo da música electrónica, tornando-se assistente de Stockhausen entre 1958 e 1960. Quando regressou a Londres, em 1961, fez um curso de design gráfico e em 1967 tornou-se professor de composição da Royal Academy of Music. Enquanto trabalhou com Stockhausen, Cardew tomou contacto com John Cage e ficou fascinado pelas suas experiências no campo da música aleatória. Era reconhecido como uma das figuras de vanguarda na cena musical inglesa, mas pouco a pouco começou a desconfiar do “elitismo” da música contemporânea e a questionar a validade de uma educação musical formal: Cardew achava que as respostas mais criativas vinham de intérpretes desprovidos de concepções musicais prévias. Começou então a conceber partituras usando notação gráfica, como sucede nas 193 páginas de “Treatise” (1967), que podem ser vistas também como uma obra visual abstracta. A interpretação musical era mais problemática, uma vez que não se indicava a ninguém o que tinha de tocar. “Cada pessoa terá de encontrar o caminho por si própria, lendo a partitura”, escreveu o compositor. Outras obras, como “The Tiger’s Mind” (1967), usam instruções verbais ou combinações destas duas técnicas , mas o radicalismo experimental dos a exposição na Culturgest-Porto, “Cornelius m política. Cristina Fernandes QUI 20 MAI radoxal PETER BRÖTZMANN saxofone, clarinete JOHANNES BAUER trombone JEB BISHOP trombone MATS GUSTAFSSON saxofones PER-ÂKE HOLMLANDER tuba KENT KESSLER contrabaixo FRED LONBERG-HOLM violoncelo JOE MCPHEE trompete PAAL NILSSEN-LOVE bateria KEN VANDERMARK saxofone, clarinete MICHAEL ZERANG bateria Dentre os ensembles criados pelo músico alemão Peter Brötzmann, Chicago Tentet é o mais reconhecido. Formado em 1997, reúne improvisadores de grande relevo na cena de Chicago com alguns dos seus congéneres europeus e tem tocado desde então em digressão pelos EUA e Europa. A contribuição dos seus membros já não passa pelas composições originais, dado que nos últimos cinco anos o grupo passou a privilegiar a improvisação total. A musicalidade de cada elemento é explorada ao limite e de forma completamente espontânea. JANTAR + CONCERTO € 30 MECENAS CICLO JAZZ MECENAS CASA DA MÚSICA APOIO INSTITUCIONAL MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA www.casadamusica.com | www.casadamusica.tv | T 220 120 220 a arte e da música como domínios de cconhecimento e experiência especiallizados, combinando músicos e nãomúsicos. “Estas pessoas podem ser m artistas visuais, podem ser pessoas a iinteressadas em teatro, podem ser empregados de escritório perfeitae mente normais, ou estudantes, ou o m que quer que seja. Não têm necessaq rriamente formação para tocar um iinstrumento. Alguns deles entregavam-se a actividades de diversos tipos, v não produzindo necessariamente n ssom”, explicou mais tarde Cardew numa entrevista à BBC. Algumas das n actividades da orquestra “incluíam a ttocar instrumentos convencionais, ccomo saxofones, ou flautas ou o que quer que fosse”. Outras “envolviam q ssimplesmente fazer movimentos com a mão ou arranjar um lenço, actividades que não produziam necessariad mente som”, acrescentou o composim ttor na mesma ocasião. O repertório da Scractch Orchestra iincluía vários tipos de peças, “rituais de improvisação”, novas composições d dos membros da orquestra ou parád ffrases basedas em “clássicos popularres”. Em 1972, Cardew publicou uma antologia de peças dos 15 membros a da orquestra. Muito poucas empregad vam notação musical definida no senv ttido convencional, sendo na sua maiorria desenhos ou instruções verbais. O llivro culmina com a famosa lista das “1001 actividades dos membros da “ Scratch Orchestra”, muitas delas apeS nas conceptuais, no sentido em que n podem ser imaginadas mas não conp ccretizadas literalmente. O trabalho de Cardew com a Scratch Orchestra acabaria por ter um forte O iimpacto nas suas perspectivas musicais e políticas. Foi mais ou menos c n nessa época que se converteu num ccomunista militante e rejeitou definittivamente o idioma musical mais complexo e avançado das suas obras anp tteriores. Na perspectiva da Revolução Cultural chinesa de Mao Tsé-Tung, via C essas técnicas como “desvios burguee sses” e considerava-as inapropriadas para “as lutas vitais das classes oprip midas”, conforme escreveu no Prefám ccio do seu “Álbum para Piano” (1973). Voltou-se então para um estilo simV plista baseado na tonalidade tradiciop nal, escrevendo canções de intervenn çção para as massas e peças de concertto baseadas em melodias populares ccom fortes conotações políticas. Em 11974, publicou “Stockhausen serve o iimperialismo”, onde faz sarcásticas ccríticas à vanguarda e à cultura musiccal dominante: “Actualmente um concerto de Cage pode ser um evento c ssocial (...). O vazio de Cage não conttradiz a audiência burguesa que está cconfiante na sua habilidade para culttivar o gosto por virtualmente nada”, escreveu. Mas algumas das suas últie mas obras têm uma escrita bastantes m virtuosística e requerem intérpretes v hábeis, como por exemplo “Boolavoh gue”, uma composição para dois piag nos que ficou inacabada quando o compositor faleceu, em 1981. A recuperação do legado de Cardew, e a reflexão sobre a dimensão política do seu percurso, tiveram 22:00 SALA SUGGIA | € 15 SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL COMPLETO NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE DUPLO PARA ESTE CONCERTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES. Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 21 O grande ensinamento “If the root be in confusion, nothing will be well governed. The solid cannot be swept away as trivial, nor can trash be established as solid. It just doesn’t happen. Take not cliff for morass and treacherous bramble.” (“Se a raiz vive na confusão, nada será bem governado. O sólido não pode ser varrido enquanto trivial, nem o lixo ser considerado como sólido. Isso simplesmente não acontece. Não subas à falésia pelo caminho do pântano e dos traiçoeiros arbustos espinhosos.”) A exposição proposta pela Culturgest pode ser mais um momento do debate acerca das relações, nem sempre claras, entre a arte e a política Parágrafo sete de “The Great Learning”, de Confúcio e discípulos, séculos V-II a.C. um novo impulso a partir de 2006, ano do 70º aniversário do seu nascimento. As interpretações da sua obra tornaram-se mais regulares e foi publicada nesse ano uma antologia dos seus escritos, “Cornelius Cardew (1936-1981): A Reader”, seguida em 2008 pela publicação de uma extensa biografia, “Cornelius Cardew (19361981): A Life Unfinished”, escrita pelo pianista (e ex-membro da Scratch Orchestra) John Tilbury, que também estará presente no ciclo que se realiza no Porto. Figura controversa, Cardew continua a colocar desafios aos músicos e não músicos e a fazer-nos reflectir. A “liberdade da escuta” não pode ser uma nova ditadura. Ver agenda de exposições na pág. 39 e segs. EscoladeMulheres oficinadeteatro 22 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon No seu mais célebre ensaio, “Stockhausen serve o imperialismo” (1974), Cardew contestou a transformação da música de vanguarda num acontecimento social para servir audiências burguesas Traduzido por Ezra Pound em 1928, “The Great Learning”, texto escrito por Confúcio e pelos seus discípulos entre os séculos V e II a.C., é também o título de um dos mais significativos trabalhos experimentais de Cornelius Cardew, tendo sido composto numa época de revoluções, entre 1968 e 1971. O “Parágrafo 7”, para um número indeterminado de vozes amadoras, será interpretado amanhã, a partir das 16h30, na Culturgest-Porto, na abertura da exposição itinerante dedicada ao compositor inglês, “Cornelius Cardew e a liberdade da escuta”, cujos comissários dirigirão o coro. Como se lê nas notas incluídas no programa da “performance”, as instruções verbais que constituem a partitura “não exigem experiência musical prévia e são acessíveis a qualquer grupo de pessoas que queira interpretá-las.” A revolução musical de Cornelius Cardew encontra um paralelo naquela que Joseph Beuys tentou realizar no contexto das artes plásticas. Para o compositor britânico, qualquer pessoa podia interpretar algumas das suas partituras, enquanto o mote do artista alemão era “cada homem, um artista” – em pano de fundo podem detectar-se as influências quer de John Cage, quer do movimento Fluxus. Ambos tiveram igualmente uma considerável actividade política, procurando assim prolongar as suas actividades num campo social mais alargado. Cardew, para além de ter ministrado a cadeira “Songs for Our Society”, no Goldsmiths, em Londres, foi um dos fundadores do Partido Comunista Revolucionário da Grã-Bretanha, de tendência marxista-leninista; e Beuys, na V Documenta de Kassel, em 1972, apresentou o “gabinete para a democracia directa” – mais tarde veio a estar na origem do partido alemão Os Verdes. A China, e nomeadamente o arco que vai de Confúcio a Mao, foi o horizonte para o qual Cardew olhou com mais insistência na fase política da sua actividade enquanto compositor. Segundo Brian Dennis, a partir do segundo dos sete parágrafos de “The Great Learning”, detecta-se o envolvimento e a influência da Scratch Orchestra, nomeadamente nas “implicações sociais” da obra, sobretudo ao mudar-se a ideia de “cada um reagir à sua maneira”, formulada por Cage, pelo princípio de “cada um aprender à sua maneira” – o “trabalho é educativo no sentido mais amplo”, nota ainda o ensaísta, num texto publicado em 1971, em que assinala o número de páginas da composição, 23, o azul da capa e a excelente reprodução da caligrafia do artista, isto depois de afirmar a dificuldade de um “comentário poder prestar a devida justiça a um trabalho onde o envolvimento pessoal ‘está escrito na partitura’.” Leiam-se novamente as notas do programa do espectáculo: “O ‘Parágrafo 7’ é, em termos composicionais, o ponto culminante da obra de Cardew no que diz respeito à criação de uma composição que subverte o virtuosismo técnico e a concomitante divisão hierárquica entre intérprete e ouvinte que tradicionalmente regula a música enquanto forma cultural.” Música para as massas O interesse de Ezra Pound por Confúcio nasceu em Inglaterra, na Stone Cottage de William Butler Yeats, casa partilhada pelos poetas nos invernos de 1913 a 1916. Nesse período, ambos estudaram intensamente o japonês, nomeadamente o teatro Noh, que forneceu a Yeats o modelo para a sua peça “At the Hawk’s Well”, cujo primeiro esboço foi ditado a Pound em Janeiro de 1916 – o interesse pelo Oriente tinha sido potenciado pelo facto de a viúva de Ernest Fenollosa ter enviado a Pound os poemas traduzidos pelo seu marido, sendo que estes viriam a ser não só a base do denominado método “ideogrâmico”, mas também a origem de “Cathay”, livro publicado em 1915. Mais tarde, em 1927, quando trabalhava nas traduções de Cavalcanti, o autor dos “Cantos”, recebeu da Universidade de Seattle, nos Estados Unidos, um convite para escrever um texto autobiográfico, que, depois de recusado, permitiu ao escritor contrapor uma sua versão de “Tao Hio”, “The Great Learning” – na realidade uma tradução de “Ta-siue” (“La Grande Étude”), realizada, no século XIX, pelo sinólogo francês Jean-PierreGuillaume Pauthier; Pound ainda chegou a trabalhar uma introdução ao texto em que “atacava os valores ocidentais e o peso da burocracia.” A tradução usada por Cardew em “The Great Learning” é a de Pound; contudo, nos anos 1970, o seu período maoísta, o compositor realizou uma revisão do texto de forma a sintonizá-lo com o pensamento do “Grande Timoneiro”, tendo-se justificado com as palavras de Mao TséTung para explicar as alterações produzidas: “As obras de arte que não servem as lutas das grandes massas podem ser transformadas em obras de arte que o fazem.” Mais tarde, no célebre ensaio “Stockhausen serve o imperialismo” (1974), o compositor inglês colocou em questão quer a sua obra, quer a sua tentativa de a mudar de acordo com princípios políticos, criticando ainda as ressonâncias fascistas que o pensamento de Confúcio adquire na obra de Pound. A exposição proposta pela Culturgest pode ser mais um momento do debate acerca das relações, nem sempre claras, entre a arte e a política. A mostra, sobretudo documental, funciona como um dispositivo para receber o programa de concertos, conferências, ensaios e performances. Ela é sobretudo um lugar de aprendizagem, onde se pode encontrar a partitura do “Treatise” (1963-1967) – um trabalho influenciado por Wittgenstein –, fotografias, cartazes, filmes e documentários, que traduzem não só o percurso individual de Cardew, mas também o dos grupos com os quais colaborou, como a Scratch Orchestra e os AMM. Haverá ainda muita música para ouvir, tanto no átrio do edifício como em diversos pontos de escuta. E é aqui que faz sentido evocar as palavras de Robert Wyatt, escritas em 1991: “Se a palavra ‘romântico” deve ser salva dos sentimentalistas caprichosos, é para que a possamos aplicar correctamente a Cornelius Cardew: uma fonte de música corajosa, de cortar a respiração.” Óscar Faria Josh: O nosso pai iniciou-nos ao cinema. Ele fazia sempre de Dustin Hoffman o seu duplo nos filmes. Mostrou-nos “Kramer contra Kramer” quando tínhamos seis anos, e disse-nos: “este sou eu, o miúdo são vocês e a mãe dele é a vossa mãe”. (Parêntesis: o pai Safdie, na altura em que mostrou aos filhos a batalha judicial de Dustin Hoffman contra Meryl Streep pela custódia da criança, já se tinha separado da mãe Safdie) Um pai recria o mundo aos seus filhos: “Go get Some Rosemary”, o lírico e anárquico filme que venceu o IndieLisboa cassetes. É de loucos. Por exemplo, imagens de mim no dia dos meus anos a agarrar uma chávena e um “zoom” do meu pai sobre mim. O que é tão importante assim que levou o meu pai a filmar-me? Foi o início dessa coisa do cinema como reflexão. Estamos-lhe imensamente gratos. A personagem de Lenny [o pai de “Go Get Some Rosemary”] está também, de alguma maneira, a dar cinema aos filhos. Uma espécie de “cinema” espontâneo, ao vivo: vemos a realidade à medida que ela se desenrola. É desse tipo de cinema que gostamos. O estilo de vida que Lenny cria para os filhos é cinema para nós: o sentido de anarquia que lhes permite pensar “fora da caixa”, a ideia de que tudo pode acontecer a qualquer momento. Caramba, é por isso que nós hoje filmamos! Josh e Benny, performers natos, transforman qualquer espaço num cenário de pantomima Caramba, é por isso que “Go Get Some Rosemary” é assim! É Lenny, o pai, um projeccionista MIGUEL MANSO MIGUEL MANSO Josh: É uma forma louca de apresentar o cinema a miúdos. Está-se a dizer que o cinema é um utensílio importante: um espelho da vida. Que não é apenas entretenimento. E ele continuou por essa via, comprando uma câmara, e filmando-nos constantemente. Já nos passou 300 horas de gravações... Há quatro anos começou a dar-nos as primeiras “Podemos filmar num sítio, depois no outro, mesmo que não haja ligação entre os dois. Mas ao fazermos a ligação, estamos a dar uma versão da nossa Nova Iorque, que não sei se ainda é real ou se foi real: numa esquina estamos nos anos 70, ao darmos a volta estamos nos anos 40...” Benny Safdie Cinema A culpa é do pai. A culpa é de “Kramer contra Kramer”. Sobre o primeiro, servirá para explicar o facto de os cinéfilos Josh e Benny Safdie serem cine-filhos - entre a cinefilia e a biografia, isso fica(-lhes) bem. O segundo, um filme de 1979 de Robert Benton, não é um título óbvio para se atirar num festival de cinema “independente” – porque tem estrelas, Dustin Hoffman e Meryl Streep, e porque tem fama de puxar pelos lenços dos espectadores (já agora: é tão magnificamente enxuto que as arestas magoam). Mas nisto do que é “indie” ou não, os irmãos Josh, 26 anos, e Benny, 24, não são politicamente correctos nem obedecem ao cliché – lá chegaremos e à agenda que essa palavra, “indie”, comporta. Fiquemonos, para já, com o pai Safdie, com Dustin Hoffman e Meryl Streep, e com a forma como o cinema nasceu para Josh e Benny, os cineastas que aqui apresentamos. O seu filme, “Go Get Some Rosemary”, história de Lenny, um pai divorciado que recria o mundo para os seus filhos e não os poupa à sua desordem, venceu o IndieLisboa. Safdie O pai mostrou-lhes “Kramer contra Kramer” quando tinham seis anos e foi toda uma educação e que em Julho chegará às salas, é ao mesmo tempo a cinefilia e a biografia deles, os irmãos J 24 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon MIGUEL MANSO (interpretado por um amigo dos Safdie, o também realizador Ronald Bronstein), um corredor de fundo das suas fantasias – é uma daquelas personagens cuja vertigem, para ser partilhável, exige muito do fôlego do espectador. É, também, uma energia que não se extingue, antes pelo contrário, o que se pode tornar angustiante para quem está sentado na sala: Josh e Benny nunca deixam que as cenas, ou o lirismo, se instalem numa zona de conforto. Cortam sempre antes de tudo se fixar, o que abastece o espectador com uma reserva de excitação que ele não sabe onde gastar - sensação de desconforto, é verdade, que vai ser apaziguada, que vai ter consolo, como uma epifania final: sentimos, por isso temos a certeza, que “Go Get Some Rosemary” é um grande filme. E ainda, o que não é menos deslumbrante: a forma como nos aparece Nova Iorque, cidade tão filmada que aqui, ou nas curtas dos dois realizadores (http://www.redbucketfilms. com/), parece nunca ter sido antes vista: algures entre a memória de um passado – como uma lembrança? – e a efervescência de um presente. Em que época se passa “Go Get Some Rosemary”, Josh e Benny: hoje ou num filme, dos anos 70, de John Cassavetes? Josh: Passa-se agora, hoje. Mas com as nossas memórias. Isso tem a ver com o facto de termos crescido em Nova Iorque, se calhar tem a ver com uma memória cinéfila ou até com um desejo de nos agarrarmos ao que resta de Nova Iorque. Nos anos 90 as autoridades tentaram diluir a personalidade da cidade. Temos, então, o desejo de nos agarrarmos ao que ficou. O nosso pai mudou-se para Manhattan, decidiu casar com a nossa mãe, divorciaram-se logo a seguir – era uma relação terrivel –, começou a namorar com uma mulher xunga de Queens, que não podia ser mais Nova Iorque. Era uma pessoa horrível mas não podia ser mais Nova Iorque, como se vivesse num filme dos anos 70. A nossa infância existe nessa Nova Iorque. É isso o que conhecemos. Benny: A personagem do filme não tem um tempo dele próprio, não tem presente, não tem passado. Com muitos dos nossos filmes, somos atraídos por lugares intemporais de Nova Iorque. Se gostamos de um edifício ou de um lugar, vamos para lá filmar e isso está sempre ligado a algo que queremos recordar desse lugar. Ou seja: não estávamos a querer fazer um filme de época, mas é possível que tenhamos criado algo de intemporal. Josh: O que falta a muitos filmes que se passam em Nova Iorque hoje é a espontaneidade de acontecer algo de imprevisível numa esquina. Como uma cidade quarteirão a quarteirão. O nosso cinema existe quarteirão a quarteirão, literalmente. Numa esquina filma- e com Safdie o sentimental. “Go Get Some Rosemary”, o filme com que no sábado ganharam o IndieLisboa s Josh e Benny Safdie. Numa Nova Iorque como nunca a tínhamos visto. Vasco Câmara Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 25 Cassavetes, mas quem “está vivo!” não é o insecto, é o filme). A propósito de energia, se pararmos um bocado para olhar para Josh e Benny, dá para nos perguntarmos quais as consequências da exposição a uma câmara de filmar ou de fotografar: são “performers” natos, transformam qualquer espaço num cenário de pantomima. Benny é um caso mais agudo – não é por acaso que, nas curtas dos irmãos, é ele o actor, definindo uma presença algures entre o “stand-up comedian” e o burlesco do mudo. performativa. Dirigir é um performance. Como co-realizadores, são inseparáveis. Partilham as responsabilidades, metade/metade. Discutem mais na escrita, que não é só apenas, dizem, o argumento de uma história, é também o “script” da direcção deles. Os ensaios com os actores e a improvisação são forma de continuar o argumento (“de outra forma não podemos ditar a forma como a pessoa fala”). Estão tão ligados que ou se juntam para co-realizarem (trabalham neste momento num argumento sobre a indústria de diamantes em Nova Iorque, “Uncut Gems”) ou se afastam para nenhum deles tocar no projecto do outro, que é sempre a tendência que têm. Integram um colectivo de cinco amigos, a Bucket Films, que decide os projectos a filmar pela sua “urgência”. Explicam: todo o dinheiro recebido com “projectos comerciais serve apenas para pagar a renda do estúdio e equipamento”; os projectos pessoais são, assim, investimentos dos próprios, os outros membros do colectivo ajudam, não há questões monetárias na base das decisões do grupo. A propósito: o que é ser “indie”, hoje? Josh: Benny é um performer. Eu posso interpretar variações de mim; Benny pode transformar-se em personagens. Desde miúdos que ele é o performer e eu o espectador da performance dele mos um coisa, na esquina seguinte outra diferente. E geograficamente não nos importamos: por exemplo, numa cena podemos estar na esquina da Third Street e a cena seguinte pode ter lugar no Harlem. Benny: E ao fazermos a ligação, estamos a dar uma versão da nossa Nova Iorque, que não sei se ainda é real ou se alguma vez foi real: numa esquina estamos nos anos 70, ao darmos a volta estamos nos anos 40... Josh: E quanto à excitação da personagem, para nós esse lado maníaco é uma forma de ela evitar a depressão. Quando se pára para pensar na vida, isso pode ser deprimente. Se estivermos sempre em movimento, não deixaremos que isso aconteça. Do ponto de vista cinematográfico, é claro que Cassavetes é o padrinho do cinema indie americano. “Uma Mulher sob Influência” [Cassavetes, 1974] acrescentou algo às nossas vidas. Mas há outras enormes influências: Jean Vigo, por exemplo. Não tanto as personagens, mas o mundo em que elas vivem. É isso que domina os filmes, que controla os filmes, não há tempo para reflexão. Como se o filme tivesse vida própria, energia própria. Ha muitos realizadores que são melhores do que os seus próprios filmes, que ditam o estilo dos seus filmes. Isso, quanto a nós, mata os filmes. A referência a Vigo, ao Vigo de “Zero em Comportamento”, por exemplo, à energia anárquica, a algo de incontrolável que invade o filme, faz sentido quando se vê “Go get Some Rosemary”. Neste filme, o mundo a que chamamos “adulto” está “off limits”. Há aquele momento, por exemplo, em que um insecto gigante se materializa, como numa ficção científica paranóica dos anos 50 (já em “The Pleasure of Being Robbed”, filme só de Benny Safdie, a personagem enfrentava quase amorosamente um grande urso branco), e contra isso não podemos nada. De não servem os nossos “filtros”. O filme existe como quer (alguém já classificou esse um momento “cronenberguiano” num pedaço de 26 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon “Os realizadores têm de actuar para os seus actores. Por isso é que gostamos de não-actores: obrigamnos a ser performers, a estimular as pessoas de forma performativa. Dirigir é um performance” Josh Safdie E Josh conta que quando embarcavam no avião para Lisboa, Benny subiu as escadas e acenou ao povo exactamente como um presidente; está em htt p : / /w w w.y o u t u b e . c o m / watch?v=gwoBXqMl0Yc Josh: Neste filme não podíamos ser o pai, não podíamos ser os dois filhos [que foram descobertos na rua; Josh achou o miúdo Frey igualzinho ao irmão Benny quando este tinha oito anos, e comoveu-se; chegaram aos pais das crianças, e então descobriam que Sage e Frey tinham o apelido Ranaldo, são filhos de Lee Ranaldo dos Sonic Youth]. Mas gosto da ideia dos realizadores como ‘performers’. Têm de actuar para os seus actores. Por isso é que gostamos de não-actores: obrigam-nos a ser performers, a estimular as pessoas de forma Estão tão ligados que ou se juntam para corealizarem ou se afastam para nenhum deles tocar no projecto do outro MIGUEL MANSO Frey e Sage foram “descobertos” na rua; só mais tarde os realizadores descobriram que eram filhos de Lee Ranaldo (Sonic Youth) Benny: É uma palavra pesada. Podemos fazer um filme indie por 100 milhões de dólares. Podemos dizer que “Avatar” é um filme independente, porque James Cameron passou-se dos carretos. Ou seja, esteve dez anos para fazer este filme, e segundo ele é exactamente aquilo que ele queria fazer – e daí talvez não, porque muitas pessoas meteram ali a mão. Mas é isso que ele quer que as pessoas pensem: que é um autor. Ora, há imensos filmes que têm a pose do filme independente mas estão apenas a aplicar as regras de um filme de Hollyood ou da televisão. Josh: Especialmente na América: “oh, custou apenas 15 mil dólares, deve ser independente”. Mas muitas vezes é uma versão barata de Hollywood. O cinema pessoal, para mim, é que é o independente. “Duplo Amor”, de James Gray, tem estrelas de Hollywood, Gwyneth Paltrow e Joaquin Phoenix, mas é mais indie do que as porcarias que vejo em festivais de cinema em que os realizadores dizem “fiz este filme por apenas...”. Independente significa independente dos modelos.... Benny: O cinema indie americano não é um barco comum para todas as pessoas. Só sentimos que estamos no mesmo barco de alguém quando respeitamos o seu trabalho. Vamos ouvir falar de Josh e Benny Safdie, seguramente. Aqui mesmo, nestas páginas, quando “Go Get Some Rosemary”, provavelmente com o novo título, “Daddy Longlegs”, se estrear comercialmente, dia 15 de Julho (Midas...) JORGE SALG UEIRO 4ª a sáb às 20h30 dom às 16h3 0 © CLEMENTINA CABRAL | M/6 A FÁBRICA baseado em O Segredo do Céu de PÄR LAGERKVIST encenação Miguel Fonseca co-produção TEATRO AGITA sala estúdio | 4ª a sáb 21h45 | dom 17h30 | M/12 HAVIA UM MENINO QUE ERA PESSOA Poemas para a Infância de FERNANDO PESSOA encenação Lucinda Loureiro | com José Figueiredo Martins sáb e dom 15h para toda a família | M/6 para escolas durante a semana | sob marcação 15 MA IO SÁBADO 23:00 on Gil Scott-Her Mind da Gap Prins Thomas André Cepeda Tó Trips Evols Álvaro Costa Pfadfinderei TODOS OS ESPAÇOS | 18 € OUTROS ESPAÇOS (EXCEPTO GIL SCOTT-HERON) | 7,5 € ENTRADA LIMITADA À LOTAÇÃO DE CADA ESPAÇO PATROCÍNIO MECENAS CASA DA MÚSICA APOIO INSTITUCIONAL MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE DUPLO PARA O CLUBBING (EXCEPTO GIL SCOTT-HERON). OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES. Ninguém, à excepção do Ruy Duarte de Carvalho, sabia grande coisa sobre a África do Sul para além das suas tensões recentes. É ele que vai à frente nesta viagem de 13 dias e seis mil quilómetros, portanto, e logo a seguir os seus jovens amigos: o Luhuna, que ia recolhendo numa câmara materiais de observação directa; Miguel Carmo, certeiro nas impressões e navegações espaciais; e as Martas - a Mestre que ia avivando a conversa, e a outra Marta, esta que vos escreve, gerindo a logística de uma viagem redonda, de Joanesburgo a Joanesburgo, do interior à costa pela outra costa, deixando de fora a província do Cabo Oriental, berço de lutadores anti-apartheid, ainda assim presente nas histórias de bordo. Desde cedo até ao fim da tarde: mãos rotativas ao volante, pneus a rasgar as boas estradas sul-africanas, olhos maravilhados e exaustos de reter as paisagens – a cada solidão um monte ou deserto preferido - e dentro do carro uma voz que se ouve mais do que as outras. Antes da África do Sul, tinha havido um cozido à portuguesa na Baixa de Maputo, em Setembro. Decorria, no Dockanema, “E agora... vamos fazer mais como?”, ciclo dedicado ao escritor e cineasta angolano Ruy Duarte de Carvalho, que acumula admiradores no mundo lusófono, e a viagem, patrocinada pelo Instituto Camões, começava a ganhar forma. Uma viagem espraiando-se por mudanças de relevo, animais, campos de pastagem, cores e brilhos que vão ocorrendo na paisagem: a sua adaptação morfológica ao clima e a metafísica que nos faz empatizar com ela. Uma viagem atenta à história das várias expansões e colonizações do país. Que fosse a origem, com base nos materiais recolhidos e nas conversas semeadas, do livro “As Paisagens Efémeras, Atas de Santa Helena”, de Ruy Duarte de Car- valho, e também de um possível filme. Ou não estivesse a viagem sempre inscrita em tudo o que faz. Mas há outras ambições nesta viagem: problematizar o processo de ocidentalização do mundo e os seus efeitos, focalizados no espaço atlântico. Que relações existiram entre europeus e populações locais? Que fenómenos desencadearam? Isto tudo pelo gosto de entrelaçar tempos. De ver naquilo que é já passado, vestígio só, matéria de conjectura histórica. De encontrar os traços do antecedente na imagem presente e nas projecções do futuro. Então lá estamos nós dentro de um carro dias a fio. E acabamos por aprender qualquer coisa da complexidade deste país africano que está nas bocas do mundo por causa do futebol e da persistente violência. Conclusão: a África do Sul é um país bizarro. O Ruy está contente e só se cala esporadicamente para fixar um pormenor da paisagem e depois dizer coisas como “na vida ou se escreve ou se vive”, citando Pirandello, ele que faz tão bem as duas coisas. Traz leituras e considerações, enche o espaço de referências e pensamento, de paisagens efémeras e propícias, de figuras da História. Conta episódios da vida e anedotas também. Fala no feminino quando conversa com as raparigas. “É uma narrativa sólida e quente que transforma a paisagem da África do Sul em nostalgia”, há-de escrever um de nós. Angola, aonde regressa sempre apesar de agora viver em Swakopmund, na Namíbia, é tema recorrente e que nos liga naqu e l a cum- “Que viagens poderão dizer-se ‘réussies’ [conseguidas]? Aquelas em que tudo ‘corre bem’, ou as outras, recheadas de imprevisto e de aventura?” Ruy Duarte de Carvalho Da África do Sul à cont O escritor e cineasta angolano Ruy Duarte de Carvalho o vai à frente nesta viagem redonda, de Joanesburgo a Joanesburgo, da qual há de sair um livro, e possivelmente também um filme. A África do Sul em 133 dias e seis mil quilómetros, com cinco pessoas dentro o de um carro, e o passado pré e pós-colonial a infiltrar-se se no presente, como um palimpsesto. Marta Lança 28 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon Reportagem plicidade dos territórios do coração. A comer uma pizza na barragem Gariepdan, abro o seu último livro, “A Terceira Metade”, e tropeço nisto: “enrolados para quem não pára – porque não pode, não quer ou não sabe, tal como nós estamos todos desde há muito ao corrente – são os caminhos das voltas que a vida dá, como são os que no sono levam sempre aos mesmos sonhos recorrentes.” Brancos contra brancos, e contra negros Pernoitamos em Vinburg. Uma cidadezinha de atmosfera “Twin Peaks” no interior do Free State onde os bóeres, brancos camponeses normalmente enormes, vivem e são senhores. O bóer é uma produção da África Austral, havemos de saber no curso da viagem. Na “guesthouse”, um bancário bêbado pergunta-nos, meio em inglês, meio em afrikaans, crioulização da sua língua materna holandesa, se estamos a falar russo. Ao pequenoalmoço, a serviçal roliça diz que vai casar em Março e está muito feliz. “A minha mãe diz: ‘Vai sempre atrás do Mãos rotativas ao volante, pneus a rasgar as boas estradas sul-africanas, olhos maravilhados e exaustos: é fácil viajar pela África do Sul, contornada a insegurança das grandes cidades teu marido’”. E ela foi, e agora serve salsichas com ovos e carne agridoce a endinheirados rurais. A casa é um mausoléu das guerras anglo-bóeres, mas gloriosa para os bóeres foi só a primeira, porque a de 1903 levou à anexação das suas repúblicas do Transvaal e do Free State de Orange à colónia britânica do Cabo, ao que parece com a ajuda das armas europeias da revolução industrial. Os bóeres não gostavam da autocracia britânica, que degenerava as tradições holandesas e não os protegia dos ataques dos Xhosa. Já tinham fundado a república de Natália depois da batalha de Blood River (da qual vimos a pintura), em 1838, onde derrotaram Dingane, um dos chefes zulu, Haveriam de perdê-la para os ingleses, com as suas plantações de cana-de-açúcar. O que interessa é que já havia uma sociedade colonial, e o país estava ocupado por brancos. Os bóeres declaram a República da África do Sul, com Pretória como capital, em 1854. Em 1910, as províncias fundavam a União Sul-Africana, que duraria até ao fim do apartheid, em 1994. Ouvimos ainda a história de Shaka Zulu. Diz-se que era gay. Antes de ser assassinado, em 1928, com muita estratégia militar e dureza combativa, fez da etnia zulu um império que ensombrou os desígnios coloniais britânicos. A expansão do estado zulu e o desarranjo social provocado pelo tráfico de escravos a partir do sul de Moçambique, além de secas e fomes entre o fim do século XVIII e o princípio do século XIX, estão na origem de Uma paragem a meio do caminho e outra a caminho do fim, em Springbock, região de flores e prados: cheira a esteva, e o amarelo-torrado cobre a pedra movimentações massivas de populações que convulsionaram a África Austral. A maior quezília entre britânicos e holandeses tinha a ver com as minas de diamantes encontradas naquele território. Na pequena localidade de Kimberley, visitamos o turístico Big Hole, uma rocha diamantífera cavada para extrair o famoso kimberlito, composto por minerais de alta pressão formados a 300 quilómetros de profundidade. Ali se fez uma espécie de reprodução da vida mineira com barzinhos e lojas. Explicações sobre diamantes, ali descobertos em 1867 em brincadeiras de crianças. O homem por trás da mina é Cecil John Rhodes, co-fundador da poderosa companhia De Beers. Abandonou a fazenda de algodão em 1871 para gerir as minas de Kimberley, e chegou a membro do Parlamento, com políticas que serviram tanto o Império britânico como os interesses dos mineiros. De expansões e opressões A história da África do Sul é uma história de disputas e de ocupações, sangue e mais sangue, tudo isto não há muito tempo atrás. “Demorou ntracosta, com Ruy Duarte de Carvalho Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 29 A caminho da província do Cabo da Boa Esperança, depois do deserto, directos ao extremo mais Sul de África: vir do interior para a costa é desaguar muito até chegar aqui, a este último canto do continente, e mesmo da terra toda, a que se foram alargando várias correntes migratórias, gente a vir de fora para ocupar e controlar esses territórios segundo os seus interesses, quer dizer os recursos que aqui lhes cativavam, e perturbar assim, ou a submeter ou a dizimar os que já cá se encontravam.” Vem em “A Terceira Metade”, mas podia ser o Ruy a falar connosco porque ele escreve como fala e fala como escreve, com reticências e assertividade, sem isto ser contraditório. Com uma costa imensa, a África do Sul é apetitosa para a expansão ocidental mas a sua ocupação é tardia: deserto, falta de condições para o comércio e práticas esclavagistas. “Quando foi finalmente objecto dessa vaga ocidentalizante, ofereceu o espectáculo de um vasto território de fronteira a ser em simultâneo acometido pela expansão dos brancos e pela dos bantos”, que não gostam de ser lembrados que também foram invasores. Os bantos desceram desde a África Oriental, iniciando a sua interminável expansão, desencadeada pela explosão demográfica que a banana, trazida pelos malaios que colonizaram Madagáscar, provocou. Ironias e conjurações da história. Ocupações contemporâneas que remetem para os problemas actuais: a terra é de todos, cada um foi chegando com os seus motivos e agora todos têm de aprender a conviver, às vezes numa paz podre, às vezes numa guerra infinita. As várias populações dentro do país não prosperam todas ao mesmo tempo e isto provoca muitas 30 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon No carro enumeram-se tantas etnias e ramificações - sangue no sangue no sangue - que já vamos todos baralhados. Apesar de a África do Sul ser esse “melting-pot” de “raças” muito marcadas, está em curso a produção de um mestiço universal Nas paisagens áridas do Karoo profundo, os pensamentos aquecem: os ocidentais, que começaram a estabelecer-se na província do Cabo cerca de 1652, demoraram 150 anos a aventurar-se nesta região dominada por enormes famílias de zebras e de antílopes dependências e explorações. Ruy explica nas notas de viagem: “Uns grupos, e certos indivíduos dentro da cada grupo, mesmo se só à escala da família, começam a prosperar primeiro, muito antes dos outros e sempre e ainda senão à custa de outros, a nível da dinâmica interna e da relação externa.... e os outros, para virem a prosperar também, há de ser de uma maneira ou de outra só a reboque desses, ainda e sempre.... e tem uns que parece surpreenderem-se, e se insurgem e denunciam... mas então não é isso que é próprio do sistema que todos afinal aceitam e em que se integram e é nele que se exprimem a partir do lugar que ocupam na luta tentando ganhar pontos, conquistas, dentro do sistema?” No carro enumeram-se tantas etnias e ramificações dos povos – sangue no sangue no sangue - que já vamos todos baralhados. Os hotentotes, que são vermelhos e tinham avós pastores - com a instalação dos holandeses na baía da montanha que deu origem à Cidade do Cabo, para servir de apoio às rotas comerciais da Índia, tiveram de mudar de vida. Os San, bosquímanos, franzinos, então caçadores e recolectores, que não gostaram nada da instalação dos bóers: ao trazerem o gado, acabaram-lhes com a caça. Apesar de a África do Sul ser esse “melting-pot” de “raças” muito fenotipicamente marcadas, onde podemos resgatar os vestígios da ocupação humana de idades recuadas, está em curso a produção de um mestiço universal, genéti- ca e culturalmente. “O pleno mestiço do devir universal, afeiçoado pelo modelo branco expandido e imposto à escala do mundo”. O que sobreviver a isto será apenas folclore, porque a diferença irá ser extinta, digerida e consumida. Nisso há “desagrado, agravo, pela diferença que vai ser, já está a ser cultivada e que, além de cristalizada, ou por isso mesmo, é kitsch. Não é?!” Mais um cigarro e a viagem prossegue. Num hotel para “backpackers”, filmamos a conversa-base do movimento neo-animista que Ruy Duarte de Carvalho quer criar. Ao jantar, um velho dança como uma borboleta em frente ao trio de mulatos que toca jazz. O Cabo continua uma cidade de gente bizarra O Sul do Sul nho. A Cidade do Cabo surge emoldurada pela Montanha com nome de Mesa e pela outra, da Cabeça de Leão. Num hotel para “backpackers” da Long Street, uma longa conversa fica filmada como base do movimento neo-animista que o Ruy quer criar com a nossa ajuda. Para isso temos matéria de reflexão e acção. Eis algumas pistas: o Império contém a sua própria crítica. É preciso criar ilhas de resistência, e outros paradigmas que denunciem, critiquem e ofereçam alternativas ao paradigma humanista e ao progresso. É preciso dar voz a narrativas silenciadas ou ignoradas por outras dominantes. Temos de procurar teses, elites, utopias, literatura e imagens para dizer várias vezes a mesma coisa até esta se tornar simples. Tudo se joga na diferença entre a economia do equilíbrio e a economia do crescimento, que é obrigada a crescer sempre, porque se não cresce colapsa, como está a acontecer agora. Comemos carne de caça e no bar um velho faz-nos hesitar: terá saído da guerra anglo-bóer ou do “Senhor Depois das paisagens áridas do Karoo profundo, onde os pensamentos aquecem, aproxima-se o mar. Vir do interior para a costa é desaguar. Port Elizabeth tem baleias e golfinhos ao largo e zonas de comércio com ar de Disneylândia. Segue-se um grande troço de costa com vegetação mediterrânica até se entrar na província do Cabo da Boa Esperança. Directos ao extremo mais a Sul de África, onde se misturam os oceanos Índico e Atlântico. Perguntamos “where is Cabo das Agulhas?”, mas ninguém entende, até que percebem que queremos dizer Agalhas, o lugar onde as bússolas se desnorteavam. A anglicização dda língua faz parte do que nos traz aqui. Terra de revelações, de pedir desejos e afogar mágoas, “uma visão extrema e abismal de inapreensíveis oceanos”, é o que o poeta Ruy escreve no mesmo livro. No dia seguinte a um jantar num restaurante de portugueses fugidos das ex-colónias, continuamos camiO Cabo das Agulhas é “uma visão extrema e abismal de inapreensíveis oceanos”, zona de confluência do Atlântico e do Índico. Perguntamos “where is Cabo das Agulhas?”, mas ninguém entende. A anglicização da língua faz parte do que nos traz aqui do Anéis”? É um elfo com enormes cabelos e barbas brancas num corpo pequeno e magro, e dança como uma borboleta em frente ao trio de mulatos que toca jazz. O Cabo continua uma cidade de boa música e gente bizarra. A alma da viagem Subimos a costa com um cheirinho do Kalahari, o deserto que liga a África do Sul à Namíbia. Perto da costa, os vales imensos de castanho e verde, enormes fendas na profusão da natureza, e a sua violência própria. Ruy identifica phynbos, a vegetação característica deste lado atlântico (comum à Patagónia e ao Lago Vitória). Springbok é zona de flores, mas falhámos por pouco o florir primaveril dos prados, e por isso o amarelotorrado cobre a pedra. Cheira a esteva. Ficamos num albergue perto das montanhas. É propriedade do pai de uma velhota de olhos azul-british que nos recebe com o cabelo apanhado a descobrir as rugas, numa casa com um caniche e muitos retratos. Luhuna e Miguel sobem o monte para filmar mais um pôr-do-sol. Já são várias as cassetes com pôres-do-sol. Mas nunca se filme o sol de frente que a câmara pode estoirar, tal como os olhos podem cegar. O Ruy fica no lugar do braai (grelhador) a fumar cigarros com o seu ar vigilante de lobo do mar. Eu leio o “Disgrace”, do Coetzee, no cimo de uma rocha. O jardineiro diz-me para ter cuidado com as cobras, que esta é a hora de dor- mirem. Um bater de asas, um réptil que passa, uma brisa. Ruy fala da sabedoria das idades. “Que viagens poderão dizer-se ‘réussies’ [conseguidas]? Aquelas em que tudo ‘corre bem’, ou as outras, recheadas de imprevisto e de aventura?” Marta Mestre evoca a interioridade da viagem, o “sairmos de nós mesmos”: “Em viagem descentras-te com mais intensidade, tornando tudo matéria que relacionamos com a nossa experiência e preconceito.” Pergunto-lhe o que ficou da viagem à África do Sul. Pela acumulação de “veld”, nome que se dá aos grandes espaços rurais, escreve ela: “Tratei de fazer o que tinha de fazer: dar lugar em tempo real ao tique crónico de dar sentido e continuar a garantir a vida suportável”. Ou, como escreve o Ruy, a permanente incomodidade física da alma. Foi muito tempo à conversa com o mais-velho. A viagem no mapa, o país no chão Uma última noite nas margens do rio Orange, em Upington (nome do pri- Já são várias as cassetes com o pôr-do-sol, mas nunca se filma o sol (sobretudo o sol sul-africano) de frente, que a câmara pode estoirar meiro-ministro da então colónia inglesa do Cabo), mais uma das muitas cidades de abastecimento agrícola que parecem a mais profunda América que eu nunca visitei. Regressamos na imensa estrada até Joanesburgo, passando pelos 40 quilómetros do Soweto. A extracção do ouro para os bolsos do Estado e das empresas continua imparável. Subscrevemos a facilidade com que se faz turismo na África do Sul: estradas, serviços, comida, paz e tranquilidade, guardada a insegurança para as grandes cidades. O coração acumula simpatias e nenhum percalço, o bolso não sai muito desforrado. “We can´t wait, let’s go 2010!” gritam eufóricos os cartazes, com o cuidado de colocar caras negras, brancas e coloridas no país multiracial, a anunciar o Mundial. Esperança de que muita coisa mude. Não fosse a cartografia tão demarcada das “townships”, onde subsiste um forte apartheid de negros pobres, com focos de indignação para receio dos ricos - e isto num país onde são assassinadas 50 pessoas por dia, com o presidente Zuma a ordenar à polícia: “atirar para matar” -, e o país de primeiro mundo estaria preparado para receber os turistas e as selecções. Acabou a viagem e o escritor parece deprimido, não sai do quarto zulu. Cada caranguejo irá para o seu buraco no dia seguinte: Maputo, Namíbia, Portugal e Brasil. Um jovem zimbabweano recolhe as beatas dos cigarros que fumamos juntos entre risos. Numa viagem destas acabamos por ser todos indispensáveis, e isso resume bem uma ideia de harmonia, efémera, como tudo o que é interessante neste mundo. Como as paisagens. No jardim leio Coetzee. Conta precisamente como as pessoas da África tribal emigraram para as cidades em busca de trabalho, estabelecendo-se num meio urbano novo e assombroso, que ele considera uma dádiva europeia a África. Diz que o mundo no qual nascemos é o nosso mundo, tudo o que há agora é, para esta geração, inquestionável. Conhecer a história de um lugar em profundidade, para ver o seu passado em palimpsesto por baixo do presente, é importante. “Mas a história só tem vida se lhe derem um poiso na nossa consciência.” Esta viagem foi esse lugar. Alberto Carneiro | Rui Chafes Curadoria: Sara Antónia Matos Exposição: 10 de Março até 21 de Maio de 2010 Horário: de quarta-feira a sábado, das 15h às 20h Por ocasião da exposição será publicado um catálogo, co-edição fcc / assírio & alvim Ciclo de conversas: Paulo Pires do Vale – dia 10 de Abril (sábado) às 17h00 Bernardo Pinto de Almeida – dia 17 de Abril (sábado) às 17h00 João Miguel Fernandes Jorge – dia 15 de Maio (sábado) às 17h00 fundação carmona e costa Edifício Soeiro Pereira Gomes (antigo Edifício da Bolsa Nova de Lisboa) Rua Soeiro Pereira Gomes, Lte 1- 6.ºD, 1600-196 Lisboa (Bairro do Rego / Bairro Santos) Tel. 217 803 003 / 4 www.fundacaocarmonaecosta.pt Metro: Sete Rios / Praça de Espanha / Cidade Universitária Autocarro: 31 Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 31 despesas que ultrapassam em mais do dobro o que recebem da Direcção Geral das Artes para a programação do festival e a produção regular da companhia), quando a vontade de fazer fica refém das condições reais ou quando as invejas falam mais alto, é à cumplicidade que encontram nos diferentes espaços de apresentação em Lisboa (este ano: Maria Matos, Museu da Marioneta, CCB, Museu do Oriente, Largo do Chiado, São Jorge, Teatro D. Maria II e uma extensão no Teatro Municipal da Guarda), ao interesse dos voluntários em colaborar, ao público que logo em Janeiro lhes começa a perguntar pela programação e aos artistas que aceitam vir a Lisboa por reconhecerem a liberdade criativa e programática da programação que vão buscar argumentos para prosseguir. Monstros sagrados Esta dupla dinâmica, de um discurso entusiasmante que alerta os sentidos para um entendimento da marioneta para lá do enclausuramento estilístico, quis, este ano, por ser redondo o número mas não só, homenagear “monstros sagrados” do universo da marioneta, fazendo prova de que há mais para alem do fugaz entretenimento. A Lisboa vão chegar nomes fundamentais da história do teatro contemporâneo, como Toni Rumbau, que veio ao festival em 2007, e que em 1974 foi ter aos Açores, vindo de Espanha e apaixonado por uma portuguesa, empoleirado num jipe militar, para mostrar ao povo como as marionetas podiam participar das campanhas de alfabetização e, por isso mesmo, se tornou marionetista. “A Manos Llenas” (Museu da Marioneta, 10 e 11) junta o que é classificado como marioneta de luva popular com uma manipulação visual de sombras, mãos e objectos, e onde a música tem papel fundamental numa história de personagens clássicas de espectáculos populares. Como este, também Roman Paska (“Schoolboy Play”, Teatro Nacional, 28 e 29), nome absoluto do perfeccionismo e da minúcia, norte-americano de nascença e antigo director da referência mundial que é o festival de Um Teatro Dez anos de um festival não se contam pelos dedos. Uma a uma, cada edição do Festival Internacional de Marionetas e Formas Animadas (Fimfa) quis trazer a Lisboa, e muitas vezes indo até outras cidades, o que de melhor se ia fazendo pelo mundo dentro desse vasto conceito que é marioneta. Este ano, e mais uma vez, o Fimfa, assinado por Rute Ribeiro e Luís Vieira, marionetistas e directores artísticos quer do Fimfa, quer da companhia Tarumba (este ano a fazer 17 de percurso), faz das dificuldades uma força e, em ano redondo, apresenta uma programação invejável que não está interessada em discutir o que é e não é marioneta. Afinal são “seiscentos anos de diferença entre espectáculos e cada um escolhe o que quer ver”, dizem-nos. Há-as de todas as formas e feitios: de sombra, papel, de luva, por fios, na rua, em caixas de fósforo ou grandes máquinas, adaptando textos clássicos, inventando ficções a partir de biografias, ou o seu contrário, contando a história do mundo em bonecos feitos de barro ou com gambas, passando o espelho, inventando circos que não passam de caves, usando o vídeo e a música não como auxílios mas como verdadeiros motores dramatúrgicos... e sexo, muito sexo que as marionetas são iguais a nós. Dez anos depois, e mesmo se a ideia inicial de contribuírem para uma evolução da técnica e da estética da criação nacional não produziu resultados esperados – “vivemos cada edição abaixo da nossa ambição” –, nem as programações dos espaços despertaram para a apresentação regular de espectáculos onde a marioneta esteja presente – “mas têm connosco uma relação de confiança e cumplicidade, sem que sejamos obrigados a ceder no plano estético ou estratégico” –, o festival faz o papel de momento único no calendário teatral, “de espaço mental na cidade para a marioneta”, como nos diz Luís Vieira. “Hoje vou lá fora ver espectáculos sobre os quais tenho que dizer que, em Lisboa, seriam uma catástrofe. A recepção do público mudou muito”. Isso deve-se, em particular, a um regime de não cedência no entendimento generalizado e superficial do que é uma marioneta. “Atrás de uma marioneta está sempre um marionetista. É um teatro de duplo para o qual não faz sentido uma discussão sobre se é com fios ou sem fios, com papel, de luva...”, dizem. O Fimfa tornou-se um dos poucos casos, em Portugal, que dialoga de igual para igual com as outras companhias e festivais de teatro dito, agora sim, convencional. No universo da marioneta contam-se pelos dedos, isso sim de uma mão, os exemplos de quem o consegue fazer: Teatro de Marionetas do Porto (que apresenta o aliciano “Wonderland”, Teatro Maria Matos, 11 e 12), Teatro do Ferro, Festival Internacional de Marionetas do Porto, Bienal de Marionetas de Évora e o Fimfa. O resto é, de facto, paisagem. A maturidade da programação, a coerência do percurso e a exigência falam por si. Quando os apoios tardam (são 150 mil euros por ano de Toni Rumbau “A Manos Llenas” (Museu da Marioneta, 10 e 11) junta o que é classificado como marioneta de luva popular com uma manipulação visual de sombras, mãos e objectos Charleville-Mézières, em França, faz de um encontro entre Hitler e Wittgenstein uma parábola sobre as dores de crescimento. É uma das grandes peças desta edição pela capacidade de trabalhar a manipulação das marionetas e, sobretudo, em fazer interligar diferentes modos de narrativa visual, cénica e dramatúrgica, em tudo semelhante ao aparato técnico e imagético do colectivo holandês Hotel Modern, de regresso depois de “The “São seiscentos anos de diferença entre espectáculos e cada um escolhe o que quer ver” Rute Ribeiro e Luís Vieira, marionetistas e directores artísticos do Fimfa fio, outro fio e d Começou ontem e decorre até 30 de Maio um dos mais belos segredos do país: o Festival Traz a Lisboa o melhor do que se anda a fazer em nome de uma marioneta cada vez 32 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon está também presente no seminal trabalho da companhia checa Alfa Theatre que com “Os Três Mosqueteiros” (Museu da Marioneta, 13 a 15), para alem da óbvia inspiração na obra de Dumas, junta o burlesco do filme mudo de Max Linder, “L’Étroit Mousquetaire”, para desmontar a ilusão promovida pela manipulação de marionetas de luva. E, claro, porque entre o teatro e o mundo não há nada a separar, as marionetas são, desde sempre, perfeitos veículos para narrativas parateatrais. É isso que fazem os Bonecos de Santo Aleixo (“Auto da Criação do Mundo”, 8 e 9, Museu da Marioneta) ex-líbris nacional e presença obrigatória nesta edição “porque tinha que ser”, dizem-nos sem ironia, e a companhia do Japão Awa Deco Hakomawahi Wo Fukkatsuru Kai que, depois de correr risco de ver desaparecer a tradição, mostra a peça “Hakomawashi” (Museu do Oriente, 13 a 15) que recupera esse gesto ritualista de partilha de boas novas e protecção contra as maleitas, antigamente praticado por indivíduos chamados de burakumini, pertencentes às minorias étnicas que, curiosamente, formavam parte das companhias de onde saíam os grandes actores do teatro Nô. Entre outros, estes são casos de peças que dão conta do leque amplo que tem caracterizado o Fimfa. “Há uma vontade de mostrar o que de melhor se faz”, confessam os organizadores. “Nem sempre podemos trazer tudo o que queremos. Esforçamo-nos por programar com a maior antecedência possível mas há peças que não conseguimos trazer, seja porque saíram do reportório da companhia, porque as pessoas morreram ou porque são caras”. Mas casos há em que a vontade não supera a economia real. Em ano de celebração o Fimfa ficará marcado pelo confronto entre o desenvolvimento da estética teatral por via das marionetas e as condições de produção desse mesmo desenvolvimento. O Theater Taptoe, companhia belga que veio em 2001, termina a sua carreira de 42 anos nos dias 27, 28 e 29 de Maio no Teatro Nacional, apresentando “Geneviève... si chaste, si pure”, portentosa e imaginativa construção em papel que revela, num jogo meta-teatral, a decadência de uma organização feudal. O fim desta companhia, dirigida por um dos mais reputados marionetistas no mundo, não deixa de emocionar duplamente os directores do Fimfa: por revelar a precariedade com que se trabalha, mesmo num país como a Bélgica, berço da contemporaneidade e, num plano mais pessoal, por escolherem Lisboa para o fazer. Esta relação de proximidade está na base orgânica do Fimfa e enche de orgulho Rute Ribeiro e Luís Vieira. A poucos dias do início do festival, e quando anunciam estar já a preparar a próxima edição, “mas sem poder assumir muitos compromissos” por razões de calendário de abertura de novos programas de apoio, não querem colocar-se em bicos de pés e festejar os dez anos como se fossem algo de extraordinário. São-no. Mas dez anos depois, quando lhes perguntamos se se lembram porque quiseram fazer um festival, dizem-nos: “era coisa mais evidente”. A evidência acampa, uma vez mais, em Lisboa por um mês. PAULINE KALKER NICK MANGAFAS JORGE RAEDÓ Great War” (2007) e “Kamp” (2008), com “The Shrimp Tales” (Maria Matos, 14 e 15), que analisa o estado do mundo, e o caminho até a este estado de coisas, usando como modelos para compreender o humano 300 gambas embalsamadas. Esta noção de que o espectáculo de marionetas é mais amplo do que aquilo que dá a ver, e sobretudo dando a ver um mundo tão ou mais igual ao que é apresentado no “outro” teatro, Roman Paska Em “Schoolboy Play” (Teatro Nacional, 28 e 29) faz de um encontro entre Hitler e Wittgenstein uma parábola sobre as dores de crescimento Hotel Modern e depois... HAKO “The Shrimp Tales” (Maria Matos, 14 e 15), analisa o estado do mundo usando como modelos para compreender o humano 300 gambas embalsamadas de athol fugard Awa Deco Hakomawahi Wo Fukkatsuru Kai “Hakomawashi” (Museu do Oriente, 13 a 15) , a recuperação de gestos ritualistas e de tradições à beira do fim tudo l Internacional de Marionetas e Formas Animadas. z menos presa por fios. Tiago Bartolomeu Costa De 6 de Maio a 6 de Junho Tradução: Jaime Salazar Sampaio; Encenação: Beatriz Batarda; Cenário e figurinos: Cristina Reis; Desenho de luz: José Nuno Lima; Sonoplastia: Sérgio Milhano. Interpretação: Catarina Lacerda e Dinarte Branco. Co-produção Apoios De 3ª a Sábado às 21.00h. Domingo às 16.00h TEATRO DO BAIRRO ALTO R.Tenente Raul Cascais, 1A. 1250 Lisboa Telef: 213961515 / Fax 213954508 e-mail: info@teatro-cornucopia.pt http://www.teatro-cornucopia.pt Estrutura financiada pelo 2010 M/12 Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 33 Para “o mundo secreto das feridas” sobre o qual Athol Fugard gosta de trabalhar, Ester e Johnnie são seres perfeitos. Os dois irmãos são as únicas personagens na peça “Olá e Adeusinho” que o sul-africano escreveu, encenou e representou (enquanto Johnnie) nos anos 1960. Dois seres sozinhos, que desembrulham a podridão das suas vidas, aos poucos, no palco. Não são fantasmas, mas neles a vida quase desaparece de tão corroída por recordações que são só erros e feridas. Beatriz Batarda deixou-se tentar por essa forma de Fugard tratar as feridas familiares e convidou Catarina Lacerda (Ester) e Dinarte Branco ( Johnnie) para o seu primeiro trabalho como encenadora (Teatro da Cornucópia, em Lisboa, até 6 de Junho, depois da estreia em Março no Cartaxo e de uma digressão pelo país que continuará em Julho em Beja e Faro). “Interessam-me estes temas da família, da infantilização dos adultos quando confrontados com feridas antigas e de como perdemos o nosso chão de adultos quando estamos dentro do seio familiar”, expõe Batarda, que diz ter construído o espectáculo “com uma visão próxima da representação”. “A encenação foi muito marcada pelas minhas preocupações enquanto actriz.” Ester é abrupta na sua forma de chegar e de ser. E ainda mais abrupta quando tem à frente o irmão num es- tado de confusão que, por momentos, se confunde com submissão. A força está nela, que o confronta com a verdade e o contagia com o ódio que sempre sentiu e só isso o faz reagir. Ele deambula, perdido na ausência do pai, na indefinição do seu ser, misturando a sua inércia com uma sempre presente vontade de Deus. Ester, “pessoa seca e irónica”, desenvolveu pelo sofrimento formas de se relacionar com o outro “sem se deixar tocar”, descreve a actriz Catarina Lacerda. “No processo de criação, falámos muito da máscara, dos mecanismos de defesa” que ela cria na sua procura “de uma recordação, de algo que a faça olhar para o passado e ver uma motivação para seguir em frente”, continua a actriz. Nesta “viagem turbulenta”, a mais velha dos dois irmãos transforma-se aos olhos do público e dela própria. Quando volta a casa, à procura do dinheiro de uma herança e dessa recordação, muitos anos depois de ter partido, encontra o irmão, Johnnie, “à beira da loucura e do suicídio”, explica, por sua vez, o actor Dinarte Branco. O choque de Johnnie é brutal no seu confronto com sonhos nunca concretizados e com a incapacidade de fazer algo por si próprio depois de toda a vida a cuidar de um pai deficiente. É a irmã que diz a Johnnie quem ele é, que o obriga a encarar que Deus não existe. E que não existindo Deus, não há pretexto, nem desculpa, nem perdão. Os dois actores, como as suas personagens “em estado de vítimas”, carregam uma fatalidade e um passado que os asfixia e, que a Johnnie, paralisa. No desembrulhar de caixas e caixotes, no desfiar de recordações, vislumbra-se uma possibilidade de vida. Nas palavras do irmão, há ironia que provoca o riso, mas não sem dor, e uma leveza momentânea, mas afinal falsa. “É um riso, mas é um riso nervoso, por causa da tensão”, diz Batarda. “E isso é muito interessante no texto.” A escolha da encenadora e dos actores foi “não lhes dar perdão, não acreditar que há redenção”, explica Batarda. “Há um renascer mas um renascer igualmente podre.” Uma esperança quando a luz aponta para uma porta e nos mostra que o beco afinal tem saída? “Uma esperança de sobrevivência mas não de felicidade. Nem de perdão.” Nesta encenação, “há menos pensamentos poéticos sobre a vida”. “Não interessam nada. É teatro e é catarse, e a catarse também se manifesta de forma poética”, diz a encenadora. Retrato psicólogo e social Encorajada a experimentar a encenação por Luís Miguel Cintra e Carlos Aladro que a encenou em “De Homem para Homem”, em 2008, Batarda foi à prateleira onde guarda os “Interessam-me os temas da família, da infantilização dos adultos quando confrontados com feridas antigas e de como perdemos o nosso chão de adultos dentro do seio familiar” Beatriz Batarda textos que gostaria de trabalhar. Desta vez não como actriz, mas como encenadora. E escolheu Fugard por ser um autor de temas que lhe interessam “como a injustiça, a segregação, a exclusão, sempre escritos de maneira muito humana”. Nota: “Fugard, para além de dramaturgo, é encenador e actor, e isso reflecte-se na maneira como escreve. As personagens são construídas de forma concreta do ponto de vista psicológico e comportamental. Mas a peça fala-nos de mais coisas do que de psicologia humana.” No caso de Ester e Johnnie, a mãe é de origem inglesa e o pai afrikaner. No caso de Athol Fugard, nascido e criado, como eles, em condições humildes, em Port Elizabeth na África do Sul, o pai é de origem inglesa e de mãe afrikaner. “O Fugard é os dois, Ester e Johnnie, é aquela divisão.” O texto “é muitíssimo pessoal, adaptado e invertido, mas muito pessoal”, continua Batarda. O texto retrata o empobrecimento dos afrikaners, que imigraram no século XVII com a crença enraizada de que eram o povo eleito numa Terra Prometida, mas que dois séculos depois se confrontam com a chegada e o domínio económico dos ingleses, simbolizado pela expansão dos caminhos-de-ferro, onde trabalhou o pai de Ester e Johnnie e onde sonhou trabalhar Johnnie. Fugard trata nesta peça esse cruzamento que cria “conflitos de identidade grandes”. Além da tensão psicológica e do retrato social, a peça contém “uma forte componente de pensamento filosófico e teológico”, com o questionamento da existência de Deus. “Não há povo eleito coisa nenhuma”, conclui a encenadora. “Os afrikaners estão numa situação de beco sem saída e de crise com a sua fé. Portanto, povo eleito, olá e adeusinho.” MIGUEL MIGUE U L MADEIRA UE no mundo secreto de Athol Fugard Encorajad a experimentar Encorajada a encenação encenaçã por Luís Miguel Cintra e Ca Carlos Aladro, Batarda foi à prate prateleira onde guarda os textos que gostaria de trab trabalhar Passa de actriz a encenadora com uma peça do sul-africano Athol Fugard. “Olá P e Adeusinho” fala de temas que lhe interessam – identidade, a existência ou não de Deus, a diferença entre culpa e responsabilidade. Ana Dias Cordeiro NUNO FERREIRA SANTOS Teatro Beatriz Batarda Rubem Fonseca como nunca o vimos Foi em 1996, quando estava em viagem pelo Brasil, que uma amiga lhe pôs nas mãos “Feliz Ano Novo”, de Rubem Fonseca. O encenador António Augusto Barros recorda esse seu primeiro contacto com a obra do escritor brasileiro: “Foi um livro providencial para mim”, diz. Não descansou enquanto não leu tudo. E enquanto não levou aquelas palavras para cima do palco. Está a acontecer agora: pela primeira vez em Portugal, a obra do escritor brasileiro que venceu o Prémio Camões em 2003, foi transposta para teatro. A Escola da Noite e a Companhia de Teatro de Braga juntaram-se e criaram, a partir de contos do autor, a trilogia “1.José 2.Rubem 3.Fonseca”: um conjunto de três espectáculos sobre os temas da violência, da sexualidade e da solidão. Sempre na cidade. Depois da estreia em Coimbra, no Teatro da Cerca de São Bernardo, a trilogia segue para o Theatro Circo, em Braga, já a partir de amanhã. Em Junho, Rubem Fonseca volta a Coimbra: “José” pode voltar a ser visto a 4 e 5; “Rubem” a 8 e 9, e “Fonseca” a 11 e 12. Com Rubem Fonseca, frisa António Augusto Barros, há um “corte” com o ruralismo na literatura brasileira. Nascem as cidades e os confrontos, com sangue, morte, crueldade. Ninguém é poupado. Diz-se tudo com todas as letras, mostra-se a realidade com todas as suas agruras. Mas há comédia também, apesar da tragédia. As duas fundem-se num humor negro que faz o público rir, mesmo quando há cabeças cortadas. Todos estes temas interessaram à Escola da Noite, de Coimbra, e à Companhia de Teatro de Braga, que voltaram a juntar-se – depois de “Sabina Freire”, em 2009 – para se debruçarem sobre a obra do contista, romancista e ensaísta, sa sta, vencedor e cedo ta também bé do Prémio Juan uan Rulfo. Quanto tempo levaram a descobrir a obra, a seleccionar os contos, ontos, a estudá-los, a pô-los em palco? o? António Augusto Barros até se ri. Uma odisseia. A ideia inicial ial até era faazer um só e s pectáculo, lo, mas o material era de tal forma e acabaram rico que por querer er fazer três. Podem ser er vistos separadamente, e, mas há diálogos entre os três módulos que apenas fazem azem sentido para quem virr a trilogia completa, admite te o encenador. AUGUSTO BAPTISTA Teatro Dois grupos portugueses, a Escola da Noite e a Companhia de Teatro de Braga, juntaramse para montar mais de 20 contos do escritor brasileiro. “1.José 2.Rubem 3.Fonseca” chega amanhã, com toda a sua violência, ao Theatro Circo, em Braga. Maria João Lopes Com Rubem Fonseca emergem as cidades e os confrontos com sangue, morte, crueldade. Ninguém é poupado. Diz-se tudo com todas as letras As personagens de Rubem Fonseca sucedem-se vertiginosamente nesta trilogia Apesar da aventura que foi pegar nestes contos, a encenação acabou por ser uma tarefa facilitada pelo “elenco muito variado” (em que se cruzam os actores das duas companhias) as) e pe pela a “força o ça dos te textos”. to A escrita “veloz” de Rubem FonseF ca, com “uma grande inte intensidade dramática”, revela uma “proximidade grande ao te teatro”. Ao ritmo própri próprio das c i d a d e s gran grandes, os contos c suceem paldem-se co e enchem-no de tal t forma, através das narrativas narr e do corpo das per personaencen gens, que o encenador acabou por optar p por um cenário simples. “A cenografia é essencialista e limpa, a ideia era que joga jogasse ao contrário. A primeira tenta- ção era fazer um espaço urbano, mas assim salta mais a palavra e o jogo dos actores”, explica. Em palco, por vezes há biombos, mas o elemento fundamental é apenas um “estrado”. É nele que tudo se passa: é quarto, consultório de dentista, escritório, cama… homem, em “A Escolha”, que se divide entre uma cadeira de rodas e uma dentadura. É um dos desdentados do universo de Rubem Fonseca. Os po- bres não têm dinheiro para arranjar os dentes. Mas uma das personagens mais marcantes de “José” é o Cobrador (do conto homónimo), um homem que cobra dívidas à sociedade, sobretudo aos que pertencem às classes mais abastadas. Devem-lhe a dignidade, argumenta: “Tão me devendo colégio, namorada, aparelho de som, respeito, sanduíche de mortadela no botequim da rua Vieira Fazenda, gelado, bola de futebol”, diz. Com o Cobrador, sim, há morte e sangue em palco. Como na vida. Ver agenda de espectáculos pág. 38 Conhecer mais Vistos os três espectáculos – cerca de sete horas ao todo –, António Augusto Barros acredita que o espectador fica com “uma paleta da obra” de Rubem Fonseca. Mas sobretudo com vontade de conhecer mais: “Acho que é preciso ser muito insensível para não querer conhecer mais”, diz. De resto, é uma pena que o escritor seja tão pouco conhecido em Portugal: “Falta intercâmbio entre real entre as duas culturas [a portuguesa e a brasileira]”, defende, notando que, em todos os espectáculos, se manteve a maioria das expressões brasileiras. Os temas que marcam o universo de Rubem Fonseca – o dia-a-dia das grandes cidades, a violência física e psicológica, o sexo, a dificuldade de comunicação entre as pessoas, a morte, a indiferença, o crime, a riqueza, o trabalho, a pobreza – cruzam-se nos três espectáculos, ainda que seja possível ver em “José” a violência como fio condutor, em “Rubem” a sexualidade, e em “Fonseca” a solidão. Em “José”, por exemplo, há sangue e morte em vários contos. E, mesmo naqueles em que a violência não se manifesta de forma explícita, como “Agora você” (ou “José e seus irmãos”), ela está lá. É o caso de “Hildete” que, para António Augusto Barros, é “um dos contos mais violentos”. Mesmo sem tiros e facas, fala sobre uma outra violência, cada vez mais visível nas sociedades contemporâneas e mediatizadas: a violência de fabricar e de expor, através de manobras de marketing, a vida das pessoas. Há ainda “Raimundinha”, que não sabe reconhecer os inimigos que se aproveitam da sua ingenuidade. E um Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 35 Dança Ela anda há mais de dez anos a deixarse ir aonde a levam os vídeos de Daniel Blaufuks – e os vídeos de Daniel Blaufuks levaram-na a sair (“Vooum”, de 1999) e a entrar (“No Fly Zone”, de 2000), a sair e a entrar constantemente, como se não houvesse vida onde não há viagem (muito depois disso, em 2007, o Teatro Nacional S. João voltou a olhar para essas peças, juntou-as num ciclo e chamou-lhes “movimentantes”: parecia óbvio). Agora há vida outra vez, em “a praça”, a nova criação de Né Barros que tem hoje estreia na Culturgest, em Lisboa: vida em todos os centímetros da Djemaa El-Fnaa, a praça de carne e osso que Daniel Blaufuks filmou numa cidade mais velha do que o mundo, Marraquexe, e vida em todos os centímetros da praça virtual que a coreógrafa constrói em palco, organizando, desorganizando e reorganizando os corpos dos quatro bailarinos (Ángel Montero Vázquez, Joana Castro, Katja Juliana Geiger e Pedro Rosa), enquanto a banda sonora criada de raiz por Alexandre Soares e Jorge Queijo fala pelo menos tantas línguas quantas as que ouviríamos se andássemos por aí, sem parar, e o mundo inteiro fosse o sítio a que chamamos casa. Casa é isso, diz Né Barros: andar por aí. “‘a praça’ vem na sequência “Estar no meio de uma praça faz-nos ser qualquer coisa. É o tipo de sítio que está sempre preparado para que algo aconteça” Né Barros dos outros trabalhos que eu fiz com o Daniel Blaufuks, muito centrados na ideia da viagem, da paisagem, do humano enquanto paisagem, do nomadismo vivido quase como condição e motor existencial”, explica. Tal como os movimentantes que habitavam as suas criações anteriores, e que agora regressam, a praça onde tudo isto se passa é um lugar ambulante: “[Atravessar uma praça] não é como atravessar uma rua (...). Quando estamos na praça deambulamos. Derivamos (...). Representamos também”, escreveu a coreógrafa no programa que acompanha a peça. Viu vários vídeos de Daniel Blaufuks antes de fazer “pause” a estes, e de querer ficar por ali, na Djemaa El-Fna, a praça das praças, entre marroquinas às compras, turistas de máquina fotográfica, cegos vindos dos relatos de Elias Canetti, contadores de histórias, encantadores de serpentes, cozinheiros de branco, miúdos da escola, no ponto exacto onde o Ocidente se passa para o lado de lá, explica ao Ípsilon: “É uma praça muito particular, porque tem uma diversidade cultural extremamente evidente. Há marcas muito evidentes das diferenças culturais nestas imagens. Havia outras hipóteses, outras imagens que o Daniel tinha feito na Índia, ou em Nova Iorque, mas todas essas outras viagens, acabam por estar ali”. A praça é a própria viagem. Barulhos de fundo Também houve outra coisa que se tornou evidente à medida que a praça ganhou vida, nos ensaios: a praça, enquanto lugar de representação social, é uma metáfora do palco (ou então é o palco que é uma metáfora da praça, de qualquer praça). “Estar no meio de uma praça faz-nos ser qualquer coisa. É o tipo de sítio que está sempre preparado para que algo aconteça. Exactamente como um pal- co. O [filósofo francês] Michel Serres fala disso, da praça como um corpo nu, à espera de ser construído”, sublinha Né Barros. Depois de ter visto as imagens da praça, repetidamente, trabalhou sozinha em cima delas. Mais do que um cenário, o vídeo de Daniel Blaufuks é de certa forma o coração do espectáculo: “O vídeo interessou-me por esse lado mais abstracto da praça como sítio onde tudo está em potência, mas também pelo concreto do que lá se passa – aquela passagem incessante, aquela frequência, aquela afluência sem objectivo”. Há elementos disso no espectáculo – Né Barros andou sozinha pelas ruas do Porto, a fotografar bandos de pássaros, porque eles são como a multidão da Djemaa El-Fnaa: às vezes parecem coreografados – e cenas que funcionam quase como uma extensão ou um contraponto das narrativas sugeridas pelo vídeo, ainda que “a praça” não pretenda ser um duplo da Djemaa El-Fna. Podemos imaginar “mil histórias” para toda aquela gente, e ela imaginou algumas: a história da banda decadente, por exemplo, que criou para que o grupo de turistas amontoado dentro do vídeo tivesse um espelho ao qual se pudesse olhar. Podemos imaginar “mil histórias”, dizíamos, mas não podemos fixar-nos em nenhuma. “a praça” está viva, e vai em todas as direcções ao mesmo tempo. Tudo o que vemos são barulhos de fundo: pessoas de passagem, conversas apanhadas a meio, noutras línguas, mundos paralelos. “As personagens falam, mas não dizem nada. São só vozes. Um dos livros de que chegámos a falar foi ‘As Vozes de Marraquexe’, do Elias Canetti”, nota Né Barros. Há uma parte nesse livro, mesmo antes de acabar, em que Canetti conta como “ao anoitecer” se punha a caminho da Djemaa El-Fna à procura de “uma pequena trouxa castanha” que emitia “um ‘a-a-a-a-a-a-a’ profundo, contínuo”, perceptível “entre as mil vozes e gritos da praça”: “Nunca a via apanhar as moedas que lhe atiravam. Poucas, porque nunca lá estavam mais de duas ou três. Talvez não tivesse braços para apanhar as moedas. Talvez não tivesse língua para dizer todos os sons de ‘Alá’, reduzindo o nome de Deus a ‘a-a-a-a-a-a-a’! Mas vivia, e com total entrega e perseverança dizia o único som que podia dizer, e dizia-o durante horas e horas, até se tornar o único de todo aquele imenso lugar, o som que, afinal, sobrevivia a todos os outros”. A-a-a-a-a-a-a. Se escutarmos com atenção, também o ouvimos aqui. Podemos imaginar mil histórias para toda a gente que se cruza na Djemaa ElFna, mas não podemos fixar-nos em nenhuma: são barulhos de fundo, conversas apanhadas a meio Ver agenda de espectáculos pág. 38. A praça está viva Né Barros deixou-se ir até Marraquexe nos vídeos de Daniel Blaufuks e fez “pause” à Djemaa El-Fna, a praça das praças. É o tipo de sítio onde tudo pode acontecer - exactamente como esta peça, com estreia hoje em Lisboa, na Culturgest. Inês Nadais 36 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon The Divine Comedy Ninguém faz Neil Hannon melhor que Neil Hannon. Eis “Bang Goes The Knighthood” Pág. 52 Mathias Énard The National O problema é quando “High Violet” acaba: volta-se à vida. Pág. 52 Escreveu “Zona”, uma epopeia contemporânea. Cabe tudo numa viagem nocturna de comboio. Pág. 46 “Líbano” Um “tour de force”, a guerra na primeira pessoa. Pág. 42 13ª edição Termina em 15 de Maio o prazo para a recepção das obras destinadas à 13ª edição do Prémio Literário Fernando Namora. A este prémio no valor de 25 mil euros, podem concorrer autores portugueses, individualmente, através das editoras ou de outras entidades. Mais informações www.casino-estoril.pt Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 37 Teatro/Dança 38 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente Antestreia A estreia oficial é no dia 21, em Lisboa, no Centro Cultural de Belém, mas até lá os Artistas Unidos vão andar a ap apresentar o seu novo espectáculo, dupl dupla investida em H Ha rold Pinte Harold Pinter, um pouco por todo o país. Dep Depois de uma p imei pr primeira apresentação ontem, “Comemoração” e “A Nova Ordem Mundial” regressam hoje, às 21h45, ao palco do Teatro Aveirense, de onde seguem para o Teatro Municipal da Guarda (quinta-feira, dia 13, às 21h30) e para o Teatro da Terra, em Ponte de Sôr (sexta-feira, dia 14, e sábado, dia 15, às 21h30). “Comemoração” é a última Depois do absurdo de Beckett, o absurdo de Ionesco na temporada da Comuna peça que o dramaturgo britânico, Nobel da Literatura em 2005, escreveu - uma guerra de palavras que anuncia o capitalismo maiz feroz, possivelmente a “Nova Ordem Mundial” que dá título à peça curta com que os Artistas Unidos sita encerram esta nova visita a Harold Pinter. Agenda Teatro Estreiam Keskusteluja De e com Ville Walo, Kalle Hakkarainen. Lisboa. Teatro Municipal Maria Matos. Av. Frei Miguel Contreiras, 52. De 07/05 a 08/05. 6ª e Sáb. às 21h30. Tel.: 218438801. 5€ a 12€. FIMFA LX10 - Festival Internacional de Marionetas e Formas Animadas. Ver texto na pág. 32 e segs. Continuam Olá e Adeusinho De Athol Fugard. Encenação de Beatriz Batarda. Com Catarina Lacerda e Dinarte Branco. Nós somos o rei Um clássico do absurdo na Comuna, “O Rei Está a Morrer, de Ionesco, sobre a maior certeza da vida: a morte. Clara Campanilho Barradas O Rei Está a Morrer De Eugène Ionesco. Encenação: João Mota. Com Carlos Paulo, Ana Lúcia Palminha, Tânia Alves, Rui Neto, Alexandre Lopes, Mia Farr. Lisboa. Teatro da Comuna. Pç. Espanha. Até 27/06. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 217221770. 5€. O título já dá uma ideia. Mas, nos primeiros momentos da peça, a dúvida, se a houver, logo se dissipa. Somos informados – e o próprio também – de que, dentro de hora e meia, Bérenger, o rei, estará morto. É o absurdo de um mestre do Teatro do Absurdo, em cena na Comuna – Teatro de Pesquisa, até 27 de Junho. O essencial de “O Rei está a morrer”, do romeno Eugène Ionesco (1909-1994), é “a angústia da morte, o pavor da morte”, resume João Mota, o encenador. O Rei Bérenger – ditador, autoritário, arrogante – chefia um reino decadente. A sua hora aproxima-se. A primeira rainha, Margarida, confronta-o com a sua inevitável morte, que ele não quer aceitar. A segunda rainha, Maria, também não aceita. O médico garante que já nada há a fazer. É inevitável, o rei vai mesmo morrer. Ele é ditador, mas “a grande ditadora é a morte”. Para João Mota, este rei representa todos nós. “Há um lado na peça de que eu gosto muito: cada um de nós é rei do seu reino. E quando morremos, o mundo acaba. E nós esquecemos isso durante a vida. Fala-se pouco sobre a morte”. É “difícil passar para o outro lado”, por isso, temos de saber encarar o facto de que vamos morrer: “O Rei diz uma frase que eu acho genial: ‘Porque é que eu nasci, se foi para morrer? Malditos pais.’ É uma frase horrível”, e portanto “é bom saber viver com alegria, com energia, para poder passar a ponte”, diz o encenador. O próprio Ionesco tinha pavor da morte. “Todos nós temos, em parte. Mas nunca pensamos nela. Por isso é que vivemos erradamente. Se convivêssemos melhor com a morte, éramos todos muito mais felizes”. As duas rainhas são dois lados da mesma moeda. O rei Bérenger “é bígamo. Tem duas mulheres: a morte e a vida”. É a primeira vez que João Mota se aventura pelos textos de Ionesco. “Este ano, abrimos com Samuel Beckett, numa encenação do Álvaro Correia [“A Felicidade, Amanhã...”]. Ora, se fizemos um mestre do absurdo, Beckett, tínhamos de fazer também o outro, o Ionesco”. Beckett e Ionesco (“eu gosto muito dos dois”, diz Mota) “têm sempre um lado cómico, eles são todo o absurdo. Quase que podemos dizer que [esta peça] é uma comédia. Trágica, mas é uma comédia”, diz Mota. A encenação – ao contrário das indicações típicas na dramaturgia de Ionesco – é despida, leve. “Foi para que cada espectador se sinta com aquele problema. Para pensar como é que a gente acorda amanhã, porque é que a gente vive”, justifica o encenador. “Valoriza o texto e o que está por trás dele. Penso que se o Ionesco visse este espectáculo, gostava!”. As pessoas não se levantam, no final da peça. “Ficam paradas, até falam baixinho. É preciso dizer: ‘pronto, acabou’. Gosto do silêncio que fica, é sinal de que a pessoa interiorizou coisas que eu penso que são muito importantes”, conta João Mota. “O Rei Está a Morrer” é “uma peça que dá para pensar muito”. Como Bérenger, “todos nós somos bígamos”. “Relativamente” chega às Caldas da Rainha na encenação de João Lagarto Lisboa. Teatro do Bairro Alto. R. Tenente Raul Cascais, 1 A. Até 06/05. 3ª a Sáb. às 21h. Dom. às 16h. Tel.: 213961515. 7,5€ a 15€. Ver texto na pág. 34. José. Rubem. Fonseca. A partir de Rubem Fonseca. Pela CTB - Companhia de Teatro de Braga e Escola da Noite. Encenação de António Augusto Barros. Com António Jorge, Carlos Feio, Igor Lebreaud, Rogério Boane, Solange Sá, entre outros. Braga. Theatro Circo - Pequeno Auditório. Av. da Liberdade, 697. De 8/05 a 22/05. 3ª a Dom. às 21h30. Tel.: 253203800. 5€ a 10€. Ver texto na pág. 35. Salto.Lamento Lisboa. Museu da Marioneta. R. da Esperança, 146 - Convento das Bernardas. Até 07/05. 5ª e 6ª às 21h30. Tel.: 213942810. FIMFA Lx10 - Festival Internacional de Marionetas e Formas Animadas. Ver texto na pág. 32 e segs. Paisagens em Trânsito De e com Patrick Murys. Lisboa. Museu da Marioneta. R. da Esperança, 146 - Convento das Bernardas. Dia 12/05. 4ª às 21h30. Tel.: 213942810. FIMFA LX10 - Festival Internacional de Marionetas e Formas Animadas. Wonderland Companhia de Teatro de Braga. Encenação de Joaquim Benite. Com André Silva, Luís Vicente, Mário Spencer, entre outros. Almada. Teatro Municipal. Av. Professor Egas Moniz. Até 16/05. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 212739360. 6€ a 13€. Jardim Suspenso De Abel Neves. Encenação: Alfredo Brissos. Com Carla Chambel, Simone de Oliveira, entre outros. Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II - Sala-Estúdio. Pç. D. Pedro IV. Até 30/05. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h45. Dom. às 16h15. Tel.: 213250835. 12€. Foder e Ir às Compras De Mark Ravenhill. Encenação de Gonçalo Amorim. Com Pedro Carmo, Carla Maciel, Carloto Cotta, Pedro Gil, Romeu Costa. Lisboa. Teatro Municipal de S. Luiz. R. Antº Maria Cardoso, 38-58. Até 09/05. 4ª a Sáb. às 21h. Dom. às 17h30. Tel.: 213257650. 15€. A Rainha da Beleza de Leenane De Martin McDonagh. Pelo Teatro Meridional. Encenação de Nuria Mencía. Com Almeno Gonçalves, Elisa Lisboa, José Mata, Natália Luíza. Lisboa. Teatro Meridional. R. do Açucar, 64 - Poço do Bispo. Até 30/05. 4ª a Sáb. às 21h45. Dom. às 17h. Tel.: 218689245. Miserere A partir de Gil Vicente. Pelo Teatro da Cornucópia. Encenação de Luis Miguel Cintra. Com João Grosso, José Airosa, Luis Miguel Cintra, Rita Blanco, entre outros. Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II - Sala Garrett. Pç. D. Pedro IV. Até 23/05. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 213250835. Relativamente De Alan Ayckbourn. Encenação de João Lagarto. Com António Pedro Cerdeira, Isabel Montellano, João Lagarto, Patrícia Tavares. Caldas da Rainha. Centro Cultural e Congressos. R. Doutor Leonel Sotto Mayor. De 07/05 a 08/05. 6ª e Sáb. às 21h30. Tel.: 262889650. 12,5€. O Vampiro de Belgrado De Gonçalo M. Tavares. Pelo Teatro Bruto. Encenação de Miguel Cabral. Com Isabel Nunes, Pedro Mendonça. Porto. Fundação Escultor José Rodrigues. R. da Fábrica Social. Até 22/05. 5ª a Sáb. às 22h. Tel.: 220109020. 5€ a 7€. Dança Estreiam A partir de Lewis Carroll. Pelo Teatro de Marionetas do Porto. Encenação de João Paulo Seara Cardoso. Com Edgard Fernandes, Sara Henriques, Sérgio Rolo, Shirley Resende. Lisboa. Teatro Municipal Maria Matos. Av. Frei Miguel Contreiras, 52. De 11/05 a 12/05. 3ª e 4ª às 21h30. Tel.: 218438801. 5€ a 12€. FIMFA LX10 - Festival Internacional de Marionetas e Formas Animadas. Agora a Sério De Tom Stoppard. Encenação: Pedro Mexia. Com Ana Brandão, João Reis, São José Correia, entre outros. Lisboa. Teatro Aberto - Sala Azul. Pç. Espanha. Até 31/12. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 213880089. 7,5€ a 15€. Troilo & Créssida De Shakespeare. Pela Companhia de Teatro de Almada, ACTA, A Praça De Né Barros. Com Ángel Montero Vázquez, Joana Castro, Katja Juliana Geiger, Pedro Rosa. Alexandre Soares, Jorge Queijo. Lisboa. Culturgest. R. Arco do Cego - Edifício da CGD. De 07/05 a 08/05. 6ª e Sáb. às 21h30. Tel.: 217905155. 5€ a 18€. Ver texto na pág. 36. Local Geographic De Rui Horta. Lisboa. CCB - Sala de Ensaio. Praça do Império. De 11/05 a 16/05. 3ª a 6ª às 21h (excepto à 5ª). Sáb. e Dom. às 19h. Tel.: 213612400. 12€. Béjart Ballet Lausanne Lisboa. Coliseu dos Recreios. R. Portas St. Antão, 96. De 13/05 a 16/05. 5ª e 6ª às 21h30. Sáb. às 16h30 e 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 213240580. 25€ a 47€. “Local Geographic”, de Rui Horta Design português português Os prodígios do Uno Uma exposição alquímica de Raquel Feliciano. Óscar Faria Matéria Prima De Raquel Feliciano. Porto. Tabacaria. Rua Pinto Bessa, 170, r/c traseiras, 122 armazém 4/5. Tel.: 220938372. Até 22/05. 3ª a Sáb. das 14h às 20h. Fotografia. Escultura. mmmmn No antigo Egipto, um dos elementos constituintes do humano era o “ba”, que pode ser traduzido pela palavra “alma” – ao corpo, no momento da sua modelação pelo deus khnum na sua roda de oleiro, unia-se uma outra substância, o “ka”, uma designação para a energia vital de um ser. Depois da morte, o “ka”, representado por uns braços erguidos na direcção do céu, e o “ba”, figurado por um falcão com cabeça humana, unem-se no “akh”, uma força luminosa. A crença na vida além da morte era acompanhada pela deposição de estatuetas junto da múmia: estas deviam ser alimentadas pelos vivos através de oferendas. E, enquanto o “ka” habitava o defunto, o “ba” abandonava o corpo no momento da sua extinção, tendo então a possibilidade de revisitar os lugares conhecidos pelo morto ou de viajar até às estrelas; contudo, à noite, o “ba” entregava ao “ka” a energia acumulada nas dádivas entregues nesse dia pelos vivos. Em “Matéria Prima”, Raquel Feliciano (Caldas da Rainha, 1983) Depois de países como a Finlândia, o Brasil e o Japão, Portugal é finalmente o país-tema do Destination: Design Series, um projecto do MoMA (Museum of Modern Art) que tem vindo a fazer uma cartografia das tendências actuais do design em vários países do mundo. A partir de dia 13, e até ao final de Junho, estarão à venda na loja do MoMA, em Nova Iorque, diversos produtos de designers portugueses - incluindo estes “Montaditos” de António Azevedo, entre outros objectos que revisitam revela um trabalho intitulado precisamente “ba”, uma fotografia em que se observa uma “alma” desfocada – a imagem foi captada na secção de antiguidades egípcias de um museu. A evocação dos elementos primordiais é uma constante da exposição: há uma espécie de alquimia que atravessa os trabalhos apresentados; a transmutação operada durante o processo fotográfico pode ser mesmo lida como uma metáfora para essa vontade de encontrar a pedra filosofal. As imagens visíveis na Tabacaria – um dos novos espaços situados nas imediações da Estação de Campanhã, no Porto – são todas provas de brometo de prata em papel baritado, uma escolha que acentua essa proximidade a uma essência para além do real. A exposição organiza-se sobretudo através de fotografias que nos indicam essa proximidade à natureza. A primeira imagem intitula-se “chama” e o díptico que se lhe segue “a guia” – na verdade, estes instantâneos mostram uma águia nos seus movimentos ascendente e descendente, compondo-se assim uma trajectória virtual; um eco deste voo pode ser lido em dois outros trabalhos, “descida (nascente)” e “subida (recomeço)”, que traduzem igualmente uma reflexão acerca da paisagem. A água, a terra, o fogo e o ar atravessam estas obras, recordando uma síntese realizada por Empédocles de Agrigento: para este filósofo pré-socrático, o nascer e o morrer não existiam, porque eram apenas instantes de junção ou separação das quatro substâncias que estão na origem de todas as outras. Um objecto, uma caixa em as artes e os ofícios de gerações passadas, como acessórios de moda em cortiça e jóias contemporâneas de filigrana. Em Portugal, será a Loja de Serralves, parceira da MoMA Design Store neste projecto, a comercializar a colecção. madeira com imagens de diversas proveniências – “O Nascimento de Vénus”, de Sandro Botticelli, uma estátua renascentista de um Mercúrio alado da autoria de Giambologna, uma fotografia da lua, um fragmento de uma gravura de um sol, um escultura do deus Ares, etc. –, dá outras pistas relativamente à dimensão alquímica da mostra. Para além de o trabalho ser elaborado a partir construção geométrica do rectângulo de ouro, nele dá-se corpo à máxima “ce qui est en haut est comme ce qui est en bas.” A frase faz parte da “Tábua de Esmeralda” (“Tabula Smaragdina”), atribuída a Hermes Trismegisto, cuja representação mística era associada a um faraó lendário – a actual datação do texto é situada entre os séculos VI e VIII d.C., sendo o “três vezes altíssimo” uma combinação helenística dos deuses Hermes (Grécia) e Thot (Egipto). “Na verdade, na verdade, sem dúvidas e incertezas:/ o que está em baixo assemelha-se ao que está em cima, e o que está em cima ao que está em baixo, para realizar os prodígios do Uno./ E como todas as coisas emanam do Uno, da meditação do Uno, assim também todas as coisas nasceram desse Uno por adaptação. / O Sol é o pai, a Lua a mãe; o Vento transportou-o no seu ventre e a Terra é a sua ama”, lê-se na “Tábua de Esmeralda.” A exposição, com uma montagem rigorosa, espelha esta unidade. Dois exemplos: “seca/ húmida” – areia e água, em permanentes trocas, definem a imagem de um mundo gerado pela “força de todas as forças” – e “rotação da terra”, uma escultura apresentada recentemente no Museu Geológico, em Lisboa, que põe tudo a funcionar à sua volta. É o motor da mostra. ADRIANO MIRANDA Exposições aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente As imagens de “Matéria Prima”, provas de brometo de prata em papel baritado, acentuam a proximidade a uma essência para além do real O paraíso à mão de semear Escultura e desenho de Gabriela Albergaria no Pavilhão Branco. Luísa Soares de Oliveira Térmico De Gabriela Albergaria. Lisboa. Museu da Cidade de Lisboa. Campo Grande, 245. Tel.: 217513200. Até 13/06. 3ª a Dom. das 10h às 18h. Desenho, Escultura. mmmmn O Pavilhão Branco, estrutura moderna inserida nos jardins barrocos e românticos do conjunto do Museu da Cidade, é decerto um dos lugares ideais para uma artista como Gabriela Albergaria realizar uma exposição. A escultora, que tem dividido a sua actividade entre Lisboa e Berlim, elege como tema da sua obra a reflexão sobre o jardim: simultaneamente microcosmo (porque concentra dentro dos seus limites um número vasto de espécies), museu (porque as cataloga, classifica e expõe), e espelho, já que em teoria se propõe revelar a essência de um eu supostamente afastado da sua verdadeira natureza pelas vicissitudes da vida contemporânea. Longe da paisagem romântica, que é sempre considerada como a representação da natureza indomável, o jardim concretiza o espaço da natureza à escala do humano. Mesmo quando, nos tempos medievais, ele pretendia traduzir uma representação possível do paraíso celeste. Daqui decorre que a concepção do jardim, como os diversos significados que lhe atribuímos, é ideológica e estritamente dependente de dado contexto histórico, económico ou social. Gabriela Albergaria sabe-o. E nesta exposição, como noutras que já realizou, estabelece pontes visuais entre a natureza e a cultura, entre o espaço exterior, domado e civilizado pelo homem, e a força da natureza que irrompe nas peças expostas. No rés-do-chão estão duas esculturas de realização muito recente. A primeira é uma árvore trazida para uma das salas, ocupando invasoramente quase todo o espaço disponível. O caule, no lugar do corte, ostenta uma ponta de metal que justifica o nome: “Árvore com parafuso”. A peça invoca a impossível hipótese do retorno à terra, a mesma que se Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 39 Exposições aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente “Nenhum Lugar”, de André Príncipe, na Galeria Arthobler, Porto Ana Hatherly encontra-se com Manuel Poppe na Arte Contempo amontoa, por camadas, na segunda escultura, “couche sourde”: um corte de terra de estufa interrompido por camadas de plantas que, desde a inauguração da exposição, germinam teimosamente. Esta peça, que convoca o objecto minimalista pela rudeza do material, as dimensões importantes e o modo como interfere eficazmente no espaço, é aquela que mais surpreende em toda a exposição e melhor interpela o pensamento do visitante. No piso superior situam-se desenhos mais antigos. O desenho de Gabriela Albergaria apropria-se sempre do traço clássico, mas insere-o numa exploração da folha de papel que se confunde com a ocupção do espaço que as suas esculturas realizam. Num destes desenhos, intitulado “Un jardin à ma façon”, os signos que figuram rochas, folhas, árvores e arbustos decantam-se progressivamente para se transformarem numa quadrícula evocadora de um revestimento arquitectónico, que Gabriela Albergaria elegeu como tema da sua obra a reflexão sobre o jardim termina, decerto não por acaso, numa das janelas de tijolo de vidro do edifício. Este, que funciona como uma estufa, permite a migração do olhar entre o interior e o exterior, entre a natureza domesticada para gozo de uns e a arte que reflecte sobre esse processo para estímulo de outros. Assim, os jardins de Gabriela Albergaria são sempre produto de contaminações entre a natureza e o espaço da arte. Contaminações essas que sempre existiram, mas que também quase sempre estiveram ocultas debaixo de um discurso histórico que as justificava e ocultava: o jardim, esse lugar de deleite e encontro com a verdadeira essência do homem de que falávamos no início, foi sempre a tradução de uma apropriação que confortava e tranquilizava. Ele não é o lugar do selvagem, do desconhecido, do Outro que nos pode destruir; ou, visto de modo diverso, não é a rua urbana onde se manifesta a mudança política e social. Oásis e paraíso: na sua diversidade e mesmo na aclimatação de espécies exóticas, este é o local onde se encontram refúgio e tranquilidade. Tudo o que a arte já deu, e hoje não pode de maneira nenhuma dar. Gabriela Albergaria merecia ser melhor conhecida em Portugal. Steffan Brüggemann na Kunsthalle Lissabon Agenda Inauguram Cornelius Cardew e a Liberdade da Escuta De Hanne Boenisch, Luke Fowler, Nicolas Tilly, Lore Gablier. Porto. Culturgest. Avenida dos Aliados, 104 Edifício da CGD. Tel.: 222098116. De 08/05 a 26/06. 2ª a 6ª e Sáb. das 10h às 18h. Inaugura 8/5 às 16h. Vídeo, Fotografia, Outros. Escultura, Outros. Sem Rede De Joana Vasconcelos. Lisboa. Museu Colecção Berardo. Praça do Império. Tel.: 213612878. Até 18/05. Sáb. das 10h às 22h. 2ª a 6ª, Dom. e Feriados das 10h às 19h. Instalação, Outros. Ver texto na pág. 20 e segs. Sub Rosa De Nuno Ramalho. Correspondência #2 De Ana Hatherly, António Poppe. Porto. Espaço Fundação. R. do Bonjardim, 951. Tel.: 919059992. De 30/04 a 29/05. Sáb. das 16h às 20h. Lisboa. Arte Contempo. Rua dos Navegantes, 46A. Tel.: 213958006. Até 12/06. 5ª a Sáb. das 14h30 às 19h30. Inaugura 7/5 às 19h. Desenho, Outros. Desenho. Recanto do Oceano Memória é uma Ilha de Edição De Sérgio Fernandes. Lisboa. Galeria Arte Periférica. Praça do Império Centro Cultural de Belém, Loja 3. Tel.: 213617100. Até 03/06. 2ª a 6ª, Sáb. e Dom. das 10h às 20h. Inaugura 8/5 às 15h30. Pintura. Espelho (Meu) De Catarina Saraiva. Lisboa. Módulo - Centro Difusor de Arte. Calçada dos Mestres, 34A/B. Tel.: 213885570. Até 05/06. 3ª a 6ª e Sáb. das 15h às 20h. Inaugura 8/5 às 18h. Instalação, Outros. De Luís Viegas Belchior, Colecção Alcídia. Dentro Do Labirinto - Pierre Coulibeuf De Pierre Coulibeuf. Porto. Centro Português de Fotografia. Campo Mártires da Pátria. Tel.: 222076310. De 02/05 a 22/05. 2ª a 6ª das 10h às 18h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 19h. Lisboa. Museu Colecção Berardo. Praça do Império. Tel.: 213612878. Até 21/06. Sáb. das 10h às 22h. 2ª a 6ª, Dom. e Feriados das 10h às 19h. Instalação, Outros. Inaugura 10/5 às 19h30. Continuam 41º 52’ 59’’ Latitude N / 8º 51’ 12’’ Longitude O De Jorge Barbi. Lisboa. Centro de Arte Moderna - José de Azeredo Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.: 217823474 . De 06/05 a 11/07. 3ª a Dom. das 10h às 18h. Fotografia. Sussuro De Henrique Silva. Porto. Centro Português de Fotografia. Campo Mártires da Pátria. Tel.: 222076310. De 02/05 a 25/07. 2ª a 6ª das 10h às 18h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 19h. Fotografia. Mystic Diver De Catarina Dias. Lisboa. Museu da Cidade de Lisboa - Pavilhão Preto. Campo Grande, 245. Tel.: 217513200. Até 13/06. 3ª a Dom. das 10h às 18h. Fotografia, Outros. Desenho, Performance, Objectos, Outros. A Matéria Negra da Luz dos Media De Dara Birnbaum. O Ofício de Viver De Daniel Blaufuks. Porto. Museu de Serralves. Rua Dom João de Castro, 210. Tel.: 226156500. Até 04/07. 3ª a 6ª das 10h às 17h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 20h. Lisboa. Carlos Carvalho - Arte Contemporânea. Rua Joly Braga Santos, Lote F - r/c. Tel.: 217261831. Até 15/05. 2ª a 6ª das 10h30 às 19h30. Sáb. das 12h às 19h30. Vídeo, Outros. Fotografia, Vídeo. O Dia Pela Noite De Gabriel Abrantes, Vasco Araújo, Pedro Barateiro, João Pedro Vale, entre outros. Viagem Ao Meio De Alexandre Estrela. Lisboa. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique, Armazém A. Tel.: 218820890. Até 26/02. 5ª a Sáb. das 23h às 06h. Video, Outros. Instalação, Outros. This Is My Condition De Ryan McGinley, Ryan McNamara, Ryan Trecartin, Slater Bradley, Jack Pierson. Lisboa. Galeria Filomena Soares. Rua da Manutenção, 80. Tel.: 218624122. Até 11/09. 3ª a Sáb. das 10h às 20h. Pintura, Vídeo, Instalação, Fotografia, Escultura, Outros. Show Titles De Stefan Brüggemann. Lisboa. Kunsthalle Lissabon. R. Rosa Araújo, 7-9. Tel.: 918156919. Até 06/06. 5ª, 6ª e Sáb. das 15h às 19h. Instalação. Lourdes Castro e Manuel Zimbro: A Luz da Sombra Porto. Museu de Serralves. Rua Dom João de Castro, 40 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon 210. Tel.: 226156500. Até 13/06. 3ª a 6ª das 10h às 17h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 22h. Lisboa. Galeria Zé dos Bois. Rua da Barroca, 59 Bairro Alto. Tel.: 213430205. Até 29/05. 4ª a Sáb. das 15h às 23h. Em Nenhum Lugar De André Silva. Porto. Galeria Arthobler. R. Miguel Bombarda, 624. Tel.: 226084448. De 17/04 a 17/05. 3ª a Sáb. das 15h às 19h30. Pintura, Desenho, Instalação, Escultura. The Absent Space De José María Yturralde. Braga. Galeria Mário Sequeira - Parada de Tibães. Quinta da Igreja (Parada de Tibães). Tel.: 253602550. Até 29/05. 2ª a 6ª das 13h às 19h. Sáb. das 15h às 19h. Pintura. Soft Theraphy De Santiago Villanueva. Braga. Galeria Mário Sequeira - Parada de Tibães. Quinta da Igreja (Parada de Tibães). Tel.: 253602550. Até 29/05. 2ª a 6ª das 13h às 19h. Sáb. das 15h às 19h. Escultura, Outros. Cinema aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente Merecidíssimo Leão de Ouro em Veneza 2009, é uma experiência cinemática de cortar o fôlego Estreiam Sentir a guerra Um extraordinário “tourde-force” que, mais do que mostrar a guerra, faznos sentir a guerra. Jorge Mourinha Líbano Lebanon De Samuel Maoz, com Yoav Donat, Itay Tiran, Oshri Cohen. M/16 MMMMn Lisboa: CinemaCity Campo Pequeno Praça de Touros: Sala 7: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 14h05, 16h20, 19h15, 21h45, 00h15 Sábado Domingo 12h, 14h05, 16h20, 18h30, 21h45, 00h15; CinemaCity Classic Alvalade: Sala 3: 5ª 2ª 3ª 4ª 13h50, 15h45, 17h40, 19h35, 21h30 6ª 13h50, 15h45, 17h40, 19h35, 21h30, 00h10 Sábado 11h50, 13h50, 15h45, 17h40, 19h35, 21h30, 00h10 Domingo 11h50, 13h50, 15h45, 17h40, 19h35, 21h30; Medeia Monumental: Sala 4 - Cine Teatro: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h, 18h, 20h, 22h, 00h30; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 5: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h35, 00h20 Domingo 11h30, 14h, 16h30, 19h, 21h35, 00h20; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h40, 19h, 22h, 00h15; Porto: Arrábida 20: Sala 14: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h30, 16h55, 19h25, 21h50, 00h15 3ª 4ª 16h55, 19h25, 21h50, 00h15; série ípsilon II Sexta-feira, dia 14 de Maio, o DVD “A Estação”, de Thomas McCarthy Todas as sextas, por €1,95. 20 anos Vamos, por um momento, esquecer que “Líbano” se passa dentro de um tanque israelita durante a primeira invasão do Líbano em Junho de 1982. É difícil, sabemos, até porque Samuel Maoz nunca escamoteou que o filme se inspira nas suas experiências como artilheiro num tanque de guerra, e porque sempre que as palavras “Médio Oriente” vêm ao de cima há uma imagem que se instala para nunca mais sair. Mas a verdade é que o filme de Maoz não é tanto sobre o Líbano (ou sobre o estado constantemente “em guerra” de Israel) como é sobre a guerra, “tout court”, e sobre o modo como o homem a vive (ou aprende a vivê-la). Para isso, o cineasta arrisca um “tour de force” na corda bamba, tanto mais arriscado quanto estamos a falar de um primeiro filme: fazer o espectador sentir a guerra na primeira pessoa, restringi-lo ao espaço confinado de um tanque, fechá-lo durante hora e meia com os quatro homens da tripulação e com o modo como cada um deles enfrenta a sua primeira experiência de combate e descobre algo sobre si próprio no processo. E ganha a aposta em toda a linha. Muito se tem falado sobre o “voyeurismo” ou o “mau gosto” de algumas cenas vistas através do “periscópio” do tanque, mais violentas ou desconfortáveis, com a mira telescópica a deixar no campo tanto quanto fica de fora. Mas o que Maoz está a fazer é apenas reduzir a experiência da guerra, mesmo que mediada por um dispositivo tão cinemático como este (o periscópio é, literalmente, a lente da câmara, o olho que vê sem conseguir parar de ver), à sua essência urgente, à necessidade de decidir agora, já, imediatamente, sucumbindo ou resistindo ao instinto primal de sobrevivência, tornando tangível o conflito entre a moral e o instinto. Como quem diz: é demasiado fácil olhar para as coisas de fora, portanto venham vê-las de dentro. Fechados num esquife de metal onde só se mata ou se morre. Sem heroísmos hollywoodianos nem finais felizes de filme de guerra, “Líbano” dá corpo aos suores frios, ao cheiro a pólvora e metal e sangue de um modo que raros filmes conseguiram fazer. Merecidíssimo Leão de Ouro em Veneza 2009, é uma experiência cinemática de cortar o fôlego que pode e deve ser lida como complemento ao excelente e Oscarizado “Estado de Guerra” (2008) de Kathryn Bigelow. E bem merecia um programa duplo com a “Valsa com Bashir” de Ari Folman (2008) ou com o (inédito por cá) “Z32” de Avi Mograbi (2008), para perceber como o cinema israelita já é capaz de olhar para os seus conflitos de modos muito diferentes e igualmente estimulantes. Tanto sentimento! Será que Andrew e Ben vão mesmo filmar-se num porno gay? Isso, em “Humpday”, é como o “McGuffin” de Hitchcock: está ali para distrair. Vasco Câmara Humpday - Deu para o torto Humpday De Lynn Shelton, com Mark Duplass, Joshua Leonard, Alycia Delmore. M/16 MMMnn Lisboa: Castello Lopes - Londres: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30 6ª Sábado 14h, 16h30, 19h, 21h30, 24h; Medeia Monumental: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h30, 17h30, 19h30, 21h30, 24h; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 2: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h40, 19h05, 21h45, 00h20 Domingo 11h30, 14h15, 16h40, 19h05, 21h45, 00h20; Porto: Arrábida 20: Sala 11: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h15, 16h45, 19h05, 21h30, 00h10 3ª 4ª 16h45, 19h05, 21h30, 00h10; Se alguém, por facilidade, resumir “Humpday” a “uma história de dois amigos heterossexuais que resolvem participar num filme porno gay”, o filme que se “vê” (com a ajuda da tradução portuguesa: “Deu para o torto”) será algo próximo da comédia que lança personagens aos leões para gáudio do espectador nas bancadas. Mas “Humpday” não é isso, sendo que é a história de dois heterossexuais, Ben (Mark Duplass) e Andrew ( Joshua Leonard), que resolvem participar num filme porno gay. Não se viam há muito e (tipicamente) não podiam ser mais diferentes: Ben está casado, assentou, Andrew vai enviando, de tempos a tempos, postais do seu périplo. Um dia Andrew entra na conjugalidade de Ben; regressa a Ben. Tanto sentimento! Na comunidade liberal e colorida onde vive Ben, organiza-se um festival de filme pornográfico. E é assim que estes trintões liberais querem contribuir com a sua criatividade. Sai de Ben e Andrew o desafio: em nome da arte, filmaremse num porno gay. Por esta altura no filme já se percebeu que “Humpday” não é a comédia javarda do costume. É demasiado tagarela. Há nestas personagens um voluntarismo que as torna mais próximas dos estrategas (condenados ao falhanço, hélas...) que são os homens e mulheres dos filmes de Rohmer. As personagens de “Humpday” são menos teimosas, é verdade. São mais doces na forma como se interrogam, como se deixam sabotar pelas suas certezas. Ou como se aventuram por lugares para onde não estão preparadas para ir – não, não são figuras olímpicas capazes de ultrapassar limites... Mas tanto sentimento! Não abunda no cinema americano actual esta abundância – pelo menos desde o cinema de John Cassavetes, em que as personagens eram, literalmente, derrubadas pelo que sentiam. O que titila em “Humpday” é a utopia de um desejo de fusão – sentimental. E um olhar tão melancólico sobre uma geração e as suas impossibilidades...Sendo verdade que não há aqui nenhum Cassavetes ou Rohmer atrás da câmara e que o filme não está É verdade que até ao fim o espectador se pergunta: Andrew e Ben vão mesmo fazê-lo num quarto de hotel? Mas isso, em “Humpday”, é como o “McGuffin” de Hitchcock... Pa Passaram 21 anos d desde que A Antonio B Banderas p participou num filme de Pedro ReenR een-o contro propriamente virado para a transgressão (ou não é capaz dela), Lynn Shelton está, como cineasta (também é uma das actrizes, interpreta Monica), totalmente metida com as personagens. Esta serena promiscuidade parece ser a natureza da coisa. Ppromiscuidade é também um dos dados deste novo naturalismo do “indie” americano a que chamam “mumblecore” (algumas indicações: poucos meios, diálogos atrás de diálogos, exposição dos sentimentos, improvisação, actores que também são realizadores envolvidos nos filmes dos amigos e envolvendo-se com os amigos...) É verdade que até ao fim o espectador se pergunta: será que Andrew e Ben vão mesmo fazê-lo num quarto de hotel? Isso, em “Humpday”, é como o “McGuffin” de Hitchcock: está ali só para distrair. Sem desejo Como Desenhar um Círculo Perfeito How to Draw a Perfect Circle De Marco Martins, com Rafael Morais, Joana de Verona, Daniel Duval, Beatriz Batarda. M/16 MMnnn Lisboa: Medeia Saldanha Residence: Sala 7: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h20, 16h50, 19h20, 21h50, 00h20; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h15, 18h35, 22h, 00h15; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h10, 17h50, 21h, 23h20; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h50, 18h15, 21h, 23h50; Porto: Medeia Cidade do Porto: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h20, 16h50, 19h20, 21h50; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05, 15h40, 18h20, 21h10, 23h50; “Como Desenhar um Círculo Perfeito” dá sequência a “Alice”, o filme com que Marco Martins se estreou na longa-metragem. Dá sequência, e não apenas numérica: reconhecem-se alguns apontamentos estilísticos e/ou “atmosféricos” que parecem criar uma continuidade com “Alice”. Por exemplo, o desenho da cidade feito de pura meteorologia invernal – húmida, escura, cinzenta – e o modo como os interiores (de que se diria serem mais predominantes aqui do que em “Alice”), preservando essas características, não estabelecem uma fronteira clara com os exteriores, como se fossem eles próprios dominados pela invernia citadina. Evidentemente, entre o clima e a definição psicológica das personagens as coincidências são tudo menos casuais, como se também para a dramaturgia as questões a resolver fossem, digamos, “nórdicas”. Nesta disposição para a bruma há alguma singularidade em “Como Almodóvar. Os dois vão voltar a trabalhar juntos em “La Piel que Habito”. O filme, que começa a ser rodado este Verão em Espanha, baseia-se no livro de Thierry Jonquet “Tarantula”. Almodóvar disse ao “El País” que o filme “será de terror, mas sem gritos ou sustos. É difícil de definir e embora se aproxime do género – algo que me interessa porque nunca fiz –, não vou respeitar nenhuma das regras. É o filme mais duro que já escrevi e a personagem de Banderas é brutal. Um homem que encarna o abuso do poder mais absoluto, sem nenhum escrúpulo”. Cinemateca Portuguesa R. Barata Salgueiro, 39 Lisboa. Tel. 213596200 “Como Desenhar...” revela incapacidade para encontrar a intensidade à altura da profundidade psicológica que quer exprimir Sexta, 07 Bulle Ogier, Ricardo Trepa. 68 min. M12. Desapareceu Um dos Nossos Aviões One of Our Aircraft Is Missing De Michael Powell, Emeric Pressburger. Com Godfrey Tearle, Eric Portman, Hugh Williams. 106 min. M12. 19h - Sala Félix Ribeiro 15h30 - Sala Félix Ribeiro To Sir, with Love II De Peter Bogdanovich. Com Sidney Poitier, Christian Payton, Dana Eskelson. 92 min. 19h - Sala Félix Ribeiro Desenhar um Círculo Perfeito”, a mesma que havia em “Alice”. Mas “Alice” tinha, porventura, uma narrativa mais coesa, ou pelo menos um centro narrativo mais forte. “Como Desenhar…” tem uma estrutura mais vaga, ainda que plenamente determinada – pois se o filme mostra, de facto, “como desenhar um círculo perfeito”, a perfeição circular é a figura que mais se ajusta à evolução e ao desenlace do principal eixo da narrativa (a história dos dois irmãos). Narrativa de passagem (à idade adulta) e de descoberta, “Como Desenhar…” joga-se sobretudo na cabeça das personagens, em particular na do adolescente protagonista e na relação com os outros – especialmente a irmã e o pai (que, interpretado pelo granítico Daniel Duval, actor de Garrel e de Haneke, é a presença mais forte do filme). É aí que “Como Desenhar” revela alguma incapacidade para, além de uma ideia de atmosfera, encontrar a intensidade – a intensidade narrativa, mas também a intensidade visual: as imagens, os planos – que esteja à altura da profundidade psicológica que parece querer exprimir. Fica-se com a ideia de um filme controlado, até demasiado controlado, que espera até ao fim por um momento libertador, por um gesto que o rasgue, que vire do avesso o seu torpor descritivo, que faça aparecer um desejo – não “o desejo”, nem um desejo qualquer, mas o desejo do próprio filme. 2ª 13h45, 16h25, 19h10, 21h55, 00h35 3ª 4ª 16h25, 19h10, 21h55, 00h35; Muita curiosidade girava à volta da estreia de “A Religiosa Portuguesa” de Eugène Green, talvez devido à atávica mania lusitana de que os nossos mitos e paisagens interiores ganham novas e mais ricas dimensões quando percepcionadas de fora. Foi assim com “A Cidade Branca” de Alain Tanner, com “Lisbon Story” de Wim Wenders, com os romances de António Tabucchi (e respectivas adaptações cinematográficas), para nomear apenas uns poucos exemplos. Ora, desta vez a almejada montanha pariu um minúsculo rato: desde as primeiras imagens nos apercebemos que estamos confrontados com uma sequência descontrolada de bilhetespostais ilustrados de Lisboa, sem tom nem som, presos a um fascínio aleatório da imagem, mas esvaziados de formas, jogados como estereótipos para cima da tela. A estratégia de um cinema autoreflexivo, embora pareça acrescentar mais-valias, possui riscos graves, capazes de desencadear um perverso mecanismo de distanciamento destrutivo: a ideia de transpor a história da suposta freira de Beja, Sóror Mariana Alcoforado, ficcionada por um exotismo francês do século XVII, para um processo de filmagens na Lisboa moderna, com actores que macaqueiam os estados de alma (e os seus próprios problemas metafísicos e outros de Somewhere in Between + Magnetic Cinema De Pierre Coulibeuf. 70 min. 19h30 - Sala Luís de Pina Ninguém Sabe Dare mo Shiranai Nobody Knows De Hirokazu Koreeda. Com Yûya Yagira, Ayu Kitaura, Hiei Kimura. 141 min. M12. 21h30 - Sala Félix Ribeiro 22h - Sala Luís de Pina O Falsário The Impostor De Julien Duvivier. Com Jean Gabin, Richard Whorf, Ellen Drew. 92 min. Lisboa: Medeia King: Sala 2: 5ª Domingo 3ª 4ª 13h30, 15h30, 17h40, 19h45, 21h45 6ª Sábado 2ª 13h30, 15h30, 17h40, 19h45, 21h45, 00h15; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 11: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h, 16h35, 19h10, 21h45, 00h20 Domingo 11h30, 14h, 16h35, 19h10, 21h45, 00h20; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h, 21h35, 00h25; Porto: Arrábida 20: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo 21h30 - Sala Félix Ribeiro No Quarto da Vanda De Pedro Costa. Com Lena Duarte, Vanda Duarte, Zita Duarte . 179 min. M16. 22h - Sala Luís de Pina Quarta, 12 O Extravagante Sr. Ruggles Ruggles of Red Gap De Leo McCarey. Com Charles Laughton, Charles Ruggles, Mary Boland. 91 min. M12. Do Outro Lado Auf der Anderen Seite De Fatih Akin. Com Baki Davrak, Tuncel Kurtiz, Nurgül Yesilçay. 122 min. M12. A Barreira Invisível The Thin Red Line 15h30 - Sala Félix Ribeiro A Loira Explosiva Will Sucess Spoil Rock Hunter? De Frank Tashlin. Com Jayne Mansfield, Betsy Drake, Tony Randall. 95 min. M12. 19h - Sala Félix Ribeiro Crise Kris De Ingmar Bergman. Com Dagny Lind, Stig Olin, Allan Bohlin, Marianne Lofgren. 88 min. M16. 19h30 - Sala Luís de Pina Teorema + O Noivo, a Actriz e o Proxeneta De Pier Paolo Pasolini. Com Massimo Girotti, Silvana Mangano, Terence Stamp. 95 min. M16. 21h30 - Sala Félix Ribeiro Segunda, 10 0 O Vale era Verde e How Green Was My Valley De John Ford. Com m Anna Lee, Maureen O Hara, Walter Pidgeon. 118 min. M12. A Quando Passam as Cegonhas Letjat Zhuravli De Mikhail Kalatozov. Com Aleksei Batalov, Tatyana Samojlova, Vasili Merkuryev. 97 min. 19h – Sala Félix Ribeiro Sábado, 08 22h - Sala Luís de Pina A Religiosa Portuguesa De Eugène Green, com Leonor Baldaque, Francisco Mozos, Diogo Dória. M/12 19h30 - Sala Luís de Pina 15h30 - Sala Félix Ribeiro Correspondances + Les Signes + Le Nom Du Feu De Eugène Green. Com François Rivière, Delphine Hecquet, Christelle Prot. O Monte dos Vendavais Abismos de Pasión sión De Luis Buñuel. Com om Irasema Dilián, a Prado. 90 min. Jorge Mistral, Lilia O fado é que instrói? Os Treze Trinadtsat De Mikhail Romm. 90 min. De Terrence Malick. Com George Clooney, Nick Nolte, Sean Penn. 170 min. M16. 21h30 - Sala Félix Ribeiro Welcome De Philippe Lioret. Com Vincent Lindon, Firat Ayverdi, Audrey Audrey Dana. 1110 10 min. M12. 22h - Sala Luís de Pina 15h30 - Sala Félix Ribeiro o Belle Toujours De Manoel de Oliveira. veira. Com Michel Piccoli, li, Uma caricatura? “Belle Toujours” Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 43 Cinema relevância contemporânea) das personagens, revela-se de uma inutilidade confrangedora e encaixa num patético sonambulismo que pouco acrescenta seja ao que for. Uma actriz luso-francesa, como convém (Mónica Baldaque, em registo de zombie, como se quisesse citar Oliveira e o mundo oliveiriano se reduzisse àquele olhar oco para a câmara), chega à Albergaria da Senhora do Monte, visivelmente escolhida para iniciar um catálogo de miradouros sobre a cidade, debita sem convicção nem tom, de olhos esbugalhados, os mais inacreditáveis diálogos de que nos recordamos e prepara-se para rodar, sob a batuta de um realizador internacional (Eugène Green, ele próprio), uma versão congelada dos amores descabelados da religiosa do título. Por aqui, não viria grande mal ao mundo das letras, nem pelo facto de Lisboa não funcionar como o lugar histórico ideal, nem pelo travesti descontextualizado de um barroco de pacotilha, uma vez que o texto 44 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon As estrelas do público Jorge Mourinha Luís M. Oliveira Mário J. Torres Vasco Câmara Aquário mmmmn nnnnn nnnnn mmnnn Como desenhar um círculo perfeito mnnnn mmnnn nnnnn mnnnn Ervas Daninhas nnnnn mmmnn mmmmm mmmmn Eu Amo-te Philip Morris mmnnn nnnnn mmnnn mmnnn Fantasia Lusitana mmmnn mmmnn mmmmn mmmnn Greenberg mmmmn mmmnn nnnnn nnnnn Humpday mmmnn nnnnn nnnnn mmmnn Líbano mmmmn nnnnn nnnnn mmmmn 9 mmmnn nnnnn nnnnn nnnnn A Religiosa Portuguesa A nnnnn A mnnnn original se reveste de características obviamente mistificadoras. O caldo começa a entornar-se quando as ideias feitas de uma Lisboa turística, composta de luzinhas tremeluzentes e da acumulação de monumentos a granel (das ruínas do convento do Carmo à Torre de Belém, da Alfama das escadinhas de Santo Estêvão à ermida da Senhora do Monte) descamba para a fancaria de um imaginário possidónio de guia para deslumbrado visitante francês (ou de qualquer outra origem, tanto faz), deambulando sem Norte (nem Sul) por painéis de azulejos (por acaso quase todos do século XVIII), que servem de fundo a telediscos de Fados – o fado podia lá faltar nesta concepção de um Portugal folclórico – cantados por Camané e Aldina Duarte, o melhor do filme, embora com função decorativa. Não contente com tal disparate acumulativo, “A Religiosa Portuguesa” não resiste a inscrever na ficção dentro da ficção (dentro da ficção) um Duque (ou é Conde?) de Viseu, suicidário, entregue a Diogo Dória (irónico ou a levar-se a sério?) que se diz originário de um romance russo (dá para acreditar?), pretexto para invocar os fantasmas do 25 de Abril (claro que o 25 de Abril não podia faltar), de olho em alvo e habitando um palácio, também ele fantasmático à luz de velas. Mas, se julgam que os amorosos romances reflectores da actriz-freira se ficam por aqui, desenganem-se, pois o melhor está para vir: envolve-se, como também é de cartilha, com o actor francês com quem contracena, feliz no casamento mas a precisar de estímulos sexuais, e descobre numa discoteca um jovem de impecável cachecol branco que toma pela reencarnação de D. Sebastião (claro que faltava o D. Sebastião!), “tornado heterossexual” por séculos de espera (não estamos a inventar, faz parte integrante dos mimosos diálogos), voltando a encontrá-lo por acaso em Alfama, quando faz as “démarches” para adoptar o rapazinho órfão que encontrara num dos primeiros planos do filme. Este episódio proletário serve ainda para expor uma das maiores actrizes do cinema português, Beatriz Batarda, brilhante como sempre, numa rábula inconsequente, e para mostrar os azulejos da interior da casa, caricatura (haverá alguma coisa no filme que não funcione em registo de caricatura?) dos azulejos barrocos das capelas e das sequências fadistas, numa das quais desfila a equipa de produção, como convém à auto-reflexividade dominante. Mas não é tudo: no interior da capela, passa as noites uma misteriosa freira (pobre Ana Moreira, outra das remissões para o cinema português que se pretende “homenagear”?), uma espécie de duplo da protagonista, com a qual ela troca mais alguns dos imperdíveis diálogos de recorte metafísico, não escapando nem sequer referências aos êxtases místicos de Santa Teresa de Ávila e às várias componentes do amor. Para o final, fica o mais inacreditável dos planos do filme, aquele em que ondulam ao vento as bandeiras do Benfica e do Sporting (propositadamente encenadas ou simplesmente revelando o “bom gosto” da câmara inclusiva?) e não resistimos a lembrar a frase feita, apropriada a um filme todo feito de clichés: “O vinho é que induca, o fado é que instrói e quem não é do Benfica (ou do Sporting, para o caso) não é bom chefe de família”. E fica-nos a dúvida ingente: tratase de uma comédia voluntária, um irrisório, “chunga”, quase insultuoso, olhar sobre a portugalidade, ou comédia involuntária, a força de tanto se querer homenagear o cinema português? O tom sério, contemplativo e laudatório leva-nos a inclinarmo-nos para a segunda, mas lá ficam dúvidas, lá isso ficam. Mário Jorge Torres 9 De Shane Acker, com Christopher Plummer, Martin Landau, John C. Reilly, Elijah Wood. MMMnn Lisboa: UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 10: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h20, 18h15, 20h10, 22h, 23h50 Domingo 11h30, 14h15, 16h20, 18h15, 20h10, 22h, 23h50; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 15h40, 17h40, 19h40, 21h45, 23h50; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 15h20, 17h30, 19h40, 21h50, 23h50; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h10, 18h50, 21h40, 23h50; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h15, 17h20, 19h30, 21h40, 23h50; ZON Lusomundo Dolce Vita Miraflores: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 17h30, 19h30, 21h30 6ª Sábado 15h30, 17h30, 19h30, 21h30, 23h30; ZON Lusomundo Odivelas Parque: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h40, 18h20, 21h40 6ª 15h40, 18h20, 21h40, 24h Sábado 13h10, 15h40, 18h20, 21h40, 24h Domingo 13h10, 15h40, 18h20, 21h40; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05, 15h10, 17h20, 19h30, 21h40, 00h05; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h25, 17h30, 19h30, 21h40, 23h45; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h25, 18h, 21h, 23h30; Porto: Arrábida 20: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h05, 16h05, 18h10, 20h10, 22h15, 00h25 3ª 4ª 16h05, 18h10, 20h10, 22h15, 00h25; ZON Lusomundo GaiaShopping: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h, 15h, 17h, 19h, 21h20, 24h Sábado Domingo 10h55, 13h, 15h, 17h, 19h, 21h20, 24h; ZON Lusomundo Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h10, 19h, 21h50, 00h40; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 13h, 15h10, 17h15, 19h30, 21h40, 23h50 Domingo 10h40, 13h, 15h10, 17h15, 19h30, 21h40, 23h50; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 13h, 15h, 17h10, 19h30, 21h40, 23h50 Domingo 11h, 13h, 15h, 17h10, 19h30, 21h40, 23h50; ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h20, 18h45, 21h10 6ª Sábado 13h50, 16h20, 18h45, 21h10, 23h50; O nome do produtor de “9” não engana quanto ao facto de este não ser um filme de animação para miúdos – Tim Burton, nem mais nem menos, que se associou ao realizador azeri Timur Bekmambetov (“Guardiões da Noite” e “Procurado”) para apadrinhar a primeira longa do animador americano Shane Acker, “versão longa” de uma curta de 2005 nomeada para um Óscar. Mas não se espere de “9” um “pastiche”/“ersatz” de Burton – apesar da presença de colaboradores habituais do autor de “Eduardo Mãos-de-Tesoura” (Pamela Pettler, argumentista de “A Noiva Cadáver”, ou o compositor Danny Elfman), o filme de Acker é um objecto autónomo, um equivalente animado das distopias tecnológicas das séries “Matrix” ou “Exterminador Implacável” transposto para um ambiente retrofuturista “steampunk”. Um boneco de trapos vem a si numa cidade destruída onde nada se mexe, a não ser outros como ele e uma misteriosa “besta” mecânica, únicos sobreviventes de uma guerra sem quartel entre a extinta raça humana e um cérebro electrónico que, inadvertidamente, acaba de ser reacordado. Não convém deixaremse enganar pelo aspecto “fofinho” dos bonecos de trapos, nove ao todo, cada um deles reproduzindo uma faceta emocional do seu criador, com as vozes entregues a Elijah Wood, Jennifer Connelly, Christopher Plummer, John C. Reilly ou Martin Landau. A intensidade da acção coloca “9” muito mais do lado da ficção científica ou do fantástico adultos, lança o filme para uma bizarra “terra de ninguém” demasiado madura para os miúdos e insuficientemente sólida para os graúdos. Mas isso não pode servir de desculpa para menorizar a pequena surpresa que este filme constitui, pela invenção visual de que faz prova, pela adequação entre estilo, concepção e história, pela ousadia de propor um objecto deliberadamente fora das fronteiras tradicionais do que deve ser uma animação. J.M. aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente Projecto Um to contracto entre a al Universal bro, e a Hasbro, a empresa ra produtora de jogos de tabuleiro, vai permitir que seis realizadores desenvolvam Gore Verbinski (Cluedo), Peter Berg (Touché), Kevin Lima (Candy Land) e Michael Bay (Ouija). Ainda não é conhecida a data de lançamento de nenhum dos filmes. proj pr ojectos projectos i cos cinematográfi baseados em jogos de sociedade Já foram sociedade. divulgados os nomes dos cineastas e os jogos: Ridley Scott (Monopólio), Cineclubes para mais informações consultar www.fpcc.pt Cine-Teatro S. Pedro Largo S. Pedro- Abrantes “Greenberg”: uma carta de amor a Los Angeles Ágora De Alejandro Amenabar, 2009, M/12 12/5, 21.30h Cinema Teixeira de Pascoaes Centro Comercial Santa Luzia - Amarante Indie Lisboa – Filmes Premiados 7/5, 21.30h My Childhood + My Ain’ Folk De Bill Douglas, 1972 e 1973 8/5, 21.30h Rua da PSP - Faro Um dia de cada vez De Mike Leigh, 2008, M/12 10/5, 21.30h Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão Parque de Sinçães – Famalicão Estrela Cintilante De Jane Campion, 2009, M/12 21.30h - Pequeno Auditório Rua Diog Diogo Cão, 8 – Évora Continuam Greenberg De Noah Baumbach, com Ben Stiller, Greta Gerwig, Jennifer Jason Leigh. M/12 MMMMn Lisboa: Castello Lopes - Londres: Sala 2: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h45, 19h15, 21h45 6ª Sábado 14h15, 16h45, 19h15, 21h45, 00h15; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 14: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h40, 19h05, 21h35, 24h Domingo 11h30, 14h15, 16h40, 19h05, 21h35, 24h; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h20, 18h40, 21h40, 24h; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 15h50, 18h40, 21h05, 23h40; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 12h45, 15h25, 18h15, 21h35, 00h10 4ª 12h45, 15h25, 18h15, 00h10; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h25, 18h, 21h05, 23h40; Porto: Arrábida 20: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h10, 16h45, 19h15, 21h50, 00h30 3ª 4ª 16h45, 19h15, 21h50, 00h30; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h30, 17h50, 21h20; Um neurótico quarentão que nunca fez a transição para o mundo adulto aterra em Los Angeles para passar algumas semanas em casa do irmão e embarca num romance desastrado com a governanta – posto desta maneira, “Greenberg” é uma comédia romântica, só que não é bem comédia e é ainda menos romântica. O neurótico é Ben Stiller forçando a sua imagem pública ao limite, personagem quezilenta, narcisista e misantropa, a governanta, gémeo inseguro e sem rumo de Stiller, é a encantadora Greta Gerwig, revelação deste filme inteligente e desconfortável sobre gente à procura de si própria sem o saber. Mistura da flânerie curiosa de Eric Rohmer, dos novos hipernaturalistas do movimento independente “mumblecore” e do cinema americano da década de 1970, “Greenberg” é também uma enorme carta de amor a Los Angeles e um dos melhores filmes americanos dos últimos anos. J.M. Ruín + Canções de Ruínas Amor e Saúde Amo De M Manuel Mozos, 2009 + João Nicolau, 2009 12/5, 21h3 2 0 21h30 A Auditório do IIPJ (Faro) Cinema Verde Viana X Encontros de Viana Até 9 de Maio Centro Cultural Vila Flor Um Homem Singular De Tom Ford, 2009, M/16 13/5, 21.30h Praça 1º de Maio, Centro Comercial - Viana do Castelo 13/5, Av. D. Afonso Henriques, 701 - Guimarães Auditório Soror Mariana Precious De Lee Daniels, 2009, M/16 9/5, 21.30h Quatro Noites Com Anna De Jerzy Skolimovski, 2008, M/16 9/5, 21.45h - Pequeno Auditório Cinemas Ria Shoping Estrada Nacional 125, 100 - Olhão Consultórios de Deus De Claire Simon, 2008, M/16 11/5, 21.30h Cine-Teatro António Pinheiro R. Guilherme Gomes Fernandes, 5 - Tavira Consultar www.ao-norte.com 2010_x_encontros.htm Teatro Municipal de Vila do Conde Av. João Canavarro - Vila do Conde Deixa Chover De Agnès Jaoui, 2008, M/12 9/5, 16.00h e 21.00h Auditório do IPJ (Viseu) R. Dr. Arestides de Sousa Mendes, 33 - Viseu Um homem singular De Tom Ford, 2009, M/16 11/5, 21.45h “Um Homem Singular “ Fantasia Lusitana De João Canijo . M/12 MMMMn Lisboa: CinemaCity Campo Pequeno Praça de Touros: Sala 6: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 14h, 16h15, 17h50, 19h10, 21h40, 23h, 00h25 Sábado Domingo 16h15, 17h50, 19h10, 21h40, 23h, 00h25; Porto: Nun`Álvares: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 19h; “9”: não convém deixarem-se enganar pelo aspecto “fofinho” dos bonecos de trapos Um filme todo feito de colagens de colagens de documentários do Estado Novo, embora com a inteligente intromissão de uma textualidade exterior, que os recontextualiza de modo contemporâneo, poderá possuir limites evidentes, mas o resultado é estimulante, porque Canijo entende os materiais com que trabalha e se apercebe da sua desgarrada eloquência. Por isso, “Fantasia Lusitana” ultrapassa a soma das suas partes constituintes e traça um dos olhares mais negros sobre o “fascismo português” e, sem sombra de demagogia, mostra como os anos 40, neste “jardim à beira mar plantado”, podem funcionar enquanto chave para entender a nossa presente “apagada e vil tristeza”. M.J.T. Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 45 Livros aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente Quando “Zona” foi publicado em França houve quem dissesse que há muto não se via nas letras francesas um projecto tão desmesurado e audaz Ficção Viagem ao fim da noite Inventivo e ambicioso, Mathias Énard compôs uma epopeia contemporânea por onde passa a violência da história do século XX. José Riço Direitinho Zona Mathias Énard (traduzido por Pedro Tamen) Dom Quixote MMMMM Há dois anos a “rentrée” literária francesa foi surpreendida por um livro ambicioso, “Zona”; houve 46 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon quem dissesse que não se via nas letras francesas um projecto tão desmesurado e audaz desde a publicação do alucinado romance de Olivier Rolin “A Invenção do Mundo” (ASA, 1997). O autor, Mathias Énard (n. 1972), não era um estreante: “La Perfection du Tir”, a história de um “sniper” na guerra do Líbano, tinha já chamado a atenção dos leitores e dos críticos havia cinco anos. “Zona” é uma récita em jeito de confissão, uma epopeia contemporânea que, entre outras coisas, narra a história bélica da Europa e do Médio-Oriente durante o último século, mas sem nunca perder de vista os deuses antigos e os heróis míticos da “Íliada”, a viagem de Ulisses, a cólera de Aquiles e a guerra de Tróia, como que a querer justificar o verso de Apollinaire no poema homónimo: “À la fin tu es las de ce monde ancien”. O romance é uma espécie de fresco que se vai completando, de palimpsesto erudito composto por 24 partes (mais uma vez, à semelhança dos 24 Cantos da “Ilíada”) onde se juntam de maneira inventiva a história antiga e a contemporânea, a literatura, a geografia, a ciência das armas e a arte da guerra, e ainda reflexões sobre o amor e as contradições da natureza humana, tudo isto numa única frase de mais de 400 páginas – interrompida poucas vezes para nela se intrometer uma história pungente de dois amantes libaneses – e em que a pontuação (vírgulas) apenas serve para marcar o ritmo, que vai sofrendo alterações. Toda a narração é feita durante a viagem de um comboio nocturno que atravessa parte de Itália, entre Milão e Roma. O viajante, a caminho do “fim do mundo” como um Ulisses moderno a caminho da redenção, é um agente dos serviços secretos, “homem da sombra”, na sua última missão: entregar em Roma, a um representante papal, uma maleta (qual caixa de Pandora!) com as informações coligidas durante os últimos anos sobre terroristas; receber uma importante maquia de dinheiro, e “desaparecer mais ou menos definitivamente”. Francis Servain Mirkovi, o narradorconfessor que viaja sob o falso nome Yvan Deroy, é um franco-croata com um passado de militante na extremadireita, antes de fazer “todas as preparações militares possíveis” e de combater em sucessivas guerras na ex-Jugoslávia, “pela Croácia livre e independente, e depois pela Herzegovina livre e independente e finalmente pela Bósnia croata livre e independente”. Depois torna-se agente secreto a trabalhar na “Zona” (o Médio-Oriente, da Argélia ao Egipto, passando pelo Líbano, Síria e Israel). Nos intervalos das missões, dá largas à sua imoderada paixão pelo álcool sempre pontuada por sucessivas histórias com mulheres. É em Alexandria, “um belo sítio para esperar pelo fim do mundo comendo peixe frito sob um grande Sol de Inverno aninhado no céu limpo pelo vento”, que se encontra com Marianne, a primeira das três mulheres que surgem de maneira recorrente nas suas memórias. E também a encontra em Veneza, onde num bar conhece um misterioso sírio que “era muito religioso, rezava, jejuava e nunca bebia do álcool que servia aos clientes, o seu fraco eram as raparigas, sobretudo as putas, coisa que ele justificava dizendo que o Profeta tivera cem mulheres”. Énard vai-se servindo da violência da história do século XX (da Primeira Guerra Mundial, à Guerra Civil de Espanha, aos campos de concentração nazis, à guerra do Líbano, e mais recentemente às guerras nos Balcãs) para fazer uma erudita reflexão literária (onde não faltam as vozes modernas de Ezra Pound, Céline, Conrad, Genet ou W. G. Sebald, entre outras) sobre a complexidade das contradições da natureza humana e da “aleatoriedade” da História, que é sempre escrita pelos vencedores. Neste sentido, o narrador, que também terá a sua conta de “crimes contra a Humanidade”, não poderia de deixar de ir a Haia, num dos seus intervalos entre missões (depois de um derradeiro copo bebido num bar a olhar o pôr-do-sol em Jerusalém), assistir incógnito ao julgamento de um general bósnio no Tribunal Penal Internacional, onde os juízes procuram averiguar, à luz do Direito Internacional, “em que momento uma bala na cabeça era legítima e em que momento constituía uma grave infracção ao direito e aos costumes da guerra”. De facto, “tudo é mais difícil Edição ção O novo livro do jornalista e quando se é homem feito” (frase recorrente no romance), mas a possibilidade de redenção nunca nos abandona, ao contrário dos deuses, nem que seja num comboio para o fim do mundo. Numa viagem ao fim da noite. Vidas sem futuro No ano em que se completam 60 anos da publicação original, nova tradução de uma das obras mais importantes do século XX. Eduardo Pitta O Coração é um Caçador Solitário Carson McCullers (Trad. Marta Mendonça) Presença MMMMM Se tivermos de citar ícones da literatura, a escritora americana Carson McCullers (19171967) tem lugar cativo na primeira meia dúzia. O livro de estreia, “O Coração é um Caçador Solitário”, publicado em 1940, não foi um fogo fátuo. Obras posteriores, como “Reflections in a Golden Eye”, romance de 1941, ou os contos reunidos em “The Ballad of the Sad Café” (1951), para só citar algumas das que o cinema popularizou, confirmaram o fôlego desta mulher que fala de desolação e esperança sem beliscar a tessitura da voz. Em Portugal, “The Heart is a Lonely Hunter” foi traduzido em 1958, nada menos que por José Rodrigues Miguéis, com o título “Coração Solitário Caçador”. Agora, Marta Mendonça fez nova tradução, alinhando o título português com o das edições brasileiras. No ano em que se completam 60 anos da publicação original, é importante que esta reedição tenha sido feita. Tudo se passa numa cidadezinha da Geórgia, durante a Grande Depressão (a recessão económica dos anos 1930). A história é contada a partir do ponto de vista das diferentes personagens: John Singer, judeu surdo-mudo, confidente dos outros todos; Mick Kelly, adolescente de 14 anos que gosta de Beethoven; Jake Blount, agitador “marxista” em permanente estado de embriaguês; Biff Brannon, dono do New York Café; Benedict Copeland, médico negro em luta com a injustiça e as humilhações do racismo (ao contrário dos quatro filhos). Não foi por acaso que a autora centrou o historiador t historiador José Milhazes, “Samora Machel – Atentado ou Acidente?” cruza três Acidente?”, “plot” na Geórgia, o Estado que a viu nascer. Na cultura americana, o Sul foi sempre o território idiossincrático por excelência. Lendo Eudora Welty, Truman Capote, Flannery O’Connor e outros, percebemos porquê. McCullers tem a seu favor uma inesperada humanidade que dispensa o naturalismo clássico de Welty, a bílis de Capote e o catolicismo apocalíptico de O’Connor. Aqui, o “gótico sulista” sublinha a inescapável e geral incomunicabilidade. Assim que foi publicado, “O Coração é um Caçador Solitário” foi rotulado de “anti-fascista”. McCullers, então com 23 anos, vivia já em Nova Iorque, onde frequentava com dificuldade a Julliard School of Music e um curso de escrita criativa em Columbia. A rapariga frágil cuja débil saúde impedira de prosseguir estudos, estava prestes a divorciar-se de Reeves McCullers quando surpreendeu toda a gente com esse violento libelo (escrito antes dos vinte anos) contra o modo de vida sulista. Na realidade, é mais uma polifonia a cinco vozes que um libelo. Num ápice, a autora tornou-se famosa. E depressa engrossou o número de membros da comuna de Brooklyn Heights que abrigava Erika Mann, com quem teve uma relação amorosa, W. H. Auden, Benjamin Britten, Peter Pears, Gipsy Rose Lee, Jane e Paul Bowles. Relato do quotidiano dos desapossados do Dustbowl, McCullers ilumina com pudor e sensibilidade essas vidas sem futuro. A ligação de natureza homossexual entre Singer e o grego Antonapoulos é descrita com subtileza. No dia em que Antonapoulos vai para o hospício, por decisão de um primo que não queria “problemas”, a vida de Singer muda. A cena em que os dois (ambos mudos) por fim se reencontram, é de antologia: “Antonapoulos! Assim que entraram na enfermaria, Singer avistou logo o amigo. [...] Vestia um roupão vermelho e um pijama de seda verde. [...] A exuberância da indumentária de Antonapoulos deixou-o perplexo. Enviara-lhe aquelas peças de roupa em ocasiões separadas, sem a intenção de que fossem usadas em simultâneo. [...] Singer ergueu timidamente as mãos e começou a falar. Os seus dedos fortes e experientes deram forma às palavras com uma precisão delicada. [...] Os seus gestos eram cada vez mais rápidos. Antonapoulos acenava com a cabeça, devagar. Entusiasmado, Singer aproximou-se mais, respirou fundo e os seus olhos estavam cheios de lágrimas.” O dinheiro (melhor dito: a falta dele) é o móbil da intriga. Os protagonistas têm duas coisas: fome e dívidas. À doença reservam parcimónia: “o médico extraiu-lhe um tumor do tamanho de um fo fontes soviéticas e c conclui que o avião onde s seguia o Presidente de Moçambique em 19 de Outubro de 1986 caiu po desleixo da tripulação por e não por ser alvo de at atentado. A partir de hoje na livrarias. nas Carson McCullers: uma desenraizada na sua própria terra recém-nascido.” O horizonte é de chumbo. McCullers dá vida a personagens que podem parecer excessivas no traço grosso do retrato, como sucede com Portia, a filha do médico: “Eu cá não sou mulher de grandes alaridos. Faço parte da Igreja Presbiteriana e nós não costumamos atirar-nos pró chão [...] nem chafurdamos todos juntos.” O desamparo comum mantém as suas vidas em equilíbrio. É difícil esquecer a mulher que está por trás deste livro. Carson McCullers foi uma desenraizada na sua própria terra, a doença minou-a desde cedo (morreu hemiplégica), viveu dependente do álcool, tentou o suicídio, casou duas vezes com o mesmo homem (Reeves era bissexual; em 1953, suicidou-se em Paris, onde o casal vivia) e manteve várias ligações lésbicas. Deixou uma obra impressiva, onde se destaca “O Coração é um Caçador Solitário”. Não por acaso, nos últimos 60 anos, todas as listas incluem o livro entre as obras mais importantes do século XX. Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 47 Livros aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente Ciberescritas Poesia possivelmente a melhor estreia de uma poeta portuguesa desde “Um Jogo Bastante Perigoso” (Adília Lopes, 1985). A escritora assume a “condição feminina” em praticamente todos os poemas. Especialmente a condição feminina portuguesa. Os textos têm ecos da “Menina e Moça”, donzelas A melhor estreia de uma prendadas do Estado Novo, raparigas poeta portuguesa nas que ficavam em casa enquanto os últimas décadas. Pedro homens tratavam da política, esposas dedicadas, irmãs pacientes, freiras Mexia sofridas, legiões compulsoriamente dóceis, pacientes, esperando, Mulher ao Mar costurando, virgens e putas, Margarida Vale de Gato degredadas filhas de Eva. Mariposa Azual Em vez de “homem ao mar” gritase “mulher ao mar” nestes poemas, MMMMM e não é a mesma coisa. Eis o poema que dá título ao livro: “MAYDAY Margarida Vale de lanço, porque a guerra dura / e está Gato (n. 1973) é vazio o vaso em que parti / e cede uma das nossas ao fundo onde a vaga fura, / suga a melhores fissura, uma falta – não / um tarro tradutoras, como de cortiça que vogasse; / especifico: se comprova é terracota e fractura, / e eu sou lendo as suas esparsa, e a liquidez maciça. / versões de Lewis Tarde, sei, será, se vier socorro: / se Carroll, Christina transluz pouco ao escuro este sinal, Rossetti, Wilde, Yeats, Melville, / e a água não prevê qualquer James, Char, Michaux, Sarraute, escritura / se jazo aqui: Dickens ou Poe. Há muito que aq rasura apenas, branda / a costura, fará a também publica poemas em co onda em ponto / lento revistas, mas só agora editou a len um manto sobre o afogamento” (pág. 8). A primeira colectânea. A espera valeu mulher destes poemas, que é a pena, pois poem arquétipo mas também “Mulher ao també sujeito concreto e vivido, herda toda uma Mar” é he carga cultural, e procura uma pro linguagem em que encontre a sua en autonomia. O “eu” d destes poemas é rigoroso e esquivo, sexual e cultista, s vulnerável e orgulho orgulhoso. Nos últimos anos, nenhum livro de d poemas autobiográficos evito evitou com tal mestria as armadilhas armadilha da primeira pessoa, do cabotinismo ao cabotinis prosaísmo, da trivialidade ao trivial derrame sentimenta sentimental. A mulher que cai ao a mar, ou se lançou, ou a ele regr regressou, fazendo o caminho inverso de Vénus, quem é? É uma mulher u determinada determina pelos seus desejos, pela maternidade, pela matern experiência de uma experiê domesticidade domes agreste agrest ou azeda, muitas muita vezes sarcástica: sarcá “Costumes que “Cost frequentamos: /o frequ arame aram da loiça, os panos pano dos pratos, os ganchos e as g linhas linh / do estendal, a vinhaeste de-alhos, o fogão, / deo alguidar, a guardamos os gua restos, torcemos / res os trapos, os Margarida Vale de Gato escreve uma poesia nossos recados, os no relacional, em constante diálogo com pessoas nossos sacos, / os no que passaram, que são passado, que não estão nossos ovos” (pág. no ultrapassadas, em geral homens que deixaram 45). 45) O livro é ao um agudo sentimento de orfandade ou decepção. mesmo tempo me N Isabel Coutinho unca mais me esqueci. Foi há anos num colóquio em sobre Machado de Assis, em Lisboa, que o professor de Literatura Brasileira na Universidade Nova de Lisboa, Abel Barros Baptista, disse que “Memórias Póstumas de Brás Cubas” era “uma obra extravagante em qualquer parte do mundo”. Sabe-se que Machado de Assis (1839-1908) frequentou o Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro, que servia também de depósito legal, todos os autores portugueses estavam ali disponíveis. Aos 13 e 14 anos já por lá andava e leu aqueles que para o professor e filólogo brasileiro Evanildo Bechara, são “incontestavelmente os grandes mestres da ilustração da língua”. Na impossibilidade de irmos também passar os nossos dias no Real Gabinete Português de Leitura podemos navegar na Internet e encontrar as obras deste filho de um escravo mulato (pintor de tectos de casas e igrejas) e de uma portuguesa açoriana que passou a infância no “morro” do Livramento, no Rio do Janeiro, mas frequentava o mundo dos ricos na “chacra” do Livramento, a casa de Dona Maria José de Mendonça Barroso, sua madrinha. Fez carreira como funcionário público no Ministério da Agricultura e só depois de ter casado, em 1869, com Carolina, uma portuguesa, culta, mais velha do que ele, é que começou a produzir as obras que lhe trouxeram a posteridade. É um divertimento ler a obra de Machado de Assis em hipertexto no “site” lançado pela Fundação Casa de Rui Barbosa. Ainda não está disponível o famoso “Memórias Póstumas de Brás Cubas” mas já estão acessíveis os seus primeiros romances “Ressurreição”, “A mão e a luva”, “Helena” e “Iaiá Garcia”. De que se trata? Estamos a ler o romance e vamos clicando nas palavras sublinhadas. São “links” para explicações mais aprofundadas do que ali se passa. Para entendermos tudo. Na introdução, a investigadora Marta de Senna explica: “Nesta edição, preparada com o cuidado necessário para torná-la fidedigna, o leitor poderá não apenas desfrutar o romance em si, mas também achar, nas notas em forma de ‘links’, explicações sobre todas as citações e alusões do texto: tanto as de natureza simbólica (autores, obras de arte, personagens, fatos históricos referidos por Machado de Assis), como as menções a lugares e instituições nãoficcionais (bairros e ruas da cidade do Rio de Janeiro, lojas, teatros, cafés que as personagens machadianas frequentam).” Também no “site” Machado de Assis.net, lançado pela Fundação Casa de Rui Barbosa, está disponível o número 4 da revista electrónica de estudos machadianos, “Machado de Assis em linha”. A revista é semestral e esta edição tem um ensaio da tradição crítica escrito por Lucia Miguel Pereira, pioneira dos estudos sobre o autor no Brasil e um artigo inédito do académico Alfredo Bosi. Para quem ainda não sabe: no Portal Domínio Público - a biblioteca digital do Ministério da Educação brasileiro, estão disponíveis em PDF, para serem descarregados para o computador ou leitores de e-books, as obras machadianas : “Ressurreição” (1872), “A Mão e a Luva” (1874), “Helena” (1876), “Iaiá Garcia” (1878), “Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), “Casa Velha” (1885), “Quincas Borba” (1891), “Dom Casmurro” (1899), “Esaú e Jacó” (1904) e “Memorial de Aires” (1908). Gratuitamente. É um divertimento ler a obra de Machado de Assis em hipertexto Machado de Assis em linha http: /www.machadodeassis.net/ Na Academia Brasileira de Letras http: /www.machadodeassis.org.br/ Obra completa em PDF http: /machado.mec. gov.br isabel.coutinho@publico.pt (Ciberescritas é um blogue http://blogs.publico.pt/ciberescritas) 48 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon PAULA MESQUITA Para que não restem Se vier dúvidas socorro afirmação e luto, gémeos incindíveis. Alheia a todo o solipsismo, Margarida Vale de Gato escreve uma poesia relacional, em constante diálogo com pessoas que passaram, que são passado, que não estão ultrapassadas, em geral homens que deixaram um agudo sentimento de orfandade ou decepção. A amargura cultíssima e vagamente niilista nunca impede momentos a que podemos chamar “românticos”, de entrega confiada e apaixonada. É o caso um notável poema chamado “Intercidades”, no qual a tristeza do mundo e a inquietação individual é atravessada pelo comboio que engole eucaliptos na paisagem portuguesa. Mas há também uma constante queda no “bathos” quotidiano, feito de segundas escolhas e de quedas conscientes e sem culpabilidade: “Foi como amor aquilo que fizemos / ou acto tácito? – os dois carentes / e sem manhã sujeitos ao presente; / foi logro aceite quando nos fodemos // Foi circo ou cerco, gesto ou estilo / o acto de abraçarmos? foi candura / o termos juntos sexo com ternura / num clima de aparato e de sigilo. // Se virmos bem ninguém foi iludido / de que era a coisa em si – só o placebo / com algum excesso que acelera a libido. // E eu, palavrosa, injusta desconcebo / o zelo de que nada fosse dito / e quanto quis tocar em estado líquido” (pág. 23). A sensação de catástrofe é omnipresente neste conjunto, e tem tradução numa espessura verbal quase visceral ou quase maneirista (mas apenas quase).O discurso é por isso denso, propenso à surpresa sintáctica ou vocabular, às vezes enigmático. Os textos, no entanto, nunca são herméticos ou desajeitadamente subjectivos, e isso deve-se ao domínio da linguagem e da tradição cultural. Estes poemas são tudo menos precipitados ou frouxos, e talvez a estreia tardia tenha contribuído para a notória depuração, incomum em primeiras obras. Esse investimento na palavra amadurecida é acompanhado por uma espécie de sumário civilizacional, que evoca como aliadas artistas que interrogaram a sua condição através da criação. E reparem que nenhuma delas é puro espírito, todas viveram carnalmente, na solidão, na cama, na maternidade, na doença. O martírio dessas mulheres é resumido em versos percutidos, zangados: “Se há uma falha um abalo / Dickinson Plath Woolf Kahlo / onde foram estavam loucas / queriam coisas eram ocas / queriam chique eram pedras / queriam arte eram merdas / tentando o voo eram estacas / punho em riste eram farpas / fornos hortos seu delírio / nunca foi santo martírio” (pág. 50). É a partir dessas histórias, contra essas histórias, que esta mulher se lança ao mar, e assim se salva. Edição ição o Biografia Horror ao poder A vida de Eric Blair e a obra do seu pseudónimo George Orwell, cuja grandiosidade se devia mais à imaginação do que às teias ideológicas em que se enredou. Rui Catalão George Orwell – Uma biografia política John Newsinger (Trad. Fernando Gonçalves) MMMMM Livros & Cigarros George Orwell (trad. Paulo Faria) Antígona MMMMM MM MMM M M John Newsinger inicia o primeiro capítulo desta biografia política, originalmente publicada em 1999, com uma frase que se revelará edipiana: “Eric Blair foi um filho do Império”. A vida de Eric Blair (19031950) e a obra do seu pseudónimo George Orwell foram uma caminhada até à extinção das colónias britânicas em que nasceu e cresceu. Quanto às suas restantes lutas e opções políticas, perdeu ou enganou-se em todas. Só nos últimos anos o activista político se rendeu ao escritor, cuja grandiosidade se devia mais à imaginação do que às teias ideológicas em que se enredou. O seu anti-imperialismo teve origem na Birmânia, onde nasceu e foi polícia (experiência que deu origem a “Os Dias da Birmânia” e a um dos seus mais belos ensaios, “Shooting an elephant”). É já na Europa que desenvolve uma versão politizada e comprometida daquilo a que hoje se chama “jornalismo literário”, com Orwell a preferir o papel de agente infiltrado ao de repórter: “A ideia era escrever a partir de dentro, acerca do modo como vivem os pobres, mas tendo por alvo o público da classe média. Como seria de esperar, este projecto não estava e isento de problemas; as suas incursões não passavam disso mesmo, entre os m me smo, raids temporários en sem-abrigo, efectuados por alguém tão distante nas suas su origens e educação que mais m parecia de outro mundo. Este E exercício continha, dimensão inevitavelmente, uma dime colonial: Orwell andava a explorar exp de o lado negro da Inglaterra (e d Paris), regressando depois à exóticas civilização com histórias exótic para contar”. a Esta técnica de recolher material mat partir do interior da realidade abordada foi utilizada em “Na penúria em Paris e em Londres” Londre (sobre mendigos e desempregados), desempreg “O caminho para Wigan Pier” (sobre os mineiros no norte de Inglaterra), Inglat a “Homenagem à Catalunha” (tema (te que haveria de voltar no ensaio “Recordando a guerra civil espanhola”). Acumula-se nele o antiimperialista, o socialista, o socialistasoc revolucionário, anti-estalinista: anti-estalinista “Tudo o que escrevi desde 1936 foi escrito, directa ou indirectamente, contra c o totalitarismo totalitarism e a favor do socialismo socialis democrádemo tico”. Para Orwell não existia literatura desligada da política “Os Íntimos”, novo romance de Inês Pedrosa, será apresenta apresentado no dia 10, segunda segundafeira, 18h30, no restaurante do piso 7 do El Corte Inglês, em Lisboa (Av. António Augusto de Aguiar, 31). Participação especial dos Jograis- U...Tópico. Com o surgimento da Segunda Guerra Mundial, vê a oportunidade de operar-se na Inglaterra a revolução socialista, mas aquele que sonhava em “construir um socialista sobre o esqueleto de um patriota empedernido”, desenterra o patriota em si e abdica da revolução, que troca por um “trotskismo literário”. “Como explicou Orwell o fracasso dos seus anseios revolucionários?”, pergunta Newsinger. Na “carta de Londres” que assina para a revista norte-americana “Partisan Review”, “faz um notável pedido de desculpas pelas suas ‘muitas previsões erradas’ (...) a ideia de que a guerra e a revolução era inseparáveis revelarase ‘um erro tremendo’”. Com a febre revolucionária a baixar, um analista mais ponderado sobreveio. “À medida que as esperanças de derrube revolucionário do capitalismo se desvaneciam”, escreve Newsinger, “assim Orwell se afastava da ideologia revolucionária”, sem abandonar a sua “hostilidade para com o comunismo soviético, uma brutal tirania mascarada de socialismo”. “A quinta dos animais” era uma sátira à revolução soviética “com um sentido mais amplo”. Qualquer “revolução conspiratória violenta conduzida por gente inconscientemente faminta de poder” teria como resultado “a mera troca de amos”; com “Mil novecentos e oitenta e quatro” Orwell “conseguiu fixar, com enorme êxito, a sua particular e sinistra visão de um regime totalitário no imaginário popular”. Mas “para grande surpresa dele, a obra foi largamente apreciada enquanto ataque ao socialismo em si mesmo”. Orwell vê-se na obrigação de defender o livro contra os seus... defensores de direita! Tal como as crianças que, na fase edipiana, não dominam o pai e entram na fase de latência, seria Orwell “um conservador latente”? Newsinger, historiador socialista, pretende encaminhar o seu leitor para outra questão. A recusa da esquerda em reconhecer o que se passava na Rússia estalinista permitiu o uso de “Mil novecentos e oitenta e quatro” contra a própria ideia de socialismo. O estalinismo “levou os melhores e mais corajosos intelectuais, activistas e militantes socialistas a fazerem a apologia de uma ditadura criminosa, talhando a respectiva actividade política à medida dos interesses da política externa e das ambições imperiais dessa ditadura, e fazendo da desonestidade política um modo de vida para os que mantiveram o mesmo rumo. Os danos que esta atitude infligiu à causa socialista são incalculáveis.” O seu maior erro foi não ter dado maior ênfase ao imaginário do poder, por oposição à análise política. Mas, para Orwell, não existia literatura desligada da política: “A literatura é um esforço para influenciar o ponto de vista dos nossos contemporâneos, registando as nossa experiências”, escreveu em “A prevenção da literatura” (publicado em 1946 e incluído na colectânea de ensaios “Livros & Cigarros”, igualmente publicado pela Antígona), onde também defende que a “imaginação, à semelhança de certos animais selvagens, não vinga em cativeiro”. Dos sete textos incluídos na colectânea, cinco foram escritos depois da Segunda Guerra Mundial e o único que foi escrito durante alude a memórias anteriores à Primeira Grande Guerra! “Tenho de reconhecer que não houve nada no decurso da guerra que me tenha emocionado tanto como a perda do Titanic (…) o que mais me impressionou foi o facto de, no derradeiro momento, o Titanic se ter elevado subitamente na vertical (…) as pessoas agarradas à popa foram erguidas no ar (…) Isto causava-me na barriga uma impressão de afundamento que ainda hoje consigo sentir, ou quase. Nada do sucedido na guerra alguma vez me causou a mesma sensação.” Orwell é um escritor espantosamente vívido em imagens subjectivas. Uma simples palavra (margarina) basta para dar ideia do “horrível egoísmo das crianças”, indiferentes à guerra, mas não ao estômago. Em “Assim morrem os pobres”, memória de uma estadia num hospital em Paris, um pai, internado, e uma filha, de visita, reencontram-se para o aguardado gesto da “rapariga a ajoelhar junto da cama” e “a mão do velho pousando-lhe na cabeça”. “Em vez disso, porém, ele limitou-se a estender-lhe o urinol, que ela lhe tomou prontamente das mãos e esvaziou para dentro do receptáculo.” O seu olhar mordaz sobre as riquezas da pobreza mantém intacta a vivacidade expedita da juventude e atinge o limite da sua maestria em “Ah, ledos, ledos dias”, sobre os anos de internato em Cyprian’. Nele se revela como se molda um ser às necessidades de um império, e como, criando um eu alternativo, germina uma semente de rebelião: “uma criança aceita os códigos de conduta que lhe apresentam, mesmo quando os viola. Desde os oito anos de idade, ou antes até, a consciência do pecado nunca me abandonou por completo. Se procurava parecer insensível e desafiador, tratava-se apenas de uma fina película a cobrir uma amálgama de vergonha e desânimo. Ao longo de toda a minha meninice, habituoume a profunda convicção de que não prestava, de que estava a desperdiçar o meu tempo, a esbanjar os meus dotes, a dar mostras de uma monstruosa loucura, maldade e ingratidão – e não havia forma de escapar a isto, parecia-me, porque vivia rodeado de leis que eram absolutas, como a lei da gravidade, mas a que não me era possível obedecer.” Fernando Gonçalves traduziu Newsinger; Paulo Faria traduziu Orwell. Trabalho impecável de ambos, tal como a parte gráfica. Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 49 Pop Encontro de gigantes Cesária Évora encontra Bonga no Coliseu dos Recreios. Mário Lopes Cesária Évora + Bonga Lisboa. Coliseu dos Recreios. R. Portas St. Antão, 96. Amanhã, às 21h30. Tel.: 213240580. 15€ a 50€. DANIEL ROCHA Concertos Minidigressão o David Viner é inglês mas fala blues e folk, devidamente adaptados da terra mãe, os Estados Unidos. Parceiro musical de Soledad Brothers ou Von Bondies, companheiro de digressão dos White Stripes Será noite de gala. E seria noite de gala se tivéssemos apenas Cesária Évora a apresentar o seu último álbum, “Nha Sentimento”, que ela pensou primeiro como colecção de mornas mas acabou com alinhamento com doses generosas de coladeras, para dar um pouco de movimento à anca (a nossa). Acontece que não temos apenas Cesária Évora. Afinal, o espectáculo de amanhã no Coliseu dos Recreios tem por título “Encontro das Vozes”. Noite de gala, repetimos pela última vez. Cesária Évora, nome maior da música cabo-verdiana, encontra e da Bonga, representante inigualável in para a música angolana. Dia grande gr música lusófona. Puxando do cliché, podemos p apontar que Bonga cantou cant “Sodade” primeiro, no impressionante impression “Angola 74”, álbum que com o seu antecessor, “Angola 72”, 72” do seu país transformou a música d apontando um em ecos do passado apo novo futuro – em som e palavra. depois, Cesária Évora celebrizou-a celebriz quando deixou de sser “apenas” Cabo Verde a grande voz de Ca transformar numa para se transform mais das cantoras ma respeitadas e ccelebradas da em 2007, Viner, impecável classicista, contador de histórias irrepreensível, estará em Portugal em Maio para um minidigressão: dia 20 no Teatro de Vila Real, dia 21 no Salão Brazil (Coimbra), e dia 22 no Cine-Teatro Rio Maior. chamada “world music”. Recorrendo à objectividade: antecipa-se noite de mornas e coladeras, de sembas de bom balanço e de dikanza (que não é reco reco) a marcar o ritmo da dança. Noite grandiosa, para resumir tudo muito resumido. Viagem telúrica Os britânicos The Unthanks levam Braga, Espinho e Sintra a Northumberland. Luís Carlos Soares The Unthanks Braga. Theatro Circo - SalaPrincipal. Av. Liberdade, 697. Amanhã, às 23h59. Tel.: 253203800. 8€. MUSA - Ciclo no Feminino. Espinho. Auditório de Espinho. Rua 34, 884. Dom., 9, às 21h30. Tel.: 227340469. 15€. Sintra. Centro Cultural Olga Cadaval - Auditório Jorge Sampaio. Pç. Dr. Francisco Sá Carneiro. 2ª, 10, às 21h30. Tel.: 219107110. 20€ a 25€. Há dois meses, celebrámos o terceiro disco dos Galandum Galundaina. Vem isto a propósito porque, tal como os mirandeses, os Unthanks são um colectivo que vive na raia nordestina do país – Inglaterra, neste caso - e têm na etnografia da região pão para a boca das letras das suas canções telúricas. Novamente em paralelo aos Galundaina, este quinteto britânico tem andado a apresentar o terceiro disco – a apresentação ao nosso país passará, nos próximos três dias, por Braga, Espinho e Sintra. “Here’s The Tender Coming” é o sucessor de “The Bairns” (2007), disco que foi nomeado para melhor álbum folk nos Mercury Music Prize As irmãs Unthank trazem as canções da terra do seu terceiro álbum e entrou na lista de melhores discos da década da “Uncut”. Perante os elogios, os britânicos não criaram uma fórmula. Aliás, por via da aproximação de Becky Unthank aos microfones domados pela irmã mais velha, Rachel, o nome Rachel Unthank And The Winterset deu lugar a The Unthanks. Num disco com um quinteto a vaguear entre instrumentos tão distintos como o piano, o violino, o ukelele, o acordeão, a marimba, a auto-harpa e até gongos chineses, “Here’s The Tender Coming” incorpora, pela primeira vez, o baixo e a bateria nos arranjos cuidados e delicados da banda. Tudo a postos para a viagem, portanto: vamos com as irmãs Unthank até às paisagens do condado de Northumberland. Mika (menos) efusivo Mika Lisboa. Praça de Touros do Campo Pequeno. Campo Pequeno. 3ª, 11, às 22h. Tel.: 217820575. 30€ a 35€. Parece que foi ontem. Um hiperactivo rapaz escanzelado, com cabelo aos caracóis, entrava-nos pelos ouvidos a gritar, em falsete, que podia ser de várias cores. “Grace Kelly”, o tema que apresentou ao mundo o anglo-libanês Mika, conta quão difícil foi ser aceite pelas editoras discográficas que, ávidas de encontrar figuras icónicas como a desaparecida actriz norte- americana, pretendiam moldar o seu trabalho. Após ter conseguido vender o seu peixe a uma editora multinacional, o ritmo efusivo do álbum de estreia, “Life In Cartoon Motion” (2006), espalhou as canções de Mika por todo o lado, e o hino “feelgood” “Relax take it easy” tornou-se um dos temas mais samplados de 2007, presença assídua nas “playlists” de DJ um pouco por todo o mundo. Após o impacto da estreia, o segundo álbum, “The Boy Who Knew Too Much”, lançado no ano passado, mostrava um Mika menos efusivo, ainda que não descartasse totalmente a jovialidade do antecessor. Na era dos singles, “We are golden” é o tema mais festejado do disco a apresentar neste concerto - o segundo em Portugal -, que substitui uma data cancelada por causa da nuvem vulcânica procedente da Islândia. L.C.S. As cinzas do vulcão islandês adiaram o concerto: Mika tarda mas não falha Agenda A genda Pedro Jóia e Ricardo Ribeiro Barreiro. Auditório M Municipal Augusto Cabrita. Estrada Fuzileiros Fuz Navais, às 21h30. Tel.: 212147400. 21214740 10€. Ver texto na pág pág. 16. Rufus Wainwright Wain Lisboa. Aula Mag Magna. Alam. às 21h. Tel.: Universidade, à 217967624. 32,5€ 32,5 a 45€. Gotan Pro Project Cesária Évora vai ter Bonga com ela no Coliseu dos Recreios Lisboa. Colise Coliseu dos Recreios. R. Portas St. A Antão, 96, às 22h. Tel.: 2132405 213240580. 27,5€ a 30€. B Fachada Facha Portalegre Centro de Artes do Portalegre. Espectácu Espectáculo - Café-Concerto. Praça da R Republica, 39, às 23h. Tel.: 245307498. 3€. João Coração C Faro. Teatro Te Lethes. R. Portugal, 58, às 21h30. Portuga 289820300. 7€. Tel.: 28 Norberto Lobo Norb Guarda. Teatro Guard 50 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon Municipal da Guarda - Pequeno Auditório. Rua Batalha Reis, 12, às 21h30. Tel.: 271205241. 5€. Gotan Project Deolinda Porto. Coliseu do Porto. R. Passos Manuel, 137, às 22h. Tel.: 223394947. 27,5€ a 32,5€. Guimarães. Centro Cultural Vila Flor - Grande Auditório. Avenida D. Afonso Henriques, 701, às 22h. Tel.: 253424700. 15€. Lisboa. Onda Jazz. Arco de Jesus, 7 - ao Campo das Cebolas, às 22h30. Tel.: 919184867. 15€. Cansei de Ser Sexy + José Cid + Os Homens da Luta + The Doups Rodrigo Leão & Cinema Ensemble Lisboa. Estádio do Restelo. Av. do Restelo, às 19h. Tel.: 213032653. 10€ a 12€. Alcanena. Cine-Teatro São Pedro. Avenida 25 de Abril, às 22h. Tel.: 249889115. 12€. Katia Guerreiro Barcelos. Auditório São Bento Menni. Av. Paulo Felisberto, às 22h. Tel.: 253808210. 10€. Subscuta. Deolinda Ílhavo. Centro Cultural de Ílhavo - Auditório. Avenida 25 de Abril, às 22h. Tel.: 234397260. 15€. Sofia Ribeiro Espinho. Auditório de Espinho. Rua 34, 884, às 21h30. Tel.: 227340469. 7€. Coro Gulbenkian Direcção Musical de Jorge Matta. Orquestra Barroca Casa da Música Direcção Musical de Laurence Cummings. Lisboa. Igreja de São Roque. Lg. Trindade Coelho, às 21h. Tel.: 213235383. 15€. Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho de Albuquerque, às 18h. Tel.: 220120220. 11€. Ciclo de Música Antiga. Áustria 2010. Serenatas Nocturnas: obras de Schmelzer, Biber, Muffat, Mozart e Bach. XXVI Semana Académica de Lisboa. Orquestra Nacional do Porto Direcção Musical de Martin André. Com Piia Komsi (soprano). Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho de Albuquerque, às 18h. Tel.: 220120220. 16€. Obras de Sibelius, Tinoco, ariaho e Saariaho aga Santos. Braga Sábado 8 A Naifa Cartaxo. Centro Cultural do Cartaxo. Rua 5 de Outubro, às 21h30. Tel.: 243701600. 8€. Ver texto na pág. 16. Domingo 9 Jon Rose em Serralves Segunda 10 Patrícia Vasconcelos Lisboa. Teatro Municipal de S. Luiz - Jardim de Inverno. rno. R. Antº Maria Cardoso 38-58, às 19h. Tel.: el.: 213257650. 10€. Gotan Project oject eus nos Coliseus Martin André dirige a ONP NELSON GARRIDO/ PÚBLICO NE Sexta 7 A Naifa aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente Donny McCaslin abre o Ciclo Internacional de Jazz de Oeiras Emanuel Ax a solo e com a Orquestra Gulbenkian, a partir de terça-feira Xavier Phillips vai ao Centro Cultural de Belém O violoncelo em ascensão de Xavier Phillips Clássica Um pianista multifacetado Concerto para Piano nº5 (“Imperador”), de Beethoven, e na semana seguinte estará na Casa da Música, no Porto, para mais um recital a solo. Admirado pelo seu lirismo poético e pela sua técnica brilhante, Emanuel Ax é detentor de um repertório amplo, que se estende de Bach a figuras tão diversificadas da música do século XX como Michael Tippett, Hans Werner Henze, Paul Hindemith ou Astor Piazolla, passando pelas grandes páginas do classicismo e do romantismo. Nascido em 1949, em Lvov (Polónia), começou a estudar piano aos seis anos em Varsóvia. A sua família mudou-se em 1961 para a América do Norte, permitindo-lhe continuar a sua formação na prestigiada Juilliard School de Nova Iorque. Estreou-se em 1969, mas foi apenas a partir de 1974 — ano em que foi o vencedor da primeira edição do Concurso Internacional de Piano Arthur Rubinstein, em Telavive — que Ax começou a sua carreira internacional. Artista exclusivo da editora Sony desde 1987, Emmanuel Ax possui uma vast discografia que inclui, por exemplo, os concertos de Liszt, Schönberg e Brahms, tangos de Astor Piazzolla, sonatas para piano de Haydn (distinguidas com um Grammy), o Concerto para Piano “Century Rolls”, de John Adams, ou “Red Silk Dance” de Bright Sheng. Apresentou-se também numerosas vezes em quarteto com o falecido Isaac Stern, Jaime Laredo e Yo-Yo Ma — uma frutuosa colaboração da qual resultaram também várias discos na Sony, com obras de Brahms, Fauré, Beethoven, Schumann e Mozart. Emanuel Ax traz à Gulbenkian um aliciante programa dedicado às Sonatas de Beethoven e Schubert. Cristina Fernandes Emanuel Ax Lisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian - Grande Auditório. Avenida de Berna, 45A. 3ª, 11, às 19h. Tel.: 217823700. 15€ a 30€. Ciclo de Piano. Obras de Beethoven e Schubert. Emanuel Ax e Orquestra Gulbenkian Direcção Musical de Bernhard Klee. Lisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian - Grande Auditório. Avenida de Berna, 45A. 5ª, 13, às 21h. Tel.: 217823700. 10€ a 20€. Obras de Beethoven, Webern e Haydn. Para a sua actuação no Ciclo de Piano da Fundação Gulbenkian no próximo dia 11, Emanuel Ax escolheu um aliciante programa centrado nas Sonatas de Beethoven e Schubert, ilustrativo de diferentes períodos criativos destes compositores. De Beethoven interpreta as Sonatas op. 2, nº3, e op.81a (“Les Adieux”), e de Schubert as Sonatas op. 42 e op. 120. O pianista polaco apresenta também nos dias 13 e 14, com a Orquestra Gulbenkian, o Orquestra Metropolitana de Lisboa Direcção Musical de Mark Stringer. Lisboa. Centro Cultural de Belém - Grande Auditório. Praça do Império. Dom., 9, às 17h. Tel.: 213612400. 5€ a 15€. Obras de Beethoven, Schostakovich e Schubert. Antigo aluno de Paul Tortelier e de Mstislav Rostropovitch, dois gigantes do violoncelo do século XX, o jovem instrumentista francês Xavier Phillips (n. 1971) tem desenvolvido nos últimos uma bem sucedida carreira internacional, que inclui vários prêmios da crítica discográfica. Em paralelo com recitais a solo, tem tocado com orquestras europeias e americanas como a Orquestra de Paris, a Orquestra Nacional de França, a Filarmónica de Nova Iorque e as Sinfónicas de Berlim, Chicago, Houston, Seattle e Bamberg, entre outras. A sua gravação dedicada à música de câmara de Alberic Magnard foi distinguida com o “Grand Prix du Disque” e o seu disco com o pianista turco Hüseyin Sermet, dedicado às Sonatas de Schnittke, Chostakovitch e Prokofiev, recebeu um “Choc” na revista “Le Monde de la Musique”. Registou ainda com sucesso o Concerto para Violoncelo, de Lalo, e um CD dedicado a Kodaly com JeanMarc Phillips-Varjabédian. No próximo domingo, Xavier Phillips apresenta-se no Centro Cultural de Belém com a Orquestra Metropolitana de Lisboa na interpretação do Concerto para Violoncelo nº1, op. 107, de Chostakovich. O programa, dirigido Quinta 13 PerKool Quartet Vashti Bunyan + B Fachada Porto. Casa da Música - Sala 2. Pç. Mouzinho de Albuquerque, às 19h30. Tel.: 220120220. 7,5€. Lisboa. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique, Armazém A, às 22h. Tel.: 218820890. 12 €. Matosinhos em Jazz 2010 - Festival Internacional de Jazz de Matosinhos. Obras de Mário Laginha, FustéLambezat, Carlos Azevedo. Ver texto na pág. 12. A Silent Film Patrícia Vasconcelos A Naifa Lisboa. Aula Magna. Alam. Universidade, às 21h30. Tel.: 217967624. 19€ a 24€. Lisboa. Teatro Municipal de S. Luiz - Jardim de Inverno. R. Antº Maria Cardoso, 38-58, às 19h. Tel.: 213257650. 10€. Faro. Teatro Municipal de Faro. Horta das Figuras - EN125, às 21h30. Tel.: 289888100. 12€. Sofia Ribeiro Quarteto Ver texto na pág. 16. Lisboa. Onda Jazz. Arco de Jesus, 7 - ao Campo das Cebolas, às 22h30. Tel.: 919184867. 7€. Porto. Auditório de Serralves. Rua Dom João o de Castro, 210, às 22h. Tel.: 226156500. 3,75€ a 7,5€. Matosinhos. Cine-Teatro Constantino Nery. Avenida Serpa Pinto, às 21h30. Tel.: 229392320. Entrada gratuita. inhos Orquestra de Jazz de Matosinhos Di evedo,, Direcção Musical de Carlos Azevedo, tro Caldas da Rainha. Centro Cultural e Congressos - Grande Auditório. Rua Doutor Leonel Sotto Mayor, às 21h30. Tel.: 262889650. 5€ a 10€. Ricardo Ribeiro oO junta-se a Pedro dro Jóia O RUI GAUDÊNCIO Sofia Ribeiro Quatro diferentes visões do jazz actual na edição 2010 do Ciclo Internacional de Jazz de Oeiras. Rodrigo Amado Som da Surpresa 2010 Com Donny McCaslin Trio (hoje), Don Byron Ivey Divey Trio (amanhã), Edward Simon Trio (dia 21) e Jamie Baum Septet (dia 22). Oeiras. Auditório Municipal Eunice Muñoz. Rua Mestre de Aviz. Hoje e amanhã, às 22h. Tel.: 214408411. 7,5€. Começa hoje a edição 2010 do Som da Surpresa, Ciclo Internacional de Leça da Palmeira. Exponor, às 21h30. Tel.: 229981300. 10€. Ciclo Documente-se! 2010. “Violino olino Escravo - a true story of a slave violinist”. Matosinhos em Jazz 2010 - Festival Internacional de Jazz de Matosinhos. Donny McCaslin e outras surpresas RITA CARMO Jon Rose Biel Ballester Trio Jazz Jazz de Oeiras, com as honras de abertura a caberem ao trio de Donny McCaslin, um saxofonista que tem construido uma percurso brilhante e que se tornou um dos solistas mais requisitados da actualidade. Colaborações com a Big Band de Maria Schneider ou o quinteto de Dave Douglas, entre muitos outros, transformaram um relativo academismo de início de carreira numa poderosa versatilidade musical. Com ele, estarão em palco Scott Colley (contrabaixo) e Antonio Sanchez (bateria). Amanhã, sábado, é a vez do trio Ivey Divey, do clarinetista e (agora) saxofonista Don Byron, um dos notáveis sobreviventes da geração Knitting Factory. Considerado um dos grandes mestres do clarinete jazz, Byron combina elementos tão diversos como o klezmer, o funk, o hip-hop ou o blues, para destilar um estilo profundamente pessoal que, aqui, presta homenagem a Lester Young. De destacar ainda a presença de Uri Caine, no piano. No fim-de-semana seguinte, é a vez de subir ao palco o trio de Edward Simon, pianista de origem venezuelana que tem vindo a conquistar uma crescente, e merecida, notoriedade. Integrando actualmente os SF Jazz Collective, Simon brilha particularmente num contexto de trio, formação que permite observar de perto todas as subtilezas do seu estilo. Para terminar, apresenta-se o septeto da flautista e compositora Jamie Baum, música norte-americana que esteve já por diversas vezes no nosso país com o seu jazz de câmara, sofisticado e pleno de swing. Pedro Guedes. Terça 11 Quarta 12 pelo maestro Mark Stringer, inclui ainda a Abertura “Rei Estevão”, op. 117, de Beethoven, e a Sinfonia nº 8, em Dó Maior, D. 944, “A Grande”, de Schubert. Esta última obra, a mais extraordinária partitura orquestral do compositor austríaco, é também conhecida por alguns melómanos e citada em obras de referência como a Nona Sinfonia de Schubert, devendo-se essa divergência a diferentes critérios de catalogação usados ao longo do tempo. C.F. Deolinda em digressão nacional Cansei de Ser Sexy em Lisboa C Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 51 Discos Sequela Pop Está tudo bem, foi tudo perdoado Os National resistem à tentação de se tornarem os U2 e em vez disso resolveram mostrar que são os únicos homens crescidos a fazer música. Impressionante. João Bonifácio The National High Violet 4Ad; distri. Popstock mmmmm Até certo ponto sabemos como funcionam as canções dos National: Matt Berninger, o vocalista, primeiro sussurra depois berra quase-aforismos grandiloquentes, em que o universo do americano médio é transformado em épico semi-patético. Ao redor da voz de barítono há uma segunda melodia dividida entre as duas guitarras; quando uma linha de guitarra se repete, g p , a linha de baixo altera-se; quando o ritmo se repete, as frases das guitarras fogem do seu lugar; e em fundo, a percussão, mais que marcar o tempo, amplia a “emoção” que a voz procura. No entanto, a fórmula resulta em objectos radicalmente diferentes. Em “Alligator” (2005) tínhamos o fim da juventude retratada em indie-rock explosivo e ébrio, enquanto em “Boxer” (2010) tínhamos a entrada na idade adulta em registo de câmara. Agora temos o “lá fora”, o mundo, e, musicalmente, um cruzamento exponenciado dos universos dos dois discos precedentes: voltam as guitarras e os ritmos mais acelerados, mas os arranjos são ainda mais proeminentes – coros, metais, cordas, há de tudo e por todo o lado. É admirável como esse improvável ponto de encontro entre “Alligator” e “Boxer” é encontrado em canções lindíssimas como “Bloodbuzz Ohio” (guitarras à frente e metais por cima, a agigantá-la), a magnífica “Terrible love” (toalhas de guitarras que terminam num crescendo e o baixo marcado no piano), “Vanderlyle crybaby geeks” (piano lento, arrepio de cordas, coros, um hossana para a classe média como Nick Cave nunca foi capaz de escrever), a extraordinária “Afraid of everyone” (um comovente ensaio sobre o medo da paternidade) ou “Anyone’s ghost”, noir de guitarras para almas de predação nocturna . Mas, nesta última, atentem nos coros em fundo, no cuidado posto nos sombreados de oboés e, na ponte, no pontilhismo dos violoncelos. E em “Afraid of everyone” notem o truque da segunda frase melódica começar a ser feita pela guitarra para ser completada por um oboé,, antes da p p entrada dos metais à medida que a intensidade aumenta. Notem o trabalho de harmonia dos coros. São nano-detalhes que só à audição enésima a dição se au em toda revelam Um dos álbuns históricos do hip-hop vai ter um segundo capitulo. GZA está a trabalhar em “Liquid Swords II”, sequela do disco, de 1995, dos Wu-Tang Clan. Apesar de se tratar de um projecto a solo, o disco contará com a produção de RZA, outro dos elementos do grupo nova-iorquino. a sua grandiosidade e que servem não apenas para embelezar mas sim causar – por régua e esquadro – emoção, e através desta pôr as gentes a olhar para as suas vidinhas e, por mais que isso aí ao espelho moa e doa, fazê-las encontrar algum conforto na sua sarjeta privada. Como com todos os discos dos National, entra-se nisto com um encolher de ombros e acaba-se, um mês de escutas depois, com um vago sentimento adolescente, de braços levantados para os céus como se isto fosse a última alegria antes de voltarmos para o cárcere da gordura no fogão, felizes por existirmos na mesma época que estes tipos, por podermos admirar isto antes de o cuidado com a carreira, com a meticulosa falsa polidez dos sorrisos diários, nos levarem de vez o pouco de humanidade e dignidade que nos resta. E não há mais ninguém neste mundo cheio de vencedores, de gente bonita e séria, que nos faça lembrar o lixo todo que fizemos – e o faça com um abraço. Como canta Berninger a fechar o disco: “Man, it’s all been fogiven”. Está tudo bem, gente boa. Não se esqueçam é que depois acaba o disco e volta-se à vida. Mudar para quê? Décimo Divine Comedy traz Neil Hannon de volta ao seu melhor. Luís Maio The Divine Comedy Bang Goes The Knighthood Divine Comedy Records Edel mmmmn Como com todos os discos dos National, entra-se nisto com um encolher de ombros e acaba-se, um mês de escutas depois, de braços levantados para os céus 52 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon Neil Hannon na banheira vestido só com um laço, um chapéu de coco e um cachimbo, a dar banho ao cão, acompanhado por uma garrafa de champanhe e no canto inferior direito, quase a sair da fotografia, o inevitável pato de borracha. A capa é o perfeito epítome visual do que tem sido a carreira de Hannon/Divine Comedy, revista e actualizada em grande estilo neste seu décimo álbum de estúdio. Antes houve discos conceptuais e introspectivos, inflexões eléctricas e electrónicas, álbuns de versões e canções para outras vozes. Hannon nunca deixou, porém, de fazer o que sempre fez melhor: canções narrativas, retratos irónicos mas generosos da sociedade britânica, em formato pop e arranjos sinfónicos, na linha de Jacques Brel e Scott Walker. Agora, em “Bang Goes The Knighthood”, as experiências The Divine Comedy: um triunfo no capítulo das sinfonias pop que comentam a vida de todos os dias passam para segundo plano, para dar lugar a uma nova celebração do que é vocação e o verdadeiro talento de Hannon. Não será a sua obraprima, não porque seja inferior, simplesmente porque antes houve “Promenade”, “Casanova” ou “Fin de Siècle”. Todas as canções oferecem melodias trauteáveis e arranjos sofisticados, não há em 12 títulos um só que seja descartável. Desta feita, no entanto, as canções que primam pelo humor são as que mais se destacam. “At the indie disco”, o primeiro single, invoca os posters de Morrissey com ramos de flores ou os ritmos de “Blue Monday” dos New Order para pintar a cena rock alternativa, num misto delicioso de ironia e de cumplicidade. Tanto ou mais vai dar que falar “The complete banker”, delirante sátira ao mundo da alta finança, escrita do ponto de vista dos banqueiros viciados em especulação, responsáveis pela actual crise mundial. Corre o risco de ser banida em Wall Street a não ser que os corretores da bolsa ganhem um insuspeito sentido de humor (ou de arrependimento). Há, depois, canções sobre gente que aposta o que tem e não tem no jogo (“Bang goes the knighthood”), sobre raparigas que ganham a vida como amantes de hora de almoço (“Neapolitan girl”). Mas a piada musical mais excêntrica acaba por ser a mais inócua: chama-se “Can you stand upon one leg” e prova que Hannon consegue estar a cantar a mesma nota de um único sopro, durante meio minuto. Pelo meio há um par de celebrações do romance e do easy listening (“Island life”, “Have you ever been in love”), outro par de épicos sinfónico-humanistas (“Down in the street below” e “When a man cries”), que também recriam território familiar aos fãs de Divine Comedy. É claro que não há novidades de maior em lado aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente Nice Nice: respeito, senhoras e senhores, muito respeito mmmmm Se um álbum começa com estes versos, “I’m a street walking cheetah with a heart full of napalm / I’m a runaway son of the nuclear a-bomb / I am a world’s forgotten boy / The one who searches and destroys”, exige-se que a música o traduza devidamente. Pode parecer estranho, no ano da Graça de 2010, 37 passados desde a edição de “Raw Power”, escrever a frase anterior. Afinal, crescemos com “Raw Power” e têmo-lo por garantido. Sabemos que aquela letra não existe sem a música visceral que a acompanha, qual granada atirada ao coração do rock’n’roll para o regenerar definitivamente. No entanto, ouvindo novamente “Raw Power” nesta reedição que ao álbum original acrescenta um concerto em Atlanta, registado em 1973 (existe também uma versão deluxe, em edição limitada, que inclui ainda um CD de outtakes e raridades e um “making of” em DVD), percebe-se como o terceiro álbum dos Stooges só existe enquanto corpo e verbo, inseparáveis. Porque a raiva e a vertigem autodestrutiva de Iggy Pop Somos todos Monks! The Monks Black Monk Time Light In The Attic; distri. Flur mmmmm “Raw Power” é um disco de sexo e violência, é um disco violentamente sexy e inspirador Nada aqui é inocente. Não o é a produção, que procurou a forma exacta de transpôr para disco uma ideia sónica, pensada como verdadeiro ataque aos sentidos. Não o é o banjo em que Dave Day colocou cordas de guitarra eléctrica, resultando num “clang clang” mecânico que transforma um instrumento tradicional em matraquear de música industrial. Não o é a guitarra eléctrica de Gary Burger, que potencia o tom paranóico da sua voz, que é toda ela ritmo e dissonância de feedbacks infernais. Não o é o órgão de Larry Clark, que não ilumina nem pontua, que atravessa as canções em “flashadas” que cegam, incandescentes. E não o é a secção rítmica de Roger Johnston, baterista de precisão tensa, marcial (tudo timbalões e tarola, nada de pratos), e Eddie Shaw, o baixista do “fuzz” endemoninhado. Não, nada em “Black Monk Time” é inocente. Justíssima premonição a daqueles que, em 1966, disseram a cinco exsoldados americanos a viver na Alemanha que a sua banda era o som do futuro. “Black Monk Time”, único e inesgotável, continua a sê-lo em 2010. Não acreditem quando um arauto new-age ou um rapaz cheio de boas intenções com guitarra acústica a tiracolo vos cantar ao ouvido que o yoga conduz à salvação e que um pôr-do-sol na Arrábida pode conduzir uma vida de beatitude. Concedemos com moderada relutância que até pode suceder assim - nos intervalos. Quanto ao resto, quanto à vida ela mesma, ouçam-se os Monks. Não, não está tudo bem: “Alright, my name’s Gary. Let’s go, it’s beat time, it’s hop time, it’s monk time! You know we don’t like the army. What army? Who cares what army?” Não, não está tudo bem: “Stop it stop it, I don’t like it… stop it! It’s too loud for my ears.” No início era isto, “Monk time”: garage para destruir salões nobres e danças hedonistas sem sentido. Depois, a canção de ódio para acabar com as canções de amor, paranóia violenta que inventa os Stooges sem os Stooges o saberem: “I hate you with a passion baby, yeah I do! (But call me!)”; e depois a paranóia que é já neurose quando chegamos a “Complication” e a natureza humana se revela em todo o seu tenebroso esplendor: “People cry / Complication! / People die for you. / People kill / Complication! / People will for you. / People run / Complication / Ain’t it fun for you?” Verdadeiramente impressionante o alcance de “Black Monk Time”, incrível tudo aquilo que contém de invenção, de prenúncio de futuro. A sôfrega inocência dos Beatles tornada intervenção dadaísta em “We do wie du”, a gravilha sónica dos Velvet de “White light, white heat” antecipada na guitarra de “Higgle-dy – piggle-dy” (“way down to heaven, Yeah!”). O pôr em cena do pós-punk no tom repetitivo, insistente, de “Blast Off!” e o nonsense da desmontagem pop de “Cuckoo”, que podemos jurar que David Byrne terá ouvido antes de decidir tornar-se vocalista de uma banda chamada Talking Heads. Os Monks de “Black Monk Time” me” são supostamente heróis do “garage rock” de 1960 que reedições como esta (que ao álbum original acrescentam um par de singles posteriores ou uma canção ao vivo) transformaram em culto bem alimentado ao longo dos anos. Grave erro. São o elo perdido da história do rock’n’roll, o ponto onde todo um futuro de marginalidade, confronto, acção e invenção bebeu algo. Escapar-lhes não é uma possibilidade: “You’re a monk, I’m a monk, we’re all monks!”. Estamos todos comprometidos. M.L. Maravilhosa M aravilhosa alucinação Nice Nice Extra Wow Warp; distri. Symbiose mmmmn O apreço, ou melhor, a obsessão que Jason Buehler e Mark Shirazi têm pela repetição está desde logo inscrita no nome da banda. Nice? Nice! O apreço, corrijamos, a obsessão SÃO LUIZ MAI~1O 1O E 11 MAI PATRÍCIA VASCONCELOS LET’S DO IT, LET’S FALL IN LOVE CONVIDADOS SEGUNDA E TERÇA ÀS 19H30 JARDIM DE INVERNO M/3 BENVINDO FONSECA CAMANÉ LÚCIA MONIZ SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640 © Carlos Ramos Iggy And The Stooges Raw Power Columbia/Legacy; distri. Sony Music The Monks: o ponto onde todo um futuro de marginalidade, confronto, acção e invenção bebeu algo WWW.TEATROSAOLUIZ.PT Caos perfeito encontra tradução perfeita nos Stooges, máquina rock’n’roll em que a decrepitude é manifesto urgente e a ilusão do descontrolo o auge da sofisticação – algo acentuado pela mistura escolhida, a original de David Bowie. Não é por acaso que, no concerto, ouvimos uma miúda lamentar-se (“I don’t think he likes us”) quando terminam os oito minutos de “Head on”, um violento triturar de Jagger e Morrison, dos The Who e do “Hey Joe” – é a mesma voz que, depois, há-de berrar uma e outra vez “Iggy, I want your body!” enquanto Iggy vocifera “it’s time to search and destroy cause all this gotta go”, enquanto Iggy pergunta “Can anybody hear me?” para se irritar logo a seguir: “I didn’t mean with your ears! Oh, you ignorant mother…” “Raw Power” é um disco de sexo e violência, é um disco violentamente sexy e inspirador. E é um álbum impossível de reproduzir porque, apesar de se pressupor alguém do outro lado a reagir a toda a fúria e desconforto, tudo nele nasce de uma quase assustadora intimidade. É a música que emanou daqueles quatro músicos (Iggy Pop, James Williamson, Ron e Scott Asheton), naquele momento específico. Sozinhos perante o mundo, escolheram atirar-se à jugular do conforto a serem engolidos por ele. O paraíso não existe e só o perigo e o excesso, só a destruição podem regenerar-nos. “Penetration” e “Raw power”: “Gimme danger, little stranger”. Nunca o caos foi tão perfeito. Mário Lopes APOIOS nenhum, que tudo não passa de uma revisão actualizada da matéria dada ao longo de uma dezena de álbuns. Não é menos certo que são um triunfo no capítulo das sinfonias pop que comentam a vida de todos os dias. Ou que ninguém faz Neil Hannon melhor que Neil Hannon. BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H T: 213 257 650; BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 53 Discos que têm pelo poder do som, som simplesmente, descarregado em doses cavalares sobre os nossos ouvidos, está por sua vez inscrito no nome do álbum. Um tipo chega muito descontraído a casa, olha para a simplicidade da capa que vêm acima e, inadvertidamente, sem qualquer protecção, põe a rodar a peça. Cinquenta e tal minutos depois o diagnóstico, sem hipótese de erro, é precisamente aquele: “Wow! Extra Wow!” A descrição do novo álbum da banda de Portland, formada por um baterista e um guitarrista e, principalmente, pela imaginação transbordante que os leva a sobrepor camadas e camadas de instrumentos, de ruídos, de fitas manipuladas, nunca fará justiça ao que aqui se ouve. Falar-se-á de violenta trip shoegaze, daquela que liquefaz o cérebro até que nada reste senão o zumbido de um mantra eléctrico, de doses elevadas de motorika e kozmische tal como explicado por Neu! e Harmonia, falar-se-á do rock que é já outra coisa dos Battles, da África vista por olhos ocidentais que se vai desenhando em lofts de Brooklin, do psicadelismo da década de 1970, esse de rigorosíssima dieta de cogumelos seleccionados, ou das maquinações electrónicas que o magnífico Dan Deacon vem orquestrando lá para os lados de Baltimore. Poderemos falar de tudo isto, citar tudo isto, mas depois chegamos a “Extra Wow” e tal revela-se deveras insuficiente. Montado como um contínuo musical, praticamente sem pausas, “Extra Wow” é um OVNI que tinha tudo para correr mal – com esta salgalhada de referências, o mais provável seria transformar-se num “District 9” onde sobreviveriam, perante a fraca tolerância da população, juntamente com toda a vasta lista de armados ao pingarelho ngarelho que tentam mostrar-se mais espertos do que são realmente. Mas, “arrojo!, audácia!, emoção!”, nada corre rre mal em “Extra Wow”, um verdadeiro deiro tratado em alucinações pop, sem fronteiras definidas e sem outro utro propósito que não sugar o ouvinte uvinte para o coração desta deliciosa sa e inebriante “freakalhada”. Quando, depois das percussões ssões em loop e das guitarras cósmicas, depois dos teclados os planando o espaço e de todoss aqueles sons que nos assaltam m de proveniência indefinida, percebemos que isto é o trabalho balho de dois tipos que actuam como mo meticulosos cientistas sónicos os procurando infatigavelmente eo Santo Graal do psicadelismo – algo que provoque a mesma sensação ação de maravilhamento e euforia de e “Tomorrow never knows” -, os Nice Nice ganham uma outra dimensão. ensão. Respeito, senhoras e senhores, es, muito respeito. M.L. 54 • Sexta-feira 7 Maio 2010 • Ípsilon aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente Delorean: talvez seja tempo de reavaliar a forma como olhamos a pop vinda de Espanha Delorean Subiza Mushroom, distri. PopStock mmmmn O ano passado, descrevíamos nestas páginas a música dos espanhóis Delorean como sendo pop dançante à beira da euforia. O álbum “Subiza” confirma-o. É uma obra de canções solarengas, descomprometidas e simples, assentes em dinâmicas rítmicas electrónicas, grande acessibilidade melódica, vozes entusiásticas e estruturas ensaiadas em tantas outras canções pop. À superfície encontramos um misto de exaltação à Animal Collective, de jovialidade à Cut Copy e de electrónica minimalista em crescendo como a desenvolvida por DJs e produtores como James Holden. Há uma junção de afectividade pop, rasgos diluídos de rock e um rol infinito de camadas electrónicas, que nos levam a pensar em discos de outros tempos – de “Screamadelica” Screamadelica dos Primal Scream aos New Order da primeira metade dos anos 80 – feitos por grupos oriundos do rock que, de repente, se entusiasmaram com as propriedades hipnóticas da música de dança. Depois da magia tropical de El Guincho, eis os Delorean. Talvez seja tempo de reavaliar a forma como olhamos a pop vinda de Espanha. Vítor Belanciano Sharon Jones & The Dap-Kings I Learned The Hard Way Daptone. Distri. Massala mmmnn “Eu aprendi da maneira dura” é o nome do álbum e a perfeita epígrafe para o que tem sido a carreira de mais baixos que altos de Sharon Jones. Nascida na Geórgia, em 1956, começou por fazer coros para artistas funk e disco sound, na Nova Iorque de meados dos anos 70. Mas ninguém a quis assinar em nome próprio – era demasiado velha (ou seja, mais de 20 anos de idade), demasiado gorda, demasiado negra, ou demasiado feia - ou pelo menos foi as desculpas que foi ouvindo. Decidiu então experimentar profissões mais Sharon Jones & The Dap-Kings: o artigo genuíno Meshell Ndegeocello: a cada audição, uma nova descoberta musculares, passando a ganhar a vida como segurança em carros forte e carcereira em prisões novaiorquinas. A sua sorte começou a mudar no dia em que o marido entrou para a editora “familiar” Daptone e ela se associou à banda de virtuosos soul Dap-Kings (2001). Quando, em meados da década passada, explodiu a moda das novas cantoras soul, incluindo Amy Winehouse e Duffy, as atenções finalmente convergiram sobre Sharon, celebrada como uma figura tutelar delas todas. Ela tem, no entanto, pouco ou nada a ver com essa vaga de artifício pop, diferença que justamente se comprova neste seu quarto álbum com os Dap-Kings. Voz calejada e rugosa, mas nem por menos acetinada, canta os pequenos dramas do quotidiano como tragédias bíblicas, acompanhada por majestosos arranjos de sopros e de cordas. Não se vislumbra qualquer pretensão de ser original, ou minimamente actual. Sharon é o artigo genuíno, a verdadeira diva soul “velha escola” em todo o seu esplendor revivalista. A sua prestação no Meco (18 de Julho) anuncia-se, aliás, como um dos momentos mais altos do próximo Super Bock Super Rock. L.M. Meshell Ndegeocello Devil’s Halo Mercer Street, distri. PopStock mmmnn Intrigante, como sempre, Meshell. Nunca se sabe o que esperar dela a cada álbum. E já lá vão nove, ao longo de uma carreira com quase vinte anos. “Devil’s Halo” é mais uma dessas obras onde para além dos géneros – soul, rock, jazz, funk – expõe sempre intensidade e letras que complexificam temas de sexo, género, amor, política. Muitas vezes conotada com o centro do mercado, por ter sido uma das pioneiras do moderno R&B e por ter feito parte das apostas de Madonna na editora Maverick, a americana é alguém difícil de situar, mais aventureira e livre do que algumas das figuras conotadas com linguagens alternativas. Talvez o nova-iorquino Carl Hancock Rux seja alguém que se aproxime dela, na forma orgânica como se relaciona com a música. Mas mesmo assim nos últimos álbuns tem ido por outros territórios, nunca escolhendo trajectórias fáceis. Seria uma pena se o novo álbum – agora editado na Europa, depois de o ter sido em Dezembro, nos EUA – passasse despercebido. Na maior parte das canções há uma voz profunda, um som encorpado, que começa por norma de forma subtil, segregando intimidades, para ser desconstruído com virulência. É uma obra diversa, que se desenvolve entre a envolvência jazzistica de “Tie one on” e o rock de “Brigh shiny morning”, deixando entrever a cada audição uma nova descoberta. V.B. Clássica Trio ao rubro Lang Lang estreia-se na gravação de música de câmara ao lado de dois gigantes. Rui Pereira Tchaikovsky e Rachmaninov Trios com piano Lang Lang, Vadim Repin e Mischa Maisky DG 4778099 mmmnn Dizer-se que em música de câmara os músicos devem ter a capacidade de se contagiarem uns aos outros é, geralmente, um elogio. No entanto, quando o foco de contágio dá pelo nome de Mischa Maisky, devemos ter reservas e prescrever uma quarentena artística ou, então, uma vacina contra o “ímpeto à flor da pele”. O cenário é o seguinte: três grandes solistas, Lang Lang, Repin e Maisky, juntos para gravarem repertório russo. Ao que parece, foi Lang Lang quem escolheu o repertório e os músicos. Começaram a gravação com o Trio elegíaco de Rachmaninov, um compositor maravilhoso mas cuja música já tem, por si só, um grande número de clímaxes. Mischa Maisky é um músico ímpar e com imensas qualidades mas, desculpem-me a comparação, parece um daqueles condutores que se põe a acelerar antes do semáforo passar a verde. A sua forma de tocar é arrebatadora, disso não restam dúvidas, e até pode haver quem fique rendido ao seu encanto, ou paixão, mas uma outra forma mais contida de passar esse ímpeto favorece, na maior parte dos casos, a chamada expressão de emoções na música e não se torna tão cansativa. A música de Tchaikovsky, o Trio à memória de um grande artista, também tem esse arrebatamento que os músicos russos tão bem expressam e, justiça seja feita, resiste melhor à interpretação ao rubro deste trio. O veredicto é o seguinte: um trio de grandes solistas ao rubro; quem gostar de arrebatamento total, da primeira à última nota, deve ir a correr comprar o disco; quem não for sensível a esse tipo de interpretação e procurar uma expressão de emoções mais contida deve esquecer que o disco existe. Jazz Miguel Amado com “groove” Miguel Amado This is Home Toneofapitch, distri. Dargil mmmnn Além de virtuoso executante no baixo eléctrico, Miguel Amado é um músico extremamente versátil, atributos que lhe têm valido participação regular em projectos tão distintos quanto o Lisbon Underground Music Ensemble (LUME), o trio/quarteto do guitarrista Pedro Madaleno, o grupo sPILL, o quinteto de Rodrigo Gonçalves ou o Septeto do Hot Clube. Para tocar na maior parte das faixas deste segundo álbum em seu nome, Amado reuniu o trompetista João Moreira, o guitarrista André Fernandes, o pianista/teclista Ruben Alves e o baterista Vicky, contando ainda com a participação especial do baixista Yuri Daniel e do baterista Alexandre Frazão numa faixa, do baterista Bruno Pedroso em duas faixas e do percussionista João Ferreira noutras quatro. Tudo começa bem com “Yellow box”, tema com um balanço irresistível e com belíssimas improvisações por João Moreira e pelo próprio Miguel Amado. O melhor do álbum é ouvido ainda em “The one you know”, “Fatherhood” (tema que apresenta Amado no contrabaixo, em trio com om Pedroso so e Fernandes, ndes, e que soa como uma composição osição do guitarrista) rista) e “Five e steps”,, onde mais uma vez ez se destaca ca João Moreira ra e o seu minucioso ioso controlo olo dos pedais de efeitos. Outras faixas, como a mais africana “Mojo dance” ou o explícito “Rock attempt”, ambas valorizadas pela prestação de André Fernandes, contribuem de forma mais modesta para o sucesso do disco, sendo bem menos interessante o que se passa na faixatítulo e na escusada demonstração de virtuosismo de Amado e dos convidados Yuri Daniel e Alexandre Frazão numa versão de “Solar” (de Miles Davis, o único não original do álbum). Absolutamente dispensável é a faixa de encerramento do álbum, na qual, com gosto bastante questionável, Amado e Ruben Alves desfilam os seus instrumentos ao ritmo de quem vai apagar fogo. “This is Home” poderá não garantir o interesse da ala mais purista de amantes do jazz, mas não deixa por isso de estar recheado de situações capazes de seduzir ouvidos mais sequiosos do tipo de “groove” raramente presente no tal jazz dito mais puro. Paulo Barbosa Miguel Amado: pode não interessar aos puristas, mas seduzirá os sequiosos de “groove” Lang Lang Ípsilon • Sexta-feira 7 Maio 2010 • 55
Similar documents
Morde-me, mas pouco - Fonoteca Municipal de Lisboa
Editores Vasco Câmara, Joana Gorjão Henriques (adjunta) Conselho editorial Isabel Coutinho, Inês Nadais, Óscar Faria, Cristina Fernandes, Vítor Belanciano Design Mark Porter, Simon Esterson, Kuchar...
More information